PORTIFOLIO

Page 1

LETÍCIA RAMOS exposições selecionadas 2012 - 2016

selected exhibitions 2012 - 2016



LETÍCIA RAMOS (Santo Antônio da Patrulha, Brasil,1976) Vive e trabalha em São Paulo, Brasil. Seu foco de investigação artística é a criação de aparatos fotográficos próprios para a captação e reconstrução do movimento, e sua apresentação se materializa nos mediuns do vídeo, fotografia e instalação. Com especial interesse pela ciência da ficção, em suas séries como ERBF, Bitácora e Vostok, desenvolve complexos romances geográficos. O acaso, a experimentação com o fotográfico e o processo artistico são direções presentes no seu trabalho. Suas obras já foram expostas em espaços artísticos como Tate Modern, Centro de Arte Pivô, Itaú Cultural, Centro Cultural São Paulo, Parque Lage, Museu Coleção Berardo, Instituto Tomie Ohtake e CAPC- Musée d’art contemporain (Bordeaux). Foi ganhadora de importantes prêmios, residências artísticas e bolsas de produção artística, entre eles, o Prêmio Marc Ferréz para o desenvolvimento do projeto “Bitácora” (2011/2012). Como resultado desta pesquisa, publicou o livro de artista “Cuaderno de Bitácora” e participou da residência The Artic Circle (2011) a bordo de um veleiro rumo ao Pólo Norte. O trabalho fotográfico produzido durante a expedição foi vencedor do Prêmio Brasil Fotografia – pesquisas contemporâneas (2012). Em 2013 participou do programa “Islan Session“ da 9º Bienal do Mercosul. Neste mesmo ano, desenvolveu o projeto [VOSTOK] que consistiu numa viagem ficcional a um lago pré-histórico submerso na Antártida. O projeto resultou em uma publicação virtual, filme 35mm, livro e LP, e uma performance inédita que foi apresentada durante a edição do Festival Videobrasil em 2015. Em 2014, foi contemplada pela Bolsa de Fotografia do Instituto Moreira Salles onde desenvolveu a pesquisa “MICROFILME” e foi ganhadora do prêmio internacional de fotografia Bes Photo. Recebeu o Prêmio Videoarte da Fundação Joaquim Nabuco para o desenvolvimento do projeto inédito GRÃO. Recentemente recebeu a Bolsa de Artes da Fundación Botin (Espanha) para o desenvolvimento do projeto “Historia Universal de Los Terremotos“ e foi uma das artistas finalizadas do prêmio PIPA 2015 tendo sido indicada novamente para o PIPA 2016. Tem exposições programadas para a Fundación Botin e para o Nouveau Musée National de Monaco. Tem obras nas coleções do MAM - Museu de Arte Moderna de São Paulo, do MAM - Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, no Itaú Culltural, na Fundação Joaquim Nabuco, na Fundação Vera Chaves Barcellos, no MAC - Museu de Arte Contemporância do Rio Grande do Sul, na Associação Cultural Videobrasil e no Nouveau Musée National de Monaco.

LETÍCIA RAMOS (Santo Antônio da Patrulha, Brazil, 1976) Lives and works in São Paulo, Brazil. Her artistic research focuses on creating photographic apparatus adequate for capturing and reconstructing movement and presenting it through video, photography and installation. With a particular interest in the science of fiction, she developed complex geographical novels in some of her series, such as ERBF, Bitácora and Vostok. Chance, as well as experimentation with photography and the artistic process, are directions which can be seen in her work. Her works have been exhibited in art spaces such as the Tate Modern (London), the Pivô - Art and Research Center (Sao Paulo), Itaú Cultural (Sao Paulo), the São Paulo Cultural Center, Parque Lage (Rio de Janeiro), the Berardo Collection Museum, (Lisbon) the Tomie Ohtake Institute (São Paulo), and CAPC- Museum of Contemporary Art (Bordeaux). She was given important awards, was selected for several art residencies, and won many art production grants, among which the Marc Ferréz Award for developing the “Bitácora” project (2011/2012). As a result of this research, the artist published a book intitled “Cuaderno de Bitácora” and participated at The Artic Circle art residence (2011) aboard a sailboat which headed towards the North Pole. The photographic work produced during the expedition won the Brazil Photography Award contemporary research (2012). In 2013 she participated in the program “Islan Session”, in the context of the the 9th Mercosul Biennial. That same year, she developed the project [VOSTOK] which consisted of a fictional trip to a prehistoric lake submerged in Antarctica. The project resulted in a virtual publication, a 35mm film, a book and an LP, as well a new performance which was presented during the Videobrasil Festival 19th edition in 2015. In 2014, she was awarded the Moreira Salles Institute Photography Grant, and used it to develop a research called “MICROFILM”, which ended up winning the Bes Photo international award. She received the Video Art Prize, given by the Joaquim Nabuco Foundation, for the development of a new project called GRÃO [GRAIN]. She recently received the Arts Grant from the Botín Foundation (Spain) for the development of the “Historia Universal de Los Terremotos” project and was one of the PIPA Prize 2015 artists finalists, and is once again one of the selected artists for the PIPA Prize 2016. She has exhibitions scheduled for Fundación Botín (Spain) and for the Nouveau Musée National (Monaco). Her works belongs to the collections of MAM - Museum od Modern Art in São Paulo, do MAM - Museum of Modern Art in Rio de Janeiro, of Itaú Culltural in Sao Paulo of Fundação Joaquim Nabuco, of Fundação Vera Chaves Barcellos, of MAC - Museum of Contemporary Art in Rio Grande do Sul, of Videobrasil Cultural Association and of Nouveau Musée National in Monaco.

1



ÍNDICE /

INDEX

Nós Sempre Teremos Marte

We’ll Always Have Mars

5

Vostok

17

Grão

37

Bitácora

45

Deserto Negro

63

A Invenção da Roda

69

Aparatos Ópticos

85

Mar

87

Leme de Vento

91

Estudos Holográficos

95

Vostok Grain

Bitácora

Black Desert

The Invention of the Wheel

Optical Apparatus

Sea

Wind Helm

Holographic Studies Sabotagem

103

Textos Críticos selecionados

115

Currículo

127

Sabotage

Selected Critical Texts

Curriculum

3



NÓS SEMPRE TEREMOS MARTE /

WE’LL ALWAYS HAVE MARS

A série de trabalhos apresentados nesta exposição é uma homenagem à imaginação científica romântica, à idéia do futuro dos anos 50, aos inventores multidisciplinares e aos descobridores de mundos distantes. O nome da exposição advém de um título encontrado em uma matéria de jornal sobre a chegada da Curiosity a Marte no ano passado, para além de fazer uma referência direta à frase “Nós Sempre Teremos Paris” do filme Casablanca. As obras apresentadas constroem uma narrativa próxima da ficção-científica, um inventário de imagens que falam do cientista perdido no tempo e no espaço. A exposição é composta de fotografias produzidas a partir de processo de microfilmagem, assim como de um curta-metragem 35mm intitulado VOSTOK. O filme, realizado a partir de miniaturas, mostra a trajetória de um microsubmarino à deriva nas profundezas de um lago pré-histórico submerso no gelo Antártico.

The series of works presented in this exhibition is a tribute to the romantic scientific imagination, to the idea of the future of the 50s, to the multidisciplinary inventors and to discoverers of distant worlds.The name of the exhibition comes from a title found in a newspaper article about the arrival of Curiosity to Mars last year, and it’s a direct reference to the phrase “We’ll Always Have Paris” from the movie Casablanca. The presented works build a narrative near to science-fiction, an inventory of images that speak of the scientist lost in time and space. The exhibition consists of photographs produced from a microfilm process, as well as a 35mm short-film entitled VOSTOK. The film was made from miniatures and it records the trajectory of a microsubmarine adrift in the depths of a prehistoric lake submerged in the Antarctic ice.

Exposições / Exhibitions: - BES Photo, Museu Coleção Berardo, Lisboa, 2014 - Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, 2014

5


Paisagem #2 / Landscape #2 Microfilme impresso sobre papel de algod達o / Microfilm printed on cotton paper 2 x (100 x 211 cm) 1/3 + 2 AP 2014


Paisagem #1 / Landscape #1 Microfilme impresso sobre papel de algod達o /Microfilm printed on cotton paper 2 x (100 x 211 cm) 1/3 + 2 AP 2014

7




PĂĄgina anterior / Previous page Meteorito I/Meteorite I Microfilme impresso sobre papel de algodĂŁo / Microfilm printed on cotton paper 5 x (100 x 85 cm) 1/3 + 2 AP 2014


#1 Microfilme impresso sobre papel de algod達o /Microfilm printed on cotton paper 2 x (100 x 76 cm) 1/3 + 2 AP 2014

11


Teletransporte /Teleportation Polaroid impressa sobre papel de algod達o / Polaroid printed on cotton paper 100 x 140 cm 1/3 + 2 AP 2014


Fenda /Slit Polaroid impressa sobre papel de algod達o /Polaroid printed on cotton paper 110 x 140 cm 1/3 + 2 AP 2014

13


Fita Teste /Tape Test Microfilme /Microfilm 10 x 35 cm N/A 2014


Espetro / Spectrum Polaroid 8,5 x 19 cm 2014

15



VOSTOK - um prólogo + ensaio para gravação de orquestra /

VOSTOK - prologue + test for orchestra recording

O projeto consiste numa viagem ficcional a um lago pré-histórico submerso na Antártida. Realizado no PIVÔ - Arte e Pesquisa - edifício Copan SP, o projeto “VOSTOK – um prólogo” resultou da montagem de um set de filmagem para a captação de imagens para a criação de um livro e de um filme 16mm. Com o set aberto ao público, todo o seu processo criativo poderia ser acompanhado in loco, ou pelo blog - www.vostokartproject.wordpress.com. Como final da etapa de produção do projeto, foi realizada a performance musical “Ensaio para gravação de orquestra” em colaboração com a artista Lúcia Koch e o compositor e maestro Rossano Snell a partir da qual foi gravada a trilha sonora original do filme. As duas execussões integrais da peça foram gravadas em LP. Um teaser do filme pode ser visto através do link http://vimeo.com/leticiaramos/vostokteaser

The project consists of a fictional trip to a prehistoric lake submerged in Antarctica. Held at PIVÔ - Art and Research - SP Copan building, the project “VOSTOK - a prologue” resulted from a film set for the capture of images to create a book and a 16mm film. All the creative process could be accompanied by the blog - www.vostokartproject.wordpress. com, or in loco. It was presented the musical performance “Ensaio para gravação de orquestra” in collaboration with the artist Lucia Koch and the composer and bandmaster Rossano Snell from which was recorded the original soundtrack of the film. The two integral versions were recorded in LP. A teaser of the film can be visualized through the following link http://vimeo.com/leticiaramos/vostokteaser

Exposições / Exhibitions: - “VOSTOK”, CAPC - Musée d’Art Contemporain, Bordeaux, 2015 - 19º Edição Festival Videobrasil, São Paulo, 2015 - BES Photo, Museu Coleção Berardo, Lisboa, 2014 - “VOSTOK - Screening #1, Galeria Mendes Wood, São Paulo, 2014 - “VOSTOK - Um prólogo”, Pivô - Arte e Pesquisa, São Paulo, 2013 - WRO Art Center - WRO Bienal, 2013

17


SOB[RE] ÁGUAS PROFUNDAS The I Ching, known as The Book of Changes, a cornerstone of the eastern cannon, became a source for consultation and an oracle, for various strategic actions adopted by different dictatorships and military governments - subverting its real intention. When it was translated to English in the early 20th century, if rapidly became a reference for North American capitalists, as well to eastern fellows. Likewise, fictions or pseudo-scientific theories became source for the brutal radicalism of some extremist movements. In the Nazi regime, for instance, the writings of Karl Neupert were foundational for the Hohlweltlehre movement, the ‘Hollow Earth’ theory. It is known that some upper echelon members of the Nazi party were adept to the Thule Gesellschaft, a sort of Neotemplar order mixed with occultist practices and hermetic magic sciences, founded by the German Rudolf von Sebottendorff. This type of literature that mixes fiction and science dates back to the 17th century, more precisely to the studies by Edmund Halley, who claimed the Earth was hollow, and that there were three other spheres within it. Inside these spheres there would be new forms of life, which were not aware of the existence of entities in the larger spheres. It would be up to the external beings, in that case, humans, to dig holes and access them. One century later, the mathematician Euler came up with another theory, stating that there were no multiple spheres inside the earth, but only one hollow sphere, and that superior forms of life lived inside it. These two theories were the base for studies that founded the book механика скрытой вселенной, Mechanics of the Hidden World, by the Russian scientist Ivan Korolenko. Not by accident, a copy of this book was found in a time capsule that Soviets implanted in the ocean through a Russian bathyscaphe, in the 20th century, which would only be found in 2050. It is very likely that this publication also served as inspiration for expeditions of a Soviet micro-submarine, which was the only submersible able to go deeper than 100,000 feet. In one of its missions, the submarine was sent to the Antarctic, aiming to explore a murky lake that had been frozen for thousands of years. The recent increase in global temperatures revealed the lake, which was named VOSTOK. There, life would be different, because Soviet scientists believed that such a lake could conserve a prehistoric world, maintaining forms of life that had never been seen before. The film VOSTOK, by Letícia Ramos, recounts a little of this story: an element of a complex network of proofs and documents that confirm the existence of a place we are not familiar with yet. The ground of prehistoric waters, then, is captured by the submarine built by the artist, reminding us of Soviet explorations. By manipulating image tools, Letícia can extract from the infra-mince the most sensitive of the remarkable. And here, by looking at references left for us by photography, I remember only a few similar cases. Some examples are the paranormal experiences by the North American Ted Serios, with a camera that took pictures of thoughts; the studies by the Russians Semyon and Valentina Kirlian, who created a machine to register the energy surrounding our body; the device built by the German Augusto Mayer, a machine that was able to capture the energy spheres our hands emanate; the melancholic Optogram, by Dr. Vernois, who could record the last image seen by the retina of the dead; and, finally, the unlikely equipment invented by the French Hippolyte Baraduc: a huge camera without lenses that was able to take photographs of God. It is uncertain whether or not these devices really existed, but their images show us that faith is not only a system of belief based on the unlikely. Moreover, it goes where science finds tricks and where magic faces the cinema. In these fields, there are invisible lines drawing them apart, at once bringing them together at the same time. If we demand proof of scientific theories and postulates, document records and practical experiences will show us an example of these metafictions. And for those who doubt the Hollow Earth treaty, it is worth a visit to the Academy of Natural Sciences of Philadelphia which safeguards the model of this world, designed in the 19th century by J. Cleves Symmes. Or, if nearby, it is worth a visit to the Aquarium built by Letícia Ramos. These two constructs are other ways of exemplifying theories that require no confirmation, such as cinema, literature and even history. Therefore, there will be no doubts regarding experiments that invent the world inside the world itself, be it filled with air or taken by water. Michel Zózimo 2013


SOB[RE] ÁGUAS PROFUNDAS O livro I Ching, conhecido como o Livro das Mutações, obra oriental milenar, serviu como fonte de consultas e oráculo, sugerindo ações estratégicas que diferentes regimes ditatoriais e governos militares seguiram, subvertendo a sua real intenção. Quando a sua tradução encontrou a língua inglesa, no início do século XX, rapidamente tal publicação tornou-se uma referência para os capitalistas norte-americanos como também para os camaradas orientais. Do mesmo modo, ficções ou teorias pseudo-científicas tornaram-se uma fonte inesgotável para o radicalismo brutal de alguns movimentos extremistas. Para o regime nazista, por exemplo, os escritos de Karl Neupert foram extremamente importantes na fundação do movimento Hohlweltlehre, a Teoria da Terra Oca. Sabe-se que alguns membros do alto escalão do partido nazista eram adeptos da Thule Gesellschaft, uma espécie de ordem neo-templária mesclada com práticas ocultistas e ciências mágico-herméticas, fundada pelo alemão Rudolf von Sebottendorff. Esse tipo de literatura que mistura ficção com ciência remonta ao século XVII, mais precisamente aos estudos de Edmund Halley, o qual afirmava que a Terra era oca, contendo em seu interior outras três esferas. No interior dessas esferas haveria novas formas de vida que desconheceriam a existência das entidades das esferas maiores. Caberia aos seres mais externos, nesse caso, os humanos, cavar buracos para acessá-los. Um século mais tarde, o matemático Euler desenvolveu uma outra teoria, afirmando que não existiam esferas múltiplas no interior da Terra, mas sim apenas uma única esfera oca, com formas de vida superiores habitando em seu interior. Essas duas teorias serviram de estrutura para os estudos que fundamentaram o livro механика скрытой вселенной, Mecânica do Universo Oculto, do cientista russo Ivan Korolenko. Não por acaso, um exemplar desse livro foi encontrado em uma cápsula do tempo que os soviéticos implantaram no oceano através de um batiscafo russo, no século XX, a qual somente fora encontrada em 2050. Muito provavelmente, essa publicação também serviu para inspirar as expedições de um microsubmarino soviético, o qual foi o único submersível capaz de alcançar a profundidade que ultrapassava 100.000 pés. Em uma de suas missões, o submarino foi enviado para a Antártica, como o objetivo de explorar um lago de águas turvas, congelado por milhares de anos. As constantes alterações climáticas e a elevação da temperatura que banha o globo terrestre fizeram com que o degelo revelasse o lago que os camaradas chamaram de VOSTOK. Nesse lugar, a vida seria diferente, pois os cientistas soviéticos acreditavam que tal lago conservaria um mundo pré-histórico, abrigando formas de existência nunca antes vistas. O que vemos no filme VOSTOK, de Letícia Ramos, é um pouco dessa história: um elemento de uma complexa rede de provas e documentos que atestam a existência de um lugar que ainda não conhecemos. O rés de águas pré-históricas é, assim, capturado pelo submarino que a artista construiu, remetendo às explorações soviéticas. Manipulando as ferramentas da imagem, Letícia consegue extrair do infra-mince o mais sensível do notável. E aqui, olhando para as referências que a fotografia nos deixou, lembro de poucos casos semelhantes. São exemplares as experiências paranormais do norteamericano Ted Serios, com a máquina que fotografava o pensamento, os estudos dos russos Semyon e Valentina Kirlian, os quais criaram uma máquina para registrar a energia que circunda o nosso corpo, o aparato construído pelo alemão Augusto Mayer, uma máquina capaz de captar as esferas de energia que nossas mãos emanam, o melancólico Optograma do Dr. Vernois, o qual conseguia registrar a última imagem vista na retina de mortos e, finalmente, o equipamento improvável inventado pelo francês Hippolyte Baraduc: uma enorme máquina sem lente capaz de fotografar Deus. É incerto que essas máquinas realmente tenham existido, mas as suas imagens nos mostram que a fé não é apenas um sistema de crença baseado no improvável. Ela vai um pouco mais além, onde a ciência encontra o truque e a magia enfrenta o cinema. Há nesses campos, linhas invisíveis que os afastam, do mesmo modo que os aproximam. Se exigirmos provas das teorias e dos postulados científicos, será no registro documental e nas experiências práticas que encontraremos a ilustração exemplar dessas metaficções. E para aqueles que duvidam do tratado da Terra Oca, basta ir à Academy of Natural Sciences da Filadélfia e encontrar lá a maquete desse mundo, projetada, no século XIX, por J. Cleves Symmes. Ou, estando mais próximo, também observar o Aquário construído por Letícia Ramos. Esses dois constructos são outras formas de exemplificar teorias que não necessitam de comprovação, tais como o cinema, a literatura e, até mesmo, a história. Assim, não restará dúvidas a respeito de experimentos que inventam o mundo dentro do próprio mundo, seja ele cheio de ar ou tomado por água. Michel Zózimo 2013

19


Maquetas para filmagem de “Vostok” no Pivô - Arte e Pesquisa / Models for filming “Vostok” in Pivô - Art and Research


21


Esbo莽o para imagem estereosc贸pica / Sketch for stereoscopic image Objeto e colagem / object and collage 21 x 15 cm (objeto / object) e 30 x 30 cm (colagem / collage) N/A 2013


23




Pรกgina anterior / Previous page Frame do filme Vostok em 16mm / Vostok 16mm film frame

Frames do filme Vostok em 16mm / Vostok 16mm film frames


27


Vostok_pr贸logo I / Vostok_prologue I Fotografia 135mm impressa em papel de algod茫o / 135mm photography printed on cotton paper 100 x 72 cm 1/3 + 2 PA 2012



Vostok_pr贸logo II / Vostok_prologue II Fotografia 135mm impressa em papel de algod茫o/ 135mm photography printed on cotton paper

100 x 58cm 1/3 + 1 PA 2012



Vostok_pr贸logo III / Vostok_prologue III Fotografia 135mm impressa em papel de algod茫o/ 135mm photography printed on cotton paper 100 x 62 cm 1/3 + 1PA 2012



Disco LP / LP Record Gravação ao vivo da performance musical “Vostok Suite”, execuções I e II / Live recording of the musical performance “Vostok Suite” plays I and II Livro de Partituras / Music Book Livro de Artista / Artist Book 80 páginas, bilingue / 80 pages, bilingual 2014


35



GRÃO /

GRAIN

O filme conta a história de uma colônia humana em um planeta incógnito onde um antigo silo de cereais foi implantado. Eventos naturais e mudanças climáticas fazem com que o silo se rompa e dê início a uma estranha plantação. Projeto vencedor do prêmio de Videoarte da Fundação Joaquim Nabuco. Projeto inteiramente realizado com modelos e manipulação de imagens de arquivo microscópica em modelo de estúdio aberto no PIVÔ - Arte e Pesquisa em São Paulo, Brasil.

The film tells the story of a human colony on an incognito planet where an old cereal silo has been built. Natural phenomena and climate changes cause the silo to break and a strange plantation starts to grow. Winner project of the Videoart Award, awarded by the Joaquim Nabuco Foundation. Project fully realized with models and microscopic file image manipulation in open studio model in PIVÔ - Art and Research in Sao Paulo, Brazil.

Exposições / Exhibitons: - Exposição “Plagiar o Futuro”, curadoria de Bruno Leitão, Hangar, Lisboa, 2016 - 35ª Edição da Feira ArcoMadrid, Galeria Mendes Wood, Madrid, 2016

37


Maquetes do filme “Grão” / Film “Grain” models Estufas de crescimento do trigo / Wheat growth greenhouses


Making of do filme “Grão” / Film “Grain” making of Filmagem da maqueta em 16 mm / model filming in 16 mm

39


Frame de “Grão” / “Grain” frame 16mm transferido para vídeo / 16mm transferred to video 2016


Frame de “Grão” / “Grain” frame 16mm transferido para vídeo / 16mm transferred to video 2016

41


Frame de “Grão” / “Grain” frame 16mm transferido para vídeo / 16mm transferred to video 2016


43



BITÁCORA

Concebido em meados de 2011 no âmbito do Prêmio Marc Ferrez de criação fotográfica, o projeto Bitácora parte do estudo da escala de força eólica desenvolvida pelo almirante inglês Francis Beaufort, e suas peculiares descrições visuais do efeito dos ventos sobre a terra e o mar. Foi construída uma câmera própria para realização de filmes baseada na pesquisa imagética dos primeiros submarinos de madeira, nas primeiras explorações polares e na tecnologia Polaroid. A partir desta experiência multidiciplinar foi publicado o livro “Cuaderno de Bitácora” que mistura arte, história, ciência e ficção e fala sobre a criação da câmera low tech que esteve a bordo da expedição ao Pólo Norte. Todo o processo de criação pode ser acompanhado pelo blog do projeto - www.bitacoraproject.wordpress.com . A viagem a veleiro ao Norte do Ártico foi iniciada em Outubro do mesmo ano e, durante os 20 dias de residência artística a bordo, a artista retirou amostras da paisagem, coletou dados atmosféricos e fez anotações poéticas e científicas sobre aquela paisagem. Esta expedição investigativa resultou em uma nova série de obras (fotografia, desenho, objeto e filme) que em conjunto propõem uma espécie de “romance geográfico” da região Ártica. O projeto foi apresentado em forma de exposição na galeria Mendes Wood – SP. Polaroides originais do projeto foram também exibidas pelo Programa de Fotografia no Centro Cultural São Paulo. O projeto recebeu ainda o Prêmio Brasil de Fotografia - 2012 na categoria Pesquisas Contemporâneas. O making of do projeto pode ser visualizado através do link http://vimeo.com/40299175

Designed in 2011 under the Marc Ferrez Award of photographic creation, the Bitácora project studies the wind force scale developed by the british admiral Francis Beaufort, and its peculiar visual descriptions of the wind effect on the land and the sea. It was build a specific camera for filmmaking based on the research of the first wooden submarine, on the first polar explorations and on the Polaroid technology. From this multidisciplinary experience was published the book “Cuaderno de Bitácora” that combines art, history, science and fiction, and talks about the creation of the low tech camera that was aboard the North Pole expedition. The whole process can be seen through the blog www.bitacoraproject.wordpress.com. The sailboat trip to the north Arctic began in October of the same year and, during the 20 days of artistic residency aboard, the artist recorded landscape samples, collected atmospheric data and made poetic and scientific notes on the landscape. This research expedition resulted in a new series of works (photography, drawing, object and film) which together propose a kind of “geographical romance” of the Arctic region. The project was presented in the form of exhibition at the Mendes Wood – SP gallery. Polaroid’s original were also displayed under the Photography Program at Centro Cultural São Paulo. The project also received the Brazil Photography Award - 2012 in the category of Contemporary Research. The making of can be visualized through the following link http://vimeo.com/40299175

Exposições / Exhibitions: - Galeria Mendes Wood, São Paulo, 2012

45


BITÁCORA Bitácora de Letícia Ramos conjuga a sua produção dos últimos dois anos em múltiplas relações com a aventura de imaginação, o romance geográfico e a ficção científica; repleta de sentido, estão presentes o seu caderno dos cadernos e a circunavegação do Círculo Polar Ártico, posto juntos aqui para essa exposição individual. A mostra apresenta três escalas de trabalho: Polaroids, ampliações (quase pintura) e artefatos (estudos do vento-carta barométrica no barco da expedição, cadernos, resquícios e provas do field trip) e vídeos. Sob a interferência sobrenatural das baixas luzes do norte, altas frequências de azuis e verdes das paisagens fizeram com que suas câmeras se inclinassem espontaneamente a captura de efeitos da fotografia de sci-fi Super-8. A figura do explorador que não aparece jamais, apenas vai lançando ao visitante as impressões de seus vestígios imagéticos. Estabelecendo contato entre as descrições da natureza praticadas pelo Capitão Hátteras de Jules Verne em sua viagem ao Polo Norte, desponta pela coleção dessas paragens a sensação de um recomeço para o mundo. O que é avistado ao longe são relíquias e testemunhos materiais emparedados entre o passado e o futuro, uma fuga do previsível branco polar- as cores das precipitações atmosféricas do Ártico. Pode-se compreender o princípio de tal distorção cromática ao se observar de perto as reações químicas do vento causadas pelas diferenças de pressão alta/baixa e das massas de ar brancas quentes e frias das nuvens (vapor d’água). Para essa exposição a artista trabalhou com escalas de repetição em blocos, entre pequenos e grandes movimentos, parecem diversos mas estão circunscritos aos mesmos átimos de segundo dos frames. Idealmente parece que Letícia Ramos busca uma síntese impossível de ser trabalhada, a de ter somente uma cena, como se tentasse fundar um lugar novo através de uma única imagem, e assim descobrir a origem orgânica-etimológica de um novo continente imaginado, o seu tempo histórico, o avanço, O marco da pedra, O domínio da pedra, A imagem da pedra, O mapa que é uma pedra. Em Bitácora, acima de tudo, sim é dada a confiança para realmente se acreditar nas imagens que são mostradas a partir da construção dos próprios aparatos óticos (e não ou talvez como se montam em todos os lugares imagens para serem mostradas).

Marcio Harum 2012

BITÁCORA Bitácora of Letícia Ramos combines her production of the last two years in multiple relationships with the imagination of adventure, geographical romance and science fiction; full of sense, are put together here for this solo exhibition her notebook of notebooks and the circumnavigation of the Arctic Circle. The show presents three working scales: Polaroids, extensions (almost painting) and artifacts (barometric wind-letter studies on the expedition boat, notebooks, traces and evidence of field trip) and videos. Under the supernatural interference of the low northern lights, high frequency of blue and green landscapes made lean their cameras spontaneously capturing effects of Super-8 sci-fi photography. The explorer figure that doesn’t appear, only shows to the visitor his impressions of his imagery traces Establishing contact between the nature descriptions practiced by Captain Hátteras de Jules Verne in his trip to the North Pole, blunts, from the collection of these stops, the feeling of a new beginning for the world. What is seen in the distance are relics and materials testimonies walled between the past and the future, a trail of the white predictable polar- colors of atmospheric precipitations in the Arctic. One can understand the principle of such a chromatic distortion when we closely observe the wind chemical reactions caused by the high / low pressure differences and by the air mass of hot air and cold white clouds (water vapor). For this exhibition the artist worked with repeating scales in blocks, between small and large movements, they seem different but are confined to the same split second frames. Ideally it looks like Letícia Ramos seeks an impossible synthesis of being worked, to have only one scene, as if she was trying to found a new place through a single image, and thus discover the organic-etymological origin of a new imagined continent, its time history, the progress, The landmark of the stone, The field of the stone, The image of the stone, The map which is a stone. Above all, in Bitácora, is given the confidence to really believe the images that are shown from the construction of own optical devices (and not or maybe how to show everywhere images to be displayed). Marcio Harum 2012


A Imagem da Pedra / The Stone Image Impress達o sobre papel de algod達o a partir de Polaroid / Print on cotton paper from Polaroid 36,5 x 54,5 cm 1/5 + 2 AP 2012

47



Vulc達o Polar / Polar Volcano Impress達o sobre papel de algod達o a partir de Polaroid / Print on cotton paper from Polaroid 18 x 52 cm 1/5 + 2 AP 2012

49


Panorama Branco / White Panorama Impressão sobre papel de algodão a partir de Polaroid / Print on cotton paper from Polaroid 56,5 x 151 cm 1/3 + 2 AP 2012

Paleolítíco III / Paleolithic III Impressão sobre papel de algodão a partir de Polaroid / Print on cotton paper from Polaroid 60 x 45,5 cm 1/3 + 2 AP 2012


51


PaleolĂ­tico II / Paleolithic II Fotografia Polaroid / Polaroid Photography 7 x 9,5 cm N/A 2012


Polar 8 Fotografia Polaroid a partir de camera Lupa 6 / Polaroid Photography from Lupa 6 camera 19 x 27 cm N/A 2012

53


Camera dos ventos / Camera wind 2012


Vento Solar / Solar Wind Fotografia Polaroid / Vídeo 35mm - vídeo looping 4’ / Polaroid Photography / 35mm video - video looping 4’ 2012 Visualize o vídeo em https://vimeo.com/514635401 Canal privado - senha: antena Watch the video at https://vimeo.com/514635401 Private channel - password: antena

55


Vento Polar / Polar Wind Impress達o sobre papel de algod達o a partir de Polaroid / Print on cotton paper from Polaroid 61 x 55,5 cm (cada / each) 1/3 + 2 AP 2012


57


Partículas / Particles Impressão sobre papel de algodão a partir de Polaroid / Print on cotton paper from Polaroid 61 x 57 cm (cada / each) 1/3 + 2 AP 2012


59


PaleolĂ­tico I / Paleolithic I Fotografia Polaroid / Polaroid Photography 10,5 x 8,5 cm N/A 2012


Polar 12 Fotografia Polaroid / Polaroid Photography 19 x 27 cm Ăšnico

61



DESERTO NEGRO /

BLACK DESERT

“Las golondrinas de Plaza de Mayo, observan la gente, desde el mismo árbol, y al llegar el verano, la ciudad se cubre de flores, vienen y van… Las golondrinas de Plaza de Mayo,. se van en invierno, vuelven en verano y si las observas, comprenderás que solo vuelan en libertad…” (Las golondrinas de Plaza de Mayo, 1976, Spinetta) El sentido de la realización de esta muestra proviene de la vivencia de estar en dos lugares al mismo tiempo y de no estar en ninguno. Por diversas razones, en los últimos meses me moví entre Buenos Aires y San Pablo, como las golondrinas de Spinetta, que siguen su jornada y retornan a su llegada con la conciencia de su partida. Volar es una respuesta espontánea a los encuentros y experiencias vividas en este período de tránsito, que se hacen presentes en esta exhibición. Desde septiembre de 2011 hasta ahora, me encontré con cada uno de los artistas que integran esta muestra, no sólo en Brasil sino también en Argentina. A partir de estos encuentros – en tiempo y espacios distintos – observé como el medio y el desplazamiento espacial influencian sus producciones. Los artistas que integran esta muestra son: Bruno Baptistelli, Cristiano Lenhardt, Duane Bahia Benatti, Felipe Salem, Fernanda Barreto, Ícaro Lira e Leticia Ramos, todos brasileños de distintas regiones. A muchos de ellos les fueron brindadas becas para viajar a la Argentina con el fin de hacer una residencia artística o estudiar. Los lugares que en Buenos Aires recibieron a estos artistas son Museo de La ENE, Fundación Tres Pinos, Galería Meridión ac, CIA y Universidad Torcuato Di Tella. Estos artistas nacidos entre los años 70 y 80, trabajan con distintos soportes e ideas, cada uno con sus particularidades, pero les es común la libertad. Con este concepto, la muestra parte rumbo hacia la idea de “volar”. Ahora el espectador podrá perderse en el viento de Fernanda, dar una vuelta al mundo con Duane, juntar el cielo con la tierra por la mirada de Bruno, descubrir un no-lugar con Ícaro, ir a la luna de Leticia, patinar sobre los océanos con los libros de Felipe y adentrar en el universo inventado por Cristiano. Através de estos trabajos, la exposición nos lleva a otros lugares sin salir de donde estamos. Se trata de volar con la idea y los pies en tierra, y lo más importante, comprender que esto sólo es posible en libertad. Paula Borghi 2012

Exposições / Exhibitions: - Exposição “Volar”, curadoria de Paula Borghi, Museu Del Infinito Arte, Buenos Aires, 2012

63


Paleoz贸ico / Paleozoic Fotografia super8 impressa em papel algod茫o / Super8 photography printed on cotton paper 35,5 x 20 cm 1/5 + !PA 2012


Vulc達o Lunar / Lunar Volcano Fotografia super8 impressa em papel algod達o / Super8 photography printed on cotton paper 35,5 x 20 cm 1/5 + 1PA 2012

65


O Lado Escuro da Lua / The Dark Side of the Moon Fotografia super8 impressa em papel algod達o / Super8 photography printed on cotton paper 35,5 x 20 cm 2012


Futuro do Pretérito / Future Perfect Fotografia super8 impressa em papel algodão / Super8 photography printed on cotton paper 35,5 x 20 cm 2012 Assista o vídeo em https;//vimeo.com/album/1686581/video/40450123 Canal Privado - Senha: antena

Whatch the video on

https;//vimeo.com/album/1686581/video/40450123

Private Channel - Password: antena

67



A INVENÇÃO DA RODA /

THE INVENTION OF INVENTION

Esta exposição, realizado no Museu do Trabalho no Rio Grande do Sul, reúne um conjunto de obras que têm como propósito a construção de viagens reais e ficcionais entre o passado e o futuro. Em confronto com os objetos e máquinas já existentes no museu, foi apresentado um conjunto de fotografias, filmes e câmeras produzidas e utilizadas pela artista em projetos anteriores.

Held at the Museu do Trabalho (Museum of Labour) in Rio Grande do Sul, this exhibition brings together a group of works that have the purpose of building real and fictional trips between the past and the future. In confrontation with the existing objects and machines of the museum, it was presented a set of photographs, films and cameras produced and used by the artist in previous projects. presented a set of photographs, films and cameras produced and used by the artist in previous projects.

Exposições / Exhibitions: - Museu do Trabalho, Porto Alegre, 2014

69


[The Invention of the Wheel] / The invention of invention What is the future of machines? What about their present? Machines, one can say, are good for speed acceleration, making space smaller, capturing images, and for many other things as essential as trivial, like copying a key in the corner locksmith. The more useful these objects are, the more invisible. They are brought to the world of visible - and useless - things only when overtaken by more efficient machines, becoming mementos of a technologically obsolete era. This idea made me reflect on the place of the machines Letícia Ramos developed in recent years, now exhibited alongside with photographs and drawings. (And not by chance, at the Museu do Trabalho [Labor Museum] where contemporary art shows share space with a collection of machines that took part in the industrialization of the State of Rio Grande do Sul). Paradoxically, the machines built by the artist are already born in the future of machines, defined as the moment they are perceived as parts of the history of a given workmanship. Naturally, they were built within the context of art, thus were born for the museum, for being seen. The obsolescence of these objects is not caused, therefore, by their technological overcoming; they cannot be surpassed as they are not intended to overcome anything. Besides, at a glance they look completely unnecessary - as if Letícia was reinventing the wheel - as photographic and film equipment with the most elaborated capabilities already exist. Therefore, these machines can be perceived as being here, in our world, because they are deeply linked to pleasure, and just fairly related to usefulness. They are born to a specific image with plenty of mental constructions and conjectures about the unknown. Literature, science fiction, Franklin’s lab (from the Monica’s Gang comic books) arise as references to places where inventing the wheel is as primordial as the wheel itself. For not even pleasure is better than the pleasure of pleasure seeking. ERBF, POLAR and ESCAFANDRO, the cameras shown in this exhibition, were designed in the 2007-12 period, each made for a specific image. These objects were built from other objects; a 35 mm movie camera, Polaroid cameras, and underwater cameras were simultaneously the starting-point of these machines. Latícia’s cameras, as well as her photographs and films shown here, are dominated by a nostalgic atmosphere, and tell us about a bygone, analogic era when everyone had to travel by land or water. A time when capturing an image was an experience almost as extraordinary as reaching another place. But nostalgia is not the same as sentimental consevativeness. Hence, in these works there is not any trichish grievance of progress and its astounding velocities. The delight of inventors and explorers - past and present - is what really springs from them. At their workshops, laboratories or computers, these curious and pertinacious people have a twinkle in their eyes that convinces us their gadgets are going to work. But they are not seriously concerned about it, once pursuing is maybe more important than finding. Besides these objects, the exhibition also displays the project of a film projector specially developed for a machine in the museum’s collection. This drawing was developed from a 35 mm-film drying cabinet (from the Museu do Trabalho collection), and takes us a bit closer to the artist’s creation process. We can see through it that another machine, born from the contact with this object, explores the limitations and idiosyncrasies of the original model in order to recover a sense of usefulness, however briefly. Not a movie industry utility, but for the magic, unique delight of moving images. In other words, Letícia starts from objects, or from the imagination of certain points of view as in the ESCAFANDRO camera - to design cameras, and thus inverts the traditional principle of the history of images, according to which movie or photographic cameras generate visual stories. Taking sides with this overturning, this inverted logic, favors the construction of a kind of science fiction of the past. So the notions we have about “new” and “obsolete” are not precise anymore, and need to be reexamined. The photographs, drawings, and objects by Letícia Ramos invite us to a trip to the artist’s universe - a universe combining unknown future and past times, dwelled by phantasies and a concrete element: the construction of machines for image capturing. In a way, Leticia’s creative compass condenses these two poles which formely used to compose a dichotomy: imagination and knowledge. According to Freud in “Civilization and Its Discontents”, usefulness and pleasure seeking are the “motive forces of all human activities”. (p.39)

Gabriela Mota 2013


A Invenção da Roda Qual o futuro das máquinas? E o presente? Pode-se dizer que as máquinas servem para acelerar a velocidade, encurtar o espaço, captar imagens e para uma infinidade de outras coisas. tão fundamentais quanto banais, como copiar uma chave no chaveiro da esquina. Esse objetos costumam ser dotados de uma invisibilidade proporcional à sua utilidade. Quando superados por modelos mais eficazes, aí sim, passam para o mundo das coisas visíveis - e inúteis- exemplares de um tempo tecnologicamente ultrapassado. Partindo dessa idéia, me pergunto sobre o lugar das máquinas que Letícia Ramos vem desenvolvendo nos últimos anos e que agora são mostrados em Porto Alegre, ao lado de fotografias e desenhos. (Não por acaso, no Museu do Trabalho, lugar que agriga, além de mostras de arte contemporânea, um acervo de máquinas que fizeram parte da industrialização do Estado). As máquinas que a artista constrói já nascem, paradoxalmente, no futuro das máquinas, que é esse momento em que elas são percebidas como parte da história de determidado ofício. Claro, são construídas no contexto da arte e por isso já nascem para o museu, para serem vistas. Assim, a obsolescência desses objetos não decorre de uma superação no sentido tecnológico, não podem ser ultrapassados pois não pretendem superar nada. Ao mesmo tempo, em um primeiro olhar, parecem totalmente desnecessárias - como se Letícia estivesse reinventando a roda - pois já existem equipamentos fotográficos e fílmicos com as mais elaboradas capacidades. Diante disso, o que se percebe é que estas máquinas estão aqui, no nosso mundo, porque ligam-se profundamente com o prazer e apenas rapidamente com a utilidade. São objetos que nascem para uma imagem específica, repletos de construções mentais e suposições sobre o desconhecido. Literatura, ficção científica, laboratório do Franjinha (da turma da Mônica) surgem como referências de lugares em que inventar a roda é tão fundamental como a roda em si. Isso porque, talvez, nem mesmo o prazer seja melhor do que o prazer da busca pelo prazer. As câmeras apresentadas nesta exposição, ERBF, POLAR e ESCAFANDRO foram projetadas entre 2007 e 2012, cada qual para uma imagem específica. São objetos construídos a partir de outros, filmadora 35mm, câmeras Polaroid e câmeras subaquáticas são, simultaneamente, as bases dessas máquinas. Dominadas por uma atmosfera nostálgica, essas câmeras, assim como as fotografias e filmes de Letícia presentes na mostra, nos falam de um tempo pretérito, analógico, em que as distâncias ainda eram percorridas por yerra ou água. Um tempo em que captar uma imagem era algo próximo do extraordinário, chegar em outro lugar também. Mas nostalgia não é o mesmo que saudosismo. Portanto, nestas obras, não há um lamento velhaco do progresso e das suas velocidades estonteantes. O que há é um deleite próprio dos inventores e exploradores - de ontem ou de hoje. Curiosos e obstinados, em suas oficinas, laboratórios ou computadores, estes sujeitos possuem um brilho no olhar capaz de nos convencer de que suas engenhocas irão funcionar. Isso quando nem eles estão de fato muito preocupados com isso, já que, talvez, importe mais mais a busca do que o encontro. Além desse objetos, também faz parte da mostra um projeto de projetor de filmes desenvolvido especialmente para uma máquina do acervo do Museu do Trabalho. Elaborado a partir de um armário de secagem de filmes 35mm, este desenho aproxima-nos um pouco do processo de trabalho da artista. Através dele podemos ver que, do contato com este objeto, surge uma outra máquina que se vale das limitações e especificidades da original para recuperar, ainda que brevemente, uma utilidade. Mas uma utilidade não mais para a indústria cinematográfica, e sim para o deleite mágico e sempre singular das imagens em movimento. Ou seja, a partir de objetos ou da imaginação de determinados pontos de vista - como na câmera ESCAFANDRO - Letícia projeta câmeras, invertendo o princípio tradicional da história das imagens, em que as câmeras filmadoras e fotográficas geram histórias visuais. Assumir essa reviravolta, essa lógica invertida, como partido, favorece a construção de uma espécie de ficção científica do passado. Com isso, as noções que temos de “novo” ou de “obsoleto” também não são mais precisas e solicitam serem reexaminadas. As fotografias, objetos e desenhos de Letícia Ramos convidam o espectador para uma viagem ao universo da artista - um universo que combina um futuro e um passado desconhecidos, povoado de fantasias, com um elemento concreto, a construção de máquinas para a apreensão de imagens. De certa forma, a bússola criativa de Letícia condensa dois pólos que outrora formavam uma dicotomia: a imaginação e o conhecimento.

Gabriela Motta 2013 Segundo Freud, em “O mal-estar na civilização”, utilidade e obtenção de prazer são “o móvel de toda atividade humana”. (p.321

71


Instant창neo Sequencial I_frame / Instant Sequential I_Frame Fotografia 35mm impressa em papel algod찾o / 35mm photography printed on cotton paper 100 x 100 cm 1/3 + 2 AP 2009



Vista da exposição / Exhibition View Instantâneo Sequencial I_frame / Instant Sequential I_frame 35mm vídeo 2’ looping 1/5 + 1 AP 2009


75


ERBF - C창mera Instant창nea Sequencial / ERBF - Instant Sequential Camera Objeto / Object Madeira, metal e tecido / Wood, metal and fabric 130 x 150 x 30 cm N/A 2007


77


Panoramica Fotografia 35mm impressa em papel de algod達o / 35mm photography printed on cotton paper 67 x 200 cm 1/3 + 1AP 2009


79


Vista da exposição com projeção de “Cronópios” / Exhibition view with “Cronópios” projection


Cron贸pios - frame 1 Fotografia 35mm em papel fotogr谩fico / 35mm photography on photographic paper 12,5 x 40 cm 3/5 + 1 PA 2010

81


Frame do filme “Pluié” / “Pluié” film frame 2010


Frame do filme “Pluié” / “Pluié” film frame 2010

83



APARATOS ÓPTICOS /

OPTICAL APPARATUS

85



MAR /

SEA

Produzido em 2008, “Mar” é uma caixa de madeira que funciona como uma espécie de farol que, em vez de iluminar o mar, projeta cenas nele. Assinala um processo de criação que passa pelo desenvolvimento técnico-científico de produção de imagens e dispositivos de projeção, que ampliam e recriam a experiência de ver estas imagens.

Produced in 2008, “Sea” is a wooden box that acts as a sort of beacon that instead of illuminating the sea, projects scenes in it. Marks a creative process that goes through the technical and scientific development of image production and projection devices, which expand and recreate the experience of seeing these images.

Exposições / Exhibitions: - Coleção Itaú Cultural, São Paulo, 2016

87


Vista da instalação “Mar” / “Mar” installation view 2008


89



LEME DE VENTO /

WIND HELM

O trabalho “Leme de Vento” é uma das esculturas audiovisuais construída para a projeção de uma série de filmes intitulados “Jardim de Cronópios”. Nesse filmes foi utilizada uma câmera com 6 lentes e foi fotografado e animado em 35 mm cenários naturais no mesmo instante e de diferentes pontos de vista mas que revelam um movimento intranquilo da luz e do vento na paisagem. O aparato de projeção é feito de madeira aeronaval e, à semelhança de um leme de barco solto ao vento, este projeta, reflete e refrata um galho de folhas verdes em falso movimento, criando uma imagem quase holográfica da cena.

“Leme de Vento” work is an audiovisual sculture made for projecting a series of films titled “Jardim de Cronópios”. In these films, it was used a camera with 6 lenses and it was photographed and animated in 35 mm natural scenarios at the same time and from different viewpoints, revealing an unstable movement of light and wind in teh landscape. The projection equipment is made of aero-marine timber and, like a boat driven by the wind, the equipment projects, reflects and refracts the false movement of a branch of green leaves, creating almost an holographic image of the scene.

Exposições / Exhibitions: - Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, 2015

91


Vista da instalação “Leme de Vento” / “Wind Helm” installation view Objeto óptico (caixa de madeira, acrílico, projetor e tela de retroprojeção) / Optical object (wooden box, acrylic, projector and back-projection screen) 2012




ESTUDOS HOLOGRÁFICOS /

HOLOGRAPHIC STUDIES

Em algum lugar do futuro antigas experiências holográficas são encontradas em um edifício aquário revelando estudos sobre meteoritos e espécie eletrônica até então desconhecidas”. Apresentado no aquário do Parque Lage no Rio de Janeiro, este trabalho site-specific procurou criar um ambiente entre o real e o ficcional através da construção de dispositivos holográficos onde, por exemplo, os peixes reais do aquário se confrontavam com os peixes holográficos da gruta artificial.

Somewhere in the future old holographic experiences are found in an aquarium building revealing studies of meteorites and electronic specie till then unknown”. Presented at the Parque Lage aquarium in Rio de Janeiro, this site-specific work sought to create an environment between the real and the fictional by building holographic devices where, for example, the real aquarium fishes were confronted with the holographic fishes from the artificial cave.

Exposições / Exhibitions: - Parque Lage, Rio de Janeiro, 2015

95


Vista Exterior - Aquรกrio Parque Lage / Exterior View - Parque Lage Aquarium


97


Estudo Holográfico Subaquático #2 / Holographic Underwater Study # 2 Caixa estanque, tela de led e pirâmide de acrílico / Waterproof case, led screen and acrylic pyramid 20 x 50 x 50 cm 2015



Estudo Holográfico Subaquático #2 / Holographic Underwater Study # 2 Caixa estanque, tela de led e pirâmide de acrílico / Waterproof case, led screen and acrylic pyramid 20 x 50 x 50 cm 2015




SABOTAGEM /

SABOTAGE Projeto de Letícia Ramos e Márcia Xavier

Márcia Xavier e Letícia Ramos criaram um conjunto de trabalhos a partir de uma seleção de imagens enigmáticas e “anônimas“ pertencentes à coleção de fotografia do Museu da Cidade de São Paulo. As imagens analisadas revelariam o registro de um ato de vandalismo ao arquivo municipal de São Paulo durante as manifestações populares de Agosto de 1947. A partir do cruzamento de dados reais e de diversas hipóteses ficcionais sobre o ocorrido, foram abordadas as questões físicas e óticas da construção de uma cena. Baseada na fotografia de identificação criminal e no estudo do movimento, foi apresentada uma série de fotografias estroboscópicas de simulações da queda dos objetos encontrados como protagonistas nas fotografias históricas. Os trabalhos, em seus diferentes formatos, provocam no espectador certa imprecisão a respeito da temporalidade das imagens.

Márcia Xavier and Letícia Ramos created a set of works from a selection of enigmatic and “anonymous” images from the photography collection of the Museu da Cidade de São Paulo (Museum of City of São Paulo). The images reveal an act of vandalism in the municipal archives of São Paulo during the demonstrations of August 1947. By crossing actual data with several fictional hypotheses about what happened, it addressed the physical and optical issues of building a scene. Based on criminal identification photography and movement study, a series of strobe photographs was presented, picturing simulations of falling found objects as protagonists in historical photographs. The works, in their different formats, provoke in the viewer a certain vagueness about the temporality of images.

Exposições / Exhibitions: - Casa da Imagem, São Paulo, 2014

103


Quando Leticia Ramos e Marcia Xavier escolheram, no vasto acervo da Casa da Imagem, as fotos de destruição de uma sala arquivos, como ponto de partida para sua exposição conjunta naquela instituição, não sabiam bem do que se tratava. Sabotagem? Vandalismo? Queima de arquivo? As fotos, em preto e branco, traziam marcas da época e das circunstâncias em que foram tiradas. Mais do que um enfoque jornalístico, pareciam registros da ocorrência feitos pela polícia. Os grandes arquivos de metal com documentos de papel envelhecido sugeriam um cenário de meados do século passado. Conseguiram localizar, num dos processos espalhados pelo chão do local depredado, o ano de 1944. Nas fichas da própria Casa da Imagem viram que a ocorrência se dera na sede da Prefeitura de São Paulo. Pesquisando jornais da época (entre 1944 e 1950), encontraram, n’O Estado de SP de 02/08/1947, a referência precisa na manchete: “Incendios, apedrejamentos, correrias, tiroteios nas ruas e praças de São Paulo”, com o subtítulo: “Apedrejada e depois assaltada a sede da prefeitura na Rua Líbero Badaró”. Viram então que se tratava de um desdobramento de manifestações de protesto contra o aumento de tarifas dos transportes coletivos naquele período. A assombrosa coincidência com o que ocorreu em São Paulo no primeiro semestre deste 2014 foi mais um dos laços de uma rede de investigações documentais e instigações artísticas, que as foi motivando. A partir desse quebra-cabeça de fatos e fotos, Marcia e Leticia foram concebendo este ambiente-instalação, onde 6 retroprojetores; um backlight composto com a luz de uma das janelas; um olho mágico; sons pré-gravados e microfones captando ao vivo os passos de quem entra; um filme produzido e sendo projetado em 16 mm, simulando fatos que apenas se intui; uma sequência de fotos estroboscópicas de um arquivo caindo no espaço — compõem a densa e tensa atmosfera de sabotagem. O motor dessa criação não é a crônica, a fidelidade aos fatos ou a crítica social daquele contexto, mas a transmutação de vestígios e indícios em experiência sensível, no tempo presente. Não há uma narrativa clara, mas a apropriação de um universo de referências para criar um ambiente, a partir do qual eclodem sensações de deslumbre e medo, beleza e ameaça, vertigem e violência, ordem e desordem. Rastos, sinais, acenos de fatos ocultos. Como um filme noir sem enredo. Diferentemente do “seja marginal / seja herói” de Helio Oiticica, a apropriação aqui do universo criminal (ou da ruptura das normas sociais) não surge impregnada de um viés ideológico. Parece apenas uma inspiração. A relação se faz mais por uma associação metonímica, em que as fotos não apenas passam a fazer parte da instalação (alteradas por projeções, distorções e aparelhos ópticos) mas também servem de impulso para a constituição de sua atmosfera. Manchas de caos no tecido da ordem social, motivando a alteração de nossas estruturas cognitivas pré-estabelecidas. Em vez de uma mensagem, um clima. Em vez de uma narrativa, uma experiência sensorial — que envolve o visitante em som, luz, imagem, tato. Sabotagem dos sentidos. O fato desse ambiente ser instaurado justamente numa instituição cuja finalidade é manter um acervo organizado de imagens antigas (memória materializada), estabelece um paradoxo que subverte nossa percepção do real. Essa subversão evoca algo de sublime, ao nos jogar na vertigem de uma desordem atávica, instaurada num espaço de ordem onde estava arquivada sua fagulha.

Arnaldo Antunes 2014


105


Estudo para a queda de um arm谩rio / Study for the fall of a cabinet Fotografia Estrobosc贸pica / Stroboscopic Photography 144 x 122 cm 2014



Estudo para a queda de uma folha de papel / Study for the fall of a sheet of paper Fotografia Estrobosc贸pica / Stroboscopic Photography 25 x 16 cm (cada / each) 2014


109


Sabotagem / Sabotage Projeção 16mm, 3’ / 16mm Projection, 3’ 2014 Em colaboração com Márcia Xavier


Sem título / Untitled Instalação de luz com seis retroprojetores / Light installation with six projectors Dimensões variadas / Variuos sizes 2014 Em colaboração com Márcia Xavier

110


Frame do filme “Sabotagem” / “Sabotage” film frame 16mm transferido para filme / 16mm transferred to film 2014


113



TEXTOS CRÍTICOS SELECIONADOS /

SELECTED CRITICAL TEXTS

115


A CONSCIÊNCIA DO ABISMO Ever since the beginning of her career, in 2004, artist Letícia Ramos has been straddling the boundaries between the creation of photographical apparatuses and the presentation of moving images that are not exactly recognizable. Her early works—the Estufa (Greenhouse, 2004) and Projeto vermelho (Red project, 2006) videos—, made in collaboration with Luiz Roque, articulate landscapes and elements that are not exactly natural, and which assail the visual plane. In between the plants in a greenhouse or in the mist in a mountain range, colorful clouds of smoke emerge and mix in with the landscape, at the same time reaffirming their compositional character, which is not given, but built through the perspective, the framing, the choices made by the subject behind the camera. However, whereas in these early films her concern lies mostly in the image, qualities, and narrative potentialities of this construct, starting with the ERBF* (2007) project, she begins to create specific machines to capture certain images. And ERBF was only the beginning. Ever since, other apparatuses were built to capture other scenes, such as the one developed for the Cronópios** (2009) video installation, a film shot using a set of three eight-lens Lomo Oktographic cameras. This type of camera makes it possible to record a scene for 2.5 seconds, from different perspectives. Not incidentally, it was the system of choice for recording a day at Largo de Pinheiros square, in São Paulo, from dawn until dusk. Currently, Letícia is involved in the Bitacora project, which consists of developing a polar camera capable of recording chromatic nuances of the landscape, based on the influence of the wind. The project should lead to the artist’s undertaking an artist residency program called The Arctic Circle, a multidisciplinary expedition that will travel across the Arctic Pole on a sailboat in 2011. These apparatuses generate images with different temporalities, textures, and angles, redefining concepts such as capturing, recording, and visuality. It is in this bipolar trajectory between strange landscapes and oddball machines that the analytical crossroads, which the observer is unable to escape, reaffirms itself. In other words, whereas the visual problem the artist presents us with is the landscape, which is quite complex in itself, there is also the issue of the audiovisual equipment that captures the images of that landscape. These machines, specially built for recording a certain landscape, condensate the scientific and imaginative effort of foretelling what one wishes to capture and elaborating the technology capable of doing so. That is, in the beginning there is nothing, neither camera nor image. Between the asepsis of that which is visual, distant, quasi abstract, the image-landscape recorded by the camera, and the filmic apparatus filled with physical materiality, there lies a conceptual abyss that the artist insists on facing using nails and poetry, wood and music, drill and phasm (the representation of reality). For example, I dare to say that in her Bitacora project, currently under development, the proposal of creating a machine “capable of recording chromatic nuances of the landscape, based on the influence of the wind” is not very important in terms of information about the work. What is of interest indeed is to learn that the artist is studying and reinventing the mechanical structure of Polaroid cameras, taking in what this technology represented when it emerged—the possibility of instant, immediate recording—, and relating this sort of record to the notes and technologies used by the travelers who set off precariously to the North and South Poles in the late 19th century. In other words, there is not a chance that this machine will not fulfill its purpose, considering that the latter is less important than the machine itself. And the image that will result from this apparatus will be the only image that could result from it. In Letícia’s proposals, it is not possible to look at the object and not see the image that it is capable of generating, or vice versa. The work of art takes place in this fantastic relationship between materiality and visuality, making it impossible to point out what comes first: the near-childlike curiosity of disassembling and reassembling equipment or the inconformity with what has come to be defined as landscape. As a matter of fact, it is the lack of a set of values in between these opposites and utter strictness in the building of both that grants a radically poetic meaning to her works of art, which are among the “ends with no end” (finalidades sem fim, in Portuguese) of which Antonio Cícero speaks to us in his namesake book, in which he addresses the “meaning” of artistic creation. There is something about artists such as Letícia that verges on a sort of biological condemnation, similar to the one that defines the trajectory of certain beings or explorers: there is no alternative other than to go on seeking new trips.

*Estação radiobase fotográfica (ERBF, Portuguese for Base transceiver photographic station) is a project geared towards investigating and conceiving a piece of audiovisual equipment developed from the crossing between two of the artist’s fields of interest: landscape and the motion recording technologies. The machine is a cinematographic pinhole camera, capable of capturing different perspectives of a given landscape at once. The project’s name makes reference to the actual Base Transceiver Stations, communication antennae seen on skyscrapers in São Paulo, and which are the “landscape” chosen to be portrayed using the machine. Gabriela Motta 2011 Text published for “Videobrasil”, 2011 http://site.videobrasil.org.br/dossier/textos/1589452/1589508


A CONSCIÊNCIA DO ABISMO

Desde o início de sua trajetória, em 2004, a artista Letícia Ramos transita entre a criação de aparatos fotográficos e a apresentação de imagens em movimento não exatamente reconhecíveis. Seus primeiros trabalhos – os vídeos Estufa (2004) e Projeto vermelho (2006) –, realizados em parceria com Luiz Roque, articulam paisagens e elementos não propriamente naturais, que assaltam o plano visual. Entre plantas de uma estufa ou brumas de uma serra, surgem fumaças coloridas que se amalgamam com a paisagem, ao mesmo tempo em que reafirmam o seu caráter compositivo, não dado, algo construído pela perspectiva, pelo enquadramento, pelas escolhas do sujeito atrás da câmera. Porém, se nesses filmes iniciais sua preocupação reside principalmente na imagem, qualidades e potencialidades narrativas desse constructo, a partir do projeto ERBF* (2007) entra em jogo a criação de máquinas específicas para a captação determinadas imagens. E o ERBF foi só o começo. Desde então, outros aparatos foram construídos para captar outras cenas, como aquele desenvolvido para a videoinstalação Cronópios** (2009), filme realizado com um conjunto de três câmeras Lomo Oktographic de oito lentes. Esse tipo de câmera possibilita retratar uma cena durante 2,5 segundos, a partir de pontos de vista distintos. Não por acaso, foi o sistema escolhido para registrar um dia na região do largo de Pinheiros, em São Paulo, do amanhecer ao anoitecer. Atualmente Letícia está envolvida no projeto Bitacora, que consiste em desenvolver uma câmera polar capaz de registrar nuances cromáticas da paisagem, baseada na influência dos ventos. Este projeto culminará com a participação da artista no programa de residência artística The Arctic Circle, expedição multidisciplinar que, em 2011, viajará pelo Polo Ártico a bordo de um veleiro. Desses aparatos, resultam imagens com outras temporalidades, texturas e angulações, que redefinem conceitos como captação, registro e visualidade. É nessa trajetória bipolar, entre paisagens estranhas e máquinas esdrúxulas, que se reafirma a encruzilhada analítica da qual o observador não pode se esquivar. Ou seja, se o problema visual que a artista nos apresenta é a paisagem, algo já bastante complexo para ser enfrentado, há ainda a questão que diz respeito ao equipamento audiovisual que capta as imagens dessa paisagem. Essas máquinas, construídas especialmente para registrar determinada paisagem, condensam o esforço científico e imaginativo de antever aquilo que se quer captar e elaborar a tecnologia capaz de fazê- lo. Ou seja, no princípio nada existe, nem a câmera, nem a imagem. Entre a assepsia daquilo que é visual, distanciado, quase abstrato, da imagem/paisagem registrada pela câmera, e o aparato fílmico cheio de materialidade física, há um abismo conceitual que a artista insiste em enfrentar com pregos e poesia, madeira e música, furadeira e fasma. Por exemplo, ouso dizer que em seu projeto Bitacora, em desenvolvimento, a proposta de criar uma máquina “capaz de registrar nuances cromáticas da paisagem, baseada na influência dos ventos” não tem muita importância enquanto informação sobre a obra. Interessa, sim, saber que a artista está estudando e reinventando a estrutura mecânica das câmeras polaroides, absorvendo o que essa tecnologia representava quando surgiu – a possibilidade do registro instantâneo, imediato –, e relacionando esse tipo de registro com as anotações e tecnologias empregadas pelos viajantes que se lançaram precariamente aos Polos Norte e Sul no fim do século 19. Ou seja, não há possibilidade de essa máquina não atingir o seu propósito, posto que este é menos importante que a máquina em si. E a imagem que resultar desse aparato será a única imagem possível de resultar. Nas proposições de Letícia não é possível olhar para o objeto sem ver a imagem que ele é capaz de gerar, ou vice-versa. A obra se dá nessa relação vem primeiro: se é a curiosidade quase infantil e visionária de desmontar e remontar equipamentos, ou o inconformismo com aquilo que se convencionou definir como paisagem. De fato, é a ausência de uma escala de valores entre tais polos e um rigor extremo na construção de ambos que instaura um sentido radicalmente poético em suas obras, que estão entre aquelas “finalidades sem fim” das quais nos fala Antonio Cícero em seu livro homônimo, em que aborda o “sentido” da criação artística. Há algo em artistas como Letícia que tangencia uma espécie de condenação biológica, como a que define a trajetória de alguns seres ou exploradores: não há alternativa a não ser seguir em busca de novas viagens. *Estação radiobase fotográfica (ERBF) é um projeto de investigação e criação de um equipamento audiovisual desenvolvido a partir do cruzamento de dois campos de interesse da artista: a paisagem e as tecnologias de registro do movimento. Essa máquina é uma câmera pinhole cinematográfica, capaz de captar simultaneamente diferentes pontos de vista de uma paisagem. O nome do projeto faz referência às reais ERBs, antenas de comunicação que povoam os arranha-céus de São Paulo, e “paisagem” escolhida para ser registrada com essa máquina.

Gabriela Motta 2011 Texto publicado para “Videobrasil”, 2011 http://site.videobrasil.org.br/dossier/textos/1589452/1589508

117


LETÍCIA RAMOS - COMMENT BIOGRAPPHY THE BUILT OPTICAL APPARATUS

*Behind a wall an ephemeral garden A sea that is no sea A sky made of water, stone walls Looking through a gap into a hidden garden (Jardín del Cronópios, 2008) With each investigative step taken amidst the set of the latest works by artist Letícia Ramos, one can find a new city with a remote past, as a result of this exploration of visual meaning. Since 2005, her moving image output has taken a winding direction, with regard to the solutions she finds, considering the recurrence of postproduction resources accessible. Based on the knowledge gathered through her excellence in the fields from which she has come, firstly architecture and then cinema, and throughout the paths that she proposes and on which she remains for as long as she finds necessary, Letícia Ramos makes use of precise notions with which she has experimented as the space irrupts, a widely recognizable feature in her video works. Obelisks ERBF – Estação radiobase fotográfica (Base transceiver photographic station – video, object, and photography, 2005–2009) brings together, in one single snapshot taken at twenty-four frames per second, different perspectives of the skyline of the city of São Paulo. Comprising the series Instantâneos sequenciais #1, #2, #3, and #4(Sequential snapshots) and Panorâmica 01 (Panoramic 01 – 35mm/video, 1 min, looped projection, 2005), frantic animations pop up spontaneously like outlines of the city itself, surrounded by base transceiver stations and broadcasting antennae. Belonging in a new category of outlines, these aerial monuments induce an attempt at fixing one’s gaze amidst a landscape that has an admittedly metropolitan horizon. Thus, one watches as the silhouette of a forest created as an image of moving illusion emerges. Following the sequence of identical holes, placed side by side at equal focal distances from one another, we have the camera built specifically, without lenses, by the artist. What seems to really matter in the relations between the pieces of work by Letícia Ramos is not the image of the object that is moving, but the ways in which the camera sees a given perspective of the object. Such singularity catapults her work to beyond the realm of conventional recordings of time. In other words, perhaps it means displacing the very constructo of choosing the pinhole over a piece of equipment as established as the film camera. Likelihood aside, it would be like stopping the giant natural landscapes of Marc Ferrez’, unthinkable feats at a time in which photographic missions required chests of provisions and equipment carried by men and on the backs of mules. From this point of technical inflection on, the artist began chasing the perfect woodworking fit, in a constant quest that is still ongoing in weekly testing sessions of new camera prototypes. She also takes care of negative development herself. Her constant observation of the city imprints deep visual changes—which do not by any means remain limited to getting the best framing or angle—, as was confirmed by the exhibit of ERBF at the São Paulo Cultural Center in 2009. Letícia Ramos’ expedition aims to establish a different temporality with the photographed object—as if it were a target in the air atop a tall building. Hanging gardens From inside the wall, through a gap in the façade painted white, a soft, disquieting sound from a music box is overheard on the sidewalk. Passersby are compelled to peep through the gap, where visual narratives of dreams are seen in Jardim fantástico (Fantastic garden, 35mm/video, 3 min, 2008). With a push of the side door, the fiction garden, structured out as a passage, opens itself up to unrestrained enjoyment. Coming through the glass of the window panes in its path of guyed reflections, Jardim efêmero (Ephemeral garden) is comprised of two different projections: a narrow corridor filled with leaves that reveal themselves in a ghostly manner under the beam of light from the projector in the video Hojas takes the eyes almost all the way down to the back wall of the warehouse, where a projection of the Mar (Sea) video evokes, in an enlarged scale, the contemplation of the sea.


LETÍCIA RAMOS - BIOGRAFIA COMENTADA O APARATO ÓPTICO CONSTRUÍDO

Detrás de un muro un jardín efímero Un mar que no es mar Un cielo de agua, paredes de hojas Mirar por una rendija un jardín escondido (Jardín delCronópios, 2008) A cada passo investigativo por entre o conjunto de trabalhos recentes da artista Letícia Ramos, é possível, como resultado de tal exploração de sentido visual, descobrir uma nova cidade de passado remoto. Desde 2005, sua produção com a imagem em movimento vem tomando uma direção enviesada, se notarmos o rol de soluções que encontra, ante a recorrência dos recursos de pós-produção acessíveis. A partir do conhecimento adquirido por excelência nos campos dos quais é egressa, primeiro a arquitetura e posteriormente o cinema, ao longo de suas proposições de percurso, conduzidas pelo tempo que julga necessário, Letícia Ramos vale-se de precisas noções experimentadas com o irromper no espaço, traço amplamente percebido em sua realização videográfica. Obeliscos A obra ERBF – Estação radiobase fotográfica (vídeo, objeto e fotografia, 2005-2009) reúne sob disparo único, de 24 quadros por segundo, diferentes perspectivas do skyline da cidade de São Paulo. Composta pela série Instantâneos sequenciais #1, #2, #3 e #4, e Panorâmica 01 (35 mm/vídeo, 1 min, projeção em loop, 2005), as frenéticas animações pululam espontaneamente como marcações delineadoras da própria cidade, cercada de antenas de telefonia celular e transmissão. De uma nova classe de contornos, esses monumentos aéreos induzem a uma tentativa de fixar o olhar em meio a uma paisagem de horizonte reconhecidamente metropolitano. Vê-se surgir assim a silhueta de um bosque criado como imagem da ilusão em movimento. Acompanhando a sequência de furos idênticos, posicionados lado a lado, à mesma distância focal um do outro, eis que temos a câmera especificamente construída, sem a utilização de lentes, pela artista. O que realmente parece importar nas relações entre as obras de Letícia Ramos não é a imagem do objeto que está em movimento, mas sim os modos de ver da câmera, sob determinado ponto de vista do objeto. Tal singularidade arremessa seus trabalhos para além do registro convencional do tempo. Em outras palavras, talvez signifique deslocar o próprio constructo, de assumir a escolha da pinhole perante um equipamento normativo como a câmera de cinema. Verossimilhança à parte, seria como deter as naturais paisagens gigantes de Marc Ferrez, feitos impensáveis para uma época em que uma missão fotográfica dispensasse arcas de víveres, provisões e equipamentos a ser transportados por tropeiros e carregadores em cima do lombo de mulas. A partir deste ponto de inflexão técnica, a artista passa a perseguir, numa incessante busca, ainda em curso, o encaixe de marcenaria perfeito, em sessões semanais de testes com novos protótipos de câmeras. Sem deixar de lado também a revelação de negativos, tarefa da qual se ocupa pessoalmente. A constante observação da cidade imprime profundas modificações visuais – o que não circunscreve em hipótese alguma apenas a obtenção de enquadramento ou a localização do melhor ângulo –, como confirmou a mostra de ERBF no Centro Cultural São Paulo em 2009. A expedição de Letícia Ramos visa estabelecer uma outra temporalidade com o objeto que é fotografado como se ele fosse um alvo no ar do topo de um alto edifício. Jardins suspensos De dentro da parede, por uma fresta na fachada pintada de branco, junto à calçada da rua, ouve-se um áudio suave e inquietante de caixa de música. Os transeuntes são atraídos a espiar por esse vão, onde narrativas visuais de sonho são entrevistas em Jardim fantástico (35 mm/ vídeo, 3 min, 2008). Ao empurrarmos a porta lateral, o jardim de ficção, à maneira estrutural de um ambiente de passagem, abre-se a uma fruição incontida. Atravessando os vidros das janelas em seu caminho de reflexos estaiados, o Jardim efêmero é constituído por duas projeções distintas: um corredor estreito, repleto de folhas que se desvendam de forma espectral sob a luz do facho do projetor no video . Hojas faz a vista alcançar quase até o muro do fundo do galpão, onde a projeção do vídeo Mar evoca, em escala espacialmente ampliada, a contemplação marítima.

119


Using recordings made with an eight-lens Lomo Oktomatic camera, like sceneries, the multichannel projections that comprise Jardín del Cronópio(Garden of Cronópio, video installation + looped videos, 2008) open up a free territory for wandering in the outdoor gardens, as in the exhibition held at the ThisIsNotAGallery, in Buenos Aires, Argentina. A stroll around the square The video installation Cronópios (35mm/looped video, 2008–2009) plays back an entire day at the Largo da Batata square, in São Paulo, from dawn until dusk. Located in the Pinheiros neighborhood, this strangling of heavy traffic is the passage between the expanded center and the outskirts of the city. Heavy converging traffic causes jams in the area, coupled with a slow and ambitious reurbanization project. Developed especially for that end, the image-capturing system (a set of three Lomo Oktographic cameras with eight lenses each) helped create this piece of work. From different places, seen during a period of 2.5 seconds each, many simultaneous portraits of one single scene are shown, with a powerful motion-like effect in combinations of angle and superimpositions. The multiple assembly of this video installation takes place through saturated light refraction obtained by projecting through a transparent sheet onto one single acrylic screen. However, the use of this material causes two other ghost projections, at specific angles, that respond with oscillating lighting. In 2008 and 2009, in four Brazilian capitals (São Paulo, Curitiba, Salvador, and Rio de Janeiro), people were able to walk around this acrylic screen, set so it could be seen from all different refractory angles, and feel the pulse of the city close to their eyes, under the Rumos Artes Visuais national program of the Itaú Cultural Institute. Márcio Harum 2011

Text published for “Videobrasil”, 2011 http://site.videobrasil.org.br/en/dossier/textos/1589452/1589463


Tal qual cenários, a partir de registros desdobrados com a câmera Lomo Oktomatic de oito lentes, as projeções multicanais que compõem Jardín del Cronópio (videoinstalação + vídeos em loop, 2008) abrem campo livre para deambulações aos jardins descobertos, como na mostra da ThisIsNotAGallery, em Buenos Aires. Passeio na praça A videoinstalação Cronópios (35 mm/vídeo em loop, 2008-2009) reproduz o período de um dia inteiro no Largo da Batata, São Paulo, do amanhecer ao anoitecer. Situado no bairro paulistano de Pinheiros, este estrangulamento de intenso tráfego na malha urbana serve à zona oeste como passagem de acesso entre o centro expandido e a zona periférica. O pesado trânsito confluente congestiona a área, aliado a um lento e ambicioso projeto de reurbanização. Desenvolvido especialmente para essa finalidade, o sistema de captação de imagens (um conjunto de três câmeras Lomo Oktographic com oito lentes cada) contribuiu para a gênese desta peça. De diversos pontos, observados por 2,5 segundos cada um, inúmeros retratos simultâneos de uma mesma cena são exibidos, com altíssimo efeito de mobilidade nas combinações angulares e de sobreposição. A múltipla montagem desta videoinstalação se dá pela refração saturada de luz que é produzida com a projeção, através da transparência de ambos os lados, em uma tela única de acrílico. Contudo, o uso deste material provoca mais duas outras projeções fantasmas, em ângulos específicos que, no entanto, reagem com luminosidade oscilante. Entre 2008 e 2009, o público de quatro capitais (São Paulo, Curitiba, Salvador e Rio de Janeiro) do programa nacional Rumos Artes Visuais, do Instituto Itaú Cultural, além de circular ao redor desta tela acrílica, instalada a ponto de visualização de todos os distintos ângulos refratários, ainda pôde sentir o pulso desta cidade bem perto dos olhos. Márcio Harum 2011

Texto publicado para “Videobrasil”, 2011 http://site.videobrasil.org.br/dossier/textos/1589452/1589463#txt1589463

121



UM FRIO-QUENTE A Estação Radio Base Fotográfica (ERBF) de Letícia Ramos, é um projeto de investigação e criação de um equipamento audiovisual desenvolvido a partir do cruzamento de dois campos de interesse da artista: a paisagem e as tecnologias de registro do movimento. Essa máquina é uma câmara pinhole cinematográfica, capaz de captar simultaneamente diferentes pontos de vista de uma paisagem. As imagens são uma série de planos que tem um encadeamento espacial mas que são vistos no tempo. Ou seja, o que vemos é uma espécie de sucessão de planos fixos, várias imagens captadas ao mesmo tempo, de um mesmo ponto de vista. A exposição no CCSP reune, além da câmara e da projeção de quatro filmes realizados com ela, a ampliação fotográfica desses negativos. O nome do projeto faz referência às reais ERBs, antenas de comunicação que povoam os arranha céus de São Paulo e “paisagem” escolhida para ser registrada com essa máquina. No entanto, toda essa descrição sobre a câmara, as imagens que ela gera e o seu referencial, não dão conta da complexidade dessa proposição. Há um enigma permanente rondando o trabalho de Letícia, que diz respeito ao enorme esforço construtivo para a confecção da máquina e para a instalação da mesma num ponto onde sua objetiva capte esse mar de antenas, e os filmes resultantes desse objeto. São imagens rápidas e quentes, que quando se mostram logo desaparecem, algo como um fogo fátuo, explicável cientificamente e sempre surpreendente enquanto experiência. Já a máquina é visivelmente pesada, precisa e exata na sua precariedade. Conhecemos a paisagem gélida que ela registra – o mar de antenas também exatas, todas diferentes porém iguais na sua existência de antena – mas não a reconhecemos nas imagens. É como se, da relação entre esse objeto estranho com o estranho mundo das antenas, pudesse surgir um estranho, porém nada preciso momento fílmico pleno de potência fugidia. O mágico das transmissões radiofônicas e da captação de imagens parece reatualizado na apresentação dos filmes, que apresentam cor, velocidade, encadeamento ficcional e, no entanto, documentam uma paisagem. Quando pensamos em paisagem, geralmente visualizamos algo da natureza, quando pensamos em filmadoras, imaginamos um objeto que podemos carregar em uma mão, mas ERBF desestabiliza nossos referentes e se apresenta como uma geringonça capaz de nos teletransportar para um outro espaço, gerando imagens que não reconhecemos, criando um tempo que não sabemos cronometrar. A convivência entre os objetos que compõem a exposição ERBF, de Letícia Ramos, alem de expor as diferentes etapas e processos de construção do trabalho, nos colocam diante de um paradoxo que revela a interdependência entre a volátil poesia das imagens em movimento e a exata precisão das máquinas. Ao nos depararmos com essa câmara, podemos intuir o complexo processo de construção da mesma, que lembra as primeiras máquinas filmadoras no que tange a relação entre aparato técnico e capacidade de autonomia do equipamento. Letícia imagina uma imagem que nenhuma câmara pode captar e daí constrói o “olho” que pode vê-la. Gabriela Motta 2009

Texto publicado para o “Programa de Exposição 2009” no Centro Cultural São Paulo, 2009

123



UM LAGO, UM BATISCAFO E MUITAS HISTÓRIAS Fundação Iberê Camargo – Brasil Como a vida começou na Terra? Existe vida em outros planetas? Perguntas como essas alimentam as investigações em torno de Vostok, o maior lago subglacial da Terra. Localizado na Antártida, sob uma camada de gelo de quase 4 km de espessura, o sistema aquático constituiria o último território não explorado do planeta. Descoberto por cientistas russos em 1957, o lago teria permanecido isolado do resto do mundo por possíveis 30 milhões de anos, podendo abrigar formas de vida pré-históricas ou mesmo desconhecidas em seu interior. As perguntas em torno desse território inexplorado são inúmeras, e as possibilidades de penetrá-lo permanecem incertas. A questão é que, para coletar uma amostra do lago, o que permitiria aos cientistas estudar sua composição e desvendar como era o planeta antes da era do gelo e como a vida evoluiu desde então, é necessário muito cuidado para não causar nenhum tipo de dano, impacto ou contaminação em suas águas – aspectos que os invetigadores ainda buscam solucionar. Pois é essa paisagem inacessível, espécie de cápsula do tempo, que inspira o mais recente projeto de Letícia Ramos. Habituada a construir aparatos fotográficos voltados à captação – ou antes, à investigação e recriação – de determinadas paisagens, em trabalhos como Estação radiobase fotográfica -ERBF (2007) e Bitácora (2011) a artista desenvolveu câmeras orientadas ao registro de lugares específicos. No primeiro caso, uma pinhole cinematográfica com 24 perfurações produziu tomadas panorâmicas da cidade de São Paulo, mesclando diferentes pontos de vista de uma mesma paisagem. Já no segundo, uma câmera baseada na tecnologia polaroid e na estrutura dos primeiros submarinos de madeira reinventou a paisagem da região ártica de Svalbard, tomando como referência a Escala de Beaufort e suas descrições do efeito dos ventos sobre a terra e o mar. Dessa vez, a busca por uma certa paisagem – ou por uma dada versão dessa paisagem, o território subglacial da Antártida – também orientou o Projeto Vostok (2012-2013), que resultará em um disco, um livro e um filme. Mas ao invés de construir uma câmera para captar as imagens que de algum modo antevia, a artista desenvolveu um conjunto de cenários composto de maquetes subaquáticas que dão lugar a uma ficção em torno do lago. São fragmentos desse ambiente cenográfico, fotografias que se apresentam tão misteriosas e intrigantes quanto o território ao qual fazem referência e o suposto batiscafo destinado a explorá-lo, que Letícia Ramos apresenta na Revista Lugares. Não fossem as legendas, talvez tomássemos as imagens como composições abstratas. São suas breves descrições que, tal qual a empreitada científica na origem do trabalho, nos ajudam a desvelar o que vemos. Ou a compartilhar com a artista esses exercícios de exploração e descoberta de um lugar – que, como nos lembram suas imagens, implicam sempre a reinvenção desse lugar. E aí está um dado importante da poética de Letícia. Suas paisagens não são apenas fruto de uma aventura investigativa – pesquisas envolvendo máquinários, teorias científicas, exploradores, perguntas, expedições. Elas constituem-se a partir desse percurso e das histórias que o compõem. Têm em seu processo investigativo – e nos contextos que o situam – um elemento fundamental na produção de sentido. Não se trata de contar histórias, mas de remeter, a todo tempo, a um universo de histórias. Ou antes, de indagações. É nesse embate entre aquilo que se quer saber e o que se quer imaginar, entre aquilo que se quer conhecer e o que se quer inventar, que se localizam as paisagens da artista. Fernanda Albuquerque 2013

Texto publicado na “Revista Lugares” da Fundação Iberê Camargo, 2013 http://www.iberecamargo.org.br/site/revista-lugares/revista-lugares-artigos-detalhe.aspx?id=346

125



CURRÍCULO /

CURRICULUM http://leticiaramos.com.br/

FORMAÇÃO /ACADEMIC TRAINING 2007 - Graduação em Cinema, FAAP – São Paulo, Brasil 1999 - Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UFRG – Rio Grande do Sul, Brasil

EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS / INDIVIDUAL EXHIBITIONS 2015 - “VOSTOK”, Musée d’art Contemporain de Bordeaux, Bordeaux, França 2014 - “VOSTOK - Screening #1”, Galeria Mendes Wood DM, São Paulo, Brasil 2013 - “Invenção da Roda”, Museu do Trabalho, Porto Alegre, Brasil - “VOSTOK - Um prólogo”, Pivô, São Paulo, Brasil 2012 - “Bitácora”, Mendes Wood, São Paulo, Brasil 2011 - “Escafandro”, La Bande Video, Quebéc, Canadá 2009 - “ERBF – Estação Radiobase Fotográfica”, Centro Cultural São Paulo, São Paulo, Brasil 2008 - “Jardim de Cronópios”, This is not a Gallery, Buenos Aires, Argentina

EXPOSIÇÕES COLETIVAS SELECIONADAS / SELECTED COLECTIVE EXHIBITIONS 2016 - “Filmes e Videos de Artistas Na Coleção Itaú Cultural”, Itaú Cultural, São Paulo - “Plagiar o Futuro”, curadoria de Bruno Leitão, Hangar, Lisboa 2015 - “A Arte e a Ciência - Nós entre os Extremos”, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, Brasil - “Filmes e Videos de Artistas Na Coleção Itaú Cultural”, Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, Brasil - “Test Exposure”, 16th media art biennale WRO, Breslávia, Polônia 2014 - “Novo Banco Photo 2014”, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, Brasil - “Sabotagem”, Museu da Cidade de São Paulo - Casa da Imagem, São Paulo, Brasil - “Falso movimento”, Galeria Luciana Caravello, Rio de Janeiro, Brasil - “BES Photo 2014”, Museu Coleção Berardo, Lisboa, Portugal 2013 - “18º Festival de Arte Contemporânea Sesc Videobrasil - Panoramas do Sul”, Sesc Pompéia, São Paulo, Brasil - “Expo Projeção 1973-2013”, Sesc Pinheiros, São Paulo, Brasil - “Se o clima for favorável / Wheather permitting...” 9ª Bienal do Mercosul, Porto Alegre, Brasil 2012 - “Futuro do Pretérito”, Galeria Mendes Wood DM, São Paulo, Brasil - “Programa de Fotografia”, Centro Cultural São Paulo, São Paulo, Brasil

127


2011 - Em Direto”, Oficina Cultural Oswald de Andrade, Biblioteca Oswald de Andrade, São Paulo, Brasil - “Escafandro”, Integração São Paulo/Québec, SESC Pinheiros, São Paulo, Brasil 2010 - “Silêncios e Sussurros”, Fundação Vera Chaves Barcelos, Porto Alegre, Brasil - “Horizonte de Eventos”, Fundação Ecarta, Porto Alegre, Brasil - “Projeto Eixo Z”, Semana Experimental Urbana, Porto Alegre, Brasil 2009/2010 - “Trilhas do Desejo”, Paço Municipal, Rio de Janeiro, Brasil 2009 - “Trilhas do Desejo”, Rumos Artes Visuais, Itaú Cultural, São Paulo, Brasil - “Espaço em Relação”, MAM Salvador/Rumos Itaú Cultural, Bahia, Brasil 2008 - Semana de Arte de Buenos Aires, Galeria Solar/This is not a Gallery, Buenos Aires, Argentina - “Jardim de Inverno”, Galeria Portifólio, São Paulo, Brasil - “Cronópios”, 12º Festival Cultura Inglesa, Centro Cultural Britânico, São Paulo, Brasil 2007 - “Videobrasil – Mostra Investigações Contemporâneas”, SESC Belenzinho, São Paulo, Brasil - “Imagem e Pensamento”, Itinerância Videobrasil, Belo Horizonte, Brasil - “Resfest 10 - Exposição Tennage Riot”, Cinemateca Brasileira, São Paulo, Brasil - “Mostra vídeo Itaú Cultural - Mostra Sinfônica: Terceiro Movimento”, Palácio das Artes, Belo Horizonte e Instituto das Artes do Pará, Belém, Brasil - “Video Links Brazil an Anthology of Brazilian Video Art”, Mostra: Pause and Reflect Tate Modern, Londres, Inglaterra - “Itinerâncias Vídeo Brasil”, Laboratório Arte Alameda, Cidade do México, México 2005 - “Territórios”, Museu de Arte Contemporânea – USP, São Paulo, Brasil 2005 2004 - “6° Anual de artes da FAAP”, Museu de Arte Brasileira da FAAP, São Paulo, Brasil

PRÊMIOS / AWARDS 2015 - Artista Finalista do PIPA em 21015 - Brasil Artista Indicada ao PIPA em 2016 - Brasil - Prémio de Criação Artística - Fundacion Botín, Madrid, Espanha - Prémio Videoarte - Fundação Joaquim Nabuco, Brasil 2014 - BES PHOTO / NOVO BANCO - Lisboa, Portugal 2010 - Premio Marc Ferrez de criação fotográfica - FUNARTE, São Paulo, Brasil 2009 - Rumos Artes Visuais – Itaú Cultural, Sao Paulo, Brasil - Centro Cutural São Paulo - Temporada de projeto, São Paulo, Brasil 2007 - 12th Festival Cultura Inglesa, São Paulo, Brasil - Cronópios (vídeoinstalação) - Festival Primeiro Plano, Juiz de Fora, Brasil - Melhor montagem - Self – Service ( 35mm/15min). 2004 - Melhor direção de vídeo experimental - 2o Festival Sul - Americano de vídeo Experimental, Centro Cultural Dragão do Mar - Fortaleza, Ceará - Melhor vídeo experimental - 2º Festival Sul- Americano de Vídeo Experimental . Centro Cultural - Dragão do Mar - Fortaleza, Ceará - 6º Anual de artes da FAAP - 1º Lugar


RESIDÊNCIAS ARTISTICAS / ARTISTIC RESIDENCES 2015 / 2016 - Hangar, Lisboa - Portugal 2011 - The Article Circle, Svalbard, Polo Norte - La Bande video, Quebec, Canadá - Farm Foundation NY - Pólo Norte / Noruega 2007 - Talent Campus Belinare - Universidade Del Cine, Buenos Aires, Argentina

OBRAS PUBLICADAS / PUBLISHED BOOKS - “Vostok, um Prólogo”, Livro de Artista, Edital PROAC - Prefeitura de São Paulo, 2013 - “Cuaderno de Bitácora”, Livro de Artista, 2012 - “Leticia Ramos”, Livro de Artista, Editora Atelier 397, São Paulo, 2011 - “Fotografia na Arte Brasileira séc. XXI, Editora Cobogó, Rio de Janeiro, 2013 - “Práticas Contemporâneas do Mover-se”, Editora Circuito, Rio de Janeiro, 2015 - Catálogo “Expo Projeção 1973 - 2013”, SESC Pinheiros, São Paulo, 2013 - “Trilhas do desejo - A arte visual brasileira”, Editora SENAC, São Paulo, 2009 - “Vários autores”, Editora SENAC, São Paulo: Itaú Cultural, 2009 - “Assim que for editado, lhe envio”, Editora Modelo de Nuvem, 2013 Catálogo “Prêmio Brasil Fotografia”, Espaço Cultural, 2012 - Catálogo “Programa de Exposições do Centro Cultural São Paulo”, CCSP, 2010

TEXTOS PUBLICADOS - Revista Simples – edição 15 – “Cinesciência”, Novembro/Dezembro de 2004 – Texto sobre a cinematografia de ficção científica. - Revista Simples – edição 29 – “Admirável mundo novo” Maio/Junho de 2002 – Texto sobre os primeiros cinemas e a experimentação

129



Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.