Livro edith derdyk

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Poesia material Aparentemente, o trabalho de Edith Derdyk é simples. Surge, com frequência, da acumulação de materiais ordinários, mantidos pela artista em seu estado originário, sem qualquer intervenção que altere suas características. O papel, por exemplo, é apenas papel (papel à enésima potência, poder-se-ia até dizer, haja vista a sua alvura), exatamente como os fios de algodão, as chapas de ferro, os livros que confluem para as suas instalações ou esculturas nunca deixam de ser o que eles mais intimamente são. E contudo, essa simplicidade é, como se dizia, aparente, apenas isso. Os desenhos da artista, de certa forma, já apontam para essa idiossincrasia: do seu traço rápido emergem projetos de instalações claros, concisos, em que a relação binária (leve/pesado, opaco/transparente, simples/complexo...) que sempre caracteriza as obras é nítida, sintetizada aqui pela oposição fundamental entre o branco do papel e o preto da tinta. Mas, apesar da linearidade desses projetos, que muitas vezes surgem do embate de formas familiares e reconhecíveis, como retângulos ou quadrados, com o entorno, o processo de realização revela-se, na maioria das vezes, bastante árduo. Para realizar o projeto, à primeira vista elementar, concebido para a Funarte, em que um paralelepípedo de fios negros flutua sobre um bloco sutil e denso de luz fria, por exemplo, foram precisos cerca de 400 quilómetros de fio, que sustentam uma estrutura de 700 quilos. A complexidade das instalações de Edith Derdyk, por outro lado, é sutil. Gosta de se esconder nas coisas, com maior prazer e teimosia, ao que parece, quanto mais prosaicos os objetos e os materiais que habita. É uma complexidade, poder-se-ia quase dizer, que brota, ou torna-se evidente, ao se tentar fazer, dessas obras aparentemente tão simples, uma exegese. Pense-se, por exemplo, no papel branco que ela usa com tanta frequência, e mergulhar-se-á na pletora de metáforas que dele emanam, tornando-o, em última instância, tão físico e tangível quanto metafísico, pura ideia. A obra de Edith Derdyk, nesse sentido, é eminentemente poética, no sentido que, como na poesia, todos os elementos (ou palavras) ressoam de maneira nova, estão literalmente imantados por seu significado, ao passo que, na linguagem e no uso cotidianos, esse significado está quase que dissolvido, ou pelo menos atenuado. Só na verdadeira poesia a palavra pedra tem o peso duro das pedras, a palavra sol transmite o calor e a luz do sol. Analogamente, em obras plásticas como as de Edith Derdyk cada elemento parece adquirir um valor e um significado novos, 80


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