Cidarte

lucas rodrigues

cidarte lucas rodrigues

Trabalho apresentado como requisito para a conclusão da disciplina Ensaio Teórico em Arquitetura e Urbanismo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília — FAU-UnB. Realizado sob orientação do Professor Daniel de Souza Neves Hora, a quem agradeço pela paciência e pelo tempo investido na conclusão deste projeto.

sumário

parte 1 01

origens e precursores

01

street-art contemporâneo

01

graffiti-writing - new york style

01

graffiti boom

01

street art / Post graffiti 01

keith haring e jean-michel basquiat

01

banksy e shepard fairey

01

alex vallauri e os gêmeos

parte 2 01

entrevista - coletivo transverso

01

entrevista - coletiva amorço

resumo O presente Ensaio se propõe ao estudo da arte urbana e à reflexão acerca de seu papel na dinâmica social dos grandes centros urbanos. O trabalho divide-se em duas partes: a primeira aborda o contexto global da street art, analisando aspectos históricos e a obra de alguns artistas principais; a segunda volta-se às possibilidades narrativas que essas obras adquirem e à pluralidade de significados dessas peças dentro da paisagem urbana. A primeira etapa do projeto discorre sobre algumas das primeiras ocorrências, de que se tem registro, do exercício de marcar locais públicos. Identifica-se semelhanças entre elas e o que é produzido no cenário contemporâneo, evidenciando características que permanecem recorrentes ao longo de toda sua história. É feito um breve retrato acerca das obras dos principais artistas de rua contemporâneos e são colocados alguns debates atuais acerca desse modo de fazer artístico. A segunda parte do Ensaio estuda pluralidade de significados e interpretações que a arte urbana pode adquirir.

Discute-se a maneira como essas formas de expressão atuam na transformação qualitativa dos espaços públicos e seu poder modificador da experiência urbana.

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. Origens e precursores

É difícil apontar exatamente em qual momento entre o século XX e o início do século XXI houve — e, se houve — algum marco universal para o início do reconhecimento das formas artísticas hoje conhecidas como street art. O caráter efêmero, contracultural e mundial dessas manifestações torna-se um obstáculo à identificação de um conjunto sistematizado de documentos acerca de seus precursores. A complexidade do fenômeno eleva o esforço de investigação e busca por informações precisas. De qualquer modo, as últimas décadas do século passado foram de fundamental importância para os artistas urbanos, um período marcado por grandes transformações tecnológicas. O reconhecimento difuso da street art está associado a esse ambiente cultural, amparado por meios de registro e divulgação. Processo que já era possível com o uso das mídias analógicas, mas que atinge novo patamar com a popularização das câmeras fotográficas digitais e a ampliação do uso da internet. Como toda arte efêmera, o registro é parte importante de sua possibilidade historiográfica. A música e o teatro já exercitam isso há muito tempo, por meio da partitura e do texto dramatúrgico. Através da fotografia e da internet, a street art adquire a possibilidade de registro e permanência, no instante imediato após o término de sua execução.

Entende-se que a arte urbana não possui um marco cultural singular do qual ela se origina. Trata-se de um movimento com diferentes precursores em diferentes contextos.

Sendo assim, torna-se objeto de interesse a maneira como um fenômeno de nascimento plural, isto é, com diferentes precedentes ao redor do mundo, gera frutos semelhantes em técnica, linguagem e narrativa formando um todo coeso. A íntima relação com o cotidiano urbano é rapidamente identificada como um fio condutor entre elas, porém também devem ser citadas as semelhanças em relação às técnicas utilizadas, essencialmente decorrentes da modernidade urbana — uma vez que são atreladas ao avanço das tecnologias no período industrial — como o amplo uso da tinta em aerossol (no grafite e no estêncil) e da gravura (na aplicação de pôsteres).

Mesmo as manifestações mais remotas de expressão visual em escala urbana são fundamentais à construção da narrativa da street art contemporânea. Surgem como gestos de comunicação direta, livre e em larga escala e, despretensiosamente, estabelecem as características da arte urbana. A seguir serão apresentados alguns possíveis precursores da street art e como eles podem ter contribuído para a formação da arte urbana nos moldes atuais. Reflete-se sobre obras anteriores à popularização do termo street art. Portanto, ainda não se trata de artistas urbanos, mas de pessoas cuja produção pode ter alguma influência sobre o que seria feito posteriormente.

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KYSELAK Joseph Kyselak (Viena, 1799-1831) é um dos mais remotos precursores do exercício de marcar locais públicos com sua assinatura. Frequentemente associado ao título de o primeiro dos grafiteiros, torna-se famoso ao deixar sua assinatura nas paredes do império austro-húngaro no início do século XIX. Seu trabalho surge em uma ocasião corriqueira, supostamente em uma aposta com amigos em que teria sido dado o prazo de três anos para que fosse conhecido por todo o império. Assim teria surgido seu trabalho, com a reprodução da mesma frase, Kyselak war hier! (Kyselak esteve aqui), em diversos locais como uma espécie de registro de suas passagens. Nesse caso, evidencia-se uma apropriação do espaço público com o propósito de comunicação de uma mesma mensagem em larga escala, como gesto de demarcação territorial. Ainda que de maneira genérica, pode-se observar diálogos entre as práticas de Kyselak e a arte urbana contemporânea. A criação de uma marca (“Kyselak was hiere”) e a intenção de alcançar o público amplo são fundamentais à constatação de Kyselak como um dos precursores do street art contemporâneo.

HOBOS Outra forma de expressão que pode ser tomada como um dos precedentes da arte urbana é vista no Estados Unidos e no Reino Unido. Apesar da ausência de dados temporais e autorais precisos, Jack London [1] faz referência a marcações em vagões de trem já na última década do século XIX (MARTIN, 2010). Essas grafias eram realizadas por hobos — expressão utilizada para designar trabalhadores itinerantes, em grande parte imigrantes — formando uma cultura visual conhecida como boxcar (literalmente, vagão de trem). Esses grupos apropriavam-se das carcaças de vagões como locais para intervenções que variavam desde simples assinaturas a desenhos mais elaborados, vez ou outra com a inclusão de poesias. Na cultura e arte boxcar pode-se observar a adição de conteúdos variados, com grafias repletas de textos e imagens. Essas manifestações podem ser interpretadas como pioneiras na apropriação de um equipamento público como meio de transmissão de mensagens.

ARTHUR MALCOLM STACE Em Sydney, está presente mais um dos possíveis precursores da arte de rua. Arthur Malcolm Stace (Sydney, 1884-1967), um alcoólatra reabilitado e convertido ao cristianismo que decide por anunciar sua fé em público. A partir de 1932, dá início a uma atividade que teria continuidade por 35 anos, escrever a palavra eternity (eternidade) em diversos locais [1] - Pseudônimo de John Grif�ith Chaney, estadunidense natural de São Francisco, Califórnia. Fez carreira como autor, jornalista e ativista social.

Em seus romances, inclui referências aos vagões de trem gra�itados pelos hobos. Entre eles estão O Grito da Selva, Antes de Adão, Caninos Brancos e O Lobo do Mar.

da cidade australiana. Mr. Eternity, como Stace ficou conhecido, elegera como seus locais de intervenção cenários variados, em especial, lugares com grande circulação de pessoas como estações de trem.

Durante aqueles anos, estima-se que Stace tenha chegado a reproduzir sua marca por volta de meio milhão de vezes. Torna-se então uma personalidade emblemáticada cidade australiana. De tal modo que, na transição entre os anos 1990 e os anos 2000, a palavra eternity, na mesma caligrafia usual de Stace, é registrada como propriedade intelectual e placas comemorativas são instaladas por toda a cidade. A adoção por parte dos habitantes de Sydney da obra de Stace como símbolo cívico culminou com a aplicação temporária de um letreiro luminoso instalado na Harbor Bridge (um dos pontos turísticos mais visitados da cidade) durante as festividades de ano novo em 2000 e, posteriormente, na abertura das Olimpíadas de Sydney meses depois.

Sua obra traz à tona reflexões sobre os impactos que a arte de rua pode causar no cotidiano dos habitantes de núcleos urbanos. Novamente observa-se o uso de uma marca que é reproduzida em sequência, porém, com a peculiaridade até então inédita da celebração popular desse tipo de trabalho. A obra de Stace adquire especial importância por afirmar a possibilidade de a arte urbana extrapolar o mero símbolo visual e penetrar em outras esferas de significado. Assim, o trabalho de Stace e sua repercussão deixam clara a variedade de sentidos que a arte urbana pode adquirir devido ao seu contexto de inserção, algo que será reiteradamente explorado pelos artistas urbanos contemporâneos.

letreiro luminoso sobre placa de cobre instalado na Harbour Bridge em Sydney, Austrália na ocasião da virada do ano 1999/2000.

Fonte: http://www.dailytelegraph.com.au/

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EstĂŞncil de Mussolini sobre parede autor desconhecido, sem data Fonte: http://www.thedustyrebel.com

REGIMES TOTALITÁRIOS

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Entre outras variadas influências para o surgimento da arte urbana, certamente, deve-se elencar as estratégias de propaganda dos regimes ditatoriais ou revolucionários europeus do século XX. O fascismo italiano comandado por Benito Mussolini fornece exemplos do uso das ruas como meio de comunicação. Por meio do estêncil, recurso técnico de fácil e rápida aplicação, a publicidade é feita diretamente às massas, reproduzindo imagens emblemáticas do regime, de fácil e rápida apreensão, em sequência pelas ruas das principais cidades italianas. A imagem do rosto do ditador aparece reiteradamente na paisagem em uma estratégia de comunicação, ou imposição, de uma ideia. Mas o uso do estêncil não foi exclusivo dos regimes ditatoriais. Grupos antitotalitaristas do século XX, também se apropriaram dessa técnica para manifestar publicamente sua oposição à situação instituída, como o caso de Die Weiße Rose (Rosa Branca) na Alemanha e o movimento estudantil Mai 68 (Maio de 1968) na França (MARTIN, 2010). Favoráveis ou contrárias ao regime, essas manifestações de autoria anônima criavam uma interessante situação na qual a própria sociedade transitava entre as posições de emissora e receptora do conteúdo produzido em uma espécie de diálogo em escala pública. Tendo isso em vista, essa forma de uso do estêncil como ferramenta de propaganda se evidencia como um importante precursor do street art contemporâneo. Suas características são notáveis ainda no contexto contemporâneo como a comunicação objetiva, acessível e abrangente, a difusão da informação de maneira quase redundante assemelhando-se ao informe publicitário e a veiculação direta da informação sem intermédio de terceiros.

CHICANO MURAL MOVEMENT Outra importante ocorrência do uso da arte urbana como meio de transmissão de mensagens com grande alcance ocorre com a obra do Chicano Mural Movement. O movimento chicano surge nos EUA na década de 1960 em estados americanos com forte presença de imigrantes mexicanos, como Califórnia, Texas e Novo México. Nesses estados é comum a formação dos chamados barrios, áreas cujos habitantes são em grande número imigrantes latinos, conhecidos genericamente como chicanos, termo utilizado pelos mexicanos e seus descentes nativos dos EUA para designarem a si mesmos.

O movimento chicano surge como uma reação ao contexto de opressão à comunidade latino-americana nas cidades americanas. Diante da situação de marginalização, o Chicano Mural Movement recorre a pôsteres e murais para trazer às ruas a voz de uma parte da sociedade antes muda. O trabalho produzido tratava de explicitar as lutas e o protesto desses imigrantes e, também, trazer à tona questões sobre sua identidade e suas origens impedindo que sua cultura comunitária fosse diluída. O movimento chicano mostra, novamente, a maneira como manifestações urbanas são reflexos de contextos sociais mais amplos que o simples ato de se apropriar do espaço urbano. Nesse caso, vê-se a arte como uma das poucas ferramentas de visibilidade realmente efetivas a que podem recorrer grupos socialmente marginalizados por uma cultura dominante. Há de se chamar

Mural- We’re not a minority Congresso de Artistas, 1978. Los Angeles, EUA. Fonte: https://tshaonline.org/

atenção às semelhanças com os estênceis dos períodos totalitários europeus — tanto os favoráveis quanto os contrários a esses regimes — no que diz respeito ao binário arte x sociedade, que permanece fator recorrente e significativo da arte urbana no cenário contemporâneo.

A variedade de ocorrências, motivações e técnicas observadas e resumidas aqui coloca em evidência o nascimento plural da arte urbana. Além disso, confirma-se a ideia da formação de um todo coeso ao se constatar como elo entre essas manifestações a inquietação essencial da arte de rua: a comunicação de uma mensagem direcionada à sociedade em seu conjunto. À metade do século XX, a arte urbana já dispõe de todas as ferramentas necessárias para vir à tona , como coloca Martin (2010, p. 9)

Como podemos ver por seus precedentes, a arte de rua é apenas uma evolução lógica da Arte que brinca com a ideia de identidade e espaços públicos. Por volta dos anos [19]60 todas as peças do “quebra-cabeça’ estavam quase em seus lugares; tags, estênceis, pôsteres e murais já estavam anunciando o que viria a ser umas das maiores revoluções artísticas do final do século XX.

[2]

[2] - Tradução livre para o original: “As we can see by its precedents, Street Art is only a logical evolution of art that plays with the idea of identity and public spaces. By 1960s all the pieces of the puzzle were almost in place; tags, stencils, posters, and murals were already setting the tone of what it was going to be one of the biggest art revolutions of the late 20th century.”

. Street-Art Contemporâneo A compreensão do nascimento da street art perpassa o estudo de seu antecessor imediato, o graffiti writing. Aqui, faz-se a distinção entre graffiti e graffiti writing tendo como referência a obra de Lewisohn (2008, p.15) no trecho em que define:

Por graffiti [no presente ensaio será traduzido como grafite], entende-se geralmente a referência a qualquer forma não oficial e não sancionada de aplicação de uma mídia em uma superfície. Apesar de vir a ser utilizada como um substantivo singular, é na verdade a forma plural de ‘graffito” que significa uma imagem ou texto marcados em uma parede. ”Graffiti writing’ [no presente ensaio será traduzido como escrita em grafite ou grafite de assinatura], que é separado do grafite, é o movimento mais próximo à cultura hip-hop (apesar de antecedê-la) cujo principal interesse é a tag ou a assinatura do autor. [3]

Portanto, compreende-se tanto a escrita em grafite quanto a street art como formas de grafite [4] . A primeira é, de fato, fundamental para o florescimento da segunda, porém há de se ressaltar que são formas de expressão distintas.

GRAFFITI WRITING — NEW YORK STYLE Em súbita expansão durante a segunda metade do século XX, as escritas em grafite tornam-se populares nos grandes centros urbanos dos Estados Unidos, em especial na cidade de Nova Iorque. Essas formas de expressão deram origem ao movimento que ficou conhecido como New York Style (ou Estilo Nova-Iorquino), de especial importância por sua ligação com culturas urbanas como o hip-hop e o punk, e por sua ampla difusão internacional.

Apesar de surgir na cidade de Filadélfia, Pensilvânia, na década de 1960, o New York Style ganha este nome pois é no metrô de Nova Iorque na década de 1970 que adquire popularidade e vem à tona como um movimento intimamente vinculado às subculturas [5] urbanas. Concentra-se em um trabalho de exploração tipográfica que recorre à tinta em spray (aerossol) como ferramenta básica. As experiências formais com as letras podem ser divididas em três principais vertentes: tags, throw ups e pieces (WACLAWEK, 2010).

[3] - Tradução livre para o trecho original: "By graf�iti, it is generally understood that we mean any form of unof�icial, unsanctioned application of a medium onto a surface. Altough it has come to be used as singular noun, it is in fact the plural form of 'graf�ito', which means an image or text scratched onto a wall. Graf�iti writing', which is separate from graf�iti, is the movement most closely associated with hip-hop culture (though ir pre-dates it), whose central concern is the 'tag' or signature of the author."

[4] - No Brasil, as manifestações aqui descritas como escrita em gra�ite podem também ser denominadas pichação.

08

A denominação tags refere-se às formas mais singelas dessas grafias: linhas simples, sem distinção entre contorno e preenchimento, geralmente de tamanho reduzido e execução rápida. A expressão throw ups designa trabalhos maiores, geralmente feitos em duas cores, uma para o contorno e outra para o preenchimento das letras. Por fim, o termo pieces corresponde à forma mais sofisticada: murais coloridos de grandes dimensões em que geralmente há outras referências visuais associadas à tipografia.

As palavras grafadas eram assinaturas de pseudônimos, que permitiam que seus autores ganhassem notoriedade e mantivessem seu anonimato. Em uma reflexão sobre o graffiti-writing como ferramenta de visibilidade, Waclawek (2010, p. 2) ressalta a importância da interpretação do nome estilizado devido à sua intrínseca ligação com a identidade e o status de um escritor dentro da subcultura do grafite.

À medida que essa cultura urbana se intensifica, também articula-se de maneira cada vez mais elaborada, passando a formar “uma rede social de apoio, embora competitiva, completa, com regras, hierarquias, ferramentas para a negociação de identidade, amizade e ímpeto para se afirmar na cena do grafite” [6] (WACLAWEK, p.3). O desejo de visibilidade dentro do cenário contracultural é característico do graffiti-writing e o metrô nova-iorquino, com seu intenso fluxo diário de passageiros, inicialmente parece ser o lugar ideal para a ação desses grupos. Esse modo de agir e se organizar — em que estão presentes conceitos como notoriedade, status, hierarquia e afirmação de identidade — possibilita a interpretação do graffiti-writing como um fenômeno que acontece em uma ampla esfera social. Trata-se de um movimento rebelde, motivado por um desejo de autoafirmação perante a sociedade, que se materializa na apropriação do espaço público por meio da demarcação territorial.

New York Style Graffiti - sem título Zephyr, 1977. Nova Iorque, EUA. Fonte: http://www.widewalls.ch/

[5] - Aqui subcultura é empregada segundo a de�inição do dicionário Aulete Caldas: “Grupo ou minoria social que apresenta características de outras situações sociais, mas que possui padrão de comportamento capaz de torná-lo distinto, com identidade própria, formando uma espécie de segmento cultural próprio no âmbito de uma cultura ou culturas mais amplas, o que pode ocorrer com fenômenos religiosos, de caráter étnico etc.” ternet “ [6] - Tradução livre para o trecho original: “Graf�iti subcultures present graf�iti writers with a supportive, albeit competitive, social complete with rules, hierarchies, tools for identity negotiation, friendship, and the impetus to prove oneself on the graf�iti scene”

network

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GRAFFITI BOOM Durante as décadas de 1980 e 1990 o estilo nova-iorquino se desenvolve exponencialmente enquanto difunde-se em escala internacional como resultado de viagens, trens repletos de grafites, revistas alternativas, filmes, exposições, cultura popular, cultura hip-hop e a internet.

[7]

(WACLAWEK, 2010, p.3) O início da década de 1980, com sua paixão pelas cores, ícones populares, e uma atitudade divertida e descontraída diante dos problemas cotidianos, foram o momento perfeito para o grande boom da street art.

[8]

(MARTIN, 2010, p.7)

As duas últimas décadas do século XX são fundamentais para a difusão e popularização do grafite ao redor do mundo. O movimento não mais se restringe aos cenários subterrâneos, tampouco ao New York Style. Ganha a superfície dos grandes centros urbanos, onde surgem novos traços estilísticos.

Mais sofisticadas, essas formas de grafite demandam novas designações terminológicas.

Assim surgem expressões como post-graffiti art (arte pós-grafite), neo-graffiti (neo-grafite), urban painting (pintura urbana) ou simplesmente street art (WACLAWEK, 2010, p.3).

STREET ART ou POST GRAFFITI Diferente do facilmente identificável estilo de grafite baseado na escrita, o movimento pós-grafite ostenta uma maior diversidade e inclui a arte produzida como uma evolução de, uma rebelião contra ou uma adição à tradição estabelecida do grafite de assinatura.

[9]

(WACLAWEK, 2010, p.3)

A era da street art é marcante na história do grafite uma vez que nela se destacam novos direcionamentos e contrastes em relação aos seus precedentes. O protagonismo da tipografia dá lugar às referências imagéticas, com todas suas possibilidades figurativas, abstratas e simbólicas. Os artistas formam um grupo cada vez mais eclético, rico em estilos, técnicas e temáticas. A experimentação se evidencia como uma característica principal, tanto no que diz respeito aos materiais utilizados quanto às técnicas [7] - Tradução livre para o trecho original: “During the 1980s and 1990s, the New York Style developed exponentially as it spread internationally as a result of travel, graf�iti-laden trains, underground magazines, movies, exhibitions, popular and hip-hop culture, and the Internet “ [8] - Tradução livre para o trecho original: “The early 1980s with its passion for color, popular icons, and a very relaxed and fun attitude towards everyday issues, were the perfect timing for the big boom of street art.”

[9] - Tradução livre para o trecho original: “Unlike the easily recognizable letter-based graf�iti style, the post-graf�iti art movement boasts greater diversity and includes art produced as an evolution of, rebellion against, or an addition to the established signature graf�iti tradition.“

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empregadas. Amplia-se o acervo de matérias-primas para o desenvolvimento das obras.

O que antes era feito predominantemente com aerossóis passa a ser executado com itens como tinta a óleo, acrílica, giz oleoso, carvão, adesivos, mosaicos. Ganham notoriedade no cenário urbano murais, estênceis, pôsteres e impressos. Cada vez mais, o grafite explora as várias dimensões de significado que pode adquirir junto ao contexto urbano. Nessa miscelânea e suas obras são importantes para ilustrar o desenvolvimento e o amadurecimento da street-art.

O presente Ensaio propõe-se a fazer um retrato da obra de alguns desses artistas em um apanhado geral das diferentes formas de expressão possíveis na street-art. Serão introduzidos alguns dos principais nomes da arte urbana contemporânea bem como algumas das principais discussões atuais acerca do assunto. O extenso rol de artistas com trabalhos influentes, contraposto ao alcance limitado do presente estudo, torna inevitável a supressão de alguns nomes não menos importantes no amadurecimento cultural da arte urbana. São tomados como referência para o presente Ensaio artistas cujas obras apresentam: projeção internacional, celebração pela crítica de arte contemporânea, grande quantidade de registros disponíveis e notável repercussão midiática.

Keith Haring, Jean-Michel Basquiat, Shepard Fairey, Banksy, Alex Vallauri e Os Gêmeos serão abordados em três conjuntos. Em primeiro lugar, será considerada a carreira de Haring e Basquiat, em seu auge nos anos 1970 e 1980, bem como o fato de ambos serem os principais pioneiros no processo de valorização comercial da street art nas galerias de arte contemporânea. Em seguida serão mencionados os casos de Shepard Fairey e Bansky, por serem artistas mais jovens, ainda em atividade, que possuem grande repercussão internacional e ampla aceitação pública. Por último, serão incluídos Allex Vallauri e Os Gêmeos, artistas ligados ao surgimento e validação da street art no Brasil.

A discussão sobre a obra desses artistas é feita a fim de se criar um panorama geral e um repertório básico para a posterior interpretação, dentro de um contexto histórico, do trabalho de coletivos brasilienses que serão abordados na parte 2 deste Ensaio.

keith haring e basquiat Keith Haring (1958-1990) cria ao longo dos anos 1980 um repertório de trabalhos que inclui, além das intervenções em áreas públicas, colagens, desenhos, litografias, serigrafias, pinturas e esculturas. Estilisticamente sua obra estabelece diálogos com a pop art revelando um gosto pelas cores vivas e formas de rápida apreensão. Prevalece o uso de linhas simples como elemento básico de composição na construção de um estilo figurativo característico. Estão presentes figuras estilizadas que remetem a formas humanas, animais e seres híbridos. A representação de figuras humanoides é a característica mais recorrente, feita de modo a explorar sua linguagem corporal, suas relações interpessoais e suas interações em grupo, associadas a outras referências

visuais simbólicas e caricaturescas. São comuns as alusões a temas como Aids, dependência química e homoafetividade, em uma tentativa de trazer visibilidade a essas questões até então pouco discutidas.

Jean-Michel Basquiat (1960-1988), filho de pai haitiano e de mãe porto-riquenha, ganha notoriedade na cidade de Nova Iorque sob o pseudônimo SAMO, uma espécie de marca que acompanha frases grafadas nas paredes da região do art-district [10] . Apesar de também trabalhar com o signo escrito, a produção de Basquiat em pouco se assemelha ao graffiti-writing. Sua linguagem escrita não se resume a uma assinatura e veicula mensagens ao público em geral, diferentemente do grafite de assinatura em que o signo escrito é codificado de forma a ser compreendido apenas por um público específico.

Lewisohn (2010, p. 94) cita como exemplos de frases escritas por Basquiat: “SAMO as neo art form.”

(SAMO como uma nova forma de arte)

“SAMO as an end to mindwash religion, nowhere politics and bogus philosophy” (SAMO como um fim às religiões alienantes, às falsas políticas e filosofias)

“SAMO as an escape clause.”

(SAMO como uma válvula de escape)

SAMO faz referência a um jogo fonético em língua inglesa no qual seria correspondente a “same old” (sempre o mesmo). Durante sua carreira Basquiat também realiza telas com afinidades neoexpressionistas, especialmente no período após sua inclusão no circuito de arte tradicional.

Durante os anos 1980 ocorre um importante fenômeno na história do grafite, a transição comercial da street art. A arte urbana passa a ser incorporada pelas galerias de arte.

Certamente Haring e Basquiat são dois dos mais importantes nomes a experimentar inicialmente esse processo. No outono de 1983, obras de Basquiat, e de outros artistas urbanos e graffiti writers, são recebidas pela Sidney Janis Gallery em Nova Iorque em uma exposição chamada Post-Graffiti, marcando o ingresso da arte urbana nas galerias. As obras de Haring e Basquiat são as primeiras ocorrências de um processo de celebração pública e de valorização comercial da arte urbana pelo qual, posteriormente, outros nomes também passarão.

Por volta de 1983, aos 23 anos, Basquiat atingiu seu objetivo e se tornou umas das mercadorias de arte mais procuradas no planeta [...] Haring usou sua fama para projetar-se cada vez mais dentro do coração da cultura de massa. Por volta da metade dos anos 1980 estava trabalhando [na produção de] vídeos [de música] pop que seriam mostrados na MTV e abrindo sua própria Pop Shop, uma loja descontraída na qual sua arte poderia ser acessível a todos.

(LEWISOHN, 2008, p. 96)

[11]

11

abaixo.

extremidade inferior

abaixo.

Keith Haring, 1986. Nova Iorque, EUA. Fonte: http://www.haring.com/art-work

Keith Haring, 1987.

Fonte: http://www.haring.com/art-work

Keith Haring, 1989. Pisa, Itália Fonte: http://www.haring.com/art-work

Mural - Crack is Wack

Silkscreen - sem título

Mural - Pisa Mural

abaixo.

acima.

Keith Haring, 1989.

Fonte: http://www.haring.com/art-work

Keith Haring, 1982. Nova Iorque, EUA Fonte: http://www.haring.com/art-work

Poster - Ignorance = Fear

Mural - sem tĂ­tulo

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Basquiat e Haring falecem em 1988 e 1990, respectivamente, o primeiro vítima de overdose de heroína e o segundo devido à complicações relacionadas ao vírus da Aids. Ambos deixam como legado obras icônicas, altamente valorizadas no mercado de arte. Os dois casos ilustram processos notórios pelos quais a street art passa nos anos 1980: a transição das ruas às galerias, a valorização como mercadoria e a incorporação pela cultura de massa.

Abrem-se os precedentes para um movimento que será recorrente na arte urbana: artistas cujas carreiras iniciam-se nas ruas e adquirem notoriedade no cenário cultural, ganhando espaço e reconhecimento em espaços ortodoxos da arte.

Tinta acrílica e giz oleoso sobre tela- Arroz con Pollo Jean-Michel Basquiat, 1981. N/A Fonte: http://www.basquiat.com/

Mural - sem título Jean-Michel Basquiat, 1982. N/A Fonte: http://www.basquiat.com/

shepard fairey e banksy Ao final dos anos 1980 vem à tona mais um importante nome do street art, Shepard Fairey. Seu trabalho começa em sua cidade natal, Charleston, no estado norte-americano da Carolina do Sul. O recurso técnico mais recorrente durante a primeira fase de seu trabalho é a colagem de pôsteres previamente impressos de forma a reproduzir a mesma imagem em sequência por diversas localidades. O primeiro de seus trabalhos célebres é fruto de um projeto desenvolvido enquanto ainda estudante de Artes em 1988, referente à produção de um pôster com a figura do lutador Andre, the Giant seguido da palavra obey (obedecer). A importância desse trabalho reside no discurso por trás do ato de reproduzir uma imagem sucessivamente em escala urbana de modo a torná-la inevitável aos olhos do público. A inexorabilidade da imagem associada ao seu forte simbolismo, conotação autoritária e natureza misteriosa cria um interessante efeito no espectador.

Fairey diz que algumas pessoas chegam ao ponto de odiar as imagens reproduzidas, por simplesmente temer aquilo que não entendem (LEWISOHN, 2008, p. 101). A obra de Fairey também passa por um processo de transição comercial e dá origem a uma marca própria de artigos de vestuário, uma agência de design gráfico e uma editora de revistas. Nessa fase mais amadurecida é realizado um de seus trabalhos mais influentes, o pôster hope (esperança), encomendado para a campanha do então candidato à presidência dos Estados Unidos, Barack Obama. Rapidamente o pôster torna-se uma das referências visuais imediatas relacionadas a Obama, que sai das eleições vitorioso.

O britânico de identidade real obscura e conhecido como Banksy começa a realizar suas pinturas urbanas nos anos 1990 em sua cidade natal, Bristol, no Reino Unido. Durante os primeiros anos de sua carreira realiza trabalhos à mão livre com tinta em spray. O amadurecimento de sua obra traz consigo a predileção por outro recurso técnico, o estêncil.

Por volta dos anos 2000, essa se torna sua principal técnica, por permitir rápida execução a partir de uma idealização prévia. O estêncil de Banksy possui características singulares que fazem com que sua autoria seja facilmente identificada. Talvez o artista urbano mais amplamente conhecido e com maior repercussão atual, Banksy coleciona um numeroso acervo de trabalhos em diversas partes do mundo. Sua temática principal é a crítica contra peculiaridades da sociedade capitalista midiática contemporânea. A relevância do seu trabalho reside no modo e na profundidade de sua abordagem, retratando situações carregadas de sátiras e ironias. Os personagens de seus estênceis são estereótipos do cotidiano como policiais, soldados, trabalhadores, crianças, etc. Também são recorrentes animais personificados em situações peculiares. O trabalho de Banksy concentra-se na justaposição desses personagens com itens de alto valor simbólico como armas, foguetes, coletes à prova de balas, telefones celulares, computadores, balões, flores.

Como resultado desse processo criativo têm-se uma narrativa altamente elaborada em que as mensagens são transmitidas ao espectador de maneira enfática, salientado-se na paisagem urbana.

Ao longo da vertiginosa ascensão de sua carreira, Banksy realiza intervenções urbanas, exposições, instalações, esculturas, livros e trabalhos audiovisuais. Suas peças atingem valores exorbitantes no mercado da arte e durante os anos 2010 são extremamente cobiçadas e indispensáveis às coleções de arte contemporânea. A essa altura, Banksy, apesar de ainda produzir sua arte nas ruas, torna-se um artista experiente nas galerias e nos altos meios da arte contemporânea, produz telas e esculturas que são comercializadas em grandes leilões. Em fevereiro de 2008 é leiloado no Sotheby’s Charity Auction sua peça Keep it Spotless. A tela é arrematada pelo valor de US$ 1.700.000,00, sua obra comercialmente mais valiosa.

[10] - Região da cidade de Nova Iorque onde concentram-se estabelecimentos voltadas à exposição e ao comércio de arte.

[11] - Tradução livre para o trecho original: “By, 1983, at the age of twenty-three, Basquiat had archieved his goal and was one of the most sought-after art commodities on the planet [...] Haring used his fame to propel himself further into the heart of mainstream culture. By the mid-1980's he was working on pop videos that would be shown on MTV and opening his own Pop Shop, a fun boutique where his art could be accessible to everyone.”

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Adesivo - AndrĂŠ, The Giant Shepard Fairey, 1989.

Fonte: http://www.lifegate.com/

Poster - Hope Shepard Fairey, 2008.

Fonte: https://obeygiant.com/obama-hope/

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em sentido horário

Estêncil sobre tela - Consumer Jesus

Estêncil - Crayola Shooter

Banksy, 2004. N/A Fonte: http://www.complex.com

Banksy, 2011. Los Angeles, EUA. Fonte: http://www.complex.com

Estêncil sobre tela - Napalm

Estêncil - Kissing Coppers

Banksy, 2004. N/A Fonte: http://www.complex.com

Banksy, 2004. Brighton, Reino Unido.

Fonte: http://www.complex.com

Estêncil - Flower Thrower Banksy, 2003. Jerusalém, Israel.

Fonte: http://www.complex.com

página seguinte.

Tinta em Spray e Verniz sobre tela

Banksy, 2011. Londres, Reino Unido.

Fonte: http://www.complex.com

Banksy, 2007. N/A Fonte: http://www.widewalls.ch

Estêncil - sem título

Keep it Spotless

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allex vallauri e os gêmeos Nascido na Etiópia, porém de nacionalidade italiana, Alex Vallauri (1949-1987) ficou conhecido como um dos precursores da street art no Brasil. O universo imagético de suas obras é preenchido por uma temática que remete à vida noturna, à boemia e aos cabarés.

Começa seus trabalhos em 1978 grafando nas paredes de São Paulo uma bota de cano longo e salto alto, imagem que viria a ser o ícone de sua obra. Aos poucos, a essa bota são somadas outras referências visuais como uma perna, um par de luvas e outros elementos de seu repertório kitsch, até formar-se sua personagem principal, conhecida como A Rainha do Frango Assado. Participa de quatro Bienais de São Paulo, em 1971, 1977, 1981 e 1985. Durante os anos de 1982 e 1983 cursa artes gráficas no Pratt Institute em Nova Iorque, o que leva a supor que Valluri tenha tido contato com a obra de outros pioneiros da arte urbana como Basquiat e Keith Haring.

Em sua última Bienal, dois anos antes de sua morte, apresenta um de seus trabalhos de maior repercussão, uma instalação apelidada pelo público de Festa na Casa da Rainha do Frango Assado. A obra se propunha a reunir suas peças espalhadas por São Paulo em uma abrangente celebração. O projeto inclui a gravação de um videoclipe no qual a Rainha do Frango Assado é interpretada pela atriz Cláudia Raia [12]. A crítica contra a sociedade de consumo também se faz presente, como segue: Em 1985, [Vallauri] apresenta na Bienal Internacional de São Paulo a instalação A Festa da Rainha do Frango Assado, uma reunião dos graffiti com os quais vinha trabalhando aliada a objetos, simulando os ambientes de uma casa repleta de ícones da sociedade de consumo. A ironia da obra se mostra nessa concepção de um espaço de frivolidades com base em uma cenografia absolutamente precária, apontando para o caráter descartável da modernidade. (ALEX..., 2017)

A inserção de Vallauri em museus e bienais conduz à interpretação de seu trabalho como caso pioneiro do pós-grafite no Brasil. Após sua morte, o artista deixa um legado de inspiração e um precedente de celebração da arte urbana que terá influência posterior sobre outros artistas brasileiros.

A dupla paulistana, Os Gêmeos, começa seu trabalho em 1986. Com a tinta em spray e látex, os irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo desenvolvem um traçado cujo elemento marcante são as figuras humanas altamente estilizadas, desenhadas com um aspecto de cartum, deformadas e de coloração amarelada. O fio condutor de suas obras é a forte crítica social a problemáticas referentes ao mundo contemporâneo e à vida urbana com referências específicas ao contexto brasileiro. É frequente a representação de tipos peculiares à cultura popular e ao folclore, bem como de personagens característicos das grandes cidades. Os artistas expõem a condição de pessoas em situação de fragilidade e marginalização, como o migrante nordestino [13], o indigente, a mãe solteira e o jovem [12] - Vídeo disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=CFRN-C0_-wI>

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das periferias. No rol de personagens observa-se a recorrência de figuras que simbolizam situações proeminentes no contexto brasileiro, como os policiais, em alusão ao poder opressor do Estado, e os políticos, em alusão à corrupção.

Se Vallauri foi o pioneiro do pós-grafite brasileiro, Os Gêmeos são os responsáveis pela ampla visibilidade internacional da arte urbana no Brasil. Durante os anos 2000, os irmãos ganham grande espaço nos produtos editoriais de arte urbana e sua obra passa por uma vertiginosa ascensão. Seus murais adquirem espaços cada vez maiores na paisagem [13] - Em alusão ao processo de evasão dos nordestinos de seus estados natais na busca de melhores condições de trabalho e de vida. Principalmente em direção às regiões Sul e Sudeste do Brasil. O sentido da crítica pode ser estendido ao preconceito enfrentado por esses imigrantes por parte dos nativos das regiões às quais eles se destinam.

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urbana, e os irmãos colecionam obras em diversos continentes, sendo reiteradamente citados na literatura especializada. Em 2008 são convidados para participar da exposição Street Art, no museu Tate Modern em Londres, a primeira exposição de arte urbana em um museu de alto prestígio. Entre outros trabalhos notáveis da dupla, podem ser citados o mural Gigantes, realizado para a Bienal de Vancouver, no Canadá, em 2014 — até o presente, seu trabalho de maiores dimensões — e a pintura, encomendada pela empresa de aviação civil Gol, da aeronave que transportou a seleção brasileira durante durante a Copa do Mundo da Fifa de 2014.

Encerra-se a primeira parte deste Ensaio, após a apresentação de uma retrospectiva das manifestações artísticas em caráter urbano. Em um primeiro momento foi abordada a obra dos precursores mais remotos do que hoje entende-se por street art.

Posteriormente, com a discussão acerca do New York Style fez-se uma breve análise dos precedentes imediatos desse tipo de manifestação artística. Foram recordadas situações fundamentais ao nascimento da arte urbana, como o graffiti boom durante anos 1980. Por fim, foram elencados alguns nomes de grande importância na arte urbana contemporânea. Junto ao apontamento de algumas de suas obras, foram colocadas questões referentes aos debates contemporâneos acerca do assunto, a exemplo de seu processo de valorização comercial e aceitação pública e sua transição das ruas às galerias de Arte Contemporânea.

Ao longo da história do grafite, chama-se atenção à recorrência no uso dessas formas de expressão como ferramenta de comunicação em larga escala do sujeito com a cidade. Os desdobramentos dessa comunicação funcionam de maneiras diversas, podendo atender a uma extensa lista de expectativas por parte do sujeito, como a demarcação territorial, a difusão ideológica, o protesto, a reintegração social, a autoafirmação e a visibilidade.

Com isso, estão fornecidas as informações básicas necessárias para o reconhecimento de um repertório mínimo da produção em street art. Estão também presentes elementos para a compreensão crítica de obras dessa natureza. Na sequência deste Ensaio o foco analítico será direcionado ao papel da street art na construção da experiência urbanística na cidade contemporânea, explorando de maneira central as interações entre arte e cidade.

em ordem de leitura

Mural - Os Gigantes Os Gêmeos, 2014. Vancouver, Canadá.

Fonte: http://www.osgemeos.com.br/

Mural - O Gigante Os Gêmeos, 2009. São Paulo, Brasil.

Fonte: http://www.osgemeos.com.br/

Mural - Beautiful Losers Os Gêmeos, 2006. Milão, Itália.

Fonte: http://www.osgemeos.com.br/

Mural - sem título (aeronave Gol) Os Gêmeos, 2014. N/A. Fonte: http://www.osgemeos.com.br/

Mural - O Gigante Os Gêmeos, 2014. Boston, EUA. Fonte: http://www.osgemeos.com.br/

A arte urbana é vista como um trabalho social, um ramo da produção da cidade, expondo e materializando suas conflitantes relações sociais.

(PALLAMIN, 2000. p. 20)

A segunda parte deste Ensaio dedica-se à compreensão das relações entre arte e cidade e à construção da experiência urbana por meio da transformação qualitativa dos espaços públicos. Serão discutidas esferas de significado histórico, social e cultural da arte urbana em seu alto teor político e ideológico. Faz-se uma leitura das obras de modo a transcender sua apreensão exclusivamente estética, direcionando o foco de análise à sua apreensão subjetiva e ao seu impacto no cotidiano.

A pesquisa direciona o olhar às possibilidades de interpretação do espaço, em uma reflexão sobre os lugares e os não lugares [14] na cidade contemporânea. Os hiatos entre ambientes de permanência — ou seja, os espaços de transição — são onde a arte urbana atinge sua plena potencialidade como arte crítica [15]. Ali, o artista atua evidenciando as contradições latentes no meio urbano. Enquanto habitantes da cidade, seu público encontra-se imerso nesse contexto. São transeuntes rendidos ao acelerado ritmo urbano.

Durante seus trajetos, são surpreendidos por intervenções na rotineira paisagem urbana.

Por sua vez, a carga simbólica dessas intervenções reside em sua reiterada referência ao habitar a cidade. Sua expressão traz à tona reflexões sobre as tensões entre o público e o privado, as interações entre a cidade e o indivíduo, a apropriação urbana e o direito às ruas.

O trabalho da arte urbana propõe-se a exercitar o olhar e levá-lo a entender a cidade enquanto organismo vivo, em constante reinvenção, principalmente no que diz respeito à sua capacidade de adquirir dimensões afetivas e identitárias. Para tanto, em uma tentativa de reiterar a pluralidade de interpretações que a cidade desperta, a segunda parte desta pesquisa será conduzida pelos depoimentos de mulheres artistas atuantes no cenário da arte de rua no Distrito Federal. Desse modo, o retrato da cidade é feito sob o olhar das próprias artistas, às quais é dada a oportunidade de ter voz ativa nas divagações acerca de seu trabalho.

Enquanto a primeira parte deste Ensaio priorizou o retrato da produção dos artistas urbanos de maneira descritivo-analítica, sistematizando o estudo histórico a respeito do tema com base na bibliografia correlata; a segunda parte do texto propõe-se a refletir sobre a arte urbana em sua dimensão poética enquanto ato modificador da cidade, [14] - Para o entendimento de não lugar recorre-se ao disposto por Marquez (2000, p.15): "A de�inição de não lugar desenvolvida por Marc Augé nos ajuda a conduzir o estudo: o não lugar é aquele cuja condição de uso depende da interação dos indivíduos com textos (provenientes de pessoas jurídicas ou institucionais) e pode ser entendido como uma ausência topológica, uma perda momentânea do corpo urbano. É sutil, como veremos, o diálogo da escrita da cidade com a inscrição artística entendida como uma subversão do não lugar, mas esse diálogo também pode ser considerado desencadeador de situações efêmeras capazes de instalar novas experiências no espaço urbano."

[15] - “Por arte crítica no espaço urbano, entende-se então uma manifestação interativa com seu meio, um evento capaz de criar deslocamentos semânticos nesse espaço preexistente e capaz de atuar especi�icamente sobre o corpo da cidade gerando frestas para a re�lexão e a atenção.”

(MARQUEZ, 2000. p. 8).

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narrada por seus próprios autores. Em uma busca pela maior proximidade possível entre o discurso referente e o fazer urbano que ocorre de fato, a segunda parte da pesquisa transcorrerá como uma coletânea de depoimentos em que pretende-se explorar ao máximo as subjetividades envolvidas na construção desses trabalhos. O foco deixa de ser a análise estilística e histórica sob o ponto de vista do observador e passa a ser a interpretação da apropriação da cidade sob o ponto de vista das autoras dessas intervenções em uma produção que acontece “aqui e agora”.

METODOLOGIA As entrevistas estão organizadas em torno de 8 tópicos principais que possuem o papel de fomentar a discussão acerca da produção da arte urbana na cidade contemporânea. Esses enunciados aparecem na entrevista apenas como guias para o transcorrer da atividade, esperando das artistas respostas abertas ao lhes dar a liberdade para o desenvolvimento de seu discurso em um processo de livre associação.

Naturalmente, em consequência disso a menção aos pontos-chave estabelecidos para a entrevista permeia todos os discursos recolhidos, o que enriquece a narrativa ao passo que se extrapolam os limites porventura impostos por estes tópicos.

A escolha e organização desses enunciados é orientada pelas expectativas preliminares da entrevista, como segue: 1. Introdução expectativa: Coletar informações e traçar semelhanças (ou diferenças) entre o início desses artistas no exercício da arte urbana.

2. Referências expectativa: Coletar informações sobre possíveis influências comuns entre as artistas. Se possível em reafirmação aos artistas citados na primeira parte do Ensaio.

3. Arte Urbana como Manifesto expectativa: Coletar depoimentos sobre o notável vínculo da arte urbana com narrativas sociopolíticas, fundamentando a argumentação de que essa seria uma de suas características mais marcantes.

4. Aceitação Pública expectativa: Coletar informações acerca do reconhecimento da arte urbana como vertente da arte contemporânea no contexto brasileiro.

5. Valorização Comercial expectativa: Especular como se dá o processo de valorização comercial e de transformação da obra em mercadoria. Como essa transição é feita e qual a visão das artistas sobre o tema

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6. Arte Urbana e Mídias Digitais expectativa: Confirmar o uso do aparato tecnológico como instrumento fundamental para a produção historiográfica e à divulgação das obras.

7. Diálogos com o Contexto expectativa: Coletar informações sobre as relações entre as peças produzidas e seu contexto de inserção, de modo a especular sobre o desejo de “enquadramento” dos trabalhos realizados.

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Legado expectativa: Explorar a interpretação subjetiva que as artistas fazem do material que produzem e a maneira como acreditam que seus trabalhos possuem impacto no cotidiano e na sociedade.

ENTREVISTAS São escolhidos como objetos de estudo de caso o Coletivo Transverso e a Coletiva Amorço. Grupos que possuem como fio condutor entre suas obras a marcante presença da poesia em seu trabalho. Característica que chama especial atenção ao passo que se evidenciam as interfaces entre a arte urbana e o poema. Esses coletivos são convidados à participar da pesquisa, entre outros motivos, pelo grande número de trabalhos espalhados por diversos locais do Distrito Federal, pela presença majoritária de mulheres em um cenário predominantemente masculino, pela grande repercussão em mídias digitais de seus trabalhos e, não menos importante, pelo apreço pessoal do autor deste Ensaio em ralação às suas obras.

As entrevistas foram concedidas por Patrícia del Rey, representando o Coletivo Transverso (formado por ela além de Cauê Novaes, Patrícia Bagniewski e Rebeca Damian [16]) e por Alyssa Volpini e Julianna Motter da Coletiva Amorço.

[16] - Além dos outros vários colaboradores espalhados pelo Brasil

Transcrição da entrevista concedida por Patrícia del Rey em junho de 2017.

São preservadas marcas de oralidade, portanto o texto é redigido em linguagem informal. São feitas adaptações, devidamente assinaladas, para a melhor compreensão da entrevista.

Nota de agradecimento à entrevistada (e ao Coletivo) , que aceitou o convite para participar da pesquisa e com seu depoimento enriqueceu de maneira inestimável este Ensaio.

Coletivo transverso

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Introdução

O Coletivo Transverso nasce em 2011, dentro de uma República. O Cauê [integrante do coletivo] morava nessa República e a gente se encontrava pra fazer almoço. Amigos e tal e ele já tinha feito estêncil lá em São Paulo. Aí [no almoço] ele falou: ‘Ah hoje eu fiz um estêncil e tal’, tinha uma bailarina e uma frase… junto tava eu, Patrícia del Rey, e a Patrícia Bagniewski. A gente já tinha trabalhos individuais. Eu sou poeta, já escrevia muito sobre Brasília; a Pat [Patrícia Bagniewsky] é artista visual. Ela tinha um trabalho de ditados populares a partir de desenho, clip art [17]. Ela tinha aquele… ‘de graça até injeção na testa’ e tinham vários que a gente fazia. E aí a gente foi cortando em estêncil e em 2011 a gente fez a nossa primeira saída na UnB. Nisso, depois em 2015 a Rebeca Damian entrou também no coletivo, então hoje em dia o coletivo é formado por essas quatro pessoas. […] Eu acho que a gente começa numa intenção de querer ocupar a rua e querer se apropriar da cidade. A gente tinha relações individuais diferentes [com] a cidade. O Cauã é de São Paulo, tinha uma relação meio de agonia [com] Brasília.A Pat é brasiliense, mas morou a vida inteira em outros países, então também tinha um conflito com Brasília. Eu sou baiana e vim pra Brasília… A minha visão era mais, ao contrário assim [da visão] deles. Mas […] eu acho que o mais importante é falar que a gente começou com a vontade de intervir, de pertencer à cidade, sabe? De transformar um pouco a cidade e se identificar dentro [dela].

De alguma maneira ressignificando e reinventando a minha Brasília, que seria uma Brasília com mais poesia, com mais interação urbana, seria uma Brasília onde as pessoas não tão só dentro do seu carro. Elas estão caminhando ou, então, se elas estão passando de carro, elas vão ser surpreendidas pela poesia ali. Mas eu acho que a maior intenção… a primeira intenção foi da gente […] se apropriar e ressignificar a cidade pra gente. Acho que não tinha nem essa pretensão de acessar tanta gente e virar um coletivo tão reconhecido, eu acho, em Brasília e fora de Brasília. […]

Referências Ó… pra gente… eu acho que é muito forte o Nicolas Behr [18], Paulo Leminski, a gente trabalha muito com Haikai [19], o Banksy, porque é um clássico de estêncil… Acho que tem muitas referências […] Mas eu acho que tem muitas referências que são aquilo que a gente está lendo na época […]. A gente gosta muito também do trabalho da galera daqui, acho que assim… [Os] Gêmeos… tem um cara que eu gosto muito que é o Ozi [20]. E muita literatura também.

Arte Urbana como Manifesto A poesia, ela é um ato. A cidade precisa voltar a ser narrada. Porque essa é a grande importância de [estar] interagindo dentro da cidade. A gente fala muito sobre direito à cidade, né? Você ter direito de habitar aquele lugar, e habitar não significa só transitar, usar a cidade como dormitório… não ter espaços de convivência. Eu acho que a street art vem pra buscar esse espaço de convivência. E também é um ato político porque, por exemplo, às vezes as pessoas falam assim: ‘ah a pixação ta sujando a rua’; ‘a cidade tem

que ser limpa’. Pô, pra mim uma pixação suja muito menos do que uma publicidade.

Então, assim, é difícil você ver quais são esses medidores do direito à cidade. […] Eu acho que é uma coisa de você mesmo ter direito à cidade, de você ver que a cidade ela pode ser um espaço de encontro. Acaba que os poemas, quando eles estão em determinados lugares, eles são dispositivos de abertura para aqueles passantes e transeuntes. A cada dia que ele vai passar e ler aquilo ali, aquela pergunta, ou aquela frase, ou aquele desenho, vai lev[á-lo] a um lugar diferente. É você ressignificar a cidade, é você realmente reinventar.

Brasília tem essa coisa de… as pessoas veem Brasília como uma coisa muito burocrata.

Recentemente eu ouvi falar que no plano de Brasília [21] em vez da palavra ‘rua’ tem a palavra ‘via’ e existe uma diferença muito grande entra a via e a rua. Porque a via tem um lugar utilitário de passagem só, e a rua não. A rua é um lugar de pertencimento. E eu acho que o que o coletivo quer e o que a arte urbana quer é mostrar que a gente pertence a essa cidade e que a dramaturgia dessa cidade está sendo modificada todos os dias. Então você pode criar outros caminhos. Caminhos do desejo, caminhos do afeto, que não são essas vias que já são pré-determinadas pela construção da cidade.

Aceitação Pública Dentro do Coletivo Transverso […] são três mulheres, e são três mulheres brancas. Então eu acho que a gente vive em uma sociedade machista, preconceituosa, então acaba que quando o policial vê que são três meninas… duma classe social alta… ou então média-alta, que não estão nesse lugar estereotipado, eu acho que eles acabam tratando a gente de uma maneira diferente. Infelizmente. Eu gostaria que essa maneira fosse a maneira [comum], porque eles deveriam tratar todo mundo assim. Porque ter direito à cidade é ter direito a modificar também essa cidade. […] O público gosta muito do Coletivo Transverso, a gente percebe que as pessoas fotografam [as obras do] coletivo e postam em suas timelines [22]. As pessoas… quando descobrem [a autoria das obras, elas nos abordam]: ‘Ah são vocês?’. ‘São vocês’, eu gosto muito disso […] Então as pessoas ficam felizes porque realmente aquilo ali modifica a vida delas. Eu acho que é muito legal você ler alguma coisa dentro da cidade que não está te obrigando a comprar, não está pedindo que você compre, mas está pedindo que você viva.

[17] - Ilustração disponível em arquivo de imagens, impresso ou digitalizado, para a livre utilização em trabalhos grá�icos.

[18] - Poeta matogrossense que se muda para Brasília em 1974. Em sua obra são frequentes as referências à cidade e suas peculiaridades.

[19] - Haicai, ou Haikai: Pequeno poema japonês constituído por três versos de cinco, sete e cinco sílabas. Criada durante o último período feudal (séc.

XVI), e cultivado até hoje. (Dicionário Aulete Caldas) [20] - Ozi: artista urbano cuja carreira começou em 1985. Seu trabalho é realizado principalmente em São Paulo e conta com forte in�luência de Alex Vallauri, sendo integrante da primeira geração de artistas urbanos brasileiros.

[21] - Aqui a artista faz referência ao Relatório do Plano Piloto, documento de autoria do Urbanista Lúcio Costa em que elenca as diretrizes preliminares para a construção de Brasília.

[22] - Timeline, em português: linha do tempo. Termo utilizado no campo semântico das redes sociais. Aqui, refere-se às páginas pessoais em que são compartilhadas as fotos de obras do coletivo.

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Valorização Comercial

O coletivo já fez alguns trabalhos comerciais. Normalmente ligados à instituições como SESC [Serviço Social do Comércio], SESI [Serviço Social da Indústria], Ministério da Saúde. A gente faz levantamento de conteúdo com públicos específicos, isso pra gente é muito rico… A gente também já trabalhou com catador… projetos culturais. Já vendemos algumas obras, mas o ideal do coletivo é estar dentro da rua, a gente prefere que as pessoas apoiem a gente, contratem a gente pra interagir dentro da rua. Eu acho que é muito interessante a gente ter o apoio do governo. Recentemente, em 2014, a gente ganhou um FAC [Fundo de Apoio à Cultura] que possibilitou que a gente fizesse 15 intervenções. […] E é muito legal quando a secretaria de cultura apoia o coletivo. Porque a nossa ideia é que a arte seja gratuita no espaço urbano. Pra ela ser gratuita alguém tem que financiar, por incrível que pareça, porque o spray é caro, porque é o seu trabalho ali, então eu acho que a gente tem mais esse viés do que o viés de comercialização de obras. Mas a gente comercializa algumas obras, fazemos alguns produtos pra tentar manter o coletivo vivo.

Arte Urbana e Mídias Digitais Isso possibilita a gente realmente registrar, manter a obra ali de alguma maneira. É uma obra efêmera, e o mais legal é ela ser efêmera e estar dentro da cidade pra ser modificada também. A gente tenta postar porque aquilo ali é uma maneira também de registrar um pouco do que a gente está fazendo, até porque a gente não assina os nossos textos, as nossas poesias, os nossos lambes. A assinatura está [n]a estética. Eu acho que as pessoas leem e falam: ‘Ah isso aqui é do coletivo’ e aí isso é uma maneira também [de se] registrar.

A gente já teve muitas frases nossas que foram parar sei lá, em uma foto da [é citado o nome de uma empresa de comércio em varejo de produtos de decoração] que a pessoa está vendendo. E isso é super complicado porque a gente coloca a arte na rua, mas às vezes vem alguém e pega aquilo ali que foi construído e ganha financeiramente [com] alguma coisa relacionada ao que é de nossa autoria. Então é um lugar muito tênue. […] Assim, acho as mídias digitais potencializam o trabalho. […] Acaba que os nossos seguidores, as pessoas que postam [fotos do nosso trabalho] são colaboradoras do Coletivo Transverso. Elas ajudam a divulgar o trabalho e, se elas fotografam, é porque elas se identificam e isso pra gente é muito positivo. Saber que [aquilo] que a gente está falando de alguma maneira toca outras pessoas e modific[a] de alguma maneira esses passantes.

Diálogos com o Contexto Sempre há uma escolha do local. Em artes visuais a galera usa muito um termo chamado site-specific, que é você pensar obras específicas para aquele local. Por exemplo, quando a gente coloca um lambe como ‘Dê flores aos vivos’ na frente do cemitério… aquilo ali potencializa o lugar e a frase. E isso é interessante pra gente, esse diálogo. Ou então, ‘O poema muda o sentido do caminho’... em qualquer via que aquilo ali estiver a pessoa vai

mudar de alguma maneira. Ou por exemplo, dentro de uma estrada [em que] a gente acabou de colocar em Planaltina: ‘Quantas cidades tenho em mim?’; então a pessoa tá dentro da estrada mudando de cidade e pensando sobre isso. Eu acho que o local e a frase são uma obra só, porque aquilo ali se potencializa. Não é só a frase, a cidade não é o fundo da intervenção, ela é a própria intervenção. […] A cidade já é a obra, tem lugares que te pedem aquela poesia, sabe? ‘Brasília expande a distância entre os corpos’ no meio do eixão [Eixo Rodoviário], onde as pessoas cruzam a cidade o tempo inteiro e sabem o quanto existe essa delonga, que, apesar de ser uma via rápida, você está dentro do carro… então eu acho que é isso que potencializa.

Legado Quando a gente está fazendo uma obra… ou uma intervenção, ou qualquer outro trabalho, normalmente você está tão dentro do espaço presente, dentro do processo criativo de uma maneira tão intensa que você não pensa muito em qual é o legado. Ali naquele momento. Esse pensamento vem depois, por exemplo em 2013 a gente fez uma intervenção na ponte e [trocou] o nome, que era Costa e Silva [23][24], pra Bezerra da Silva.

E isso gerou muita visibilidade pro coletivo. Logo depois houve uma votação pra trocar o nome da ponte. Isso pra mim é um legado. Você fazer uma intervenção que gera um discussão muito importante. Onde [há] uma ponte batizada com o nome de um ditador, que instalou o AI-5… Ponte pra mim é um lugar de ligação, e uma pessoa que tirou tantos vínculos, que exilou tantas pessoas, como é que ela pode ser uma ponte? Como é que ela pode nomear uma ponte, que é um lugar de ligação? E aí, quando há uma votação e muda-se o nome da ponte, aquilo ali é um legado que o coletivo deixa. Pra gente o nosso legado é tentar modificar, tentar transformar Brasília em uma cidade com uma escala mais humana e menos monumental. Então eu acho que esse é o legado do coletivo, é tentar acessar esse lugar… porque essa coisa de reconhecimento e tal é legal que aconteça, mas não é o fundamental. O coletivo [estabelece] aí exatamente [uma] relação [com o] ato político mesmo. [Ao] convidar as pessoas a ocupar a intervir e ressignificar a cidade.

Se, pra cada propaganda que eu leio, eu lesse quatro poesias… nossa, minha cidade ia ficar muito melhor. […] Eu acho que em Brasília a gente tem a chance de estar em uma cidade que, apesar de toda a burocracia, de ser o centro do poder, é uma cidade nova.

Então é como se o cimento ainda estivesse fresco. Acho que a gente consegue ainda modificar um pouco a cidade com as nossas ações. Lógico que ainda tem muita coisa pra melhorar e os conflitos também são moldes inspiradores pra você tentar transformar.

Porque, se fosse tudo perfeito, não teria por que a gente fazer essas coisas.

[23] - Ponte projetada por Oscar Niemeyer e inaugurada em 1976. É uma das ligações entre o Setor de Clubes Sul e o Lago Sul, bairros da capital federal.

[24] - Artur da Costa e Silva foi militar e político brasileiro, 27º presidente da república. Sob seu governo foi promulgado o AI-5 (Ato Institucional No. 5), que lhe deu poderes para fechar o Congresso Nacional, cassar políticos e institucionalizar a repressão.

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página anterior e nesta página

Pôsteres (lambe-lambe) - sem título

Estênciles - sem título

Coletivo Transverso, 2011 a 2017.

Fonte: https://www.instagram.com/coletivotransverso/

Coletivo Transverso, 2011 a 2017.

Fonte: https://www.instagram.com/coletivotransverso/

Transcrição da entrevista concedida por Alyssa Volpini e Julianna Motter em junho de 2017. São preservadas marcas de oralidade, portanto o texto é redigido em linguagem informal. São feitas adaptações, devidamente assinaladas, para a melhor compreensão da entrevista.

Nota de agradecimento às entrevistadas, que aceitaram o convite para participar da pesquisa e com seus depoimentos enriqueceram de maneira inestimável este Ensaio.

Coletiva amorรงo

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Introdução

Julianna Motter — [O coletivo] Começou logo depois que a gente se conheceu. A Alyssa já fazia Arquitetura e Artes Visuais, eu […] escrevia poesia e contos, e a gente sempre pensava sobre os espaços na cidade. Assim, como discutir coisas fundamentais como o amor nesses espaços e tal. Muito de uma conversa particular nossa e sobre como na vida cotidiana a gente acaba se esquecendo de coisas que são primordiais tipo, o afeto, o amor… E pensando também nessas duas coisas como coisas políticas e a forma como a gente poderia trazer isso à discussão pública. Transformar a cidade em um espaço público de debate, de disputa. E aí surgiu em uma viagem […] E a gente tinha muita vontade de fazer lambe[-lambe], eu acho que em Brasília tinha pouquíssimo lambe na época que a gente começou, em 2013. E aí ela começou a montar, assim à mão mesmo o primeiro lambe. Quando ela me encontrou em Buenos Aires, a gente colou os nossos primeiros lambes lá e falou: ‘bora fazer isso de verdade’. E aí sempre com essa vontade de trazer a discussão sobre essas coisas tão… tão basilares pra vida humana para o espaço público. Era uma época que tinha uma efervescência política muito forte com as Jornadas de Junho [25] e tal. E a gente ficava discutindo sobre como a gente às vezes se esquece dessas coisas básicas… não de uma forma cristã, mas [por exemplo] o amor ao próximo, de pensar os sentimentos, a forma como as subjetividades existem no espaço urbano e transformar os espaços em espaços que a gente gosta de chamar de espaços em suspensão. Você coloca um lambe lá e aquilo pode mudar a vida de uma pessoa por dois segundos, mas pelo menos mudou, assim, muda o dia de alguém. Tira a pessoa daquela jornada de trabalho. Em geral o espaço da rua, pelo menos em Brasília, é um espaço que é mais frequentado por pessoas que não são tão privilegiadas. Paradas de ônibus, passagens subterrâneas... então você proporciona àquela pessoa o acesso à arte, que é uma coisa que não é fácil pra ela. Você democratiza isso e também facilita a vida dela na cidade; você dá um momento de suspiro. A gente também chama de espaço de suspiro que é aquela parada [respira fundo em alusão a um momento de pausa] e continua. [Alyssa Volpini complementa: Pausa né, um espaço de pausa] E aquilo pode ficar pra ela por um tempo, ou não, enfim, vai de cada um. Mas é especial você ter esses lugares assim.

Alyssa Volpini — Parte também da ideia de servir amor mesmo, tanto que a logo é um garfo, uma faca e um coração como se fosse o suposto prato do dia. É criar espaços afetivos dentro da cidade, é como… uma vez eu vi: ‘a partir da intervenção você consegue tornar espaços em lugares’. O lugar é uma coisa que você se apropria, você vê uma afetividade ali. Espaço é uma coisa ampla. E partiu disso, como a gente se conheceu na época das manifestações, a gente conversou sobre: ‘se existisse a grande manifestação do amor, não precisariam existir esses grandes debates e essas manifestações’. Então partiu disso, dessas conversas e aí ele criou uma forma, e em horas de tédio acabou que nós fomos criando [o projeto coletivo].

J.M — Mas é claro que isso mudou muito ao longo do tempo. A nossa percepção, o nosso teor político… Embora desde o princípio a gente acreditasse que o amor é um instrumento político e acreditasse no potencial político da intervenção urbana, isso foi

ficando cada vez mais claro. […]

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A.V — Por mais que amor e espaço urbano sejam políticos, as frases foram se moldando.

Os lambes foram se moldando conforme nossas vivências. Tanto com o próprio contexto externo [quanto] com as nossas próprias vivências. […]

Referências A.V — A gente admira vários…

J.M — Eu acho que a gente tenta […] admirar o trabalho dos outros mas tomar cuidado pra não se apossar daquilo. Mas tem várias pessoas, o Coletivo Transverso é importante, é a primeira referência de lambes da cidade; o Vital Lordelo [26] […] que também pensa em trazer isso assim de uma forma mais… de criar a marca, não tanto a intervenção. Eu acho que ele tem uma influência boa assim… a gente dialoga muito com ele.

A.V — A gente gostava muito da própria Gráfica Fidalgo [27] que eles são os precursores da tipografia e dos lambes grandes. […]

J.M — É meio difícil assim porque, quando a gente pensa em artistas e referências, às vezes a gente esquece coisas que são muito mais… que nos provocam muito mais. Por exemplo, palavras de banheiro, palavras nas paredes… por exemplo, isso que tem aqui [aponta para uma frase escrita em uma parede próxima ao local da entrevista] influencia muito mais. Ou mesmo os espaços em si, a coisa não precisa ter… Eu acho [que] o anonimato às vezes nos inspira muito a criar o que a gente vai fazer.

A.V — E o dia a dia. O próprio dia a dia; é a cidade, são as pessoas, é a rotina que inspira muito a gente.

Arte Urbana como Manifesto J.M. — A arte urbana vem pra ressignificar o espaço público. Quando você pensa em mulheres intervindo no espaço urbano, você está pensando em derrubar uma parede que foi historicamente construída para isolar as mulheres no espaço privado. […] É uma forma

[25] - Jornadas de Junho: Série de manifestações populares que ocorreram em 2013 no Brasil. Inicialmente surgiram para contestar aumentos de tarifas em transportes públicos porém adquiriram proporções muito maiores. O movimento ganha número de simpatizantes alto o su�iciente para que seja comparado às manifestações favoráveis ao impeachment do então presidente da república Fernando Collor de Mello em 1992.

[26] - Artista urbano brasiliense, atualmente radicado em Lisboa, que também realiza intervenções em espaços urbanos por meio de adesivos e lambe-lambes.

[27] - Grá�ica em funcionamento no estado de São Paulo, especializada na confecção de lambes artísticos. Em seu catálogo estão peças icônicas como os lambes em que se lê: "Mais amor, por favor" e "Gentileza gera gentileza".

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de você trazer para a esfera pública as discussões que estão silenciadas. Assim, de forma geral é praticamente a voz do oprimido ali. São pessoas que, quando você parte do ponto de vista da arte, geralmente são pessoas que não estão em galerias, a não ser que a arte urbana se torne algo de capital, tipo, alguém fale: ‘Ah isso é arte então vamos pra galeria’.

Mas em geral não vai ser assim, um grande artista que está em várias galerias não vai vir pra rua. Então tem isso do ponto de vista da arte. Eu acho que do ponto de vista político são vozes que você não pode silenciar, você vai apagar mas elas vão vir de novo. São essas palavras que não encontram lugar. Quando você pensa, por exemplo, nas frases que a gente lê na universidade, são frases que não estão nas salas. Então tem muito essa disputa, vamos reinventar o espaço público. E pra mulher eu acho que isso é muito forte porque, se você for pensar, a cidade é muito hostil com as mulheres. E você colocar demandas e subjetividades das mulheres dentro do espaço público é extremamente simbólico. É ressignificar esse espaço, é dizer: ‘Eu estou aqui, eu tenho direito de estar aqui da forma que eu puder!’. É uma forma de se manifestar, é colocar suas demandas nesse espaço e esperar que elas sejam ouvidas. Politicamente a gente tem uma tendência muito grande à individualização, à privatização de tudo. Então é reinventar o espaço de fazer polític[a]. Uma forma de militância diferente. É um lugar que não tem curadoria, não tem curadoria pra rua, então isso é muito forte. Cabe um discurso feminista, como cabe um discurso de uma pessoa que odeia mulheres. O lambe também abre espaço pra isso, você coloca o papel lá e vai colocar algo como: ‘lugar de mulher é onde ela quiser’, não que seja um lambe nosso […] e aí vem um cara misógino escrever alguma coisa como… [A.V. complementa: ‘vai lavar louça’, como já aconteceu. Já vi pixos assim.] E então é isso assim, é reinventar a arena de debate, a arena de disputas. Eu acho que isso é muito forte.

E trazer questões que são silenciadas. Quando a gente pensa, por exemplo, que eu e a Alyssa somos duas mulheres lésbicas intervindo no espaço urbano isso é muito forte também porque tem outros marcadores ali. São pessoas que em geral realmente não tem esse acesso. E elas pensam em alguma forma de democratizar tanto o discurso quanto a arte.

ACEITAÇÃO pÚBLICA A.V. — A gente ainda toma consciência diariamente da dimensão que [o coletivo] foi tomando. Porque surgiu de uma coisa muito pessoal e quando a gente se deu conta a gente falou ‘caramba, ele criou penas e saiu andando sozinho’. Ele tomou uma dimensão que a gente não esperava, não contava com isso. Mas é isso, é exatamente essa celebração, as pessoas compartilham e nisso ele vai tomando… Assim, ele vai continuar existindo [de modo] independente, [caso] a gente pare ou não de pregar, ele vai estar ali sempre reverberando, nas publicações, na rua, ele fica o tempo que ele tem que ficar também. O lambe é muito incrível por isso. […] e nesse negócio da aceitação da rua, a gente não tem muito problema por sermos duas mulheres pregando, às vezes, [nosso trabalho] é mais aceito. Porque se alguém fala: ‘ou! não pode fazer isso aí’, a gente simplesmente não prega, vira e prega em outro lugar. Se fosse uma coisa de pixo, ou

estêncil, é muito mais agressivo à cidade porque a pessoa não tem como corrigir ali na hora. Então acho que esse foi até um dos motivos pra gente ter optado pelo lambe, ele traz uma segurança pra gente. Por sermos duas mulheres interferindo na cidade, o lambe traz uma segurança que talvez o grafite não traria, o pixo não traria. Na verdade eu fico com um sentimento muito gostoso de ver que [nosso trabalho] consegue atingir as pessoas.

Da forma como a Julianna falou, dois segundos, a pessoa para, olha, respira, tem uma pausa no dia, tira uma foto e manda pra uma pessoa que ela gosta… isso a gente vê que acontece. Pessoas com quem a gente não tem nenhum convívio vêm, chegam na gente e falam: ‘Nossa, eu vi um lambe de vocês…” e a gente fica tipo [gesticulação de gratidão] a gente conseguiu tocar alguém, conseguiu fazer alguma diferença por um segundo na vida.

J.M. — A gente lida ainda com esse processo assim de higienização como acontece dentro da universidade. A gente cola os lambes e eles são retirados. Existem pessoas que odeiam os lambes e vão tentar arrancá-los, existem pessoas que vão tentar arrancar os lambes pra levar pra casa. E então assim, não se tem como dimensionar isso. E aí, claro, dependendo da intervenção que você faz se você vai parar em um grupo de internet onde estão somente pessoas conservadoras, que não entendem aquilo como uma coisa benéfica, eles vão xingar até as nossas próximas [por] dez gerações. Então assim, ainda é visto de uma maneira marginal, mas eu acho que bem menos porque, quando você coloca o produto, quando você capitaliza essas coisas, elas passam a ser aceitáveis.

Infelizmente, essa é a lógica. Mas não nos fere, a gente nunca chegou a ficar tão triste por uma crítica, por um julgamento a ponto de falar ‘vamos parar’. A gente já passou por alguns episódios de agressão e violência intervindo na cidade, tipo xingamento, homem buzinando e falando ‘o que vocês tão fazendo, suas escrotas’ [A.V complementa: tipo ‘ai que sujeira’; ‘vocês tão sujando o espaço’.] Mas também é muito benéfico esse ponto de vista do compartilhamento, a gente tem a pretensão de no futuro pegar lugares onde colamos lambes muito simbólicos e colar um lambe que seja a foto daquele lambe ali. Porque esses lambes escapam, eles vão se deteriorando com o tempo, eles vão ser arrancados e tal, mas isso faz parte do processo. Do lambe, especificamente, é saber que ele não vai estar ali, que ele dura o tempo que ele tiver que durar. E isso é muito legal porque você brinca com esse entre-lugar, com esse não lugar, esse não espaço. Por exemplo, a gente deu algumas oficinas nas ocupações [28] aqui na UnB e fez uma [intervenção] ali perto dos pavilhões, em uma lixeira. Aí algumas meninas fizeram os lambes próprios, artesanais, na hora, com caneta, só que essas canetas não duraram o tempo inteiro; então [hoje] tem o nosso lambe grande em uma parte da lixeira e várias folhas A4 grudadas que não tem mais nada. E isso reinventa toda essa lógica. Está aberto a novos discursos, a novas intervenções. Então é quase que uma metanarrtiva, o lambe não diz o que quer dizer, eu acho que nenhuma arte [faz isso], porque a gente está falando de subjetividades que vão ler e decodificar aquilo. Mas [o lambe] tem um espaço aberto pra uma nova intervenção que pode ser feita com uma caneta bic, sabe? Então eu acho isso muito forte e aí tem toda a [28] - As ocupações estudantis na Universidade de Brasília transcorreram ao �inal de 2016, e �izeram parte de um movimento nacional de oposição à propostas de reformas estruturais feitas pelo governo do presidente da república Michel Temer.

[29] - O termo “viraliza” é utilizado para designar algo que sofre um processo de divulgação em massa na internet por meio, principalmente, das redes sociais.

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questão das redes sociais que, enfim, é o compartilhamento, o que vai significar pra aquela pessoa. E as nossas redes de pessoas, como é que elas recebem aquilo, tipo, um amigo seu fala: ‘ah, eu vi uma pessoa tirando foto do seu lambe e fiquei perto pra ver o que a pessoa ia fazer’. Tem toda uma coisa que a gente não consegue dimensionar nunca. Às vezes a gente acha que não está fazendo nada e está fazendo muito por várias pessoas que passam por aqueles lambes cotidianamente, ou não, os que passam uma vez e ficam surpresos.

Valorização Comercial A.V. — A gente já chegou a participar de uma feira de publicações […] e acho que foi a segunda experiência que a gente teve de alguma forma comercializando isso que a gente estava fazendo. E… a primeira vez foi uma experiência que a gente fez dos lambes [em] estampas de serigrafia, porque as pessoas falavam que elas queriam: ‘poh, vocês nunca pensaram em fazer umas camisetas com esses desenhos, essas frases?’ e a gente resolveu tentar. E na tentativa de aprender a técnica a gente acabou fazendo essas telas e… foi no Conic, em uma iniciativa das pessoas ali de compartilhar arte. A gente chegou a estampar algumas camisetas [para um] evento e […] chegou a vender alguns lambes, zines… a gente fez um zine de fotografia com poesias, cartões…

J.M. — A gente vende, assim... E participa das coisas e somos convidadas pra fazer paredes em lugares que são espaços privados. Mas seria muito legal se a gente pudesse viver disso mas não é nosso objetivo. Nossa ideia realmente parte do princípio de que a arte deve ser democrática, simples e acessível acima de tudo. Então não que a gente julgue, seria muito bom, gostaríamos mas não é o nosso objetivo.

A.V. — Tanto que a gente até brincou uma vez: ‘Nossa seria incrível se a gente pudesse viver do coletivo’ [risos]. Tipo, seria fantástico porque a gente gosta muito, é algo que move muito a gente. Quando a gente, sei lá, vai fazer uma viagem, a gente leva os lambes e prega e é sempre uma coisa que já virou da gente. É meio que uma coisa que a gente precisa fazer e a gente gosta muito então. Não sei, eu acho que a gente começou a ter uma percepção diferente também da cidade depois que a gente começa a fazer arte urbana e começa a intervir nos espaços. Você começa a olhar diferente, começa a ver tudo como um possibilidade de intervenção, tudo como uma possibilidade desses espaços sentimentais.

Arte Urbana e Mídias Digitais J.M. — A gente tenta registrar todos os lambes a não ser que esteja muito escuro ou que não tenha mesmo como… [quando] a gente não esteja com nenhum celular, nada [que possibilite o registro]. Porque fica o registro e nos dá a capacidade de universalizar aquilo.

As redes sociais são isso. Eu não acho que a gente invista tanto em redes sociais quanto

deveríamos, mas as redes sociais parecem às vezes investir na gente assim, sem ter a pretensão, sabe? Porque alguém posta e de repente aquilo viraliza [29]. Isso já aconteceu.

Mas não parte tanto da gente. A gente registra mais como um acervo e pra um plano futuro… e porque é bom saber onde estão aqueles lambes e passar por aqueles lugares de novo, lugares que a gente não se sabe se a gente vai voltar. É registro, divulgação.

A.V. — Tanto que a gente foi ter Instagram eu acho que tem… 1 ano? Um pouquinho menos de 1 ano que a gente resolveu fazer uma plataforma que armazenasse esses registros nossos. Porque a gente sempre pregava, guardava as fotos e tipo... seria legal se além das nossas páginas pessoais divulgassem isso, tivesse um lugar [especí�ico]. Porque as pessoas vinham, enfim, achavam a gente de alguma forma e perguntavam: ‘ah como faz pra ter esses cartazes?’, ‘como faz pra ter os lambes?’ e a gente pensou que se tivesse uma página [30] seria muito mais fácil né para as pessoas conseguirem ter esse acesso se eventualmente quisessem ter. É necessário, na verdade é fundamental pra propagar.

Diálogos com o Contexto J.M. — É difícil porque cada local é um local. Existem lugares da cidade onde a gente realmente pensa em intervir, daí pensa na intervenção… ou a gente pensa um lambe e pensa ‘nossa, esse lambe ficaria bom em tal lugar’, como é o caso de um que a gente colocou semana passada aqui no ICC [30] que é um lambe gigante que tem todo um contexto que tem a ver com esse lugar. Às vezes é [feito] de uma forma mais randômica, daí vai vir de um apelo estético. Vai da gente achar que aquela parede é bonita que aquele lugar é legal. Mas a gente prioriza lugares de muito acesso em que aquela intervenção vai realmente funcionar pra intervir na vida das pessoas. E não em lugares aleatórios onde ninguém vai passar… esses lugares também são bons e a gente investe neles, mas em geral [escolhemos] lugares assim [de muito acesso]. E quando não é uma intervenção muito específica a gente vai muito pelo estético e por lugares afetivos… pensar em lugares aonde a gente gosta de ir, lugares abandonados, lugares violentos como as passagens subterrâneas… mas são lugares muito específicos. A gente tenta pensar a questão estética principalmente… assim, a parede chamou atenção, vai ser nessa parede. Mas quando são frases específicas a gente pensa: ‘a que lugar essas frases pertencem’. E a gente tenta escolher à partir disso, e planeja o tamanho e tal… a partir disso.

A.V. — E também tem muito o observar… Por exemplo, a gente às vezes vê uma parede incrível só que fala ‘cara, isso são resquícios de vários lambes; a gente não vai pregar aqui’ porque a gente vai virar as costas e já vão tirar. Então também tem esse preservar, né. […]

Vamos tentar colocar em um local onde a gente ache que ele vai durar mais de um dia, pelo menos. E a gente vai olhando lugares possíveis… fala assim ‘poh naquele lugar [30] - ICC é a abreviação de Instituto Central de Ciências. Edi�ício integrante do conjunto arquitetônico do Campus Universitário Darcy Ribeiro da Universidade de Brasília.

[31] - Página refere-se ao endereço eletrônico de uma pessoa ou instituição nas redes sociais, p. ex. Facebook, Instagram

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parece que vai ficar’. Ou aqueles lugares em que a gente sabe que vão tirar, mas sabe que o registro vai ser muito interessante. Por exemplo, na frente do MASP. A Ju [Julianna Motter] pregou […] ali um lambe e o próprio MASP… a página [31] do MASP compartilhou esse lambe. Só que ele deve ter ficado apenas alguns dias lá porque, né… toda hora sendo pintado de cinza, higienizado. Mas é isso, tem lugares que a gente olha e fala ‘poh, esse lugar’ tem potencial, mas é mais na hora… na vivência.

Legado A.V. — Um dia desses eu pensei… Eu tava fazendo coisa do Amorço e eu parei e [me recordei] uma vez me mandaram uma foto e eu encaminhei pra Ju. O nosso lambe era a capa do álbum de casamento de uma conhecida minha. E aí eu falei ‘nossa, que incrível’, tipo, esse lambe simplesmente marcou um momento muito especial dessa pessoa… desse casal né. E eu acho que o nosso legado é exatamente esse, registros que… são registros sentimentais. As pessoas tiram ali porque alguma lembrança vem pra elas e… eu acho que isso é extremamente gratificante, mesmo. Assim, o registro sentimental que os lambes acabam tendo. Talvez isso seja um grande legado. Também tem toda a questão do legado político mesmo da própria intervenção.

J.M. — Marcar a cidade [é] de certa forma marcar a vida de outras pessoas. Em algum momento eu espero que elas lembrem desses lambes, espero que eles durem muito tempo, que a gente continue fazendo por muito tempo, mas eu entendo que ele vá mudando… como ele mudou em três… quatro anos… Eu suponho que ele vá mudar cada vez mais. Que continue provocando pequenas mudanças porque é o que a gente pode fazer. E deixar registradas as coisas que a gente pensa, as coisas que a gente sente e pensar que de alguma forma a gente compartilha isso com várias pessoas.

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nesta página e na página seguinte

Pôsteres (lambe-lambe) - sem título Coletiva Amorço, 2013 a 2017.

Fonte: https://www.instagram.com/amorcobsb/

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Consideraçþes finais

42 E a arte pública, a arte que se faz no espaço público, o gesto, a intervenção, o evento, a instalação, o espetáculo, a arquitetura [...] tudo isso exerce sobre o social preexistente um impacto em que talvez a hegemonia seja confirmada ou desafiada, mas, mais importante que isso, em que algo do novo desse social passa a ter existência.

(PALLAMIN, 2000, p. 14)

Este Ensaio se dividiu em três momentos de análise e reflexão sobre a arte urbana. Os dois primeiros compuseram a primeira parte do texto e o último, a segunda.

O primeiro momento se dispôs à reflexão acerca dos possíveis precursores da arte urbana. A abordagem girou em torno de determinadas situações e dos diálogos, mesmo que distantes, que essas puderam estabelecer com o que é feito atualmente nas ruas. Os nomes citados precederam à criação — ou, à necessidade de criação — de termos específicos para designar as manifestações artísticas feitas em caráter público, como: arte urbana ou street art. De todo modo, o estudo desses trabalhos foi feito com a intenção de identificar elementos já presentes nessas formas de expressão que pudessem lhes validar como precursoras da street art. De fato, encontraram-se elementos que guardavam paralelos com a arte urbana, tais como o desejo de comunicação e a apropriação do espaço público. Assim, os artistas citados neste primeiro momento comportavam-se como legítimos precursores da arte urbana contemporânea.

Na etapa seguinte, lançou-se o olhar sobre contexto dentro do qual ocorreu o florescimento das primeiras manifestações já denominadas como street art. A análise se iniciou com a discussão sobre o New York Style e como se deu sua essencial contribuição ao nascimento da arte urbana. Foramestabelecidos alguns referenciais que ajudassem a distinguir essas duas formas de expressão, ao passo que ambas ainda poderiam ser reconhecidas como formas de grafite. Em seguida, foram citadas as obras de alguns dos principais nomes da street art, em um exercício de síntese do amadurecimento dessas formas de arte urbana, desde seu nascimento — com essa terminologia — até o cenário contemporâneo. Com o auxílio da descrição da obra desses artistas foram colocados em questão os processos fundamentais ao amadurecimento da street art ao longo dos anos, tais como a transição comercial; a ampla celebração popular; a validação pela crítica tradicional de arte contemporânea; a incorporação dessas obras pelos espaços ortodoxos da arte; e a forma como esse processo se iniciou em um contexto brasileiro.

Por fim, tem-se como o produto dessa primeira parte um breve guia de arte urbana em que foram fornecidas as informações básicas necessárias para o reconhecimento de um repertório mínimo dessas manifestações artísticas.

A parte II marcou um segundo direcionamento do foco analítico da pesquisa. A narrativa voltou-se à compreensão das relações entre arte e cidade e à construção da experiência

subjetiva do espaço urbano. Priorizaram-se as reflexões acerca de suas dimensões históricas, políticas e sociais. A pesquisa buscou incluir as diversas possibilidades de interpretações subjetivas do espaço urbano, explorando os diversos significados subjacentes que as intervenções urbanas adquirem enquanto manifesto.

O desenvolvimento dessa etapa foi realizado meio de entrevistas com representantes de coletivos atuantes no cenário da arte urbana no Distrito Federal. A opção por esse tipo de narrativa foi feita pelo desejo de que o discurso teórico se aproximasse o máximo possível de seu fazer prático. A palavra em primeira pessoa das artistas enriqueceu o trabalho, ao passo que forneceu informações impossíveis de serem coletadas de outra maneira, principalmente aquelas referentes às subjetividades envolvidas na construção desses trabalhos.

Os depoimentos coletados complementaram questões já dispostas na primeira parte do texto, abrindo portas para novas reflexões que envolveram temas como o direito à cidade, o paralelo entre o informe publicitário e a arte de rua, e a apropriação da cidade enquanto espaço afetivo.

A pesquisa se encerra identificando alguns fios condutores mais recorrentes nas formas de expressão em esfera pública, desde seus precedentes mais remotos até o que é feito na contemporaneidade. São latentes características como: 1) o desejo de comunicação direta, objetiva, acessível e abrangente; 2) o direcionamento de mensagens à sociedade enquanto conjunto, inexistindo um receptor definido; 3) a inexorabilidade da imagem na paisagem urbana em que a linguagem conquista seu espaço por meio das interferências públicas reiteradamente realizadas; 4) a proeminência do conteúdo manifesto como prática social e instrumento de visibilidade.

Em última análise, vê-se a arte das ruas como um fenômeno inexorável às mazelas da vida em sociedade. A arte urbana marca uma resistência às demandas da caótica cidade contemporânea: rotinas velozes, ações automáticas, relacionamentos distantes, momentos de contemplação reduzidos. É um silencioso grito estampado nas paredes que nos leva a tantas reflexões, não apenas sobre a cidade, mas sobre nós mesmos. Nesse amálgama entre Arte e Cidade, ou, simplesmente, Cidarte.

“Museu é o mundo; é a experiência cotidiana” — Hélio Oiticica (OITICICA, 1992. p.103 apud MARQUEZ, 2000. p. 14)

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