Revista ESC

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FILÉ MIGNON

levou os maiores bancos do mundo a quebrarem e a levarem com eles toda a economia, ele diz. Diante desse cenário, para onde podemos escapar? Para dentro, dizem os místicos. Foi no meio da floresta amazônica, em viagem que fiz no ano passado, que escutei um xamã dizer: “Você precisa meditar todos os dias por 20 minutos no mínimo. A menos, claro, que esteja muito ocupada: nesse caso medite por uma hora”. É chegado a hora de achar o eterno em nós mesmos, abraçar a incerteza de tudo e deixar de temer. Fazer as pazes com a ideia de que cada um vive o próprio Armageddon – final de um tempo, começo de outro – muitas vezes antes da morte derradeira porque não se passa pela vida sem um Armageddon para chamar de seu. A verdade é que o tempo não passa; a gente passa, e essa constatação fere. A fim de evitarmos a dor, vivemos com anestésicos na corrente sanguínea, e não nos damos conta de que a verdadeira crise é uma de estesia: já não suportamos mais sentir. E assim fazemos nascer o mais absurdo dos paradoxos: com medo da morte criamos a ilusão do controle, com ela evitamos sentir e, sem sentir, morremos antes da hora. Gosto também do que Osho disse: “A menos que você entenda a insegurança, não poderá entender a vida. Estações mudarão, o clima mudará, a primavera chegará. Tudo seguirá mudando, isso é insegurança. Mas já parou para pensar no que aconteceria se tudo fosse permanente? Comer a mesma comida todos os dias, dizer as mesmas coisas todos os dias, escutar as mesmas coisas todos os dias. E não haveria nem morte para interromper essa existência trágica”.

A IDEIA DE QUE O SER HUMANO PODE SER LIVRE É APAVORANTE PARA QUALQUER PESSOA COM PODER

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ESC.COM

Pensei em Edward Snowden, que testemunhou a vida virar de ponta-cabeça quando contou ao mundo alguns segredos da agência de segurança americana (NSA) que nos dizem respeito. Da noite para o dia, Snowden decidiu mostrar documentos secretos que provam a extensão da espionagem a que estamos submetidos diariamente. Nessa hora ele passou de servidor público a “o homem mais caçado do mundo”. É o caso de alguém que voluntariamente topou se livrar da ilusão do controle e ao mesmo tempo chamar a atenção para o fato de estarmos sendo controlados por algoritmos que trabalham a serviço de Estados e corporações. O que nós enxergaríamos se nos entregássemos ao exercício sugerido por Pascal? Seríamos capazes de superar a necessidade de acreditar que estamos no controle de tudo? Encontraríamos o eterno em nós mesmos e perderíamos o temor da morte? Será que nós seríamos capazes de entender David Foster Wallace quando ele sugeriu que a verdadeira liberdade é controlar a única coisa sobre a qual temos controle, o pensamento? Outra vez Blake dá uma boa pista: “Aquele que se deixa prender por uma alegria rasga as asas da vida. Aquele que beija a alegria enquanto ela voa, vive no amanhecer da eternidade”.


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