Brasil Periferias: a Comunicaçao Insurgente do Hip Hop

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posição do Estado em punir a delinqüência cometida por cidadãos pobres, isto é, polícia e justiça revelam “maior rigor punitivo contra negros, pobres, migrantes” (ibidem: 108). Estas constatações extravazam os limites das pesquisas acadêmicas, aparecendo já com freqüência no cinema, na literatura e na música, nomeadamente através do hiphop. Sobre o rascimo policial, o coletivo de artistas Frente 3 de Fevereiro fez o documentário Zumbi Somos Nós (2007), alinhavando os seus manifestos poéticos urbanos sobre o racismo, ao longo de vários anos, com entrevistas a especialistas na área114. O nome do coletivo de artistas (Frente 3 de Fevereiro) é referência à data do assassinato do dentista Flávio Santana, morto pela polícia quando chegava em sua casa, em São Paulo, em 2004. O dentista teria sido confundido, pela polícia, com um assaltante de carros que fugia pela região. No que tange à justiça e sistema carcerário, no documentário O Prisioneiro da Grade de Ferro (2003), de Paulo Sacramento, em colaboração com os próprios detentos, é possível observar o corte étnico na população prisional do Carandiru, por anos o maior presídio da América Latina, cuja população carcerária foi composta majoritariamente de afro-descendentes ou migrantes nordestinos. Dez anos depois do massacre dos 111 detentos, em dezembro de 2002, o Carandiru foi implodido. É da cena da implosão que inicia o filme de Paulo Sacramento, revelando o cotidiano dos diversos pavilhões e grupos internos (evangélicos, artistas, esportistas, homossexuais etc.). A história do Carandiru é também narrada por diversos grupos de hip-hop dos quais falaremos adiante. Por sua vez, a violência policial e a brutalidade das ações nas favelas podem ser vistas no documentário de João Salles, Notícias de uma Guerra Particular (1999), sobre o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Em uma das cenas deste filme, Hélio Luz, chefe da polícia civil do Rio de Janeiro115, aborda em seu depoimento a corrupção e a violência na polícia: a instituição que existe é uma instituição que foi criada para ser violenta e corrupta. [...] A polícia foi feita pra fazer segurança de Estado e segurança de elite. Eu faço política de repressão [...] mantém a favela sob controle. Como é que você mantém dois milhões de habitantes sob controle? Com repressão. [...] A sociedade quer uma polí-

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114 Foram entrevistados, para o documentário, Frei Davi (Educafro), João Cezar de Castro Rocha (UERJ), Julita Lengruber (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania - RJ), Lilian Schwarcz (USP), Nicolau Sevcenko (USP), Noel Carvalho (cineasta), Vânia Ceccato (Instituto de Criminologia/Cambridge), Vera Malaguti (Instituto Carioca de Criminologia).

115 Hélio Luz foi chefe da polícia civil do Rio de Janeiro em 1995 e 1996. Na sua gestão caiu pela metade o número de seqüestros no Estado. Ao assumir a Divisão Anti-Sequestros – DAS, desmantelou cinco quadrilhas internas de seqüestradores. Em entrevista para o jornal Folha de S. Paulo, Luz afirmou que uma das maiores dificuldades que enfrentou para diminuir a corrupção policial foi convencer empresários a não financiar a polícia: “um dos maiores problemas que eu tive foi o empresariado. Empresário faz questão de dar dinheiro para a polícia, de manter a polícia corrupta. Não dêem dinheiro para a polícia, eu dizia. A polícia tem de reivindicar salário” (FOLHAONLINE, 2002a).


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