revista de educação, artes e literaturas
Partes de um todo – Revista de Educação, Artes e Literaturas
Editores desta edição
Edson Rodrigo Borges
Eliane Cristina Testa
Lemuel Gandara
Coordenador do projeto
Lemuel Gandara
Conselho Editorial
Augusto Niemar
Eliane Cristina Testa
Janaína Ferreira Fernande
Marianne de Almeida Costa
Marcos Eustáquio de Paula Neto
Conselho Executivo
Adilson Sérgio Lopes Marinho Cavalcante
Amanda da Rosa Campagnolo
Ana Julia Papa Pereira
Ana Luiza Muniz Oliveira
Analys Bellei Gomes Vieira
Anne Victória Gomes Nascimento
Arthur Gustavo De Oliveira Paixão
Arthur Raphael Pacheco Oliveira
Cecília Fernandes da Silva
Cibelly Batista Pereira dos Santos
Daniel José de Souza Barbosa
Emilly Alves Fernandes
Emmyli Gabryelle Apolinário
Isabella Souza Lima
João Victor De Oliveira De Morais
Kauany Vitória da Silva Sousa Guedes
Lais Rodrigues Sousa
Lara Eduarda Ramos Monteiro
Lindsay Lohan Inácio Ferreira
Lisandra Fonseca do Nascimento
Luís Felipe Gomes Ornelas
Marcelo Augusto Neres da Silva
Maria Eduarda Moreira Ferreira
Maria Vitoria Viana Marinho
Pedro Antonini Lobo
Rayssa Gomes da Silva
Rebeca de Oliveira Rios
Rian Rodrigues dos Reis
Victor da Conceição Lima Oliveira
Dossiê desta edição Imaginários sobre o Norte
Turma e ano do projeto
Primeiro ano de Biotecnologia
Instituto Federal de Goiás (IFG Formosa), 2024
Arte da capa
Arte-colagem “A rede”, de Lia Testa
Revisão
Marcos Eustáquio de Paula Neto
Designer e projeto gráfico Araçá Comunicações
Todas as matérias assinadas são de propriedade do Dossiê Imaginários sobre o Norte e/ou tiveram seu uso autorizado pelos autores.
Os textos e as imagens podem ser citados e divulgados desde que seja respeitada a autoria e creditada à Revista.
Acreditamos na educação, na geopoesia e na arte a toda parte!
Grupo de Pesquisa Crítica Polifônica - Teoria
Brasileira da Literatura (DGP/CNPq)
Publicado: maio de 2025
Brasília (DF)/Formosa (GO) - Brasil
ISBN 978
Câmara Brasileira do Livro - CBL
revista de educação, artes e literaturas
EDITORIAL
por Eliane Cristina Testa e Lemuel Gandara
O Norte é mais que uma região do Brasil. É sopro, é rio, é gente. Nesta terceira edição da Partes de um todo: Revista de Educação, Artes e Literaturas, seguimos o rastro de Ventus, o vento nortenho, e deixamo-nos levar por vozes jovens, poéticas e críticas que, a partir do Cerrado goiano, exercitam sua imaginação para moldaram facetas amazônicas plenas de belezas, de reinvenções e de encantarias.
Com o dossiê Imaginários sobre o Norte, a revista reúne produções autorais dos estudantes do primeiro ano do ensino médio técnico em Biotecnologia do Instituto Federal de Goiás, Câmpus Formosa (IFG/Formosa, 2024), criadas no contexto de práticas de leitura, escrita e fruição artística. São poemas, contos, crônicas e cordéis que formam uma cartografia sensível, onde a floresta fala, as cidades respiram e as memórias se entrelaçam.
Esta publicação é um dos resultados do estágio pós-doutoral de Lemuel Gandara na Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT), no contexto da linha de pesquisa Ensino de Literatura e Letramento Literário, sob supervisão da professora Eliane Cristina Testa. Assim como nas edições anteriores — Cerrado Plural (v.1) e Além do Brazil (v.2) —, esta revista se afirma como espaço de formação estética, crítica e afetiva para jovens autores, que encontram na palavra e nas expressões visuais um meio de criação e pertencimento.
Este número é também uma ode ao encontro. O Norte aqui é centro criativo, é voz que se projeta, é água que flui. É, sobretudo, espaço de partilha entre palavras e imagens, entre pesquisa e prática, entre o que somos e o que desejamos ser.
VENTUS, O VENTO NORTEÑO: UMA JORNADA PELO NORTE BRASILEIRO
Crônica de Luís Felipe Gomes Ornelas
Ventus, o vento nortenho, é como um velho amigo que passa por aqui, explorando novos horizontes e trazendo consigo histórias e memórias de lugares distantes. Nasceu na Amazônia, onde o ar é quente e úmido, e desde então não para de se mover.
Ele passa pelo Acre, onde visita o Parque Nacional da Serra do Divisor — uma obra-prima da natureza, com montanhas escarpadas e vales profundos. Lá, Ventus ouve o som dos rios e cascatas, e sente a força viva da floresta amazônica.
Em seguida, segue para o Amapá, onde admira a Fortaleza de São José de Macapá, testemunho imponente da história colonial brasileira. Ventus se impressiona com a arquitetura militar e com a vista panorâmica do rio Amazonas.
No Amazonas, maravilha-se com o Encontro das Águas, onde o rio Negro e o rio Solimões se encontram em um espetáculo natural. Ele observa o contraste entre as águas escuras do Negro e as águas barrentas do Solimões, que correm lado a lado sem se misturar.
No Pará, encanta-se com a beleza de Alter do Chão, um paraíso tropical de praias de areia branca e águas cristalinas. Ventus sente o calor do sol e a leveza da brisa vinda do rio.
Em Rondônia, visita o Real Forte do Príncipe da Beira, uma relíquia do passado colonial. Ali, aprende sobre a história da região e a importância estratégica do forte na defesa do território.
Em Roraima, sente-se pequeno diante do majestoso Monte Roraima, ícone geológico de forma singular e vista deslumbrante. Ventus se conecta profundamente à natureza e à grandeza do lugar.
Por fim, chega ao Tocantins, onde se apaixona pelo Jalapão, um oásis no coração do cerrado. Ele contempla a diversidade da flora e da fauna e se inunda com a paz que emana da paisagem.
E assim, Ventus continua sua jornada, levando consigo as histórias e memórias do Norte brasileiro — um território de beleza e diversidade sem igual.
NOVO LAR
Conto de Isabella Souza Lima
Me chamo Luisa, nasci em 1980 e fui criada em Caracas, capital da Venezuela. Minha família tinha uma condição financeira razoável — não éramos ricos, mas conseguíamos viver bem. Passei a vida inteira planejando meu futuro no meu país. Sempre tive uma grande paixão pela culinária, por isso decidi cursar gastronomia e me formei lá mesmo.
Sair da Venezuela nunca foi uma possibilidade, especialmente porque, após a graduação, consegui abrir meu próprio restaurante. Depois de muito esforço, conquistei um espaço em que tudo era fruto do meu mérito. Minha renda se estabeleceu ali. O restaurante não era muito grande, mas era muito bem avaliado. Dei a ele o nome de Aconchego, pois essa é a sensação que cozinhar me traz.
Mesmo com o início da crise no país, acreditei que a situação logo se resolveria. Tinha minha vida estruturada, uma família feliz — meu marido Diego e meus filhos, Gabriel e Alice — e jamais pensei em partir. No entanto, os problemas foram se agravando e logo começaram a nos afetar diretamente. Com o tempo, não consegui mais manter o restaurante: eram muitas contas a pagar, ingredientes cada vez mais caros... a situação se tornou insustentável.
Nossa única saída foi vir para o Brasil, especificamente para Pacaraima, em Roraima. Foi muito difícil deixar a Venezuela. Eu estava com o coração apertado, pois tudo o que conhecia estava lá. Pensar em abandonar o restaurante era desesperador. Eu não sabia como seria a adaptação a um novo país, e estava muito assustada. No caminho, encontramos muitas famílias na mesma situação — enfrentando dificuldades semelhantes, todas carregando uma grande ansiedade no coração.
Ao chegar ao Brasil, fomos acolhidos em um dos abrigos para imigrantes, onde podíamos permanecer até encontrar nosso próprio lar. No início, tudo parecia impossível. Enfrentei obstáculos para conseguir um emprego, já que minha imigração ainda não estava legalizada, e também foi difícil encontrar uma escola para meu filho. Meu marido fazia diversos bicos, mas sem nenhuma garantia.
Apesar de tantas dificuldades, comecei a perceber a riqueza da diversidade cultural da região. Encantei-me com as festas populares — a festa junina, a folia de reis — e, principalmente, com os sabores da culinária local. Embora amasse o cheiro do café e das arepas que eu preparava todas as tardes, e sentisse saudade das festas de fim de ano em que fazíamos hallacas e tequeños quentinhos, me maravilhei com pratos como mujica de peixe, maniçoba, pato no tucupi... Só de pensar, já fico com água na boca.
Ao conhecer novos pratos, me apaixonei ainda mais pela culinária. E o carisma das pessoas também me marcou profundamente. Em um desses dias de festa, conheci uma mulher muito simpática. Rapidamente nos tornamos amigas. Ao perceber que eu estava sem trabalho, contei que já havia tido um restaurante. Por uma coincidência feliz, ela era dona de um restaurante e me ofereceu uma oportunidade para trabalhar com ela. Aceitei sem hesitar.
FERIDA ABERTA PELO PROGRESSO
Poema de Amanda da Rosa Campagnolo
ao norte, chegaram homens com olfato apurado pensando em todo o território que poderia ser explorado cortaram a seringueira desmataram a floresta quanto tempo ainda nos resta? do látex extraído ao ouro escavado ainda é possível escutar o choro abafado das terras e dos povos que foram roubados encantados com sua abundância ficaram cegos pela ganância o que era livre, agora vive apenas na lembrança devido à negligência e à falta de vigilância
AO NORTE DO BRASIL
Ao norte do Brasil
O verde domina o lugar
tem floresta, tem rio, lugares a visitar
Cultura vibrante para celebrar
Com danças do carimbó
Para nos alegrar.
A culinária é rica, show de sabores
Peixe na brasa, açaí para degustar
Nos dá o sabor de sonhar
O tacacá quentinho nos faz delirar
Bolo de macaxeira preparado com amor
E o tucunaré que não pode faltar.
Lendas da floresta, mistério a desvendar
Do boto cor-de-rosa vão te contar
A enorme sabedoria dos anciãos
Guardam tradições em seus corações
O povo é acolhedor, sempre a ajudar
Com força e determinação a lutar.
Cordel de Cibelly Batista Pereira dos Santos
ORIGENS DA ALMA
Lá onde a terra é iluminada pelo brilho do sol, A mata se estende, o verde prevalece, os rios correm, águas lindas, com histórias e valores, preservados para todo sempre. Cidades cheias de vida, culturas, músicas puras e muito alegria. Casas onde á todo fim de tarde se sente o cheiro de café fresco e bolo recém assado. O Norte, um lugar de coração aberto, Onde a natureza reina, soberana e bela.
Poema de Ana Luiza Muniz Oliveira
O CARIMBÓ
O Carimbó, que vive no Pará, É dança que faz a saia girar, Com cores vibrantes a nos deslumbrar, E o som do tambor faz o corpo dançar.
Pés na areia batem enquanto a música toca, Contando histórias, lendas de amor.
E o povo sorri, dançando a noite inteira, Ao som do Carimbó, que traz o riso com calor.
Rodando a saia, as moças encantam os botos, Que, das águas, assistem, curiosos.
Do Norte, o Carimbó espalha sua tradição, Trazendo alegria ao nosso coração.
Poema de Emmyli Gabryelle Apolinário
COMO SERIA?
Poema de Emilly Alves Fernandes
[...]
Todo amanhecer me deparo com pessoas amorosas.
Sempre acordo com fartura em minha mesa.
Repouso embaixo de um flamboiã todas as tardes.
Abraço meus sonhos todas as noites e luto por eles todos os dias.
De fato seria extraordinário se todos pudessem abraçar o que cobiçam
Mas o sol não tem o mesmo brilho para todos os lugares.
Neste momento, abaixo da ponte que atravessa o Rio Elvira.
A DESCOBERTA NO RIO TAPAJÓS
Conto de Rian Rodrigues dos Reis
Na pequena aldeia ribeirinha de Maguari, às margens do rio Tapajós, o dia estava lindo e ensolarado quando Luana, uma cientista e bióloga apaixonada por biologia marinha, resolveu voltar à aldeia onde nasceu para visitar sua avó. Ela havia se afastado dali para cursar a graduação. Seu pequeno laboratório funcionava em um barco adaptado, onde passava os dias estudando a rica biodiversidade do rio.
Certo dia, Luana notou um fenômeno estranho: partículas brilhantes na superfície da água. Assustada, começou a pesquisar intensamente para descobrir o que estava acontecendo.
Na aldeia, a notícia se espalhou rapidamente, e os indígenas começaram a levantar várias hipóteses, desde a ação de garimpeiros até causas sobrenaturais. No entanto, após muitos estudos, Luana descobriu que o brilho na água era causado por um microrganismo nunca antes registrado. Investigando mais a fundo, ela percebeu que esse microrganismo se alimentava de partículas tóxicas presentes na água. A descoberta trouxe grande entusiasmo, pois revelava um potencial revolucionário para a purificação dos rios.
A pesquisa atraiu a atenção de universidades e centros de pesquisa de todo o país. Luana passou a liderar um projeto de grande porte, com o objetivo de combater a poluição e remover agentes poluentes dos rios brasileiros.
Meses depois, o projeto não só melhorou significativamente a qualidade da água na região, como também abriu caminho para novas pesquisas em biotecnologia. A pequena aldeia de Maguari tornou-se um símbolo dessa conquista, atraindo cientistas e estudantes de todo o Brasil.
Quase dois anos após o início do projeto, os resultados foram extraordinários: 47% da poluição dos rios brasileiros foi eliminada. Luana foi parabenizada até mesmo pela ONU. Sua atuação como bióloga indígena encheu sua avó de orgulho e inspirou todo o país.
Desenho de Kauany Vitória da Silva Sousa Guedes Inspirado por fotografia de Leslie Kee
HISTÓRIAS DE AVÔ
Conto de Daniel José de Souza Barbosa
Revisto e adaptado para esta edição
Desenho de Maria Eduarda Moreira Ferreira
Revisto e adaptado para esta edição
Um menino pediu ao seu avô que contasse uma história, porque estava internado.
O avô respondeu:
— Agora não, meu neto, estou ocupado.
Mas o menino insistiu, e então o avô disse:
— Tá bom, meu neto. Vou contar, mas depois você deixa o vô terminar o que estava fazendo.
— Tá bom, vô — respondeu o menino.
E o avô começou:
— Eu tinha um amigo... Ele sempre me dizia que, se subisse numa árvore no topo de uma montanha, iria prosperar. Mas eu sabia que não era assim. Pra prosperar, a gente precisa começar por dentro. Ele tinha uma crença, mas não me escutava.
Um dia, esse meu amigo subiu na tal árvore, lá no alto da montanha. Mas não conseguiu chegar até o topo. Quando veio me visitar, falou:
— Amigo, você estava certo. Me ensina a prosperar também.
E eu disse pra ele:
— A prosperidade não vem das coisas. Ela é como o vento... é o Espírito Santo de Jesus Cristo. Primeiro você prospera por dentro. Depois você aprende, cresce... e aí sim, enriquece.
— É, meu neto... essa história é grande, e não deu tempo de contar tudo. Mas o que importa é que ele desceu daquela montanha com um novo ensinamento: o ensinamento do Espírito Santo.
O NORTE, EM ESSÊNCIA
Crônica de Analys Bellei Gomes Vieira
Desenho de Arthur Raphael Pacheco Oliveira
No Norte do Brasil, o tempo parece seguir outro ritmo.
Por lá, a correria dá lugar ao som das águas e ao canto dos pássaros cruzando o céu. As cidades se ajeitam às margens dos rios, como se o povo entendesse que viver bem é caminhar junto à natureza, e não contra ela.
De manhã, o sol chega com tudo, dourando as palafitas e os barcos que deslizam pelos rios como se fossem parte da paisagem.
E a floresta ao redor? Imensa, cheia de vida. É verde por todos os lados, um verde que tem cheiro, som e alma.
No mercado, é um agito só: vozes se misturam, e açaí, tucupi, farinha e jambu dividem espaço.
Tem peixe pra todo gosto, tambaqui, pirarucu, você escolhe!
E cada coisa ali carrega uma história, uma tradição que o tempo não apaga.
Quando a noite chega, o show é no céu.
Sem tanta luz artificial, as estrelas surgem com força, dançando lá em cima e lembrando a gente de como somos pequenos diante do universo.
É na calmaria da noite que o Norte ensina o que tem de mais valioso: respeitar a natureza, levar a vida com leveza e valorizar o que realmente importa.
O Norte não é só um lugar, é um jeito de sentir a vida, de desacelerar e de se conectar com o que verdadeiramente tem sentido.
Quem pisa lá nunca volta igual: leva um pedacinho daquela imensidão para sempre no coração.
CINZAS
Poema de Pedro Antonini Lobo
Hoje é impossível sonhar com uma floresta verde
Pois tudo o que sonhei foi queimado
A ignorância do ser humano é inexplicável
Quando aquilo que foi feito para florescer é carbonizado
Esse deve ser o objetivo de uma alma ranzinza
Transformar o verde em cinza
O ser que queima florestas tem o coração despedaçado
Não há justificativa para tanto maltrato
A fumaça é visível de longe
Isso só pode ser obra de um camafonje.
Quão cruel alguém pode ser?
Quanta maldade alguém pode conter?
Ao negar o ato e impedir o verde de florescer
O tempo cinza e nublado chega, mas não é chuva
Malditos sejam aqueles que não assumem a culpa
E agora, a floresta verde tornou-se apenas mais uma escultura
Não acordei com a mesma alegria de antes. Não me preocupei mais em esconder as manchas vermelhas. Só conseguia pensar em uma única coisa que poderia me distrair da dor de perder Beto: o açaí puro do senhor Apari. Mas, naquele dia chuvoso, pela primeira vez em anos, a bodega estava fechada.
Chamei minha prima Iraci para colher alguns frutos de açaí comigo, para comermos juntas. Minha jovem cabeça não acreditava que nunca mais veria o Beto. No caminho até as árvores, o silêncio entre mim e Iraci era preenchido apenas pelo som das gotas de chuva caindo sobre as folhas e pelos gafanhotos cantando sua melodia final.
Chegamos ao pé de açaí. Iraci subiu e apanhou muitas frutas. Mas, ao descer, vi que havia em seu rosto um inseto preto com listras amarelas. Tomei um susto e, por reflexo, dei um tapa em seu rosto. Na volta, ela reclamava do tapa, mas logo foi interrompida por nossa tia, que gritava desesperadamente:
— Oh, Deus! Por quê?! Por que levaste Tiuia?!
Fiquei assustada. Meu coração começou a bater rápido, pois eu sabia que tia Ana chamava minha mãe, Acir, de Tiuia. Olhei para Iraci, que me encarava fixamente, percebendo a vermelhidão nos meus braços. Fugi. Corri o máximo que pude até perder o equilíbrio e cair de costas. Só conseguia sentir as gotas de chuva caindo sobre meu rosto. Já não saía mais ar dos meus pulmões. Já não havia mais batida no meu pobre coração. Minhas chagas haviam sido estacadas.
Desenho de Adilson Sérgio Lopes Marinho Cavalcante Revisto e adaptado para esta edição
AMAPAZEIRO
Poema de João Victor De Oliveira De Morais
Tenho orgulho de nascer aqui, Sou daqui!
Nativo da minha terra amazonense.
Dei nome ao meu estado, em que foi criado.
Se quiser ver a minha beleza, olhe acima, e me veja, chego a 35 metros de pura Purangy.
Não sou único e nem exclusivo, tenho muitas espécies variantes de mim, mas que ainda são parte do que eu sou e do que nós somos.
A extração da minha seiva ajuda e ajudou em muito, para os meus povos e para a humanidade.
Sendo importante, e sendo vítima, de muitos que precisam de mim
Isso é a exploração que ocorre mesmo eu estando em constante reprodução.
É este quem eu sou
O Amapazeiro.
O FUSCA
Arthur já era maior de idade e carregava consigo um amor imenso por carros — uma paixão que crescera com ele desde a infância, nas ruas de chão batido de Boa Vista, no norte do Brasil. Vivia num lugar onde o asfalto era um privilégio raro, e a poeira fazia parte da paisagem tanto quanto o céu azul e as palmeiras que se curvavam ao vento. Nesse cenário, Arthur sonhava em explorar os arredores, conquistar cada estrada do Norte — não apenas como passageiro, mas como alguém que traçava o próprio caminho.
Desde pequeno, observava o pai consertar a velha caminhonete da família — uma picape quase tão antiga quanto ele, mas que levava todos aonde precisassem ir. Arthur adorava ajudar, mesmo que fosse apenas para segurar uma lanterna ou buscar uma chave de fenda. Ali, entre o cheiro de gasolina e óleo, sentia-se vivo. Aprender com o pai sobre motores, freios e carburadores parecia a coisa mais natural do mundo.
Ao completar 18 anos, decidiu que era hora de conseguir seu próprio carro. Já havia trabalhado por um tempo na oficina mecânica de um vizinho, limpando ferramentas, organizando o espaço e, aos poucos, aprendendo mais sobre mecânica. Cada real que ganhava era guardado com cuidado. Meses depois, soube de um carro velho abandonado no quintal de um conhecido. O dono, sem condições de reformá-lo, aceitou vendê-lo por um preço simbólico. Arthur não pensou duas vezes: com o dinheiro suado, comprou aquele Fusca azul desbotado. Não era o carro mais bonito, nem o mais potente, mas era seu — e isso bastava.
Conto de Arthur Gustavo De Oliveira Paixão
Nos fins de semana, ele e os amigos se reuniam à beira do rio para admirar caminhonetes, jipes e até motos que os mais velhos traziam. Arthur conhecia cada modelo, cada detalhe. Agora, com seu Fusca, sentia-se parte daquele universo que sempre admirara. Aprendia a distinguir o som de um motor saudável do som de um com problemas, e dedicava-se a transformar seu carro em algo único.
Seus amigos brincavam dizendo que Arthur “respirava carro” — e, de certa forma, estavam certos. Passava horas assistindo a vídeos sobre mecânica, customização e até sobre a história do automobilismo. Cada vídeo era um passo rumo ao sonho de transformar o velho Fusca enferrujado numa verdadeira obra-prima. Imaginava tocar a lataria desgastada e restaurá-la, criando um pedaço de arte em movimento.
Mas Arthur logo aprendeu que nem tudo seria como imaginava. O tempo passava, e os desafios eram maiores do que previra. As peças que precisava eram caras, o trabalho na oficina, por vezes, exaustivo — e, por mais que se esforçasse, novos problemas surgiam no carro. O sonho de reformar o Fusca parecia se estender indefinidamente, testando sua paciência.
O OUTRO LADO DE ACRE
Poema de Lindsay Lohan Inácio Ferreira
Na fronteira com a Bolívia, o Acre se estende,
Onde a terra se encontra, e a cultura se compreende
Dos feirantes com seus produtos da roça,
A culinária forte, que a identidade reforça
O tacacá quente no inverno chuvoso,
A fogueira acesa, o cheiro é gostoso
O bombom de cupuaçu é um pedaço de céu,
Doce que no Acre tem gosto de mel
A terra de seringueiros, de lutas e memórias,
De uma gente que escreve suas próprias histórias.
E embora distante, não é menos querido,
É no Acre que a verdade é o grito contido.
Os jornais falam pouco de sua terra,
Onde o verde é denso, e a vida se encerra
No ritmo tranquilo, mas que ninguém percebe, Como se o Acre fosse algo que o tempo esquece
A LENDA DO ENCONTRO DAS ÁGUAS
Conto de Rayssa Gomes da Silva
Dizem que, há muito tempo, os rios Negro e Solimões não eram apenas rios, mas espíritos da floresta.
O Negro era sereno, calado e misterioso. Gostava da calma e das sombras que cobriam suas águas escuras. Já o Solimões era agitado e cheio de energia, sempre correndo com pressa, espalhando vida por onde passava.
Um dia, enquanto seguiam seus caminhos, os dois se encontraram. Por serem tão diferentes, pensaram que nunca poderiam se entender. No entanto, à medida que conversavam, descobriram que suas diferenças os tornavam mais fortes juntos. O Negro admirava a energia do Solimões, e este se encantava com a calma do Negro. Assim, se apaixonaram e decidiram permanecer lado a lado.
Porém, os outros espíritos da floresta não aprovaram. Diziam que eles nunca poderiam se unir, que eram opostos demais e que esse encontro traria desequilíbrio. Mas Negro e Solimões não desistiram e continuaram juntos.
Quando finalmente se encontraram, suas águas se tocaram, mas, como haviam previsto os espíritos, não se misturaram. O Negro seguiu escuro e calmo; o Solimões, claro e veloz. Ainda assim, caminharam juntos, lado a lado, provando que até os opostos podem viver em harmonia.
Até hoje, quem visita o Encontro das Águas sente a força dessa história. Alguns dizem que o som das águas é o sussurro dos dois, conversando e mostrando que o amor pode existir, mesmo quando somos diferentes.
Esta revista é o resultado de empenho intelectual artístico de todos os envolvidos e não tem fins lucrativos. Faça a devida citação caso utilze algumas das obras escritas ou visuais dispostas aqui.