: A TRANSFORMAÇÃO URBANA DE ROSA KLIASS E O PAISAGISMO DO VALE DO ANHANGABAÚ

A TRANSFORMAÇÃO URBANA DE ROSA KLIASS E O PAISAGISMO DO VALE DO ANHANGABAÚ Baroco, Lucas; Graduando; Centro Universitário Belas Artes de São Paulo; lucasbaroco.arq@gmail.com

Resumo: Rosa Kliass é um personagem importante no desenho da paisagem do Brasil, venceu o concurso de arquitetura para revitalizar a região do vale do Anhangabaú visando principalmente os pedestres e a necessidade de áreas livres e públicas na cidade de São Paulo, com uma linguagem característica. Atualmente o projeto foi demolido e hoje da lugar a um projeto contemporâneo com os seus mesmos princípios.

Palavras chave: Rosa Kliass; Vale do Anhangabaú; Paisagismo.

Abstract: Rosa Kliass is an important agent on landscaping in brasil, she won the archtecture contest to rebuild Vale do Anhangabau aiming for the pedestrians and the necessity of the public and empty spaces in the Sao Paulo city. With your particular design. Nowadays its a demolished project but your aimings stays in a contemporary design.

Keywords: Rosa Kliass; Vale do Anhangabaú, Landscaping.

Introdução A importância da arquitetura paisagística faz-se cada vez mais presente em um mundo repleto de questões e conflitos sobre a paisagem natural e urbana, e Rosa Grena Kliass se colocou a frente de seu tempo e ganhou espaço em meio aos poucos paisagistas notórios brasileiros, resolvendo conflitos urbanos e espaços públicos. Devido a isso, essa pesquisa é um aprofundamento das questões ideológicas, sociais e projetuais da paisagista, com base em artigos virtuais, reportagens e entrevistas em que participou.

Da vida pessoal até o Paisagismo de Rosa Kliass

Rosa Grena Kliass, nasceu no ano de 1932, na cidade de São Roque, interior de São Paulo. Se mudou aos 11 anos para a capital do estado, São Paulo, onde veio visando estudar, nessa época ainda para o segundo grau, conhecido atualmente como ensino fundamental e médio.

Quando terminou seus estudos, partiu para uma formação superior, ainda sem saber o que fazer se inscreveu nos vestibulares de Física e Arquitetura, na Universidade de São Paulo (USP). Devido a equívocos de burocracia, os vestibulares calharam de cair no mesmo dia, e acabou optando por Arquitetura e Urbanismo.

Desde as primeiras aulas, Rosa Kliass, ainda se via um pouco perdida e sem saber o qual área específica seguiria profissionalmente, e foi assim até o quarto ano, quando o fundador da FAU-USP, o engenheiro Luiz Ignácio Romeiro de Anhaia Mello, implementou a matéria de arquitetura paisagística, nesse período, não possuíam muitas opções de possíveis professores, apenas Burle Marx, que vivia no Rio de Janeiro.

Devido a isso, foi necessário a importação de um professor e foi assim que Roberto Coelho Cardoso, estadunidense, aluno da Universidade da California em Berkeley foi o escolhido, já que tinha ascendência portuguesa e se comunicava em português.

Após o início de seu magistério, Rosa Kliass, devido a suas aulas se descobriu como paisagista, concluindo sua graduação em 1955. Devido a isso, por ser a primeira turma de arquitetos a ter paisagismo em sua grade, Rosa Kliass e Magnali, são consideradas as duas primeiras, mulheres paisagistas brasileiras.

Posteriormente, no final da década de 1960, Rosa foi premiada por uma bolsa de estudos e foi para os Estados Unidos onde absorveu a experiência norte americana do estudo da paisagem e planejamento paisagístico.

Rosa Kliass é, atualmente, uma das personalidades mais importantes na arquitetura da paisagem do Brasil, o seu faro e capacidade é inegável, e juntou questões urbanas, sociais, paisagísticas e naturais em seus projetos e consultorias ligados a órgãos públicos e a criações de matérias bibliográficos que eram escassos em sua época, como são até hoje, ganhou também diversas premiações na área, participou da fundação da ABAP, Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas, onde por muito tempo esteve envolvida ativamente.

“Você cria espaços reais, que vão crescer independente de você. Você não domina totalmente o espaço que você vai criar” (Rosa Grena Kliass, em entrevista ao CAU/BR)

Rosa Kliass participou de muitos trabalhos importantes para diversas regiões do Brasil, um de seus primeiros projetos foi em sua cidade Natal, São Roque, o Parque

largo dos Mendes de 1958; participou também do planejamento de áreas verdes do plano urbanístico de Curitiba, capital do Paraná, que foi considerado pelo governo de Jaime Lerner (importante político e Urbanista brasileiro); executou também o Parque Mangal das Garças, exibido na primeira foto abaixo, em Belém, no estado do Pará em 1999; O Parque da Juventude, na segunda foto abaixo, de 2000 na cidade de São Paulo, São Paulo, dentre muitos outros, como o projeto do Vale do Anhangabaú da década de 1980/90 que explicaremos mais a fundo futuramente.

Figura 1-

Figura 2-

Parque mangal das Garças, Belém, 1999

Parque da juventude, 2000, São Paulo SP

Figura 1 Fonte: https://www.amazonasemais.com.br/outros-destinos/brasil/para/mangal-das-garcasriqueza-amazonica-no-coracao-de-belem/ Figura 2 Fonte: http://www.nelsonkon.com.br/parque-da-juventude/

O Vale do Anhangabaú O vale do Anhangabaú é um espaço historicamente conflituoso na cidade de São Paulo, no início da história da cidade e sua povoação, era apenas um vale que fazia parte da paisagem natural e protegia a colina histórica de invasores e o rio Anhangabaú servia para tomar banho e lavar roupas e objetos. Posteriormente, até o século XIX, a região era uma chácara do Barão de Itapetininga, onde as margens do rio eram utilizadas para o plantio de chá e agrião. O tempo foi passando e a região começou a se tornar uma barreira física para expansão da cidade, foi devido a isso que em 1895 foi construído o viaduto do chá, primeira passagem direta de um lado para o outro do vale.

A cidade foi se desenvolvendo, e solucionar o vale ainda era uma incógnita para a metrópole em potencial, houve tentativa de uma boulevarização, sem muito

sucesso, já que o nível de veículos e pessoas aumentavam exponencialmente. Foi assim que surgiu, entre 1920 e 1930 o plano de avenidas, de Francisco Prestes Maia e João Florence de Ulhoa Cintra, que propuseram um sistema de vias radial concêntrico para a melhora viária da cidade paulistana, isso implicava no aproveitamento de vales, e margens de rios e córregos da cidade, para a implementação de vias coletoras. Foi assim que o vale do Anhangabaú se tornou uma área totalmente viária e pensada exclusivamente para os carros, como pode-se ver na foto abaixo da década de 1950.

As

mudanças

e

revitalizações

aplicadas

ali

geraram

diretamente

consequências negativas para a região como muitos acidentes, excesso de impermeabilização e atropelamentos, já que solucionar apenas o problema dos automóveis e do transporte não era a melhor coisa a ser feita em um lugar estratégico e com vocações para ter usos dos mais diversos e mais importantes para uma célula metropolitana em ascensão, como a São Paulo no século XIX e XX. Devido a isso, em 1981 foi lançado o concurso de Revitalização do Vale do Anhangabaú, pelo prefeito vigente Reinaldo de Barros, onde participaram diversos projetos, como o da famosa arquiteta Lina Bo Bardi porém foram os arquitetos Jorge Wilheim e Jamil Kfouri juntamente com a arquiteta paisagista Rosa Kliass, que foram os vencedores e executaram o projeto.

Figura 3

Vale do Anhangabaú ocupado por carros.

Fonte: https://avidanocentro.com.br/cidades/vale-do-anhangabau-historia/

A pedestrianização do Vale do Anhangabaú por Rosa Kliass

Em 1981, Rosa Kliass e sua equipe composta pelos arquitetos Jorge Wilheim e Jamil Kfouri. Eles pensaram a paisagem urbana como um espaço democrático, e

transformaram o emaranhado de veículos em uma grande área pensada para a ocupação do pedestre.

Através da questão do planejamento paisagístico eu via a importância da antropologia, não dá pra desligar as coisas. Para que a gente faz os parques?

Não é só para ter áreas verdes. É para as pessoas usarem.

(Rosa Grena Kliass para Vitruvius)

Construíram uma grande laje sob a Av. vinte e três de maio, e sob essa grande laje foi implementado um parque desenhado e pensado por Rosa Kliass, um grande espaço, com bastante área de passeio público possibilitando uma circulação democrática, como a própria cita em suas entrevistas.

A Paginação de piso, em mosaico de pedra portuguesa, muitas vezes usadas por Rosa Kliass, possui um desenho geométrico com formas não regulares, que estilizam o piso com dois tipos de pedra, formando um desenho interessante esteticamente mais perceptível como observador um pouco de distante, esses desenhos não influenciam diretamente no caminhar do pedestre, já que não marcam direções e nem caminhos.

Diferente do desenho de piso, que era feito com linhas mais retas a formar geometrias irregulares, o desenho dos canteiros e das áreas permeáveis, Rosa trabalhou com segmentos de curva juntamente as linhas retas. Posicionou maciços de vegetação com árvores de médio e grande porte juntamente com mobiliário urbano de permanência, como os bancos, gerando sombras e um local mais confortável.

O mobiliário urbano também planejado por Rosa e seus parceiros não era básico como a maioria das praças da cidade possui, era pensado e desenhado para o local especifico em que iria ficar, acompanhando as linguagens projetuais de linhas retas e anguladas e que localizavam estrategicamente em pontos mais notórios de centralidade e de encontros com o apoio de sombras das árvores que foram pensadas propositalmente para essa função.

E isso é um alerta a alguns colegas arquitetos que pensam que a distribuição de bancos é um “brinquedinho” dentro de um parque. A distribuição dos bancos não é aleatória, tem que ter um significado. Cada banco tem a sua função de lugar especial.

(Rosa Grena Kliass para Vitruvius)

Pode de perceber também o respeito e continuidade do que já era existente no local, como a área em que ladeira o teatro municipal da cidade de São Paulo, que possui um desenho bem característico de paisagismo da época em que foi construído, no inicio do século XX, com palmeiras imperiais de grande porte.

Rosa implementou também, áreas com foco no elemento água, com chafarizes de linguagem semelhante a todo o projeto e mobiliário, sendo uma referência direta ao córrego que ali passava, já que fora canalizado; e também contribuindo para umidade e controle de temperatura do ambiente devido a seu entorno ser de grande permeabilização e um dos pontos mais quentes da cidade de São Paulo.

Figura 5:

Vale do Anhangabaú de Rosa Kliass Fonte: https://avidanocentro.com.br/cidades/vale-do-anhangabau-historia/

A linguagem projetual de Rosa Kliass

Elementos que citamos acima, fazem parte também da linguagem morfológica e projetual da arquiteta paisagista, Rosa Kliass, pensava bastante em seu processo projetual em questões além de um jardim bonito, como questões sociais, democráticas e urbanos do espaço.

Os principais elementos utilizados por Rosa são: O granito, de diferentes cores, principalmente o vermelho e o cinza. Os mosaicos de pedra portuguesa, herança de nossa colonização, das cores vermelha, marrom, branco e cinza; o ladrilho hidráulico e o concreto.

Podemos comparar com outro projeto de autoria de seu escritório juntamente de arquitetos associados, a renovação de praças em Catanduva, que possui elementos recorrentes de seus projetos; como o piso em mosaico de pedra portuguesa e granitos de cores diferentes fazendo com que as linhas de desenho ficassem fortes e demarcadas vista em planta, mostrando um partido bem definido. Mesmo em alguns projetos com uma composição simétrica ou assimétrica, os elementos que o formam e linhas que o demarcam são muitas vezes geometrias, segmentos de circunferência juntamente de linhas retas como percebemos nas figuras abaixo.

Figura 6:

Figura 7:

Implantação Praças de Catanduva

Vista da praça pós requalificação

Figura 6 e 7 Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/867162/requalificacao-de-pracas-em-catanduvarosa-grena-kliass-arquiteta-plus-barbieri-plus-gorski-arquitetos-associados As praças de Catanduva em que seu escritório foi responsável, é notório a semelhança de linguagem e materialidade do Vale do Anhangabaú, porém é perceptível um olhar mais amadurecido da Arquiteta, com uma riqueza maior de detalhes e preocupações, já que é um projeto mais contemporâneo.

Percebe-se uma utilização de elementos que não eram amplamente explorados na época do Anhangabaú, como a utilização de diferentes tipos de forrações rasteiras e vegetações de pequeno porte; como também, além da implementação de iluminação geral alta, a implementação de postes de luz visando o piso e elementos construídos e plantados e principalmente o pedestre e frequentadores, criando diretamente uma atmosfera mais agradável e segura.

A revitalização do Vale do Anhangabaú contemporânea.

Já na década de 2010, o vale do Anhangabaú de Rosa Kliass estava deteriorado, devido a falta de manutenção do poder público, esvaziamento habitacional do centro de São Paulo e seu mono funcionamento, e também de fatores terceiros que contribuíram para o espaço possuir a fama de perigoso, já que possuía muitos moradores de rua que aproveitavam áreas cobertas e com sombra, usuários de droga e comerciantes de ilícitos. O local foi totalmente abandonado pelo poder público, algo previsível já que historicamente foi deixado de lado. As pessoas evitavam o lugar, ou quando havia a necessidade de passar por lá, passavam por canteiros e degradavam a vegetação.

O desenho característico de Rosa Kliass e seu projeto não estava mais, de fato, funcionando, porém, seus princípios guiaram os participantes do novo concurso da prefeitura, onde participaram centenas de grupos.

O Projeto escolhido foi o escritório paulistano Biselli Katchborian Arquitetos, que uniu os antigos conceitos de Rosa Kliass a pedestrianização e o passeio democrático juntamente de acessórias á prefeitura de são Paulo, como a de Jan Gehl.

O novo projeto possui uma esplanada monumental com desenho de piso ortogonal que possibilita um uso democrático do pedestre, juntamente de chafarizes com iluminação que criam possíveis setorizações e fazem com que o espaço seja um ponto focal da cidade para encontros, eventos, passeatas e protestos democráticos; fazendo o seu entorno se virar para o vale, deixando de ser visto como um espaço residual.

Figura 8

Vale do Anhangabaú de Biselli Katchborian Arquitetos Fonte: https://www.gazetasp.com.br/noticias/sp-reinaugurado-vale-do-anhangabau-ja-tembanheiros-e-equipamentos-que/1101135/

Considerações finais

Rosa Grenna Kliass, arquiteta paisagista brasileira, possui suma importância para planejamento de paisagem do Brasil, em São Paulo contribui para o planejamento de muitos parques e inúmeras praças, sendo a mais notória, o seu projeto do vale do Anhangabaú.

Onde conseguiu unir o rodoviarismo paulistano e a premissa que crescia no mundo na época, o porque da cidade ser pensada somente para os automóveis.

Deste modo, a arquiteta conseguiu a unificação do viário com o ideal de parque, onde criou espaços pensando desde a escala urbana metropolitana, quanto a do pedestre.

Aplicou em seus projetos questões estéticas e de linguagem interessantes e que refletiam em seus princípios éticos e sociais, que foram aplicados com louvor em sua revitalização, criando um espaço democrático e seguro aos pedestres para fazer a transposição de um lado á outro do vale, já que na época o principal problema era o grande numero de acidentes envolvendo os veículos e as pessoas, com um entroncamento desenfreado de veículos gerando atropelamentos.

Percebe-se também, mesmo sendo um personagem importantíssimo para a criação das cidade brasileiras, uma certa escassez de bibliografia especificas tanto sobre paisagismo quanto sobre grandes paisagistas, e em senso popular, unicamente se refere ao Roberto Burle Marx como grande paisagista nacional.

ANEXO Figura 9

Referências bibliográficas

Entrevista de Rosa Kliass ao CAU/BR, disponível em Parte 1 :https://www.youtube.com/watch?v=R9FLat8J7eE Parte 2: https://www.youtube.com/watch?v=i4Yp7qkvHAA Acesso em 24 de março de 2022.

Artigo, Rosa Kliass Poeta da paisagem; Disponível https://www.archdaily.com.br/br/880958/rosa-kliass-poeta-da-paisagem

em

Acesso em 25 de março de 2022.

Artigo, Biografia de Rosa Kliass; Disponível em https://live.apto.vc/rosa-kliassbiografia-e-obras/ Acesso em 23 de março 2022.

Artigo, caminhar pelo Anhangabaú, um breve histórico; Disponível em https://www.archdaily.com.br/br/946770/caminhar-pelo-anhangabau-umabreve-historia-do-vale-a-partir-de-quem-anda-a-pe Acesso em 25 de março de 2022.

Documentário, Sesc Arquiteturas, Anhangabaú; https://www.youtube.com/watch?v=xyEu7FKqIoA Acesso em 25 de março de 2022.

Disponível

em