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Edição:


BRAGANÇA

MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA

ou Repositório amplo de notícias corográficas, hidro-orográficas, geológicas, mineralógicas, hidrológicas, bio-bibliográficas, heráldicas, etimológicas, industriais e estatísticas interessantes tanto à história profana como eclesiástica do distrito de Bragança

POR

FRANCISCO MANUEL ALVES, REITOR DE BAÇAL

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TÍTULO: MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA, TOMO II AUTOR: FRANCISCO MANUEL ALVES, ABADE DE BAÇAL COORDENAÇÃO GERAL DA EDIÇÃO: GASPAR MARTINS PEREIRA REVISÃO DESTE VOLUME: FERNANDO DE SOUSA, GASPAR MARTINS PEREIRA, LUÍS ALBERTO MARQUES ALVES, VÍTOR GOMES TEIXEIRA UNIFORMIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA: MARIA SARMENTO DE CASTRO EDIÇÃO: CÂMARA MUNICIPAL DE BRAGANÇA/INSTITUTO PORTUGUÊS DE MUSEUS – MUSEU DO ABADE DE BAÇAL EXECUÇÃO GRÁFICA: RAINHO & NEVES, LDA./SANTA MARIA DA FEIRA ISBN: 972-95125-3-1 DEPÓSITO LEGAL: 152080/00 OBRA CO-FINANCIADA PELO PRONORTE, SUBPROGRAMA C JUNHO DE 2000


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INTRODUÇÃO

Neste tomo II das Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, consagrado em grande parte à história episcopológico-religiosa do seu distrito, Francisco Manuel Alves revela, além dos dotes de estudioso, a sua dimensão de sacerdote e vivência espiritual. Ressalta, a cada passo, um conhecimento profundo da história da sua diocese, das suas figuras, dos seus momentos, das suas comunidades, laicas ou religiosas. Não deixa mesmo de assumir uma posição crítica em relação a certos episódios, saindo, por outro lado, em certos casos, em defesa de personalidades ou contra injustiças da memória dos homens. É o caso da «velha» polémica em torno do bispo D. Frei Aleixo de Miranda Henriques, O.P. (1757-1770), que o Abade de Baçal, como bom bragançano, não deixa de defender em relação à sua iniciativa de transferir a Sé para Bragança em 1762-1764. Esta atitude interventiva surge amiúde na obra do Abade de Baçal, muitas vezes de forma apaixonada, mas sem deixar de trazer à luz todos os documentos inéditos, referências desconhecidas e notícias que achou de interesse para a memória do seu distrito de origem. Este intento é comprovável na elaboração das notas biobibliográficas da galeria de bispos de Bragança-Miranda. Estamos perante o trabalho de um homem da Igreja. Denota-se, claramente, que Francisco Manuel Alves foi um sacerdote da sua época. Três vectores animam o seu sentimento religioso, central na sua personalidade e omnipresente nos seus estudos e trabalhos: defesa do estatuto sacerdotal, uma certa vontade de actualização e abertura nos métodos de difusão da doutrina cristã e, de forma mais nítida neste volume, de uma certa integridade na fé, que o leva a posições arrebatadas contra certas situações e acontecimentos da história da diocese, tomando partido e destilando violentas críticas aos sectores MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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mais anticlericais. Enquanto figura eclesiástica do seu tempo, recorde-se a época em que escreveu este segundo tomo, foi contemporâneo e admirador de um bispo da sua diocese, quer pela sua personalidade e obra eclesiástica e cultural no bispado, quer também por o ter ordenado presbítero em 1889: D. José Alves de Mariz (1885-1912), 36º titular daquela diocese trasmontana, num momento difícil e atribulado para a Igreja enquanto instituição. Época em que a Igreja, em Portugal como na Europa, vivia na «ressaca» de um Concílio Vaticano I (1869) que não terminou (interrompido pela guerra franco-prussiana em Julho de 1870) e que muito deixou por fazer e resolver no mundo católico, que viu iniciar-se a derrocada do poder temporal do papado, pondo mesmo em perigo a instituição pontifícia. Apenas se definiu nesse concílio acerca do primado e da infalibilidade papais, temas muito contestados política e socialmente, conhecendo imensa animadversão em diversos sectores católicos. A Itália vivia em turbulência social e definição política, a Alemanha as consequências (nefastas para a Igreja, especialmente) do Kulturkampf anticatólico, para além da laicização crescente em França, onde se punha em perigo as ordens religiosas e a própria Igreja, tal como em Portugal, devido aos ventos liberalizadores do socialismo e do republicanismo. A tónica comum tendia a ser a deposição das estruturas sobreviventes do Antigo Regime, senhorial e conservador. Uma das iniciativas políticas levadas a efeito um pouco por toda a Europa, foi a separação da Igreja e do Estado, concretizada em França em 1906 e em Portugal em 1911. O então denominado «modernismo» ameaçava a própria Igreja católica, suscitando, paralelamente, correntes de reacção ao clima de turbulência no mundo cristão. Surgem então sectores e figuras integristas a degladiarem-se teologicamente com os partidários da abertura da Igreja, que defendiam uma maior participação na vida cultural, introduzindo concepções modernas de filosofia na doutrina da fé e na moral católicas. Tradição contra progressismo, com o mundo a laicizar-se irreversivelmente perante uma certa «impotência» papal. Também Portugal mergulhava nesta agitação da história religiosa do século XX nascente. São sinais dessa perturbação as lutas diplomáticas com a Santa Sé, a Lei de Separação do Estado e da Igreja e uma série de irregularidades no governo de dioceses, dissenções e reformas de carácter eclesiástico e pecuniário nas dioceses. Francisco Manuel Alves era então um sacerdote de «envergadura moral» reputada e comprovada por grandes nomes do seu tempo, como Egas Moniz e Teixeira Lopes. No clero bragançano, culturalmente em letargia e com pouca visibilidade no mundo católico português, o Abade de Baçal assumiu-se como uma figura de grande relevo e autonomia intelectual. Perante o cenário de enfraquecimento institucional e consequente crise na Igreja do seu tempo, não MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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é de estranhar, pois, uma certa tendência moralista e apego a correntes mais tradicionalistas no Autor das Memórias. Intervindo e criticando sempre que julgava ser imperativo, valorizando e enaltecendo sempre que surgia um bispo ou figura de charneira na cultura e espiritualidade do bispado. Daí a importância, por exemplo, dada ao elenco de pastorais de cariz reformador e disciplinador, de exortação ao ensino da doutrina, à formação e à vida «em perfeição» do clero. Relembre-se que o catolicismo português do tempo do Abade de Baçal, um pouco como ainda hoje, baseava-se nas paróquias, objectivo apostólico e unidade central de acção dos sacerdotes, que assumiam uma posição chave e de grande preponderância na sociedade. Daí a necessidade de reformas no clero, defendidas a espaços pelo Abade de Baçal. Na perspectiva da historiografia religiosa sua contemporânea, dir-se-ia que o Abade de Baçal ultrapassava a concepção do papa Leão XIII acerca dos historiadores, quando este pontífice dizia, numa célebre conversa com o Pe. Gasquet, em 1895, que «quando se escreve a história, tem-se muitas vezes o cuidado de omitir o que é desagradável. Se os historiadores do último século tivessem escrito o Evangelho, talvez não soubéssemos uma palavra das negações de S. Pedro nem da traição de Judas». Lamentando o que é desagradável na história da sua diocese, o Reitor de Baçal tenta não o omitir. Ressuscita, aqui ou ali, alguns desses episódios menos bons, mais como forma intencionada de os expurgar pela via crítica e moralizadora, ainda que apaixonada e nem sempre neutra. O relato do célebre episódio do motim do Seminário, em 1904, é um desses casos. O intuito maior do Abade de Baçal, mais do que a verdade histórica, foi o de plasmar toda a informação que pudesse acerca do seu distrito, muitas vezes de forma prolixa e sem grande rigor hermenêutico ou interpretativo, o que não desvaloriza o trabalho, contribuindo para evitar grandiloquências estéticas de ornato barroco ou conclusões sem fundamento ou sentido. Em termos metodológicos da história religiosa, a parte deste tomo II a ela consagrada tende para o positivismo documental, sem grande subserviência às referências historiográficas e sem pretensões de construção de teorias interpretativas, de certa forma de acordo com a velha tradição cronística dos Catálogos de Bispos, das Memórias ou Histórias das Dioceses que surgiam por todo o Portugal e Ultramar desde há cerca de dois séculos. O recurso, um pouco tendencioso aliás, à abundante informação contida em inúmeros artigos de periódicos, religiosos ou não, da época, é outras das marcas da obra historiográfica de Francisco Manuel Alves. Não possuiu, sem dúvida, o esforço e capacidade de síntese que revelaria José Fortunato de Almeida, na sua História da Igreja em Portugal, cuja primeira edição surgiu em 1930 e ainda hoje é uma grande referência na história religiosa no nosso país. Fortunato de Almeida, MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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porém, referiu-se inúmeras vezes ao trabalho do Abade de Baçal, considerando-o um dos grandes mananciais de informação e de referências documentais. Mas a obra historiográfica do Abade de Baçal não é única na sua dimensão, ainda que o seja em termos regionais e concretamente da sua diocese. Ainda na segunda metade do século XIX, recorde-se, já o Pe. José de Sousa Amado publicara dez volumes da sua História da Igreja Católica em Portugal, obra interrompida e pouca conhecida actualmente, ao contrário de um importante trabalho de história religiosa, de meados desse século, que foi a História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, de Alexandre Herculano, ou até mesmo das Obras Completas do Cardeal Saraiva. Contemporâneos do Abade de Baçal destacam-se, igualmente, em temas diversos da história eclesiástica, historiadores como Manuel Abúndio da Silva, Augusto de Oliveira ou José Maria Félix, além de um autor italiano que estudou o Portugal católico da transição para República, Romolo Murri. Merecem também relevo o Pe. Mons. José de Castro, com a sua história de Bragança e Miranda (Porto, 1947-1948), na senda de uma obra do século XVIII – muito referenciada e criticada a espaços por Francisco Manuel Alves –, o Catálogo dos Bispos de Miranda, de Fernando de Abreu (1721), aparentado aos trabalhos de D. Rodrigo da Cunha para o Porto e Braga. Entre outros autores que se dedicaram à história religiosa em Portugal na primeira metade do século XX, refiram-se ainda o Pe. Miguel de Oliveira, autor da História Eclesiástica de Portugal, obra já várias vezes reeditada, Pe. Pierre David ou Henrique da Gama Barros, entre outros. Parente pobre da historiografia portuguesa de meados deste século, a história religiosa, como na centúria passada, desaparecera dos currículos dos seminários e das faculdades de teologia, ficando «ao cuidado de curiosos, entre circunstâncias adversas e desfavoráveis», como referia Fortunato de Almeida, «nada mais se podendo esperar senão que algum raro erudito» lhe dedicasse os seus estudos. Um desses homens, não um erudito, mas um homem «alto, rijo ... de uma simplicidade chocante» (Norberto de Araújo, 1935), «protótipo da bondade, da tolerância» (Egas Moniz, 1947), de «sólidos conhecimentos e tanto critério» (Leite de Vasconcelos, 1917), um pároco trasmontano, curioso e interessado, conseguiu coligir onze volumes de informação sobre a sua terra, dedicando um deles, na sua maior parte, à história da Igreja. Hoje seria possível enveredar-se por uma nova análise histórica, uma atitude hermenêutica diferente e consentânea com novos métodos de abordagem e tratamento de fontes e informações, evitando-se o mais possível a queda em visões tendenciosas. Mas, apesar das deficiências, o tomo II das Memórias continua a ser uma fonte, com relativa fidelidade, de informações e referências que, sem o MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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trabalho do Autor, estariam hoje na penumbra do esquecimento ou dispersas por uma miríade desarticulada de pequenos trabalhos. É, acima de tudo, um valioso volume de informação. Vítor Gomes Teixeira * * *

Neste volume II das suas Memórias, o Abade de Baçal dedica também uma parte significativa do seu trabalho às indústrias do distrito de Bragança. Nesse âmbito, ganham particular relevo as indústrias extractivas, procurando agrupar as informações de que dispõe por freguesias (minérios, minas, concessões, etc.), dando-nos ainda notícias sobre outras indústrias como as amêndoas cobertas, cerâmica, cortiça, curtumes, destilação de vinhos, lã, linho, cânhamo, moagem, panos, pescarias, sabão e seda. Sobre este capítulo da obra do Abade de Baçal podem fazer-se duas ou três considerações. Em primeiro lugar, importa referir que o conceito de indústrias, no Abade de Baçal, releva ainda do Antigo Regime. Isto é, por indústrias o Abade de Baçal entende, não as actividades transformadoras, mas todo um conjunto de actividades económicas, manufactureiras, artesanais, caseiras, muitas vezes complementares do pequeno comércio ou da agricultura, de que dificilmente se distinguem. Em segundo lugar, registe-se a natureza de compilação que o trabalho do Abade de Baçal apresenta. Com efeito, não se pretende fazer história, outrossim dar conta das fontes que importam às indústrias do Nordeste Trasmontano, transcrevendo, das fontes manuscritas ou impressas, tudo o que diz respeito àquela região. Serve-se abundantemente do Diário do Governo para os registos das minas do distrito, mas também de outras fontes e estudos, o que lhe permite referenciar as mais diversas informações, desde a Idade Média até inícios do século XX. Sublinhe-se, ainda, quanto à origem e natureza das fontes, que algumas das transcrições apresentadas, mesmo no que diz respeito a fontes impressas, são em segunda mão, uma vez que o Abade de Baçal as retira já de outras obras e não das colecções originais, nomeadamente, das colecções de legislação, como, por exemplo, no que diz respeito à indústria das sedas. E que, por outro lado, Francisco Manuel Alves ignora outras fontes impressas, bem importantes para o estudo das indústrias de Trás-os-Montes, do seu tempo, MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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nomeadamente, os inquéritos de 1881 e 1890 e outros relatórios publicados, quer no Diário do Governo quer nas revistas e jornais oitocentistas. Poderia ter sido de outro modo, tendo em atenção a sua formação e o facto de viver em Bragança, completamente afastado dos grandes centros urbanos, Porto e Lisboa? Seja como for, o investigador da economia trasmontana terá sempre proveito em consultar esta parte relativa às indústrias do distrito de Bragança, uma vez que, quando menos se espera, surge-nos uma indicação, uma referência, que pode ser preciosa. Concluiremos esta breve nota referindo alguns trabalhos que se publicaram sobre as indústrias do Nordeste Trasmontano. Tarefa fácil uma vez que muito pouco se produziu sobre o tema e a região. Uma consulta, sempre útil, é do Alto Trás-os-Montes (Coimbra, 1932), de Vergílio Taborda. E alguns dos trabalhos de Fernando de Sousa, A Indústria em Trás-os-Montes, 1780-1813 (Vila Real, 1977); A Indústria das Sedas em Trás-os-Montes, 1790-1813 («Revista de História Económica e Social», nº 2, Lisboa, 1978); A Reestruturação da Indústria das Sedas em Trás-os-Montes nos finais de Setecentos («População e Sociedade», nº 5, Porto, 1999); Para a História da Indústria das Sedas em Trás-os-Montes, 1819-1823 («População e Sociedade», nº 5, Porto, 1999), e A Indústria das Sedas em Trás-os-Montes, 1835-1869, em publicação. Fernando de Sousa encontra-se, ao presente, a ultimar um trabalho de investigação sobre a indústria das sedas em Trás-os-Montes, desde finais do século XVIII até inícios do século XX. Fernando de Sousa

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PRÓLOGO Em sessão da Câmara Municipal de Bragança, «por proposta do vereador reverendo Francisco Manuel Alves, foi deliberado que se incluísse no orçamento ordinário desta Câmara para o ano de 1910 a verba necessária para as despesas a efectuar com a impressão de forais e mais documentos históricos relativos ao município de Bragança que correm dispersos, de modo a que fiquem codificados num só volume, encarregando o autor da proposta a cuidar da parte técnica e económica dessa útil e interessante publicação». Por demais julgamos desnecessário salientar o relevo máximo a que os membros do senado bragançano guindaram os seus nomes ligando-os a tão notável resolução que a ciência e as gerações futuras bendirão através dos séculos. É consolador para a intelectualidade regional ver o nosso município marchar ao lado dos mais ilustrados, como o de Lisboa, Coimbra, Porto e vários outros, que estão dispendendo grossas quantias em idênticas publicações. Não foi em vão que esse grande benemérito da ciência e da pátria que se chamou Martins Sarmento deu o salutar exemplo de levar o município de Guimarães a publicar todos os seus documentos, incluindo quaisquer outros que lhe dissessem respeito, embora arquivados em locais diferentes, como na Torre do Tombo, etc. Desde que Herculano nos diz que «é uma necessidade literária o desenterrar dos arquivos, dos diplomas e de toda a espécie de monumentos a arqueologia portuguesa, na mais vasta significação desta palavra», desnecessário se torna insistir na importância do assunto. É por isso que um nosso escritor recomenda que convém guardar «tudo quanto apresenta subsídios de estudos à história da língua, da literatura,


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das artes, das indústrias e dos costumes da nação portuguesa. Esses subsídios, continua ele, encontram-se não raramente em produtos que o vulgo, sob um juízo frívolo, desdenhoso ou mal intencionado, acoimará de pueris ou risíveis. A verdade é que no vastíssimo campo da etnografia, como no da bibliografia não há ridículos nem puerilidades: tudo serve, tudo se aproveita» (1). Do exposto já os leitores ajuizarão do acertado da resolução camarária; e porque o tempo urge entremos no assunto, visto os documentos falarem por si, deixando para o final deste trabalho uns pequenos traços biográficos dos membros do senado bragançano que a posteridade culta muito desejará conhecer para os honrar como merece louvável resolução. Baçal, Janeiro de 1910.

P.e Francisco Manuel Alves.

(1) CUNHA, Xavier da – A legislação tributária em benefício da Biblioteca Nacional de Lisboa, 1903, p. 9

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1.º BISPO DE MIRANDA Julho de 1545 a 9 de Maio de 1553 D. Toríbio Lopes – Esmoler da rainha D. Catarina, deão de sua capela. Morreu em Lisboa em 1553 aos 9 de Maio, pois era neste dia que na Sé de Miranda se celebrava o seu aniversário (1). Era natural de Candelario, lugar em terra de Bejar, Espanha, na diocese de Palencia, segundo traz Cardoso, ou de Barrios, junto a Buarcos, conforme os Estatutos (2), com o que concorda a legenda que está no seu retrato no Paço Episcopal de Bragança. Frei Fernando de Abreu, no seu Catálogo dos Bispos de Miranda, segue a opinião de Cardoso relativamente à naturalidade de D. Toríbio, bem como o Santuário Mariano, tomo V, pág. 547. Entre os castelhanos que de Espanha vieram com D. Catarina para Portugal, quando esta casou com o rei D. João III, foram, além de D. Toríbio e D. Julião de Alva, ambos bispos de Miranda, o padre Rodrigo Sanchez, ao qual também foi oferecido este bispado que não aceitou, mas apenas a pensão de duzentos cruzados nele (3). (1) CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano, ao dia 9 de Maio. Mas na Colecção das Obras Portuguesas do sábio bispo de Miranda e Leiria, D. António Pinheiro, tomo I, p. 113, diz-se que D. Toríbio Lopes assistiu à trasladação dos ossos do rei D. Manuel, sua mulher e de alguns filhos, para a igreja de Belém, em 1557, mandada fazer pelo rei D. João III, em cujas exéquias pregou o mesmo Pinheiro, no que padeceu engano. (2) Estatutos da Sé de Miranda do Douro, manuscrito existente no Paço Episcopal de Bragança, aos quais vem junto uma lista dos bispos da diocese. O cónego Manuel António Pires, no seu Opúsculo de Considerações Históricas, na parte referente aos bispos, guiou-se por esta lista. (3) CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano, ao dia 24 de Abril.

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Sendo por bula do Papa Paulo III, datada de 22 de Maio de 1545, criado o bispado de Miranda, foi nele provido D. Toríbio, que gozava de grande reputação na corte pelas suas letras e virtudes, do qual tomou posse, por procuração, a 14 de Julho do mesmo ano. A 4 de Novembro de 1545, por carta datada de Évora, concedeu-lhe o rei o título de nobreza com o seguinte escudo, esquartelado no primeiro quartel, em campo azul três estrelas de ouro em roquete; no segundo, em campo de prata, uma palmeira verde com frutos de ouro e assim os contrários; orla vermelha com esta letra de ouro: – Unam petii a Domino hanc requiram ut habitem in Domo Domini. O arquivista Pegado diz que o escudo difere muito desta descrição (4). A 18 de Novembro de 1545 foi-lhe passada carta de conselho. A 11 de Outubro de 1546, por carta dada em Santarém, organizou este bispo as dignidades que deviam constituir o cabido. «Aos 24 de Maio, diz Cardoso (5), se renova todos os annos a memória da dedicação da Sé de Miranda na qual lançou a primeira pedra (nesse dia em 1552 (6)) com grande solenidade e concurso de gente, o famoso doutor Gil do Prado, primeiro deão dela e catedrático de sexta na Universidade de Coimbra, consagrando-a ao mosteiro da Assunção de Nossa Senhora, por ausência do seu fundador» D. Toríbio Lopes. Parece, continua o mesmo Cardoso, que esta Sé não foi sagrada com os eclesiásticos rituais e cerimónias ordinárias das mais, pois não ficou gravada em pedra e consta somente da seguinte memória que anda no livro da criação da dita Sé, feito pelo bispo D. Julião de Alva, que diz: «A 24 dias de maio de 1552 se pôz a primeira pedra n’esta egreja. Em tal dia se celebrará em cada um anno, com festa duplex, por memoria.

(4) SANCHEZ DE BAENA – Arquivo Heráldico Genealógico, parte II, p. 98. RIBEIRO, João Pedro – Dissertações Chronologicas, «Dissertação III» , tomo I, p. 117. (5) CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano, ao dia 24 de Maio. (6) Frei Fernando de Abreu diz que o lançamento da primeira pedra foi no dia 8 de Janeiro de 1552 e o mesmo se encontra no Censual de todos os Beneficios do Bispado e na legenda do retrato do prelado na qual diz que tal acto tivera lugar sexcto idus januarii, que corresponde, como é sabido, a 8 de Janeiro. A Lista Manuscrita dos Bispos de Miranda, que tem o cónego da Sé de Bragança António José da Rocha, diz que a primeira pedra se lançou a 29 de Maio de 1552. Esta Lista é manuscrita numa folha de papel almaço. Eduardo Augusto Vaz de Quina, natural de Argozelo, tem umas Constituições desta diocese e nelas manuscrito um Catálogo dos Bispos de Miranda, de que nos enviou uma cópia o ilustrado prior da mesma freguesia, José Manuel Miranda Lopes, a quem reconhecido agradecemos este favor e vários outros do mesmo género; nele se lê que o lançamento da primeira pedra foi a 4 de Maio de 1552.

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E se tangerão todos os sinos, e haverá procissão ante-missa pela egreja, etc.». A rainha D. Catarina enriqueceu esta Sé com grande cópia de relíquias que neste tempo lhe vieram de Mogúncia, como consta do Breve do Cardeal Alberto passado a instância de Fernando, rei dos Romanos, in arce S. Martini civitatis Maguntiæ die 27 martii an 1545, que se conservava no arquivo da mesma. Eis a relação dessas relíquias, segundo Cardoso: «Uma mui preciosa do Santo Lenho em cruz de prata. Um osso de S. João Baptista. Uma correa de vara atamarada e pospontada de branco que dizem ser do apostolo S. Pedro. Dous ossos de S. Paulo. Uma reliquia de S. Lourenço. Uma cana de um braço de S. Braz e outra de S. Donato martyr. Á cabeça de S. Henrique martyr de que se reza duplex em seu dia. Meia de S. Sempronio. Um pedaço da de S. Lino, papa, outro da de S. Probo martyr. Ossos de S. Eustachio, S. Gregorio, Santo Athanazio e S. Spiridonio. Uma coifa bordada de aljofaz de que uzava Santa Maria Magdalena com um osso da mesma. Tres de Santa Catharina. Um de Santa Cecilia. Casco de Santa Agueda. Dente de Santa Barbora. Ossos de Santa Marinha, Santa Bazilia, Santo Abcela e das onze mil Virgens com outros de que se não sabem os nomes» (7). No Arquivo do Cabido de Bragança há uma colecção de bulas em pergaminho, formando volume, com capas de carneira roxa. A que vem sob o n.º 10 dessa colecção contém as indulgências que o Papa Paulo III, a instância do rei D. João III e para satisfazer a vontade da rainha D. Catarina, «quam singularem gerit devotioni effectum erga ecclesian Mirandensem», concedeu a todos os que, verdadeiramente penitentes, confessados e contritos, visitassem a dita igreja no 3.º domingo de Julho desde as primeiras vésperas até às segundas do dia seguinte e aí recitarem a oração dominical ou a saudação angélica, segundo a intenção da igreja. Estas

(7) CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano, ao dia 24 de Maio.

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indulgências são de sete anos e sete quarentenas e mais as que ganhariam se visitassem as Estações de Roma nos dias da Quaresma ou em todos aqueles que estas se podem lucrar. É datada do dia 17 das calendas de Junho de 1549. Há na mesma colecção, sob o n.º 11, outra bula, datada de 1581, na qual o Papa concede indulgência de altar privilegiado, aplicável às almas dos defuntos, ao da Senhora do Rosário da Sé de Miranda para todas as missas que nele se celebrarem. D. Toríbio dotou a sua Sé com alfaias de grande valor. «Na administração do seu ofício pastoral foi vigilantíssimo, a sua caridade, extrema, dispendendo com os pobres liberalmente a maior parte das suas rendas. Ninguém se chegava a ele, com necessidade que não fosse remediado, órfã que não dotasse, viúva que não amparasse. No serviço da igreja era incansável, acudia a todos os ministérios eclesiásticos como qualquer pároco. Administrava os Sacramentos aos sãos e enfermos e pregava cada dia ao povo a doutrina Evangélica, revestida de suas muitas letras, autorizada de Santos Padres e passos da Escritura Sagrada, em que era muito versado. Obra sua (entre outras magníficas, em utilidade da república) é a famosa calçada que vai da cidade até à barca do Douro, em que dispendeu considerável fazenda» (8). «Varão Santo, douto e exemplar» lhe chama o Santuário Marianno. Morreu em Lisboa e ali jaz, segundo Cardoso e o Censual de todos os Benefícios do Bispado; mas os Estatutos da Sé de Miranda, já noutra parte citados, e a legenda do seu retrato, dando-o como morto em Lisboa, dizem que veio a enterrar a Miranda. Legou à sua Sé considerável fazenda com obrigação de sufrágios por sua alma no aniversário de seu falecimento. (8) CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano, ao dia 9 de Maio. Sobre este bispo ver também ABREU, Fernando de, Frei – Catálogo dos Bispos de Miranda, in «Colecção das Memórias da Academia Real de História», 1721, tomo 1. VASCONCELOS, José Leite de – Estudos de Filologia Mirandesa, vol. 1. Frei Fernando de Abreu, que tinha incumbência por conta da Academia Real da História, de escrever, a dos Bispos de Miranda, pouca atenção prestou a isso. Na citada colecção esboçou o catálogo dos prelados até D. João de Sousa Carvalho, tendo tido todo o cuidado em nos indicar os nomes dos primogénitos, donde deduz a nobreza dos nossos bispos, filhos segundos. Na conferência da mesma Academia, em 28 de Agosto de 1721, que vem na mesma colecção diz: que nada fez ainda, que tem pedido informações, mas que ainda nada recebeu; e na de 20 de Novembro do mesmo ano, confia adiantar muito o seu serviço dos apontamentos que lhe fornecerá o sargento-mor de Bragança (sic) José Cardoso Lopes, homem muito ilustrado.

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Foi também D. Toríbio Lopes quem fez composição com os povos de Bragança sobre o pagamento do voto de Santiago, como consta do alvará régio de 15 de Maio de 1549, que adiante damos por cópia. O retrato deste bispo e sucessores até D. José Maria de Santa Ana Noronha inclusive, menos o de D. Manuel Pereira de Vasconcelos, encontra-se, a óleo em tela, no Paço Episcopal de Bragança e nela a legenda: D. Turibius Lopes oriundos / de Barrios prope Buarcos ob pre / claras virtutes primus Episcupus / electus est ad hanc diœcesin / instituendam ac instruendam / que a primaciali Bracharensi / segregata fuit regnante in Ec / clesia Pauli III et in Lusitania Jo / anne III primum lapidem in / istam cathedralem Ecc.am jecit / sexto idus januarii anno / Domini M.D.LII obiit / Olyssipone ibique jacet sepultus.

2.º BISPO DE MIRANDA 23 de Janeiro de 1555 a 13 de Agosto de 1559 D. Rodrigo de CarvaIho ou Rui Lopes de Carvalho (como aponta a Chorographia do Padre António Carvalho da Costa e Viterbo (9)) – Doutor em ambos os direitos com fama de grande jurisconsulto, cónego de Évora e na mesma cidade inquisidor, passando depois ao conselho geral da Inquisição. Natural de Lamego, morreu em Bornes, concelho de Macedo de Cavaleiros, a 13 de Agosto de 1559, sendo o seu cadáver transportado para Coimbra. Era irmão de D. Henrique de Carvalho, comendatário de Refojos de Basto, e de Sebastião de Carvalho, cónego de Évora, todos filhos de Martim de Carvalho Rebelo, fidalgo e contador da Fazenda Real na comarca de Lamego, da nobre família dos Rebelos deste reino, e de sua mulher D. Inês Borges, filha de D. Diogo Borges, que também foi comendatário de Refojos de Basto (10). Simões de Castro (11) diz que foi este o primeiro bispo de Miranda, no que se enganou, como vimos, pois é o segundo. Também em algumas Constituições do Bispado de Miranda, de D. Julião de Alva, se encontra (9) VITERBO – Elucidário, artigo «Conde Palatino». (10) ABREU, Fernando de, Frei – Catálogo dos Bispos de Miranda. (11) CASTRO, Augusto Mendes Simões de – Guia Histórico do Viajante em Coimbra, 2.ª edição, 1880, p. 115.

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manuscrita uma lista dos seus bispos, mencionando-se como segundo nesta dignidade um tal D. Eusébio que nos parece nunca ter existido, apesar de que Sepúlveda (12) deve ter contado com o seu pontificado para chamar a D. António Pinheiro o quinto bispo de Miranda, quando na verdade é o quarto, excluído o apócrifo Eusébio. D. Rodrigo da Cunha (13) não o nomeia por bispo de Miranda, e igual opinião seguiu Cardoso, ao dia 13 de Fevereiro, que depois reformou no tomo III do seu Agiologio. A lista dos Bispos de Miranda, do Santuário Mariano, tomo V, pág. 546, também não aponta Eusébio. Foi abade das igrejas de Santa Maria de Lijó e S. Pedro de Goães, no arcebispado de Braga, por apresentação do rei D. João III; cónego de Évora, feito pelo cardeal infante D. Afonso, que muito o estimava, chegando a nomeá-lo seu desembargador; foi um dos quatro conselheiros ou deputados que elegeu em 1536 D. Diogo da Silva, primeiro inquisidor geral de Portugal, para despachar os negócios do Santo Ofício e depois inquisidor em Coimbra e bispo de Miranda. Em 1546, segundo diz Silvestre Ribeiro (14), ou 1543 como aponta Fernandes Tomás (15), fundou o doutor Rui Lopes de Carvalho, com autorização régia e pontifícia, pelo que é digno de perdurável memória, na Universidade de Coimbra o Colégio dos Clérigos Pobres, também conhecido por Colégio de S. Pedro, ao qual deu Estatutos por onde devia reger-se, em 1551, à imitação dos colégios de Salamanca, não sendo ainda bispo de Miranda, ao contrário do que afirma Silva Leal (16), anexando-lhe para custeamento das despesas as igrejas de Santa Maria de Lijó e S. Pedro de Goães, em que era abade, autorizado por diploma do núncio e legado a letere em Portugal, Luís Lipomano, de 1 de Agosto de 1545, confirmado em 1549 pelo Papa e permissão régia, a cujo padroado as igrejas pertenciam. (12) SEPÚLVEDA, Francisco Xavier Gomes de – Novena da Santa Natividade da Virgem Maria Senhora Nossa, p. 11. (13) CUNHA, Rodrigo da – História eclesiástica dos Arcebispos de Braga. (14) RIBEIRO, Silvestre – História dos Estabelecimentos Literários, Científicos e Artísticos de Portugal, vol. 1, p. 123, onde podem ver-se as condições do funcionamento deste colégio. SANTA MARIA, Francisco de, Frei – Ano Histórico, vol. II, p. 506. (15) TOMÁS, Aníbal Fernandes – Os Ex-libris Ornamentais Portugueses. Porto, 1905, p. 60. (16) LEAL, Manuel Pereira da Silva – Discurso Apologético, Crítico e Histórico a respeito do Pontifício Colégio de S. Pedro. Portugal – Dicionário histórico, artigo «Lopes de Carvalho», onde coloca a fundação do colégio em 1540; ali insere a biografia deste bispo. É também este o ano que dá para a fundação do colégio a História Eclesiástica de Lamego, p. 243, onde se encontram algumas notas biográficas referentes a este bispo.

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Os Estatutos dados pelo bispo fundador ficaram manuscritos e vigoraram até ao ano de 1600. Mais tarde, o rei D. Sebastião, sendo reitor da Universidade D. Jerónimo de Menezes, bispo do Porto, obteve do Papa Pio V, por bula de 1571, que este colégio se reformasse no sentido de nele serem admitidas pessoas eclesiásticas ou seculares para o estudo da teologia, direito civil e canónico. Posteriormente ainda sofreu novas reformas. Este colégio, a que o seu benemérito fundador fez doação também de muitos dos seus bens patrimoniais, foi um dos mais célebres não só de Portugal, mas também do orbe católico (17). O Portugal – Dicionário Histórico, artigo «Coimbra» (conventos de), diz que este bispo também fundou o de S. Francisco, para terceiros franciscanos, por outro nome chamado de S. Boaventura e vulgarmente dos Venturas, na rua Larga, que depois serviu para casa de retenção dos académicos e posteriormente para escola de instrução primária. O túmulo deste bispo, diz Simões de Castro, que era lavrado de vistosos ornatos, estava na igreja do Colégio, sita na rua de Santa Sofia. Em 1860, por ocasião de ser profanada esta igreja e convertida em teatro, foi retirado com intuito de ser depositado no Museu dos Arquitectos em Lisboa, mas a Câmara Municipal de Coimbra pôde conseguir que fosse para o Claustro do Mosteiro de Santa Cruz da mesma cidade, onde actualmente se encontra. Contém a seguinte legenda: Hic jacet Dominus / Rodericus de Car / valho, Episcop. Oli / Mirandensis. Hujus / Collegi fundator / obiit in episcupatu / 13.º die mensis augusti / anno Dñi. 1559. cujus ossa / in hoc collegium / deducta fuere die / 20 octobris anno Dñi... (18) O doutor Rui Lopes de Carvalho teve o título de conde Palatino, que em Portugal, nos séculos XIV e XV, se dava aos lentes jubilados (19). Azevedo (20) diz que Rui Lopes de Carvalho teve a nomeação de cónego de Évora em 1557, no que padeceu evidente engano, segundo se vê pela bula do seu provimento no bispado de Miranda, de Júlio III, de 23 de (17) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Lamego». (18) CASTRO, Augusto Mendes Simões de – Guia Histórico do Viajante em Coimbra. O autor do Ano Histórico também refere a morte deste bispo como sucedida em 1559. (19) VITERBO – Elucidário, artigo «Conde Palatino». A propósito deste bispo ver também Évora Gloriosa, tomo I, p. 330. (20) AZEVEDO, Joaquim de – História Eclesiástica da Cidade e Bispado de Lamego, 1877, p. 243.

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Janeiro de 1555, que se encontra no Maço 30 de Bullas n.º 17, no Arquivo do Tombo. A tela que contém o seu retrato no Paço Episcopal de Bragança aponta esta legenda: D. Rodericus de Carvalho / natus Lameci obiit in loco de / Bornes hujus Diocesis Miran / densis unde fuit translatus / Collimbriam, ubi edificaverat / collegium Divi Petri.

3.º BISPO DE MIRANDA 1560 a 1564 D. Julião de Alva – Foi confessor e esmoler da rainha D. Catarina, mulher do rei D. João III, capelão-mor do rei D. Sebastião e já anteriormente de D. João III. Era natural de Madrigal (21), ou Madrigalejo (22), ou Madrid (23), onde nasceu de família humilde. Morreu em Vila Franca de Lampaças, bispado de Bragança, segundo Pires, e ali jaz sepultado (24), ou em Vila Franca, do bispado da Guarda (25), a 13 de Fevereiro de 1570, ordenando que o seu cadáver fosse a enterrar à Sé de Portalegre, na capela-mor, à qual deixou vários ornamentos, peças de grande valor e muita fazenda, para sufrágios de sua alma. Efectivamente, o Agiologio Lusitano diz que está sepultado na Sé de Portalegre. Frei Fernando de Abreu diz que faleceu em Lisboa, indo depois a sepultar a Portalegre. A esta opinião nos acostamos, ainda que o Portugal – Dicionário Histórico o dê como falecido em Miranda. O Censual diz que morreu em «Villa Franca de Lampaças, deste bispado, e ali foi sepultado, porém, não se acha ali vestígio algum de sua sepultura, talvez seria seu corpo trasladado dali para a Sé de Miranda ou para outra parte».

(21) PIRES, Manuel António – Opúsculo de Considerações Históricas sobre a Edificação da Catedral de Bragança, p. 22, e também o Censual de todos os benefícios do Bispado de Miranda. (22) CUNHA, Rodrigo da – Catálogo e História dos Bispos do Porto, parte II, p. 364. É a indicada por este escritor a verdadeira terra da naturalidade do bispo. (23) Portugal – Dicionário histórico, artigo «Alva». (24) PIRES, Manuel António – Opúsculo…, que segue, como já dissemos, o que se encontra, pelo que toca aos bispos, na lista junta aos Estatutos do Cabido; mas tratando da sua sepultura, estes dizem que não aparecem em Vila Franca vestígios dela, sendo provável que fosse transportado dali para Miranda ou para outra parte. (25) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Portalegre», p. 20 a 214.

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Foi comendatário do convento de Refojos, junto a Ponte de Lima, cuja dignidade renunciou em 1564 nas mãos do Papa Pio IV (26). D. Julião de Alva foi outro castelhano que veio para Portugal com a rainha D. Catarina, a quem foi muito aceite e do seu conselho, cargo que deixou de exercer durante a regência de D. Henrique. Era tal a consideração que aquela tinha pelo bispo, que ainda em 20 de Janeiro de 1559, quando governava já D. Sebastião, o inculcou ao neto para tal, o que porém não teve efeito (27). Sendo criada a Sé de Portalegre foi nela provido D. Julião de Alva, seu primeiro bispo, tomando posse a 16 de Junho de 1550. Erigiu a fundamentis a Sé deste novo bispado, «templo majestoso com uma soberba frontaria e doze óptimos altares», cuja primeira pedra foi lançada a 14 de Maio de 1556 (28). «Distribuía, diz Cardoso, por suas próprias mãos, aos pobres muitas esmolas, todos os dias mandava para isso coser muitos alqueires de pão e o distribuía e isto em público e muito mais em secreto a pessoas envergonhadas. E posto que não fosse letrado, estimava tanto as letras que nunca os doutos lhe saíam de casa, com eles comunicava» (29). Deu Constituições à sua Sé de Portalegre. Cardoso, Frei Fernando de Abreu e o autor do Portugal Antigo e Moderno (30) dizem que D. Julião foi transferido de Portalegre para bispo de Miranda em 1557, o que não tem fundamento algum, como já vimos, e além disso, Cardoso e o Portugal Antigo e Moderno parecem dar a perceber que essa transferência se seguira imediatamente à morte de D. Toríbio Lopes, o que é notável equívoco. A transferência foi em 1560. Os seguintes documentos esclarecem assuntos respeitantes ao provimento deste bispo: – Carta do rei de 16 ou 22 do Fevereiro de 1560 a Lourenço Pires de Távora, embaixador em Roma, para que peça a Sua Santidade que queira prover no bispado de Miranda o Bispo de Portalegre D. Julião de Alva (31). (26) CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano, ao dia 13 de Janeiro. (27) SILVA, Luís Augusto Rebelo da – História de Portugal nos séculos XVII e XVIII, livro IX, parte IX, cap. III, p. 396. (28) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Portalegre». (29) CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano, ao dia 13 do Fevereiro, e «Advertências necessárias», p. 18. (30) Lugares já citados. A mesma opinião segue o autor do Portugal – Dicionário histórico, Artigo «Alva». (31) CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano.

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– Carta do mesmo à rainha D. Catarina, de 22 de Março de 1560, participando-lhe que no Consistório realizado dali a três dias se proporiam os bispos de Miranda e Portalegre (32). – Carta do mesmo ao rei, de 16 de Maio de 1560, em que lhe envia a Bula do provimento de D. Julião de Alva (33), na Sé de Miranda. – Carta de D. Fernão Mascarenhas, de 22 de Janeiro de 1564… que o Bispo de Miranda deixara o bispado (34). A 11 de Novembro de 1563 convocou sínodo diocesano em Miranda e deu a esta diocese as Constituições por que ainda hoje se rege, pois as dadas por D. Fr. Aleixo de Miranda Henriques não foram ainda publicadas. Também deu ao cabido os Estatutos já mencionados, igualmente em vigor, e em Bragança fundou o Colégio de S. Pedro, do qual dizemos em lugar próprio. Em fins do ano de 1564 renunciou a esta diocese para servir no cargo de capelão-mor do rei D. Sebastião (35). O grande latinista e antiquário André de Resende, íntimo amigo do nosso bispo, dedicou-lhe uma ode (36), onde o classifica de vir clarissimus. Garibay diz que D. Julião de Alva foi mestre nas primeiras letras, latim e grego da princesa D. Maria, filha do rei D. Manuel e da rainha D. Leonor, sua terceira mulher, a qual se tornou distinta pela sua vasta ilustração, como referem Duarte Nunes de Leão e João de Barros, o que muito depõe a favor da competência do mestre. Outros, porém, não concordam em tal e dizem que a princesa fora educada cientificamente pela célebre Luísa Sigeia (37). Este bispo escreveu: Constituições Sinodais do Bispado de Miranda. Em Lisboa, em casa de Francisco Correia, impressor do Cardeal Infante. Anno 1565. Este título está dentro de uma portada em madeira, tendo no alto uma tarja com a inscrição Jesus e no centro um escudo com o cordeiro sustentando na

(32) Corpo Diplomático Português – Relações com a Cúria Romana, vol. VIII, fl. 367. (33) Ibidem, fl. 403. (34) Ibidem, fl. 424. (35) Ibidem, vol. X, fl. 161. (36) Vita Resendi in «De Antiquitatibus Lusitaniae caetera que historica quae extant opera». Conimbricensis Academiae, tomo I, p. XI. (37) RIBEIRO, Silvestre – História dos Estabelecimentos Científicos e Literários em Portugal, vol. I, p. 62 a 64.

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mão a haste da cruz. Fólio de 8 folhas inumeradas e 136 numeradas de frente contendo as Constituições em 37 títulos. O volume termina com a seguinte declaração: «Forão revistas pelo padre Frei Manuel da Veiga, Inquisitor dos Livros – Frey Manuel da Veiga». A Carta Pastoral do mesmo bispo, junta a estas Constituições, em que as manda executar, datada de 1563, deu talvez ocasião a supor-se que a edição seria desse ano. Também não existe a edição de 1562, em que fala António Ribeiro dos Santos (38). Estatutos da Sé de Miranda do Douro, fólio de 84 páginas numeradas só de frente. Por baixo do título, um brasão de armas feito à pena e no fim do volume uma Lista dos Bispos de Miranda com alguns dados biográficos. Vimos um exemplar destes Estatutos, que pertence ao Paço Episcopal de Bragança, o qual começa assim: «Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil e quinhentos sessenta e quatro, aos quinze dias do mez de abril, nesta cidade de Lisboa nas casas da morada do muito Illustrissimo e Reverendissimo Snr. D. Julião d’Alva, Bispo de Miranda, do conselho del Rey nosso Senhor e seu Capellão Mor, etc. estando hi presente eu notario apostolico abaixo nomeado por elle dito Senhor Bispo me foi dito que elle tinha feito e ordenado huns Estatutos per bom governo da sua Igreja Cathedral, e Cabbido de Miranda e o mesmo me deu hum Breve Apostolico sub annulo piscatoris escripto em pergaminho... pelo que sua Santidade lhe da faculdade para poder mudar ou alterar nelles o que lhe parecer... Segue o Breve que commeça: Pius Papa IV. Venerabilis Frater. Salutem. etc. Exponi feci nobis fraternitas tua... Foi dado em Roma aos 12 de janeiro de 1564 anno quinto do pontificado do mesmo Papa». No sepulcro deste bispo, que está na Sé de Portalegre, lê-se o seguinte epitáfio: «Aqui jaz D. Julião d’Alba primeiro Bispo d’esta cidade Capellão Mor D’el-rei D. Sebastião feitura da rainha, D. Catharina Sua avó Falleceu a 13 de fevereiro de 1570» (39). (38) SILVA, Inocêncio Francisco da – Dicionário Bibliográfico, tomo IX, Suplemento, artigo «Constituições Sinodais do bispado de Miranda», onde emenda o que escrevera no tomo II e dá notícia de três exemplares dessas Constituições existentes em Lisboa. (39) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Portalegre».

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Ordenou em testamento que toda a prata de sua casa, que era muita, se convertesse em moeda e fosse distribuída pelos pobres dos dois bispados em que pontificara (40). A vida deste bispo anda impressa no princípio das Constituições de Portalegre, feitas por D. Lopo de Sequeira, prelado da mesma diocese. Também dele faz menção Vaseo em duas partes da sua Crónica, cap. VI e XXI (41). Baena (42) diz que D. Julião era da fazenda dos Alva, que tem por armas o escudo de veiros de azul e prata, com um chefe de azul carregado com uma estrela de prata alusiva à estrela de alva. Ao tratar de D. João de Sousa Carvalho, a quem julgamos pertencer o brasão de armas que vem no princípio dos Estatutos da Sé de Miranda do Douro, faremos a sua descrição, pois é perfeitamente igual ao que há no frontispício do Paço Episcopal em Bragança. Na tela que contém o retrato deste prelado no Paço Episcopal de Bragança, vê-se esta legenda: D. Julianus Dalva ex oppido / de Madrigal in Hispania, Regioe Magestatis sacrificus maximus / in Eccl. Cathedrali hujus Dioecesis / primus synodum dioecesanam / celebravit XI novembris anno Do / mini M. D. LXIII Constituciones / que sancivit, obiit in oppido Villa Franca hujus dioe / cesis ibique jacet. 4.º BISPO DE MIRANDA Desde 16 de Janeiro de 1565 a 1579 (pelo menos) D. António Pinheiro – Lente de retórica no colégio de Santa Bárbara da Universidade de Paris, onde se doutorou, capelão-mor, pregador e mestre do príncipe D. João, filho de D. João III, cronista-mor do reino, guarda-mor do arquivo real da Torre do Tombo, visitador e reformador da Universidade de Coimbra, secretário de Estado, do conselho de Estado, desembargador da casa de Suplicação, deputado da Mesa da Consciência e bispo de Miranda e Leiria (43). Nasceu em Porto de Mós, distrito de Leiria, e morreu em Lisboa, dia 9 de Novembro de 1582 ou Janeiro de 1583. (40) CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano. (41) Ibidem, ao dia 13 de Fevereiro. (42) SANCHES DE BAENA – Arquivo Heráldico Genealógico. (43) SANTA MARIA, Francisco de – Ano Histórico, vol. III, p. 315. Estatutos da Sé de Miranda. BARBOSA – Biblioteca Lusitana, tomo I, p. 353.

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Inocêncio, no seu Diccionario Bibliographico, diz que «não foi ainda possível discriminar a época da sua morte, que deve ser de 1581 a 1583»; o autor do Ano Histórico assinala-lhe apenas o dia 9 de Novembro, sem indicar o ano, e o Portugal Antigo e Moderno, artigo «Porto de Mós», diz que teve lugar a 6 de Novembro de 1582 ou Janeiro de 1583. O Dicionário Popular, de Pinheiro Chagas, diz que morreu a 9 de Dezembro de 1582. O seu cadáver foi trasladado para a capela de S. Sebastião, por ele mandada edificar, na igreja de S. Pedro de Porto de Mós, onde jaz. O Catálogo que vem junto às Constituições, que tem o Quina de Argozelo, lembra que alguns o dão como natural de Vinhais. Era filho de Pedro Vaz do Couto e de Leonor Álvares Pinheiro, neto paterno de Brás Anes do Couto, e materno de Álvaro Fernandes Pinheiro, padroeiro da capela de S. Sebastião, onde o bispo foi sepultado. Teve por irmão Álvaro Fernandes Pinheiro, fidalgo da casa real, ascendente de Manuel António Pinheiro da Câmara, governador de Cabo Verde, Penamacor e Moura (44). Procedia dos Pinheiros de Aragão, que têm por armas: em campo de prata, cinco pinheiros da sua cor postos em santor; timbre, um dos pinheiros (45). D. Leonor Pinheiro, sobrinha deste bispo, por ser filha de seu irmão Álvaro Fernandes Pinheiro, casou em Vinhais com Duarte Ferreira de Morais, fidalgo da casa real, senhor do morgado de Tuizelo, instituído por Duarte Rodrigues de Morais e Catarina Gonçalves (46). Será da confusão desta notícia que provém o equívoco de assinar alguns Vinhais como berço de origem a D. António Pinheiro? Devemos advertir que em Tuizelo instituiu anos depois, 1690, um outro morgadio, o doutor André de Morais Sarmento. Inocêncio, já citado, diz que há dúvidas se D. António foi cronista-mor, cargo que Barbosa, na Biblioteca Lusitana, já citada, lhe atribui. Parece-nos que esta dúvida não tem razão de ser, porque, além de serem muitos e de peso os escritores que o dão como tal, Silvestre Ribeiro, que no assunto tem voto decisivo, diz-nos que Pinheiro foi nomeado cronista-mor do reino por D. João III, em carta de 16 de Julho de 1550, com o ordenado maior do que o dos seus antecessores, aumentado pelo mesmo monarca até 50$000 réis, mandando-lhe, além disso, abonar papel, pergaminho, tinta e 6$000 réis para um amanuense (47). (44) ABREU, Fernando de, Frei – Catálogo…. (45) SANCHES DE BAENA – Arquivo Heráldico Genealógico, parte II, p. 140. (46) BORGES – Descrição Topográfica… (47) RIBEIRO, Silvestre – História dos Estabelecimentos…, vol. VI, «Cronistas-móres», p. 299.

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Também em O Panorama (48) se encontra um artigo sobre Damião de Góis, que deixa ver em como o nosso bispo foi cronista-mor. Mas para que mais, se o próprio Góis (49) nos diz que Rui de Pina, cronista do reino, fora encarregado de escrever a crónica de D. Manuel e até – caso assombroso! – que o grande Afonso de Albuquerque lhe mandava anéis de pedras preciosas para que escrevesse de melhor vontade os seus feitos?! Morto Rui de Pina sem completar a crónica, sucedeu-lhe no ofício seu filho Fernão de Pina, que nada fez, e por culpas que cometeu foi privado do cargo e em seu lugar nomeado «António Pinheiro, que agora é bispo de Miranda» para escrever de novo a crónica de D. Manuel, mas escusou-se deste serviço, pelo que o rei D. João III o incumbiu a João de Barros. Fica, pois, bem líquido que D. António Pinheiro foi nomeado cronista-mor do reino. No artigo já citado de O Panorama, diz-se que Góis só foi nomeado cronista depois da morte de Pinheiro, quando este sobreviveu àquele sete ou oito anos, e num estudo sobre o nosso bispo, muito documentado, publicado na Revista Católica, de Viseu, nos números correspondentes a 7, 13 e 28 de Maio de 1892, se afirma que Pinheiro foi substituído no ofício de cronista por Fernão de Pina, quando é exactamente o contrário. «A 16 de Janeiro de 1565 (adiante veremos como erram os que o dão assumpto à Sé de Miranda em 1570), foi D. António Pinheiro, já então bispo de Miranda, nomeado visitador e reformador da Universidade de Coimbra em provisão do rei D. Sebastião. Deu princípio à sua comissão a 19 de Fevereiro seguinte, reunindo claustro pleno na capela da Universidade onde o bispo, sentado numa cadeira, recebeu num Missal em suas mãos o juramento dos lentes, segundo a fórmula tridentina; congraçou os doutores Morgovejo, lente de prima de cânones e Luís de Castro Pacheco, que o era de decreto, e deu novos estatutos à Universidade que os achou rigorosos e, por isso, pediu ao rei suspensão deles ao que este respondeu, em carta de 26 de Maio do mesmo ano, que declarassem em que eram rigorosos, e que entretanto os guardassem» (50). A estes Estatutos fez nova adição com autorização régia, em 1567, o reitor da Universidade Aires de Sá.

(48) O Panorama, (1837), p. 110. (49) GÓIS, Damião de – Crónica del-rei D. Manuel, parte IV, cap. XXXVII. (50) RIBEIRO, Silvestre – História dos Estabelecimentos Literários, Científicos e Artísticos de Portugal, vol. I, p. 455.

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O Catálogo dos Bispos de Miranda, tirado de várias memórias por V. J. A. F., manuscrito da Biblioteca Nacional de Lisboa, diz que D. António Pinheiro foi provido no bispado de Miranda em 1564 e transferido para Leiria em 1579. D. António Pinheiro foi um dos homens mais notáveis do seu tempo pelo brilhantismo do seu talento oratório, incansável e erudita actividade intelectual e preponderância política, infelizmente mal orientada. O autor da Biblioteca Lusitana classifica-o de «homem de muita virtude, de eminente habilidade, muita eloquência, douctíssimo e mui erudito nas letras humanas», de insigne orador latino, cuja eloquência arrebatava a atenção dos maiores oradores desta arte, sem ser menos feliz na portuguesa. Jorge Cardoso, em várias partes da sua obra, alude às brilhantes qualidades intelectuais do bispo Pinheiro (51). Faria exalta-lhe os predicados de tradutor, e Teles a muita virtude, eminência da grande habilidade, muita eloquência e conhecimento das letras divinas e humanas (52). O egrégio orador latino e português D. António Pinheiro, como lhe chama Francisco de Santa Maria (53), foi o maior pregador do seu tempo, era o orador da moda; o seu verbo eloquente, arrebatador, fazia-se ouvir sempre com admiração nas mais altas funções sagradas e políticas. Assim o vemos orar nas cortes de Almeirim, convocadas para o juramento do príncipe, filho do rei D. João II, que depois morreu da queda de um cavalo em Outubro de 1557, na trasladação dos ossos do rei D. Manuel e da rainha D. Maria; em 15 de Julho de 1574, na ocasião de se benzer a bandeira que levou D. António quando partiu para Tânger; em 11 de Janeiro de 1580 nas cortes de Almeirim, convocadas pelo cardeal-rei D. Henrique, onde pronunciou o discurso de abertura das mesmas (54) e o mesmo fez em 16 de Abril de 1581 nas de Tomar por ocasião do juramento de Filipe I (55). Camilo Castelo Branco (56) fala-nos num sermão audacioso do «grande orador e bispo António Pinheiro» pregado na presença do rei D. Sebas(51) CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano, ao dia 3 de Junho, e na prevenção «A quem ler» do tomo III. (52) FARIA, Manoel Severim de – Discursos da Língua Portuguesa. TELES, Baltazar – Crónica da Província de Portugal, parte II, livro VI, cap. XVIII. (53) SANTA MARIA, Francisco de, Frei – Ano Histórico, vol. III, p. 315. (54) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Almeirim». Colecção das Obras Portuguesas do sábio Bispo de Miranda e Leiria, D. António Pinheiro, tomo I, p. 121 a 129. (55) SILVA, Rebelo da – História de Portugal nos séculos XVII e XVIII, vol. I, p. 608 a 618. SOUSA, Luiz de, Frei – Vida de Frei Bartolomeu dos Mártires, livro IV, cap. XV. (56) CASTELO BRANCO, Camilo – D. Luís de Portugal (quadro histórico). Porto, 1883, p. 158.

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tião no qual, a propósito das pretensões deste em conquistar a África, lhe disse verdades amargas, discorrendo subtilmente sobre o texto: – Adolescens, tibidico, surge! – que é como quem diz: «Mancebo, a África será a tua desgraça se a não evitas, por isso levanta-te e vai para tua casa». Nestes discursos e muitos outros que pronunciou, o verbo eloquente de Pinheiro «roubava suavemente a alma pelos ouvidos», como o autor do Agiologio Lusitano dizia, pois era o oráculo daquela idade no entender do mesmo Cardoso, o Cícero português, como lhe chama Faria e Sousa (57). Coelho da Rocha (58) conta-o entre os oradores e literatos mais distintos do século XVI. D. Rodrigo da Cunha (59) diz que o sermão epigramático sobre o texto – Adolescens, tibidico, surge! – foi pregado em África na primeira expedição que D. Sebastião ali fez e que este, percebendo perfeitamente o picante da alusão, mostrara ao bispo o seu despeito, o qual, num momento de arrebatamento, vendo-se caído em desagrado, renunciou ao bispado de Miranda, e sendo-lhe aceite foi nomeado, para esta Sé, Frei Marcos, depois bispo do Porto, mas, reconsiderando Pinheiro e reclamando a renúncia, ficou aquela nomeação sem efeito (60). Ignoramos a data precisa em que D. António Pinheiro foi nomeado bispo de Miranda. Soares Barbosa, na Biblioteca Lusitana, diz que foi em 1570, guiado talvez por ser este o ano em que faleceu o seu antecessor, mas este, como dissemos, resignara a mitra anos antes de morrer. Os Retratos e Elogios de Varões e Donas que ilustraram a nação portuguesa, emendando a data assinada por Barbosa, dão-no como assumpto à Sé de Miranda em 1564; igual ano lhe assina o Dicionário Popular, de Pinheiro Chagas. De resto, a opinião de Barbosa não pode aceitar-se, pois já Silvestre Ribeiro nos disse atrás que a 10 de Janeiro de 1565, por ocasião de ser nomeado visitador e reformador da Universidade de Coimbra, era bispo de Miranda, sendo portanto este o elemento mais antigo que temos para restabelecer a data do seu ingresso nesta Sé.

(57) SOUSA, Manuel de Faria e – Comentários de Camões, Canto V, estância 33. CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano, «Prefácio» do tomo III. (58) ROCHA, Coelho da – Ensaio sobre a história do governo e da legislação de Portugal, 5.ª edição, 1872, § 213. (59) CUNHA, Rodrigo da – Catálogo e História dos Bispos do Porto, parte II, p. 336. MORERI, Luiz – El Gran Diccionario, artigo «Pinheiro» (D. António). (60) Sobre o nomeado Frei Marcos, vide Portugal – Dicionário histórico, artigo «Lisboa», no seu nome.

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As seguintes notícias, além de provarem o que levamos dito, mostram a acção episcopal do prelado: A 25 de Janeiro de 1566, emprazou D. António Pinheiro, estando em Miranda, ao licenciado Cristóvão Pires de Bragança várias propriedades pertencentes à igreja de S. João Baptista, desta cidade (61). A 6 de Abril do mesmo ano, sábado de Ramos, sagrou o altar-mor da Sé de Miranda, e no ano seguinte visitou o santuário da Senhora da Serra, no termo de Rebordãos, concelho de Bragança (62). A 23 de Julho de 1506, convocou o arcebispo de Braga D. Frei Bartolomeu dos Mártires concílio provincial, o 4.º desta Sé, e na carta convocatória já se menciona entre os bispos comprovinciais a D. António Pinheiro como prelado de Miranda, que assistiu a ele nas sessões de 16, 20 e 25 de Março de 1567. Este concílio, que corre impresso e do qual possuímos um exemplar da 2.ª edição, de onde extraímos estas notícias, não foi completamente aprovado em Roma que mandou fazer algumas correcções em suas determinações. A carta convocatória indicava o dia 8 de Setembro como destinado para a primeira sessão, mas D. António Pinheiro não assistiu a ela, ao contrário do que erradamente afirma o Ano Histórico (63). A 8 de Dezembro de 1569, benzeu e consagrou o terreno para a construção do mosteiro de Santa Clara em Bragança (64); depois, em provisão de 3 de Novembro de 1571, declarou padroeira do convento a Câmara Municipal da cidade (65). É, pois, evidente que já antes de 1570 era bispo de Miranda. Em 1579, foi transferido para o bispado de Leiria (66). Ainda quando bispo de Miranda fundou a Misericórdia de Algoso, concelho de Vimioso (67).

(61) Tabua Velha da Egreja de S. João, fl. 21 e seguintes. (62) SEPÚLVEDA, Francisco Xavier Gomes de – Novena da Santa Natividade da Virgem Maria Nossa Senhora, p. 11. Lista do cónego Rocha. (63) SANTA MARIA, Francisco de, Frei – Ano Histórico, vol. III, p. 35. (64) Documento n.º 100-A. (65) Documento n.º 96. São notáveis estes documentos por várias razões; mostram o que noutra parte afirmamos relativamente a ser este bispo cronista do reino, pois sendo feitos no tempo em que ele vivia, ambos lhe dão este título. (66) BARBOSA, Soares – Biblioteca Lusitana. FIGUEIREDO, Pedro José de – Retratos e Elogios. CHAGAS, Pinheiro – Dicionário Popular. (67) LEAL , Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Algozo».

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Bento José de Sousa Farinha, professor régio de filosofia e sócio da Academia das Ciências de Lisboa, publicou parte das obras de D. António, debaixo do título Colleçam das obras portuguezas do sabio bispo de Miranda e de Leiria D. Antonio Pinheyro pregador do senhor Rey D. Joam III e mestre do principe. Lisboa, na oficina de Filipe da Silva e Azevedo. Dois tomos em 8.º, 1784-1785, de 255-174 páginas com quatro de «Prólogo», no I volume inumeradas, e duas de índice. O II volume é impresso na oficina de José da Silva Nazareth. Os títulos das obras compreendidas nesta colecção são: – Summario da pregaçam funebre que o doutor Antonio Pinheiro pregador del-Rey N. S. fez por seu mandado no dia da trasladação dos ossos dos muito altos e muito poderosos princepes el-rey D. Manuel seu pai, e a rainha Dona Maria sua may de louvada memoria derigido aa muito alta e muito poderosa rainha D. Caterina N. S. Abrange noventa e sete páginas. – Trasladaçam dos ossos dos muyto altos e muyto poderosos el rey D. Manuel e a rainha Dona Maria de louvada Memoria feita por o muito alto e muito poderoso rei, Dom Joam o III deste nome seu filho, Nosso senhor. Compreende trinta páginas. É uma notícia histórica dos factos referentes a esta trasladação. – Pregaçam feita na Igreja de Bellem em XV de julho de 1574 na ocasião de se benzer a bandeira que levou o senhor D. Antonio quando partio pera Tangere. Compreende vinte e cinco páginas. – Oraçam dita no Capitulo Geral da Ordem de Christo que el rei, D. Sebastiam fez celebrar em Santarem a VIII de dezembro de 1573. Tem quatorze páginas. – Oraçam pera o juramento do muyto alto e muito excellente princepe D. Joam pay del rey Dom Sebastiam nosso Senhor. Contém sete páginas. – Reposta do procurador de Lixboa leterado que foy o doctor Lopo Vaz a qual per mandado del rei Dom Joam o III lhe fez o doctor Antonio Pinheiro pera elle a dizer. Contém três páginas. – Practica na aclamaçam do senhor rey Dom Sebastiam. Contém duas páginas. – Oraçam na salla dos Paços da Ribeyra, nas primeyras cortes que fez o muyto alto e muyto poderozo rey D. Sebastiam nosso senhor governando seus regnos e senhorios a muyto alta e muyto poderosa raynha Dona Caterina sua avo nossa senhora. Contém quatorze páginas. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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– Falla que fez á raynha D. Caterina em nome do povo de Lisboa para que nam largasse a regencia do reyno no anno de 1561. Contém quatro páginas. – Falla nas cortes del rey D. Henrique em Almeyrim a 11 de janeiro de 1580. Contém quatro páginas. – Falla no acto do alevantamento de S. Magestade nas cortes de Thomar em 16 de abril de 1581. Contém quatro páginas. – Falla no auto das cortes que S. Magestade celebrou em Thomar em 20 de abril de 1581. Contém três páginas. – Falla no auto do juramento do principe D. Diogo nas mesmas cortes em 23 de abril de 1581. Contém cinco páginas. – Carta de M. Tullio a Q. Cicero seu irmam tirada do latim em linguagem. Contém trinta e oito páginas. Tudo isto vem no primeiro e segundo volumes. – Trelladaçam do panigirico de Plinio o mais moço ditto no Senado em louvor de Trajano: em nossa vulgar linguagem: dirigido ao mui alto, e mui poderoso rei D. Joam o terceiro nosso senhor. Além destes escritos, o Summario da Biblioteca Lusitana menciona mais os seguintes, alguns deles impressos e outros manuscritos: – Traduziu em português a oração de Cornejo, no concílio de Trento. – Tratado da eloquencia da lingua portugueza. – Sermões varios (um volume). – Advertencias das cousas antigas de Portugal. – Oração do capitulo de Aviz, outra do Capitulo da Ordem de S. Thiago e outra do da Ordem de Cristo. – Carta a Frei Agustinho prior de Thomar. – Parecer acerca do uso da astrologia. – Pratica consolatoria que fez a el-rei D. João III. – Resposta a uma carta satyrica que se lhe fez. – Commentarios e annotações a Marco Fabio Quintiliano. Veneza, 1567. Paris, 1569. – Tractatus in Psalmos David. – Uma carta latina a Cabedo. Anda nas obras de Miguel de Cabedo. Roma, 1597, in 8.º. – Um epigramma latino a Pedro Nunes. Anda no tratado de Crepusculis. Conimbricae, 1571. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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– Epitaphio latino de Fr. Thomaz da Costa. Anda na história de S. Domingos, parte II, livro VI. – Várias cartas manuscritas. – Oração Obedencial ao Papa Paulo IV. Jorge Cardoso (68) menciona uma carta do próprio punho do rei D. João III, de 5 de Agosto de 1556, para D. António Pinheiro, a quem dá o título de bispo (mais uma prova de que já o era antes de 1570, em que a Biblioteca Lusitana dá assumpto à Sé de Miranda), na qual lhe incumbe que, investigando os cartórios e documentos concernentes, organize sumários das vidas dos santos de Portugal e colónias para serem incorporados na obra que sobre esse assunto andava escrevendo o alemão padre Lourenço Surio, que para Portugal pedia tais notícias. A parte notável que este bispo teve na entrega de Portugal a Espanha, consta do Livro IV da Embaixada sobre a sucessão do Reino de Portugal, desde o primeiro de fevereiro de 1580, até que S. Majestade entrou n’este reino, que está na Biblioteca Real de Madrid, estante n.º 60, onde Ferreira Gordo (69) o viu quando lá foi comissionado pela Academia Real das Ciências. É um fólio de mil e quarenta páginas, que compreende as seguintes negociações de Filipe II para adquirir Portugal: I – Cartas deste rei para D. Cristóvão de Moura, embaixador ordinário em Portugal; II – Cartas do duque de Ossuna, Rodrigo Vasques e Luís Molina, que estavam também naquele reino com o carácter de embaixadores extraordinários, para solicitarem e defenderem as pretensões de Filipe II; III – Cartas e instrusões de D. António Pinheiro, bispo de Leiria, que na contenda da sucessão foi um que por seus ofícios, pareceres e autoridade, concorreu mais que ninguém para sujeitar Portugal ao castelhano. Sobre esta perniciosa influência de D. António, veja-se Luís Augusto Rebelo da Silva, História de Portugal nos séculos XVII e XVIII, «Introdução», vol. I, pág. 483, 504, 511, 521, 535, e parte II, pág. 233, 375 e 419; idem, livro I, parte I, cap. I, pág. 11, onde, ao passo que o apresenta como

(68) CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano, na prevenção, «A quem ler», do tomo III, onde talvez por erro tipográfico se lê 1556 em vez de 1565. (69) GORDO, Joaquim José Ferreira – Apontamento, para a Historia civil e litteraria de Portugal e seus dominios, colligidos dos manuscriptos assim nacionaes como estrangeiros, que existem na Bibliotheca Real de Madrid, na do Escurial… In «Memórias de Literatura Portuguesa», tomo III.

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«dotado de prompto engenho, de grande lucidez nos argumentos, de muita subtileza e firmeza de indole», lhe admira os «escritos concebidos com incrivel rapidez, allumiados pela viveza» do seu génio. Neste particular chegou a tal ponto a sua importância que o sombrio diabo do Meio-Dia «pouco inclinado a sahir da serenidade glacial, que era o toque peculiar da sua physionomia... exaltando o engenho e agudeza do prelado, parecia não achar palavras sufficientes para manifestar o seu reconhecimento», e por isso dizia em carta de 9 de Abril de 1580 para D. Cristóvão de Moura: «Quiero que le digaes, ao bispo, que estoy en estremo satisfecho de su persona y modo de proceder, y le prometais y assegureis de mi parte que le haré la merced que merece; y asi se os parecere que aora de presente se le deve dar algo, será bien que me lo aviseis, que de muy buena gana mandaré que se haga». Vejam-se ainda sobre o assunto os Documentos, Memorias e Correspondencias, manuscrito da Academia Real das Ciências de Lisboa. Esta desgraçada aberração não deve causar estranheza se atendermos que era a ideia dominante de então em todos os espíritos e poucos, muito poucos, tiveram a rara coragem de imitar o proceder digno e patriótico do bispo da Guarda e do conde de Vimioso (70), que por isso foram excluídos da amnistia geral que Filipe II concedeu aos crimes políticos ao tomar conta de Portugal. Como lenitivo a tanta miséria, sirva-nos ao menos de consolo o saber que sem o auxílio do clero a aclamação de 1640, resgate desta débâcle, não se teria dado (71) e que os padres Nicolau da Maia, Bernardo da Costa, conhecido pelo nome de clérigo da Azambuja, e o jesuíta Luís Álvares resgataram nobremente por seu heróico proceder as fraquezas do clero de 1580, de resto comuns a todas as classes sociais. D. Miguel de Portugal, dos condes de Vimioso, bispo de Lamego e enviado de Portugal a Roma, rompendo sanhudo nas ruas da cidade sobre os castelhanos, que pretendiam afrontá-lo, vale uma epopeia. A História de Portugal, popular e illustrada, de Pinheiro Chagas, traz uma linda gravura representando o bispo irado, despedindo chispas dos olhos, de barrete na nuca e mãos crispadas sobre um bacamarte. É soberbo e consola a alma de todo o bom patriota (72)! (70) A sua Declaração está na Biblioteca de Madrid, estante E, n.º 76. (71) MENESES, Luís de – História de Portugal Restaurado, parte I, livro II, p. 102 e livro III, p. 181. SILVA, Rebelo da – História de Portugal, livro III, parte III, cap. III, p. 387 a 440; livro IV, parte IV, cap. IV, p. 114, 158 a 640; livro V, parte I, cap. III, p. 266 e livro IX, parte IX, cap. I, p. 308. (72) MENESES, Luís de – Portugal Restaurado, parte I, livro III, p. 174. SILVA, Rebelo da – Historia de Portugal, livro V, parte V, cap. IV, p. 311. CHAGAS, Pinheiro – História de Portugal, tomo V,

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Pinheiro foi um dos juízes que assinaram a sentença da anulação da legitimidade de D. António, Prior do Crato. O seu retrato, acompanhado de notas biográficas, encontra-se nos Retratos e elogios de varões e donas que illustraram a nação portugueza, donde ultimamente o copiou a Historia de Portugal, de Pinheiro Chagas, tomo IV, pág. 620. A legenda do retrato, em tela, no Paço Episcopal de Bragança, é como segue: D. Antonius Pinheiro natus iu oppido / Porto de Moz scienciarum cau / sa abiit Flandriam indeque Parisios, / ubi docuit humanas litteras in Colle / gio Divae Barbarae cujus erat alumn / us, unde rediit magister electus princip / is Joannis III, cujus orator fuit pos / teaque senator supelicacionis sena / tus que Conscienciae archivi regalis / maximus custos, ac inquisitor Col / limbriae, a secretis regioe magestatis, et consilus, universitatis Conimbri / censis reformator, obiit Ulyssipo / ne indoeque fuit ejus / corpus translatum / ad natale / solum. Ainda relativamente a este bispo encontrámos no Arquivo do Cabido de Bragança, numa colecção de bulas em pergaminho, formando volume, com capas de carneira roxa, uma com o número 6, de Gregório XIII, datada do dia 5 das calendas de Setembro de 1572, cuja sua «petitionem continebat quodum juxta consuetudinem in Mirandensem et ceteris Regni Portugallie ecclesiis observatum nonnullis anni fertilitatibus canonici semiprebendati nuncupati ejusdem eclesie Mirandensis in quo due demidie dumtaxat et alio numero viginti excedentes integre nuncupate prebende esse dignoscuntur divina officia celebrare seu aliis canonicis prebendatis nuncupatis ejusdem ecclesie Mirandensis et dignitates in illa obtinentens ministrare teneantur et debeant ac frequenter ipsi canonici prebendati celebrantibus aliis canonicis prebendatis in altari ministrare renuant seque excusent vel quando contingit oliquos canonicos a dicta ecclesia Mirandensis infirmitatis vel alia causa abesse ob ministrum defecti divina officia in illa minorique deceat et in partibus aliis fieri soleat solemniter peragatur». Por estas razões apresentadas pelo bispo D. António concedia o Papa que, das duas primeiras prebendas inteiras que vagassem (os rendimentos de cada uma das quais excediam então a duzentos ducados de oiro da câmara), se fizessem quatro meias prebendas para outros tantos meios prebendados.

p. 337. Também na p. 546 do tomo IV e 31 do tomo V, se alude à parte que este bispo teve na perda da nossa independência.

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5.º BISPO DE MIRANDA Entre 1579 e 16 de Abril de 1581 a 1592 [1] D. Jerónimo de Meneses – Doutor em teologia e reitor da Universidade de Coimbra, natural de Santarém. Filho de D. Henrique de Meneses, governador da Casa do Cível, e de D. Brites de Vilhena, filha de Rui Barreto, alcaide-mor de Faro; neto por seu pai de D. João de Meneses, conde de Tarouca e Prior do Crato. Faleceu em Lisboa a 12 de Dezembro de 1600 da peste que então grassava naquela cidade e foi depositado na capela-mor da igreja de S. Francisco de Lisboa, até que em 1605 o seu sucessor fez trasladar seus restos mortais para a capela de Nossa Senhora da Saúde, no Porto, onde jazem, e não em Lisboa, como diz Pires (73); mas a legenda do retrato diz que jaz em Santarém. Doutorou-se na Universidade de Coimbra a 21 de Outubro de 1570, assistindo pessoalmente a este acto o rei D. Sebastião (74). Ignoramos quando teve lugar a sua apresentação no bispado de Miranda, que devia efectuar-se entre 1579 (ano em que D. António Pinheiro foi transferido para Leiria) e 16 de Abril de 1581, onde já assistiu como nosso bispo às Cortes de Tomar, nas quais Filipe II de Espanha foi reconhecido como rei de Portugal. A 5 de Setembro de 1592 tomou posse do bispado do Porto em que fora apresentado e que se achava vago pela morte do bispo D. Frei Marcos, sucedida a 3 de Setembro de 1591. D. Rodrigo da Cunha (75) julga que o mosteiro de S. Bento de Bragança foi fundação deste bispo, para o qual trouxe do de Vairão, no bispado do Porto, pertencente à mesma ordem, religiosas de muita virtude. Ignoramos se efectivamente o prelado cooperou para a erecção deste convento que fundamentalmente lhe não pertence, como ao tratar dele mostramos; no entanto, pelo documento que damos noutro lugar (76), sabemos que D. Jerónimo de Meneses ofereceu, enquanto fosse bispo de Miranda, 50$000 réis para custeio das despesas das freiras de Santa Clara de Bra-

(73) PIRES, Manuel António – Opúsculo de Considerações Históricas. Portugal – Dicionário histórico, artigo «Menezes» (D. Jeronymo de) e o Censual de todos os beneficios. (74) Ibidem. (75) CUNHA, Rodrigo da – Catálogo e História dos Bispos do Porto, parte II, cap. XL, p. 342. (76) Ver o documento n.º 97.

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gança, em 1585, e se prontificou a mandar vir algumas religiosas para iniciarem nele a profissão da ordem. D. Rodrigo, já atrás citado, louvando a caridade deste prelado, diz que «nos annos de esterilidade soccorreu com notavel grandeza os necessitados». No Corpo Diplomático Português (77) encontra-se a bula Pastoralis officii, de 2 de Dezembro de 1579, concedendo à Inquisição a pensão de 400$000 réis sobre os frutos da mesa pontifical do bispado de Miranda, com certas cláusulas. Nas costas lê-se: «Intimei estas letras de S. Santidade ao muito Illustre Senhor D. Hieronimo, Bispo de Miranda, as quaes houve por intimadas e disse que as compriria assi e da maneira que se nellas contem e assinou em Santarem aos 28 dias de abril. – Hector Fernandes noitario apostolico e do Santo Officio o escrevi de MDLXXX. Hyeronimo de Menezes, Bispo de Miranda». A tela do seu retrato, que está no Paço Episcopal de Bragança, aponta a inscrição: D. Hieronimus de Mene / zes Scalabis natus, Rector in Universitate Collinbriensis Epis / copus Mirandensis postea Por / tucalensis, ubi natus ibi jacet / sepultus. O Santuário Mariano, tomo V, pág. 547, diz que fora primeiramente bispo do Porto, no que padeceu engano.

6.º BISPO DE MIRANDA D. Manuel de Seabra – Cónego doutoral na Sé do Porto, chantre e deão da capela real e bispo de Ceuta e Tânger, de onde foi promovido para Miranda. Era natural do Porto e morreu em Miranda, onde jaz; filho de Gonçalo de Seabra e quinto neto de Mem Rodrigues de Seabra, senhor de Montalegre e outras terras. Este prelado datou de Bragança, em 1595, a aprovação dos Estatutos da confraria de Santa Cruz de Sortes, concelho da mesma cidade (78). Paiva Manso (79) diz que era filho de Mem Rodrigues de Seabra, senhor de Montalegre, Feira de Santa Maria, Cubanhães, Comba e Barqueiros; que foi

(77) Vol. X, fl. 565. (78) PIRES, Manuel António – Lista dos Bispos de Miranda, in «Estatutos do Cabido de Miranda do Douro», e Opúsculo de Considerações Históricas, p. 23. (79) PAIVA MANSO, visconde de – História Eclesiástica Ultramarina, 1872, tomo I, p. 51.

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nomeado bispo de Ceuta e Tânger, em 1576, sendo o primeiro em quem se reuniram estas duas sés, até ali separadas, e que renunciou este bispado antes de Junho de 1583, pois a carta régia de 11 desse mês nomeia-o deão da capela Real. Em 1589 foi executor apostólico de uma bula de Sisto V relativa ao subsídio para resgate dos cativos na batalha de Alcácer Ceguer (80). Era filho de Francisco Seabra de Sousa e de D. Isabel de Figueiró, segundo o Códice n.º 49 da Biblioteca Nacional de Lisboa. O seu retrato, em tela, existente no Paço Episcopal de Bragança, aponta a seguinte legenda: D. Emmanuel de Sia / bra in Portugalensi civi / tate natus, et in hac Mirandensi sepultus. 7.º BISPO DE MIRANDA Desde 1599 a fins de 1608 (pelo menos) D. Diogo de Sousa – Natural de Braga. De bispo de Miranda passou a arcebispo de Évora, onde faleceu e está sepultado (81). Leite de Vasconcelos (82) dá-o «como merecedor dos seus cargos não só por suas virtudes, como por suas letras», baseando tal juízo na Evora Gloriosa (83). Parece que Frei Fernando de Abreu confundiu este bispo com outro seu homónimo que o foi do Porto, e depois arcebispo de Braga, onde morreu em 1532 (84), muito antes, portanto, de o nosso ser bispo e até nascido. Foi este bispo quem fundou o Seminário de S. José de Miranda no ano de 1600, destinando para as suas despesas o rendimento de colectas pecuniárias impostas em benefícios, fábricas e comendas da diocese, que tudo montava antes da extinção dos dízimos em 1195$348 réis (85). A este

(80) Ibidem. (81) PIRES, Manuel António – Lista dos Bispos de Miranda, in «Estatutos da Sé de Miranda», Opúsculo de Considerações Históricas, p. 23. (82) VASCONCELOS, José Leite de – Estudos de Filologia Mirandesa, vol. I, p. 135. (83) FONSECA, Francisco da; FIALHO, Manuel; – Évora Gloriosa. Roma, 1728, p. 306. (84) ABREU, Fernando de, Frei – Catálogo dos Bispos de Miranda. CUNHA, Rodrigo da – Catálogo e História dos Bispos do Porto, parte II, p. 270. (85) RIBEIRO, Silvestre – História dos Estabelecimentos Literários, Científicos e Artísticos de Portugal, vol. III, p. 63.

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Seminário de Miranda uniu também o de S. Pedro de Bragança (86) e deu Estatutos em 1599 à Colegiada de Santa Maria de Bragança. A 27 de Novembro de 1608 foi eleito arcebispo de Évora, tomando posse a 27 de Maio de 1610, e morreu a 30 de Dezembro do mesmo ano. Em Évora apenas se sabe que foi ele quem fez povoar de novo o conventinho de Valverde (87). Foi para felicitar este bispo, por ter sido elevado a arcebispo de Évora, que Manuel Severim de Faria veio a Miranda, escrevendo sobre o assunto um trabalho noticioso. O seu retrato, existente no Paço Episcopal de Bragança, tem na tela a legenda: D. Didacus de Sousa / Bracharae natus ad arc / hiepiscupatum Evoremsem / permutatus, ibi obiit, ibi, / que Jacet. 8.º BISPO DE MIRANDA 1609 a 1611 D. José de Melo – Natural de Évora, filho ilegítimo de D. Francisco de Melo, 1.º marquês de Ferreira e 3.º neto de D. Fernando, duque de Bragança. Foi criado na vila de Moura, usando do nome de José Pimenta enquanto não foi reconhecido como filho de quem era. Estudou latim e teologia em Évora, graduando-se depois em cânones na Universidade de Coimbra, como colegial do colégio de S. Pedro, e não no de Évora, como pretendem os autores da Evora Gloriosa (88). É certo, porém, que enquanto estudou em Évora gozou para sua côngrua sustentação de uma das vinte e seis capelas instituídas pelo cardeal D. Henrique, depois rei, para estudantes pobres. Concluída a formatura, passou logo à corte de Madrid, que então superintendia nos destinos de Portugal, e depois de gastar quatro anos em pretensões, foi nomeado agente daquela corte pela coroa de Portugal em Roma, onde chegou a 20 de Julho de 1604, fazendo a viagem por terra, caminho que igualmente seguiu quando regressou da capital do orbe católico, em princípios de Outubro de 1608. (86) Livro de Contas do Seminário de S. José de Miranda, manuscrito existente na Biblioteca do Seminário de Bragança, fl. 5. (87) FONSECA, Francisco da – Évora Gloriosa, p. 306. (88) SACRAMENTO, João do, Frei – Crónica de Carmelitas Descalços particular do reino de Portugal e província de S. Filipe, tomo II, livro V, cap. XIX, p. 362 e seguintes. LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Moura».

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Frei João do Sacramento (89) descreveu miudamente os negócios que D. José de Melo tratou nesta sua comissão. Transferido D. Diogo de Sousa para o arcebispado de Évora em 1609, foi logo D. José de Melo nomeado bispo de Miranda, sendo sagrado em Lisboa, e morrendo este a 30 de Dezembro de 1610, foi suceder-lhe na dignidade arquiepiscopal de Évora, tomando posse por procuração a 12 de Setembro de 1611 e fazendo ali depois, em 6 de Novembro do mesmo ano, sua entrada solene (90). A crónica que vamos seguindo, sendo tão minuciosa em particularidades da vida deste bispo de Miranda, nada lhe aponta feito em benefício desta Sé. «Foi um dos mais insignes pontifices que teve a egreja de Evora, zeloso do culto Divino, amante da justiça e da pobreza, generoso nas esmolas e magnifico nas fabricas» (91); fez grandes obras nos paços episcopais de Évora, onde ainda hoje na parte principal se vêem, em magníficos azulejos, as suas armas; mandou compor a casa do colégio de S. Marcos e fez imprimir de novo as constituições sinodais deste arcebispado. Morreu em Évora a 2 de Fevereiro de 1633 e está sepultado na capela-mor da igreja do convento dos Remédios desta cidade, de que era padroeiro, tendo na campa o seguinte epitáfio: Sepultura de D. Joseph de Mello, Filho do Marquez de Ferreira D. Francisco de Mello, primeiro deste nome, bispo de Miranda, arcebispo de Evora, fundador do padroado deste convento com seis missas quotidianas e tres officios cada anno por sua alma, de seus paes e irmaos, padroeiros successores e parentes. Falleceu a 2 de fevereiro de 1633 (92). No Paço Episcopal de Bragança conserva-se em tela o seu retrato e nela a legenda: D. Josephus de Mello Evorae ortus / ad Archiepiscupa / tum hujus civitatis / permutatus ibi obiit, / ibique jacet.

(89) Ibidem. (90) Ibidem. Portugal Antigo e Moderno, artigo «Moura». (91) FONSECA, Francisco da – Évora Gloriosa, p. 306. (92) SACRAMENTO – Crónica de Carmelitas descalços… O Dicionário Bibliográfico, tomo XIII, faz menção deste bispo, bem como o Portugal – Dicionário histórico, artigo «Mello» (D. José de).

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9.º BISPO DE MIRANDA 1611 a 10 de Janeiro de 1614 D. Jerónimo Teixeira Cabral – Natural de Lamego (93) e não de Évora como dizem alguns escritores (94); filho legítimo do desembargador Francisco Teixeira, cavaleiro da Ordem de S. Tiago e de sua mulher D. Brites Cabral (95). Frei Fernando de Abreu, já citado, diz que era irmão de D. Maria de Faria, mulher de Gonçalo Teixeira Pinto, governador da comarca de Lamego, e ambos filhos legítimos de Domingos de Almeida de Carvalho. Foi D. Jerónimo Teixeira Cabral, graduado em cânones, cónego doutoral de Lamego a 26 de Novembro de 1582, cónego em Lisboa e inquisidor em Évora a 11 de Agosto de 1593. A 1 de Novembro de 1598 (96) e não 1599 como traz a Lista dos Bispos de Miranda in Estatutos do Cabido, foi sagrado bispo de Angra do Heroísmo na igreja de S. Roque em Lisboa, de onde veio transferido para a Sé de Miranda em 1611, onde morreu e jaz sepultado, a 10 de Janeiro de 1614, estando já desde o ano anterior eleito para Lamego; porém, Azevedo (97) diz que faleceu em Madrid, onde fora agradecer ao rei o benefício da transferência. É, porém, menos exacto, pois o seu assento de óbito encontra-se no respectivo livro dos óbitos de Miranda do Douro, fl. 17 v., que o dá como falecido em Miranda a 10 de Janeiro de 1614 e natural de Lamego. O nome que lhe aponta é D. Jerónimo Teixeira Cabral. No Paço Episcopal de Bragança guarda-se em tela o seu retrato acompanhado da seguinte legenda: D. Hieronymus Ferreira (98); / Lameci ortus obiit / X januari anno Domi / ni M. D. C. XIV in hac civi / tate Mirandensi in Cathe / drali jacet sepultus.

(93) AZEVEDO, Joaquim de – História Eclesiástica da Cidade e Bispado de Lamego, 1877, p. 81. PIRES, Manuel António – Opúsculo…, p. 23. Lista dos Bispos de Miranda. CUNHA, Rodrigo da – Catálogo e História dos Bispos do Porto, parte II, cap. XL. História Eclesiástica dos Arcebispos de Braga, parte II, cap. LXXVIII. (94) FONSECA, Francisco da – Évora Gloriosa, «Epílogo» dos quatro tomos da Évora Ilustrada, vol. I, p. 330. (95) AZEVEDO, Joaquim de – História Eclesiástica do Bispado de Lamego, p. 81. (96) Ibidem. (97) Ibidem. Trata também deste bispo o Catálogo dos Bispos de Angra, por SOUSA, António Caetano de, in «Memórias da Academia», de 1722. (98) É a primeira vez que lhe encontramos este apelido, que igualmente lhe dá o Censual de todos os benefícios, manuscrito in-fólio existente na Câmara Eclesiástica de Bragança, o qual, desde fls. 339 até 365, contém a lista dos prelados da diocese, acompanhada de alguns dados biográficos.

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10.º BISPO DE MIRANDA 18 de Maio de 1615 a 28 de Março de 1617 D. João da Gama (todos os autores lhe dão este nome, porém o Opúsculo de Considerações Históricas e o Censual de todos os Benefícios do Bispado de Miranda chamam-lhe D. João da Gama Lopo) – Jesuíta, natural de Lisboa, esmoler-mor do rei Filipe II; filho de D. Vasco da Gama, 3.º conde da Vidigueira, e de D. Maria de Ataíde, filha de D. António de Ataíde, 1.º conde da Castanheira e irmão de D. Francisco da Gama, 4.º conde da Vidigueira e vice-rei da Índia. Foi prelado virtuosíssimo e morreu em Miranda a 28 de Março de 1617 (99). Por bula de Paulo V, de 18 de Maio de 1615, havia sido provido no bispado de Miranda (100). Fernandes Tomás (101) traz no seu trabalho uma gravura representando o ex-libris usado por este prelado, onde se vêem as suas armas, que descreve pela seguinte maneira: Escudo esquartelado e no centro, assentando sobre ele, o emblema dos jesuítas; no primeiro quartel, assentando sobre uma cruz, o escudo das armas de Portugal, sem a orla dos castelos; no segundo, quatro bandas; no terceiro, quatro faixas ondeadas e no quarto uma aspa e sobre ela cinco escudinhos com as quinas do reino. Orla com a seguinte letra: Mihi autem adhaerere Deo bonum est. No Livro dos Obitos de Miranda do Douro, fl. 28 v., que se guarda no Arquivo da Câmara Eclesiástica de Bragança, diz-se que morreu no dia, mês e ano acima e que «viveo com grande zelo e inteireza do bem das almas e na morte mostrou muyta charidade e amor de Deus e dos proximos e foi aborrecido de todos aquelles que por seus peccados mereciam ser castigados, e amado dos virtuosos e por verdade o assignei ut supra. Gaspar Affonso». Conserva-se o seu retrato em tela no Paço Episcopal de Bragança e a seguinte legenda: D. Joannes da Gama / Vlysipone natius, obiit / XXVIII Martii in hac ci / vitate Mirandensi an / no Domini M.D.CXVII. O Censual, já citado, diz a propósito deste prelado: «viveo com grande (99) PIRES, Manuel António – Opúsculo de Considerações Históricas, p. 23. ABREU, Fernando de – Catálogo dos Bispos de Miranda. (100) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Bulas, maço 30, nº 12. (101) TOMÁS, Fernandes – Os Ex-libris Ornamentais Portugueses. Porto, 1905, p. 62.

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zelo do bem das almas e na morte mostrou muita caridade e amor de Deus foi aborrecido dos máos». 11.º BISPO DE MIRANDA 1 de Outubro de 1618 a 7 de Janeiro de 1621 D. Francisco Pereira – Eremita agostinho, ministro provincial na sua ordem, pregador de Paulo V, bispo de Miranda e eleito a 7 de Janeiro de 1620 para a Sé de Lamego quando morreu em Miranda, onde jaz, a 7 de Janeiro de 1621. Havia nascido em Vila Franca de Lampaças, concelho de Bragança, em 1567 (102). Frei Fernando de Abreu diz que morreu a 7 de Janeiro de 1620 e que era natural de Vila Franca de Lampazes, no bispado de Lamego. Era filho de Aleixo de Morais Pimentel, fidalgo da casa do rei D. João III, veador da infanta D. Maria, comendador da Ordem de Cristo e padroeiro do capítulo do convento de S. Francisco de Bragança, o qual era irmão do secretário de Estado Nuno Álvares Pereira de Morais, pai de Pedro Álvares Pereira, senhor de Serra Leoa, que foi conde de Muge, e de sua mulher D. Maria de Faro. Deste matrimónio, além do nosso bispo, proveio também D. Maria, sua irmã, que foi mãe do grande Nuno Álvares Botelho, governador da Índia. D. Francisco Pereira pertencia à nobilíssima casa Madureira Feijó, de Parada dos Infanções, concelho de Bragança (103), que hoje pertence, por compra, ao grande proprietário António Rapazote, pai dos drs. António Rapazote e Agostinho Rapazote formados respectivamente em medicina e direito. O Códice n.º 49 (A-2-49) da Biblioteca Nacional de Lisboa, fl. 129, também diz que morreu a 7 de Janeiro de 1621, havendo sido nomeado bispo de Miranda em 1618 e confirmado a 1 de Outubro do mesmo ano. Foi este bispo quem, na sala grande dos Paços da Ribeira, em Lisboa, a 14 de Julho de 1619, por ocasião de se celebrar a cerimónia do juramento do príncipe, depois rei Filipe III, pronunciou o discurso que hoje diríamos da coroa (104). Os discursos que então pronunciou correm impressos e têm por título: (102) PIRES, Manuel António – Opúsculo…, onde por erro diz que morreu a 9 de Janeiro, quando foi dois dias antes. SILVA, Inocêncio Francisco da – Dicionário Bibliográfico. (103) SANCHES DE BAENA – Arquivo Heráldico Genealógico, parte I, p. 19. (104) SILVA, Luís Augusto Rebelo da – História de Portugal nos séculos XVII e XVIII, livro II, parte II, cap. III, p. 268.

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Oração do auto do juramento que el-rei D. Fillippe nosso senhor fez aos tres Estados do reino, e da que elles fizeram a Sua Magestade... em Lisboa a 14 de Julho de 1619. Oração do auto do juramento de D. Fillippe III nas côrtes celebradas em Lisboa a 18 de Julho de 1619. Sahiram na Viage de la Catolica Real Magestad del rei D. Filippe III al reyno de Portugal. Madrid, 1622 (105); nunca foram impressos separadamente (106). Tratado da Religião Eremitica. Manuscrito (107). Frei Fernando de Abreu diz que este bispo era irmão de Pedro Álvares Pereira, senhor da Serra Leoa, do conselho de Estado de Filipe III e seu secretário, e de D. Maria Pereira, mulher de Diogo Botelho, governador do Brasil, ambos progenitores do conde de S. Miguel e filho natural de Nuno Álvares Pereira Pimentel, do Conselho de Portugal em Madrid e padroeiro do capítulo de S. Francisco de Bragança, da ilustre família dos Pimentéis, da casa dos condes de Benevente em Castela. À margem, para confirmar esta opinião, cita vários autores e entre outros o Nobiliario Genealogico, de Alonso Lopez de Haro, 1622, tomo I, livro III, cap. IV, fl. 136. É, porém, evidente o equívoco relativamente à nota de bastardia, resultante de Haro ter empregado a palavra engendro, que não significa ilegitimidade, pois usa a mesma expressão com respeito a outros filhos de Nuno Álvares Pereira Pimentel que Fernando de Abreu tomou como legítimos, como não podia deixar de ser em face do texto de Haro. Fica, pois, líquido que o nosso bispo, ainda mesmo nesta genealogia, que supomos menos exacta, era filho legítimo do citado Nuno Álvares Pereira Pimentel e de sua mulher D. Isabel de Mariz, filha de Lopo de Mariz e de D. Ana de Macedo, filha de João de Macedo, alcaide-mor de Outeiro e da Bemposta e capitão-general desta região bragançana nas guerras que D. Afonso V moveu a Castela por causa de D. Joana, a Beltraneja, sua sobrinha, a quem nós os portugueses chamamos a Excelente senhora. D. Joaquim de Azevedo (108) segue a mesma opinião relativamente à paternidade deste bispo, mas tratando da naturalidade, diz que Abreu se enganou, guiado pelo autor da Biblioteca Lusitana, pois, segundo ele, nasceu no bispado de Miranda e não no de Lamego, como estes querem.

(105) SILVA, Inocêncio Francisco da – Dicionário Bibliográfico. (106) Ibidem na «Correcção final». (107) FARINHA, Bento José de Sousa – Sumário da Biblioteca Lusitana. (108) AZEVEDO, Joaquim de – História Eclesiástica de Lamego, p. 82.

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Segundo o mesmo genealogista, D. Francisco Pereira foi «varon de singular vida y exemplo, y de una suave y muy rara prudencia en la predicacion de la dotrina Evangelica, en que pocos se le igualaron en sus tiempos». Quando provincial da sua Ordem, «deo principio ao magnifico claustro do convento de Nossa Senhora da Graça (em Lisboa) e livrou o cofre em que se guarda o Santissimo Sacramento, que veyo da India, para que se não alienasse» (109). No Livro dos óbitos de Miranda do Douro, que se conserva no Arquivo da Câmara Eclesiástica de Bragança, fl. 36, diz-se que faleceu a 7 de Janeiro de 1621 «com muita lastima e dôr de todos os que o conhecião por sua condição ser branda e de muito comprimento hia na pujança e altura do que o mundo pode dar com esperança de se por mui alto são porém os altos e incomprehensiveis juizos de Deos que não podemos alcançar cortar o fio da tea ordida; falleceo bom christão». No Paço Episcopal de Bragança conserva-se, em tela, o seu retrato e nela a legenda: D. F. Franciscus Pereira / ordinis Erimitarum San / ti Augustini natus in / oppido de Villa Fran / ca hujus Dioccesis obi / it in hac civitate Mi / randensi die VII januarii anno Domi / ni M.D.C. XXI.

12.º BISPO DE MIRANDA 1621 a 1627 D. Frei João de Valadares – Eremita de Santo Agostinho, provincial dessa Ordem, deputado da Inquisição, pregador do rei, bispo de Miranda e depois do Porto. Era natural de Setúbal, filho de Estêvão da Mota de Valadares e de D. Catarina Valadares, pessoas nobres, que tiveram também outros filhos ilustres, como foram D. Mendo, do conselho de Portugal em Madrid, e D. Inês de Valadares, mulher de João Fuzeiro, de Sande, de quem procedeu Fernando de Mesquita Pimentel, senhor do morgado de S. Manços. Vagando em 1620 a Sé de Miranda, pela eleição de D. Francisco Pereira para Lamego, foi naquele bispado provido D. Frei João de Valadares, governando-o desde 1621, em que morreu o seu antecessor, até

(109) SANTA MARIA, Agostinho – Santuário Mariano, tomo V, p. 548.

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1627, em que foi transferido para a Sé do Porto, que governou até 23 de Maio de 1635 e não 1633, como erradamente afirma Argaiz. Construiu, a expensas suas, o dormitório do convento de Santo Agostinho, que deita para o Douro, na cidade do Porto, e um mirante ao poente olhando para a parte em que o rio desagua no mar. Também interpôs eficazmente a sua influência, valendo-se do irmão que tinha em Madrid, para que o rei perdoasse aos habitantes da cidade do Porto que se haviam amotinado em 1628 por ocasião de lhe ser lançado um novo tributo (110). O retrato deste prelado está no Paço Episcopal de Bragança, tendo a tela a seguinte legenda: D. Frater Joannes de / Valadares ordinis ere / mitarum sancti augusti / ni natus selobricoe archic / hiscupatus Ulyssiponensis / postea translatus ad Portu / ensem ecclesiam ibi obiit, / jacet que sepultus.

13.º BISPO DE MIRANDA 1628 a 2 de Outubro de 1636 D. Jorge de Melo – Natural de Serpa, no Alentejo. Faleceu em Miranda a 2 de Outubro de 1636, estando já eleito para a Sé de Coimbra (111). Entrou em Miranda pela Ascensão do Senhor, em 1628. A Lista que possui o cónego Rocha da Sé de Bragança diz que foi pela Assunção da Senhora. Era o sétimo prior-mor de Palmela, cabeça da Ordem de Cristo, quando foi eleito bispo de Miranda (112) e foi sagrado por D. Apolinar de Almeida, jesuíta, bispo de Niceia, mais tarde martirizado na Etiópia (113). O autor da Évora Gloriosa (114) diz que era natural de Évora, onde serviu o tribunal da Inquisição desde 27 de Outubro de 1606 até 1628, e que morreu em 1639. No entanto, Azevedo (115) também o dá como natural de Serpa, irmão (110) FLOREZ, Henrique – España Sagrada, tomo XXI, p. 214. CUNHA, Rodrigo da – Catálogo e História dos Bispos do Porto, parte II, cap. XL e XLII. (111) PIRES, Manuel António – Opúsculo…, p. 23. (112) SILVA, Rodrigo M. da – Catálogo Real e Genealógico de España, p. 56 v. (113) CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano ao dia 9 de Junho. (114) Évora Gloriosa, «Epílogo» dos quatro tomos da Évora Ilustrada, que compôs o R. P. M. Manuel Fialho, da Companhia de Jesus, escrita e ampliada pelo padre Francisco da Fonseca, da mesma Companhia, vol. I, p. 330. (115) AZEVEDO, Joaquim de – História Eclesiástica de Lamego, p. 80.

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de D. Martim Afonso de Melo, da ilustre família dos Melos, bispo de Lamego, e ambos filhos legítimos de Pedro de Melo e de Luísa Pereira. O catálogo que vem nas Constituições que pertence a Eduardo Vaz de Quina, de Argozelo, diz que morreu em «Miranda a 2 de Dezembro de 1636 en 5.ª feira pelas três horas da madrugada e está sepultado em Miranda». No Livro de óbitos de Miranda do Douro, fl. 73, que se guarda no Arquivo da Câmara Eclesiástica de Bragança, diz-se que faleceu a 2 de Outubro de 1636, sendo portanto esta a data que merece fé. No Paço Episcopal de Bragança conserva-se em tela o seu retrato com a seguinte legenda: D. Georgins de Mello / natus oppido de Serpa / aelectus episcopus dioe / cesis conimbrieensis, obiit in hac citate Miranden / si anno M.D.C. XXXVI. 14.º BISPO DE MIRANDA 1672 a 1676 D. André Furtado de Mendonça – Mestre em artes e doutor em teologia, deão da Sé de Lisboa, D. Prior de Guimarães, deputado da Junta dos Três Estados e reitor da Universidade de Coimbra. Natural de Lisboa, faleceu em Miranda a 21 de Julho de 1676, mas no Livro dos óbitos de Miranda, já citado, diz-se que morreu no dia 20. Era filho de João Furtado de Mendonça, comendador de Borba, governador do Algarve e de Angola, presidente da Câmara de Lisboa, do conselho das Índias e conselheiro de Estado, e de sua mulher D. Madalena de Távora. Foi nomeado reitor da Universidade de Coimbra por provisão de D. Afonso VI de 6 de Outubro. Estando ele na regência deste cargo, no claustro de 22 de Novembro de 1667, leu-se uma carta do rei D. Afonso VI na qual lhe fazia saber que desistira da governança do reino. Nesse mesmo claustro foi resolvido fazer demonstrações festivas pela elevação ao trono do príncipe D. Pedro, que depois o nomeou bispo de Miranda. A primeira vez que se encontra mencionado com o título de bispo eleito de Miranda é a 6 de Maio de 1672, mas continuou a governar a Universidade até 24 de Fevereiro de 1673 data em que foi eleito para vice-reitor Frei António da Luz, lente de véspera de teologia e ele se despediu em claustro (116). (116) Anuário da Universidade de 1881 a 1882, p. 228, «Catálogo dos reitores».

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A guerra de 28 anos que sustentámos com a Espanha, após a aclamação de D. João IV em 1640, fez com que as dioceses de Portugal e colónias ficassem privadas de bispos, sendo governadas pelos cabidos respectivos, porque a corte de Roma, devido a intrigas de Espanha, recusava-se a confirmar os prelados nomeados por D. João IV enquanto não fosse reconhecido perante as nações como soberano legítimo e declarada oficialmente a autonomia portuguesa (117). O mais que Roma chegou a conceder neste particular dos bispos, foi prontificar-se a confirmar os indivíduos indigitados, mas de seu moto próprio, sem fazer menção de régia nomeação, o que não foi aceite por contrário aos direitos de apresentação da coroa portuguesa, como se vê do seguinte período de uma carta de D. João IV dirigida em 8 de Julho de 1645 a Manuel de Saldanha, reitor da Universidade de Coimbra: «Recebeu-se, diz a carta régia, aviso de Roma que Sua Santidade havia confirmado os bispados da Guarda, Vizeu e Miranda nas pessoas por my nomeadas, mas de seu motu-proprio sem fazer menção das minhas presentações nem ainda do meu Real nome, cousa tão prejudicial ao direito desta corôa como se deixa considerar» (118). Miranda, privada de bispo desde 1636 com a morte de D. Jorge de Melo, continuou sem prelado confirmado e por isso inapto para reger a diocese, até depois das pazes celebradas com Castela em 1668, embora saibamos que em 1646 era bispo eleito deste bispado D. Pedro de Meneses, ministro pelo braço eclesiástico do tribunal da Junta dos Três Estados (119) o que, em carta de 22 de Setembro de 1640, dirigida a Filipe III de Portugal, recusou o dominicano Frei João de Vasconcelos o bispado de Miranda (120). Em algumas Constituições do bispado de Miranda encontra-se uma lista manuscrita dos prelados desta Sé, acompanhada de pequenas notícias biográficas, e se lê que D. André Furtado de Mendonça tomou conta do bispado em 1636, o que é impossível como dissemos. Essa lista merece pouca confiança. Veja-se o que escrevemos a propósito de D. Rodrigo de Carvalho.

(117) Ver em MENESES, Luís de – História de Portugal Restaurado, as longas negociações que houve em Roma sobre o caso da confirmação dos bispos. (118) Livro III das Provisões in «Guia Histórica do Viajante no Buçaco», p. 117. (119) MENESES, Luís de – História de Portugal Restaurado, parte I, livro IX, p. 194. (120) SANTA CATARINA, Lucas de, Frei – História de S. Domingos, parte IV, livro I, cap. XIX e XL.

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Também foi bispo eleito de Miranda Estêvão da Cunha, deputado da Inquisição de Lisboa em 1636, prior de S. Jorge, na mesma cidade, cónego da Sé do Algarve e um dos quarenta fidalgos aclamadores de D. João IV, falecido em 1666 (121). O retrato deste prelado está em tela no Paço Episcopal de Bragança, com a legenda: D. Andreas Furtado de Mendoça (sic) / Ulyssipone natus primum episcopus / hujus dioecesis post felicem acclama / tionem domini regis Joannis IV obiit in / civitate Mirandensi die XXI julii / anno M.D.C. LXXVI.

15.º BISPO DE MIRANDA 25 de Julho de 1677 a 21 de Agosto de 1681 D. Frei José Lencastre – Carmelita descalço, depois carmelita da antiga observância, onde foi provincial e comissário geral da ordem, bispo de Miranda, depois de Leiria, inquisidor geral e capelão-mor do rei D. Pedro II e do seu conselho de Estado. Nasceu em Lisboa em 1620 e ali morreu a 13 de Setembro de 1705 e jaz na capela do convento dos Remédios dessa cidade. Era irmão do cardeal D. Veríssimo de Lencastre, inquisidor geral, ambos da mais esclarecida nobreza de Portugal, como quartos netos do rei D. João II, filhos de D. Francisco Luís de Lancastre, comendador-mor de Avis e de sua mulher D. Filipa de Mendonça. Faria (122) não concorda exactamente com o autor do Anno Historico de onde tiramos as notícias referentes a este bispo, pois diz que era filho de D. Luís de Lencastre e de D. Filipa de Vilhena. O Portugal – Dicionário Histórico, etc., artigo «Lencastre», diz que nasceu em Lisboa a 19 de Março de 1621. Professou o hábito dos carmelitas descalços no convento dos Remédios, em Lisboa, onde viveu sete anos e dois meses, mas, sobrevindo-lhe padecimentos que punham em perigo a sua vida, passou com breve do Papa para os carmelitas da observância, entre os quais esteve quase trinta e dois anos, sendo seu provincial e comissário geral. (121) FREIRE, Anselmo Braamcamp – O Conde de Vila Franca, 1899, p. 64, em nota. (122) FARIA, Manuel Severim de – Notícias de Portugal, tomo II, p. 255. Igual apelido dá à mãe Frei José de Jesus Maria na Crónica da Santa Província de Santa Maria da Arrábida, parte II, livro III, cap. XXIV, n.º 659.

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Eleito bispo de Miranda a 22 de Outubro de 1676, foi confirmado em Roma a 26 de Abril do ano seguinte e sagrado em Lisboa por seu irmão D. Veríssimo de Lencastre a 25 de Julho de 1677. Em 1681 foi transferido para a Sé de Leiria (123). Este bispo estabeleceu em Miranda um colégio do título de S. José com renda para o sustento de doze colegiais e com reitor, vice-reitor e mestre de latim (124). E estando já em Leiria, a seu pedido «fez um religioso leigo de S. Bernardo, o transito de S. Francisco que está na portaria do convento dos franciscanos de Alcantara e á sua custa mandou conduzir as imagens e collocá-las onde estão e fazem uma representação tanto ao vivo da morte de S. Francisco, que muitos que sem prevenção chegam á portaria o admiram com susto, julgando serem frades vivos que assistem a um moribundo» (125). Também mandou gravar sobre a lápide da sepultura de seu irmão, o cardeal D. Veríssimo de Lancastre, no alpendre do convento franciscano de S. Pedro de Alcântara o seu epitáfio, que se pode ver na citada Chronica, e construir por conta da fazenda do mesmo cardeal, de quem ficou testamenteiro, a capela com porta para o mesmo alpendre dedicando-a aos três irmãos mártires de Lisboa – Veríssimo, Máxima e Júlia – que é obra «de singular arquitectura toda lavrada de embutidos de pedra» (126). No Portugal Antigo e Moderno, artigo «Lisboa», pág. 274, lê-se que a D. João de Sousa, sumilher da cortina do rei D. Pedro II, doutorado em cânones e nascido em Lisboa em 1647, da família dos senhores de Gouveia de Riba-Tâmega, chefe dos Sousas, condes de Redondo, lhe foi oferecido o bispado de Miranda, que não aceitou, mas sim, em 1684, o do Porto, de onde foi promovido a arcebispo de Braga e depois da Sé de Lisboa. Como ignoramos em que época lhe foi oferecido o nosso bispado, aqui deixamos esta notícia (127). Também pelas mesmas razões mencionamos aqui Miguel Soares Pereira, lente da Universidade de Coimbra,

(123) SÁ, Manuel de, Frei – Memórias Históricas dos Ilustríssimos arcebispos, bispos e escritores portugueses da Ordem de Nossa Senhora do Carmo..., 1734, p. 262 e seg. Portugal – Dicionário histórico. (124) SANTA MARIA, Francisco de, Fr. – Ano Histórico, vol. III, p. 5., CONCEIÇÃO, Cláudio da, Frei – Gabinete Histórico… tomo VII, p. 248. Portugal Antigo e Moderno, artigo «Miranda do Douro». (125) JESUS MARIA, José de, Frei – Crónica da Santa Província de Santa Maria da Arrábida, parte II, livro III, cap. XXIII, n.º 655. (126) Ibidem, cap. XXlV, n.ºs 667 e 668. (127) CASTRO, João Baptista de, no Mapa de Portugal, tomo III, p. 154, refere esta mesma notícia. FONSECA, Francisco da – Évora Gloriosa, tomo I, p. 330.

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magistral de Lamego em 1615 (História Eclesiástica desta diocese, pág. 266), deputado da inquisição, doutoral na Sé do Porto, chantre na de Braga, que no Summario da Biblioteca Lusitana vem mencionado como autor de seis postilas de direito, e bispo eleito de Miranda. Igualmente na História Eclesiástica de Lamego, pág. 92, encontramos eleito para o bispado de Miranda, pelos anos de 1677, D. José de Meneses, o que não teve efeito, indo logo reger a diocese do Algarve e depois a de Lamego. Eis como o Ano Histórico descreve as qualidades morais do bispo D. Frei José Lancastre: em todas as dignidades «se portou, diz este autor, sempre como religioso; os seus vestidos eram de lã; os interiores e os que lhe acharam na sua morte eram não só velhos mas remendados; os aposentos do seu palacio em nada se distinguiam da pobreza das cellas da mais estreita religião. Comia em tinelo com religião espiritual, tratos e costumes religiosos e sempre com um pobre a quem punha á sua mão direita e lhe fazia e ministrava os pratos e então com maior alegria quando o pobre era mais asqueroso. Na sua meza não entravam talheres nem peças algumas de prata; todas eram de latão e estanho. Nos dias de Nossa Senhora ministrava por suas mãos o sustento a doze mulheres e nos dos apostolos a doze homens. Repartia quantiosas esmolas e singularmente as empregava em pessoas nobres e pobres e a muitas de um e outro sexo deu estado decente em que fazia tão largos dispendios que parecia excediam as suas rendas aos que não reparavam na grande moderação com que se tratava. A pensão de quatro mil cruzados que tinha no bispado de Leiria lá se repartia em esmolas. O ordenado de administrador da igreja de Nossa Senhora do Cabo ou lá ficava ou para lá tornava com augmento. Foi muito amante da justiça, dos virtuosos e dos sabios; muito prudente, pio e moderado» (128). Camilo Castelo Branco diz que este bispo teve um filho, mas não declara se foi antes ou depois de entrado na ordem eclesiástica (129). Em 1656 havia sido enviado a Roma para tratar da beatificação do condestável D. Nuno Álvares Pereira, de onde só voltou em 1669.

(128) SANTA MARIA, Francisco de – Ano Histórico, vol. III, p. 5. (129) CASTELO BRANCO, Camilo – O Judeu, parte II, cap. I, p. 129.

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Sucedeu a seu irmão D. Veríssimo de Lencastre no cargo de inquisidor geral. Em 1692 foi nomeado capelão-mor e em 1694 conselheiro de Estado (130). Vagando o bispado de Leiria, foi nomeado para ele num dos últimos meses do ano de 1678; recebeu esta notícia estando em visita pastoral na cidade de Bragança. A 13 de Dezembro do mesmo ano expediram-se da secretaria de Estado as ordens para a concessão das bulas para o novo bispado, do qual tomou posse a 21 de Agosto de 1681 (131). Além do colégio de S. José, que estabeleceu no Paço em Miranda, também «em beneficio dos moradores da mesma cidade de Miranda mandou a Coimbra buscar um sacerdote secular insigne nas latinidades, que em classe publica dentro no seu palacio ensinava aos que queriam aproveitar-se dos seus documentos». Pregava na Sé no primeiro domingo do Advento e na quarta-feira de Cinzas e em muitos dias administrava a penitência (132). O retrato deste prelado está em tela no Paço Episcopal de Bragança e nela a legenda: D. Fr. Josephus de Lancas / tro natus Ulyssipone reli / giosus reformati ordinis / carmeli poste a translatus / ad ecclesiam Calliponemsem (sic) / regiae majestatis creatus sa / crificus maximus et inqui / sitor generalis, obiit Ulyssipo / ne, ubi jacet. Num livro de brasões de armas vimos as deste prelado, que constavam das quinas do reino com a orla dos castelos.

16.º BISPO DE MIRANDA 1681 a 13 de Agosto de 1684 D. Frei Lourenço de Castro – Da ordem de S. Domingos, mestre em artes, prior do convento da Batalha, pregador do rei D. Pedro II, bispo de Angra e depois de Miranda. Nasceu em Lisboa e morreu em Miranda, onde está sepultado, a 13 de Agosto de 1684.

(130) Portugal – Dicionário histórico, artigo «Lencastre», ao tratar do seu nome. (131) SÁ, Manuel de – Memórias Históricas dos Ilustríssimos arcebispos, bispos e escritores portugueses da Ordem de Nossa Senhora do Carmo..., p. 262. (132) Ibidem.

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Era filho de Pedro de Castro, senhor de Perada e Sanguinhedo, chefe da família dos Castros de Melgaço, provedor dos Armazéns, e de sua mulher D. Lourença da Costa, da nobre família dos Homens. Professou o hábito dominicano no convento de Benfica em 1637, cursou as escolas e ocupou as cadeiras até ao grau de mestre, sempre com notável fama de talento. Em 1671, foi nomeado bispo de Angra, de onde, em 1681, veio transferido para Miranda. No trato, diz um seu biógrafo (133), era afável, brando e atractivo, enérgico em repreender os vícios; contínuo na assistência da Sé; do coro passava para o confessionário, do altar para o púlpito. O que sobrava da sua sustentação das rendas do bispado repartia-o com os pobres. Uma vez, não tendo mais que dar, despiu o fato interior para vestir um pobre que estava despido. Tendo celebrado pontifical na sua Sé de Miranda a 4 de Agosto de 1684, na festividade do patriarca da sua Ordem, S. Domingos, onde, segundo o costume, pregou, velho e alquebrado como estava, sobreveio-lhe uma febre que o matou sete dias depois. «Alguns annos depois de sepultado, dizem, se achára inteiro o seu corpo, mas não foi facil averiguar esta noticia, apesar das diligencias feitas, devido á grande veneração, respeito e não menos cautella com que o guardam os seus conegos, porque propondo-se-lhes que se deviam trasladar seus ossos para Bemfica, onde em vida mandára lavrar capella e sepultura, responderam que tal não consentiam, pois lhe seria injuria ficar aquella Sé despojada de tal thesouro» (134). No citado Livro dos óbitos de Miranda do Douro diz-se que morreu a 13 de Agosto do 1684. O retrato deste prelado conserva-se em tela no Paço Episcopal de Bragança acompanhado da seguinte legenda: D. F. Laurentis de Cas / tro ex sacro proedicatorum / ordine magister in Sacra the / ologia natus Ulyssipone, Episco / pus Angrensis obiit in hac ci / vitate Mirandensi cum opinione Sanctitatis XIII augusti / anno Domini M.D.C. LXXXIV.

(133) SANTA CATARINA, Lucas de, Frei – História de S. Domingos, parte IV, livro I, cap. XXVII, de onde tiramos as notícias concernentes a este bispo. ABREU, Fernando de, Fr. – Catálogo dos Bispos de Miranda. (134) Ibidem. A bula da sua confirmação em Roma por Inocêncio XI, a 1 de Novembro ou Dezembro (não se percebe bem), está no Arquivo do Cabido de Bragança, encadernada com várias outras num livro de capa de carneira roxa. É a 27.ª dessa colecção.

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17.º BISPO DE MIRANDA Entre 23 de Fevereiro de 1685 e 11 de Novembro de 1686 a 1 de Setembro de 1688 D. Frei António de Santa Maria – Religioso franciscano, capucho da província de Santo António, natural de Bretiandos. A lista dos bispos de Miranda, que vem junta aos Estatutos desta Sé, já citada, diz a propósito da morte deste bispo: «falleceu em 28 de Agosto de 1689. Mas, segundo o assento do livro dos defuntos desta Santa Sé, consta fallecer no dia 1 de Setembro de 1688». Temos esta data como a mais certa, porque, segundo vemos pelo capítulo da Bibliografia dos Bispos de Bragança e Miranda, a 30 de Dezembro de 1688 já estava a Sé vaga e assim continuou até 28 de Abril de 1689 data em que foi nomeado D. Manuel de Moura Manuel (135). Ignoramos a data em que foi nomeado bispo de Miranda; no entanto, de um «Livro de contas de Nossa Senhora do Rosario», existente na sacristia da igreja de Montesinho, freguesia de França, concelho de Bragança, consta que a 23 de Fevereiro de 1685 ainda estava sede episcopale vacante, mas a 11 de Novembro de 1686 já era nela bispo D. Frei António de Santa Maria, pois nesse dia visitou a igreja de S. João Baptista de Bragança (136). O padre António Carvalho da Costa, na sua Corografia, diz que D. Frei António de Santa Maria fora deão da capela real e bispo de Cortezão antes de o ser de Miranda. O mesmo traz o Santuário Mariano (137). Frei Fernando de Abreu diz que foi 34.º provincial da sua ordem e bispo do Maranhão e também o dá como falecido em 1689. A lista dos bispos de Miranda, que vem manuscrita junto às Constituições desta diocese, que tem o actual abade de Vale Benfeito, Manuel Bernardo Pires, diz que foi bispo de Cortezão, deão da capela real e bispo eleito do Maranhão. No Livro dos óbitos de Miranda do Douro, fl. 43 v., lê-se efectivamente que morreu a 1 de Setembro de 1688. (135) A legenda que está no seu retrato existente no Paço Episcopal de Bragança também diz que morreu a 2 de Setembro de 1688. (136) Tabua Velha da Egreja de S. João, manuscrito existente no Museu Municipal de Bragança, fl. 41. (137) SANTA MARIA, Agostinho de – Santuário Mariano, tomo V, p. 518.

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O seu retrato conserva-se em tela no Paço Episcopal de Bragança, acompanhado da seguinte legenda: D. F. Antonius de Santa / Maria ordinis capucinarum / natus Britiande, obiit in hac / civitate Mirandensis die 1.º / setembris anno Domini / M.D.C.L. XXXVIII.

18.º BISPO DE MIRANDA 28 de Agosto de 1689 a 7 de Setembro de 1699 D. Manuel de Moura Manuel – Nasceu em Serpa e era filho de Lopo Álvares de Moura e de D. Maria de Castro, ilustre família a que andava vinculado o senhorio dos Mouras-Manuéis, que trazem a sua descendência de D. Branca de Sousa, filha de Lopo Dias de Sousa, grão-mestre da Ordem de Cristo. Nascendo filho segundo de uma casa vinculada, só a carreira das armas ou eclesiástica lhe ficavam abertas, optando por esta. Doutorou-se em cânones pela Universidade de Coimbra e, na qualidade de Opositor a uma das cadeiras desta faculdade, foi eleito colegial do Real Colégio de São Paulo em 28 de Julho de 1658. Em 17 de Dezembro de 1660 foi nomeado cónego doutoral da Sé de Lamego e em 1 de Maio de 1666 transferido para a de Braga. Deputado da Inquisição de Évora, a 13 de Outubro de 1665 passou para inquisidor de Coimbra e em 13 de Abril de 1674 foi nomeado deputado do conselho geral do Santo Ofício, sendo provido em 25 de Agosto de 1685 por D. Pedro II no lugar de reitor da Universidade, para onde fora eleito em lista tríplice. Por esta ocasião nomeou-o também o rei sumilher da cortina e governou a Universidade até 1 de Fevereiro de 1690, dia em que foi eleito o seu sucessor, D. Nuno da Silva Teles. Foi eleito bispo de Miranda a 28 de Abril de 1689, sagrado em Outubro do mesmo ano na igreja paroquial de Nossa Senhora dos Anjos de Lisboa pelo cardeal D. Veríssimo de Lencastre, com a assistência de D. Frei Luís da Silva, bispo da Guarda, e D. Simão da Gama, bispo do Algarve, e confirmado em Roma por Inocêncio XI a 8 dos idos de Junho (6 do mesmo mês) de 1689 (138).

(138) A cópia da bula da confirmação e notificação ao cabido de Miranda faz parte da colecção de bulas escritas em pergaminho, com os números 5, 7 e 30, reunidas em volume com capas de carneira roxa e que existe no Arquivo do Cabido de Bragança. Também na mesma colecção, sob

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Morreu a 7 de Setembro de 1699 em Ferreiros (a trinta quilómetros de Viseu), pequena povoação da freguesia de Serrazes, concelho de S. Pedro do Sul, de onde dista sete quilómetros, na margem direita do Vouga, em frente dos banhos desta última localidade. Diz-se que D. Manuel de Moura Manuel adoeceu estando ali a banhos ou indo em viagem de Miranda para a Vista Alegre. Também se diz que fora envenenado por um médico judeu para vingar a mãe que havia sido queimada pela Inquisição quando D. Manuel era inquisidor. Em terreno pertencente à quinta da Vista Alegre, hoje povoação onde está a notável fábrica de vidros e porcelana fundada em 1824, no concelho e paróquia de Ílhavo, distrito de Aveiro, fundou o nosso biografado, com licença do doutor Manuel Furtado Botelho, então senhor da dita quinta, uma muito linda capela conhecida pelo nome de Nossa Senhora da Penha de França. A fundação de um belo templo em local tão ermo como era a Vista Alegre fez com que muitos arquitectassem romances mais ou menos verosímeis, imaginando desterros e deportações e bem assim fofo ninho de criminosos amores de um prelado ilustre com uma dama de elevado nascimento e freira professa num convento de Lisboa. A amizade do bispo com o dono da quinta da Vista Alegre proveio talvez da vizinhança, pois que a um quilómetro desta quinta fica o antigo solar da Ermida, vila e concelho até 1834, onde houve um prazo, tendo por cabeça uma grande quinta denominada Paço da Ermida, que era o senhorio dos Mouras-Manuéis e pertencia a seu irmão primogénito Rui de Moura Manuel. Era ali que o bispo ia passar alguns dias e até meses. O doutor Manuel Furtado Botelho, proprietário da quinta da Vista Alegre, faleceu em 9 de Setembro de 1733, como se vê do livro dos óbitos da freguesia de Ílhavo, e dispôs no seu testamento que deixava, entre outras, cinquenta missas por alma do senhor bispo que foi de Miranda e instituía por sua universal herdeira D. Teodora de Castro Maria Manuel. Esta, como o nome o indica, era filha do bispo de Miranda, a quem pertencia também o apelido de Castro, que o houve de sua mãe D. Maria de Castro. Parece que a intenção do testador e talvez do bispo, seu pai, era que D. Teodora fosse freira, mas não chegou a sê-lo e também não casou, se bem que teve um filho a quem deu o nome do avó, Manuel Pereira de Moura Manuel, que foi abade da freguesia de S. Romão de Guimarães, o o n.º 24, vem a bula do referido Papa notificando ao clero, cidade e diocese de Miranda a nomeação do bispo.

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qual, apesar de morrer novo, também prolificou. Sua mãe morreu em 1767 (139). Durante a doença do bispo em Ferreiros, foi-lhe enfermeiro o bispo D. Jerónimo Soares que assistiu também ao seu funeral e ordenou que fosse sepultado na capela-mor da igreja daquela freguesia de onde as suas cinzas foram trasladadas para a Vista Alegre em 1706. Não é sabido o ano em que D. Manuel de Moura Manuel mandou edificar a capela de Nossa Senhora da Penha de França; julga-se, todavia, com bons fundamentos, que foi depois de ser bispo em Miranda. É elegante a fachada do templo e vêem-se a algumas léguas de distância os coruchéus das suas duas torres. O interior corresponde à elegância do que de fora se divisa. As paredes do corpo da capela são forradas de alto a baixo de azulejos e a abóbada adornada de pinturas a fresco. Tem dois altares laterais dedicados à Virgem sob a invocação do Rosário e da Conceição, de boa talha dourada. O retábulo e altar da capela-mor são trabalhos primorosos em fino mármore de Itália. Embebido na parede da capela-mor, do lado da epístola, está o túmulo do fundador, fabricado primorosamente em granito de Ançã. A urna funerária é sustentada por três leões, de farta juba, que parecem prestes a ser esmagados pelo seu peso. No centro da urna, levantado em alto relevo, está um escudo oval partido, com as armas dos Mouras Manuéis, tendo por timbre um chapéu episcopal. Sobre ela vê-se a figura do bispo de vestes prelatícias, meio deitada, com a mão esquerda sobre o peito e a direita estendida, como que a apontar para o tempo, que está ao fundo sobraçando o pano mortuário que deve cobrir o sarcófago. A execução é primorosa até nos menores detalhes e tão perfeito e delicado é tudo que o povo atribui a escultura ao diabo, por julgar impossível que mãos humanas fossem capazes de tanto, criando a este propósito uma lenda que Brito Aranha aproveitou no seu livro Memórias histórico-estatísticas de algumas vilas e povoações de Portugal, 1871, onde se podem ver com fruto muitos dados relativos à Vista Alegre, capela e fundador. O escultor da capela foi Cláudio de Laplada, mas o povo esqueceu-se deste e só se lembra da lenda.

(139) Relativamente à filha deste bispo nada sabemos de particular; mas, dizendo-nos Chantrel que Inocêncio XI era severíssimo na escolha dos bispos, somos levados a relegar para o país das lendas esta da filha de Manuel de Moura.

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Defronte deste túmulo há um outro mais modesto, mas obra do mesmo artista. Sobre uma urna funerária, onde se vê também um escudo com as armas dos Castros, está sentada uma figura de mulher sustentando na mão esquerda um baixo-relevo. Era destinado para D. Teodora, a quem pertencia o apelido de Castro por sua mãe. Tem numa lápide uma inscrição com o epitáfio do bispo. Há também na Vista Alegre um outro monumento do nosso bispo: é uma fonte chamada de Carapichel, hoje quase soterrada. É notável pela sua forma; foi construída em 1696 e tem uma grande inscrição em caracteres góticos, que adiante damos (140). No tomo XII da História de Portugal, popular e ilustrada, de Pinheiro Chagas, pág. 425, vem uma linda fotogravura do túmulo deste bispo. Manuel, apelido nobre em Portugal, procede de D. João Manuel, bispo de Ceuta e da Guarda, que era filho natural do rei Duarte (141). Porém, Baena diz que o apelido de Manuel foi tomado do nome do infante D. Manuel, filho do rei D. Fernando VI de Castela e da rainha D. Beatriz, neta de Isaac Ângelo, imperador de Constantinopla e em contemplação deste imperador tomou o dito infante por armas o escudo esquartelado: no primeiro quartel, em campo vermelho, uma mão de sua cor com uma espada de prata empunhada com as guarnições de ouro, e em lugar do braço uma asa aberta, também de ouro; no segundo, em campo de prata, um leão vermelho armado de azul e assim os contrários; timbre a mão, asa e espada do escudo. Alguns voltam este escudo, o leão para o primeiro quartel, a asa com a mão e espada para o segundo, e assim os contrários (142). Deve ter sido no templo deste bispo que a D. Jerónimo Colona foram dados 200$00 réis no bispado de Miranda como lembrança por haver trazido o barrete cardinalício a D. Luís de Sousa, criado cardeal da Igreja romana por Inocêncio XI a 21 de Junho de 1697 (143). Também foi no seu tempo que se deu o seguinte facto que apresentamos no próprio original: «Aos seis de agosto de seis centos noventa e (140) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigos «Vizeu» (p. 1914) e «Serpa». No folheto intitulado A Vista Alegre, apontamentos para a sua história por J. A. Marques Gomes, Porto, 1883, vem a biografia deste bispo, a inscrição do sepulcro e a da fonte. Portugal – Dicionário histórico, artigo «Manuel» (D. Manuel de Moura). (141) SILVA, Rodrigo Mendes da – Catálogo Real e Genealógico de España, p. 64 v. (142) SANCHES DE BAENA, Visconde de – Arquivo Heráldico Genealógico, parte II, fl. 104. (143) FARIA, Manuel Severim de – Notícias de Portugal, tomo II, p. 265.

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nove se pôz entredicto local geral em toda a cidade, especial e de ambulatorio em todas as justiças da Camara desta cidade de Bragança e cessassio á divinis por razão de não deixarem visitar esta cidade a Frei Pedro de Mello frade da Trindade com provisão que trazia do senhor Bispo Manuel de Moura Manuel. Aos vinte de Setembro, o cabido de Miranda na Sé vacante concedeu vinte dias de recurso por respeito de se fazerem as exequias da Senhora Rainha mãe. Concedeu dez dias para se fazerem as exequias no convento de S. Bento e levantou-se dia de Santo Amaro, ano de 1700» (144). A Igreja celebra a festa de Santo Amaro a 15 de Janeiro, de onde concluímos que o interdicto durou cento e sessenta e dois dias. Não é só de hoje que Bragança desacata as ordens dos seus bispos!... Este bispo devia ser dotado de grande energia, segundo vemos pelo capítulo da sua grande e interessante bibliografia e também porque o encontramos fazendo a visita da diocese em regiões desabridas nos rigores do Inverno e intensos calores de Verão. Assim, a 14 de Novembro de 1690 visitou a igreja do Portelo, freguesia de França, a 5 de Maio de 1691 e depois a 10 de Janeiro de 1698 a de Vilarinho de Cova da Lua, freguesia de Espinhosela (145). A 20 de Novembro de 1690 a de Labiados, freguesia de Babe, e em 24 de Junho de 1691 a de Vinhais. Por uma pastoral que datou desta vila vê-se quanto o zeloso Prelado tomava a peito não só os interesses espirituais dos seus súbditos, mas também os temporais, mandando observar sábias medidas sobre o exercício da arte piscatória no intuito de favorecer a piscicultura. Razão tinha, pois, Chateaubriand (146) para afirmar: «Ao clero regular e secular é que nós devemos a renovação da agricultura na Europa, bem como lhe devemos a fundação de colégios e hospitais: arroteamento de terras, estradas, aumento de aldeias e cidades, estabelecimentos de correios e pousadas, artes e misteres, manufacturas, comércio externo e interno, tudo enfim nos vem originariamente da Igreja». Sobre este bispo ver a História Eclesiástica da Cidade e Bispado de Lamego, pág. 267, onde menos exactamente se diz que morreu em 1669. O retrato deste prelado encontra-se em tela a óleo no Paço Episcopal de

(144) Tombo de Nossa Senhora da Consolação, manuscrito in-fólio, pequeno, que possuimos. (Ver a propósito desta questão o documento n.º 15). (145) Livro dos capítulos da visita das mencionadas igrejas. (146) CHATEAUBRIAND, François-René – O Génio do Cristianismo, vol. II, livro VI, cap. VII.

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Bragança e nela a seguinte legenda: D. Emmanuel de Moura Em / manuel Serpa natus regionis / transtaganae Conimbricensis / Universitatis rector majorisque / tribunalis Sanctae inquisitionis Ulyssiponensis inquisitor obiit an / no Domini M.D.C.L. XXXXIX oppido de Ferreyra Vicensis dioccesis fuit / ejus corpus translatum ad mag / nificum sacellum Villac nuncupatae de vista alegre Deiparae de Penha de França prope / oppidum de Aveiro. EPITÁFIO DO BISPO D. MANUEL DE MOURA MANUEL Deo opt.º Max.º Deiparæ virgini Diei ultimæ Supremo Indicio Rectrici universi Episcopo animarum

Supremus Index: Rector universitatis: Animosus episcopus.

In Mortis asylum, voti titulum, gratitudinis tropheum, Hoc templum, hanc aram, hunc tumulum dedicat sacrat signat Ill.mus et R.mus Dõnus D. Emmanuel de Moura Manuel Qui A. B. Ferdinando Castellæ Rege progenitus Sanctorum soboles electum genus est: Armis et literis, ordine, et cursu manens, stella micans, et dimicans fuit: Aulæ supernæ cum Pontificibus ascriptus simili gloria sacerdos Christi erit. Favente natura, comite virtute, auxiliante gratia Cui Ortum dedere Serpæ ter maxime conjuges Lupus Alvares de Moura, comendator de Trancoso Trium Ecclesiarum Patronus, Trium maioratuum Dõnus Et D. Maria de Castro Ex Imperiali Emmanuelium stirpe pari nobilitte decorata MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Quem Serenissimi Portugaliæ Reges Destinarunt caducco, Selegerunt consilio: Sancti Officii Tribunal Judicem habuit Deputatum Inquisitorum dignissimum Academia Conimbricensis Collegam educavit, Rectorem coluit Ecllesiæ Luzitanæ Canonicum nutrierunt alumnum et sponsum receperunt Episcopum. Tot gradus Providentia Supponente, Ut meritis augeretur, quot sanguini debebatur. Cujus Magnitudinem Integritatem Sapientiam Multiplex fama loquitur Ipsa Invidia fatetur Hoc opus salamonicum testatur Quo Arca coronata, suffulciens, Propitiatorium Custodit miraculosum simulachrum Virgæ Virginis que rupit rupem. De cujus mativitate, quam celebrat, gaudens Sub cujus umbra, quam desiderat sedens Zoculo fecit locum Munimentum construxit monumento. Herculeas columnas, vel potius Machabaicas, Saxeas fixit, non terreas finxit, Ut viderentur ab omnibus navigantibus mare: Non plus ultra. Hujus tanti viri si effigiem quæris Inspice utrumque antrum: Franci – Hispanicum scilicet, et Bethlemiticum Quibus Ut simon dormit; ut Pastor vigilat; Immo etiam vigilat, cum dormit; Nam illic spiritus inter vigiles associatur Caelesti militiæ, MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Dum hoc corpus virginis protectione securum Requiescit in pace Hoc Epithaphium insculptum Fuit anno Domini 1697. Tradução: Ao Deus Omnipotente À Virgem Mãe de Deus para o último dia. Juízo supremo Moderador do Universo Bispo das almas. Supremo Juiz Reitor da Universidade Bispo animoso Para Asilo, na morte satisfação de um voto monumento da sua gratidão, dedica este templo, consagra este altar; erige este túmulo o Ill.mo e R.mo Snr. D. Manuel de Moura Manuel a quem o sangue do bem aventurado D. Fernando Rei de Castela Comunicou as virtudes de uma raça de eleições nunca desmentidas: – nas armas, nas letras, na hierarquia; – no progredir Astro de Brilho constante Inscrito entre os Pontífices na suprema Cúria partilhara semelhante glória no sacerdócio de Cristo: Não lho nega a natureza; acompanha-o a virtude, auxilia-o a graça. Viu a luz em Serpa gerado dos preclaríssimos esposos Lopo Álvares de Moura MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Comendador de Trancoso, Padroeiro de três Igrejas e Senhor de três morgados, e – D. Maria de Castro – de ascendência não menos ilustre da família imperial de Manuéis. Os Sereníssimos reis de Portugal destinaram-no para o Caduco, e elegeram-no para o seu Conselho; O Tribunal do Santo Ofício no cargo de Juiz deputado o possuiu como lustre de inquisidores. A Academia Conimbricense houve-o por colega, e o recebeu por seu Reitor. As Igrejas de Portugal o ocuparam no tirocínio de Cónego venerando-o depois como Bispo. Permitiu a Providência quando passasse por estas provas, para que adquirisse pelos méritos o que ao sangue era devido. A fama sem descanso apregoou a sua magnanimidade, inteireza, sabedoria, e mesmo a inveja isto confessa e testemunha-o esta obra Salomónica em que qual arca curvada, para abrigo, Propiciatório se venera a miraculosa imagem da vara da Virgem, que fende a rocha, Em honra da sua natividade, que celebra jubiloso levantou grande monumento em pequeno recinto, esperando repousar à sua sombra, porque aspira. Nele Construiu para defesa do monumento Colunas de Hércules ou antes Macabaicas fortes, e não frágeis; para que todos quantos correm o mar saibam que se não pode passar além. Se desejas conhecer o retrato de tão MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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ilustre varão, busca-o nas duas grutas, na França hispânica e na betlemita. Se nelas como Pedro dorme, está vigilante como pastor ou antes seu sono e a vigília; pois além se associa à celeste milícia entre os vigilantes espíritos, aqui o seu corpo está sob a guarda da Virgem Repousa em paz. Este epitáfio foi feito no ano de Cristo de 1697 (147). Inscrição que está na fonte do Carapichel, na Vista Alegre, mandada fazer pelo bispo de Miranda D. Manuel de Moura Manuel Esta fonte, ó navegante, cuja liquida corrente, christaes prodiga desata attenções vistosa prende. Esta nympha que ao Vouga só em léguas mais de sete adoça as águas salgadas feita Nayade ou Nereide Esta agua que o bem commum á vara liberal deve de um sabio pastor sacro militar, juiz, regente. Esta veia cuja origem a do Paraiso excede; pois da casa da Senhora mais bem nascida descende. Contém todas as virtudes das fontes mais excellentes e dá remedios á vida depois de dar morte á sêde se a frequentas por agrado.

(147) GOMES, J. A. Marques – A Vista Alegre, apontamentos para a sua história. Porto, 1883, p. 13.

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Sendo aos narcisos enfeite é das graças Natalis e das musas Hippocrene e Aratuhsa de Alpheo mas por modo differente: pois de um rio a outro rio aquella foge, esta segue. Egeria de melhor Numa que magnifico e prudente na arca o numero invoca no tanque a prata dispende. Biblis que, sem culpa, ao rio irmão por parte de Thetis murmurando a esquivança vae abraçar docemente. Fonte emfim do sol contigua ao templo de Deus dos Deuses contra a calma a fonte fria para o frio fonte quente. Se a buscas por medicina é qual a de Circe ou Sètbys Fonte que as doenças cura cristal que a vista esclarece eguala a fonte de Marsyas com benefica anthitheses pois se aquella pedras cria est’outra pedras derrete. Não se turba com as vozes, antes para que a celebrem, sarando-as como a de Samos as louva como a de Eleasis. Ao que estuda suas margens activa a memoria sempre como a fonte de Beocia opposta ao curso de Lethes. A quem da fonte Salmacis bebeu as aguas ardentes esta agua banhando as fontes livra do amor, qual Seleno, e quando perdido abrindes MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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achas no Vouga ou heyncestes esta qual fonte de Erigon faz com que o vinho aborreces Se por devoção visitas sua affluencia perenne é choro com que olhos pios na capella á Virgem servem. É fonte de Jerichó que as plantas da rosa vestem e que outro Eliseu com Moura fez suave, lenta e fertil. É fonte prophetisada se tanto póde dizer-se pois sae do templo santo, e vae regando a torrente. Do mar de graças Maria o rio e fonte procedem mas lá junto á lapa mana cá da mesma penha desce. Bebe, pois, bebe á vontade acharás que é (muitas vezes) tão util para a saude quão para a vista alegre (148). 19.º BISPO DE MIRANDA 1 de Outubro de 1701 a 2 de Agosto de 1715 D. João Franco de Oliveira – Natural de Condeixa-a-Nova, concelho de Coimbra, bispo de Angola e depois arcebispo da Baía desde 1692, de onde foi transferido para a diocese de Miranda. Faleceu em Condeixa-a-Nova a 2 de Agosto de 1715 e jaz na igreja matriz desta vila, em bom templo mandado construir pelo rei D. Manuel, na capela de S. Tiago, e destruído pelas hordas francesas de Massena em 1810, onde ainda se vê o seu túmulo com um letreiro. Nos documentos oficiais usava o título de «bispo-arcebispo». (148) Ibidem, p. 18. Também se encontram estas poesias em O Arqueólogo Português, vol. IV, p. 223 e seguintes.

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Tomou posse do bispado de Miranda a 1 de Outubro de 1701 (149) e nele fez a sua entrada solene a 15 do mesmo mês e ano. Há documentos de ter feito a visita da diocese pelo menos no ano de 1702. Deve ter sido no tempo deste prelado ou no do seu antecessor que a D. Diogo da Anunciação Justiniano, natural de Lisboa, doutor pela Universidade de Coimbra (que morreu em Évora a 28 de Outubro de 1713, havendo nascido em 1654, e fora nomeado e sagrado arcebispo de Cranganor, na Índia, para onde não chegou a ir, resignando por isso a mitra), lhe foram consignados 300$000 réis de côngrua no bispado de Miranda e consignações idênticas noutros bispados (150). A D. João Franco de Oliveira dedicou o jesuíta Manuel da Silva a sua obra – Silva Concionatoria (Sermões) (151). O retrato deste prelado, existente no Paço Episcopal de Bragança, tem esta legenda: D. Joannes Francus / de Oliveira Conimbrigoe / natus vulgo Condeixa / 1.º episcupus Angolae ar / chiepiscupus Bahiae obiit / natali solo die II augusti / anno Domini M.D.CC. XV. / ubi jacet in ecclesia / majori. Frei Fernando de Abreu diz que este prelado era irmão de José Franco Cabral, pai de João Cabral da Silva, fidalgo da casa real, ambos filhos de Manuel Esteves Cabral, que também tinha foro na casa real, e de sua mulher D. Maria Franca da Silva, filha herdeira de João Franco de Oliveira, que depois de viúvo foi prior da igreja de Vila Nova dos Anjos. O escudo deste prelado vê-se num precioso leito de pau preto, finamente entalhado e ainda em bom estado de conservação, no Paço Episcopal de Bragança. É esquartelado e tem no primeiro quartel as duas cabras passantes dos Cabrais; no segundo o leão dos Silvas; no terceiro a oliveira dos deste apelido e no quarto as dos Francos – quatro palas e sobre elas uma banda. Este leito estava arrumado a um canto, num terreiro do Paço, como inútil. Porém, o gosto artístico do actual prelado, D. José Alves de Mariz, mandando-o reparar, fez com que esta apreciável relíquia voltasse a ocupar o lugar que lhe compete.

(149) PIRES, Manuel António – Opúsculo..., p. 24. Lista dos Bispos... in «Estatutos do Cabido». LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Condeixa-a-Nova». (150) Portugal Antigo e Moderno, artigo «Lisboa», p. 313. (151) SILVA, Manuel da – Silva Concionatoria, tomo I, p. 330.

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57 TOMO II

Na cerca do mosteiro de S. Bento apareceu uma lápide de granito, muito deteriorada, que se conserva agora no Museu Municipal de Bragança, onde se lê ainda este letreiro na disposição seguinte:

que se refere a uma nascente de água (fonte) encontrada no ano de 1713 quando D. João Franco de Oliveira, arcebispo, era prelado da diocese e uma tal D... CNA das Chagas, abadessa do mosteiro.

20.º BISPO DE MIRANDA 8 de Junho de 1716 a 15 de Agosto de 1737 D. João de Sousa Carvalho – Clérigo secular, doutor em teologia e lente de Escritura na Universidade de Coimbra, cónego magistral nas sés de Viseu, Coimbra e Évora, deputado do Santo Ofício, reitor do colégio real de S. Paulo em Coimbra (durante dez anos) e bispo de Miranda. Foi também inquisidor de Évora desde 4 de Março de 1710 até 1716. Era natural da vila de Borba, no Alentejo, onde se criou, mas nasceu em Évora onde foi baptizado a 23 de Fevereiro de 1658, filho do desembargador Pedro Ferreira, morreu em Miranda a 15 de Agosto de 1737, pelas dez horas da noite, e foi enterrado no plano da capela da Senhora dos Remédios da Sé de Miranda, em harmonia com as disposições de seu testamento (152). A 8 de Junho de 1716 foi confirmado bispo de Miranda (153), de que (152) SILVA, Inocêncio Francisco da – Dicionario Bibliográfico. Lista dos Bispos de Miranda in «Estatutos do Cabido». (153) Ibidem e CONCEIÇÃO, Cláudio da, Frei – Gabinete Histórico, tomo XI, cap. X, p. 93. No Arquivo do Cabido de Bragança, numa colecção de bulas em pergaminho, encadernadas em carneira roxa, há quatro bulas do papa Clemente XI respeitantes à eleição, confirmação e notificação à diocese do Miranda da eleição deste prelado.

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TOMO II

tomou posse por procuração a 5 de Setembro do mesmo ano, fazendo a sua entrada solene nesta cidade a 2 de Dezembro seguinte. A Lista do cónego Rocha, a que já nos referimos, diz que foi em Novembro de 1717 e que morreu a 18 de Agosto. A sua sagração havia sido aos 23 deste último mês. Inocêncio (154) menciona umas espécies referentes a um D. João de Sousa «eleito e confirmado successivamente bispo de Miranda e do Porto, arcebispo de Braga e de Lisboa, etc. Conta-se dele, continua o mesmo Inocêncio, ser tão frugal e económico no trato que pudera economizar das rendas das suas mitras dois milhões de cruzados, ou 800 000$000 réis, que tanto dispendeu com os pobres dos bispados cujas cadeiras ocupou». Não sabemos se o facto das economias é verdadeiro, pois apesar de vir precedido do preventivo – conta-se – deve ter muito de exagerado. No entanto, tal bispo nunca o foi de Miranda efectivamente, e nada tem de comum com o nosso biografado a não ser a coincidência dos dois primeiros nomes. Adiante produziremos um documento que mostra a grande caridade deste prelado. Há documentos que mostram ter este prelado feito a visita pastoral à diocese (155). Deixou escritas e publicadas as seguintes obras: – Sermão do Evangelista S. Marcos, Coimbra, 1689, in-4.º. – Sermão de S. Lourenço, na igreja de Nossa Senhora do Monte-Agudo. Lisboa, 1696, in-4.º. – Sermão do acto da Fé, que se celebrou na cidade de Coimbra em domingo 25 de Novembro de 1696. Coimbra, 1697 in-4.º. – Sermão das exequias do Ill.mo e Rev.mo Sr. D. José de Alencastre, bispo-inquisidor geral, na Igreja de S. Domingos de Évora a 23 de Outubro de 1707. Lisboa, 1707, in-4.º (156). – Consensus Constit. Unigenitus. Ulyssip, 1720, in-4.º (157). Para o resto da sua bibliografia ver o capítulo especial que damos em outro lugar. Este prelado mirandense, que era religiosíssimo (158), deixou na diocese monumentos que ainda hoje duram e, perpetuando-lhe a memória, mostram os seus títulos de benemerência em prol da diocese. (154) SILVA, Inocêncio Francisco da – Dicionário Bibliográfico, artigo «D. João de Sousa». (155) Ver o capítulo sobre a bibliografia dos bispos de Miranda. (156) SILVA, Inocêncio Francisco da – Dicionário Bibliográfico. (157) FARINHA, Bento José de Sousa – Sumário da Biblioteca Lusitana. (158) PIRES, Manuel António – Opúsculo de Considerações Históricas.

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Pelo documento n.º 15, adiante transcrito, que é a carta régia de 6 de Março de 1697, vê-se que os bispos de Miranda deviam assistir meio ano em Bragança, onde para tal fim teriam casas próprias. Ora sucede que no actual Paço Episcopal, na sua fachada principal, há um escudo primorosamente aberto em granito e nele esculpido um brasão que indica pertencer a este bispo, mostrando portanto ser ele quem levantou o edifício. É um escudo esquartelado e o primeiro quartel também esquartelado. No primeiro, as armas dos Sousas Arronches sem o filete em contrabanda, isto é, as armas do reino com a orla dos castelos; no segundo quatro crescentes de lua apontados com uma estrela de oito raios no meio e assim os contrários; no segundo e terceiro quartel as armas dos Carvalhos, que são uma estrela de oiro de oito raios dentro de um quadernal de crescentes de prata, e o quarto como o primeiro. Perfeitamente igual a este escudo é o que está nos Estatutos do cabido, dados por D. Julião de Alva, existentes no Paço Episcopal em Bragança, o que leva a crer que este exemplar lhe pertencia. Também para a bênção dos Santos Óleos em quinta-feira maior costuma vir o bálsamo em uma caixa de prata que tem esculpido na tampa idêntico escudo, o que mostra ser igualmente dádiva deste prelado. Do mesmo modo se vê o seu escudo em uma salva grande de prata das que servem nos pontificais e primorosamente aberto em madeira no tecto da sala de visitas do mesmo Paço Episcopal. O pouco que deixamos apontado leva-nos a supor que muitos outros benefícios dispensaria à diocese D. João de Sousa Carvalho, mas o tempo voraz e o homem voracíssimo têm-se encarregado de aniquilar os elementos que poderiam guiar-nos na sua discriminação. No entanto, só o que resta – atenta a virtude de tal homem e a sua competência intelectual, como vemos por alguns dos cargos que desempenhou e livros que publicou – devia dar-lhe direito ao respeito e consideração dos diocesanos, mas foi muito pelo contrário, como vemos pela sua pastoral de 24 de Julho de 1734, cujo extracto damos noutro lougar, pois, procedendo rectamente no intuito de extirpar velhos abusos, teve como recompensa graves desgostos que lhe apressaram o passamento. A morte deste prelado causou sérias discórdias entre os membros do seu cabido que, por se oporem à eleição, ou melhor, exercício de jurisdição do vigário capitular, cónego Francisco Xavier Aranha, foram alguns desterrados a 17 de Janeiro de 1741 para vinte léguas fora do bispado, por ordem régia, ficando ao arbítrio destes a escolha do lugar do desMEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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TOMO II

terro, mas sendo obrigados a sair do bispado dentro de cinco dias e em vinte e quatro horas de Miranda, incluindo estas naqueles. Os cónegos deportados eram os seguintes: António Afonso Cameirão, António José de Sá, José Samões, cónego magistral, Manuel Gonçalves Gamboa, Gaspar José de Sá, Bento Borges e Francisco Luís (159). A este assunto refere-se a carta seguinte: «Depois de V.m.cê receber do cabido da igreja cathedral dessa cidade a resposta que davam á carta que na fórma que S. Majestade ordena lhe deve ser entregue por V.m.cê observara se o mesmo cabido restitue ao conego doutoral Francisco Xavier Aranha ao officio de Vigario Cappitular desse bispado com toda a jurisdicção que lhe compete e de que o dito cabido injustamente o privou e notando ser o dito doutoral reposto no dito officio de Vigario Capitular e estar elle exercitando e na mesma conformidade ordena o mesmo Senhor ao doutor Juiz de Fóra dessa cidade ao qual participará V.m.cê esta carta para que fique intendendo o que ella contém. E de tudo o que houver dara V.m.cê conta pelo expresso que leva as cartas e hade voltar com as respostas. Deus duarde, etc. Lisboa 17 de Janeiro de 1741. Pedro da Motta e Silva. Snr. Corregedor da Comarca de Miranda» (160). Era irmão de Inácio de Melo de Sousa, fidalgo da casa real, e ambos filhos do desembargador Pedro Ferreira e de D. Serafina de Melo (161), mas o Códice 49 da Biblioteca Nacional de Lisboa diz que a mãe havia nome de D. Serafina de Sousa Carvalho. No Livro dos óbitos de Miranda do Douro, fl. 78 v., que se conserva no arquivo da mesma freguesia, encontra-se o assento deste prelado e nele se lê que viveu no bispado «com grande reputação e demonstrações de virtude, amigo dos pobres com os quais gastava com largueza e na administração da justiça com misericordia». Daqui se vê como não cabe a este prelado o que atrás fica transcrito de Inocêncio, e note-se que é este o único bispo de quem no assento de óbito se dá notícia das suas qualidades morais, nem se pode dizer que entrasse aqui espírito louvaminheiro, pois até nos assentos de óbito de dois prelados encontramos à margem notas irónicas. O Censual também lhe tece encomiásticas referências. (159) Encontra-se esta notícia numa lista manuscrita dos bispos de Miranda que vem junta a algumas Constituições desta diocese, bem como no exemplar que possui João da Cruz Teixeira, abade de Bouçoais. (160) Vem também junta às Constituições citadas. (161) ABREU, Fernando de, Frei – Catálogo dos Bispos de Miranda.

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A legenda que tem a tela do seu retrato, que está no Paço Episcopal de Bragança, diz: D. Joannis de Sousa Car.º / Borba natus oppido regionis trans / taganae; deputatus sanctae inqui / sitionis, canonicus magistralis eccl. conimbricensis, et in Academia / ejusdem civitatis professor ac magister primarius sacrae the / ologiae, obiit dic XV augusti anno domini M.D.CC.XXXVII / in hac civitate Miran / densi ubi jacet. No pavimento da capela de Nossa Senhora dos Remédios na igreja catedral de Miranda, em campa rasa de granito decorada com o brasão deste prelado, já descrito, lê-se o seguinte epitáfio: Aqui jaz o Ill.mo Sr. D. / João de Sousa Carvalho / XX bispo de Miranda / governou XXI annos / morreo a XV de agosto / 1737. Os vinte e um anos do seu governo não podem entender-se a menos que não incluamos neles o interregno seguido à morte do seu antecessor.

21.º BISPO DE MIRANDA 11 de Fevereiro de 1739 a 29 de Dezembro de 1749 D. Diogo Marques Morato (em algumas partes encontra-se escrito Mourate) – Natural de Tavira, no Algarve, onde estudou gramática e humanidades com o célebre João Rodrigues do Rego, cego à nativitate, natural de Campo Maior, que na dita cidade ensinou por muitos anos com grande competência. Nasceu a 19 de Janeiro de 1670. Estudou Filosofia na Universidade de Évora e Cânones na de Coimbra. Foi desembargador da Mesa do Despacho, em Lamego, vigário geral no bispado do Porto, abade de S. Tiago de Bougado na mesma diocese e chanceler da cúria Patriarcal de Lisboa, tudo nos pontificados de D. Tomás de Almeida, bispo que foi de Lamego e Porto, primeiro patriarca de Lisboa e cardeal. Foi prelado da jurisdição de Tomar na Ordem de Cristo e ultimamente vigário capitular da diocese do Porto, de onde em 11 de Fevereiro de 1739 passou a ser nomeado bispo de Miranda, e proposto a sua santidade no consistório de 19 de Dezembro de 1740 (162), de que tomou posse

(162) CONCEIÇÃO, Cláudio da, Frei – Gabinete Histórico, tomo XI, cap. X, p. 92. Para as outras notícias referentes e este bispo, seguimos quase ipsis verbis a Lista dos Bispos de Miranda, que vem junta aos Estatutos do mesmo cabido. Códice n.º 682 (cota antiga B-11-12) da Biblioteca Nacional de Lisboa, fl. 20.

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por procuração a 19 de Março de 1741, e fez nesta cidade sua entrada pública, com grande solenidade, a 21 de Outubro de 1742, tendo entrado privadamente no dia 11 do dito mês e ano. «Governou o seu bispado com muita brandura e suavidade dissimulando mais que punindo os delictos dos subditos querendo-os emendados e não feridos. Fez várias obras nos paços episcopais, e ultimamente mandou fazer de novo a capela-mor da sua Sé pelas rendas da mitra a que deu princípio a 15 de Outubro de 1749. Foi muito esmoler com os pobres e necessitados e em idade de oitenta anos faleceu em Miranda a 29 de Dezembro de 1749. Jaz na capela-mor da Sé e se lhe fizeram suas exéquias a 26 de Janeiro de 1750 em que pregou o doutor Simão Preto» (163). Na tela que contém o retrato deste prelado, no paço episcopal de Bragança, há esta legenda: D. Didacus Marques Mouratus / Balsae natus Sacrorum canonum professor / ac doctissimus fuit Senator Curiae Eccl. / Lamecensis postea vicarius generalis Portu / ensi diœcesis ibi obtinuit abbatiam paro / chialem Divi Jacobi de Bengado dumum / Senator chancellariae patriarchalis curiae / Ulysiponensis ac Proelatus Nabantiae vul / go Thomar Vicarius capitularis Ecclesiae / Portuensis, obiit octagenarius dice XV / octubris anno Domini M.DCCXLIX. O dizer-se que morreu a 15 de Outubro é erro manifesto, pois do seu assento de óbito, que se encontra no livro respectivo no arquivo paroquial da freguesia de Miranda do Douro, fl. 131 v., consta que morreu a 29 de Dezembro de 1749, pelas 7 horas da manhã.

22.º BISPO DE MIRANDA 6 de Março de 1750 a 20 de Outubro de 1756 D. Frei João da Cruz – (O autor do Gabinete Histórico dá-lhe o nome de D. Frei João da Cruz Salgado mas tal apelido não lho temos visto em documentos oficiais). Natural de Lisboa, carmelita descalço, lente de Filosofia e Teologia na sua ordem, definidor geral na mesma e bispo do Rio de Janeiro, sagrado a 5 de Janeiro de 1741, mitra que resignou por

(163) Lista atrás citada. Simão Preto era natural de Fonte de Aldeia, concelho de Miranda, e morreu, sendo mestre-escola da Sé de Miranda, a 25 de Agosto de 1781.

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falta de saúde, sendo nomeado coadjutor e futuro sucessor de D. Diogo Marques Morato, cargo que não chegou a exercer pela morte deste. Tomou posse do bispado de Miranda a 6 de Março de 1750, fazendo entrada solene em Miranda a 16 de Julho do mesmo ano. Continuou as obras da capela-mor da respectiva Sé, que o seu antecessor deixara começadas, fez a visita pastoral à diocese e publicou notáveis pastorais tendentes ao bom regime desta. «Foi Prelado de tanta virtude e piedade, que mereceu o epíteto de Santo» (164). Pois apesar disso, ou melhor, por causa dessas mesmas qualidades, porque o proceder recto e enérgico indigna sempre os viciosos e relaxados, de onde resulta que os superiores acomodatícios nunca vêem contra eles as berratas de um certo público falho de princípios, derrancado em suas convicções, teve de curtir graves desgostos suscitados pela relutância em observar as suas determinações sábias e prudentes. Quando tratarmos do convento de Santa Clara de Bragança, mostraremos como as suas monjas se amotinaram por três vezes contra este bispo: em 13 de Março de 1752, em Março de 1755 e 26 de Agosto de 1756, por querer levantar a disciplina desta corporação. Morreu em Miranda a 20 de Outubro de 1756 e jaz na capela-mor da Sé catedral (165). A Lista dos Bispos de Miranda, que vem junta aos Estatutos desta Sé, e a legenda que está no seu retrato, no Paço Episcopal de Bragança, dizem que morreu a 19 de Outubro de 1755, no que certamente há erro, pois no capítulo sobre a bibliografia apontamos documentos que o dão vivo ainda a 11 de Setembro do ano seguinte. No Livro do registo da Câmara de Bragança, está transcrita uma carta do senado bragançano felicitando este bispo, com a respectiva resposta do prelado. Eis o texto delas: «Ex.mo e Rev.mo Sr. O Senado de Bragança representando todos os seus moradores dá repetidas graças a Deus por lhe haver dado um prelado na Ex.ma e Rev.ma Pessoa de V. Ex.cia com todos os predicados de singular em que esperam verificados todos soccorros que o mesmo Senhor recommenda; Pastor para nos guardar como suas ovelhas, advogado que hade defender a nossa razão, mestre porque nos hade tirar dos nossos erros e fonte que hade extinguir a nossa sêde. Todo o nosso cuidado será cum(164) PIRES, Manuel António – Opúsculo de Considerações Históricas, fl. 24. Códice n.º 682 da Biblioteca Nacional de Lisboa. (165) Ibidem.

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prir com a lei evangelica para não desmerecer o agrado de V. Ex.cia Rev.ma a quem humilhados pedimos a sua sagrada bençam e que Deus conserve a Ex.ma Rev.ma Pessoa de V. Ex.cia para sua maior gloria. Bragança 13 de Julho de 1750». (Seguem-se as assinaturas). Resposta do prelado: «Não só de grande estimação mas de grande agrado é para mim a honra que V.m.cês me fazem de letras suas por serem de um senado tão conspicuo e conterem huas expressões tão catholicas. Rogarei a Deus que supra com a sua graça a que me falta para poder desempenhar as obrigações de meu officio e a grande expectação de V.m.cês a quem offereço hua sincera vontade com um grande desejo de lhe dar gosto. Deus Guarde, etc. Miranda 17 de Julho de 1750». Ainda neste mesmo livro da Câmara de Bragança, fl. 205, se encontra transcrita uma carta deste bispo, datada de Miranda a 29 de Outubro de 1754, onde participa ao senado daquela cidade que no dia 3 de Novembro seguinte pelas oito horas da manhã estará no templo de Santa Maria, por onde começará a visita pastoral de Bragança «o que assim participa á Camara para que se sirva honral-o com a sua presença». O Catálogo que vem nas Constituições do Quina de Argozelo, a que já aludimos por vezes, diz que tomou posse da diocese de Miranda a 14 de Março de 1750, fazendo entrada solene a 16 de Julho e que faleceu em Lisboa a 20 de Outubro de 1756 «dum acidente que padeceu 2 anos, sepultou-se na capela-mor na 1.ª sepultura. Era prelado muito recto com os olhos em Deus». Não resta, porém, dúvida nenhuma: a sua morte sucedeu em Miranda a 20 de Outubro de 1756, como se vê pelo livro dos óbitos da freguesia de Miranda do Douro, fl. 166 v., que se conserva no arquivo da mesma freguesia, e ali se declara que foi enterrado na capela-mor da Sé e que apenas recebeu a «Santa Unção por falecer de acidente», isto é, repentinamente no final de dois anos que a moléstia o teve entrevado. Na tela que no Paço Episcopal de Bragança ostenta o seu retrato lê-se ~ o seguinte: D. Fr. Joannes a / Cruce Ulyssipone / sis, religionis ordi / nis Carmeli, episco / pus in America vul / go Rio de Janeyro / obiit in hac civita / te Mirandensi die XIX octobris anno / M.D.CC.LV. Falando deste prelado, diz o Censual já aqui tantas vezes citado: «Criou-se na vila de Chaves d’esta mesma provincia, vindo menino com seu Pay D. Antonio Salgado, que foi general de toda esta provincia de Tras os Montes e na dita villa estudou grammatica, e depois se foi para a MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Universidade de Coimbra por causa dos estudos, e por vocação especial deixou a Universidade, e se meteo Religioso Carmelita Descalço, em cuja Religião foi Mestre de Filosofia, Theologia, e Moral, e Prior nos principaes conventos della, e depois passou a Definidor Geral, por razão de cujo cargo se achava assistente em Castelle, de donde veio a beijar a mão a S. Majestade pela promoção que fez de Bispo de Pernambuco a D. Frei Luiz do Santa Thereza, seu irmão, e tambem filho da mesma Religião o que lhe occasionou o nomealo tambem o Senhor Rey D. João V Bispo do Rio de Janeyro, cujo dilatado Bispado governou 6 annos. Fundou na dita cidade o convento de Religiosas de Nossa Senhora da Conceição, no qual dispendeu muitos mil cruzados e visitou a maior parte do dito Bispado, e vendo que hum só operario não podia grangear ~ hua vinha tão dilatada, supplicou a S. Majestade que metesse mais operarios; attenta a justa supplica se dividio o dito Bispado em dous mais e duas Prelazias; como são o Bispado de S. Paulo, Bispado de Marianna, Prelazia de Goiazes e Prelazia de Cuiabá». «Apenas entrou em Miranda – continua o mesmo autor – cuidou em mandar fazer a capella mór desta Sé a fundamentis, em que gastou muitos mil cruzados; porque supposto que o Senhor D. Diogo tinha determinado o mandala faser, se não deu a este Decreto execução pelo pouco tempo de vida que lhe restou depois da dita determinação... Não se podem facilmente explicar as virtudes, zelo, rectidão de que Deus Nosso Senhor dotou a este Santo Prelado, que foi incansavel no seu Officio e Ministerio. Considerada a enfermidade que Deus Nosso Senhor lhe dispensou, e que o mesmo Prelado abraçou com indisivel conformidade, lhe aconselharão os Medicos que demitisse de si o despacho, pois julgavão ser ~ incompativel o trabalho com hua enfermidade tão grave; a isto respondia que tinha muito gosto de morrer no seu officio, assim succedeu, pois no despacho da noite de 19 de outubro para 20 do mesmo anno de 1756, ~ estando escrevendo hu a carta, com o zelo, que costumava, para o vigario da vara de Bragança repetio-lhe o seu accidente que lhe durou athé o romper da manhã, em que entregou o Espirito a seu Criador».

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23º BISPO DE MIRANDA 16 de Maio de 1758 a 1770, pelo menos antes de 10 de Julho desse ano D. Frei Aleixo de Miranda Henriques – Frade da Ordem dos Pregadores, mestre em teologia, grande pregador, vigário capitular e governador no arcebispado de Braga. Nasceu em Lisboa a 12 de Agosto de 1692. Era filho de Henrique Henriques de Miranda e de D. Maria Landroby, segundo o Códice n.º 49 da Biblioteca Nacional de Lisboa, fl. 128. Foi nomeado bispo de Miranda a 16 de Maio e consagrado a 24 de Agosto de 1758, tomando posse a 16 de Junho de 1759; mas as citadas Constituições de Eduardo de Quina dizem que foi a 5 de Junho de 1758, fazendo entrada solene a 30 de Novembro. Em 1770 foi transferido para a Sé do Porto, onde faleceu a 21 de Maio dê 1771 (166). A 10 de Maio de 1761 celebrou sínodo diocesano, o segundo desta diocese, sendo o primeiro no tempo de D. Julião de Alva, em que este bispo deu à diocese as Constituições e ao cabido os Estatutos, tudo ainda hoje em vigor (167). Este bispo deu novas Constituições à diocese, que ficaram manuscritas, ao que entendemos em um só exemplar, e por isso sem vigor. Ignoramos se essas Constituições foram apresentadas no sínodo diocesano. Também por carta régia de 10 de Maio de 1774, dirigida aos prelados do reino, foram mandados reformar todas as Constituições dos bispados em harmonia com os verdadeiros cânones, disciplina eclesiástica, leis civis e costumes do reino. Em observância desta lei, os prelados organizaram as suas Constituições que remeteram ao desembargo do Paço, para serem confirmadas, ouvido o procurador da coroa, e nesse tribunal se conservaram até ao ano de 1818 sem que se cuidasse de as imprimir (168). Onde pararão agora? Existirão lá as de Miranda? Serão as de D. Aleixo ou outras?

(166) PIRES, Manuel António – Opúsculo de Considerações Históricas, fl. 24. Lista dos Bispos de Miranda, junta aos Estatutos do cabido. Notícia dos bispos de Miranda, junta ao exemplar das Constituições de Edral. O Códice n.º 682 da Biblioteca Nacional de Lisboa diz que foi eleito bispo de Miranda em 1757. (167) Legenda que está no sou retrato no Paço Episcopal de Bragança. (168) SILVA, Inocêncio Francisco da – Dicionário Bibliográfico, Suplemento, tomo IX, artigo «Constituições Sinodais dos Bispados».

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67 TOMO II

O ficar Miranda deslocada num canto do bispado de trabalhosa comunicação, a aridez da cidade, os desastres que lhe causou em 8 de Maio de 1762 o exército de Espanha reduzindo a ruínas o seu castelo, debaixo das quais ficaram sepultadas cerca de quatrocentas pessoas e entre elas o secretário do prelado, e sobretudo os desgostos que os mirandenses tinham causado a este e antecessores, deram causa a que a 7 de Março de 1764 D. Aleixo de Miranda Henriques transferisse para Bragança a Sé Episcopal. A este propósito diz a lista dos bispos que vem junta aos Estatutos do cabido: «D. Aleixo movido de senistros intentos se mudou para Bragança com o cabido e auditorio arruinando sua mae a Santa Sé levando-lhe todo o movel precioso que tinha e roubando a prata da confraria unicamente para destruir esta cidade, gabando-se no pulpito de Bragança – que um Miranda destruiria Miranda – do que lhe resultou ser malquisto do povo e causa de muitas demandas injustas, destruidor dos bens da mitra que debia gastar com os pobres. Tem n’esta Sé o seu sepulchro que mandou fazer na capella de Nossa Senhora do Rozario que foi mal nao lhe servir para evitar os danos que causou a este bispado». ~ Miranda «era antes que el-rei D. Diniz lhe puzesse os olhos, hu a aldeia ignobil» (169); todavia, pelo foral e outros privilégios que este rei lhe concedeu, tomou certa importância, que a localização ali da sede do bispado em 1545 levou ao seu auge. Mas, no estonteamento da sua importância, esqueceu que era aos seus bispos que em grande parte a devia e desrespeitou-os, desconsiderou-os, injuriou-os, caluniou-os, guerreou-os e cobriu-os de desgostos, até que um deles, decidido e enérgico, esgotado o cálice do sofrimento, lhe vibrou o golpe de misericórdia, transferindo o bispado para Bragança. Que ao menos esta aproveite com a lição; que os homens verdadeiramente interessados pelo seu progresso, pela sua indústria e comércio, que nós todos, os bragançanos, ponhamos aqui olhos de ver, desprezando as sendas perigosas onde aventureiros maquiavélicos tentam lançar-nos. Os fins sinistros que têm em vista devem ser bem conhecidos de todo o fiel bragançano, para os mandare tabuam et sachare batatas, como se lê no Palito Métrico.

(169) CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano, ao dia 9 de Maio.

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O seguinte soneto, cuja paternidade se atribui a D. Frei Aleixo de Miranda Henriques, mostra claramente quantos deveriam ser os desgostos que Miranda lhe proporcionou para lhe merecer tal conceito: Muralhas e paço derrubados, Quatro centos vizinhos, mil prejuros, Vinte infanções, trezentos villões puros, Um castello sem tiros, nem soldados. Julgadores d’El-Rei... tres desterrados, Vistas d’arredores... penhascos duros; Sem fontes nem jardins dentro dos muros, Uma alfandega, casa de malvados. Um secco rio que horto nenhum rega A barca só por gancho se governa Uma camara que ás vessas manda; Inverno de regelos, fome eterna Verão de Ethiopia e de Finlanda Eis ahi a cidade de Miranda (170). A 17 de Novembro de 1764, por carta régia que adiante damos (171), autorizou o rei a mudança da Sé para Bragança, vindo a confirmação papal em 1776 (172). Em Bragança, começou D. Aleixo a Sé catedral na cerca do actual seminário (173), obra colossal a julgar pelas ruínas que ainda existem, mas a sua transferência para o Porto e a negligência dos seus sucessores deixaram Bragança sem Sé. Entre estes, só D. José Alves de Mariz seria capaz de levar a cabo tal empreendimento, como até um seu inimigo se via obrigado a confessar (174); cremos até que o ilustre prelado já por mais de uma vez formou tenção disso, mas Bragança teve sempre o condão de não corresponder à boa vontade dos que procuram engrandecê-la.

(170) VASCONCELOS, José Leite de – Estudos de Filologia Mirandesa, vol. I, p. 148. NETO, José Maria – Rabiscos, 1907, p. 13 e seguintes, onde vem este soneto e outros do mesmo teor, bem como a sua refutação em igual campo e pelas mesmas consoantes. (171) Documento n.º 18. (172) VASCONCELOS, José Leite de – Estudos de Filologia Mirandesa, vol. I, p. 147. (173) PIRES, Manuel António – Opúsculo..., p. 27. (174) O Baixo Clero, n.º 44 do 1.º ano e n.º 2 do 3.º

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Provisoriamente serviu de Sé a igreja de S. João Baptista de Bragança, que era in solidum da mitra, como dizemos no lugar especial sobre esta igreja. Depois, por provisão do mesmo bispo de 30 de Janeiro de 1768 foi transferida para a capela dos Jesuítas, que é onde hoje se encontra (175). D. Frei Aleixo de Miranda Henriques, quando foi vigário capitular em Braga, mandou fazer a igreja do Recolhimento da Tamanca, na mesma cidade (176). Também em Bragança deve ter sido ele quem mandou fazer a casa do aljube na rua Fora de Portas, que servia de prisão eclesiástica, pois o escudo que tem no frontispício, com as armas dos Mirandas e Henriques, só pode convir a este prelado. É dividido em pala: na primeira, uma aspa vermelha entre quatro flores de liz e a segunda mantelada em cada um dos campos superiores seu leão batalhante, e no de baixo um castelo. Timbre, uma cruz florida como a de Avis encimada por uma coroa de conde; em cima desta uma cruz simples, e a cobrir tudo um chapéu episcopal. Encontra-se também o mesmo escudo na preciosa urna de pau preto, fina e profusamente entalhada, que na sacristia da Sé em Bragança guarda as três âmbulas grandes de prata que servem na bênção dos santos óleos em quinta-feira santa. Esta alfaia é de grande valor artístico e bem mostra o espírito grandioso deste bispo, de quem igualmente se vê o escudo pintado no tecto da sala da frente do Paço Episcopal de Bragança, contígua e à direita da de espera. O selo deste prelado ainda se conserva na Câmara Eclesiástica de Bragança e é como o acima descrito, tendo mais em volta a legenda: D. FR. ALEXIUS DE MIRANDA HENRIQUES EPISCOPUS MIRANDENSIS. Nas Anedotas do Ministério do Marquês de Pombal refere-se um facto ao parecer respeitante a este bispo, a quem dão o nome de Alexandre Henriques, frade dominicano. Eis as próprias palavras: «Este religioso tinha sido desterrado para a Asia no reinado de D. João V por causa da sua má conducta». Eleito bispo de Miranda, «no mesmo dia da sua inauguração deu assunto a uma anedota tão revoltante que pareceria incrivel se o estrondo que causou não levasse muitas pessoas a verifical-a. Esta anedocta mostrava tudo o que podia esperar-se de mais amargo durante o seu episcopado. Fez vestir uma mulher de bispo, pôz-lhe a mitra na cabeça e o baculo na mão, ceou com ela n’esta sacrilega mascarada e a tomou pela mão para começar o baile que dava a seus amigos. (175) BELLINO, Albano – Arqueologia Cristã, 1900, p. 198. (176) Ver o que dizemos ao tratar da igreja de S. João.

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Depois assinou o interdicto dos jesuitas de Bragança e o fez pôr em execução antes mesmo que chegasse á sua diocese, onde não havia mais que um collegio. Foi por este acto abominavel que começou o exercicio da sua jurisdicção episcopal. Alguns tempos depois publicou duas ordens tão injuriosas aos jesuitas como opostas aos sagrados canones» (177). Este livro é anónimo e escrito com evidente facciosismo; por isso nenhum crédito merece a anedota supra que apenas referimos a título de curiosidade (178). É natural que D. Aleixo, talvez zeloso de mais em cumprir a ordem de expulsão dos Jesuítas, publicasse algo que os ofendeu e daí o rancor que as Anedoctas, escritas evidentemente por gente da Ordem, lhe votaram. Nos arquivos paroquiais que temos examinado nada achamos deste bispo referente aos Jesuítas, se bem que tenhamos ideia de haver visto algo no da freguesia de Mairos, concelho de Chaves, que paroquiámos desde 7 de Dezembro de 1889 a 24 de Junho de 1896. Não podemos, porém, precisar em que termos. O Portugal – Dicionário Histórico, artigo «Henriques» (Frei Aleixo de Miranda) menciona sob este nome um religioso da ordem de S. Domingos, prior do convento da sua ordem de Benfica em 1728, muito considerado como pregador que deixou publicados alguns sermões. Ignoramos se é um e o mesmo bispo de Miranda. O retrato deste prelado conserva-se em tela no Paço Episcopal de Bragança. Tem na mão as Constituições que deu à diocese no sínodo celebrado a 10 de Maio de 1761, segundo se lê na página da direita; na da esquerda vê-se esta legenda: D. Fr. Alexius de Miranda / Henriques / ordinis praedictorum in Sacra / theologia magister, primas his / paniarum bracharoensis diocesis / primus vicarius capitularis ac gubernator a rege domno nostro / Joseph 1.º episcopus Miranden / sis electus a S.mo Domino Be / nedicto XIV fuit confirmatus / XVI matii (sic) et consacratus XXIV / augusti M.D.CC.LVIII aetatis suae LXVI eodem meuse quo natus. E na da direita: Constituições / Synodaes / do bispado de Miranda / novamente feitas e ordenadas / pelo Ex.mo Rv.mo Senhor D. F. Aleixo de Miranda / Henriques / da / Ordem dos Pregadores / e Bispo do mesmo Bis-

(177) Anedotas do Ministério do Marquês de Pombal e conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho, sobre o reinado de D. João I, rei de Portugal, traduzidas da nova edição francesa. Porto, 1852, livro II, p. 140. (178) As Anedotas do Marquês de Pombal foram publicadas em França pelos Jesuítas. ARRIAGA, José de – História da Revolução Portuguesa de 1820, vol. I, em nota à p. 217.

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pado / e do concelho / de S. Magestade Fima / propostas e acceites / em o mesmo Synodo / diocesano que o dito / Senhor celebrou em 10 / de mayo do anno / de 1761. 24.º BISPO DE MIRANDA 6 de Março de 1770 a 29 de Setembro de 1773 D. Manuel de Vasconcelos Pereira – Natural da vila de Castro Daire, bispado de Lamego. Nasceu a 1 de Março de 1731 (e não em 1732 ou 1733 como alguns apontam) e morreu a 29 de Janeiro de 1786, sendo bispo de Lamego, em cuja Sé jaz sepultado. Era filho legítimo de João Ferreira Ribeiro de Lemos e de D. Joana Teresa de Vasconcelos Pereira, pessoas ilustres. Graduou-se em cânones pela Universidade de Coimbra; foi deputado do Santo Ofício de Évora, de que tomou posse a 22 de Janeiro de 1752, de onde passou a 16 de Dezembro de 1759 para a de Lisboa, e promotor na mesma a 22 de Julho do ano seguinte. Foi também Inquisidor de Évora, na segunda cadeira, a 27 de Fevereiro de 1765 e na terceira de Lisboa a 19 de Abril de 1768. Por último, o rei D. José I nomeou-o deputado ordinário da Real Mesa Censória. A bula – Pastoris Aeterni – de Clemente XIV, expedida a 10 de Julho de 1770, dividiu o bispado de Miranda em duas dioceses: uma, composta dos ramos do aro de Mirandela com a sede em Miranda; e a outra com os territórios dos restantes e a sede em Bragança, sob a obrigação de nesta cidade se fundar uma catedral. Para a de Miranda foi eleito D. Manuel de Vasconcelos Pereira a 6 de Março de 1770 e sagrado na real capela da Ajuda a 29 de Outubro seguinte, tomando logo posse da diocese com procuração dele o abade de Lamalonga, ao qual nomeou governador do bispado, vindo depois ele próprio em 18 de Outubro de 1771. A 10 de Novembro de 1772 foi eleito bispo de Lamego, de que tomou posse a 29 de Setembro de 1773. Relativamente à sua acção episcopal em Miranda sabe-se que «governou a sua diocese com grande acêrto, administrava os Sacramentos aos infermos a toda a hora que succedia, dizia todas as missas em domingos e dias santos aos freguezes e prégava-lhe a doutrina Evangelica» (179). (179) Lista dos Bispos de Miranda junta aos «Estatutos» da mesma Sé.

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Em Lamego assinalou-se ela notavelmente, como largamente se pode ver na obra que relativamente às suas notas biográficas nos serviu de guia (180), singularizando-se principalmente por obras feitas na Sé, no Seminário e Paço Episcopal. Entre as suas benemerências destaca-se, como merecedora de especial louvor, a protecção, auxílio omnímodo e incentivo concedido a D. Joaquim de Azevedo, pároco de Várzea, na diocese de Lamego, para escrever a história deste bispado. 25.º BISPO DE MIRANDA E 1.º DE BRAGANÇA 3 de Outubro de 1773 a 27 de Setembro de 1780 D. Miguel António Barreto de Meneses – Inquisidor da mesa do Santo Ofício de Lisboa. Era natural de Braga e faleceu em Lisboa. Foi o primeiro bispo de Bragança, logo que se constituiu diocese separada de Miranda. A 3 de Outubro de 1773 tomou posse da Sé de Miranda, em que fora confirmado a 12 de Julho desse ano, para onde fora transferido após a ida para Lamego de D. Manuel Pereira de Vasconcelos, e entrou na cidade a 16 de Fevereiro de 1774 (181). Para Bragança fora eleito a 17 de Maio de 1771, segundo traz a lista dos bispos de Miranda que vem junto ao exemplar das Constituições que tem o abade de Podence, Manuel Bernardo Pires (182). As dificuldades para a erecção da nova catedral, como era mandado nas letras pontifícias, influíram, por certo, muito no ânimo deste prelado para solicitar a sua transferência para Miranda. Mas por último, reconhecendo que as duas sés, assim fragmentadas, não podiam sustentar dignamente os respectivos prelados e que as necessidades espirituais não exigiam tal divisão, dirigiu ao papa um memorial em que lhe expunha estes inconvenientes, pedindo-lhe que unisse numa só as duas dioceses para cujo efeito ele resignava a mitra de Miranda (183). A rainha D. Maria I, que então governava, deu o seu consenso para tal união, sancionada pela bula de Pio VI – Romanus Pontifex – de 27 de Setembro de 1780. (180) AZEVEDO, Joaquim de – História Eclesiástica da cidade e bispado de Lamego, 1877, p. 12, 101 e 119. Ver também o Opúsculo de Considerações Históricas, do cónego Pires, p. 27, e o Livro de contas do Seminario de Miranda, fl. 105, manuscrito existente da Biblioteca do Seminário de Bragança. (181) Lista dos Bispos de Miranda junta aos Estatutos da mesma Sé. (182) Estas listas merecem pouca confiança. (183) Pode ver-se este memorial em PIRES, Manuel António – Opúsculo…, p. 28. Ver também o Códice n.º 682 da Biblioteca Nacional de Lisboa, fl. 229 v., e também da mesma Biblio-

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O Códice n.º 49 (A-2-49) da Biblioteca Nacional de Lisboa, fl. 128, diz que este bispo nasceu em Barbudo, diocese de Braga, a 11 de Julho de 1723. No Paço Episcopal de Bragança está o seu retrato em tela com a seguinte legenda: D. Michael Antonius / Barreto de Mene / zes episcopus pri / mus brigantinus / XXV Mirandensis. E junto às suas armas, que são em escudo esquartelado: no primeiro, os arminhos dos Barretos; no segundo, cinco asas em santor como as dos Abreus; no terceiro, quatro palas como as dos Limas; no quarto a cruz florida como a dos Pereiras, e sobre o escudo, assentando, um escudinho com o anel dos Meneses. 26.º BISPO DE MIRANDA E 2.º DE BRAGANÇA 21 de Julho de 1773 a 9 de Setembro de 1792 D. Bernardo Pinto Ribeiro Seixas – É incalculável o trabalho que as poucas notas biográficas sobre este prelado, que damos a seguir, nos custaram. Numa Relação dos bispos de Bragança e Miranda, manuscrita, apensa a algumas Constituições desta diocese, encontra-se a declaração de que D. Bernardo Seixas era natural de Vila Franca, anexa de Viana, sem mais esclarecimentos. Escrevemos sobre o caso aos párocos de Vila Franca, concelho de Viana do Castelo; Azerede, concelho de Montemor; Ervedal da Beira, concelho de Oliveira do Hospital; Móis, concelho de Castro Daire; Enxara do Bispo, respectivamente reverendos António Tiago da Costa Trindade, Joaquim Maria Laranjeira, José António Rodrigues, António de Matos Macela e Afonso Gouveia Juzarte – aos quais aqui, gostoso, consignamos o nosso profundo reconhecimento pela boa vontade e presteza das suas informações – e todos nos declararam que nas suas freguesias apesar de haver anexas com o nome de Vila Franca, não havia memória de tal bispo nem nos respectivos livros do registo paroquial se encontrava o seu assento. Igual resposta nos deu o muito digno vigário da vara e pároco de Viana do Alentejo, reverendo Isidoro Dias Navarro. Temos, pois, que há engano em tal notícia.

teca o Códice n.º 49 (A-2-49). D. Manuel Caetano de Souza «Peças varias», fl. 102. O Memorial também se encontra manuscrito no fim do livro intitulado Censual de todos os beneficios deste bispado de Miranda, arquivado na Câmara Eclesiástica de Bragança.

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D. Bernardo Pinto Ribeiro Seixas nasceu na vila de Viana do Castelo, hoje cidade, a 8 de Outubro de 1718, segundo o Códice n.º 682 (B-11-12) da Biblioteca Nacional de Lisboa, manuscrito, fl. 20, ou em 1717, segundo o Códice n.º 49 (A-2-49), manuscrito, também da mesma Biblioteca, e foi confirmado no bispado de Bragança a 21 de Julho de 1773, conforme o primeiro desses códices, ou a 12 do mesmo mês e ano, em harmonia com o segundo, no fl. 129. Morreu em Bragança a 9 de Setembro de 1792, como se vê do respectivo termo no Livro dos defuntos da Catedral de Bragança. Era filho legítimo de Manuel Ribeiro Seixas e de Maria Teresa Veloso Pinto, filha herdeira do doutor José de Almeida e Carvalho da Rua, dos Ruas d’Agoa de Braga. Foi colegial no colégio pontifício de S. Pedro de Coimbra, e no tempo de colegial foi chanceler-mor e presidente da Relação de Braga e nela desembargador agravista e tercenário na Sé. Reuniu em si as duas cadeiras episcopais de Miranda e Bragança, ficando Miranda reduzida a uma colegiada, com autorização para o bispo se poder intitular das duas sés (184). Fez a visita pastoral à diocese, restando dela nesta nossa freguesia de Baçal a memória no livro dos Pastoraes e capitulos de visita aos 2 de Outubro de 1778. A Lista manuscripta dos bispos de Miranda, que tem o cónego da Sé de Bragança Antonio José da Rocha, à qual já mais vezes nos temos referido e a quem aqui, gostoso, consignamos o nosso profundo reconhecimento por varias informações sempre eruditas que a este prestimoso sacerdote e nosso antigo professor devemos, dá a este bispo, além dos apelidos já acima ditos, mais o de Diabrete. O seu retrato está em tela no Paço Episcopal de Bragança e nela a seguinte legenda: D. Bernardo Pinto / Ribeiro Seixas. As armas que usava este prelado eram: escudo esquartelado; no primeiro, os cinco crescentes em santor dos Pintos; no segundo, cinco besantes em santor e por baixo deles, à guisa de chefe, três estrelas de cinco raios postos em faixa; no terceiro, as seis cotas dos Costas, e o quarto era fretado de peças em banda e contrabanda, ao parecer três em cada uma. Por timbre uma cruz e por cima o chapéu episcopal. Em volta do escudo tem a seguinte legenda: Bernardus Episcop. Caliobr. (sic) et Mirand. (184) Códice n.º 882 (B-11-12), manuscrito da Biblioteca Nacional de Lisboa, fl. 20.

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27.º BISPO DE MIRANDA E 3.º DE BRAGANÇA 17 de Junho de 1793 a 13 de Junho de 1819 D. António Luís da Veiga Cabral e Câmara – Natural de Bragança, mas nasceu em Viana do Castelo a 10 de Novembro de 1758 e morreu em S. Salvador, concelho de Mirandela, a 13 de Junho de 1819 e foi sepultado em Bragança (185). Era filho de Francisco Xavier da Veiga Cabral da Câmara, fidalgo da casa real, comendador da Ordem de Cristo, governador das armas das províncias do Minho e Trás-os-Montes e tenente general, e de sua mulher D. Rosa Joana Gabriela de Morais Pimentel, natural de Bragança (186). Deste matrimónio houve dezoito filhos, dos quais nos ocuparemos ao tratar da nobreza bragançana, e entre eles Francisco António da Veiga Cabral da Câmara, governador e capitão-general da Índia, por carta régia de 24 de Agosto de 1793 até 30 de Maio de 1807, e 1.º visconde de Mirandela (187). Foi este governador que incorporou definitivamente na coroa a província de Pondá e outras anexas (188). O seu retrato encontra-se na História de Portugal, popular e ilustrada, de Pinheiro Chagas, tomo VII, pág. 404. A Lista do cónego Rocha acrescenta aos apelidos acima mais o de Caldeirão. O retrato deste prelado está em tela no Paço Episcopal de Bragança, mas não tem legenda. D. António, ainda de poucos meses, veio com sua família para Bragança, onde se criou; moravam num palácio que a família tinha junto à praça da Sé (189). As casas do Arco, bem conhecidas em Bragança, pertenciam ao morgadio dos Machucas, que andava nesta família (190). Recebida a prima tonsura, foi nomeado abade de Mofreita, concelho de Bragança, e a título deste benefício, então importante, concluiu a orde(185) O seu assento de óbito está no cartório da freguesia da Sé, no livro intitulado Livro dos defuntos da catedral de Bragança. (186) Ver o nome António Doutel de Almeida Machado e Vasconcelos em PINTO, Alberto da Silveira – Resenha das famílias titulares e grandes de Portugal, vol. II, p. 135. (187) SORIANO, Simão José da Luz – História da guerra civil em Portugal, 1.ª época, tomo II, p. 444, onde se relatam os seus feitos. CHAGAS, Pinheiro – História de Portugal, popular e ilustrada, vol. VII, p. 467, 468 e 621. (188) Portugal – Dicionário histórico, artigo «Índia». (189) Monumento à memória de D. António Luís da Veiga Cabral e Câmara, Bispo de Bragança. Porto, 1889, p. 6. (190) SEPÚLVEDA, Francisco Xavier Gomes de – Memórias históricas, críticas..., cap. IX.

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nação de presbítero, servindo-o depois como pároco por espaço de dez anos. Nomeado coadjutor e futuro sucessor do bispo D. Bernardo Pinto Ribeiro Seixas, à morte deste, em 9 de Setembro de 1792, ficou governando o bispado na qualidade de vigário capitular, até que foi confirmado bispo no consistório de 17 de Junho de 1793, tomando posse da diocese de Bragança a 5 de Janeiro de 1794 (191). No Almanach de 1803 lê-se que foi eleito bispo a 8 de Fevereiro de 1792 (referia-se à nomeação de coadjutor e futuro sucessor?) e trasladado para Bragança, do bispado de Pernambuco. Equivocar-se-ia com a nomeação que chegou a fazer-se de D. José Joaquim de Azevedo, bispo de Pernambuco, para a diocese de Bragança, quando no primeiro desterro de D. António lhe insinuaram a resignação, que chegou a aceitar coacto, segundo depois declarou na revogação que de tal acto fez, não tendo, portanto, lugar a confirmação do supra mencionado? A conduta extraordinária de D. António, que mais com o exemplo do que com repreensões ou castigos, era uma viva pregação contra os vícios e frouxidão dos que tinham a seu cargo fomentar a piedade cristã, despertou logo a má vontade dos que, acostumados ao dulce farnienti, se viam obrigados a perturbar os ócios de proventosas sinecuras: daqui a guerra sem tréguas, fomentada numa intriga surda de mexerico demolidor. É claro, à frente deste movimento, como mais visado, estava parte do seu clero, que via no fervor religioso, exemplificado pelo bispo, canseiras desacostumadas – confissões e comunhões semanais, quotidianas até, práticas e exercícios de piedade pelo mesmo teor... O ardente zelo do prelado leva-o a escolher Frei Caetano da Transfiguração, do convento de S. Francisco de Bragança, homem de notável virtude e merecimento, para seu confessor, director da Congregação de Eclesiásticos, que fundou no seu próprio Paço Episcopal, e capelão do Recolhimento do Loreto (192). Frei Fernando dos Santos, guardião do mesmo convento, não vendo com bons olhos tanto valimento ligado a um seu subordinado, que natu(191) Monumento à memória de D. António…, p. 62 a 117. Francisco Xavier Gomes de Sepúlveda, no cap. III das Memórias Históricas, Críticas..., deste bispo, diz que a posse foi a 1 de Janeiro de 1794; e deve ser este o dia exacto porque o autor diz que assistiu a ela, se bem que a Lista do cónego Rocha diz que foi no dia 3. (192) Ver o que dizemos ao tratar desta capela.

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ralmente tratava de se eximir da sua obediência, obtém ordem do provincial para Frei Caetano ser transferido a outro convento. O bispo, deixada um pouco a serenidade peculiar, escreve ao guardião (193) censurando-lhe abertamente o seu mau comportamento. Trata como obtida «obrepticia e subrepticiamente solicitada» a ordem da transferência e declara não consentir na mudança de Frei Caetano. E termina: «Deos guarde e conserve a Vossa Paternidade, concedendo-lhe tempo de fazer penitencia de que tanto necessita». Esta carta foi o pomo da discórdia. Pobre bispo! Mal sabia os poderosos que provocara! O guardião responde ufano tendo em pouco os seus ameaços (194). Daqui vieram as perseguições que o feriram por meio da Inquisição nas superioras dos recolhimentos; daqui os seus dois desterros da diocese (195), e consequentemente daqui a formação do partido que sistematicamente malsinou todos os seus actos em vida e ainda hoje persegue a sua memória. A 21 de Fevereiro de 1797 (196) são presas as superioras dos recolhimentos de Mofreita e Loreto de Bragança à ordem do Santo Ofício e remetidas para as prisões deste em Coimbra (197), nas quais estiveram encerradas por três anos cada uma em sua cela sem jamais se verem, sendo afinal julgadas e condenadas em sete anos de prisão e a nunca mais voltarem ao bispado de Bragança, em cuja Sé catedral e igreja de Mofreita se mandou publicar esta sentença. Em Setembro de 1799 é D. António mandado retirar do seu bispado e recolher à corte, vindo para isso um aviso régio ao corregedor encarregado de lho intimar e fazer cumprir. O bispo não obedeceu ao primeiro aviso; veio, porém, outro mais violento e teve de partir (198). Em Lisboa alojou-se primeiro numa casa na freguesia de Santiago e passou depois para outra ao Arco do Cego. Aqui, de acordo com a corte, o patriarca de Lisboa teve várias conferências com ele no intuito de o levar a resignar o bispado, ao que D. António acedeu depois de muito instado, chegando a ser nomeado para lhe suceder D. José Joaquim de Azevedo, bispo de Pernambuco; mas ao inter(193) Pode ver-se esta carta em SEPÚLVEDA – Memórias Históricas, cap. V, onde vem na íntegra. (194) Ibidem, onde vem transcrita esta carta. (195) SEPÚLVEDA – Memórias Históricas, cap. VI, e MIRANDA – Vida de D. António, cap. VI. (196) Sepúlveda, nas suas Memórias, cap. VI, diz que essa prisão foi em 1798. (197) Monumento à memória de D. António..., p. 15, mas na p. 182 diz que a prisão foi em 1798. (198) Ibidem, cap. XV. e Memórias, cap. VII.

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porem-se as bulas em Roma, D. António reclama a renúncia, dizendo que lhe fora arrancada por violência e coacção, em vista do que continuou sendo bispo de Bragança (199). No Arco do Cego, como em Bragança, a multidão que constantemente o cercava para o ouvir, era enorme: três a quatro mil pessoas por dia. Os seus adversários, não podendo resignar-se a este incremento da sua popularidade, conseguem que seja mandado internar pelo governo no mosteiro de S. Vicente de Fora dos cónegos regulares de Santo Agostinho de Lisboa, sob pretexto que podia sublevar as turbas. O arcebispo de Lacedemónia, vigário geral do patriarcado, foi o encarregado da comissão, que D. António muito lhe estranhou por o ver assim atentar contra as imunidades eclesiásticas, em vista do que, confuso o arcebispo, se escusou ao príncipe da comissão, sendo então encarregado de a executar um desembargador acompanhado de soldados, para violentamente a porem em obra, caso fosse necessário. Não foi preciso: D. António dispôs-se logo a partir, dizendo apenas: Circundederunt me milites (200). Em S. Vicente de Fora se conservou até à entrada dos franceses em 1807, comandados por Junot. Tendo este general lançado a todo o reino uma contribuição de vinte mil cruzados, D. António recusou-se ao pagamento da parte imposta sobre as rendas eclesiásticas da sua diocese e escreveu uma «eruditissima dissertação» que fez correr e lia a quantos o visitavam, onde demonstrava que o decreto de Napoleão, que declarava extinta a casa de Bragança, além de injusto era um grande erro político do imperador. Junot, ciente de tudo isto, fê-lo remover, acompanhado por um oficial francês, para o mosteiro dos monges de S. Bernardo de Alcobaça (201). De Alcobaça foi para Carnide, sítio próximo a Lisboa, quando os franceses invadiram pela terceira vez Portugal (202), habitando antes disso algum tempo em Loures (203). Por último, o príncipe regente expediu um aviso do Rio de Janeiro pelo qual era permitido a D. António o regresso ao seu bispado, para

(199) SEPÚLVEDA – Memórias…, cap. VII. (200) Ibidem, cap. VII, e Monumento…, p. 64. (201) SEPÚLVEDA – Memórias…, p. 66. (202) Monumento…, p. 68. (203) SEPÚLVEDA – Memórias…, cap. VII.

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onde logo partiu, entrando em Bragança a 11 de Junho de 1811 (204) depois de uma ausência de doze anos. Pouco se demorou em Bragança, indo, por causa de incómodos de saúde, estabelecer residência em Castro de Avelãs, aldeia nos arredores daquela cidade. O concurso de gente continuou aqui sendo o mesmo que em toda a parte onde o prelado se encontrava, em vista do que, a 7 de Julho de 1814, veio em nome do príncipe regente uma portaria para o fazer recolher ao convento do Buçaco, de Carmelitas Descalços, dentro de oito dias (205). A 25 de Fevereiro de 1818 foi expedido pelo rei D. João VI, na corte do Rio de Janeiro, um aviso aos governadores do reino para que permitissem a D. António recolher à sua diocese e residir onde lhe aprouvesse (206). Este aviso chegou ao Buçaco a 17 de Junho de 1818 (207). Já durante o desterro em Lisboa deixara encarregado do governo do bispado o deão Caetano José Saraiva, mas, falecendo este em 1804, o cabido elegeu em 1 de Junho do mesmo ano Paulo Miguel Rodrigues de Morais, cónego mestre-escola, sendo confirmado em carta do prelado de 18 do mesmo mês e ano (208). D. António, mesmo desde que voltou, não cassou as jurisdições ao novo eleito, embora, como é sabido, com a sua presença ficassem limitadas, e sempre continuou a exercer seus poderes bastante amplos, porque o prelado foi residir para Castro de Avelãs. Depois, no segundo desterro do prelado, recluso no Buçaco, continuou Paulo Miguel no exercício do mesmo cargo, mas o cabido, já fortemente dividido em dois partidos, um contra o bispo e outro a favor – alegando a facção contrária que aquele não tinha título algum jurídico para governar a diocese e mesmo que algum tivesse decaíra dele por ter espancado um capelão da Sé –, elegeu interinamente Francisco Xavier Gomes de Sepúlveda, abade de Rebordãos, como vigário capitular e mandou ao prelado uma delegação composta de Miguel Garcia Rodrigo, arcediago de Mirandela, e Manuel dos Santos Morais, capelão da Sé, que se apresentaram no Buçaco a 17 de Julho de 1816. (204) Monumento..., p. 71. As Memórias…, cap. VII, dizem que essa entrada foi em Julho. Igual data menciona também o abade de Medrões. (205) Ibidem, p. 73. SEPÚLVEDA – Memórias…, cap. IX, onde vem também a portaria que mandava recolher o bispo ao Buçaco. Adiante damos por extenso essa portaria. (206) Adiante vai este documento. (207) Monumento..., p. 77. (208) SEPÚLVEDA – Memórias…, cap. X.

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Este não os recebeu, ou melhor respondeu-lhes à porta fechada que a Santa Sé providenciaria, em vista do que o cabido apelou para o metropolita de Braga, donde obteve despacho favorável a 12 de Novembro de 1816 e com ele – e de acordo com o Núncio Apostólico em Lisboa Machi – foi eleito Vigário Apostólico o abade de Lustosa, Joaquim de Santo Agostinho de Brito França Galvão, a 18 de Março de 1817, que tomou posse a 13 de Maio seguinte (209). Como é natural, Galvão encontrava como adversários intransigentes os capitulares que seguiam o partido do prelado e do seu governador Paulo Miguel, já então deão da Sé, e muito clero que se supunha infamado por algumas pastorais de Galvão, nomeadamente pela de 30 de Setembro de 1817 a que chamavam libelos famosos (210). No entanto, Galvão, segundo Sepúlveda nas Memorias citadas, a quem vamos seguindo, empreendeu notáveis melhoramentos na diocese e no Seminário, das obras neste «e doutras mais cousas, em que o Vigario Apostolico muito louvavelmente extirpava abusos e compria o seu dever, se originou a grande contenda que se manifestou contra elle no dia 17 de novembro de 1817, da parte do deão Paulo Miguel e capitulares, seus adherentes, que pelo que respeita ao Seminario se fundava em se verem privados de uma simples janella de diversão (bem escusada a quem sahe do coro de falar em Deus) e d’uma casa necessaria, que logo se lhe fez em parte commoda. D’esta contenda resultaram procedimentos do Vigario Apostolico contra elles, como insultadores da sua auctoridade; varias contas ao governo por uns e outros: conhecimentos e informações do desembargador Manuel Marinho Falcão de Castro ao mesmo governo; e ultimamente, por ordem d’este, o desterro dos capitulares oppostos» (211). A ordem de desterro dos capitulares tem a data de 14 de Março de 1818 e intimava-os a sairem de Bragança dentro de cinco dias para as seguintes localidades: Paulo Miguel Rodrigues de Morais, deão, para Tavira; Matias da Costa Pinto e Albuquerque, mestre-escola, para Castelo

(209) Ibidem, cap. XI e XII, onde vem por extenso a sentença do metropolita e termo de recurso do cabido. (210) Ibidem. (211) SEPÚLVEDA – Memórias..., cap. XII. A janela da diversão, em que se fala no texto, será a que está na sala contígua ao coro da Sé, pela rectaguarda, onde os cónegos deixam os hábitos enquanto vão ao coro? Galvão pretenderia anexar esta sala ao Seminário, pois ainda hoje à entrada do corredor de Macau há uma porta que deita para esta sala, indício do que levamos dito?

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Branco; Francisco José Gonçalves, arcediago da Sé, para Lamego; Francisco Manuel de Morais Azevedo, cónego, para Viseu, e Romão Machado Peixoto, cónego, para o Porto (212). Por aviso régio de 14 de Julho de 1818, foi-lhes permitido voltarem à respectiva Sé (213), porque D. António recusou-se recolher à diocese sem que estes deportados fossem soltos. A 13 de Agosto desse ano entrou ele a pé em Bragança (214). Entretanto, os padecimentos de D. António agravavam-se cada vez mais. Sobretudo uma ferida aberta numa perna a purgar constantemente quase lhe embaraçava o andar, e por isso escolheu, como lhe facultava a Santa Sé, por intermédio do seu legado em Portugal na régia portaria que adiante damos, o lugar de S. Salvador, concelho de Mirandela, para residência, por ser clima mais benigno, para onde partiu, saindo de Bragança a 19 de Janeiro de 1819 em um «carro puxado a bois, coberto com algumas colchas e um colchão no sobrado, foi toda a sua equipagem», acompanhado dos seus padres, indo na primeira jornada pernoitar a Rebordãos (215). Antes de partir de Bragança deixou o governo do bispado entregue a uma Junta composta do padre João Ferreira, com o título de provisor e vigário geral, Manuel Doutel de Figueiredo Sarmento, cónego da Sé, e o padre João Rodrigues Lopes, natural de S. Julião, reitor do Seminário, todos com igual autoridade, devendo as resoluções desta junta ser tomadas por unanimidade ou maioria de votos. A Provisão constante dos poderes desta junta foi passada a 9 de Janeiro de 1819 e acautelava a hipótese de impossibilidade do presidente, homem de oitenta e dois anos; mas neste caso entraria em seu lugar, sem mais formalidade alguma nem documento, o padre Tomás José Rodrigues Fitas, de Azinhoso (216). Pouco tempo lhe foi dado viver em S. Salvador, pois morreu a 13 de Junho do mesmo ano. Logo que constou a sua morte, o mestre-escola da catedral de Bragança, Matias da Costa Pinto e Albuquerque, que ao tempo estava perto (212) Arquivo Distrital de Bragança, Livro do Registo da Câmara de Bragança, fl. 109 e 118. (213) Ibidem, fl. 118 v. (214) Monumento…, p. 79. (215) SEPÚLVEDA – Memórias..., cap. XVI. Frei Simão da Rainha Santa, que acompanhou o prelado nesta viagem, diz que sairam de Bragança a 11 de Janeiro e chegaram a S. Salvador no dia 14. Monumento…, p. 82. (216) Ibidem, cap. XV, onde vem por extenso a Provisão.

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de S. Salvador, talvez farejando o caso, apresentou-se ali imediatamente, maltratou o padre Pedro Nolasco, capelão do prelado, e pretendeu apossar-se do cadáver, o que lhe ia saindo caro porque o povo, que tinha D. António como santo, quis matá-lo ao ver que o parce sepultis era menos dignamente observado (217). De reforço ao mestre-escola veio também de Mirandela, onde se achava, o cónego Martinho José Sampaio. Albuquerque apossou-se violentamente de todos os papéis e manuscritos do prelado e, qual feroz Omar, queimou-os... e depois, a alguém que lhe disse «que só elle tivera a felicidade de poder formar conceito de quem era o bispo de Bragança, á vista dos seus manuscriptos, tanto em materias scientificas como systematicas», respondeu: «em materias scientificas nada achei, e emquanto ao mais reduzi a cinzas tudo quanto podia manchar a reputação do meu Bispo, bem como alguns papeis que achei escritos em cifra» (218). A 17 de Junho de 1819 veio o cadáver do prelado para Bragança, depois de embalsamado pelo médico Lopes, de Mirandela, ajudado pelo cirurgião Joaquim de Sá, do lugar de Vale de Asnes, tendo sido as entranhas enterradas na igreja de S. Salvador (219). No dia 18 chegou a Bragança e, por ser tarde, depositaram-no na igreja do Recolhimento do Loreto, por ele fundado. No dia seguinte, foi conduzido à Sé Catedral, onde se lhe fizeram as exéquias e ofício sob a presidência do deão Paulo Miguel Rodrigues de Morais, pronunciando a oração fúnebre o cónego Tomás Machado Peixoto. Foi inumado na capela-mor da mesma Sé, na sepultura em que dez anos mais tarde se enterrou o seu sucessor Sant’Anna e Noronha (220). D. António, sendo ainda abade de Mofreita, fundou nesta povoação o Recolhimento das Oblatas do Menino Jesus, que foi inaugurado solenemente a 1 de Novembro de 1793, sendo Maria de Jesus Manuela, natural de Mofreita, a sua primeira superiora, a qual cedeu a sua casa para nela se estabelecer o recolhimento (221). Sendo já bispo em Bragança, fundou também outro recolhimento junto à igreja de Nossa Senhora do Loreto, nos arrabaldes da cidade, inaugurado solenemente a 5 de Agosto de 1794, de que foi sua primeira (217) SEPÚLVEDA – Memórias..., cap. XVI. (218) Ibidem. (219) Ibidem, cap. XVI. (220) Ibidem, cap. XVII. (221) Monumento..., p. 166.

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superiora Domingas de Jesus Vaz, natural de Dine, concelho de Bragança (222). Este estabelecimento era destinado a recolher donzelas nobres, órfãs ou desamparadas, assim como aquele outro as de iguais condições pertencentes à classe do povo (223). Portaria que manda recolher o bispo de Bragança, D. António, ao Buçaco 7 de Julho de 1814 «O Príncipe Regente, tomando em consideração por uma parte o decoro da Sagrada pessoa do Reverendo Bispo de Bragança, e o escândalo de não exercitar função alguma da Ordem Episcopal, nem reger a sua Diocese, estando dentro dela, ainda que meia légua distante do seu palácio, todo entretido em preceitos de êxtases, sermões de mulheres assistidas de Cerofrarias e que se inculcam inspiradas, curas: curas que se dizem milagrosas, ajuntamentos continuados e assembleias nocturnas nas casas da sua própria residência: e por outra parte a inquietação em que andam os povos de dentro e fora da mesma Diocese, que iludido pela fama destes de outros semelhantes espectáculos, desamparam as suas casas, obrigações e serviços, indo em romaria, para engrossarem os ditos ajuntamentos e assistiram às mesmas assembleias nocturnas, mando que o dito Prelado se recolha interinamente, ao convento do Buçaco para onde partirá dentro de oito dias, depois de lhe ser apresentada esta Portaria, podendo ter em sua companhia um capelão e dois criados. E para que nada lhe falte na sua jornada, manda outrossim, que o Corregedor da comarca de Bragança o acompanhe, fazendo aprontar o que for necessário para a mesma jornada. Palácio do Governo, em 7 de Julho de 1814» (224). Regresso do prelado «O Rei, Nosso Senhor, anuindo às repetidas representações que da parte de S. Santidade lhe dirigiram os Núncios Apostólicos nesta Corte, (222) Ibidem, p. 174. (223) Ibidem, p. 179. (224) Assim se encontra no Livro do Registo da Câmara de Bragança, fl. 51, do Arquivo Distritial de Bragança. Sepúlveda, nas suas Memórias Históricas, Criticas..., cap. IX, também dá por extenso esta portaria.

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o falecido Cardeal Gallepi, e o actual Arcebispo de Damieta, é servido que os Governadores do Reino levantem a reclusão, em que se acha no Convento do Buçaco o Bispo de Bragança e Miranda D. António Luís da Veiga Cabral da Câmara, e não ponham embaraço algum a que volte para o seu Bispado, permitindo-lhe expressamente que possa estar aonde bem lhe parecer, e ditar a sua consciência; ainda que seja fora do reino, para qualquer viagem de devoção, mandando-lhe expedir para este efeito os precisos passaportes, no caso que ele os requeira: o que V. Ex.ª fará presente nesse governo, para que assim se execute. ... Paço Rio de Janeiro em 25 de Fevereiro de 1818» (225). No mesmo sentido, com data de 4 de Julho de 1818, foi expedida idêntica portaria ao vigário apostólico Joaquim de Santo Agostinho de França Galvão, notificando-lhe que, tendo cessado as suas funções, podia retirar-se da diocese de Bragança (226). Ascendência do bispo D. António (227) No reinado de D. João III, vivia em Lisboa um negociante muito rico de raça hebraica, chamado Antão de Castro, de quem ainda no século XVIII havia descendentes em Amesterdão e ainda hoje há no Porto e em Trás-os-Montes. Este judeu ocorreu várias vezes a apuros do erário real e por isso D. Sebastião concedeu a seus dois filhos, Diogo e Luís, as honras de fidalgos solarengos na quinta do Rio de Sacavém, permitindo-lhes que se assinassem Castros do Rio. De um destes filhos, Diogo de Castro, procedeu a casa de Barbacena, cujo sétimo visconde e segundo conde foi o famoso general de D. Miguel de Bragança que morreu em 1854 e nas exéquias do qual orou o grande Malhão. Diogo de Castro, casou com Brites Vaz, de família ilustre, prima do tristemente célebre Tristão Vaz da Veiga, que se vendeu com a fortaleza de S. Julião ao duque de Alba. Deste casamento procederam vários filhos e entre estes Martim de Castro do Rio, poeta, que casou com D. Margarida Henriques, filha de

(225) SEPÚLVEDA – Memórias..., cap. XII. (226) Ibidem, onde vem por extenso. (227) Estes apontamentos são tirados de CASTELO BRANCO, Camilo – Estudos para a formação do livro D. António, Prior do Crato e seus descendentes. Encontram-se reunidos ao Eusébio Macario, do mesmo autor, 3.ª edição, Porto, 1897.

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Jorge Furtado de Mendonça. Por este mesmo tempo, uma D. Catarina da Silva, pertencente a esta casa Furtado de Mendonça, casou com André Caldeirão, filho de Manuel Caldeirão, judeu muito rico. Uma irmã deste André casou com Jerónimo da Veiga Cabral, filho de Tristão Vaz da Veiga, o que vendeu a fortaleza de S. Julião. Desta aliança procedem os Veigas Cabrais de Trás-os-Montes. Outro irmão daquele André foi Francisco Caldeirão, lente jubilado da Universidade de Coimbra, desembargador dos agravos que saiu condenado por judaísmo pela inquisição e foi de hábito no auto público de fé celebrado em Lisboa a 21 de Abril de 1632. Como André morresse sem descendência, sucedeu-lhe nos vínculos o irmão lente, dos quais mais tarde se apossou judicialmente em detrimento de seus herdeiros, umas fracas mulheres, que viviam em Lisboa em 1720, e João da Veiga Cabral, mestre de campo dos auxiliares de Vila Real. Deste João da Veiga Cabral procede o bispo de Bragança D. António e o brigadeiro barão de Paúlos do tempo de D. Miguel, notável pela força hercúlea com que partia uma ferradura entre os dedos (228). O facciosismo inspira as acusações feitas ao prelado – sua defesa A vida de D. António é uma série de actos extraordinários: santo, lhe chamavam uns; visionário, iluso, louco, outros. Teve a loucura da cruz, dizem os primeiros, e por isso o marquês de Lavradio, em 10 de Maio de 1841, entregou ao papa Gregório XVI o processo concernente à sua canonização (229). Francisco Xavier Gomes de Sepúlveda, abade de Rebordãos, concelho de Bragança, e Inocêncio António de Miranda, abade de Medrões, mas também nascido, criado e falecido nesta diocese, foram os que mais se esforçaram em o deprimir. Quem ler desapaixonadamente as suas obras notará logo a malévola intenção que as inspirou. No entanto, o ascendente moral de D. António impunha-se por tal forma que seria fácil respigar por entre essas diatribes referências honrosas, que não tiveram coragem de ocultar, tanto elas se singularizavam, bastantes a nobilitar a memória de qualquer outro homem. (228) Veja-se a obra citada onde vêm interessantes notícias concernentes às famílias dos dois judeus Antão de Castro e André Caldeirão, que foram os mais ricos negociantes de Lisboa no seu tempo, cujos descendentes se tornaram notáveis na história. Ver Monumento…, p. 155, onde vem um mapa com a genealogia deste bispo. (229) Monumento…, p. 27, em nota.

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Sepúlveda não pôde deixar de reconhecer que D. António era «dotado de boa índole, de uma memória prodigiosa e de muita propensa para as letras a ponto de recitar de cor com facilidade pasmosa» os melhores trechos dos escritores antigos e modernos; seria até um «assombro se tivesse mais lógica e senso» (230); facto tanto mais para admirar quanto é certo que além do latim, estudado em pouco tempo na aula pública do Seminário de Bragança, não teve outros mestres devido a retirar-se logo com sua família para casa de Pedro Vicente da Veiga, abade de Carrazedo e depois de Santa Valha, seu meio irmão (231). Quando em 1814 D. António se retirou para Castro de Avelãs, onde o visitou o arcebispo de Burgos e o bispo de Astorga, confessa que estes dois eminentes prelados «faziam justiça às luzes, conhecimentos e boas intenções do bispo de Bragança» (232). O destaque intelectual deste bispo, que ainda hoje vive na lenda popular, foi devido ao próprio esforço e à vastidão da sua potência cerebral. O seguinte caso copiado das Memórias de Sepúlveda, que ainda memora outros, como uma dissertação crítica sobre os defeitos do plano de Napoleão ao mandar invadir a Península Ibérica, bastará para fazer-lhe a sua reputação. «Achando-se hum dia de visita em casa de Jose de Seabra da Silva, que foi Ministro d’Estado, e seu protector, aonde então se achava enferma huma Senhora da casa, chegou o medico a visital-a e depois de ter cumprido o seu dever foi dar parte a Jose de Seabra do estado da enferma. Antonio Luiz que ouvio o medico com attenção, entrou a por-lhe algumas duvidas sobre a molestia, e o curativo: o medico com attenção lhe respondia a tudo como entendia: elle lhe instava de novo; e o medico de novo lhe respondia; até que Antonio Luiz principiou a disertar sobre esta e outras molestias, de sorte que o medico embaçou, e o deixou discorrer livremente. Tendo Antonio Luiz acabado as suas dissertações se despedio, e sahio da sua visita: então o medico perguntou a Jose de Seabra: quem era aquelle medico que tão bem discorria? ao que Jose de Seabra lhe respondeo: que elle não era medico; mas o Bispo eleito de Bragança; e assim todos ficaram admirados dos grandes conhecimentos, que só por curiosidade tinha adquirido n’esta dificultosa sciencia!» (233). (230) MIRANDA, Inocêncio António de – Vida de D. António…, cap. III. SEPÚLVEDA – Memórias..., cap. I. (231) MIRANDA – Vida de D. António…, cap. I. SEPÚLVEDA – Memórias..., cap. I. (232) SEPÚLVEDA – Memórias…, cap. IX. (233) Ibidem, cap. III.

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Sepúlveda, fiado na arte que tinha de enfiar as coisas ao seu propósito, insinuando-se arteiramente no ânimo dos leitores (de manhoso, doloso e malicioso, o classifica o seu contemporâneo e colega Inocêncio António de Miranda (234)), desce a fazer capítulos de acusação daquilo que o mais elementar bom senso manda julgar nobreza de virtude. E assim o acusa de gravíssimos crimes: de não visitar as irmãs freiras nos conventos de Santa Clara e de S. Bento; de não lhes dar coisa alguma, bem como às demais famílias, alegando «que os bens da egreja não eram para enriquecer parentes» (235) (dos pobres chamava o bispo a esses bens (236)); de comer sempre com pobres à mesa estimando-os tanto a ponto de lhes dar os melhores pratos reservando para si os sobejos ou de vir uma vez para casa descalço, sem camisa e sem casaco por ter dado tudo isso a um pobre; de não ter dinheiro para gratificar o postilhão e muito menos para a impetra das bulas da sua eleição e confirmação, sendo preciso que para isso o bispo D. Bernardo Ribeiro Seixas lhe emprestasse doze mil cruzados. Narra com intuitos deprimentes que D. António estava jantando entre dois pobres quando o enviado de Lisboa da secretaria de Estado lhe trouxe a notícia da sua eleição para coadjutor e futuro sucessor do bispado de Bragança; que impassível, sem abrir o ofício, nem fazer caso dele continuou a jantar fazendo depois, como tinha de costume, uma conferência aos padres e mais povo ali presente, finda a qual tomou o ofício e encerrando-se a portas fechadas no seu quarto e passados quase três dias, sem dar rumor de si, nem ter tomado alimento algum, quando os familiares já receavam pela sua vida, arrombando a porta o foram encontrar arrebatado em êxtase e que «só depois de demorar ainda o postilhão alguns dias por falta de dinheiro em que então se via para o gratificar finalmente o despedio com a resposta da sua aceitação e com o donativo de vinte moedas» (237). Sepúlveda, na ânsia de malsinar todos os actos de D. António, acha imprudente o zelo com que, ainda abade de Mofreita, pregava contra a profanação dos domingos, querendo que seus fregueses se abstivessem de trabalhos ainda mesmo tolerados pelo costume, e contra o toque de instrumentos – pandeiro, gaita de foles, bailes e outros divertimentos.

(234) Apologias do Abade de Rebordãos… (235) SEPÚLVEDA – Memórias…, cap. I. (236) MIRANDA – Vida de D. António…, cap. I. (237) SEPÚLVEDA – Memórias…, cap. III.

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Vê-se que as exigências de D. António visavam apenas ao cumprimento das pastorais dos seus prelados, nomeadamente das de 18 de Dezembro de 1755 e 4 de Junho de 1744 e outras. Filha da mesma imprudência era a pretensão de D. António em não querer que se «cantassem ainda no tempo das segadas e malhadas aquelas canções rústicas, em que respiravam a decência e honestidade dos tempos antigos, que as produziram» (238). Pretendia também que as mulheres vestissem decente e honestamente, evitando aparecer nuas de pernas e braços, mas sempre com hábitos apertados até ao pescoço (239). Haverá aqui um zelo amargo, hipócrita? Não, mas sim o alevantado, o sublime que nobilita. Pelo que toca às tais canções que respiravam a honestidade dos tempos antigos, verifiquem-na os lidos nas obras de etnografia e nos folklores e verão que muitíssimas dessas romanzas, cantadas nas segadas e malhadas, respiram um desbragamento naturalista superior a quanto a moderna musa dos Zolas e quejandos canta, pois que a licenciosidade, o adultério e o incesto são temas carinhosos de muitas delas. De resto, António Luís às palavras juntava o exemplo. «Com a sua pessoa, escreve Sepúlveda, usava da mesma severidade que aos outros pregava; e a sua vida era edificativa e mortificada. Dava aos pobres quanto tinha, e muitas vezes os sentava à sua mesa, e comia com eles. Indo de jornada chegou a dar-lhes os sapatos, calções, e camisa, e recolher-se sem eles a casa. Comia uma só vez ao dia, e não dormia mais que três horas encostado em uma cadeira de braços, suprindo a falta de sono com muito chá, como ele dizia. Todo o tempo gastava no estudo, no seu ofício paroquial, na oração, e em devoções, e práticas, espirituais, ou na igreja, ou em sua casa de dia, e de noite aos seus fregueses, e freguesas, e mais pessoas, que o iam ouvir» (240). Não pode levar à paciência que D. António aconselhe a comunhão frequente, quotidiana até. Neste particular, levou Sepúlveda a tal ponto a sua animosidade, que publicou a Dissertação histórico-crítica sobre a communhão frequente e quotidiana, onde tentou mostrar a sem-razão de tal prática, sustentada em O Pão Nosso de Cada dia, obra traduzida sob os auspícios do prelado por Frei Caetano da Transfiguração. (238) Ibidem, cap. I. (239) Ibidem. (240) Ibidem. MIRANDA – Vida de D. António…, cap. I.

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O quanto ele se enganou veio mostrá-lo o decreto da Sagrada Congregação do Concílio de 20 de Dezembro de 1905 sobre a comunhão quotidiana, dando assim razão ao proceder do nosso bispo. Tudo serve a Sepúlveda para os seus fins. A recepção solene que Bragança fez ao prelado ao tomar posse da diocese, havendo iluminações por três noites seguidas e sendo recolhido debaixo do pálio e conduzido à Sé, montado em cavalo branco, guiado à rédea «por um cidadão distinto e á sua direita o general servindo-lhe de estribeiro», despertar-lhe-ia engulhos. De invejoso o classifica o colega, vizinho e contemporâneo Miranda (241), pois, frisando que todos os bispos entravam em Bragança pela capela da Senhora do Loreto, ao sul da cidade, e só este pela de S. Sebastião, a nascente, quer inculcar-nos o seu génio extravagante, amigo de singularidades. Que esta entrada do prelado de nascente a poente não foi despida de intenção misteriosa, dizem os seus admiradores. A amizade espiritual de D. António com Domingas Vaz e Manuela, primeiras superioras – fundadoras dos recolhimentos de Mofreita e do Loreto – é outra pedra de escândalo no pensar de Sepúlveda. Felizmente que nem ele nem Miranda jamais se atreveram a falar em amizades carnais, tanto o prelado era angelical neste particular. Mas para que as meias palavras, as reticências – de velhaco (242) o classifica Miranda – semeassem dúvidas no espírito dos leitores, põe na boca de um cura do bispo, ainda abade de Mofreita, o conceito de que entre ele e suas dirigidas se «divisava uma espécie de fornicação espiritual». Quem conhece os amorosos colóquios entre Jesus Cristo e S. Francisco de Assis, que S. Boaventura nos descreve na história da vida daquele santo; as amabilidades que S. Bernardo dirige à Virgem; as obras de Santa Teresa de Jesus e muito principalmente o Cântico dos Cânticos da Bíblia, certamente compreende a grandiosidade, o celestial de tais arroubamentos, fornicações aos olhos do mundo carnal. De resto, o Apóstolo saúda mulheres (243), e entre as cinquenta e três cartas do máximo doutor da Igreja, S. Jerónimo, encontram-se dezasseis dirigidas a mulheres. Por elas se vê a consideração que este grande sábio lhes ligava (244), pois na dirigida a Assela, que é a décima desta colecção, o grande luminar da Igreja queixa-se amargamente de alguns velhacotes

(241) Apologias do Abade de Rebordãos… (242) Ibidem. (243) S. Paulo, Epistola II ad Thimoth. Idem, ad Filemon. 2. (244) Divi Hieronymi Stridonensis Epistolae. Hispalis, 1670.

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que o difamavam pela sua demasiada convivência com uma dessas mulheres e o tinham por homem perdido e cheio de vícios. A S. Francisco de Sales, com a Ordem da Visitação, sucedeu o mesmo: a frequente convivência que o sábio e santo bispo mantinha com a sua cooperadora Joana Francisca Fremiot [de Chantal] foi pedra de escândalo para os Sepúlvedas e Mirandas daquele tempo, o que não obstou a que ele mais tarde fosse canonizado. E como este, quantos! Para nada esquecer, apresenta-nos o abade de Mofreita, qual acanhado e simplório cura da aldeia, entregue levianamente a crendices de possessões demoníacas e práticas de exorcismos a tal ponto obcecado, que, quando o seu prelado D. Bernardo Pinto Ribeiro Seixas o chamou para lhe repreender tais abusos, se pôs a disputar com ele no intuito de lhe demonstrar que todas as criaturas têm possessões demoníacas. A grande capacidade intelectual que amigos e inimigos reconhecem em D. António mostra-nos a inanidade de tal censura. Mas como é que o bispo D. Bernardo tinha em conceito de leviano o jovem António Luís da Veiga e lhe confere ordens menores a fim de o prover num benefício simples da Ordem de Malta, de uma comenda usufruída por um tio materno do novel levita?! Como, não contente com isso, o melhora de situação, colocando-o na paróquia de Mofreita, então uma das mais rendosas da diocese?! Como é que para lhe pagar o zelo imprudente das práticas exorcistas, o indigita para seu coadjutor e futuro sucessor e lhe empresta doze mil cruzados para a impetra das bulas, como tudo confessa o próprio Sepúlveda?! É que o carácter de D. António é muito diverso daquele que seus inimigos pretendem inculcar-nos. Objecto de censuras ao prelado são também os recolhimentos de Mofreita e do Loreto, povoados logo, o primeiro por mais setenta mulheres e na mesma proporção o outro, sustentados à custa da mitra, as quais, além da instrução e educação religiosa, se ocupavam em trabalhos de mãos e prática de piedade, tudo a horas determinadas. E, no entanto, estes dois estabelecimentos, que resistiram à derrocada geral do tristemente célebre Mata frades e posteriores, e ainda hoje duram fomentando benefícios incontestáveis para atestarem a benemerência do seu fundador, foram por muitos anos as únicas casas de educação do distrito e diocese de Bragança. A mesma crítica apaixonada atinge a criação feita por D. António de uma congregação de eclesiásticos no palácio episcopal, sob sua regência e imediata do padre Frei Caetano da Transfiguração, do convento de MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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S. Francisco de Bragança, sustentada igualmente à custa do prelado, com o fim de educar e instruir jovens destinados, depois de ordenados, como modelos, para dirigir a diocese no múnus paroquial. «Os seus exercicios diarios eram o estudo da grammatica latina, da theologia moral e mistica, rezar em côro o officio divino, ouvir missa; oração mental; disciplina em certos dias, conferencias moraes, etc.» (245). Sepúlveda diz que esta congregação apenas durou dois anos, e assim seria, devido às perseguições e desterros de seu fundador. Mas a fama de virtude e saber dos nela educados, como Manuel Bernardo de Araújo, natural de Vale de Lamas, freguesia de Baçal, onde morreu (sendo cónego da Sé de Bragança) a 27 de Janeiro de 1846, o padre João Rodrigues Lopes, natural de S. Julião, concelho de Bragança, e outros, é bastante para lhe honrar a memória. Facto curioso: tiram D. António de Bragança sob pretexto de amotinar e seduzir as turbas; e desterrado em Lisboa, «continuava nas suas operações extraordinarias; o concurso do povo era immenso: os enfermos, e estropiados accudião de varias partes da cidade: as ruas se achavão entulhadas de toda a parte e de toda a qualidade de pessoas, que vinham humas com o fim de serem curadas; outras para verem hum Bispo, que se dizia santo: outras para observar com prudencia, e boas intenções o que se passava: e outras para tirar dedução de geral incredulidade. Estes milagres não aos centos, erão publicados a todos pelo mesmo Prelado, e padres seus familiares, e delles se fazião relações, que se lião e espalhavão por toda a parte. Porem, milagres que só existiam em algumas imaginações esquentadas, ou escritos nas ditas relações pelos enthusiastas, que logo os acreditavão sem o menor exame» (246). Quando o prelado regressou do primeiro desterro à diocese, em 1811, ficou em Lisboa o padre João Rodrigues Lopes «como chefe e director do grande partido que D. Antonio tinha alli adquirido». São célebres as cartas que o padre Pedro Nolasco, outro dos educandos na congregação fundada pelo bispo, escrevia de Bragança ao padre Lopes, e refutações que delas fez Henrique José de Castro, prior de S. Lourenço de Lisboa, combatendo apaixonadamente a acção piedosa de D. António (247). Por último, a mesma perseguição movida ao prelado estendeu-se a seus cooperadores. O padre João Rodrigues Lopes é preso no aljube, e

(245) SEPÚLVEDA – Memórias…, cap. V. (246) Ibidem, cap. VII. (247) Ibidem.

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uma junta de onze teólogos lisbonenses, mandada reunir, pelo patriarca eleito condena, a 20 de Abril de 1813, as doutrinas sustentadas nas cartas de Nolasco, que eram as de D. António, e obrigam-no a sair da capital dentro de três dias e em oito do patriarcado (248). Esta condenação foi mandada imprimir e baseia-se na de Pio VI, feita a 17 de Julho de 1779, sobre os erros, visões e delírios da religiosa Anna Agemi, da sua vigária Catarina e do patriarca dos maronitas José Pedro d’Estephanis que, como Fenelon, os patrocinava e favorecia (249). É notavel que, sendo José Maria de Santa Ana e Noronha um desses teólogos, quando mais tarde sucedeu na cadeira episcopal de Bragança e conheceu de perto a fama de virtude de D. António e a sua acção sinceramente evangelizadora, declarou-se protector e benfeitor dos recolhimentos de Mofreita e do Loreto!!! Nestas fundações, além das rendas que lhe pertenciam da mitra, consumiu o egrégio bispo a grande herança que lhe tocou de sua prima D. Luísa, reservando apenas um rico coche para... poleiro de galinhas!!! É tempo de entrarmos na verdadeira apreciação das razões que levaram Sepúlveda a tão injustificada animadversão contra este prelado. É inegável que o abade de Rebordãos foi homem de merecimento, mas viveu numa época de lutas sangrentas, paixões exaltadas, atravessando todo o período das nossas lutas constitucionais. Morreu em 1851 com noventa anos de idade. Sobretudo na diocese de Bragança a exaltação traduziu-se por um cisma religioso, engrandecido ainda pela ruptura com Roma. Daqui, os furores, a insânia da perseguição que deve atenuar muito os insultos pessoais que a respeito dos intelectuais, então em evidência, encontramos nos escritos da época. Assim, o abade do Medrões, Inocêncio António de Miranda, natural de Paçó de Outeiro, concelho de Bragança, em cuja diocese paroquiou durante muitos anos (vindo afinal nela a morrer na freguesia de Grijó de Vale Benfeito, em 1836, e que muito bem conhecia Francisco Xavier Gomes de Sepúlveda, pois foi seu vizinho de paroquialidade em S. Pedro de Serracenos), chama-lhe devoto afectado, contraditório, manhoso, hipócrita perigoso, vaidoso por mania,

(248) Ibidem, cap. XIV. (249) SEPÚLVEDA, Francisco Xavier Gomes de, abade de Rebordãos –Exame Crítico de um folheto do padre Frei Sebastião de Santa Clara de Vinhais… que ele intitula A Voz da Verdade aos portugueses seduzidos pela mentira. 2ª edição. Lisboa, 1838, p. 59. Monumento…, p. 25.

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religionário por arte, velhaco, doloso, orgulhoso, malicioso, invejoso, impostor e mentiroso (250). O prior de Baleizão, D. A. do N., além de vários outros insultos, chama-lhe homem de maliciosos estratagemas e sinistros intentos, e até herege arnaldista (251). Descontando, como a boa crítica manda, em tão deprimentes qualificativos, a parte devida ao facciosismo, sempre fica margem para crermos que algo disto entraria nas referências ao prelado. De resto, ele próprio declara «que não se lisonjeava de ser em tudo veridico» (252). Mais ainda: o partido dos beatos, pela boca de Frei Sebastião de Santa Clara de Vinhais, acusava Sepúlveda de jansenista, de ter comissão do diabo para falar contra os beatos e contra a frequência dos Sacramentos, de mentiroso, sedutor como um demónio, de ser um pelagiano, um traidor à Igreja ajudando à perdição de seus filhos, de ter sido uma tranca das portas do Céu (253), e de ser «o mestre-sala de quantas blasfémias, heresias, e maldades se fizeram neste bispado» (254). Ora D. António foi por todos julgado como o fundador desse partido; daqui, as iras. Sepúlveda esteve à frente do Seminário desde 4 de Agosto de 1817, nomeado pelo vigário capitular durante o segundo desterro do prelado. E logo que no ano seguinte voltou a tomar conta da diocese, imediatamente lhe dispensou os serviços nomeando vice-reitor o padre João Rodrigues Lopes. Não se ressentiria Sepúlveda? O seu amor-próprio, pundonor ou, se querem, vaidade, na frase de Miranda, aceitaria calmo tal proceder? Já atrás aludimos à eleição interina do abade de Rebordãos para vigário capitular feita pelo cabido no segundo desterro do prelado. Pois à deputação que foi ao Buçaco participar esta notícia D. António «nem resposta lhe deu, nem quis nomear e delegar!!!» (255). Parece-nos que estes três pontos de admiração, com que Sepúlveda (250) Apologias do abade de Rebordãos Francisco Xavier de Sepúlveda, contra as invenctivas e calúnias do abade de Medrões. Críticas a propósito do Cidadão Lusitano. (251) Ibidem. (252) SEPÚLVEDA – Memórias…, cap. I. (253) Resposta Apologética do abade de Rebordãos às gravíssimas calúnias que contra ele publica em um folheto com data de 5 de Março do corrente ano de 1836 o padre Frei Sebastião de Santa Clara do extinto Seminário de Vinhais. Lisboa, 1836. (254) SEPÚLVEDA – Exame Crítico de um folheto do padre Frei Sebastião, p. 3. (255) SEPÚLVEDA, Francisco Xavier Gomes de – Apêndice ao Exame Crítico do folheto do padre Frei Sebastião de Santa Clara do Extinto Seminário de Vinhais. Lisboa, 1838, p. 10.

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encerra o período transcrito, traduzem eloquentemente os defeitos biliosos extravasados nas Memórias. D. António provinha de família nobre, muito distinta, mas falha de meios, como tudo papagueia Sepúlveda (256); pelo contrário, a dele, além das pretensas antiguidades, actualizava-se singularmente: tinha como chefe seu irmão o célebre general Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda, posto tanto em destaque nas Guerras Peninsulares, e como sobrinho, filho deste, o não menos célebre coronel Bernardo Correia de Castro Sepúlveda, alma militar do movimento revolucionário de 1820. Outros dois sobrinhos haviam derramado gloriosamente seu sangue pela causa constitucional que era a triunfante, sendo chacinados barbaramente em Extremoz. Outro era deão da Sé de Bragança, vigário capitular, governador do bispado e – quem sabe? – bispo in fieri. Ainda outro era o visconde de Ervedosa. Tudo entrelaçado por casamentos com as famílias mais nobres da região, isto é, uma subia, subia ensombrada apenas pela dos Veigas Cabrais e Câmaras e a outra?... A que ponto influiriam estas naturais rivalidades forçadas a lutar em meio restrito e por isso mais viciado pelas pequenas invejas, intrigas e mexericos ainda mesmo que não metamos em linha de conta os qualificativos do Miranda? Pelo que toca a Inocêncio António de Miranda, abade de Medrões, é evidente que quem como ele faz a apoteose da maçonaria (257), seita condenada pela Igreja, declama contra o celibato eclesiástico (258), contra as festividades religiosas e acha suficiente a reza de um Padre Nosso depois de celebrar para dar graças a Deus (259), semeando pela sua obra várias outras proposições audaciosas inculcadoras de menos piedade, naturalmente embirraria com D. António, de proceder diametralmente oposto. Também para esta má vontade deve ter concorrido a questão da igreja de Quirás. Eis como ele a relata: «Certo ecclesiastico obteve pela Secretaria do Reino em 1804 esta egreja (de Quirás), quando se achava já outro com direito adquirido. Pedio este licença a S. A. R. para disputar com o novo provido; e sendo-lhe concedida, seguio-se o litigio, que durou sete annos; no qual o provimento foi julgado ob, e subreticio, e o auctor com o direito á dita egreja. (256) SEPÚLVEDA – Memórias…, cap. I. (257) MIRANDA, Inocêncio António de – O Cidadão Lusitano. 2.ª edição. Lisboa, 1822, cap. III e aditamento respectivo. (258) Ibidem, cap. VIII. (259) Ibidem, cap. VII.

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Requereu elle pela Secretaria do Rio, ajuntando as sentenças, e allegando a licença Regia, com que tinha entrado nesta disputa; mas nada servio: tres sentenças conformes da Legacia, e dous accordãos da corôa, tudo se desprezou; porque certo official da Secretaria, que tinha ajustado a egreja com um terceiro, punha duvidas a tudo. O estupido ministro, que à vista do julgado já não devia hesitar, achou que para maior clareza fosse consultado o desembargo. Então foi o requerimento remettido á Mesa para consultar o que ella fez em favor do direito julgado. Mas entretanto o dito official soube manejar o negocio de tal modo, que quando subio a Consulta já se tinha passado o decreto a favor de hum terceiro, que nunca tinha apparecido em juizo. A consulta teve por despacho: já não tem lugar –. E desta sorte ficarão baldadas as sentenças, os accordãos, a consulta e o que ainda he mais, a promessa regia, pela manobra de hum official manhoso, que se valia da estupidez dos ministros para fazer todas as traficancias, que lhe vinhão á vontade» (260). Esta pendência, em que Inocêncio António de Miranda foi contendor infeliz (261), tornou-se célebre na diocese; a ela aludem escritos do tempo. Com razão ou sem ela, parece que Miranda atribuiu ao prelado parte do mau êxito na sua pretensão; daqui, as iras.

Bibliografia Memórias Históricas, Críticas das acções e vida pública do Ex.mo e R.v.mo Bispo, que foi de Bragança e Miranda, D. António Luís da Veiga Cabral da Câmara, escritas por Francisco Xavier Gomes de Sepúlveda, abade de Rebordãos em 1832, falecido em 29 de Setembro de 1851, dadas à luz pelo seu parente e deão da Sé de Bragança, João António Correia de Castro e Sepúlveda, vigário capitular do bispado, fidalgo da casa real, comendador da Real Ordem Espanhola de Carlos III, condecorado com diferentes medalhas de distinção. Manuscrito in-fólio encadernado, papel grosso sem linhas pautadas, de 264 páginas. Começa com uma «Prefação», à qual se segue o índice e depois os capítulos, que são em número de vinte e um. Este manuscrito muito interessante, de que possuímos uma cópia, pertence a uma pessoa de Coimbra de alta posição social que nos proíbe de declarar o seu nome. Esta obra esforça-se por malsinar todos os actos do prelado, mesmo os mais inocentes, desvirtuando-os com suma malícia. (260) Ibidem, cap. IV. (261) Apologias do Abade de Rebordãos…

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Vida de António Luís da Veiga e Câmara, Bispo de Bragança, por Inocêncio António de Miranda (manuscrito). Contém uma espécie de prefácio, seguido de oito capítulos, e termina assim: «Lisboa 30 de novembro de 1812». Foi publicada pela primeira vez no Conimbricense, desde o n.º 2416 a 2425, ou seja de 20 de Setembro de 1870 a 22 de Outubro do mesmo ano. É tirada daqui a cópia que possuímos. Este escrito de Miranda obedece, no sinistro dos intuitos, ao plano do de Sepúlveda. O conde de Samodães refutou-a em A Palavra, desde o n.º 73 até ao 125, ou seja, desde 8 de Setembro a 7 de Novembro de 1885, e em o Monumento à Memória de D. António Luís da Veiga Cabral e Câmara, compilou o mesmo essa refutação. Ver Portugal Antigo e Moderno, vol. XI, pág. 1098, artigo «Villa Verde», em nota. Portugal Antigo e Moderno, artigos «São Salvador» e «Villa Verde» em nota à pág. 1098 do vol. XI e Zeive «S. Vicente de Fóra», pág. 551. Monumento à Memória de D. António Luís da Veiga Cabral e Câmara, Bispo de Bragança, pelos conde de Samodães, Artur Eduardo de Almeida Brandão, Manuel António Pires e Pedro Augusto Ferreira. Porto, Tipographia de A Palavra, 1889, in-8.º de XXXI-339 páginas, com o retrato do bispo e uma tábua da sua genealogia. Sobre o mesmo assunto vimos um opúsculo impresso anos antes, cujo título não podemos agora dar por o não termos à mão. Este retrato deve ser cópia do que o Dicionário Bibliográfico, artigo «Retratos por letra alphabetica», descreve da seguinte forma: «D. Antonio Luiz da Veiga Cabral da Camara, bispo de Bragança, a quem os seus adherentes chamaram o bispo santo! A sua biographia, que é assás curiosa, talvez chegue a vêr a luz acompanhada de documentos authenticos irrefragaveis. – Profil de gravura por Aguilar, desenho de Toti. Lisboa, 1812, sete centimetros. Além do referido retrato ha outro semelhante, porém reduzido a ponto menor e gravado pelos mesmos. A cabeça do bispo vê-se ahi illuminada por uns raios de luz, que sobre ella descem do alto! de 4 centimetros». É conforme a este último o que vem no Monumento. Exposição da Fé que professam e da disciplina eclesiástica que abraçam os párocos e presbíteros ortodoxos do reino de Portugal por os mesmos dirigida ao S.S. Padre Gregório XVI em 23 de Julho de 1839 e a resposta do mesmo S.S. Padre acompanhada da verdadeira interpretação, conforme o sentir dos D.D. Católico Romanos, dedicada à memória e ortodoxia do ex.mo e rev.mo sr. D. António da Veiga, bispo de Bragança. Pernambuco, 1841, in-4.º de 48 páginas. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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O Nordeste, de 24 de Abril e 1 de Maio de 1901, transcreveu do Correio Nacional, de Abril desse ano, dois brilhantes e longos artigos, onde o distinto escritor e professor Francisco Manuel Vaz refuta as acusações feitas pelas Novidades a este bispo e aos recolhimentos de Mofreita e de Fornos. Guia Histórico do Viajante no Buçaco, por Augusto Mendes Simões de Castro. Coimbra, 1890, 3.ª edição, pág. 131. 28.º BISPO DE MIRANDA E 4.º DE BRAGANÇA 24 de Setembro de 1824 a 24 de Dezembro de 1829 D. Frei José Maria de Santa Ana Noronha – Eremita da Ordem de S. Paulo da Congregação da Serra de Ossa, cujo instituto professou em 1779, doutor em teologia pela Universidade de Coimbra em 1792, pregador régio por carta de 8 de Novembro de 1802, deputado da Mesa do Melhoramento das Ordens Regulares e da Junta da Bula da Cruzada, etc., eleito bispo de Angra em 1823 e transferido para Bragança, de que tomou posse a 24 de Setembro de 1824. Regeu exemplarmente a sua diocese, pouco mais de cinco anos, em circunstâncias difíceis, em razão das convulsões políticas dessa época. Era considerado como homem de virtude e grande orador sagrado. Nasceu em Lisboa a 5 de Fevereiro de 1761 e morreu em Bragança a 24 de Dezembro de 1829, à uma hora e meia da manhã, sendo sepultado na capela-mor da Sé de Bragança (262). Há em meia folha, sem título, a sua biografia, impressa em 1830, que também se encontra nos Estudos Biográficos de Canais, a pág. 105, e na Biblioteca de Lisboa o seu retrato em corpo inteiro. Este prelado escreveu: Oração recitada na solene acção de graças, que pelo nascimento do sr.mo príncipe da Beira o sr. D. António, fez celebrar o primeiro regimento da Armada na igreja de N. S. da Pena. Lisboa, 1811, in-4.º de 23 páginas. Sermão da Natividade de Nossa Senhora. Lisboa, 1810... Discurso moral e patriótico, em que por motivos de religião se mostra que os portugueses devem ser fieis à casa de Bragança, como soberana legítima de Portugal. Lisboa, 1811, in-4.º de 30 páginas.

(262) O seu assento de óbito está nos livros do registo paroquial da freguesia da Sé de Bragança, em livro especial, chamado Livro de defuntos da catedral de Bragança. Documentos para a História das Cortes Gerais da Nação Portuguesa, tomo IV, p. 464.

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Oração funebre prégada nas exequias da rainha fidelissima D. Maria I, na real capela da Bemposta. Lisboa, 1816, in-8.º gr. de 32 páginas. Sermão analytico, prégado nas exequias do Santo Padre Pio VII, celebradas na egreja patriarchal de Lisboa no dia 26 de Septembro de 1823. Lisboa, 1823, in-4.º de 30 páginas. Sermão historico em acção de graças pelo restabelecimento de Sua Magestade ao augusto throno de seus maiores. Prégado na sancta egreja de Lisboa, em 13 de Julho de 1823. Lisboa, 1823, in-4.º de 28 páginas. Pastoral a todas os diocesanos do bispado de Bragança, na occasião de ser confirmado bispo, e tomar posse d’aquella diocese. Lisboa, 1824, in-4.º de 26 páginas. Pastoral aos seus diocesanos, exhortando-os a concorrerem com esmolas para a conservação dos logares sanctos em Jerusalem. Datada de 15 de Abril de 1825. Porto, 1825, in-4.º de 6 páginas. Pastoral exhortatoria aos seus diocesanos, por ocasião de alguns desacatos commettidos em varias egrejas do reino. Datada de 3 de Setembro de 1825. Porto, in-4.º de 8 páginas. Pastoral mandando publicar o Jubileu do anno sancto. 1826, in-4.º de 11 páginas. Pastoral annunciando aos seus diocesanos a morte do imperador e rei o senhor D. Joao VI, e recommendando a obediencia ao governo por elle nomeado. Datada de 18 de Março de 1826. Porto, 1826, in-4.º de 4 pág. Encontra-se copiada em os Documentos para a Historia das Côrtes Geraes da Nação Portugueza, torno II, pág. 21. Pastoral contra a doutrina de alguns que affirmaram ser licito em juizo o juramento falso, quando dado com intenção de fazer bem. Datada de 29 de Março de 1826. Porto, 1826, in-4.º de 7 páginas. Pastoral aos seus diocesanos, por occasião da guerra civil exhortando-os á obediencia a D. Pedro IV, e á Carta por elle outorgada. Datada de Bragança a 20 de Agosto de 1826. Porto, fólio de 3 páginas (263). Também se encontra esta pastoral em os Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, etc., acima citados, pag. 190. José de Arriaga, na Historia da Revolução de Setembro, tomo I, pag. 64, transcreve grande parte dela. Cathecismo Historico por Perguntas, e Respostas, Traducção, e Extracto do Pequeno Cathecismo de Fleury, para uso das Parochias do Bispado de Bragança. Lisboa, na Imprensa de Carvalho, 1827, in-8.º de 109 páginas. (263) SILVA, Inocêncio – Dicionário Bibliográfico. Monumento à memória de António Luís da Veiga Cabral e Câmara, p. 91.

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Cremos que seja deste bispo esta obra, apesar de não mencionar o nome do autor, mas no fim da «Prefacção» vem assinado Frei J., bispo de Bragança e Miranda. A 19 de Agosto de 1828 visitou este bispo o templo da Senhora da Serra, no termo da freguesia de Rebordãos, e pregou ao evangelho da missa cantada pelo abade Francisco Xavier Gomes de Sepúlveda «com aquele fogo e eloquência que lhe eram tão naturais» (264). Nesse mesmo ano, a 18 de Setembro, visitou a igreja de Rabal, como consta do respectivo arquivo. Após a morte do bispo D. António da Veiga, seguiu-se longa vacância. Ainda foi eleito bispo de Bragança D. Frei Manuel Nicolau de Almeida, carmelita calçado, doutor em teologia pela Universidade de Coimbra, opositor às cadeiras da mesma ciência e lente de uma cadeira de teologia criada por carta régia de 26 de Agosto de 1815, datada do Rio de Janeiro (265). Era natural de Vila Franca de Xira, onde nasceu a 25 de Dezembro de 1761 e morreu em 1825. Foi depois nomeado bispo de Angra, e em 1823 eleito de Bragança, mas não chegou a ser confirmado pela Santa Sé por causa do seguinte opúsculo: Cartas de um amigo a outro sobre as indulgências. Lisboa, 1822, in-4.º de 80 páginas, com um apêndice de nove páginas, tudo anónimo. Este livro não agradou. Contra ele saíram outros, e o douto bispo de Viseu D. Francisco Alexandre Lobo fez sobre ele uma longa censura, onde, apesar de não encontrar desvios na parte referente ao dogma, nem por isso deixava de achar inoportuna a sua publicação pela imprensa. Em vista disto o autor descobriu-se e escreveu: Resposta do bispo de Angra, eleito de Bragança, a alguns reparos que se fizeram a respeito do opusculo anonymo, publicado pelo mesmo bispo, e que tem por titulo «Cartas de um amigo a outro sobre as indulgencias». Lisboa, 1823, in-4.º de 168 páginas. Como esta resposta não satisfizesse, não foi confirmado bispo de Bragança (266). As notáveis qualidades oratórias do bispo Noronha eram geralmente conhecidas. Eis um documento coevo: «No dia 27 de Abril de 1826 se celebraram exequias solemnes por alma do rei D. João VI, ordenadas pelo (264) SEPÚLVEDA, Francisco Xavier Gomes de – Novena da Santa Natividade da Virgem Maria…, p. 31. Portugal – Dicionário histórico, artigo «Noronha». (265) RIBEIRO, José Silvestre – História dos Estabelecimentos Científicos, literários e artísticos de Portugal, vol. III, p. 75, onde pode vêr-se a carta que cria esta cadeira e muitas espécies sobre a censura das Cartas de um amigo (266) SILVA, Inocêncio – Dicionário Bibliográfico.

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bispo de Bragança na Egreja de Santa Maria do Castello da cidade de Bragança, concorreu tudo o que havia de selecto n’esta cidade: corregedor, senado, officialidade dos dois regimentos pertencentes á guarnição da cidade, com sua nobreza e grande concurso de povo. O bispo, que poucos dias antes orara nas exequias ordenadas pelo senado, orou tambem n’estas, causando grande assombro, como no curto espaço de alguns dias, se preparasse a orar na mesma egreja, com o mesmo auditorio e do mesmo funebre objecto e de uma maneira inteiramente differente» (267). As exéquias, mandadas celebrar pelo senado por alma do mesmo rei, tiveram lugar a 18 de Abril de 1826. Corre impressa uma folha avulsa, de que possuímos um exemplar, e que faz delas minuciosa descrição, dizendo que orou nesta cerimónia o bispo Santa Ana «que é o primeiro orador do nosso seculo». Parece que é unânime o sentir geral que considera este prelado como um dos maiores oradores do seu tempo. Ao nosso respeitável professor de latim, padre António José da Rocha, ouvimos dizer que o notável orador e fecundíssimo escritor José Agostinho de Macedo exclamara quando viu Santa Ana Noronha marchar para o seu bispado, como quem se vê livre de grande opressão: «Ora graças a Deus que já posso prégar em Lisboa à vontade». Soriano (268) também nos fala em «um bello e eloquente sermão em acção de graças» pregado por Santa Ana Noronha na patriarcal de Lisboa a 16 de Abril de 1811, por ocasião de se festejar em Portugal, com grande entusiasmo, a definitiva expulsão dos franceses. Já atrás apontámos o que dizia outro fecundo escritor, Francisco Xavier Gomes de Sepúlveda, abade de Rebordãos. Falando deste bispo, diz o autor do folheto A confraria do Senhor Jesus de Cabeça Boa (269): «Em 1831 (há erro talvez tipográfico; deve ter sido dois anos antes) prégavam no templo do Senhor Jesus de Cabeça Boa, perto de Bragança, dois humildes franciscanos de Vinhaes; a concorrencia era enorme, principalmente nas tardes em que ia a pé a ouvil-os o virtuoso e nunca esquecido prelado da diocese D. Frei José Maria de Sant’Anna e (267) Gazeta de Lisboa de 19 de Maio de 1826. Ver a descrição das exéquias celebradas pela Câmara de Bragança na morte do rei D. João VI, que inserimos no capítulo sobre a bibliografia e brigantinos ilustres. (268) SORIANO – História da Guerra Civil Portuguesa, segunda época da Guerra Peninsular, tomo III, cap. V, p. 443. (269) O nome de Júlio Pires de Castro na Lista dos escritores brigantinos.

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Noronha, o eximio orador da capella real, o que tinha nascido para ornamento da cadeira evangelica, o phenix dos oradores portuguezes; finalmente, o conversor do philosopho materialista Bocage! O bispo ouvia os franciscanos na capella-mór assentado n’uma cadeira de braços, ouvia as salutares verdades que elle, tantas vezes e com eloquencia por ninguem igualada, tinha pronunciado na Sé de Bragança, em Lisboa na presença das pessoas reaes, e em qualquer parte que era mister. Como iriam contentes as ovelhas, seguindo os passos lentos d’aquelle septuagenario pastor, que com o seu exemplo as convidava a ouvir a palavra de Deus! Quando ia no caminho, o espinho d’uma silveira lhe roçou n’uma perna, em tres dias se lhe gangrenou! Fez a sua ultima confissão e recebido o sagrado viatico, assentado em uma cadeira, em presença do clero, nobreza e povo com a sua nativa eloquencia fez o derradeiro discurso oratorio. Foi nessa occasião que corações de marmore se compungiram de dôr, e os olhos de todos os circumstantes se banharam de cupiosas lagrimas. Já exhausto de forças aquelle athleta evangelico, rematou a sua virtuosa oração com as palavras: Nunca eu tivera sido bispo. Passados poucos minutos morreu... Nada deixou a seus herdeiros porque tinha dado tudo aos pobres; mas legou á posteridade o seu nome indelevel no coração dos que o viram e ouviram as suas virtudes e incomparavel eloquência». É natural supor-se que este prelado, que deixou fama de virtuoso, caridoso, sábio e distinto como orador sagrado, fosse muito estimado e considerado pelos seus diocesanos e é provável que assim fosse, geralmente falando. Mas a perseguição é apanágio do merecimento e nem a virtude se prova senão pelo sofrimento, e por isso este prelado, exemplar dos bispos, como lhe chama um seu contemporâneo (270), viu-se crivado de injúrias e falsas acusações por Frei Sebastião de Santa Clara, do Seminário de Vinhais, que o taxava de herege e pedreiro livre ou mação (271). Também «na noite de 26 para 27 de Julho de 1826 o regimento de infanteria n.º 24 revolucionou-se em Bragança, por não quererem jurar a Carta Constitucional dada por D. Pedro, prenderam o bispo e alguns offi-

(270) SEPÚLVEDA, Francisco Xavier Gomes de – Exame Crítico do folheto de Frei Sebastião de Santa Clara, p. 55 e 59. (271) Ibidem.

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ciaes superiores que não quizeram adherir ao movimento e commandados pelo visconde de Montalegre internaram-se na Hespanha» (272). Contou-nos uma pessoa muito distinta que por mais de uma vez ouvira dizer ao douto e virtuoso cónego Manuel António Pires – a quem tantas vezes nestas páginas nos referimos – que no meio da sala de espera do Paço Episcopal de Bragança, onde estão os retratos dos prelados, foram dadas duas bofetadas ao bispo Santa Ana Noronha por um exaltado que à frente da população invadira aquela casa. Por isso, referindo-se a estes factos, escrevia pelos anos de 1872 o autor de A confraria do Senhor Jesus de Cabeça Boa, que este bispo foi «duas vezes ultrajado no próprio Paço Episcopal, outras tantas soffreu e perdoou. Já quatro prelados se succederam a este, ausentando-se todos mal satisfeitos... a ponto que no espaço de quarenta annos nenhum d’elles residir quatro successivos na diocese».

29.º BISPO DE MIRANDA E 5.º DE BRAGANÇA 1832 a 7 de Novembro de 1846 D. José António da Silva Rebelo – Da Congregação da Missão, bispo de Bragança. Era natural de Santa Catarina, concelho das Caldas da Rainha, distrito de Leiria, onde nasceu a 10 de Dezembro de 1779. Do respectivo assento de baptismo, que devemos à muita generosidade do pároco de Santa Catarina, Agnelo Monteiro Dinis, consta que este prelado foi baptizado com o simples nome de José a 18 de Dezembro de 1779 e era filho legítimo de António da Silva, sapateiro, e de Maria Fialha, a Abadessa, naturais e recebidos na vila de Santa Catarina; neto paterno de Manuel Francisco Seguinho, natural de Santa Catarina, e de Maria de Jesus, natural de Aljubel, e recebidos em S. Bartolomeu da Charneca, termo de Lisboa; e materno de Manuel Fialho e de Isabel Maria, naturais da Cumeira, freguesia de Santa Catarina. Foram seus padrinhos o padre Manuel da Silva e Maria Abadessa; faleceu em Almagreira, onde tinha família, concelho de Pombal, distrito de Leiria (conforme se acha no respectivo assento de óbito, cuja certidão devemos à muita amabilidade do digno prior José Nogueira), a 7 de Novembro de 1846 e jaz na capela-mor da matriz de Almagreira.

(272) Gazeta de Lisboa, de 5 de Agosto de 1826.

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A sua pastoral de apresentação à diocese é de Outubro de 1832, o que indica que ainda em 13 de Dezembro de 1831 estava a Sé vaga (273). Apenas tomou conta da diocese começou logo a fazer a visita pastoral, segundo irá apontado na respectiva bibliografia. Como D. Pedro, por decreto de 5 de Agosto de 1833, declarasse que não reconhecia como tais os indivíduos providos nos benefícios eclesiásticos pelo governo de D. Miguel desde a mais alta dignidade episcopal ao simples pároco, quando em Abril de 1834 se fez em Bragança a aclamação da rainha D. Maria II, o bispo – que andava em visita pastoral no ramo de Lampaças e fora provido por D. Miguel, confirmado por Sua Santidade e sagrado em Lisboa – fugiu e o general Jorge de Avilez, que repatriando-se da retirada para Espanha, expulsando a guarnição miguelista de Bragança, aí proclamava o governo constitucional, deu-o como decaído da dignidade. Eis o ofício dirigido ao cabido: «Achando-se vaga a Cadeira Episcopal desta cidade de Bragança, não só pela fuga do denominado bispo para os rebeldes; mas porque a confirmação deste pela Sé Apostólica foi ob e subrepticia, como assentando sobre eleição feita por quem, tendo usurpado a corôa portugueza, usurpara tambem o direito do padroado, que á mesma corôa compete nos altos beneficios ecclesiasticos: ordeno em cumprimento das ordens do Governo da Senhora D. Maria II, felizmente restabelecida nesta mesma cidade que V. S.ria annunciando, segundo o estylo, a vacancia da Sé, proceda immediamente á eleição de Vigario Capitular, segundo os Canones: e insinuo a V. S.ria que será muito do agrado do governo de Sua Magestade que a eleição recaia, ou no abade de Villarinho d’Agrochão, ou no reitor de Mirandella; porque em qualquer destes ecclesiasticos se reunem as circumstâncias, e adhesão ao legitimo governo e Carta Constitucional. Quartel General em Bragança, 18 de abril de 1834. – Jorge de Avillez. – Aos Illustrissimos e Reverendissimos Senhores Deão, Dignidades, Conegos e Cabido da cidade de Bragança» (274). Em vista desta comunicação, o cabido, ponderando que a diocese estava de facto vaga pela desconhecida paragem do bispo que embora

(273) SEPÚLVEDA, Francisco Xavier Gomes de – Apêndice ao exame crítico do folheto do padre Frei Sebastião de Santa Clara…, p. 45; e pelo que o mesmo diz nas Memórias do bispo D. António, fl. 22, vê-se que ainda em 5 de Maio de 1832 era apenas bispo eleito. (274) SEPÚLVEDA, Francisco Xavier Gomes de – Apêndice ao exame crítico do folheto do padre Frei Sebastião de Santa Clara…, p. 9.

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deixasse como seu delegado o chantre da catedral Manuel Martins Manso, depois bispo da Guarda (275), este desistiu em cabido de todas as suas faculdades e até passou a votar e assinar na eleição, escolheu a 21 de Abril desse ano como vigário capitular o abade de Caçarelhos, João Baptista Fernandes de Miranda, que teve este cargo apenas dois meses, pois a 21 de Junho foi pelo mesmo cabido eleito o doutor Rodrigo de Sousa Machado, lente de teologia na Universidade de Coimbra (276), que esteve à frente da diocese até 20 de Outubro de 1836, altura em que desistiu por carta dirigida do Minho ao cabido, sendo por este eleito em 9 de Novembro seguinte João António Correia de Castro Sepúlveda, arcediago da catedral, que conservou o cargo até 20 de Março de 1837. Então foi eleito o presbítero José de Ameida Sampaio em virtude da carta régia de 26 de Novembro do ano anterior (277). Este proceder do governo constitucional motivou a ruptura com Roma (278) e uma espécie de cisma, principalmente nas dioceses providas por D. Miguel – Évora, Bragança, Elvas e Pinhel – e nas vagas, como Braga, Porto, etc., visto o governo ter feito eleger para todas elas vigários capitulares. Na de Bragança, esse cisma existiu realmente (279) com todo o cortejo de perturbações vulgares em tais casos. Os mónacos (mónicos, diz o povo) – assim se chamavam os que não reconheciam a autoridade dos vigários capitulares insinuados pelo governo – recusavam ouvir missa ou receber quaisquer sacramentos dos párocos nomeados por estes, ainda mesmo na hora da morte, recorrendo para isso aos padres da sua facção que, como não eram párocos, exerciam as suas ordens um pouco ocultamente. E vivendo em casas às vezes fora dos centros de fácil acesso, eram procurados por gente de grandes distâncias que lá ia assistir aos actos religiosos. «Eis aqui, diz Sepúlveda, o triste e funesto estado em que muitas pessoas se tem posto neste bispado de Bragança, separando-se da Egreja Lusitana... e como na maior parte das parochias não há outros padres,

(275) Ver o seu nome na lista dos bragançanos ilustres. (276) SEPÚLVEDA, Francisco Xavier Gomes de – Apêndice ao exame..., p. 13. (277) Ibidem, p. 23. (278) Diário do Governo de 5 de Junho de 1845. ARRIAGA, José de – História da Revolução de Setembro, tomo III, p. 646 e seg. (279) SEPÚLVEDA, Francisco Xavier Gomes de – Exame crítico de um folheto do padre Frei Sebastião de Santa Clara…, p. 50. Vejam-se também as pastorais e mais produções que no capítulo da bibliografia dos bispos vão apontadas no período de 1834 a 1843.

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que os autorizados pelos vigarios capitulares, para elas nada de missa; nada de Sacramentos; nada de orações publicas, nem particulares com os outros fieis; a não ser com algum padre ou pessoa do partido, lá mui occultamente; e em algum oratorio domestico, que para isso costumam levantar» (280). Os seguintes factos mostram claramente o estado dos espíritos na diocese de Bragança durante o período de 1834 a 1841. No lugar de S. Salvador, concelho de Mirandela, a 24 de Janeiro de 1838, morreu uma tal Maria Teresa de Azevedo sem querer receber sacramento algum, embora admoestada para isso por várias pessoas, e dispôs em testamento ser enterrada sem acompanhamento de padre nem de cera. Já na quaresma de 1835 se recusara a cumprir o preceito quadragesimal. Era confessada do padre Frei Sebastião de Santa Clara, do convento de Vinhais, que se tornou célebre nesta época pela propaganda em folhetos manuscritos tendentes a afervorar as ideias dos mónacos (281). Em Nozelos, extinto concelho de Monforte de Rio Livre, hoje freguesia de Lebução, concelho de Valpaços, uma filha de um tal Cunha, outra de um ferreiro e ainda outra da mesma parcialidade não queriam rezar com seus pais ao toque das Avé-Marias, e mal ouviam o sino fugiam logo. Perguntadas pela causa disso, explicaram que seus pais estavam excomungados. Queixando-se estes ao administrador do concelho, um tal Lino, mandou-as este prender, fustigar e meter na cadeia (282). «Alguns parochos, diz Sepúlveda, que viram este escandaloso e formal desprezo da sua auctoridade, depois de muitas admoestações inuteis, participaram, como deviam, tão grande escandalo ás auctoridades ecclesiastica e civil: e estas procederam com censuras e multas pecuniarias contra algumas destas mulheres da Quinta de Moredo, unida á parochia de Val de Nogueira (hoje annexa á de Salsas); e outras do logar de Alvites, etc. Mas como estas boas almas estão persuadidas que infallivelmente cahem no inferno se recebem os Sacramentos, ou ouvem Missa de taes parochos continuam sempre na sua pertinacia, e nada é capaz de as fazer mudar» (283).

(280) SEPÚLVEDA, Francisco Xavier Gomes de – Exame crítico..., p. 52. (281) Ibidem, p. 51, em nota. (282) Ibidem. (283) Ibidem, p. 52.

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É por isso que o panfletário Frei Sebastião, «lamentando-se por lhe não ser possivel abrir o ventre com uma espada ou um tiro» ao doutor Alchitarra, como ele apodava escarninhamente o vigário capitular doutor Rodrigo de Sousa Machado, escrevia que o governo obrigava «cum fustibus etarmis» a assistirem às funções eclesiásticas, missa, sacramentos e ofícios divinos celebrados pelos comediantes (párocos nomeados pelos vigários capitulares) os que não iam por escrúpulo de consciência (284). Também o mesmo dizia a propósito dos indivíduos da diocese de Bragança, que com demissórios de vigário capitular, foram a Lisboa receber ordens do bispo de Cabo Verde, D. Frei Jerónimo por faculdade do patriarca D. Patrício I, que eram «os sacerdotes de Baál em romaria ao patriarcha Patrício Pedreiro», insinuando assim que era mação, pedreiro-livre (285). Ao seu zelo azedo não escapavam o chantre da catedral Manuel Martins Manso, o tesoureiro da mesma José da Graça Torres, o abade de Candedo, José Venceslau Rodrigues da Cruz e o abade de Penhas Juntas, José Inácio Guerra (286). Por último, até classificou o próprio bispo de doido, por causa da carta-circular de 16 de Abril de 1837 (287). Entretanto, as coisas políticas em Portugal iam tomando nova feição: as perturbações trazidas pelos setembristas, demagogos exaltados, triunfantes em 1836, que reduziam a uma soberania puramente nominal o poder da rainha, provocaram forte reacção e a tendência para congraçar todos os elementos conservadores, entre os quais avultava o clero, ao mesmo tempo que o cisma impunha a necessidade de reatar as relações com Roma. Era também neste sentido que o conde de Goblet, embaixador do rei Leopoldo da Bélgica em Portugal, homem que nesta época teve grande interferência nos nossos negócios, orientava os passos. Daí a portaria de 14 de Dezembro de 1838 revogando as de 1833 a 1835 que haviam declarado insubsistentes todos os provimentos de benefícios eclesiásticos feitos durante o reinado de D. Miguel. Por último, vencendo radicalmente a causa cartista, graças à audaciosa tentativa de António Bernardo da Costa Cabral, mais tarde conde de

(284) Ibidem, p. 50 a 59. (285) Ibidem, p. 28. (286) Ibidem, p. 59. (287) Ibidem, p. 37, em nota, e p. 43, onde lhe não poupa as acusações.

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Tomar, árbitro da política portuguesa no decénio em que vamos entrar, apareceu o decreto de 2 de Julho de 1841 que restituiu o bispo de Bragança à sua Sé, bem como os outros em igualdade de circunstâncias (288). D. José da Silva Rebelo andou oculto no princípio, durante algum tempo, por casa de alguns padres da diocese, mais ricos e reconhecidos pelas suas ideias legitimistas, e depois retirou para a terra de sua naturalidade onde passou todo o tempo que esteve ausente. O decreto da sua restituição a Bragança deu causa a uma representação dirigida à rainha pelo arcediago da Sé de Bragança, João António Correia de Castro e Sepúlveda, fidalgo da casa real, filho do tenente-general e conselheiro de guerra Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda, aos 18 de Setembro de 1841. Esta representação é uma carga violenta no bispo, bem como todo o folheto em que vem publicada (289). Sepúlveda, pondo em relevo as prerrogativas de filho de quem primeiro «alçou a voz, e levantou tropa para arrancar das mãos de Napoleão o throno» de Portugal, e dando-se como mártir das ideias liberais que o bispo combateu em homílias e pastorais, sente que a sua restituição a Bragança é uma quebra da dignidade da nação, um insulto à memória do Augusto Pai da Rainha e uma ofensa aos verdadeiros e fiéis portugueses que sacrificaram vidas e fazenda para lhe restituir o trono. «As Homilias e Pastoraes, diz Sepúlveda, deste Bispo, que por ahi correm impressas e manuscriptas, as suas expressões oraes, que offendem, e offenderão sempre os ouvidos dos bons portuguezes, continham injurias á sagrada Pessoa do Imperador, proferidas, e repetidas pela boca deste Bispo que a mais infima plebe não ousaria proferir; não lhe poupando o nome de ladrão, e usurpador, e outros convicios que a decencia faz calar». «Quererá V. Magestade – intimava solene o arcediago – admittir aos seus conselhos, pôr á testa do governo d’um bispado aquelle mesmo homem, que acompanhado de bayonetas, animando á cruzada usurpadora foi inimigo figadal do Augusto Pae de V. Magestade, e que jamais quiz reconhecer a V. Magestade como Rainha?». E, marchando por aqui adiante, num crescente de indignação, ponderava Sepúlveda que a restituição deste «bispo ao mesmo bispado aonde insultou tantos e tão fieis portuguezes» deixava perceber que esses esforços equivaliam a um crime. (288) ARRIAGA – História da Revolução de Setembro, tomo III, p. 213, 235-236. (289) Documentos justificativos de João António Correia de Castro e Sepúlveda.

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Pobre Sepúlveda! A pautar a sua representação pelas ideias de 1834, sete anos depois, ou seja um século, dada a aviltante degradação dos caracteres! Está-se a ver o limitado do seu intelecto, no dizer dos contemporâneos, que lhe não deixava compreender quanto os homens da época tinham evolucionado no sentido da venalidade, mudando de princípios e jurando constituições, as mais opostas, com a mesma facilidade com que despiam a camisa grata ao sabão da lavadeira. É que os exaltados constituintes, os terríficos vintistas, os demagogos setembristas, como os republicanos de nossos dias, lídimos propugnadores do bem-estar dos povos que ainda os crêem, estavam prontos a derramar até à ultima gota... de tinta nos escritos e berratas nos comícios ou parlamento, mas ficavam mansos borregos esforçando-se à porfia por alardear serviços e merecer cotação no paço, sempre que a choruda benesse, a honraria espaventosa os alçapremava de burgueses ridículos às cumeadas aristocráticas ou os olhares românticos de altas damas se lançavam entre lágrimas na generosidade destes magriços. Costa Cabral, pela portaria de 21 de Outubro de 1841, chamou o fogoso e quixotesco arcediago à realidade, estranhando-lhe, em nome de sua real ama, «o modo insolito, e imprudente, e irreflectido com que um dos principaes ministros da Sé de Bragança, e que melhor devera avaliar, e conhecer as necessidades espirituaes dos diocesanos d’ella... erguesse a voz, empregando a linguagem propria do mais cego espirito de rancorosa parcialidade». E para mais o mortificar mandou que o chantre lesse em sessão magna do cabido o corrige assim dirigido ao irrequieto arcediago. Sepúlveda (290) transcreve e comenta uma carta do prelado, datada de Oeiras aos 8 de Outubro de 1841, da qual, por conter espécies interessantes, vamos transcrever alguns períodos. É dirigida ao chantre da catedral e diz: «... Não foi bom, nem prudente que V. S.ª exceptuasse d’apresentarem os seus papeis, e receberem a absolvição das censuras, e as jurisdicções precisas para o desempenho do seu emprego, os collados nos beneficios; porquanto os que eram já parochos no meu tempo talvez contrahiram censuras, por assistirem ás funções ecelesiasticas com os intrusos; e os que foram collados pelos scismaticos não tem jurisdicção nenhuma; e por isso nem absolveram validamente nem validamente fizeram os matrimonios». Manda que chame todos os páro-

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cos e lhes exija os documentos. «Depois de estabelecida, continua o bispo, a legitimidade em todo o bispado, deve chamar-se cada um dos parochos, que foram intrusos, em particular, e aconselhar-lhes que revalidem os matrimonios, que fizeram no tempo da sua intrusão e isto assistindo só elle, os noivos, e as duas testemunhas: o mesmo se deve insinuar das confissões... e não tema, porquanto o Céu é que me restituiu de novo, o que elle mostra claramente, fazendo que o decreto de S. Magestade, a meu favor (291), fosse passado no dia da Visitação da Mãe Sanctissima, dia em que fazia annos que eu fui confirmado em Roma... Alem disso o ministro d’estado, e o E.mo Snr. Vargas prometteram ajudar-me... Eu vou a escrever ao ministro d’estado (que é meu amigo e de caracter firme)». Por aqui se vê que o cisma existiu realmente. Parece que este bispo frequentava muito Lisboa, pois o Diário do Governo de 31 de Março de 1844 menciona-o entre os subscritores que ocorreram com dádivas para os estragos de um incêndio, e os números de 6 de Abril de 1845 e 5 de Março de 1846 do mesmo Diário dão-no como presente às sessões da câmara dos dignos pares do reino dessa época, onde não era mero espectador, como se vê do número de 21 de Novembro de 1844, que traz o discurso que ele pronunciou em resposta ao conde de Lavradio. O pároco de Santa Catarina, juntamente com a certidão de idade do bispo Rebelo, enviou-nos algumas notas colhidas de pessoas que ainda conheceram este prelado. Segundo elas, D. José Rebelo passou escondido em Santa Catarina, onde tinha propriedades, grande parte do tempo que andou fugido durante o período de 1834 a 1841. Ali viveu protegido e oculto por um rico proprietário que, embora do partido contrário, o amparou generosamente. A sua fama de miguelista esturrado (a ponto de chegar a fornecer dinheiro a D. Miguel), de piedoso, instruído e escrupuloso cumpridor dos preceitos da igreja, sendo por isso geralmente bem-quisto, ainda hoje permanece em Santa Catarina. Refere também a tradição que, quando andava fugido, foi uma vez surpreendido pela tropa inimiga nas imediações de Almagreira, conseguindo, porém, escapar-se escondido num matagal, onde permaneceu quase dois dias sem comer nem beber, e que, sendo depois descoberto acidentalmente por uma criança, foi levado para a dita povoação quase desfalecido. (290) Documentos justificativos..., p. 16.

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30.º BISPO DE MIRANDA E 6.º DE BRAGANÇA 18 de Abril de 1849 a 20 de Setembro de 1852 D. Joaquim Pereira Ferraz – Era natural de Barcelos, onde nasceu a 27 de Setembro de 1788, e filho de Domingos Alves Ribeiro e de D. Ana Joaquina Ferraz. Tomou o hábito de S. Bento e capelo em Teologia a 14 de Junho de 1818, depois de ter sido premiado em todos os anos. Secularizou-se em 1828; no convento era chamado Frei Joaquim do Desterro. Foi abade de Meixedo, no bispado de Bragança, nomeado lente catedrático em 1834 e pro-vigário capitular do bispado da Guarda, antes de Setembro de 1836, durante alguns meses. A 18 de Abril de 1849 é eleito bispo de Bragança e confirmado em 18 de Setembro do mesmo ano, entrando nesta cidade a 8 de Fevereiro de 1850. A 20 de Setembro de 1852 é transferido para o bispado de Leiria e confirmada a sua transferência a 10 de Março de 1853, sendo que já na sua pastoral de 22 de Maio de 1852 se havia despedido de Bragança, onde, segundo ele dizia, não gozava de saúde e depois da diocese pela de 8 de Abril de 1852, já datada de Barcelos (292). Como vemos pelo capítulo da sua bibliografia, parece que a este bispo mereceu especial cuidado o registo paroquial, as conferências morais, chamadas Palestra, para educação do clero e outros meios para instrução deste, e a questão do hábito talar. Procuramos no arquivo da abadia de Meixedo, onde este bispo foi abade, qualquer coisa que lhe dissesse respeito. Pois nem sequer uma única letra lá encontrámos dele, e no entanto é inegável que ali esteve. Ainda convivemos com pessoas que o conheceram paroquiando essa freguesia. No mesmo sentido tem empregado diligências o seu actual sucessor naquele benefício Manuel António Rodrigues, digno sacerdote, modelo de párocos, sobretudo em questões administrativas tendentes ao engrandecimento da sua igreja, onde tem realizado melhoramentos dignos de louvor, natural de Soutelo da Gamoeda, freguesia da Carragosa, concelho de Bragança, mas com igual resultado.

(291) Este decreto, como fica dito, é de 2 de Julho de 1841. (292) Couseiro de memórias do bispado de Leiria. Braga, 1868. VEIGA, Mota – Esboço Histórico-

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À sagração de D. Joaquim Pereira Ferraz assistiu o bispo do Porto (293). Também por ocasião da sua nomeação para bispo de Bragança, o deputado Pereira dos Reis (294) fez elogiosas referências às brilhantes qualidades deste prelado. O selo com as suas armas ainda se conserva na Câmara Eclesiástica de Bragança. É um escudo dividido em pala: na da esquerda, em cima, a cruz dos Pereiras e por baixo desta quatro besantes ou o quer que seja (não se percebe bem) em duas palas; na da direita, os seis besantes em duas palas do apelido Ferraz, circundado tudo pela legenda: «D. JOACHIMUS P. F. COELIOBRIGENSIS EPISCOPUS».

31.º BISPO DE MIRANDA E 7.º DE BRAGANÇA 25 de Outubro de 1853 a 5 de Março de 1856 D. José Manuel de Lemos – Nasceu aos 17 de Março de 1791 no lugar de Reiriz, freguesia de S. Mamede de Troviscoso, concelho de Monção, distrito de Viana. Era filho legítimo de Manuel José de Lemos e Maria Luísa Fernandes. Estudou humanidades nas aulas dos congregados do Oratório de Monção. Em 1815 foi para Évora como secretário do arcebispo D. Frei Joaquim de Santa Clara. Recebeu em Lisboa a ordem de presbítero em 24 de Junho de 1816 e com o prelado de Évora se conservou até à sua morte. Em 1818 matriculou-se em teologia na Universidade de Coimbra, em que se doutorou a 3 de Outubro de 1824, indo em seguida paroquiar a freguesia de Castelo Viegas, concelho e bispado de Coimbra, que era da apresentação da Universidade, e ali esteve até 1828 em que, considerado como liberal, teve de retirar-se para Lisboa. Sendo governador temporal e vigário capitular do bispado de Pinhel, em Junho de 1834, de onde se ausentou por falta de saúde em 1835, regressou a Coimbra e foi nomeado professor-proprietário da cadeira de grego do Colégio das Artes. Igualmente foi governador temporal e vigário capitular do bispado de Coimbra em Setembro de 1836, comissão que desempenhou até Agosto de 1842, indo então reger na Universidade uma cadeira de teologia, na qual havia sido provido em 1840. Em 1844 Literário da Faculdade de Teologia, 1872. (293) Diário do Governo de 17 de Janeiro de 1850. (294) Sessão da câmara dos deputados de 11 do Maio de 1849, in Diário do Governo do dia seguinte. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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passou a lente catedrático. Foi também deão da Sé de Coimbra em 1843 e vogal do conselho de instrução pública, nomeado por decreto de 18 de Abril de 1850. Em 1851 deram-lhe a vice-reitoria da Universidade, cargo que exerceu até 1854, sendo por esta ocasião agraciado com a comenda de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e com a carta de conselheiro de Estado no ano anterior. Em 25 de Outubro de 1853 foi nomeado bispo de Bragança, de que tomou posse por procuração a 25 de Maio de 1854, entrando nesta cidade a 4 de Junho seguinte (295). Em 5 de Março de 1856 foi transferido para Viseu, onde chegou no dia 31 de Outubro e fez a sua entrada solene no dia 6 de Novembro do mesmo ano. Em 23 de Abril de 1858 foi transferido para Coimbra, para onde partiu, deixando Viseu a 22 de Novembro do mesmo ano e morreu em Coimbra às 11 horas da noite do dia 26 de Março de 1870 (296). Na campa da sua sepultura no Cemitério da Couchada, em Coimbra, lê-se o seguinte epitáfio, composto pelo insígne latinista Joaquim Alves de Sousa: D. O. M. HIC CONDITA QUIESCUNT QUAE MORTALIA RELIQUIT EX.MO REV.MO DD. JOSEPH EMMANUEL DE LEMOS CONIMBRICENCIS EPISCOPUS COMES BRIGANTINUS PRIMUM AC VIISIENSIS EPISCOPUS ACADEMIAE CONIMBRICENSIS PROFESSOR ATQUE PRORECTOR EGENIS SEDULUS OPITULATOR AMICUS CERTUS ETEFFICAX IN EDUCENDO SOLERTISSIMUS ET INDEFESSUS NOBILE PRAESOLUM EXEMPLAR DECESSIT CONIMBRICAE VII CAL. APR. AN. DOM. M.DCCCLXX QUUM VIXISSET ANNOS LXXIX DIES VERO IX CLARISSIMO VIRO PROPINQUÏ DESIDERIO PLENI BENEFICIORUMQUE MEMORES H. M. L. L. P. (297)

(295) Pastoral do mesmo, de 4 do Junho do 1854. Sessão da câmara dos pares, de 22 de Fevereiro de 1855, dia em que tomou assento nessa câmara, in Diário do Governo do dia 26. (296) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Vizeu», no catálogo dos seus bispos. Dicionário Bibliográfico, tomo XIII, ao tratar do seu nome. (297) Panorama Fotográfico de Portugal, vol. III, p. 93. O Diário do Governo de 25 de Maio, 2 de Junho e 28 de Outubro de 1853, traz notícias respeitantes a este bispo, sobre castigos impostos

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32.º BISPO DE MIRANDA E 8.º DE BRAGANÇA 1857 a 1871 D. João de Aguiar – Doutor em Teologia pela Universidade de Coimbra, onde tomou capelo a 30 de Junho de 1822, cónego das sés de Leiria e Évora e bispo eleito de Bragança em 1857, de cuja diocese mandou tomar posse por procuração, vindo em Novembro desse ano nela fixar residência. Não nasceu em Mongofres (Mogofores?) como alguns escrevem (298), mas sim em Évora, freguesia de Santo Antão, na rua Ancha, onde seus pais moravam (como se vê pela respectiva certidão de idade que, com outros apontamentos biográficos, devemos à muita benevolência do actual arcebispo dessa cidade, D. Augusto Eduardo Nunes), a 14 de Maio de 1796 e foi baptizado aos 22 dias desse mês e ano, sendo padrinho seu tio paterno D. Manuel de Aguiar, bispo de Leiria. Morreu em Évora às 11 horas da manhã do dia 2 de Fevereiro de 1875. Era filho legítimo de José de Aguiar, algibebe e comerciante estabelecido na rua Ancha, onde sucedeu a seu pai no mesmo ramo de negócio, natural da freguesia da Sé, e de Antónia Bernarda dos Anjos, primos entre si, natural da freguesia de Nossa Senhora das Ciladas, termo de Vila Viçosa; neto paterno de Pedro de Aguiar (era este o pai do bispo de Leiria), natural de S. Cristóvão de Rio Tinto, termo da cidade do Porto, e de Mariana Nunes Dourado, natural de Évora, e materno de José Dias, natural de Vila Viçosa, e de Joana Gomes, natural da freguesia de Santo António da Turruge. Teve o nosso bispo muitos irmãos, e entre eles D. Maria e D. Mariana, religiosas professas nos conventos de Évora, morrendo todos sem deixar descendência. Ainda não completo o ano de residência em Bragança, ou seja na quaresma de 1858, suspendeu D. João de Aguiar o nosso antecessor nesta freguesia, João Caetano Gomes de Miranda, abade de Baçal, por cargos que lhe fizeram de menos regular comportamento. Eram verdadeiras as acusações feitas ao abade, mas o barão de Santa Bárbara, Bernardo Baptista da Fonseca, natural de Bragança, que muito o protegia, apresentou-se ao bispo e achando-o inabalável na resolução, a estudantes quando era reitor da Universidade de Coimbra. O motim académico que os motivou pode ver-se em CHAGAS, Pinheiro – História de Portugal, popular e ilustrada, vol. II, p. 20. (298) VEIGA, Mota – Esboço Histórico-Literário da Faculdade de Teologia, 1872. Mota Veiga diz também que nasceu em Évora; nós é que a notámos mal. Ao dr. Fortunato de Almeida agradecemos a caridade deste aviso.

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lançou mão da tarasca e gritou-lhe furibundo: Ou V. levanta a suspensão ao meu protegido, ou eu racho-o com esta espada. Não sabemos a que expediente recorreria o prelado para conjurar o eminente perigo. Mas no dia seguinte, sexta-feira santa, D. João de Aguiar amanhecia a caminho de Évora, tendo previamente lavrado solenemente a suspensão do abade e nunca mais voltou a Bragança, se bem que continuou no cargo até 1871 em que resignou. Foram treze anos de viuvez para a diocese bragançana que causaram muito prejuízo ao seu modo de ser espiritual: a ele se referem os escritores da época de um modo pouco lisonjeiro para a memória do prelado (299). Mas onde sobretudo são essas referências mais desbragadas é nas muitas interpelações nas câmaras ao ministro dos negócios eclesiásticos pelos remoques apimentados que as envolviam, ou apartes sarcásticos com que outros deputados as punham em destaque. Assim, nas sessões de 18 de Julho de 1861 (300), 10 de Janeiro e 8 de Junho de 1863 (301), 10 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 1866 (302), 20 de Junho de 1868, e outras respectivamente, os deputados por Bragança, J. M. de Abreu, José de Morais Pinto de Almeida, Garcia de Lima, Paulo de Sousa, José de Morais (segunda vez) e Pereira de Carvalho, não poupavam o ministro com a exigência de explicações, mas o bispo saíra com licença por estar doente, depois os padecimentos agravaram-se e estava quase cego. Mais tarde já se insinuava que ia ser transferido para Beja, e muito bem comentava o interpelante José de Morais: «... o bispo chegou a Bragança, demorou ali alguns dias e depois abalou para sua casa. Em paga disto promove-se a bispo de Beja!». Finalmente, depois já se dizia que ia resignar, versão que afinal veio a sair verdadeira. Não resistimos à curiosidade de transcrever para aqui a interpelação de Paulo de Sousa, pelo carácter de seriedade que merece seu autor e porque sintetiza o estado da diocese. «Ha sete annos, diz elle, que este bispo abandonou a diocese, nomeando para o substituir uma junta governativa, que fixou residencia em Evora onde se occupa exclusivamente dos seus interesses particulares, sem se importar com a direcção espiritual das suas ovelhas, nem com

(299) AMADO, José de Sousa – História da Igreja Católica em Portugal, 1870, tomo I, p. LIII. (300) Diário do Governo de 20 do mesmo mês e ano. (301) Ibidem, de 10 de Junho desse ano. (302) Diário de Lisboa de 12 de Janeiro e 5 de Fevereiro desse ano.

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negocio algum relativo ao bispado, que a junta governativa não tem preenchido a sua missão, que existe o maior desacordo entre os membros della e por isso causa pelos seus actos contradictorios a desordem em que se acha a administração ecclesiastica do bispado; que no bispado de Bragança não se administra ha muitos annos a confirmação, não se visitam as freguezias, não se olha pelas necessidades do culto, nem se trata de conhecer se os preceitos da moral são observados por aqueles que tem rigorosa obrigação de dar bom exemplo, que o Seminario diocesano soffre tambem as consequencias do abandono em que se acha aquelle infeliz bispado, que se realizaram nelle alguns melhoramentos materiaes, chegou-se mesmo a regularizar o ensino ecclesiastico; todavia está muito longe de corresponder ao seu fim. Falta alli a disciplina, a pontualidade e o bem entendido rigor no ensino e nas provas, que devem existir sempre em estabelecimentos d’esta ordem; que por outro lado os ordenandos, além das consideraveis despezas que teem de fazer com o longo curso a que são obrigados, precisam ainda ir a outros bispados receber as ordens que não podem obter em Bragança». No Amigo da Religião, jornal de Lisboa, n.os 115 e 116 correspondentes a 15 e 18 de Julho de 1863, publicou o cónego da Sé de Bragança, Sebastião Luís Martins, duas correspondências (303) onde lamenta o estado deplorável da diocese pelo lado moral: grande parte dos párocos faltavam à obrigação da residência; as conferências morais (palestra), caíam em desuso; as certidões da obediência canónica passadas pelos párocos, com que os prelados mandavam instruir os requerimentos dos simples presbíteros sem cura de almas nas suas pretensões, seguiam igual caminho, de onde a insubordinação, a confusão e a quebra de relações que devem existir entre os diferentes graus da hierarquia eclesiástica; o tribunal eclesiástico, para punir os crimes desta natureza e tomar conhecimento das queixas a tal respeito, era desconhecido. De tudo isto resultava a corrupção dos costumes no clero, segundo dizia o correspondente, que também afirmava haverem-se introduzido abusos no Seminário, tudo devido à ausência do prelado e secundariamente a José Luís Alves Feijó, já por várias vezes, com este prelado e antecessor, governador do bispado e depois também bispo, «que tem sido entre as causas instrumentaes a principal causa do estado lamentavel em que se acha a dio(303) Vêm transcritos nos Apontamentos para a história da diocese de Bragança, de Luís Baptista Montes, p. 9 e seguintes.

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cese». Porque D. João de Aguiar, curando apenas de saber qual o rendimento da mitra, «nem ao menos é consultado sobre negocios graves, relativos ao bom regimen da diocese; em vez de s. ex.ª é consultado o sr. Feijó que tambem está fóra da diocese (304) e outros ás suas ordens governam o bispado, sem cuja transmissão (do Feijó) nada se dispõe, ainda em negocios de pouca monta». É natural que os males apontados pelo articulista fossem verdadeiros, como bem pode calcular quem atentar na tão longa ausência de uma autoridade superior à frente da diocese. Mas no mesmo periódico o cónego da Sé Catedral de Bragança, Manuel António Pires, e o professor do liceu dessa cidade, João António Pires Vilar, aos quais noutra parte nos referiremos como escritores bragançanos, acudiram em correspondências pelos créditos de D. João de Aguiar e seu governador Feijó, negando a veracidade das acusações apontadas (305). E o cabido, em 29 de Novembro desse mesmo ano de 1863, protestou colectivamente perante o bispo contra o proceder do seu colega. É notável a carta em que o prelado agradeceu estas manifestações e não resistimos à curiosidade de aqui transcrever um período... «Nós perdoamos-lhe de todo o nosso coração, e desejamos que Deus afaste delle a má sorte de Semey, cujo papel elle tão litteralmente representa (fóra seu secretario). Não era elle nosso inimigo, que então supportalo-ia-mos, nem tambem homem que nos aborrecesse, que então fugiriamos delle: mas era equiparado a nós, presidente de nossos conselhos, nosso amigo particular e nosso commensal. Dux meus et notus meus, que simul meeum dulces capiebat cibos. Mui ponderosos motivos estes para o encommendarmos a Deus, para que o toque e faça entrar por si mesmo no caminho da penitencia». É datada de Évora a 17 de Dezembro de 1863. Já a esta data, bispo, Feijó e articulista estavam congraçados, e este no mês de Novembro anterior fora nomeado governador do bispado e depois membro da junta governativa do mesmo. Parece que as ardências moralizadoras de Sebastião Luís Martins pelo mando é que lhe determinavam as invectivas contra o prelado. Assim, vêmo-lo em 21 de Novembro de 1866, num papel intitulado Algumas observações acerca do bispo actual de Bragança, e um conselho ao

(304) Era então deputado, e, segundo o articulista, valera-se da autoridade do cargo de governador da diocese para angariar a influência do clero. (305) Ver MONTES, Luís Baptista – Apontamentos…, onde vêm transcritas essas correspondências.

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Cabido da Sé da mesma diocese (306), dar o bispo como furiosamente iracundo, a ponto de ao conferir o Sacramento da ordem e confirmação (quando, é claro, o bispo estivera em Bragança, isto é, oito anos antes, tarde lhe chegara o zelo!) prorromper em palavras tão indecentes que o púdico escritor não teve coragem de as relatar; como espancador dos seus familiares e termina dando o bispo como demente, e em um grande arranco de zelo lembra ao cabido, debaixo do cargo de consciência, a necessidade de em harmonia com os cânones darem a Sé como vaga. É que, pouco antes, D. João de Aguiar dissolvera a junta governativa, da qual fazia parte Sebastião Luís Martins, e nomeara como governador João José Martins, tesoureiro-mor da Sé Catedral. Mas em 29 de Abril de 1868 entrava ele a substituí-lo e os escrúpulos de consciência desapareceram. É inegável que ao bispo devem ir as responsabilidades de tudo isto, porque, dando mesmo de barato que ele não residia por impossibilidade física ou medo grave, devia ter coragem para impor um governador que se fizesse obedecer pela sua firmeza e estabilidade, pois é sabido que os seus delegados em Bragança os nomeava à mercê das facções políticas. Isto que os Apontamentos revelam em mais de uma parte vê-se também pelos ministérios sucedidos no poder durante a sua não residência, nada menos que nove. Pois com cada um deles, à maneira dos delegados de confiança do governo – administradores de concelho e governadores civis – se alternavam no governo da diocese os da respectiva facção. Abyssus, abyssum invocat! – era o modo de fazer calar as interpelações dos deputados nas cortes. D. João de Aguiar havia sido cónego da Sé de Leiria, onde seu tio e padrinho foi bispo, daqui transferido para idêntico cargo na de Évora, de onde foi assumpto a bispo de Bragança e Miranda por influência do conselheiro Joaquim Filipe de Sor, seu íntimo amigo. O padre Gabriel Maria Ferreira, parente, amigo e comensal de D. João de Aguiar nos últimos anos que viveu em Évora, a pedido do actual arcebispo daquela diocese, D. Augusto Eduardo Nunes, lídima glória do episcopado, das letras e da tribuna portuguesa, a quem aqui significamos o nosso profundo reconhecimento pela generosa atenção, escreveu para nos serem remetidas umas notas biográficas deste prelado. É delas que vamos copiar alguns períodos, e oxalá possam eles desvanecer algum juízo menos favorável que do nosso biografado tenhamos expendido. (306) MONTES, Luís Baptista – Apontamentos…, p. 60, onde se acha transcrito.

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Dizem elas: «Começaram aqui (ao ser eleito bispo do Bragança) os acerbos soffrimentos que lhe enluctaram o coração até á morte. Da sua bocca nada ouvi com respeito ao seu apostolado em Bragança. Começava e nada concluia, afogado em soluços e lagrimas. Acudia-lhe eu, distrahindo-lhe a mente para outro ponto, mudando de conversa... Recolhido nos seus aposentos, nem de suas proprias irmãs era visto senão á hora das refeições». Na câmara eclesiástica de Bragança ainda se conserva o selo deste prelado com as suas armas, as dos Aguiares; em campo de oiro uma águia vermelha, aberta e armada de preto, e em volta a legenda: «JOANNES ECCLESIAE BRIGANTIENSIS ET MIRANDENSIS EPISCOPUS».

33.º BISPO DE MIRANDA E 9.º DE BRAGANÇA 29 de Outubro de 1871 a 7 de Novembro de 1874 D. José Luís Alves Feijó – Natural de Freixo de Espada à Cinta, onde nasceu a 8 de Janeiro de 1816 e falecido em Bragança às 11 horas e três quartos da noite do dia 7 de Novembro de 1874. Era filho de pais pobres e humildes. Muito novo ainda entrou na congregação da Santíssima Trindade, ordem religiosa estabelecida em Miranda do Douro (307), como se lê no decreto de 7 de Janeiro de 1853 que o apresentou pároco na igreja de Penhas Juntas, concelho de Vinhais, e não na ordem terceira de S. Francisco, como erradamente diz o Portugal Antigo e Moderno, no artigo «Penhas Juntas». Expulsas as ordens religiosas, foi cursar a Universidade de Coimbra à custa da magra e mal paga pensão de egresso, onde se formou em direito, lutando com dificuldades financeiras a que fazia face com o seu muito trabalho de leccionação e enérgica vontade. Trindade Coelho, no In Illo Tempore, em uma das variadas cenas engraçadas da vida coimbrã que descreve, lembra-se do académico Feijó. O papel que o nosso grande escritor lhe distribuiu não destoa da dignidade do bispo que depois foi. Concluída a formatura, veio exercer a advocacia a Freixo, sua terra, onde logo se tornou notável como orador sagrado. Faziam-se então, com (307) Almanaque Português de 1826.

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grande solenidade, em Bragança as festas da Senhora do Carmo. Feijó veio pregar numa dessas festividades e tanto ele se agradou da terra que nessa cidade se estabeleceu e, abrindo-se no ano seguinte, 1852-53, o Seminário (308), foi encarregado pelo então vigário capitular D. João Pereira de Amaral e Pimentel da regência da primeira cadeira de ciências eclesiásticas que o estabelecimento teve. Em 1855 foi nomeado governador do bispado pelo bispo Lemos e depois vigário capitular na vacância, emquanto não veio o bispo D. João de Aguiar, em cujo governo também exerceu o cargo de governador do bispado, ao mesmo tempo que pelo governo fora sucessivamente nomeado tesoureiro-mor e chantre da Sé de Bragança (309), tomando posse deste último cargo a 28 de Janeiro de 1860. Dissolvida a câmara dos deputados a 27 de Março de 1861, procedeu-se a novas eleições e pelos círculos de Alfândega da Fé, Mogadouro e Miranda saiu eleito José Luís Alves Feijó (310), para esse triénio da sessão legislativa que devia terminar em 1864 no qual fez parte da comissão eclesiástica (311). Ignoramos quando foi nomeado bispo de Macau, pois apenas sabemos que em 29 de Novembro de 1863 já estava eleito para aquela diocese (312) e também já assinava como bispo eleito de Macau os termos dos livros do registo paroquial do bispado de Bragança em princípios de Janeiro de 1864. Antes, em portaria de 21 de Novembro de 1862 havia sido nomeado vice-reitor do seminário de Bragança (313). Sendo já eleito bispo de Macau, apresentou na sessão da câmara dos deputados de 17 de Fevereiro de 1864 o seu diploma de deputado eleito pelo círculo de Mogadouro, o que deu causa a ser interpelado, na sessão do dia 19 seguinte, o ministro da Marinha pelo deputado José de Morais, dizendo que Feijó, sendo bispo de Macau e tendo obrigação de ir para a sua diocese, não podia ser deputado e estar em Lisboa (314). A eleição de Feijó para Macau não se chegou a confirmar, talvez por razões inerentes à questão do padroado, que então se debatia entre a corte (308) PIMENTEL, João Pereira de Amaral – Pastoral de 5 de Fevereiro de 1853. MONTES, Luís Baptista – Apontamentos para a história da diocese de Bragança, p. 25. (309) Diário do Governo de 16 de Julho de 1860. (310) Ibidem de 20 de Maio de 1861. Já era deputado na legislatura anterior que foi quando pela primeira vez foi às câmaras. (311) Ibidem de 22 de Julho de 1861. (312) MONTES, Luís Baptista – Apontamentos para a história da diocese de Bragança, p. 49. (313) Diário de Lisboa de 23 de Dezembro de 1862. (314) Ibidem de 19 de Fevereiro de 1864.

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de Portugal e Roma, ou por ser antes disso, como traz o Portugal Antigo e Moderno, transferido para a diocese de Cabo Verde, «para onde depois de sagrado partiu em 19 de Dezembro de 1866; porém, dando-se mal com o clima doentio daquellas paragens, se achou gravemente doente, pelo que, depois de oito meses de prelatura alli, regressou a Portugal em Agosto de 1867» (315). Parece que a partida do prelado para Cabo Verde não deve ter sido tão rápida como diz o autor citado, porque na sessão de 9 de Maio de 1866 o deputado por Cabo Verde interpelou o ministro por causa da demora em Lisboa, do bispo de Cabo Verde, que podia e devia ter seguido viagem para a sua diocese há muitos meses. Também na sessão da Câmara dos Pares de 14 de Março de 1866, o par do reino Vicente Ferreira Neto Paiva requereu ao ministro perguntando porque razão não fora confirmado o bispo eleito de Macau, o senhor Feijó, depois confirmado bispo de Cabo Verde (316). A transferência para Cabo Verde deve ter ocorrido antes de 30 de Outubro de 1865, pois nesta data foi nomeado comendador da Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e o diploma já lhe dá o título de bispo de Cabo Verde (317). Assistiu ao concílio do Vaticano em 1869, e sendo apresentado na diocese de Bragança fez a sua entrada solene, depois de sagrado, a 29 de Outubro de 1871, sendo recebido festivamente na capela do Loreto pelo cabido e Câmara Municipal. Ambas as corporações lhe dirigiram alocuções, às quais o prelado correspondeu agradecendo, e foi procissionalmente conduzido à Sé Catedral entre alas de clero, um esquadrão de Cavalaria 6 e o batalhão de Caçadores 3. A concorrência de povo, não obstante chover torrencialmente, era enorme (318). A 28 de Julho de 1871 tomou assento na Câmara dos Pares do Reino. Para a sua bibliografia, além do que dizemos no capítulo respectivo, ver o Portugal – Dicionário Histórico…, artigo «Alves Feijó», e o Dicionário Bibliográfico, vol. XIII, ao tratar do seu nome. Muito deve o seminário de Bragança a José Luís Alves Feijó, que antes de ser bispo aí leccionou desinteressadamente uma cadeira de ciências

(315) Portugal Antigo e Moderno, artigo «Penhas Juntas». (316) Diário de Lisboa de 17 de Março de 1866. (317) Ibidem de 27 de Novembro de 1865. (318) A Palavra de 1 de Novembro de 1871.

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eclesiásticas, e depois, pela sua influência como governador e vigário capitular, conseguiu fazer nele notáveis melhoramentos (319). Foi devido à sua iniciativa que se criou o Seminário de Cabo Verde, quando ali era bispo, por decreto de 3 de Setembro de 1866 (320), onde podem ver-se as sábias condições em que este estabelecimento de ensino eclesiástico foi modelado. Tinha aulas de preparatórios e ciências teológicas. Para ver o alto critério que presidiu à fundação deste estabelecimento, basta dizer-se que criou uma cadeira de ciências físicas, coisa que só mais tarde houve nos seminários do reino, e em Bragança foi necessário que se assentasse vinte anos depois no sólio episcopal um enérgico e benemerente D. José Alves de Mariz para obtermos tal melhoramento. Também foi ele que deu sábios Estatutos ao mesmo Seminário. Como bispo de Bragança fez a visita pastoral à diocese, e nela, em 1873, na freguesia de Rabal recebeu o autor destas linhas das suas mãos o Sacramento da confirmação. D. José Feijó era de uma afabilidade extrema para com todas as pessoas e muito principalmente com o seu clero. Os factos que vamos narrar e que ouvimos aos próprios a que dizem respeito caracterizam o seu natural bondoso. O falecido reitor de Sanfins da Castanheira, concelho de Chaves, diocese de Bragança, José Manuel Gonçalves que fora seu discípulo em teologia no Seminário desta cidade, veio visitá-lo após a sua entrada na diocese. Mal o avistou, rompeu para ele de braços abertos numa expansão risonha, como de condiscípulos amigos e disse: «Olha o Santulhão (era o seu nome académico, proveniente da terra de naturalidade), o meu discípulo! Quanto folgo em te ver; fazes-me rejuvenescer vinte anos e tornar aos saudosos tempos da minha aula no Seminário!». O padre José Martins, de Baçal, já falecido, fora avisado para comparecer a exame de confessor em certo dia, mas, por fatalidade, esse dia apareceu medonho: a ventania e os aguaceiros, entremeados de violentas saraivadas de granizo, tornavam quase impossível o sair-se de casa. Porém, como era o prelado quem mandava, o Padre não teve remédio e lá foi. O júri, supondo impossível poderem vir os examinados, nem se reuniu. Entretanto chega o padre Martins e, não achando quem o examine, apresenta-se ao prelado para mostrar que cumprira as suas ordens (319) MONTES, Luís Baptista – Apontamentos para a história da diocese de Bragança, p. 25. (320) Diário de Lisboa de 15 de Setembro de 1866.

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e saber o que devia fazer. Apenas o avista, esquecido de todos os formalismos da praxe, exclama o bondoso bispo: «Ó homem de Deus, com este dia! Como virá molhado!? Já, já de repente, essas calças fora, esses sapatos, essas meias; veste roupa minha enquanto a sua se enxuga», e dizendo, e fazendo, a breve trecho o padre Martins vê-se mudado na roupa do seu bispo, que o assenta à sua braseira conversando familiarmente com ele, enquanto pelos criados lhe faz enxugar a roupa. Pronta esta, e querendo Martins retirar-se, diz-lhe, segurando-o pelo braço muito sem cerimónia em linguagem de familiar intimidade: «Não! agora é que não vai; come cá o caldo comigo». E não houve fugir-lhe, jantou com o bispo. E comendo e palestrando muito insensivelmente, quase sem o padre dar pela conta, foi levando a conversa para assuntos de ciências eclesiásticas, excitando-o naturalmente a manifestar a sua opinião a dúvidas que punha, e só quando lhe pediu os papéis e por suas próprias mãos escreveu «examinado e aprovado», é que veio no alcance do caso. Ainda outra anedota para terminar. O padre António José Martins, há pouco falecido em Bragança, comissário da Ordem Terceira de S. Francisco, era um espírito azedo e muitas vezes despejava em artigaços violentos no Raio e outros jornais ejusdem fusfuris a bílis que o atormentava. Certo dia, uma pasquinada anónima bateu formidanda sobre o Feijó, que logo soube quem era o autor. Manda chamar o padre Martins ao paço, recebe-o muito afavelmente e, depois de confundir por um trato meigo o padre, que para tudo ia preparado, menos para ser tratado tão ao contrário do que supunha, ripa do jornal, lê-o em voz alta e pergunta-lhe: «Sabes quem escreveu isto?» Martins, titubeando, responde: «E... e... u... eu... não sei». «Ah! maroto, foste tu, eu bem o sei; podia castigarte, suspender-te mesmo, pois tenho aqui umas partes contra ti. Porém não faço uso delas porque sei que és pobre, morrerias à fome se te tirasse a missa, e também teu pai que é um bom homem». E, abençoando-o, disse-lhe: «Anda, vai-te lá embora e faze por ser bom padre». D. José Feijó está sepultado no cemitério público de Bragança e na sua campa lê-se o seguinte epitáfio: AQUI JAZEM OS RESTOS MORTAES DO MO MO EX. E REV. SENHOR D. JOSÉ LUIZ ALVES FEIJÓ 33.º BISPO DE MIRANDA E 9.º DE BRAGANÇA

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NASCEU NA VILLA DE FREIXO DE ESPADA À CINTA NO DIA 8 DE JANEIRO DE 1816 E FALLECEU EM BRAGANÇA NO DIA 7 DE NOVEMBRO DE 1874 REQUIESCAT INPACE EM TESTEMUNHO DE SAUDADE E GRATIDÃO Á MEMORIA DO EX.MO PRELADO O SEU PARENTE JOÃO JOSÉ FERNANDES E O SEU SECRETARIO D.RO JOSÉ MARIA DA CUNHA.

Esta inscrição está gravada num bloco rectangular de mármore, assentado em soco da mesma matéria que se eleva acima da campa de granito que cobre a sepultura do bispo. Sobre o bloco da inscrição levantam-se dois fustes de mármore em caneluras, entre os quais há uma urna de mármore semicoberta por um véu. Sobre os fustes assenta um frontão encimado por uma cruz e neste as armas do prelado que são um escudo oval partido em pala: na primeira, a letra ave spes unica em duas linhas divididas por uma cruz; a segunda dividida em três faixas, a do cimo dividida em pala: na primeira uma águia aberta e dois traços em chefe e na segunda uma cruz como a de Cristo; na do meio três faixas veiradas e na do fundo três bandas. E a pender do escudo a venera de comendador da Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa. Timbre o chapéu com as competentes borlas pertencentes à sua dignidade episcopal. A 28 de Abril de 1872 sagrou D. José Feijó na igreja do Seminário de Cernache do Bonjardim D. João Maria Pereira Botelho de Amaral e Pimentel, a quem o bispado de Bragança, do qual fora governador, deve muitos benefícios. Nesta ocasião, os alunos daquele estabelecimento, António Maria Quintão, natural de Freixo de Espada à Cinta, Joaquim Branco e Manuel José Branco, compuseram três hinos – um que ofereceram ao bispo de Bragança e dois ao bispo sagrado – para serem executados pela orquestra do Seminário de Cernache. Também os alunos do mesmo, Francisco Cândido de Sousa (321) e José (321) Francisco Cândido de Sousa é natural de Rebordãos, concelho de Braga, onde nasceu a 6 de Novembro de 1865. Missionou em Moçambique desde 19 de Fevereiro de 1892 a 8 de Junho de 1897. É actualmente beneficiado na Sé de Bragança, cujas solenidades abrilhanta com o seu vozeirão imenso de belo barítono. Ainda compôs outro hino ao actual bispo do Porto, D. António Barroso, quando entrou como prelado em Moçambique. Ver TEIXEIRA, Cândido da Silva – O Colégio das Missões de Cernache do Bonjardim. Lisboa, 1905, p. 28, 32 e 133. Quintão não se chegou a ordenar e é hoje professor do ensino livre em Lisboa.

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Matias Delgado compuseram dois hinos oferecidos a D. Gaudêncio José Pereira, arcebispo de Portalegre.

Feijó como deputado Na sessão da câmara dos Deputados de 17 de Abril de 1860, José Luís Alves Feijó, então deputado, apresentou um projecto de lei sobre côngruas paroquiais, precedido de sábios e justos considerandos. Esse projecto, que os curiosos podem ver na folha oficial respectiva – o Diário da Câmara dos Deputados – contém algumas disposições ainda hoje e sempre aproveitáveis para quando um dia, lá para as calendas gregas, o governo se lembre de remunerar, não dizemos condignamente, mas pelo menos de um modo suportável a subsistência desses pobres párias, chamados párocos, esmagados com serviços puramente civis, além dos eclesiásticos, garantindo-lhes(?) em paga como sustentação umas côngruas que na diocese de Bragança orçam de 39$000 a 100$000 réis e em média cinquenta ou coisa nenhuma. Quer dizer: os párias, em Portugal párocos, depois de seis anos de estudos preparatórios num liceu ou Seminário, e mais três de teologia nestes, ficam aptos para aturar as exigências dos povos, das autoridades eclesiásticas, das câmaras municipais, dos governos civis, das commissões distritais, do recenseamento político e militar, dos escrivães de fazenda, dos delegados do procurador régio, dos subdelegados de saúde e dezenas de outras entidades, e em paga recebem muitas vezes a desconsideração, o enxovalho, a suspensão, a multa pecuniária, o processo judicial, e por irrisão, como paga, nunca completamente os tais 50$000 réis, ordenado igual a metade do que ganha o porteiro da Câmara de Bragança! Uma miséria, uma espoliação e uma infâmia! A classe paroquial a receber côngruas computadas há quase setenta anos (322), quando as condições económico-sociais têm variado tanto e com elas as outras classes têm visto aumentar os seus vencimentos!!! Mas, tornando ao assunto, propunha o deputado Feijó medidas razoáveis de que ninguém fez caso e só poderão vingar quando a classe eclesiástica, reconhecendo que a união faz a força, saia da estúpida apatia em que tem vivido e grite bem alto a esses que nos governam: dignus est operarius mercede sua. (322) A lei das côngruas vigente é de 1839 e 1841.

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Então, quem viver, vá ler o projecto de lei deste deputado e achará algo que aproveitar e o suficiente para bendizer a sua memória. A campanha levantada por Feijó conseguiu interessar no assunto outros deputados (323), merecendo até que Martens Ferrão, então deputado e depois ministro, apresentasse na sessão da Câmara dos Deputados de 17 de Julho de 1860 um projecto de lei sobre esta questão de largas e profundas vistas, mas que teve igual resultado: boas palavras do governo e... desprezo e esquecimento. Nem só as questões eclesiásticas ocupavam o espírito de Feijó, interessado por tudo quanto dizia respeito a melhoramentos da nossa terra. Na sessão de 29 de Janeiro de 1861 (324) vêmo-lo com Júlio do Carvalhal de Sousa Teles, José Marcelino de Sá Vargas e Francisco Diogo de Sá pugnar pela construção da estrada de Miranda ao Pocinho. Na sessão de 18 de Julho de 1861, propôs que se elevasse a 300$000 réis o subsídio das fábricas das igrejas catedrais, o que foi aprovado por lei de 11 de Setembro do mesmo ano (325). Também na sessão de 9 de Junho de 1863 se associou com outros deputados do nosso distrito requerendo ao governo para que o Liceu Nacional de Bragança fosse elevado a 1.ª classe. Foi na legislatura em que Feijó era deputado, principalmente em Maio de 1863, que se debateu no parlamento a questão das Irmãs da Caridade, tornada célebre pelo muito interesse que despertou na opinião pública. Supunha-se que Feijó entrasse no debate; ficou, porém, sem se pronunciar o que lhe valeu referências pouco honrosas (326). Ignoramos se terá relação com este facto uma lenda que correu e chegou até a publicar-se, embora destituída de fundamento, de que Feijó se filiara em tempos na maçonaria, abjurando depois. Possui o seu retrato o actual abade da Sé de Bragança, José Manuel Diegues, e também o major reformado Luís Ferreira Real, ex-administrador do concelho de Bragança, e o alferes de Infantaria 10 aquartelado nesta cidade, António José Teixeira. (323) Ver os extractos das sessões de 12 de Julho de 1861, 17 de Julho de 1860 e 15 de Março do mesmo ano. (324) Ver o Diário da Câmara dos Deputados, lugar respectivo. (325) Diário do Governo do dia 18. (326) MONTES – Apontamentos para a história da diocese de Bragança, p. 47. Sobre esta questão ver as portarias de 9 de Fevereiro e 11 de Abril de 1857 e 9 de Março de 1861, bem como o Diário do Governo de 25 de Junho deste ano.

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Tornou-se célebre o conflito levantado à morte deste bispo entre o cabido de Bragança e o governo. Este, em carta régia de 9 de Novembro de 1874, insinuara para vigário capitular do bispado o bacharel em teologia José Maria da Cunha, abade de Santa Valha e professor no Seminário, mas o cabido, não fazendo caso da insinuação, elegeu o cónego António Joaquim de Oliveira Mós, em vista do que o governo suspendeu a côngrua aos capitulares que não obstante mantiveram a resolução tomada em harmonia com os cânones e leis da igreja. Toda a imprensa portuguesa – a católica e mesmo parte da liberal – se referiu ao caso, louvando e admirando a coragem do cabido bragançano. Este acontecimento repercutiu-se também no parlamento, onde o verbo autorizado de D. António Alves Martins, bispo de Viseu e ministro de Estado, por todos considerado como genuinamente liberal, trovejou largamente, sustentando a boa doutrina seguida pelo cabido. O caso foi levado para os tribunais, onde os capitulares obtiveram sentença favorável por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Agosto de 1876. Esta causa ficou tão célebre que sempre a ela se tem aludido nos casos de igual teor sucedidos depois (327).

34.º BISPO DE MIRANDA E 10.º DE BRAGANÇA 1875 a 1883 D. José Maria da Silva Ferrão de Carvalho Martens – Bispo de Portalegre, falecido no dia 19 de Novembro de 1884. Era filho do dr. Francisco Roberto da Silva Ferrão de Carvalho Martens, desembargador dos agravos da casa da Suplicação, falecido em 1847, e de D. Maria Isabel da Silva Ferrão de Carvalho Martens, falecida em 1864. Nasceu a 8 de Abril de 1815, em Lisboa. Fez com muita distinção os estudos preparatórios e teológicos. Tendo-se dedicado ao púlpito, pregou quaresmas inteiras em diferentes igrejas de Lisboa, e fez com o prior Constantino do Vale a missão que uma sociedade religiosa promoveu na igreja paroquial de S. Nicolau, de Lisboa. Pela sua reconhecida erudição nas ciências teológicas e especialmente históricas, foi em 1851 nomeado professor de história eclesiástica no

(327) CHAGAS, Pinheiro – História de Portugal, popular e ilustrada, continuação, tomo XII, p. 426.

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curso teológico, então aberto em S. Vicente de Fora pelo cardeal Patriarca de Lisboa, o douto D. Guilherme, e foi este curso em que teve por colegas os doutores Cicouro e D. António da Trindade, depois bispo de Lamego, o primeiro então estabelecido enquanto se não organizava o Seminário de Santarém. Foi Cónego da Sé Patriarcal de Lisboa em 1852, continuando no exercício do magistério. Aberto o Seminário de Santarém, foi para ali como professor da mesma cadeira e como director espiritual. Neste estabelecimento fez abrir um curso complementar de estudos teológicos compreendendo cinco anos, que foi aprovado pelo ministério dos negócios eclesiásticos. Nesse curso leccionou sempre duas cadeiras e por vezes três. Foram seus colegas Américo da Silva, depois cardeal-bispo do Porto, e outros professores. Ali permaneceu até que em 1869, tendo-se levantado sérias dificuldades no governo da diocese de Portalegre, o nomearam vigário geral e governador do bispado, sendo ministro dos negócios eclesiásticos José Luciano de Castro. Fez logo a visita da diocese e abriu missão na Sé Episcopal. Enquanto vigário geral de Portalegre, foi quase sempre presidente da Junta Geral do distrito, e seguindo a missão que mais tomava a peito, deu logo desenvolvimento aos estudos teológicos no Seminário, eficazmente auxiliado pelo ilustrado corpo docente daquele estabelecimento, achando sempre no clero de Portalegre a mais dedicada cooperação, como em muitos documentos oficiais para o ministério dos negócios eclesiásticos testemunhou. Consultado pelo governo sobre o projecto da redução e circunscrição das dioceses, escreveu uma extensa memória mostrando a necessidade da conservação da diocese de Portalegre, o que mais tarde sustentou na conferência do episcopado português, reunida no Ministério da Justiça por convite do então titular dessa pasta, conselheiro Adriano Machado. Fundados nestes trabalhos é que em Portalegre o consideravam como o restaurador da diocese. Sendo ainda governador dela, foi nomeado superior do Colégio das Missões Ultramarinas de Cernache do Bonjardim, sendo ministro o conselheiro Andrade Corvo, cargo que exerceu por dez anos, sem dali receber vencimento algum por o ter recusado. Em virtude de uma exposição canónica que fez ao governo e que este enviou para Roma, conseguiu que fosse admitida a ordenação a título de MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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missão, sendo dispensado por isso o património aos ordenandos. Data daí o aumento do pessoal missionário naquele estabelecimento. Tendo-se levantado em 1875 grave conflito na diocese de Bragança sobre a questão da insinuação de vigário capitular, pelo falecimento do bispo daquela diocese D. José Feijó, foi sem ser consultado, a 16 de Fevereiro desse ano, apresentado pelo governo de S. M. bispo de Bragança, confirmado imediatamente pela Santa Sé, cessando por este meio aquele conflito, e sagrado a 6 de Junho seguinte. Partindo imediatamente no começo do Inverno, 10 de Outubro de 1875, a tomar posse, principiou logo a visita da diocese, resultando-lhe disso o ser atacado de uma pneumonia dupla, que o prostrou, e desde então o seu estado ficou valetudinário, mas o o seu espírito evangélico permaneceu sempre pronto. Esta doença foi a causa de se retirar de Bragança e nunca mais voltar à diocese. Sentindo-se penosamente enfermo e inabilitado para o serviço activo da Igreja, como o compreendia e havia sempre praticado no seu viver de fadiga, pediu pelos meios legais a renúncia, visto não lhe ser possível voltar depressa à diocese, pela aspereza do clima ali e pelo seu estado de fraqueza e debilidade. Mas o ministro da justiça, então o conselheiro Adriano Machado, não lhe concedeu a régia permissão, pedindo-lhe em aviso sumamente honroso que não insistisse pela renúncia e neste mesmo sentido instou o Núncio de Sua Santidade, mais tarde cardeal Sanguigni. Nunca, na sua longa carreira pública, se envolveu em política, sem todavia deixar de prestar ao governo do seu país todo o concurso que a sua ordem de ideias sempre seguia, e insinuou mutuamente se devem prestar à religião e ao Estado. É dele a seguinte frase pronunciada numa discussão na Câmara dos Pares: «quanto mais de cá, menos de lá», aplicada aos deveres do sacerdócio. Nenhuma recompensa das que os poderes públicos costumam dar solicitou nem teve nunca. Como Par do reino, tomou por várias vezes extensamente a palavra em diferentes assuntos de administração eclesiástica pelo que, em proposta feita na câmara, foi votado para a comissão da administração pública, da qual teve a presidência. Sendo ultimamente restaurada a diocese de Portalegre, foi para ali transferido da de Bragança, unicamente pela melhoria do clima que outra não havia. Tomou posse no dia 25 de Novembro de 1883 e fez ali a sua entrada solene em 13 de Julho de 1884, ocasião em que toda a diocese lhe maniMEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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festou a sua grande afeição. Nessa solenidade fez o professor do seminário dr. Adolfo C. Mota uma notável oração sacra, que corre impressa. Pouco mais de quatro meses decorreram até ao seu passamento, e esses já consumidos por um grande abatimento de forças, que afinal o prostrou a 20 de Novembro de 1884. Quanto seus últimos momentos foram edificantes, a imprensa do país o narrou largamente. Correm impressas muitas pastorais, instruções morais e sermões deste prelado, que se encontram indicados no Distrito de Portalegre, de 26 de Novembro de 1884. A maneira por que o povo de Portalegre pranteou o seu prelado é o testemunho da virtude e da bondade deste para com todos. Austero até ao excesso para consigo e benévolo e indulgente sempre para com os outros, foi este o seu distintivo. Dizia que conseguia assim mais aproveitamento moral do que por quaisquer outros meios. Na sua vida de penitência, a ocultas, privava-se até ao excesso e dava quanto possuía aos pobres. Foi assim a sua vida, e o seu passamento correspondeu à sua grande fé religiosa. É assim a morte dos justos (328). O bispo Ferrão escreveu: Sermão do Beato João de Brito, mártir portuguez, pregado a 2 de Março de 1854 na Sé Patriarcal de Lisboa. Lisboa, 1854, in-8.º gr. de 25 páginas. Oração funebre na trasladação dos restos mortais do Ill.mo e Ex.mo Sebastião José de Carvalho e Melo, primeiro Marquês de Pombal e conde de Oeiras, primeiro ministro de Estado do Senhor Rei Dom José. Recitada em Lisboa na capela de Nossa Senhora das Mercês, propriedade da excelentíssima casa Pombal, em presença do eminentíssimo senhor cardeal patriarca de Lisboa, de outros excelentíssimos prelados e de uma luzida parte da Corte, no dia 17 de junho de 1856. Lisboa, 1856, in-8.º gr. de 39 páginas (329). Discurso do bispo de Bragança, na sessão da Câmara dos Pares de 12 de Março de 1879, a propósito das Missões Ultramarinas. Imprensa Nacional. (328) O Ocidente, revista ilustrada de Portugal e do estrangeiro, 7.º ano, volume VII, n.º 215, correspondente a 11 de Dezembro de 1884, p. 275. SILVA, Inocêncio – Dicionário Bibliográfico, tomo XIII, ao tratar do seu nome, onde tece os mais rasgados elogios à virtude e letras deste egrégio prelado. Portugal – Dicionário histórico, artigo «Martens». No relatório apresentado à Junta Geral do distrito de Bragança, em 1876, pelo governador civil Adriano José de Carvalho e Melo, fazem-se as mais lisonjeiras referências a este prelado, bem como ao seu antecessor, o bispo Feijó. (329) SILVA, Inocêncio – Dicionário Bibliográfico, tomo V.

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A questão de Roma. Anónimo, impresso em Paris, em 1869. Este trabalho foi justamente apreciado na imprensa pela moderação e sensatez da sua doutrina e pela largueza de sua erudição. Martens Ferrão em Cernache Em princípio de Abril de 1874, foi nomeado Superior do Real Colégio das Missões Ultramarinas de Cernache do Bonjardim, cargo que desempenhou até fins de Abril de 1884. Como gerente deste estabelecimento, mandou proceder às obras necessárias, como o seu abastecimento de água. Alcançou da Santa Sé o rescrito de 22 de Junho de 1874, segundo o qual os alunos dessa casa podem ser ordenados a título de missão, evitando por isso a dispendiosa constituição de patrimónios eclesiásticos, medida esta de grande alcance para o progresso do Seminário, e conseguiu que o Governo, por decreto de 30 de Setembro de 1880, com o fim de pôr em execução o artigo 5.º da carta de lei de 12 de Julho de 1856, fundadora do Seminário, lhe concedesse o extinto convento de Chelas, com seus rendimentos, para ali estabelecer uma casa filial do Real Colégio das Missões Ultramarinas. Este empreendimento, que poderia ser de grande proveito e que assaz inculca o zelo do piedoso superior, não deu resultado e colocou a casa-mãe – Cernache do Bonjardim – nas mais precárias circunstâncias, faltando-lhe pouco para fechar por completo, pois que as suas rendas se enterraram sem proveito algum em Chelas. Este insucesso, que muito desgostou o superior, levou-o a pedir a sua demissão (330). Gostoso aproveitarmos a ocasião para nos referirmos a um bragançano digno. Queremos falar do padre António Caetano Vaz Pereira, natural de Parada, concelho de Bragança, vice-reitor do Colégio de Cernache e seu superior interino desde 28 de Julho de 1872 a fins de Março de 1874. Apreciando a sua gerência, diz Teixeira (331) que «nada de importante se deu durante ella». Esta pouco inculcadora referência deixa muito a desejar a quantos conhecem o digno, virtuoso e ilustrado sacerdote. Será certo que Vaz Pereira não ilustrou a sua gerência por empreendimentos mais ou menos espaventosos, mas a sua prudência, saber, bom (330) TEIXEIRA, Cândido da Silva – O Colégio das Missões em Cernache do Bonjardim, p. 33. (331) Ibidem, p. 33.

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exemplo e fundo tacto administrativo, que o levavam a fugir de levianos cometimentos, colocaram a casa em desafogadas condições económicas, que Martens Ferrão arruinou. Também no Seminário de Bragança, onde Vaz Pereira foi vice-reitor, pelos anos de 1892 a 1902, e professor de Ciências Eclesiásticas, mostrou igual competência administrativa, fazendo avultadas economias que o seu sucessor, bacharel António Manuel Pereira Ribeiro, depois cónego do Funchal, atacado de prurido de obras de problemática utilidade, arruinou completamente, chegando mesmo a deixar empenhada a casa. É que o hic homo coepit aedificare et non potuit consumare (332) importa uma censura que os amigos de novidades jamais devem esquecer. Sobre o projecto deste prelado para edificar em Bragança uma Sé Catedral, ver o extracto que da sua pastoral de 13 de Janeiro de 1878 damos no capítulo sobre a Bibliografia. 35.º BISPO DE MIRANDA E 11.º DE BRAGANÇA 1883 a 1885 D. Manuel Bernardo de Sousa Enes – Nasceu na vila do Topo, ilha de S. Jorge, arquipélago dos Açores, a 5 de Novembro de 1814, e morreu em Portalegre a 8 de Setembro de 1887. Era filho legítimo de Faustino de Sousa Enes e de D. Ana Joana Joaquina Teixeira Soares de Sousa Enes. Em 1831 professou no convento franciscano de S. Diogo de Vila Nova do Topo. Em 1834, sendo extintas as ordens religiosas, foi exercer o magistério na ilha Terceira, ensinando línguas. Neste mister se ocupou até 1840 em que, passando ao Brasil, o foi exercer na Baía, onde se conservou até 1849, havendo alguns anos antes recebido ordens sacras e a direcção do Colégio da Conceição, fundado pelo padre Moura naquela cidade. Em meados de 1849 regressou à Europa e matriculou-se na faculdade de Teologia da Universidade de Coimbra, cujo curso terminou com distinção em 1854 recebeu o grau de licenciado em Junho de 1857 e o de doutor em 19 de Julho do mesmo ano (333).

(332) S. Lucas, 14, 30. (333) Portugal – Dicionário histórico…, artigo «Ennes». VEIGA, Mota – Esboço histórico-literário da faculdade de teologia.

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Por decreto de 8 de Fevereiro de 1866, sendo o substituto extraordinário mais antigo da faculdade de teologia na Universidade de Coimbra, foi promovido a substituto ordinário (334); em 1871 passou a lente substituto e a 30 de Agosto de 1872 a lente catedrático, regendo ao mesmo tempo algumas cadeiras no Seminário de Coimbra. Por decreto de 25 de Junho de 1873 foi eleito bispo de Macau (335), confirmado no ano seguinte, tomando posse da sua diocese em 1877, para a qual havia partido no ano anterior. Em 1883 foi transferido para a diocese de Bragança, sendo confirmado em 15 de Junho de 1884, e em 1885 passou à de Portalegre. Escreveu a sua dissertação inaugural em latim, sob o título: Inauguralis theologica dissertatio, quam pro repetitionis actu anno MDCCCLVIII, propugnabat, Conimbricae, 1858 (336). O Portugal diz que D. Bernardo Enes prestou bons serviços à igreja portuguesa na Ásia e que escreveu várias pastorais. Assim cremos que fosse, mas pelo que toca à diocese de Bragança, nem destas nem daqueles temos notícias. Por diploma de 10 de Outubro de 1878 havia sido agraciado com o título de comendador da Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa (337). Na câmara eclesiástica de Bragança ainda se conserva o selo deste prelado com as suas armas, que são: escudo esquartelado: no primeiro, as armas dos Sousas do Prado ou Sousas Chicharros; no segundo, a cruz dos Teixeiras; no terceiro, as mesmas do primeiro, e no quarto, a torre dos Soares de Toledo, encimadas com o chapéu prelatício, tudo cercado pela legenda: EMMANUEL BERNARDUS DE SOUSA ENNES EPISCOPUS BRIGANTINUS.

(334) Diário de Lisboa de 12 de Fevereiro de 1866. (335) O Portugal Antigo e Moderno, artigo «Vilar de Nantes», diz que teve este bispado em 1870, mas engana-se. ALBUQUERQUE, António Maria Seabra de – Esboço Biográfico do Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor D. José Alves de Mariz, p. 15. (336) Portugal – Dicionário histórico…, artigo «Ennes». (337) Diário do Governo de 1878, n.º 232.

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36.º BISPO DE MIRANDA E 12.º DE BRAGANÇA 21 de Julho de 1885

D. José Alves de Mariz (338) – Filho legítimo de Joaquim de Mariz e de D. Maria José da Costa Pinto de Mariz, naturais da região da Bairrada, nasceu em Coimbra a 5 de Fevereiro de 1844. É seu irmão o doutor Joaquim de Mariz, bacharel formado em Medicina pela Universidade de Coimbra onde terminou o curso com distinção em 1878, sócio efectivo do Instituto da mesma cidade, naturalista adjunto à cadeira de Botânica da faculdade de Filosofia, sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa e notável escritor, que nasceu em Coimbra a 28 de Janeiro de 1847. A sua obra Duas Excursões Botânicas na Província de Trás-os-Montes, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1899, in-8.º gr. de 78 pág., tem interesse especial para a nossa região por descrever a flora dos concelhos de Moncorvo, Freixo, Bragança, Miranda e Vimioso, enfileirando assim ao lado dos trabalhos nesse género de Paulino de Oliveira, A. X. Pereira Coutinho, E. Schmitz, J. Henriques, J. A. Ochoa, A. Muller, Hoffmansegg, Link Tournefort e A. Jussieu. Concluídos os estudos liceais em Coimbra, matriculou-se o jovem José Alves de Mariz, aos 17 anos de idade, na faculdade de Teologia da nossa Universidade onde terminou a formatura com distinção em 1866, tendo de socorrer-se do seu trabalho de leccionação para fazer face às próprias despesas e às da família. Este seu digno proceder valeu-lhe gerais simpatias e inculca do mesmo passo o merecimento de quem pelas próprias forças se fez grande. Recebeu as ordens menores e de subdiácono em Braga no ano de 1867, conferidas pelo arcebispo D. José Joaquim de Azevedo e Moura,

(338) Bibliografia. Ver O Ocidente, número correspondente a 10 de Novembro de 1903. Portugal – Dicionário Histórico, artigo «Mariz». ALVES, Francisco Manuel, Reitor de Baçal – Notas Biográficas do Ex.mo e Rev.mo D. José Alves de Mariz Bispo de Bragança, Porto, 1906. Voz de Santo António. Todas estas publicações inserem o retrato do prelado. ALBUQUERQUE, António Maria Seabra de – Esboço Biográfico do Ex.mo e Rev.mo sr. D. José Alves de Mariz, Coimbra, 1888. O Nordeste de 28 de Janeiro de 1903. Notícia Histórica de Nossa Senhora do Amparo de Mirandela, por um devoto da mesma Senhora. Porto, 1887. O Caso de Bragança e Resposta aos Críticos. Coimbra, 1905.

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que era natural de Alfândega da Fé, distrito de Bragança e ainda no mesmo ano as de diácono e no seguinte o presbiterado. A 22 de Janeiro de 1870 tomou posse de uma cadeira de ciências eclesiásticas no Seminário de Aveiro a convite do vigário geral doutor Manuel Augusto de Sousa Pires de Lima, tornando-se bem conhecida a superior competência e distinção com que regeu as cadeiras de Hermenêutica Sagrada, Direito Canónico e Teologia Moral e ao mesmo tempo algumas de preparatórios no Colégio Aveirense. Na cidade de Aveiro viveu por muito tempo em companhia de seu tio «o antigo e honrado administrador dos tabacos n’aquelle districto e abastado proprietario, José Simões de Paiva», onde adquiriu geral estima pela sua virtude, muita sabedoria e correcção de proceder, «sem nunca levantar um attricto ou dar azo a um desgosto». A circunscrição diocesana determinada pela bula Gravissimum Christi Ecclesiam regendi et gubernandi do papa Leão XIII, de 31 de Setembro de 1881, suprimiu a diocese de Aveiro, mas subsistindo ainda por alguns anos o seu curso de ciências eclesiásticas, ali se conservou até 1884 quando foi chamado pelo bispo D. Manuel Correia de Bastos Pina para a regência da cadeira de Teologia Dogmática, deixada vaga no Seminário de Coimbra pelo doutor Augusto Eduardo Nunes, que fora nomeado arcebispo de Évora. Eleito bispo de Bragança a 21 de Julho de 1885 e confirmado no consistório do dia 30 do mesmo mês, foi sagrado a 15 de Novembro seguinte, entrando solenemente em Bragança a 31 de Janeiro de 1886. As Instituições Cristãs, desse tempo, pormenorizaram a brilhante recepção feita em Bragança a um prelado que vinha precedido da fama de grandes dotes intelectuais e brilhantes qualidades morais. A 10 de Maio de 1899 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e comenda da mesma Ordem. Seminário diocesano Um dos melhoramentos que logo chama a atenção do prelado é o Seminário diocesano, pois «edificio acanhado e pobre, como elle é, mal poderá conter annualmente o numero sufficiente de alumnos», segundo escrevia na primeira carta pastoral. Noutra parte diremos como a sua regência corria descurada na administração das rendas e qual a insuficiência do edifício e das aulas em MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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ordem ao progresso científico. Os relatórios das Contas da Bulla da Cruzada (339) mostram-nos como os seus rendimentos se malbaratavam, de onde a carência de alunos e, consequentemente, a escassez de clero na diocese, como os mesmos frisam, chegando um pároco a estar entregue de duas e três freguesias com grave incómodo seu e não menos prejuízo espiritual dos povos. Para obstar a tais inconvenientes, consegue D. José Alves de Mariz levantar a fundamentis um novo edifício contíguo ao antigo Seminário com vinte e oito quartos em condições higiénicas, exactamente o dobro dos que existiam (apenas quatorze), e seis espaçosas salas ao rés-do-chão para livraria, gabinete de ciências naturais, aulas de teologia, sala das congregações e o salão nobre para os actos solenes. Tão importantes melhoramentos, no montante superior a doze contos de réis (340), levaram mais de nove anos a construir-se; a sua inauguração solene, em 15 de Outubro de 1898, presidiu o prelado que, cheio de entusiasmo, vibrante de comoção, quase chorando de alegria por ver enfim realizada uma das suas grandes aspirações, pronunciou uma brilhante e erudita alocução que a imprensa local muito elogiou e transcreveu na íntegra. O antigo Seminário quase não tinha entrada relativamente à serventia de suas dependências. Estudantes e professores desciam para as aulas do Terraço por um alçapão aberto junto à capela, mas talhado tanto a prumo que era preciso fazer prodígios de equilíbrio para se não esmagarem dele abaixo. Em ordem à remoção de tais inconvenientes, fez D. José Alves de Mariz construir a espaçosa escadaria de granito lavrado com dezassete degraus que, defrontando com a capela, dá serventia para as aulas. Mandou reconstruir em condições higiénicas os quartos do quarteirão que, olhando ao nascente, deita para a cerca do claustro, que estavam inabitáveis, fazendo também soalhar o corredor, além de outras obras na cerca do Seminário, como o portão de granito lavrado que junto à esquina da capela dá ingresso para aquela propriedade e outros melhoramentos importantes. Preparado o edifício material, com igual afinco lançou olhos para o intelectual e moral. (339) Ver o que escrevemos em O Caso de Bragança e Resposta aos Críticos, p. 60 e 65. (340) Esta quantia obteve-a o prelado do cofre da Bula da Cruzada e do ministério das obras públicas.

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Fundou logo em 1885 uma cadeira de Filosofia Escolástica no curso de Teologia (341); em 1886 criou a de Física, Química e História Natural (342); em 1895 a de Música, Canto e instrumentos próprios para orquestra de igreja, inaugurada a 25 de Abril desse ano, independentemente da de cantochão que já existia (343), e em 1898 a de Arqueologia e Iconografia, publicando de passo, sobre o assunto, uma notável Circular que foi muito elogiada pela imprensa jornalística e científica da especialidade. Sobre o assunto escreve O Arqueólogo Português (344): «Já n’outra occasião dissémos que era principalmente ao clero, tendo á sua frente o seu illustrado e venerando prelado, que se devia o accentuado movimento pelos estudos archeologicos n’esta diocese, a ponto de em pouco tempo se ter enriquecido com verdadeiras preciosidades o Museu Municipal que, sem duvida, já hoje attrae a attenção de todos pelos objectos curiosos e interessantes que contém. Não se limitou, porém, s. ex.a a fazer recommendações e a manifestar os seus bons desejos e interesse por este assumpto, como o fez com a publicação da sua notavel Circular arqueológica que teve os justos e merecidos applausos tanto da imprensa jornalistica como scientifica; a sua illustração e amor pelo desenvolvimento d’esta sciencia levou-o a tornar obrigatorio o seu ensino no Seminario creando a cadeira de Arqueologia e Iconografia annexa á de História Eclesiástica. É este melhoramento de tal modo importante e de tanto alcance, que não passará desapercebido aos que desejam ver crescer o nivel intellectual de um povo, e especialmente aos que se dedicam e trabalham pelo progresso da sciencia archeologica. É incontestavelmente um facto culminante da historia d’esta diocese, que muito ennobrece e engrandece o episcopado portuguez». Este facto sobe de ponto se atendermos a que, ao tempo, apenas os seminários de Portalegre, Faro, Santarém e Évora ministravam tal ensino. Também criou uma cadeira de Higiene de que há a esperar grandes benefícios em utilidade dos povos. Dotou em 1896 o estabelecimento com os Estatutos do Seminário Episcopal de S. José de Bragança, sabiamente modelados pelos mais modernos processos educativos, sendo que já por Edital de 3 de Julho de 1889 regulara o modo de matrícula dos alunos, e por outro de 9 de Julho de 1890 reformara os estudos preparatórios do Seminário. Analisando (341) Boletim Diocesano de Bragança, 2.º ano, n.º 2. (342) Ibidem. (343) Norte Trasmontano, de 25 de Abril de 1895. (344) O Arqueólogo Português, vol. 5 (1899), p. 44.

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na imprensa alguns críticos a reforma da instrução secundária, salientaram a superioridade destes Estatutos que classificaram de «modêlo em todas as suas disposições» (345). Em 1898 fundou o gabinete de Ciências Naturais dotando-o com uma secção de aparelhos de física, em número de sessenta, que compreendia o que havia de melhor no género: um herbário da flora lusitana, representada por oitocentas e quarenta espécies em cem famílias, organizado expressamente para o Gabinete de História Natural do Seminário de Bragança pelo doutor Joaquim de Mariz, irmão do prelado, que o recolheu em duas excursões científicas pela diocese, de onde a especialidade da sua importância, e uma secção de mineralogia e petrografia constante de cinquenta minerais e cinquenta rochas (346). Com o fim de despertar nos estudantes o estímulo, cria D. José Alves de Mariz prémios para os distintos em comportamento moral, mérito literário e científico, tendo lugar a primeira distribuição solene a 15 de Outubro de 1899; promove saraus literários; obriga-os a frequentar o púlpito nos domingos da quaresma e outras festividades e a ensinar a doutrina cristã nos dias feriados às crianças da cidade nos claustros da Sé, sob a vigilância de um superior (347). Sobre a unificação do hábito escolar dos alunos do Seminário, devida a este prelado, diremos adiante ao tratar da sua bibliografia a propósito do Edital de 15 de Outubro de 1894. A falta de clero na diocese, quando este prelado tomou conta dela, era enorme! Velhos párocos, cansados, cheios de trabalhos, viam-se forçados a pastorear duas e três freguesias através de ínvios carreiros, quando já nem a sua própria podiam paroquiar (348). A falta era tão sensível que os Relatórios das Contas da Bula da Cruzada, insertos na folha oficial (349), não cessam de lamentar a pouca fre-

(345) O Correio Nacional, n.º 1813 (1899). (346) Boletim Diocesano de Bragança, 2.º ano, n.os 3, 4 e 5, onde há notícia especial sobre o assunto. Duas Excursões Botânicas na Província de Trás-os-Montes, já citadas. (347) Ver sobre o assunto o que escrevemos em O Caso de Bragança e Resposta aos Críticos, p. 62 e seguintes. (348) O Caso de Bragança e Resposta aos Criticos, p. 64. (349) Diário do Governo de 13 e 20 de Julho de 1867, 15 de Maio de 1868, 6 de Novembro de 1869, n.º 168 de 1870, 8 e 5 de Julho de 1873, 30 de Outubro de 1879 e, enfim, todos os que tratam das Contas da Bula da Cruzada nos anos anteriores à vinda deste prelado. Esses Relatórios, de há anos a esta parte, são impressos em volume separado, mas encontram-se no Diário do Governo de 2 de Fevereiro de 1882, 2 de Agosto e 22 de Setembro de 1883, 3 de Novembro de 1885, 10 e 23 de Março de 1886, 11 e 28 de Maio de 1892, 30 de Maio e 20 de Julho de 1893,

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quência do Seminário e de incitar os prelados a procurar-lhe remédio. Anos houve em que o número de alunos desceu a oito; em média quatorze a dezanove antes da circunscrição diocesana em 1882, e embora posteriormente aumentasse um pouco, como vieram acréscimos de freguesias, nem por isso a carência do clero deixou de se sentir, pois regulava por quatro a média dos que se ordenavam de presbítero por ano, e não bastavam a suprir as falhas que certamente se iriam dando nas trezentas e trinta e três freguesias da diocese e necessidades espirituais da mesma. Seguramente que a solução deste ponto de capital importância mereceu cuidados especiais ao prelado, enfim coroados de bom êxito, porquanto, após dezanove anos de profícua teimosia, conseguiu ver o seu Seminário frequentado por duzentos e sessenta e quatro alunos (1904-1905), entre os quais já lhe era dado escolher os de reconhecida vocação, e embora as consequências da revolta de 1904 motivassem certo retraimento na frequência, como era natural, voltar-se-ia em breve à normalidade do período áureo. Da económica administração com que D. José Alves de Mariz faz administrar o Seminário de Bragança falam claramente os documentos oficiais. E por tal modo ela se impõe que quase nunca deixam de a memorar elogiosamente (350), sendo tanto mais para notar esta particularidade quanto é certo que os mesmos documentos referentes a administrações passadas declaram positivamente que «o Seminario, cuja média de despeza, com relação a cada alumno, é mais elevada, é o de Bragança» (351), e no entanto, apesar de tão louváveis resultados, o pessoal docente não diminuiu, antes pelo contrário, como as novas cadeiras criadas exigiam e o serventuário é em quantidade suficiente, sendo muitas vezes o bolso particular do prelado que custeia as despesas de alguns alunos, como pode ver-se nos livros de matrícula do estabelecimento, além de que tem sabido criar novas fontes de receita. Bula da Cruzada Quando tomou conta da diocese, o rendimento da bula nela era de 5 894$820 réis; pois o zelo e fervor religioso que o egrégio prelado conse25 de Janeiro e 20 de Março de 1894, 20 de Dezembro de 1900, 31 de Dezembro de 1902, 13 de Fevereiro de 1906 e outros, além dos já mencionados, que apontaremos a seu tempo. (350) Contas da Administração da Bula da Cruzada de 1908-1909, p. 47. Ibidem de 1904-1905, p. 70 e 72. (351) Ibidem in Diário do Governo de 15 de Maio de 1868 e outros.

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guiu insuflar em seus súbditos, aumentando mais e mais de ano para ano essa verba, fez com que se elevasse em 1903-1904 à quantia de 7 223$090 réis, quase mais dois contos de réis! Resultado verdadeiramente pasmoso se atendermos a que nos anos anteriores era a diocese de Bragança a que dava maior percentagem por indivíduo no consumo de bulas – 34 e 35 réis por habitante – ao passo que Braga se ficava em 33 réis e algumas, como Beja, só em 3 réis (352). É certo que o acréscimo da diocese de Bragança em virtude das letras apostólicas de Leão XIII, de 30 de Setembro de 1881, que começam Gravissimum Christi Ecclesiam regendi et gubernandi munus, postas em vigor desde 4 de Setembro de 1882 por diante, determinando a nova circunscrição diocesana, aumentaram a população de Bragança. Mas tal facto em nada atenua o grande zelo do prelado neste importantíssimo ramo de serviço, perene manancial de graças espirituais e único recurso financeiro da educação religiosa em Portugal, porque quando tomou posse já havia quatro anos que a união das freguesias do arcebispado de Braga tivera lugar, ficando portanto bem evidente que esse acréscimo no consumo de bulas se deve ao seu perseverante trabalho e piedosas insinuações junto de seus cooperadores – os párocos – e o indulto quaresmal concedido pelo breve apostólico Admotae nobis, de 12 de Agosto de 1898, posto em vigor só desde o dia 1 de Janeiro de 1899, não produziu ainda resultados apreciáveis, devido a causas especiais alheias a este trabalho. É por isso que, em ofício de 31 de Agosto de 1894, dirigido ao prelado, o comissário geral da bula D. António Aires de Gouveia, Bispo de Bethsaida, «agradecendo os importantes serviços prestados por V. Ex.ª á instituição da bulla manifestamente devidos ás intelligentissimas diligencias de V. Ex.ª», reconhecia no de 22 de Agosto de 1893 a «religiosidade dos habitantes da diocese e o zeloso empenho dos reverendos parochos no tocante á prosperidade da bulla, á moralisação dos povos e diffusão dos salutares principios que lhe são base segura – não devendo com tudo esquecer, mas antes e muito relembrar, que á subida e intelligente direcção do prelado são devidos (353). O seu zêlo pelas piedosas institui-

(352) Diário do Governo de 28 de Agosto de 1874, 18 de Maio de 1875, 29 de Agosto de 1876, 2 de Outubro de 1877, 8 de Agosto e 30 de Outubro de 1878, 19 e 22 de Junho de 1880. A Provisão sobre a Quaresma de 1895, de 17 de Dezembro de 1894, mostra como pelos anos de 1893 a diocese de Bragança era a primeira do reino a contribuir para o cofre da Bula da Cruzada. (353) Provisão relativa à Quaresma de 1894 e ao Dinheiro de S. Pedro, p. 25 onde esses ofícios vêm transcritos. Provisão sobre a Quaresma de 1859, p. 13.

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ções do dinheiro de S. Pedro e subsidio dos lugares santos bem merecem não menos elogiosas referencias. Desde o anno de 1852-1853 em que a salutar instituição da Bula da Cruzada começou a fornecer subsidios para os seminarios até 1885-86 inclusivè, em que D. José Alves de Mariz tomou conta, deu esta ao de Bragança a quantia de 76 248$728 réis e desde esse ano até 1905-906 subsidiou com 72 900$000 réis» (354). Bastará atentar na diferença dos dois períodos de tempo para deduzirmos a benemerência do prelado neste particular, de onde vem que um seu gratuito inimigo se viu obrigado a confessar que a diocese de Bragança «ainda não teve Bispo que conseguisse dos governos mais dinheiro para obras no Seminario e no Paço. Que até é capaz de conseguir um dia muito dinheiro para edificar uma Sé» (355). Para obras no Paço Episcopal obteve do Ministério das Obras Públicas, em 1899, a quantia de 2 700$000 réis (356). À vista disto não admira que os pseudo-católicos, os que embirram com o progresso das coisas religiosas, levantem guerra sem tréguas ao preclaro antístite bragançano e malsinem seus actos. Jamais, porém, poderão escurecer-lhe as qualidades de grande trabalhador na vinha do Senhor. As obras do Seminário e Paço, além do que significam em si, tiveram um outro merecimento muito particular pela ocasião propositada em que foram feitas. A destruição dos vinhedos na região bragançana pelo phylloxera vastatrix, começada entre nós em 1886, alastrou tão rapidamente que em menos de quatro anos tudo foi aniquilado. E Bragança, onde predominava quase exclusivamente a cultura vinícola, passou por uma crise enorme a ponto de os artistas lutarem com grandes dificuldades por paralisarem as obras, concorrendo portanto para a debelar as mandadas abrir pelo prelado. É por isso que a classe artística, quando em 4 de Julho de 1900 regressava o bispo da peregrinação a Roma, onde havia ido com umas cinquenta pessoas da diocese por ocasião das festas do Ano Santo, o acolheu entusiasticamente. Aludindo a este facto dizia um periódico local:

(354) Contas da Administração da Bula da Cruzada no ano económico de 1904-1905, p. 70. Ibidem no ano económico do 1884-1885. (355) O Baixo Clero, n.os 42 e 44 do 1.º ano e n.os 2 e 3 do 3.º. (356) O Boletim Diocesano de Bragança, 1899.

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«A recepção feita ao illustrado e bondoso prelado, chefe da peregrinação brigantina, a quem esta diocese deve relevantes serviços e esta cidade importantes melhoramentos, foi verdadeiramente affectuosa; sem duvida alguma imponentissima. Promovida pela briosa classe artistica, que n’elle tem encontrado sempre um dedicado amigo nas grandes crises de trabalho, em breve essa festa se estendeu e generalisou a todo o povo de Bragança sem distincção de classes, que mui sincera e espontaneamente se mostrou cuidadoso em abrilhantal-a o mais possivel» (357). É que, até economicamente considerado, o governo de D. José Alves de Mariz tem sido profícuo, pois, conferindo ordens na sede do bispado, o que só muito raramente seus antecessores faziam, por não residirem ou por tratarem logo da transferência para outras dioceses, poupa enormes despesas às famílias dos ordinandos, que de outro modo teriam de mandar, com graves sacrifícios, seus filhos a recebê-las a dioceses estranhas, além de que a sua presença em Bragança dá um brilhantismo especial às festas da cidade, determinando por isso maior concorrência de povo e, consequentemente, maiores interesses ao seu comércio e indústria. É que as iniciativas de bem-estar, progresso social e alta significação cívica, mereceram sempre ao prelado particular desvelo, e assim o vemos por mais de uma vez ofertar à Misericórdia de Bragança e à corporação dos Bombeiros Voluntários da mesma cidade quantiosas dádivas (358), assim como em 1896 – quando Bragança se preparava para festejar os altos feitos com que o seu heróico Batalhão de Caçadores 3 se havia imortalizado nas plagas africanas em Manjacaze e Coolela – se associou logo ao movimento dando 50$000 réis para essa solenidade em que entrava um bodo aos pobres (359). E em 1904, quando a cidade projectava a fundação de um hospital para tuberculosos, correu pressuroso pondo à disposição dessa generosa ideia 300$000 réis. Bem conhecido é na diocese o avultado número de dispensas gratuitas para casamento impetradas todos os anos por S. Ex.ª pagando ele próprio as despesas de agência e procuradoria (360). Bem sabia a classe artística de muitos rasgos de generosidade do prelado, de que aquele da quantiosa esmola enviada mesmo de Coimbra à

(357) O Nordeste, de 6 de Junho de 1900. (358) Gazeta de Bragança, de 24 de Novembro de 1895. (359) Ibidem de 19 de Janeiro de 1896. (360) O Boletim Diocesano de Bragança, 1898.

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desditosa viúva do fogueteiro Alimonde, mal teve conhecimento do desastre que o vitimou na festividade da Senhora da Serra em Rebordãos, a 8 de Setembro de 1905, foi apenas centésima edição. E por isso, os artistas da cidade, fazendo-se intérpretes do sentir geral, quiseram por este modo significar-lhe o seu reconhecimento. Com não menor persistência tem D. José Alves de Mariz obtido elevados subsídios do cofre da bula para as igrejas pobres da diocese, destacando-se a este respeito tão primacialmente a sua acção episcopal, que quem bem a conhecer ou estudar nos muitos documentos oficiais que correm impressos não pode escusar-se a bendizê-lo. Registo paroquial Entre os diversos ramos da administração episcopal, tem o prelado tomado em consideração particular o registo paroquial, não cessando de recomendar aos párocos a sua exacta e atenciosa observância. A Pastoral sobre deveres disciplinares, de 20 de Dezembro de 1890, é disso uma prova que deve juntar-se às muitas circulares e ofícios dirigidos aos párocos sobre o mesmo assunto. A julgar por outro documento (361), na diocese de Bragança este ramo de serviço não correspondia satisfatoriamente à responsabilidade e importância que lhe anda anexa. Para o regularizar, teve o prelado graves dificuldades a vencer, vendo-se mesmo obrigado a recorrer, esgotados os meios suasórios de insinuações, avisos e repreensões, a castigos mais ou menos pesados, como suspensões de ordens, de benefícios e outros, impostos aos párocos negligentes. Têm alguns inimigos do prelado explorado esta questão dos castigos baseando neles capítulos de acusação, como se as negligências contumazes e os erros de ofício não bastassem a justificá-los e tal precedente não fosse vulgar nos homens constituídos em autoridade – dura lex, sed lex. Felizmente que o aviso, o conselho e a repreensão amigável têm por tal forma sortido efeito que a diocese de Bragança é uma das primeiras do país onde o importante serviço do registo paroquial se executa com maior regularidade, merecendo por isso que o presidente do Ministério e Ministro da Fazenda, Hintze Ribeiro, em seu ofício de 4 de Julho de 1896, classificasse o actual prelado de «insigne no governo da diocese» (362). (361) Circular relativa à nova lei do selo, de 4 de Maio de 1896, p. 7. (362) Este ofício vem transcrito a p. 11 da circular citada.

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Cemitérios paroquiais Quando tomou D. José Alves de Mariz conta da diocese continuava ainda em muitas povoações rurais o péssimo costume de se fazer os enterramentos nas igrejas e com grave detrimento da higiene pública, e quanto o aferro a essas velhas práticas vivia arreigado no espírito do vulgo facilmente se calculará tendo em linha de conta a índole tradicionalista do povo e lembrando de passo que a revolução da Maria da Fonte teve como causa próxima a lei sobre os cemitérios. Era tal o vigor da costumeira, enquistada por sete séculos de prática, que, mesmo depois de construídos os cemitérios, se exumavam os cadáveres neles enterrados para contemporizar com a vontade do prelado manifestada pelos párocos para os soterrar nas igrejas. Cheguem-me à igreja o mais possível, era o último desiderato dos moribundos nos tempos primitivos, depois por corruptela convertido em mais que realidade (363). Do exposto facilmente se ajuizará da grande soma de energia que o prelado teve de dispender para banir, senão completamente, pelo menos reduzir a insignificante percentagem os enterramentos nas igrejas, promovendo a construção de cemitérios. Ensino da doutrina cristã D. José Alves de Mariz tem procurado por todos os meios ao seu alcance difundir na diocese o ensino religioso, já ampliando o Seminário e criando novas cadeiras, já fomentando as letras e animando os doutos. Particularmente sobre o ensino da doutrina cristã e catequese, são bem conhecidas as suas Pastorais, Provisões, Exortações e Circulares onde faz sentir aos párocos essa obrigação que lhe levará em conta nas suas pretensões aos benefícios eclesiásticos, bem como a responsabilidade aos descuidados. Implantou o salutar e novo costume dos seminaristas ensinarem a doutrina cristã – nos dias feriados nos claustros da Sé Catedral, sob a presidência de um superior, bem como nas respectivas freguesias quando

(363) VITERBO – Elucidário, artigo «Chegar», e BLUTEAU – Dicionário, artigo «Adro». As disposições do prelado relativas aos cemitérios constam da sua Pastoral sobre deveres disciplinares, de 20 de Dezembro de 1890, da Carta-pastoral acerca da peste bubónica, de 8 de Setembro de 1899, e de outros documentos.

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estejam em férias, exigindo debaixo de juramento que os párocos certifiquem se sim ou não cumprem com esta obrigação. A diocese de Bragança tinha para o ensino da doutrina cristã uma espécie de compêndio manuscrito que continha pouco mais amplos ensinamentos que os apontados nas Constituições do Bispado. Vem exarado nos livros destinados ao «Registo de pastoraes e capitulos de visita», existentes nos arquivos paroquiais, referentes ao ano de 1755. Este trabalho deve-se ao bispo D. Frei João da Cruz, segundo nos parece. Pelo menos apareceu no seu tempo, mas é pouco explícito. Depois, um seu sucessor, D. Frei José Maria de Santa Ana Noronha, compilou e publicou pela imprensa em 1827, para tal ensino na diocese de Bragança, o Catecismo histórico por Perguntas e respostas, tradução e extracto do Pequeno Catecismo de Fleury. Este livro in-8.º peq., de 109 pág., não podia continuar a servir de texto em nossos dias por se haver tornado extremamente raro, desconhecido até no Dicionário Bibliográfico de Inocêncio, além de que se tornava deficiente pela sua concisão. Em 1883, o bispo D. José Maria da Silva Ferrão de Carvalho Martens, querendo obviar a estes inconvenientes, aprovou para a diocese de Bragança, como seu livro litúrgico de ensino religioso, o Catecismo explicado – Breviário do Cristão, do cónego Manuel António Pires. Mas, querendo-se evitar os defeitos das primeiras tentativas, caiu-se no oposto: aquelas pecavam por concisas, esta por difusa. «Bem comprehendeu este inconveniente, diz o citado cónego Pires, O Ex.mo e Rev.mo Snr. D. José Alves de Mariz, nosso amabilissimo prelado, que em sua alta sabedoria reconhece que educar a mocidade é a fonte do bem... e por isso o prudente prelado, pondo mais uma vez em acção o zêlo que tanto o caracterisa pela salvação das almas que formam a grei que lhe está confiada, fez com que do Catecismo explicado se extrahisse substancia de ensino orthodoxo accommodado á capacidade infantil para uso das familias e dos parochos no ensino da catechese». Incumbiu desse serviço o mesmo autor que em breve saia com o Catecismo abreviado da doutrina cristã, publicado em 1887 à custa do próprio prelado que generosamente fez doação da larga tiragem ao Seminário, vindo assim – além de preencher a lacuna existente na diocese de Bragança resultante da falta de livro próprio adoptado para o ensino da doutrina cristã – a criar uma nova fonte de receita para o estabelecimento que tantos cuidados lhe tem merecido. Ainda em provisão de 9 de Julho de 1904, no intuito de tornar metódico esse ensino, incumbiu uma comissão do párocos do arciprestado de MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Vimioso de organizar um «Regulamento para o ensino religioso pela catechese e explicação do Evangelho». É tambem a D. José Alves de Mariz que a diocese de Bragança deve a introdução da salutar e útil prática dos exercícios espirituais ao clero pelos anos de 1896 (364). Quanto ela seja óptima em frutos tendentes a afervorar sentimentos religiosos, extirpar abusos, uniformizar os actos do múnus pastoral e transmitir impressões de encorajamento contra as perseguições diabólico-mundiais, assaz o experimentam os que têm a felicidade de os frequentar. O próprio prelado, sabendo que as palavras movem mas os exemplos arrastam, costuma assistir a esses exercícios. Aludindo a estes e a outros títulos de benemerência do egrégio bispo, dizia O Nordeste de 14 de Abril de 1896: «O venerando prelado desta diocese é exemplar no cumprimento dos seus deveres: cuida com zêlo inexcedivel no bem dos seus subditos, não se poupando a qualquer fadiga em tudo o que pode interessar ao bom governo da diocese». Por isso, no hino que, em honra do 14.º aniversário da sagração episcopal de D. José Alves de Mariz, compôs o hábil professor de música Francisco Rocha, com letra de António Caetano de Sousa, ex-professor do Liceu Nacional de Bragança e ex-administrador do mesmo concelho, se lê: Nobre Bispo que o sólio enaltece com virtudes de raro valor, nossas almas com bênçãos aquece qual se foram sentelhas de amor. Chovam graças do céu ao Prelado que esta nobre cidade bendiz, Saudando em uníssono brado o Senhor Dom José de Mariz! Seja o rico ou o triste indigente que algum dia ao Paço lhe vai, sem fazer distinção, igualmente lhes esparge sorrisos de Pai. (365)

(364) Carta-pastoral sobre exercícios espirituais do clero, de 15 de Agosto de 1898. (365) Boletim Diocesano de Bragança, 2.º ano, p. 196.

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Bem se deixa ver que para D. José Alves de Mariz realizar tão larga folha de serviços, como levamos dito, devia arcar com graves dificuldades, cortar interesses criados, de onde proviria não ser visto com bons olhos pelos cerceados em seus supostos direitos e regalias. Mas onde está o reformador de larga envergadura que não tenha sido alvo de caluniosas perseguições?! Quem receia a chiadeira dos anichados em proventosas sinecuras jamais deve tentar a execução de reformas úteis. É natural que os elementos pseudo-católicos ou católicos pelo cérebro, como sói dizer-se, inimigos de quanto significa progresso religioso, se mancomunassem com os ditos católicos pela pança, em guerra sem tréguas ao enérgico prelado que pretendia levantar a diocese de Bragança do abandono em que jazia, acrescendo a uns e outros o contingente trazido pelos tíbios, frouxos e quiçá viciosos que, acostumados a ver correr a vida em dolce fare niente, estranham a actividade de um prelado que trabalha e faz trabalhar. Aludindo, sem dúvida, a tal orientação, escrevia O Nordeste de 26 de Fevereiro de 1902: «O estado de relaxamento em que se encontrava a diocese de Bragança, devido a muitas circumstancias, entre as quaes se podem notar o desamparo de seus bispos dando logar a governos provisorios, pela sua propria natureza tolerantes e brandos, e a recepção de uma grande área do arcebispado, que pela distancia da séde quasi se esquecera da disciplina na falta da repressão, que mal e poucas vezes se podia impôr, exigia da parte de um bispo que não se importasse de lisonjas e banaes encomios, mas curasse apenas de fazer guardar a disciplina da Egreja, extirpar os abusos, elevar o clero e salvar a crença catholica pela reforma dos costumes, toda a severidade e rigôr para compellir os seus subditos ao cumprimento das leis, ao respeito pelos superiores e á correcção no procedimento. E neste empenho tem envidado o actual bispo de Bragança todos os seus esforços, e por isso se levanta contra elle a animadversão dos que na licença dos costumes se viam livres de todas as peias. Compare-se, porém, o estado moral da diocese ha vinte annos com o estado actual, e ninguem que bem os conheça ou que bem os estude, poderá dizer que não tenha sido proficuo o governo do sr. D. José Alves de Mariz». À brandura dos costumes portugueses, ao nosso proverbial descuido e deixar correr, à nossa sentimentalidade doentia em que as ideias de rectidão e justiça se confundem com uma pieguice aviltante, algo repugna MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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um proceder enérgico até à realidade, além de que é por demais conhecida a relutância com que os bragançanos se deixam levar por outra orientação que não seja conforme aos seus hábitos nem sempre razoáveis e muitas vezes adquiridos pela culpável indiferença da autoridade. Bem conheceu isto mesmo um antecessor do actual prelado, D. Manuel de Moura Manuel, que na sua Pastoral de 31 de Maio de 1697 nos considerava súbditos «de cerviz tam dura que só podiam ser regidos in virga ferrea»; e ainda D. Aleixo de Miranda Henriques que na de 5 de Julho de 1761 dizia haver-lhe mostrado a experiência que «n’este bispado as ordens sem pena não são cumpridas». «O clero da diocese de Bragança, dizia um escritor em 1870, não é incorrigivel, como alguem erradamente julga» (366), de onde se vê que a corrente de opinião relativamente à sua incorrigibilidade até certo ponto vogava pela diocese e talvez por fora dela. Vem, pois, de molde lembrar aqui o que na Gazeta de Bragança, de 13 de Agosto de 1899, escrevia o ex-governador civil do distrito de Bragança, seu representante em cortes em várias legislaturas, avalizado professor liceal, conselheiro Abílio Augusto de Madureira Beça, indefesso propugnador de tudo quanto interessa ao engrandecimento de Bragança, tão cedo roubado às prosperidades desta terra. «Somos do número, escrevia ele, dos que consideram antes virtude, que defeito, a austeridade que o illustre bispo de Bragança usa por vezes na resolução dos negocios ecclesiasticos da sua diocese. Se por ventura alguem consegue notar imperfeições na administração do bispado, é de justiça proclamar que as qualidades apreciaveis do sr. D. José Alves de Mariz sobrelevam grandemente os pretendidos defeitos. A Egreja e especialmente a diocese de Bragança devem incontestaveis serviços ao sr. D. José Alves de Mariz. No bispado, durante o seu governo, a disciplina ecclesiastica tem-se levantado e mantido. O clero, aqui tão diminuido desde ha muitos annos, a ponto de um parocho ter de attender duas e tres freguezias, vae augmentando de anno para anno, graças ás medidas adoptadas pelo zeloso prelado. O Seminario diocesano, de antro escuro, acanhado, insalubre e quasi deserto que era, foi, devido aos seus tenazes esforços, convertido em espaçoso, alegre e saudavel edificio».

(366) MONTES, João Baptista – Apontamentos para a história da Diocese de Bragança, p. 13.

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É por isso que o notável sábio português José Leite de Vasconcelos, admirando as fecundas iniciativas devidas ao egrégio bispo exclamava: «o illustre prelado de Bragança honra-se a si, honra o clero a que pertence e o paiz» (367). Em volta da acção episcopal de D. José Alves de Mariz tem-se agitado discussão enorme, e é este o melhor sinal do seu valimento e importância, não trepidando seus inimigos ante o recurso às calúnias e injúrias. Os anticlericais, vêem nele o naufrágio dos seus planos subversivos; os tíbios, a necessidade do trabalho e o fim dos ledos ócios, e os das sinecuras reconhecem, enfim, embora forçados, que nem tudo são direitos, regalias, isenções e privilégios, mas que os deveres e obrigações lhe andam ligados. Daqui, a guerra de extermínio que todos estes elementos mancomunados movem ao prelado. E como os homens dos grandes planos, de larga intuição, dos grandes empreendimentos, são sempre mal compreendidos na época em que vivem, pela simples razão de que vendo as coisas à luz de uma intelectualidade muito superior à vulgar, vivem num plano mais elevado de ideias, não causará estranheza se essa guerra encontrar até certo ponto terreno naturalmente preparado para ser bem aceite, prescindindo mesmo dos antecedentes atávicos que levam a diocese a desconsiderar os seus bispos, como ficou dito quando tratámos de D. João de Aguiar, D. José Luís Alves Feijó, D. José da Silva Rebelo, D. José de Santa Ana Noronha, D. António da Veiga, D. João de Sousa Carvalho, D. Aleixo de Miranda Henriques e em geral de todos os outros que tentaram olhar a sério pelo governo da diocese. É por isso que de D. João da Gama se disse que fora «aborrecido de todos aquelles que por seus peccados mereciam ser castigados» (368), e ainda que o governador D. João do Amaral e Pimentel, mais tarde bispo de Angra, tentando reformar a diocese de Bragança, que encontrara em deplorável estado, sofrera por isso muitos desgostos e contrariedades (369). Adiante, ao tratarmos do motim do Seminário, faremos a análise das acusações feitas a este prelado.

(367) O Arqueólogo Português, 1899, vol. V, p. 44. (368) Ver a p. 31. (369) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Sernache do Bomjardim».

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BIBLIOGRAFIA DOS BISPOS DE MIRANDA E BRAGANÇA Extractos mais importantes dos capítulos de visita, pastorais, circulares, etc. Notícias etnográficas e históricas (370) D. Jorge de Melo 1634 – Neste ano visitou a igreja de Vilarinho de Cova de Lua o doutor Vicente Lopes de Moura, cónego doutoral na Sé de Miranda, vigário geral e visitador pelo bispo D. Jorge de Melo. Em 1636 continuava ainda o mesmo bispo, mas na visita de 16 de Junho de 1639 já estava a sede vacante e assim continuou até 1672. D. André Furtado de Mendonça 20 de Setembro de 1674 – Já se fez a visita por ordem do bispo D. André Furtado de Mendonça, bispo de Miranda, do conselho de sua alteza. Nesta visita manda o bispo que se não proceda a casamento algum sem passarem três dias depois da última leitura de banhos, nem se passem certidões destes senão depois de decorridos os ditos três dias sob pena de excomunhão maior ipso facto incorrenda. Sob a mesma pena proíbe que nas procissões se lance trigo sobre os andores dos santos e que se não observe o costume que havia de levarem um cesto com mantimentos para os adros das igrejas, onde os comiam com algazarras a título de caridade. (370) As notícias que sobre este particular encontrámos remontam apenas a 1634.

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22 de Julho de 1676 – Visitou a igreja de Vilarinho de Cova de Lua o licenciado Manuel da Nóbrega de Azevedo, abade de Meixedo. Manda por ordem do bispo, sob pena de excomunhão maior iso facto incorrenda, que logo depois de feitos os baptizados se lavrem os respectivos assentos nos livros competentes antes de saírem da igreja. 7 de Julho de 1677 – Foi visitada a igreja de Vilarinho de Cova de Lua sede episcopale vacante.

D. José de Lencastre 7 de Agosto de 1678 – Edital datado de Miranda, do bispo D. Frei José de Lencastre, dando conhecimento de duas cartas régias de 22 e 28 de Julho, notificando a resolução tomada contra os que fabricam e pisam tabaco fora do estanque ou o atravessam e mandam para o estrangeiro (371). 2 de Dezembro de 1678 – Visitou a igreja de Vilarinho de Cova de Lua o doutor Belchior de Sá Cabral, abade de S. João Baptista de Bragança, comissário do Santo Ofício, visitador ordinário por D. Frei José de Lencastre, bispo de Miranda e eleito de Leiria. 3 de Dezembro de 1680 – Foi visitada a dita igreja pelo mesmo visitador, de ordem do mesmo bispo que ainda continuava eleito de Leiria. 6 de Dezembro de 1681 – Já foi visitada a dita igreja sede vacante. 16 de Fevereiro de 1683 – Visita. Continua sede episcopale vacante.

D. António de Santa Maria 6 de Novembro de 1687 – Visita da igreja de Vilarinho de Cova de Lua pelo doutor Manuel de Gouveia Vasconcelos, abade de Chacim, visitador pelo bispo D. Frei António de Santa Maria. 4 de Novembro de 1687 – Na verdade não sabemos se será esta a data do documento que apresentamos. Guiamo-nos apenas pela nota que vem no final dele, no Livro das Pastorais da igreja de Labiados, e que reza assim: «a este logar como aos maes do destricto do Lombo de Babe não chegou esta Pastoral a tresladei pelo livro da Visitação do lugar de Sacoias por assim me ser mandado em visitação. Labiados 4 de Novembro de

(371) Livro das Pastorais e capítulos de visita da igreja de Labiados, anexa da de Babe.

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1687». Trata-se de uma pastoral do bispo D. Frei António de Santa Maria, que manda que os confessores e párocos não absolvam nem admitam à comunhão os pecadores públicos escandalosos, tais como os usurários, os que têm amores com freiras e os negligentes em aprender a doutrina cristã. «E porque temos noticia que em muitas partes d’este nosso Bispado ha muitas soprestições diabolicas, e gentilicas como são não baptizarem em certos dias e pezar os paes da criatura quando a baptizam, nem dar lume da caza donde esta creança por baptizar ou para baptizar nem lhes dar leite na igreja nem fazer certos serviços em certos dias, e outra immensidade de abusos e soprestições como tambem curar e banzer com palavras», ordenamos que os párocos procedam contra estes abusos, mostrando por palavras a sua inanidade e condenando pecuniariamente os delinquentes, se tanto for necessário. «Tambem nos veio a noticia que em alguns logares deste nosso bispado se teem introduzido muitos abusos perniciosos: a saber pelos dias das octavas do nascimento do Senhor se fazem hum modo de festas a que chamam pandorcas fazendo danças e festejos por muitos dias com muitas offensas a Deus comendo e bebendo demasiadamente, descompondo muitas pessoas de que resultam graves pendencias e outros peccados originados de galhofas entre mancebos e moças». Por isso proíbe as pandorcas e se persistissem que lhos denunciassem para proceder contra eles (372). 30 de Dezembro de 1688 – Já estava sede episcopale vacante como se vê pelo Livro das Pastorais e capítulos de visita da igreja de Vilarinho de Cova de Lua. 20 de Fevereiro de 1689 – Ainda continuava sede vacante. Para guardar o respeito devido aos lugares sagrados, determinam os cónegos do cabido colectivamente, em harmonia com as ordens do Núncio e do Papa, «que na egreja não entrem mulheres decotadas, nem estejam de meio olho somente se permite ás moças donzellas e recolhidas que tenham o manto sobre o rosto de maneira que possam ver os sagrados altares sem ellas serem vistas e que as mulheres ainda fora das egrejas andem cobertas e não decotadas». Mais proíbem que nas igrejas se recitem comédias ou outras representações, ainda que sejam de coisas espirituais, e que se não coma ou beba nelas ou lugares a elas juntos.

(372) Ibidem.

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D. Manuel de Moura Manuel 20 de Novembro de 1690 – Visita a igreja de Labiados o bispo D. Manuel de Moura Manuel (373). 5 de Maio de 1691 – Visita a igreja de Vilarinho de Cova de Lua D. Manuel de Moura Manuel, bispo de Miranda, do conselho de Sua Majestade e seu sumilher de cortina. É o primeiro bispo que encontramos a fazer visita. 16 de Junho de 1691 – O bispo D. Manuel de Moura Manuel data de Vinhais (andava em visita) uma Determinação onde declara que os que não pagarem os dízimos de todos estes frutos – pão, vinho, azeite, cera, frutas, linho, legumes, sirgo, sumagre e de tudo o mais a que, por direito divino e canónico e Constituições deste bispado, são obrigados – ficam incursos em excomunhão maior ipso facto incorrenda. 24 de Junho de 1691 – O mesmo bispo data de Vinhais uma pastoral onde proíbe, sob pena de excomunhão ipso facto incorrenda, que nos rios e poços, com o fim de matar peixes, se lancem trobiscadas ou cabadas ou barbasco, coca ou quasemo. 31 de Maio de 1697 – Pastoral do bispo D. Manuel de Moura Manuel, datada de Miranda. «Tem-nos mostrado a experiencia, diz o bispo nessa pastoral, que muitos de nossos subditos abusando da boa vontade com que os admittimos ás ordens, por anteciparem o tempo da recepção dellas e ainda que capazes para isso pela limpeza do sangue, contudo indignos do favor pela culpa de as receberem per saltum e furtivamente por prelados incompetentes, sem reverendas nossas, antes falsificando-as para isso sem terem patrimonios ou fazendo-os fantasticos, ou por titulo de capellas servindo estas mesmas no proprio anno a tempo para se ordenarem varios sojeitos por Prelados Maltezes da Ordem de S. João Baptista, que os castelhanos admittem e lhes passam reverendas sob titulo das ditas capellas sem repararem nas censuras e mais penas em que ficam incursos aquelles que por interesses temporaes vendem os espirituaes, pois pelas confissões e depoimentos dos mesmos ordinandos nos consta que offereciam para conseguir as ditas capellas um certo numero de patacas, devendo tambem advertir-se que accrescenta a causa de nosso justo escrupolo o constar-nos que alguns desses nossos maus subditos se ordenaram na mesma Castella com um bispo in portibus chamado D. Francisco Rodriguez Picanho assistente na «Calla do Campo de Cretana» (?) na pessoa do qual alem de termos grave fundamento para se dever pre(373) Ibidem.

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sumir a culpa de simoniaco nos achamos obrigados como reparo se em tal bispo ha legitima jurisdição por ser n’este bispado cousa muito notoria que os Bispos diocesanos de Castella costumão castigar com toda a severidade aos seus subditos que recebem ordens dadas pello dito Bispo emtanto que aquelles que commetteram esta culpa diocesanos do bispado de Salamanca por ocultarem o seu delito e não serem punidos pelo seu prelado vestem como seculares e passam por taes sem administrarem as ordens que teem e andam sem habito nem signal algum de clerigos. Os outros sujeitos nossos subditos que usam das subreditas falsidades fazendo as reverendas á sua vontade furtando a nossa firma e armas de nosso sinete e letra ao nosso escrivão da Camara são aquelles a quem falta a pureza de sangue são reus de graves crimes faltos de sciencia e patrimonios summamente ignorantes ou fugidos ao serviço de S. Magestade que Deus guarde no exercicio militar dos soldados indignos só por esse fim do honradissimo nome de portuguezes... mandamos aos senhores bispos dos reinos de Castella Leão e Galiza com os quaes costumam ir ordenar-se os ditos nossos subditos com reverendas falsas dando-lhes conta de como eram taes as ditas reverendas que levavam pedindo-lhes que os não ordenassem antes que nolos remetessem presos como em effeito acconteceu serem presos pela dita culpa por ordem dos ditos senhores bispos alguns d’estes delinquentes e sendo este sucesso notorio aos indignos ordenados que pretendiam ser ordenados furtivamente foram buscar outros senhores bispos aonde não tinha chegado esta nossa prevenção com os quaes conseguiram a virem ordenados. Vendo agora que não tem aproveitado os ditos remedios para evitarem os inconvenientes referidos que mal tão grande necessita de remedio maior e ser obrigado de nossa consciencia procurar atalhar tão grandes culpas e delitos tão abominaveis... e sendo certo que para a cura das chagas que se padecem não aproveitam os remedios linitivos é conveniente saber do rigor do ferro ou do ardor do fogo é necessario que subditos de cerviz tão dura sejam regidos in virga ferrea... por isso mandamos... que todos e quaesquer de nossos subditos... que sega e sacrilegamente se for ordenar com bispo algum furtivamente sem carta reverenda de missoria nossa ou de qualquer ministro dos nossos a quem para isso commettermos o poder necessario e passada com a legitimidade que deve ter alem das penas promulgadas pelo direito e Concilio Tridentino em que incorrem semelhantes delinquentes e nas mais declaradas nas constituições do bispado e pastoraes dos senhores bispos nossos predecessores alem disso queremos e mandamos que os sobreditos fiquem inhaveis aquelles que MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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não tiverem tomado todas as ordens para aquellas que faltarem para receber e os que as não tiverem recebido para as tomarem e a nenhum será concedida dispensação para serem admittidos não só ás ordens mas tambem queremos que fiquem incapazes irremessivelmente para dignidades, abbadias, priorados, vigararias, ou reitorias, mas ainda para prepositinas, pensões, prestimonios, curas confirmados ou por confirmar, ainda para dizer missa cantar evangelhos e epistolas e serem admittidos a quaesquer officios da egreja ou a fazerem em algua do nosso bispado qualquer funcção ecclesiastica das que pertencem aos clerigos... Mandamos a todos os parochos nossos subditos assim actuaes como futuros sob pena de suspensão ipso facto incorrenda que não admittam da publicação d’esta em deante em suas egrejas para alguma das funções sobreditas a quaesquer delinquente que tiver commettido as ditas culpas excepto os que se acharem compurgados d’ellas e lhes constar que estão mostrando-lhes para isso sentenças de seu livramento e certidão de dispensação em forma authentica por quanto estes taes só ficam suspensos para o effeito de curar por confirmar, e todos sobreditos nossos parochos sob a dita pena de suspensão serão obrigados tanto que souberem que alguns dos sobreditos clerigos illegitimamente ordenados e não compurgados assistem em suas freguezias com todo o segredo nos darão conta d’isso ou a nossos ministros ou a nosso vigairo de Bragança e arciprestes dos distritos sem lhes ser licito avizar aos ditos delinquentes por si nem por outrem para com mais segurança ou facilidade poderem ser prezos ou castigados por seus delictos cujas prisões os ditos nossos ministros vigario ou arcipreste logo com toda a promptidão necessaria mandarão executar por seus officiaes ou por qualquer outras possoas que julgarem mais aptas para a execução das ditas prisões e poderão levantar vara para isso e levar homens comsigo para fazer as prisões com segurança mandamos se faça termo da entrega e que os não recolham sem isso e serão pagos da deligencia que fizeram na forma ordinaria por conta dos prezos os meirinhos e homens que trouxerem em sua companhia para segurança dos ditos prezos aos quaes sendo-lhe legitimamente provado o delito mandamos que sejam condemnados de mais das ditas penas não só a exterminação das suas patrias mas ainda de todo o nosso bispado e o poderão ser do reino conforme a gravidade e escandalo da culpa esta tal condemnação de exterminio para fora do reino queremos que fique o arbitrio de nossos ministros e alem das penas acima expressadas condemnamos e havemos por condemnados os reus das ditas culpas em trezentos cruzados para a nossa Santa Sé e meirinho geral para paga da dita MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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condemnação e mais custas não tendo os delinquentes outros meios para satisfação mandamos que sejam executados em seus patrimonios». 4 de Novembro de 1699 – Visitou esta igreja o doutor Manuel Camelo de Morais, abade de S. João da cidade de Bragança, comissário do Santo Ofício, protonotário apostólico e visitador ordinário pelo cabido sede episcopale vacante. 28 de Fevereiro de 1701 – Ainda o mesmo visitador sede episcopale vacante. D. João Franco de Oliveira 12 de Junho de 1702 – Visitou a Igreja de Labiados D. João Franco de Oliveira, arcebispo-bispo de Miranda. 10 de Novembro de 1705 – Vem copiada nos livros de Labiados uma pastoral dada em Miranda que alude a uma outra do bispo D. Manuel de Moura Manuel que não encontrámos. Manda que os padres não andem em hábitos seculares, com bolsos e botões nas abas e canhões extraordinários nas mangas e cores proibidas em seus vestidos. Todos os que forem encontrados assim vestidos perderão os hábitos além de serem obrigados a pagar a multa de doze mil réis. 2 de Novembro de 1705 – Pastoral do mesmo bispo. Diz constar-lhe que muitas capelas do termo e algumas até do povoado estão sem portas e fechaduras. Manda que se lhe ponham dentro de dois meses, e às que se lhe não puserem serão recolhidas as imagens, arrasando totalmente as capelas e colocando no local delas uma cruz de pedra. Proíbe também sob pena de excomunhão maior ipso facto incorrenda que se coma, beba e durma nas igrejas ou capelas, como costumava fazer-se por ocasião de romarias. 29 de Junho de 1707 – Pastoral do mesmo, dada em Miranda. Trata de questões administrativas. 20 de Dezembro de 1714 – Pastoral do mesmo, dada em Miranda. Diz respeito igualmente à administração da diocese. 20 de Maio de 1715 – Pastoral do mesmo, dada em Miranda. Diz que «muitas pessoas lançam nos rios d’este nosso bispado pelo interesse d’algum peixe ervas venenosas, cal e outras cousas... com que não somente esterelisam de peixe os mesmos rios com grave prejuizo do bem commum, mas tambem tem soccedido, como nos consta, morrerem pessoas que beberam a agua nelles estando infeccionada, soccedendo o mesmo aos gados, com notavel perda de seus donos. De um da visinhança de MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Chacim sabemos lhe morreram, em um só verão, duzentas cabeças, pouco mais ou menos, sem que o temor da Pastoral do Senhor Manuel de Moura Manuel, impedisse tão grande absurdo e damno do proximo... mandamos novamente, com pena de excommunhão ipso facto incorrenda a nós reservada, que ningua pessoa lance mais nos rios grandes ou piquenos semilhantes canguejadas, ou como quer que se lhe chamar, que sirva para tomar peixes». 21 de Maio de 1715 – Pastoral do mesmo regulando o modo de fazer a procissão dos Passos do Senhor proibindo certos abusos que nela costumavam cometer-se. 31 de Agosto de 1715 – Determinação do deão, dignidades e mais cónegos do cabido de Miranda, sede episcopale vacante, pondo em vigor ou melhor confirmando as penas de excomunhão ipso facto incorrenda, cominadas por D. Manuel de Moura Manuel e D. João Franco de Oliveira aos que matassem, isto é, atirassem aos pombos e fizessem troviscadas ou lançassem embude ou outras quaisquer ervas nocivas e peçonhentas nos rios. 28 de Maio de 1716 – Vieram visitadores; ainda sede episcopale vacante.

D. João de Sousa Carvalho 15 de Maio de 1717 – Pastoral do bispo D. João de Sousa Carvalho, dada em Miranda. Comina penas pecuniárias, pagas de aljube, aos padres que andarem vestidos com hábitos leigos em vez de eclesiásticos, e pena de excomunhão ipso facto incorrenda aos que confessarem mulheres fora dos confessionários, que para este fim se devem mandar fazer nas igrejas. Determina que os párocos ensinem a doutrina cristã aos domingos de tarde nas igrejas, e mais diz que ficam em pleno vigor as pastorais de seus antecessores nas penas cominadas aos que atiram aos pombos ou deitam ervas venenosas nos rios com o fim de apanhar peixes. 29 de Novembro de 1717 – Pastoral do mesmo. Em virtude de uma carta de sua majestade de 8 desse mês, na qual mostra desejo de que se celebre com o máximo esplendor em todo o reino a festa de Nossa Senhora da Conceição, padroeira tutelar do reino, ordena que todos os párocos celebrem, ou façam celebrar, em suas igrejas anualmente em dia da Conceição de Nossa Senhora (8 de Dezembro) uma missa cantada de três padres em carreira com sermão, podendo ser. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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5 de Junho de 1719 – Visitou o dito bispo a igreja de Vilarinho de Cova de Lua. Diz que a capela-mor da dita igreja ameaça ruína, não tendo os abades de Espinhosela, a que esta está anexa e paga dízimos, feito nela obra alguma, principalmente o último, Belchior Leite de Azevedo, de quem consta terem sido herdeiros os padres da Companhia de Jesus de Bragança. Por isso manda que estes as façam, não querendo lhes seja sequestrada nos bens herdados quantia bastante para pagamento das obras necessárias. Pela visita de 1720 vê-se que ainda então as obras estavam por fazer. 17 de Janeiro de 1723 – Constando-lhe que os sacerdotes se confessam e reconciliam encostados sobre os caixões e, o que mais é, sobre os altares e muitos estão com os chapéus na cabeça, manda, sob pena de excomunhão maior ipso facto incorrenda, que os confessores dentro da igreja não tenham a cabeça coberta com os chapéus e os confessados estejam de joelhos. Proíbe também o costume de muitos sacerdotes que, sendo chamados para assistir aos ofícios de defuntos, iam à igreja onde se celebravam dizer missa enquanto os outros estavam fazendo o ofício. 29 de Maio de 1723 – Pastoral do bispo, dada em Miranda. Insinua a devoção de orar pelas almas do purgatório e por isso recomenda que os párocos tenham cuidado de mandar dar cinco badaladas depois do toque das Avé-Marias para que este sinal sirva de despertador à pia devoção de orar pelas almas. Oração que já as Constituições do bispado preceituam. 9 de Abril de 1725 – Pastoral do bispo D. João de Sousa Carvalho, datada de Miranda. Ensina o modo de ganhar certas indulgências concedidas pelo Papa, aos que rezam ao toque das Avé-Marias. 18 de Agosto de 1725 – Pastoral do mesmo bispo, dada em Miranda. Comina penas pecuniárias em harmonia com as Constituições do bispado aos pais que tiverem passante de nove dias os filhos por baptizar, e manda repetir sub conditione o baptismo das crianças baptizadas em casa por necessidade sempre que não haja certeza completa de que a pessoa baptizante teve intenção e sabia a fórmula. 20 de Agosto de 1725 – Pastoral do mesmo bispo, dada em Miranda. Queixa-se do pouco caso que fizeram da sua pastoral relativa ao hábito clerical; lembra de novo a observância dela e as penas cominadas aos transgressores. 24 de Julho de 1734 – A páginas 114 v. do Livro das visitas da igreja de Vilarinho de Cova de Lua, do qual vamos tirando estes extractos, quando não dizemos o contrário, encontra-se a seguinte nota: «Chegou a este logar a Pastoral do Bispo D. João de Sousa Carvalho, passada aos 24 de Julho de MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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1734 em que mandava o sobredito Senhor fazer menção das Pastoraes e cartas del rei para não consentir que pessoa alguma tenha banco proprio, nem assento nas egrejas sob pena de excomunhão maior ipso facto incorrenda e de 20 cruzados para as despezas das obras das mesmas egrejas». No respectivo livro da igreja de Meixedo está essa pastoral por extenso, deduzindo-se dela: que na Sé de Miranda, dia 2 de Fevereiro desse ano, festa de Nossa Senhora da Purificação, houvera tumultos e grande barulho por causa dos assentos e bancos particulares. Parece que os mirandenses queriam estar muito refastelados nos seus bancos e cadeiras a assistir aos ofícios divinos, como as mulheres francesas nas proximidades da revolução, que iam para as igrejas fazer meia, como refere Chateaubriand, nas Memórias de Além da Campa. Mais dela se conclui que já por outras ocasiões houvera tumultos pela mesma causa, sobre a qual o bispo já publicara duas pastorais, e que muitas pessoas vieram com embargos queixando-se de o bispo as querer despojar do seu direito. Nela declara o bispo haver escrito ao rei, a quem chama o mais sábio, zeloso e pio Salomão de Portugal (374), relatando-lhe o caso. Este respondeu confirmando as ditas pastorais. Evidentemente esta questão dos bancos deve ter durado algum tempo, para se publicarem sobre ela três pastorais, haver embargos, recurso ao rei, etc. Em que proporção contribuiria isto para os desgostos dos bispos em Miranda a ponto de motivarem a transferência da Sé para Bragança? 8 de Agosto de 1735 – Pastoral do bispo D. João de Sousa Carvalho, dada em Miranda. Diz que já publicou outra pastoral para que os fiéis todos os anos, segundo suas posses, concorram com esmolas para a defesa dos lugares santos, que produziu pouco efeito. Nesta, renova a mesma petição. 20 de Novembro de 1736 – Visita a igreja de Vilarinho de Cova de Lua, por ordem do mesmo bispo, o doutor João de Sá Pereira, comissário do Santo Ofício e prior da Colegiada da igreja matriz de Santa Maria da cidade de Bragança. 19 de Janeiro de 1738 – Visita a igreja de Meixedo, Bento Gomes, cónego prebendado na Sé de Miranda e visitador ordinário sede vacante. 23 de Março de 1739 – É visitada a igreja de Meixedo pelo mesmo Bento Gomes, sede vacante.

(374) Reinava então em Portugal D. João V a quem não deixa do quadrar o título de Salomão visto que o bispo lho dá.

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D. Diogo Marques Morato 5 de Junho de 1744 – Visitador ordinário pelo bispo D. Diogo Marques Morato o doutor Domingos Lopes de Oliveira, protonotário apostólico e abade de Canelas. Proíbe que o pároco assista ou consinta assistirem aos ofícios divinos sacerdotes sem hábito talar que chegue até à fivela do sapato, coroa aberta e cabeção de volta quando as funções o permitam. O pároco fará os ofícios dos defuntos, quanto às cerimónias, como preceituam as rubricas, e não consentirá que nas missas deles se cante a ladainha Jesu Redemptor, nem outra qualquer coisa além do apontado pelo missal; nem benzerá o pão dentro da missa, nem fará aspersão ao povo no fim dela. Nem fará a procissão do Ramo sem licença escrita do prelado, sob pena de 500 réis por cada vez que transgredir algum destes preceitos. Os serventuários da igreja, mordomos, juízes e outros oficiais não poderão continuar na mesma serventia no ano seguinte àquele em que serviram nem mesmo sob pretexto de devoção. Não se façam ajuntamentos de homens e mulheres de noite, nem pandorcas ou fiadelas sob pretexto algum, sob pena de 100 réis e os cabeças de 500 réis. Os sacerdotes se farão aprovar para confessar dentro de três meses. Não haverá procissão alguma com o SS. Sacramento fora da oitava do Corpus Christi. 19 de Novembro de 1745 – Visitador pelo mesmo bispo o doutor Ignácio Luís de Campos, abade de Travanca. Nas procissões que se fizerem à roda da igreja começar-se-á pelo lado do Evangelho recolhendo pelo da Epístola. Os párocos não consentirão que o juiz nas procissões vá atrás do pálio ou do prestes e lhe destinarão lugar adiante da cruz ou em outra parte onde possa governar a procissão; somente poderá ficar detrás ao recolher a procissão na igreja para separar os homens das mulheres. Não obedecendo, será condenado em 500 réis. Os eclesiásticos não poderão ter em sua casa pessoa do sexo feminino menor de cinquenta anos de idade, não sendo sua consanguínea dentro do terceiro grau, bem como filhos ilegítimos, pois são testemunhas vivas do pecado. Também proíbe que homem algum vá atrás do pálio nas procissões. Dezembro de 1747 – O visitador deste ano manda, por ordem do Núncio, angariar uma esmola para resgate de doze cativos em terra de turcos. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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5 de Outubro de 1748 – Pastoral do mesmo bispo. Diz que Bento XIV, a instâncias de D. João V, pelo breve Quod expensis, datado de 24 de Agosto desse ano, concede que no reino de Portugal e seus domínios os sacerdotes possam celebrar três missas no dia 2 de Novembro ou no seguinte – comemoração dos fiéis defuntos – pelos quais, e sine qua non, serão aplicadas duas delas em modo de sufrágio, ficando-lhes proibido, sob pena de suspensão reservada a Sua Santidade, aceitarem esmola, a não ser pela primeira, ou mesmo maior do que a costumada, embora oferecida sob qualquer pretexto, motivo, causa e subterfúgio, ainda mesmo oblação espontânea dos fiéis ou obrigação dos sacerdotes satisfazerem algumas missas.

D. Frei João da Cruz 3 de Dezembro de 1750 – Pastoral do bispo D. Frei João da Cruz, datada de Miranda. Recomenda o exercício da oração e manda que os párocos a façam em dias determinados ao povo congregado a toque de sino. 20 de Abril de 1751 – Pastoral do mesmo bispo, datada de Miranda. Suspende do exercício de suas ordens todos os pregadores e confessores que não tenham licença dele por escrito, revogando as concedidas por seus antecessores e cabido sede vacante, devendo todos apresentarem-se a exame, menos pelo que toca aos confessores, os párocos colados, curas e encomendados, que por virtude de exame foram providos, durante o tempo de suas cartas; mas findas estas virão a exame. 20 de Maio de 1751 – Ordem do doutor João de Sá Pereira, comissário do Santo Ofício, prior da Colegiada de Santa Maria e vigário nesta cidade. Manda sob pena de suspensão ipso facto que todos os beneficiados e mais párocos, clérigos de missa, ordens sacras e menoristas dos lugares nomeados (aponta a relação deles) venham com suas vestes talares, na forma das pastorais, assistir à procissão solene do Corpus Christi, que sai da colegiada de Santa Maria. Devem trazer as capas de asperges ricas e os mordomos as cruzes. 29 de Maio de 1751 – Pastoral do mesmo bispo. Lamenta que muitos sacerdotes vivam em casa com seus filhos, perpétuos despertadores da incontinência paterna e contínuo escândalo e murmuração dos povos. Por isso, manda que dentro de um mês os ponham fora. 14 de Agosto de 1451 – Aviso do doutor João de Sá Pereira, prior da Colegiada de Santa Maria e vigário nesta cidade de Bragança. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Dá conhecimento da pastoral do mesmo bispo de 8 de Agosto desse ano, dada em Miranda, na qual diz ter-lhe constado que a sua pastoral de 20 de Abril de 1751, acerca de ser examinado todo o clero da diocese, foi sucintamente entendida por muitos que a queriam illidir. Manda por isso, e declara, que não só os párocos e pregadores, e os que tiverem licença de confessar, mas também quaisquer outros clérigos, são compreendidos nela, sem os eximir privilégio, indulto ou pretexto algum, e não se apresentando a exame da publicação desta a dois meses ficarão suspensos. 26 de Junho de 1751 – Pastoral do mesmo bispo datada de Miranda. Dá conhecimento da bula de Bento XIV Sacramentum poenitentiae, publicada em Roma a 17 de Junho de 1741, que diversas causas, como o prelado diz, obstaram a que estivesse dez anos sem se publicar na diocese. 20 de Agosto de 1751 – Pastoral do mesmo bispo datada também de Miranda. Dá conhecimento da Bula Quanta cura, de Bento XIV, dada em Roma a 30 de Julho de 1741. Proíbe, sob pena de excomunhão maior, sendo secular e suspensão ipso facto sendo eclesiástico, ambas reservadas ao Papa, os que fizerem celebrar missas por menor estipêndio do que o recebido. 29 de Agosto de 1751 – Pastoral do mesmo bispo igualmente datada de Miranda. Dá conhecimento da bula Non ambigimus, de Bento XIV, expedida em Roma aos 30 de Maio de 1741, e aponta diversas determinações respeitantes ao jejum. 29 de Setembro de 1753 – Visitou a igreja de Labiados o dito bispo. Manda, lei geral para todos os párocos, que ensinem a doutrina cristã nos domingos e dias santificados, sem poderem alegar escusa alguma. Aponta, por extenso, a doutrina mais essencial que se deve ensinar e a restante se ensinará na forma e método contido no Catecismo ou Breve Explicação da Doutrina Cristã, de cujo livro deixou um exemplar em cada freguesia. Todos os presbíteros, diáconos e subdiáconos, existentes nas freguesias, serão obrigados a assistir ao ensino da doutrina e não poderão requerer prorrogações do exercício de suas ordens sem apresentarem certidão dos respectivos párocos jurada in verbo sacerdotis de haverem assistido à doutrina nos domingos e dias santificados, devendo os diáconos, subdiáconos e menoristas, além disso, ensiná-la eles próprios alguns dias sem o que não serão admitidos a ordens superiores. Manda que dentro em três meses se faça em cada igreja, sacristia ou baptistério uma gaveta, caixão ou armário com fechadura onde se guarMEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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dem os livros dos baptizados, casamentos e óbitos para evitar a deterioração destes, os quais nunca sairão do local assim destinado para sua guarda, excepto quando se apresentarem em visita, sob pena de suspensão ipso facto ao pároco que o não cumprir. Manda aos párocos que não consintam nas igrejas imagens de Nossa Senhora ou de seu Filho vestidas com camisas ou outros fatos, como costumam em algumas partes, por tal vestido ser impróprio. Diz que muitas imagens de santos estão mal feitas, não infundindo por isso piedade. Manda-as reformar dentro de cinco anos, devendo ser todas de talha dourada e estofadas, podendo ser feitas na cidade de Valladolid, onde, nesse género, se trabalha mais perfeitamente, com olhos de cristal. Recomenda aos párocos todo o zelo em promover esta reforma. Este bispo tomou em especial cuidado o ensino da doutrina cristã, pois em todos os capítulos de visita dos seus visitadores se encontra preceituado esse ensino e nos livros especiais, a isso destinados, se encontra também exarada, por extenso, a parte principal da doutrina que se deve ensinar. 3 de Dezembro de 1753 – Pastoral do mesmo bispo. Recomenda o exercício da oração em harmonia com as letras apostólicas de Bento XIV, de 26 de Dezembro de 1746, nas quais afervora o exercício da oração mental com a concessão de muitas graças e indulgências aos que a praticarem, confirmando além disso as de seus predecessores. Primeiramente, concede sete anos e sete quarentenas de perdão a quem ensinar na igreja ou fora dela a orar ou assistir a este exercício, estando arrependido, confessado e comungado e orarem a Deus pela paz e concórdia entre os príncipes cristãos, exaltação da santa Igreja, etc. Em segundo lugar, indulgência plenária em um dia do mês a arbítrio de cada um, podendo aplicá-la pelas almas do purgatório, aos que durante o mês fizerem oração, confessando-se, comungando e orando da mesma maneira pela paz e concórdia, etc., isto tendo oração pelo menos de um quarto de hora por cada dia do mês. Manda, pois, que na igreja catedral todos os dias, às três horas da tarde no Inverno, e às quatro no Verão, e que isto mesmo se execute na cidade de Bragança e mais vilas populosas, se dê sinal com o sino e se faça pelo menos um quarto de hora de oração, e nas aldeias e vilas que não forem populosas, se faça o mesmo sinal nos domingos e dias Santos, de Verão às três horas, e de Inverno às duas. Nesta oração deve ler-se um ponto de meditação pelo pároco que a faz ou por pessoa idónea, maxime sendo estudantes que pretendam ordenar-se, ou clérigos que pretendam promover-se à ordem de presbítero, os quais sem nos constar que se exercitam nela os não promoveremos. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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20 de Maio de 1755 – Pastoral do dito bispo, dada em Bragança. Diz constar-lhe que em alguns lugares deste bispado jogam paus, cartas e fazem conversações ilícitas junto da igreja, enquanto se está a ensinar a doutrina, antes de entrar à missa conventual e quando se faz oração mental e ofícios divinos. E, uns por estar jogando, outros vendo, não entram para a igreja e os que entram são perturbados pelas vozes dos que estão fora. Manda, por isso, que ninguém arme jogo junto da igreja ou onde possa perturbar os ofícios divinos e todos os que jogarem ou virem jogar em semelhantes sítios os condenamos em 100 réis e pela segunda vez em 200 réis, cuja condenação lhe intimará logo o pároco. E sendo rebeldes em pagar, os evitará dos ofícios divinos, e se continuarem na rebeldia procederá contra eles com a pena de excomunhão de que os poderá absolver pagando e cedendo da contumácia. E do mesmo modo procederá contra todos os que junto da igreja se detiverem em conversações ou outros divertimentos no tempo em que se fizer algum outro exercício espiritual na dita igreja. Também foi informado que nos domingos e dias santos se juntam homens e mulheres no campo, ruas ou tabernas a bailar, onde passam grande parte do dia em vez de concorrerem à igreja a louvar a Deus, de onde se seguem grandes pecados e desordens. Por isso, os párocos não consintam tal e os condenarão na multa de 100 réis, e os cabeças em 500 réis; reincidindo, multa dobrada, e pela terceira vez procederão contra eles com excomunhão e os declararão por tais com multa tresdobrada. E todos os que os admitirem em casa, os havemos por condenados em quatro mil réis e reincidindo o pároco os declarará por excomungados, cuja excomunhão a nós reservamos. Como também proibimos, debaixo da mesma pena que os taberneiros admitam em suas casas nos domingos e dias santos homens e mulheres a jogar ou nelas se detenha pessoa alguma no tempo em que se faz oração mental na igreja se ensina a doutrina, se celebram os divinos ofícios, ou se junta o povo em alguma devoção pública. O que tudo zelará conforme se contém nesta pastoral e terá pessoas fiéis que o informem de tudo o que nesta matéria houver ou se introduzir na freguesia. 18 de Dezembro de 1755 – Visitador ordinário neste bispado o doutor António Esteves Pinheiro de Figueiredo, desembargador da mesa do despacho episcopal. Fez copiar nos livros destinados aos capítulos de visita a doutrina que os párocos devem ensinar. Traz os actos da fé, esperança e caridade que o pároco deve dizer de joelhos no supedâneo do altar antes da missa conventual, nos domingos e dias santos, e isto mesmo outro padre que celebre a primeira missa os deve dizer com o povo que a ela MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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concorre. Traz a explicação do sinal da cruz que o pároco terá cuidado em ensinar bem. A outra doutrina manda que a ensinem pela cartilha que a trouxer melhor explicada. Manda por ordem expressa do prelado que todos os diáconos, subdiáconos, menoristas e tonsurados assistam à mesma doutrina nos lugares em que se acharem e para poderem requerer promoção de ordens juntarão certidão dos párocos em como assistiram à doutrina em todos os domingos e dias santos e também juntarão certidão dos mesmos párocos de que têm assistido à oração e porque estes ordinandos, como dedicados à igreja, devem ter mais frequência dos sacramentos, devem juntar os diáconos certidão de se haverem confessado e comungado ao menos três vezes cada mês, os subdiáconos ao menos duas e os menoristas ao menos uma. Os párocos não admitam pessoa alguma ao cumprimento do preceito quadragesimal sem a examinarem de doutrina, não só o da necessitate medii, mas também da necessitate precepti, bem como a comunhão sem a ter confessado ou apresentar-lhe escrito de sacerdote aprovado. Quando administrar o Viático, o pároco diga com o enfermo e povo em voz alta, e não podendo o enfermo com o coração, os actos de fé, esperança e caridade, cumprindo assim o enfermo com o preceito divino e lhe faça responder que crê que o que ele tem em suas mãos é o corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo que naquela hora o busca para o livrar de seus inimigos, ao qual deve estar disposto a entregar a sua alma. Que se façam as funções com pausa e gravidade, não começando nos ofícios os de um lado sem terminarem os do outro; que ninguém se aparte ou retire sem terminarem as funções e quem o fizer perca metade do estipêndio. Proíbe bailes, jogos, pandorcadas e toda a casta de ajuntamentos de homens com mulheres e as pandorcadas que de noite se costumam fazer. Proíbe os fiadouros públicos que se fazem de noite, assim nas ruas como nas casas, por serem ajuntamentos de homens e mulheres, bem como as chamadas festas de Santo Estêvão, por se comporem de pandorcas, danças, algazarras e tumultos ocasionados pela eleição de um rei e outras mais dignidades que nelas elegem, por cuja ocasião tem havido mortes e pendências pelos excessos de «comes e bebes» que nos ditos dias se fazem. Aos que delinquirem ou forem achados em alguma das sobreditas festadas os condenará o pároco pela primeira vez em 100 réis e os cabeças em 500 réis, e reincidindo irá dobrando a pena. Aos que recusarem pagar, os executará com censuras. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Manda que o pároco não tenha em sua casa ama ou mulher de mau proceder. Recomenda ao pároco que olhe pela observância dos dias santos, nomeando olheiros que vigiem e lhe declarem debaixo de juramento, que lhe dará, todos os que acharem trabalhando, e sem excepção de pessoa, condenará a cada um pela primeira vez em 100 réis e os autores ou mandantes em 500 réis, pela segunda vez lhes dobrará a multa e se reincidirem lhas irá tresdobrando e os executará com censuras; pagando os absolverá e se os ditos olheiros lhe não quiserem obedecer os condenará no que lhe parecer. Havendo alguma necessidade urgente de trabalho, o pároco concederá licença para ele e sem sua licença, ninguém o poderá fazer. Que os clérigos não assistam às funções eclesiásticas sem hábito talar, cabeção e volta, e nos ofícios de defuntos sem barrete. Que ninguém lance nos rios cal, trovisco, cassimo e outra erva venenosa de que se segue morrer muito gado bebendo aquela água, e que muitos atiram aos pombos no que causam grande prejuízo à república além das restituições em que incorrem, por isso manda que as pastorais publicadas pelos bispos sobre esta matéria se cumpram: uma pelo sr. D. Manuel de Moura Manuel, em 5 de Novembro de 1697, outra pelo sr. D. João de Sousa Carvalho, em 16 de Maio de 1717, confirmadas pelo actual bispo, nas quais se proíbe com pena de excomunhão maior e de 3$000 réis tudo o acima referido, e por isso debaixo das mesmas penas manda que se cumpra e guarde. Que o pároco não consinta que rendeiro algum ou comendador colha os frutos da renda ou comenda sem primeiro lhe mostrar pagas de como tem satisfeito à fábrica e às colheitas da mitra e Seminário. Por isso, admoestará os fregueses, a que, sob pena de excomunhão maior, não paguem os dízimos sem que primeiro ele os avise de o poderem fazer. Que da porta da igreja para dentro não toque gaiteiro nenhum a gaita. 10 de Janeiro de 1756 – Pastoral do dito bispo. Manda que os clérigos de ordens sacras e quaisquer beneficiados e capitulares, quanto à idade de suas criadas observem o determinado no 4.º Concílio Provincial Bracarense, cap. IX – in porteriore parte actione 4.ª, o qual concílio, como provincial, obriga neste bispado e foi aprovado por autoridade apostólica, e se em seis dias que a todos assinamos pela primeira admoestação canónica não observarem o disposto pelo dito concílio, mandamos ao nosso promotor e vigário geral proceder conforme o disposto pelo dito concílio contra os eclesiásticos que tiverem em suas casas criadas de idade inferior a cinquenta anos ou de ruim suspeita ainda que excedam a dita MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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idade. Quanto aos que tiverem parentas consigo e criadas delas, lembramos a observância do dito concílio. 15 de Fevereiro de 1756 – Pastoral do dito bispo, datada de Miranda. Diz que o pastoral zelo o não deixa sossegar. Lamenta que haja tanto descuido em ensinar e aprender a doutrina cristã, perdendo assim o grande tesouro de graças e indulgências que os sumos pontífices têm concedido a todos os que se exercitarem a ensiná-la e a aprendê-la, especialmente S. Pio V e agora novamente Bento XIV com indulgências plenárias para cada mês. Exorta todos os pais a que a ensinem. Manda aos curas da Sé que a ensinem todos os dias do advento e quaresma, excepto na semana santa, e todos os domingos e dias santos do ano por espaço ao menos de meia hora. Que façam rol das crianças, e as que faltarem multarão na forma da Constituição seus amos ou pais, cujas multas cada mês apresentarão ao provisor para que as faça inviolavelmente executar e o mesmo manda que façam beneficiados e curas do bispado, sob pena de suspensão ipso facto incorrenda (375). Debaixo da mesma pena, manda que não se administre o matrimónio sem examinar os nubentes e os aprovar em doutrina cristã. Igualmente os confessores não admitam à confissão sem verificarem primeiro se sabem a doutrina, não só a que é necessário, necessitate medii, mas também tudo o que é necessário, necessitate precepti, e não absolvam sem a saberem excepto in articulo mortis, porém sendo ignorância do que é necessário necessitate medii nem in articulo mortis poderão absolver. Debaixo da mesma pena não admitam à desobriga na quaresma sem examinarem na doutrina e a saberem bem, nem lhes darão a comunhão por desobriga sem a saberem e se lhes apresentarem escrito do confessor conhecido de como se têm confessado, também não lhes darão a comunhão sem primeiro examinarem na doutrina, o que nunca farão à mesa da comunhão. Manda que os róis dos confessados se façam com exactidão e clareza, na forma e maneira que dispõe a Constituição do Porto, declarando os confessados com um C, comungados com dois CC e crismados com três CCC. Consta-lhe que algumas pessoas andam já há anos sem se confessar; recomenda aos párocos que sejam zelosos na feitoria dos róis para, conhecendo as datas, se proceder contra elas. Consta-lhe que muitos confessores se atrevem a confessar mulheres fora do confessionário ou dentro deles pela parte em que estão abertos, o (375) Nos capítulos de visita subsequentes, continua a encontrar-se o preceito imposto aos párocos de ensinarem a doutrina cristã.

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que é indecentíssimo e perigosíssimo. Manda, debaixo de excomunhão maior ipso facto incorrenda e de vinte cruzados pagos de aljube, que nenhum confessor confesse mulher alguma de qualquer estado, condição e graduação que seja, a não ser pelas gradinhas de confessionário fechado. Queixa-se de que tem crescido neste bispado o mau costume e pecado mortal de jurar falso, que em juízo se atrevem a fazê-lo usualmente. Manda, pois, que todo aquele que for convencido de juramento falso ou de induzidor a ele ou em juízo ou fora dele ou seja juramento assertório, execratório ou promissório, seja castigado e punido com as penas da Constituição do Porto, livro V, título VI, sem embargo de que a constituição diocesana por antiga seja minimamente moderada quanto às penas de perjuro, as quais pelas misérias dos tempos se devem agravar para reprimir tão pernicioso excesso. Consta-lhe que a este respeito se vai introduzindo neste bispado um erro e doutrina reprovada, tendo alguns para si e ensinando a outros «que jurar falso para fazer bem ou não é pecado ou é cousa leve». Declara que tal doutrina é falsa e errónea e que jurar falso sempre é pecado mortal. Todo o eclesiástico ou secular que ensinar tal doutrina, depois da publicação desta pastoral, incorrerá em excomunhão maior ipso facto, e sendo denunciado se procederá contra ele com as mesmas penas de perjuro. 29 de Junho de 1756 – Pastoral do dito bispo. Diz que havia determinado por pastoral de 29 de Janeiro de 1756 que os párocos fizessem doutrina em todos os domingos e dias santos, em todos os domingos do advento e quaresma na hora mais oportuna (a pastoral a que se refere não concorda na data com a antecedente, se bem que parece concordar na matéria; seria engano da câmara eclesiástica, porque vimos duas cópias de uma e de outra e ambas estão conformes nas datas, e não achamos transcrita a tal de 29 de Janeiro). Ordena que a doutrina nos domingos e dias santos se faça depois do coro antes da missa das onze, e nos outros dias do advento e quaresma se faça na hora que os párocos julgarem oportuna. E pelo meio do advento e quaresma, e depois até ao S. João e Todos-os-Santos, farão cada ano os párocos desta cidade e do aro aviso ao nosso provisor, e as mais partes aos seus arciprestes e ao reverendo vigário da vara de Bragança no seu distrito para fazer executar as multas dos negligentes. Recomenda que os párocos ensinem ao povo o exercício da oração mental e a pratiquem com este. Exorta os párocos, principalmente os colados, a que nos domingos e dias santos expliquem ao povo o Evangelho do dia e os curas leiam ao menos o catecismo que explica os evangelhos. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Sob pena de suspensão ipso facto manda aos párocos da Sé que um deles diga nos domingos e dias santos a missa das onze e antes que ela se principie, estando já revestido, repita em voz alta o credo acompanhando o povo e fazendo com este os actos de fé, esperança e caridade e ultimamente o de contrição. Proíbe que se exponha o SS. Sacramento na Sé sem licença sua e revoga qualquer faculdade que para isso concedesse algum seu antecessor. 9 de Setembro de 1756 – Circular do dito bispo Frei João da Cruz dando conhecimento de uma carta de Sua Majestade na qual reconhecia dever unicamente ao patrocínio de Nossa Senhora o ficar ele e sua família ilesos do terramoto, bem como seus reinos livres da última ruína, e por isso desejava Sua Majestade e ele mandava que todos os anos no segundo domingo de Novembro, em que se celebra a festa do patrocínio de Nossa Senhora, se jejuasse no sábado antecedente e no domingo se fizesse uma solene procissão em acção de graças à mesma Senhora, e isto se continuasse sempre. A cada uma das pessoas que assim o cumprisse concedia quarenta dias de indulgências o dito bispo. 11 de Setembro de 1756 – Circular do dito D. Frei João da Cruz dando conhecimento do que Bento XIV atendera a súplica de Sua Majestade, e por breve de 24 de Maio de 1756 permitira que S. Francisco de Borja, da Companhia de Jesus, fosse tido e venerado como patrono e protector do reino de Portugal contra os terramotos, com todas as prerrogativas que, conforme as rubricas do Missal Romano e Breviário, pertencem aos protectores, e que se pudesse rezar todos os anos o ofício do mesmo santo com o rito de primeira classe com oitava e missa solene no dia da sua festa, devendo assistir a ela, para mais solenidade, as câmaras das cidades e vilas nas igrejas da Companhia de Jesus, onde as houver, e não as havendo nas catedrais e igrejas mais principais. D. Aleixo de Miranda Henriques 1 de Janeiro de 1759 – Pastoral do bispo D. Frei Aleixo de Miranda Henriques, da Ordem dos Pregadores, datada de Miranda. Nela o bispo intitula-se prelado doméstico de Sua Santidade e assistente ao sólio pontifício. Por ordem da carta de 16 de Dezembro próximo passado, onde lhe participam a felicidade do rei em ter escapado à conspiração em 3 de Setembro do mesmo ano, manda cantar um Te Deum em acção de graças. Ordena que esse Te Deum se cante no dia 2 de Fevereiro, festa da Purificação de Nossa Senhora, por ter «purificado estes reinos de tão MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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infames traidores», e que no dia 8 de Setembro de cada ano, por ser este o primeiro dedicado a Nossa Senhora depois do atentado, todos os párocos, sob pena de suspensão, renovem a mesma acção de graças. 3 de Janeiro de 1759 – Na pastoral de 15 de Abril de 1825 alude-se a outra deste bispo, publicada neste dia. Para o seu extracto ver a dita. 20 de Janeiro de 1759 – Pastoral de D. Frei Aleixo de Miranda Henriques, da Ordem dos Pregadores, por mercê de Deus e da Santa Sé Apostólica Bispo de Miranda e do Conselho do Sua Majestade Fidelíssima, etc., fól. de 20 pág., sem lugar de impressão. Existe no arquivo de Rabal, junta a um livro de «Visitas» e encadernado em pergaminho. Foi dada em Miranda. Manda «que estando o Senhor exposto nenhuma pessoa de qualquer condição que seja, tanto ecclesiastica como secular, se assente na Egreja, em que assistirá de joelhos ou de pé, de que exceptuamos tão sómente as mulheres, que pela debilidade do seu sexo não poderem estar de joelhos em todo o tempo que na Egreja assistirem. O que os reverendos parochos farão observar inviolavelmente sob pena de suspensão ipso facto, e das mais que nos parecer impôr-lhes. Que quando o Santissimo sahir fóra por Viatico aos enfermos, todos concorram logo para acompanhal-o: principalmente os presbyteros, a quem assim o ordenamos sob pena de suspensão do exercicio de suas ordens; e aos de ordens inferiores á de presbytero até prima tonsura, inclusivè, lho ordenamos assim sob pena de não serem admittidos ás mais ordens, e mandamos aos reverendos parochos sob pena de prisão a nosso arbitrio nos avisem dos defeituosos e omissos na execução deste nosso decreto». Que logo que se toque ao Senhor o acompanhem os alunos do Seminário com o seu vice-reitor. Condena sob pena de excomunhão maior ipso facto incorrenda o abuso que até sapit incontinentiam os párocos tinham de, em seguida ao ofertório nas missas paroquiais, descerem do altar e virem ao fundo da igreja a dar a mão a beijar às mulheres. Manda que os párocos se abstenham do uso da lei antiga da purificação, segundo o qual as mulheres deixavam de vir à igreja e cumprir o preceito de ouvir missa nos quarenta dias depois do parto, acabados os quais se apresentam aos párocos, que recebendo os seus donativos, as dão por purificadas. A propósito deste costume judaico diz o bispo: «he este um bispado em que deve muito acautelar-se este rito». Condena também sob pena de excomunhão maior ipso facto o abuso, MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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vulgar no bispado, de a mulher do juiz ou mordomo nas festas solenes da igreja subir os degraus do altar e levar, em seguida ao ofertório, ao celebrante uma oferta, que lhe dá as mãos a beijar. Manda que o baptismo se faça per immersionem e não per infusionem, costume que há pouco se ia introduzindo na diocese e que sob pena de suspensão assim o pratiquem os párocos, os quais só com licença especial dele bispo, poderão usar da outra forma, isto é, da infusionem. Que os párocos não admitam ao matrimónio pessoa alguma sem licença do bispo ou seu provisor e juiz dos casamentos, sob pena de suspensão, e que esta não passará sem juntarem certidão de idade. E se forem viúvos, do falecimento daquele com quem foi casado, «não dispensando nunca nos banhos da naturalidade». Porém, os párocos poderão casar os seus fregueses sem a tal licença. Manda que os párocos, sob pena de suspensão ipso facto, havendo nas suas freguesias pecado grave escandaloso de incesto, sacrilégio, usura e morte de eclesiástico, o participem ao bispo para proceder neste caso como julgar conveniente. Manda que os párocos tenham um livro numerado e rubricado onde lancem as disposições testamentárias e a declaração do dia, mês e ano do óbito. Isto com o fim de fazerem cumprir as determinações pias dos falecidos. Diz que não obstante os avisos do bispo seu antecessor, fundados no Concílio Provincial e também nas Constituições dele, os padres, logo que o dito bispo morreu, meteram em casa «com o pretexto de creadas, mulheres moças, e os filhos illegitimos vivas testemunhas de seus abominaveis delictos»; por isso manda sob pena de suspensão e de quarenta cruzados pagos de aljube que não tenham tais mulheres em casa e os que as tiverem as ponham fora dentro de dez dias e aos filhos ilegítimos, não podendo servir-se de criadas de menos de cinquenta anos de idade e de boa fama. Porém, tendo consigo mãe, irmã ou parenta dentro do segundo grau, estas poderão servir-se de criadas de menos de cinquenta anos, sendo de boa fama. Manda que os párocos, à estação da missa conventual, leiam o catecismo e o expliquem ao povo e digam, antes de celebrar missa, de joelhos aos pés do altar os actos de fé, esperança e caridade e que façam práticas espirituais ao povo, e que um dia em cada mês e em todos os domingos da quaresma e dias santos ensinem a doutrina cristã. Tudo isto sob pena de suspensão. Sob a mesma pena manda que, além de serem diligentes para administrarem os Sacramentos da Eucaristia, Viático e confissão, assistam aos moribundos lendo-lhe o ofício da agonia. Manda, sob pena de suspensão ipso facto, que não se ouçam de conMEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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fissão mulheres em casas particulares, nem de noite nem em coros ou sacristias, capelas ou ermidas, mas sim nas igrejas e por raros ou grades dos confessionários, exceptuando os casos de necessidade – como doença, surdez, achaques ou tenra idade. Manda que os párocos «nas cidades e villas andem de capa e batina talar ou loba de baeta preta, crepe ou limiste, ou de outra qualquer lam, mas não de seda; nas jornadas e povos uzem de cazacos, ou roupetas da mesma côr ou de outras honestas mais curtas sem canhões, bolsos ou pregas e sempre com cabeção e volta; não tragam polvilhos, pentes no cabello nem uzem de cabelleira... o cabello seja curto e nelle não uzem composições affectadas não lhe permittindo soli deo». Que se abstenham dos trabalhos nos domingos, que nas igrejas estejam «separados os homens das mulheres e nenhum homem se detenha nas portas das egrejas, nem se ponha parado na entrada d’ellas, ou seja da parte de fóra ou de dentro, nem junto das pias da agua benta», sob pena de prisão no aljube. Manda que nas certidões de banhos se declarem as ausências da terra da naturalidade ou residência dos nubentes, caso as haja, e que estas só sejam passadas dois ou três dias depois de lidos os banhos. Impõe excomunhão maior ipso facto aos padres que mandam missas para Castela por menor preço do que aquele que recebem, embolsando o excesso. Clama contra as práticas do sigilismo que, segundo ele diz, há pouco se tem introduzido na diocese. 3 de Março de 1759 – Pastoral do mesmo bispo, datada de Miranda. Diz que Sua Santidade, por decreto dado em Roma opud Santam Mariam sub annulo piscatoris de 15 de Janeiro de 1759, suprimiu a seu pedido vários dias santos para evitar o maior dano de muitos que ou trabalhavam nestes dias ou os passavam no jogo. 3 de Julho de 1759 – Pastoral do mesmo bispo, datada de Bragança. Impõe pena de excomunhão ipso facto incorrenda, além das cominadas nos decretos pontifícios e Constituições, aos médicos e cirurgiões que indo ver os doentes, a não ser moléstia leve, lhes receitarem sem primeiro os mandarem confessar. 3 de Julho de 1759 – Pastoral do mesmo bispo. Louva o zelo e caridade do seu antecessor e confirma tudo o que ele preceituara relativamente ao ensino da doutrina cristã. 21 de Julho de 1760 – Pastoral do mesmo bispo. Comina pena de suspensão ipso facto aos curas que deixam no fim do ano as freguesias sem que os nomeados para lhe suceder se apresentem a tomar conta. É datada de Miranda. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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9 de Novembro de 1760 – Pastoral do mesmo bispo, dada em Miranda, mas no Livro das pastorais e capítulos de visita da igreja de Vilarinho de Cova de Lua diz que foi dada em Bragança. Manda que se não admitam à bênção as parturientes que só passados quarenta dias do parto se apresentam, e não logo que convalesçam, como são obrigadas. 8 de Junho de 1761 – Pastoral do mesmo bispo, dada em Miranda. Manda que os párocos, no tempo das colheitas, empreguem todos os meios para obter dos seus fregueses esmolas destinadas às freiras de Santa Clara de Bragança, porque estão pobres, dizia o bispo, e também que de cada uma das confrarias erectas nas mesmas freguesias se saquem três cruzados com o mesmo destino. 5 de Julho de 1761 – Pastoral do mesmo bispo. Diz ter-lhe mostrado a experiência que neste bispado as ordens sem pena não são cumpridas e por isso se não havia observado a sua pastoral de 20 de Janeiro de 1759 que proibia aos párocos admitirem nas suas freguesias a arrecadação dos dízimos aos rendeiros sem primeiro mostrarem os títulos de arrendamento visados e autorizados pelo doutor provisor. Renova a mesma proibição debaixo da pena de suspensão ipso facto. 17 de Novembro de 1762 – Pastoral do mesmo bispo, datada de Miranda. Manda que em todas as igrejas paroquiais haja um tríduo de preces pedindo a Deus que desvie de nós a guerra, o maior flagelo que pode vir sobre os pecadores. Já na pastoral de 13 de Agosto de 1762 mandava que se desse na missa a oração pro tempore Belli. 27 de Fevereiro de 1762 – Pastoral do mesmo bispo, sobre o jejum quadragesimal, abstinência de carnes e mais condições do jejum. É importante esta pastoral, que contém espécies muito interessantes relativamente a este assunto. Foi dada em Miranda, e existe no livro de Gimonde. Em 27 de Fevereiro de 1764 publicou outra sobre o mesmo assunto. 17 de Maio de 1763 – Manda que o registo paroquial relativo a baptizados, casamentos e óbitos se faça em duplicado, sendo um exemplar remetido à Câmara Eclesiástica, sob pena de suspensão ipso facto, e ficando outro em poder do pároco. Começa assim: «Fazemos saber que tendo-se determinado nas novas Constituições e Synodo que se celebrou no anno de 1761 que os livros findos fossem restituidos aos parochos da mão dos quais se extrahirão para os Cartorios que dos mesmos se formaram, remettendo cada um d’elles para o Cartorio da Camara, os seus transumptos, onde se conservarão depois de conferidos e auctorizados... Mandamos que o Reverendo Vigario faça logo remetter os ditos livros findos, que se acharem no Cartorio do seu districto á sua mão e d’elles MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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tome conta... e logo mandará ordem aos parochos do seu districto para que cada um d’elles vá entregar-se dos livros que á sua egreja pertencem». Foi dada em Miranda. Por portaria régia, que vem registada em alguns livros das pastorais, de 16 de Outubro de 1835, determina-se que fiquem os livros do registo paroquial nas respectivas freguesias, para evitar as despesas e trabalhos dos povos que até ali tinham de ir buscar as certidões às câmaras eclesiásticas e mesmo para coadjuvar as autoridades administrativas na confecção das estatísticas. 27 de Agosto de 1763. – Pastoral do mesmo bispo, dada em Miranda. Ainda versa sobre a questão dos livros do registo paroquial. Parece que o bispo teve dificuldades em fazer implantar este tão útil ramo de serviço. 8 de Junho de 1763 – Pastoral do mesmo bispo, dada em Miranda. Diz que os povos não pecam trabalhando antes ou depois de ouvirem missa nos dias santos abolidos pelo Papa Bento XIV. Muitos párocos incutiam no povo a opinião contrária. 17 de Maio de 1763 – É um aviso dado em Miranda e começa: «Fazemos saber que sendo publicada uma Nossa Pastoral para que os Reverendos Parochos não deixassem que rendeiros alguns recolham fructos assim de Comendas como de outras quaesquer rendas, ou sendo os da Nossa Mitra sem que auctorizem seus arrendamentos e mostrem ter satisfeito, o que devem ao Seminario, e colheita, pelo grave prejuizo que do contrario se experimenta. Teve observancia somente o primeiro anno da sua publicação, ou porque não foi bem intendida ser da nossa intenção, que esta se observasse para sempre, ou pela desordem, em que a invasão dos inimigos pôz o cumprimento d’esta lei». Manda que se observe o já preceituado na pastoral atrás extractada. Esta determinação relativamente aos rendeiros continua a encontrar-se frequentemente nos capítulos de visita subsequentes. 21 de Fevereiro de 1764 – Pastoral datada de Miranda, do bispo D. Aleixo de Miranda Henriques. Versa sobre o jejum e abstinência de carnes. Porque a falta de mantimentos, diz o bispo, nesta diocese muito afastada de portos marítimos e a necessidade dos povos fizeram introduzir o costume de comer leite, queijo, manteiga e ovos nos dias de jejum e abstinência, o qual se funda em direito natural e é certo prevalecer por mais de duzentos anos, como consta das antigas Constituições do bispado, e que suposto se não declarem os ovos se devem julgar pela mesma entidade, embora deles se não faça menção, declaramos que se pode usar deste direito consuetudinário por ser assim conducente à melhor observância do jejum que de outra maneira ficaria impraticável. Ver a pastoral de 3 de Maio de 1822. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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5 de Março de 1764 – Pastoral do mesmo bispo, dada em Miranda. Em conformidade com as Constituições de Bento XIII manda que haja em todas as freguesias de pároco colado uma congregação de sacerdotes e ordinandos obrigados a reunirem-se em conferências morais e litúrgicas, chamadas Palestras, nas segundas e sextas-feiras de cada semana. Estas Palestras seriam formadas pelos presbíteros e ordinandos da freguesia e limítrofes, que pudessem vir sem grave incómodo, para o que se assinaria área conveniente dentro da qual todos concorreriam a um ponto. A reunião seria feita ao toque do sino; começar-se-ia pelo hino Veni Creator Spiritus, dizendo-se no fim dele a oração do Espírito Santo e depois a de Nossa Senhora. Seguidamente o presidente explicaria os casos reservados no bispado, os da bula da Ceia, as censuras reservadas ao Papa, da percussão de clérigo, do aborto; as proposições condenadas por Clemente VIII, Inocêncio XI e Alexandre VII; durante meia hora e a meia hora seguinte seria consagrada à discussão de um caso de moral e outro de ritos e cerimónias propostas na conferência anterior. Também se trataria de sacramentos. No fim da Palestra haveria um quarto de hora de oração mental, terminando pela ladainha de Nossa Senhora. 1766 – O catálogo n.º 2 da livraria de José Joaquim Lopes da Cunha, Braga, 1908, anunciava à venda o seguinte: Cópia da correspondência do padre Antonio Pereira de Figueiredo com o Ex.mo e Rev.mo Bispo de Miranda, D. Frei Aleixo ácerca do livro «Tentativa Theologica em 1766». Manuscrito in-4.º de 6 fls.. 17 de Novembro de 1769 – Visitador ordinário no bispado pelo prelado D. Aleixo de Miranda Henriques, o doutor António José da Rocha, cónego prebendado na Sé do mesmo bispado. Visitou a igreja de Meixedo. Manda desfazer a capela de Santa Catarina, sita no termo desta povoação (ainda hoje com este nome é lá conhecido um local), por estar arruinada, e que aproveitem os materiais para as obras da sua igreja. Diz que tem havido grande falta de frutos. D. Bernardo Pinto Ribeiro Seixas 23 de Julho de 1774 – Edital do doutor Simão dos Santos Graces Coelho, cónego doutoral, vigário geral no espiritual e temporal, pelo bispo D. Bernardo Pinto Ribeiro Seixas. Dá conhecimento de uma indulgência plenária concedida pelo Papa Clemente XIV e modo de a ganhar. 28 de Julho de 1776 – Pastoral do bispo D. Bernardo Pinto Ribeiro Seixas, datada de Bragança. Anuncia o jubileu do ano santo, publicado em MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Roma por bula do Papa Pio VI, em 26 de Fevereiro de 1775. No arquivo de Rabal existe esta pastoral impressa em uma página de fólio grande. Não menciona o lugar de impressão. 4 de Março de 1777 – Aviso do dito doutor Simão dos Santos Graces Coelho aos párocos para que mandem, sem perda de tempo, a relação especificada dos indivíduos masculinos e femininos que há nas suas freguesias e de quantos nasceram e morreram durante o ano. 13 de Março de 1777 – Aviso do bispo D. Bernardo Pinto Ribeiro Seixas, datado de Bragança. Diz que a 23 de Fevereiro de 1777, pela meia-noite, morrera o rei D. José, e que sua filha, D. Maria, por aviso do seu secretário de Estado Aires de Sá e Melo, de 24 do mesmo mês, onde lhe participava a morte, recomendava que com fervorosas preces suplicasse ao Todo Poderoso pela prosperidade e reinado da mesma. Por isso ordenava ele, bispo, que se fizessem exéquias solenes, não só na sua Sé Catedral, mas também em todas as igrejas, com toque de sinos por três dias, e no último ofício solene de defuntos com todo o aparato fúnebre. Mandava que todos se vestissem de luto por um ano, nos primeiros seis meses rigoroso e nos outros seis seguintes aliviado, porquanto, diz o bispo, «toda a mostra de sentimento é devida ao rei pela paz e justiça com que governou». 25 de Julho de 1777 – Carta-aviso do dito bispo, dada em Bragança. Diz que quer continuar a visita para os Logares de Traz da Serra, principiando no dia 4 de Agosto daquele ano. Recomenda aos párocos que tenham avisados os obrigados a legados pios, testamentos e outras coisas de que tenha de se tomar nota, para darem contas do seu cumprimento. Previne as testemunhas chamadas a depor nas devassas que o façam sem ódio, animadversão ou espírito de vingança e que o informem conscienciosamente dos pecados públicos e escandalosos. Previne os obrigados a assisti-lo e socorrê-lo de que estejam bem munidos do necessário. As povoações a que nesta carta-aviso se chama Logares de Traz da Serra são as seguintes, conforme ali vêem mencionadas: Meixedo, Carragosa, Conlelas, Carrazedo, Ousilhão, Vilar de Peregrinos, Penhas Juntas, Vilarinho de Agrochão, Celas e Martim. Por estas cabeças de freguesia ia o bispo, e pelas respectivas anexas o seu convisitador. Esta carta-aviso está registada no Livro das pastorais, e capítulos de visita da igreja de Meixedo. 16 de Julho de 1777 – Pastoral do mesmo bispo, dada em Bragança. Anuncia a concessão feita pelo Papa Pio VI, a instâncias da rainha, para permitir em Portugal e seus domínios reza e missa própria, com rito duplex maior, ao Sagrado Coração de Jesus, que terá lugar na primeira sexta-feira seguinte à oitava do Corpo de Deus, como nas mais nações se MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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faz. Depois, por aviso do doutor Simão dos Santos Graces Coelho, de 6 de Maio de 1782, foram explicadas algumas dificuldades que poderiam surgir na concorrência desta festividade e jejum com outras. No Livro das pastorais e capítulos de visita da igreja de Mairos, concelho de Chaves, a pág. 7, encontramos um aviso sobre indulgências do doutor Francisco Tavares Pacheco, abade de S. Miguel de Fiães e arcipreste de Monforte de Rio Livre. Não achamos nos apontamentos que tomámos a data em que foi expedido, mas deve ser por estes anos. E, como o uso a que diz respeito ainda hoje se pratica, aqui o extractamos. A rainha, desejosa de enriquecer espiritualmente seus vassalos, remeteu pela secretaria dos negócios do reino, ao bispo, e aos outros de Portugal, um exemplar do Breve de Indulgências concedidas por Bento XIV aos que nas sextas-feiras do ano, pelas três horas da tarde, ao toque do sino, rezarem devotamente cinco Padre-Nossos e cinco Avé-Marias, pedindo a Deus pela exaltação da santa Igreja, concórdia dos príncipes cristãos e extirpação das heresias. A quem observar tal prática, cem dias de perdão. Manda aos párocos, debaixo do preceito de obediência, que façam tocar, à dita bora, os sinos das suas igrejas. 5 de Outubro de 1778 – Visitou a igreja de Baçal, concelho de Bragança, o bispo D. Bernardo Pinto Ribeiro Seixas. Os sacerdotes que celebrarem missa antes da conventual sejam obrigados a explicar algum mistério da doutrina cristã ao menos por um quarto de hora; que apresentem ao pároco as suas jurisdições para saber quando se lhe acabam; que o pároco elegerá um dia em cada semana para a Palestra, da qual será presidente, e a ela serão obrigados a ir os párocos vizinhos de légua a dentro. Esta determinação do bispo, seguida anos depois por um seu delegado na visita de 1783, não deixa de ser honrosa para o pároco de Baçal, ao tempo João Agostinho Cabral de Carvalho, depondo muito relativamente ao seu mérito intelectual, bem como, pelo que toca ao moral de um seu antecessor, uma outra feita na visita de 19 de Novembro de 1745 de que atrás demos conhecimento na parte respeitante às suas disposições gerais e em particular relativamente à de os padres não poderem ter em casa pessoa do sexo feminino que não fosse sua consanguínea dentro do terceiro grau ou inferior a cinquenta anos de idade e de boa reputação, dizia o visitador que «por estar inteirado do recto procedimento do reverendo confirmado (de Baçal) Manuel de Moraes Castro havia por declarado que se não intenderia com elle este capitulo». Igualmente o doutor Miguel Rodrigues de Castro, abade de Nozelos, MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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comissário do Santo Ofício, arcipreste do ramo de Mirandela e visitador pelo bispo em 1783, diz que a freguesia de Baçal «é uma das famigeradas, rica e abastada» e louva o zelo e perfeição que mostra o pároco no seu ofício pastoral. Também a 24 de Outubro de 1820 o doutor Melchior Luís de Medeiros, professo na Ordem de Cristo, chantre na Sé e visitador sede vacante, diz: «não posso deixar de louvar o zello do Reverendo parocho e seus freguezes pelo asseio da sua egreja». Era então confirmado o reverendo Barnabé Garcia. E pouco mais abaixo acrescentava: «para um povo tão amante da sua religião e tão zellozo da sua egreja nada se deve capitullar», isto é, não precisa de direcção para se conduzir bem. Ainda em 13 de Dezembro de 1827, visitando a igreja de Baçal, por ordem do bispo, Francisco Xavier Gomes de Sepúlveda, abade de Rebordãos, que em outra parte mencionámos como escritor, diz «que os moradores de Baçal são na verdade dignos de louvor pelo zello e asseio que tem mostrado e obras que tem feito na sua egreja». Realmente estas referências honrosas ao zelo do povo não eram descabidas. A sua igreja matriz, orientada de nascente a poente, e o seu frontispício e porta principal deitando para um sítio esconso, ficaria sem vistas e a porta principal sem uso, além de que estava muito arruinada; por isso, na visita de Maio de 1767, foi determinado pelo visitador que se construísse de novo dando-lhe orientação mais conveniente e vistosa, norte a sul, como já fora ordenado na visita de 3 de Setembro de 1762. Baçal e Samil, com Santa Maria de Bragança, pertenciam então à citada comenda de Santa Maria de Bragança. Parte destas obras deviam ser feitas por conta dos frutos da comenda e a outra à custa do povo. Os comendadores armaram várias chicanas no intuito de se eximirem a tal despesa, mas depois de várias tergiversações, sendo juiz do povo José Pires, natural de Montesinho – bisavô paterno do autor destas linhas, casado e morador em Baçal, onde morreu a 15 de Abril de 1812 – foi levada a cabo a obra, sendo o novo templo, que ainda subsiste, um dos mais vistosos e espaçosos das aldeias circunvizinhas, suprindo pela sua magnitude, proporção e solidez as belezas arquitectónicas de que carece. Esta obra, um verdadeiro arrojo da parte de um povo pequeno e pobre, como ficara pela devastação das tropas castelhanas (376), mereceu os (376) Ver tomo I, p. 117.

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elogios de todos os visitadores, de que demos uma pequena amostra, e encontram-se no Livro das pastorais e capítulos de visitas existente no arquivo paroquial de Baçal. Mas não se fica por aqui. A pág. 140 verso do mesmo livro vem uma petição do visconde de Mirandela (377), comendador da comenda de Santa Maria de Bragança, da qual, como já dissemos, fazia parte Baçal, e nela diz que o povo de Baçal requerera pelo tribunal da Mesa da Consciência e Ordens para que ele lhe mande fazer certas obras na igreja; que muitas destas devem ser feitas à custa dos moradores e outras por diversas confrarias, segundo os usos antiquíssimos; que esta pretensão do povo tinha dado lugar a várias inquietações e despesas de parte a parte e por isso se nomeasse um visitador para informar sobre o estado da igreja e reparar o que carecia. Em seguida vem um despacho do bispo Santa Ana, de 5 de Dezembro de 1827, nomeando visitador Francisco Xavier Gomes de Sepúlveda, abade de Rebordãos, que aos 13 do mesmo mês visitou Baçal e distribuiu ao povo e comendador as despesas a fazer. Pedindo vénia aos leitores desta digressão, que o amor do torrão natal desculpa, voltemos ao nosso bispo – Bernardo Seixas. 6 de Maio de 1779 – Carta de indulgências. O doutor Simão dos Santos Graces Coelho diz nessa carta que Pio VI, a instâncias do bispo D. Bernardo Pinto Ribeiro Seixas, concedera indulgência plenária a quem visitasse em qualquer igreja ou capela a imagem do Sagrado Coração de Jesus, verdadeiramente confessado e penitente, tendo recebido a sagrada comunhão, na primeira sexta-feira depois da oitava de Corpus Christi, assim como na segunda dominga de cada mês, desde as primeiras vésperas até ao pôr do sol, orando pela paz e concórdia entre os príncipes cristãos, extirpação das heresias, exaltação da santa Igreja, etc., e que esta indulgência se podia aplicar em modo de sufrágio pelas almas do Purgatório. 11 de Setembro de 1779 – Visita a igreja de Meixedo o doutor António M. Cabral, abade de S. Tomé de Terroso. Recomenda a frequência da Palestra, dizendo que as certidões da assistência nela hão-de ser consideradas nas novas pretensões dos ordinandos e promoções dos ordenados. Manda que se avisem os médicos e cirurgiões para não visitarem segunda vez um enfermo sem o mandarem confessar, apontando-lhe as penas cominadas aos transgressores deste preceito.

(377) Ver o título «Visconde de Mirandela» no capítulo sobre a nobreza bragançana.

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A frequência da Palestra é coisa que todos os visitadores recomendavam, e vastas vezes se encontra também o aviso aos médicos. 1780 – Edital do doutor Simão dos Santos Graces Coelho, cónego doutoral e provisor da ordem do bispo Seixas. Declara nele que, atendendo à escassez de víveres quadragesimais na diocese e «uzando da faculdade que, ou por direito ou ao menos por uma bem fundada epickeia, lhe compete, permitte na presente quaresma o moderado uso de unto». 29 de Março de 1782 – Carta-pastoral do doutor Simão dos Santos Graces Coelho, provisor do bispado, pelo bispo D. Bernardo Seixas. Anuncia a faculdade, concedida a pedido da rainha D. Maria I, de se poder rezar da festividade do Corpus Christi, no dia 24 de Março com jubileu e indulgência. É por isso que ainda hoje se lhe dá vulgarmente o nome de Jubileu da Rainha. 5 de Julho de 1783 – Visita a igreja de Aveleda o doutor Miguel Rodrigues de Castro, abade de Nozelos e suas anexas, comissário do Santo Ofício e arcipreste do ramo de Mirandela. Diz que todos os eclesiásticos podem dar aos enfermos a absolvição papal com indulgência plenária, conforme a concessão feita pelo Sumo Pontífice ao bispo durante a sua vida. Proíbe, por ordem do bispo, que os sacerdotes usem de fatos que não sejam de cor honesta e escura. Usando de casaco, deve cobrir até à barriga da perna, salvo em viagem ou no campo, porque então bastará meio palmo abaixo do joelho. Estas proibições são debaixo da pena de suspensão ipso facto incorrenda. Permite o uso de chimarras sem mangas e proíbe o uso de chapéus apresilhados à moda secular e o uso de fivelas grandes de modo a escandalizarem os seculares. 1 de Julho de 1785 – Visitador ordinário no bispado Manuel Bernardo da Silva, abade de Montouto. Os padres que não ajudarem o seu pároco nas funções gratuitas da Igreja, procissão das almas, das primeira e terceira domingas de cada mês, bem como ladainhas, serão excluídos das lucrativas. Da visita que fez em Meixedo vê-se que já então, como ainda hoje, havia por estas terras o costume de tocar a finados, por irrisão, os sinos das igrejas nos casamentos. 3 de Agosto de 1787 – Visitador ordinário no bispado o doutor Gregório Rodrigues Fontes, abade de S. Pedro de Sendas e suas anexas. 27 de Fevereiro de 1790 – Pastoral do bispo D. Bernardo Pinto Ribeiro Seixas. Recomenda as Palestras, observando-se nelas as suas determinações e as de seus antecessores. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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D. António Luís da Veiga Cabral e Câmara 12 de Setembro de 1793 (Sepúlveda diz que foi a 11) – Circular de D. António Luís da Veiga Cabral e Câmara, bispo eleito de Bragança e governador do bispado. Lamenta os serviços nos domingos e dias santificados e proíbe que nesses dias se compre, venda ou pratiquem obras servis. O transgressor pagará pela primeira vez 4$000 réis de aljube, pela segunda o dobro com um mês de prisão, e se transgredir terceira experimentará, além da pena duplicada, o castigo das censuras. Diz mais que idênticos avisos serão afixados nos lugares costumados, e se alguém os arrancar incorrerá em excomunhão maior, reservada a ele bispo. 28 de Maio de 1793 – Carta do mesmo bispo exortando o clero a solenizar o feliz benefício da sucessão, pelo nascimento do príncipe, futuro rei. Aproveita a ocasião para remeter aos párocos um sermão que ele pregou na Sé catedral de Bragança e manda que seja copiado nos livros destinados aos capítulos de visita e registos de pastorais. Os afeiçoados à memória deste bispo, que passa por homem de imensa sabedoria, devem ler este sermão que vem efectivamente nos lugares citados, mesmo porque são poucas as produções que dele restam. Assina ainda esta carta como bispo eleito. 22 de Março de 1794 (Sepúlveda diz que foi a 26) – Pastoral do mesmo, já assinada como bispo de Bragança. Recomenda ao clero o estudo da moral, mas pelo que respeita à dos probabilistas acha melhor uma profunda ignorância do que tal ciência. O catecismo do Concílio Tridentino, as sumas de S. Tomás, de Santo Antonino, o sínodo diocesano de Bento XIV, os tratados de Geneto, Goudeau, Besombes, Concina, Patussi e outros semelhantes, são os que o clero deve versar diurna, nocturna que manu. Diz que entre os desacertos práticos que grassaram com as máximas probabilistas, merece particular animadversão o errado sistema das leis penais, pois as legítimas contribuições pagas pelos vassalos ao soberano devem-se não só pelo temor da pena mas também por obrigação de consciência como traz S. Paulo, Ad Romanos – XIII – 7. Os despachos daqueles géneros, cuja importação ou exportação só com eles se concede são da mesma natureza das contribuições. Estende-se depois em citações e razões morais tendentes a afeiar a gravidade do contrabando, como melhor não faria um proteccionista, e por último impõe pena de suspensão ipso facto incorrenda ao que no bisMEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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pado absolver contrabandista algum sem primeiro formar juízo prudente da sua emenda e resolução eficaz de abandonar para sempre aquele «criminoso trafico». 9 de Novembro de 1798 – Pastoral do mesmo bispo. Avisa os diocesanos dos males causados no estrangeiro pelas doutrinas ateístas que dissolveram os laços sociais e exautoraram os ministros religiosos. Manda que os párocos façam nos domingos e dias santificados, principalmente no advento e quaresma, práticas ao povo onde expliquem as obrigações que tem como cristão para com Deus e com o próximo, instruindo-os ao mesmo tempo na obediência que, como vassalos, devem à nossa augusta e amável soberana e aos seus ministros, exactores de suas ordens. Diz que será remetido um exemplar desta pastoral ao vigário de Miranda. 2 de Outubro de 1801 – Circular do mesmo bispo, que vem assinado D. António Luís da Veiga Cabral e Câmara. Manda que se conservem, como ordenam as Constituições, os livros da igreja e confrarias nos respectivos arquivos. 6 de Setembro de 1803 – Visitador ordinário na diocese pelo dito bispo, o abade de Rebordãos, Francisco Xavier Gomes de Sepúlveda. 22 de Junho de 1808 – Pastoral do doutor Paulo Miguel de Morais, cónego, mestre-escola, governador e provisor do bispado. Exorta os transmontanos a pegar em armas contra os franceses e a defenderem a religião, pátria, bens e pessoas. É cheia de entusiasmo patriótico. O seu autor era natural de Vila Chã de Braciosa, concelho de Miranda do Douro, e irmão do cónego José Francisco de Morais e do sargento-mor Manuel António de Morais. Foi depois deão da mesma Sé, cargo de que tomou posse a 26 de Março de 1814. 25 de Outubro de 1816 – Visitador ordinário pelo mesmo prelado o doutor em teologia João Pedro Freixo de Miranda, cónego magistral. 30 de Setembro de 1817 – Pastoral do doutor Joaquim de Santo Agostinho de Brito França Galvão Freire, conventual da Ordem Militar de S. Bento de Avis, sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa, provisor, vigário geral, vigário apostólico e governador do bispo de Bragança (378).

(378) Era eremita calçado de Santo Agostinho, licenciado em Teologia pela Universidade de Coimbra, onde fora professor de Retórica no Colégio da Graça e de Direito Natural no Seminário de Santarém. Nasceu em Tavira a 1 de Julho de 1767 e morreu em Lustosa, a 5 de Junho de 1845. Deixou algumas obras impressas.

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Diz que tendo conhecido por diferentes processos do foro contencioso e multiplicadas representações extrajudiciais que neste bispado alguns sacerdotes abusam do ministério da palavra nos púlpitos e confessionários para ensinarem e propagarem doutrinas pouco ajustadas ou inteiramente contrárias às da Igreja, para pôr cobro a isso e também para cumprir com as obrigações que sua majestade lhe impõe na circular de 19 de Junho do corrente ano, manda ao reverendo desembargador-vigário geral, reverendo vigário da vara de Miranda, arciprestes e párocos que, constando-lhe que algum sacerdote secular ou regular, em matérias dogmáticas, morais, sacramentais, místicas e litúrgicas, usa ensinar doutrinas e máximas que por sua novidade, singularidade e outras circunstâncias pareçam dirigir-se à introdução de certo sistema de novidades e propaguem o moderno filosofismo tendente a substituir a impiedade à religião e a anarquizar o império civil, ou sabendo que alguns eclesiásticos vagueiam pelos povos à frente de mulheres de diversas idades, alojando-se nas casas e palheiros para habitarem por alguns dias, ou os recolhem em suas casas ou nas alheias de dia e até de noite, afrontando suspeitas, perigos e ordens de seus superiores e formando, com público escândalo, semelhantes associações e conventículos debaixo do pretexto de exercícios espirituais, lhe denunciem todos os que activa ou passivamente, leigos ou eclesiásticos, concorram para tais crimes, para proceder contra eles. É toda dirigida contra a doutrina que propagava o bispo de então. 10 de Setembro de 1817 – Ordem do mesmo Galvão Freire. Intitula-se mais abade de S. Tiago de Lustosa. Diz constar-lhe que neste bispado se vão introduzindo dois abusos intoleráveis, e por isso preceitua: que onde for uso pagar-se dízimo de batatas, nas terras em que essa cultura se tem introduzido novamente, devem continuar a pagar dízimo desse género, pois o decreto de 12 de Janeiro de 1801 e provisões seguintes, expedidas aos superintendentes das alfândegas de nenhum modo isentam as batatas do pagamento dos dízimos, mas somente dos direitos, emolumentos e contribuições devidas à real fazenda. Semelhantemente se deve continuar a pagar dízimo das terras afolhadas de pousio, pois que o alvará de 11 de Abril de 1815, artigo 9.º, só isentou do dízimo as terras improdutíveis, charnecas e baldios incultos e os seus roteadores por dez anos, no caso de as cultivarem, mas nisto não se compreendem as terras já dantes agricultadas embora pelo sistema de afolhamento e pousios somente produzam com intervalo de cinco, sete, nove e mais anos. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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30 de Setembro de 1817 – Exortação pastoral do mesmo Galvão Freire. Lamenta a ignorância do clero; o das cidades, diz ele, sem hábitos, pelos botequins, assembleias e teatros; o das aldeias, de sacho, gadanho e espingarda em punho, pastoreando os gados; e ainda se estes trabalhos lhe minorassem os vícios, mas não; a licenciosidade e rispidez de génio continuam: dita à pressa a missa, engrolado algum ofício de defuntos, ei-lo nas suas ocupações. Para obviar a tamanho mal diz que tem procurado e conseguido restabelecer o Seminário episcopal; que procederá na ordenação do clero com reserva e circunspecção; que suspenderá os sacerdotes que, por ignorância ou maus costumes, não forem dignos de exercitar as suas ordens, e que fará examinar todos os anos os que requererem licença para celebrar, confessar e pregar. Ordena também o seguinte: 1.º – Os párocos por si ou coadjutores, estando impedidos, explicarão na igreja a doutrina cristã por catecismo aprovado, nas tardes dos domingos e dias santificados, além de fazerem outro exercício pio. 2.º e 3.º – Os mesmos, nos ditos dias, explicarão à missa ou antes dela algum dos mistérios revelados, mandamentos da lei de Deus, da santa madre Igreja, sacramentos, enormidade do pecado, vida de algum santo ou coisa semelhante; e como às missas de alva concorre muito povo, a mesma obrigação toca aos capelães, exortando ao mesmo tempo seus paroquianos à concórdia e amor recíproco, ao amor da pátria e pagamento dos impostos. 4.º – Em todas as missas cantadas, por mais solenes que sejam, excepto na de defuntos, se dará sempre a colecta – Et famulos tuos, etc.. 5.º – As palestras e conferências morais caíram em desuso o que, junto ao fatal sistema das prorrogações de licenças para celebrar, confessar e pregar, depois de um ou outro exame em todo o decurso da vida, produziu neste bispado quase inteiro esquecimento dos ritos e da moral; manda, por isso, debaixo da pena de suspensão, que os eclesiásticos se reúnam todas as semanas nas povoações onde residir o presidente da palestra, no dia por ele determinado, onde versarão as matérias dadas como ponto de discussão de uma para outra conferência, com método e ordem, quer digam respeito à moral, liturgia, ritos e cerimónias, quer ao breviário e ritual. Os presidentes tomarão nota das faltas à palestra pelos conferentes e os mencionarão nas certidões que houverem de passar a estes quando requeiram licenças para exercício de suas ordens, sem as quais não as obterão. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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O clero da cidade de Bragança irá aos sábados assistir à recapitulação das matérias tratadas durante a semana pelo professor de moral no Seminário. 19 de Maio de 1818 – Visitador ordinário no bispado, pelo referido doutor Galvão Freire, o abade de Vale da Porca, Bernardo da Silva Soares e Abreu. Manda, por ordem daquele, que o pároco insinue a seus fregueses o uso da vacina, o tratamento dos expostos e não consinta aos rendeiros receberem dízimos sem mostrarem primeiro licença e nota de haverem pago a colecta do Seminário. Que não tolere inumação de cadáveres sem passarem vinte e quatro horas depois do falecimento; que não admita missas de capelas, confrarias e testamentos celebradas fora do bispado e menos do reino; que note os dias em que lê os banhos dos nubentes no alto do papel por letra de conta e não rasgando-os; que não consinta jogos públicos no tempo da missa conventual ou da doutrina cristã, e nunca junto da igreja ou do adro; que visite com frequência os doentes e assista aos moribundos; que evite pleitos odiosos e desavenças com seus fregueses, desvelando-se em conservar a paz na freguesia; que inculque às crianças o respeito pelo seu pároco e sacerdotes; que traslade os testamentos de seus fregueses nos livros especiais da freguesia a isso destinados, principalmente os que não forem feitos em nota pública, e que não admita nos ofícios divinos eclesiásticos sem hábito talar, barrete e livro nos de defuntos. 12 de Setembro de 1820 – Aviso de Matias José da Costa Pinto e Albuquerque, cavaleiro da Ordem de Cristo, pregador régio, examinador sinodal, cónego mestre-escola, provisor e juiz das habilitações e casamentos pelo vigário capitular, sede episcopale vacante (379). Diz que é do paternal cuidado do vigário capitular e dele, como seu coadjutor, dirigir ao céu humildes preces pela tranquilidade dos fiéis, e neste intuito aconselha a paz e concórdia do clero; a abstenção expectante nas lutas civis e de competências de autoridade que infestam o reino e que se dê na missa a oração – Pro concordia incongregatione servanda. 5 de Novembro de 1820 – Circular do provisor Albuquerque. Manda, em observância das ordens nacionais e reais, que os párocos mencionados na relação inclusa cantem um solene Te Deum pela boa união das Juntas do Supremo Governo do reino, por três dias consecutivos,

(379) Era natural da Meda, bispado do Lamego, e morreu a 23 de Setembro de 1831. Havia sido abade de Quirás, nesta diocese, e depois cónego mestre-escola, lugar de que tomou posse a 30 de Dezembro de 1815.

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rogando ao Todo Poderoso as ilumine para a convocação das cortes que hajam de consolidar as bases do trono e altar. Outrossim manda que todos os padres e até menoristas compareçam na câmara eclesiástica nos dias 19, 20 e 21 desse mês a fim de prestarem, na sua presença, juramento de fidelidade à junta actual do governo do Reino. 6 de Maio de 1821 – Carta do doutor António Xavier da Veiga Cabral e Câmara, vigário capitular pelo cabido, sede vacante (380). Ordena, em harmonia com o ofício da Secretaria de Estado de 28 de Abril do corrente ano, que em todas as freguesias se cante um solene Te Deum em acção de graças pela faustosa notícia de sua majestade haver jurado a constituição. 20 de Outubro de 1821 – Pastoral do doutor António Xavier da Veiga Cabral e Câmara, freire conventual da real Ordem Militar de S. Tiago da Espada, colegial do Real Colégio dos militares de Coimbra, cónego doutoral na catedral de Bragança, vigário capitular e governador do bispado de Bragança. Diz que crê nos bons sentimentos constitucionais dos seus súbditos, mas ainda assim deseja que os párocos façam uma espécie de catequese política, inculcando aos povos que o governo representativo é o melhor e o que distribui mais benefícios. Lembra, que já nas suas pastorais de Março do corrente ano e 16 de Setembro de 1820 tratou do mesmo assunto, mas, por não julgar convenientemente versada a questão, volve novamente a ela. Quanto as opiniões deste homem eram sinceras, bem o mostra a pastoral de 21 de Agosto de 1823, que adiante damos. 3 de Maio de 1822 – Carta do mesmo vigário capitular Cabral e Câmara. Diz que desde o dia 10 do dito mês em diante, durante seis anos, vigora o indulto concedido por Pio VII a instâncias do rei D. João VI relativo à comida de carnes, ovos e lacticínios, por causa da falta de peixe e azeite, em todos os dias do ano, excepto nas têmporas (*), Cinzas, sextas(380) Era natural do Porto, freire conventual de S. Tiago da Espada, cavaleiro de Nossa Senhora da Conceição, formado em leis pela Universidade de Coimbra, provisor e juiz dos casamentos na diocese de Bragança. Morreu em Sesulfe, desta diocese, a 15 de Abril de 1832; em 14 de Dezembro de 1827 havia tomado posse da cadeira de deão e a 14 de Março de 1818 da de cónego doutoral. (*) Período de dois dias de jejum prescritos pela Igreja Católica, na sexta-feira e no sábado anteriores a 17 de Dezembro (Advento), na sexta e sábado anteriores à Quarta-feira de Cinzas (Primavera), na sexta e sábado seguintes ao Pentecostes (Verão) e na primeira sexta e sábado de Outubro (Outono). Antigamente as têmporas celebravam-se na quarta, sexta da primeira semana de cada ano.

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-feiras da Quaresma, quatro últimos dias da Semana Santa, vigílias da Natividade, Anunciação e Assunção de Nossa Senhora, dos apóstolos Pedro e Paulo e de Todos-os-Santos. Ver a de 7 de Dezembro de 1824, n.º 3, e a de 21 de Fevereiro de 1764. 8 de Maio de 1823 – Circular de Manuel António de Madureira Cirne, graduado em cânones, protonotário apostólico, abade de Carrazedo e vigário capitular pelo cabido, sede vacante (381). Autoriza os párocos a passarem certidões de baptismos, casamentos ou óbitos a quem as pedir sem dependência de ordem ou despacho, como facultava a carta régia de 10 de Abril de 1823, ficando, porém, sujeitos às penas impostas na lei civil quando as passarem, a não ser às próprias partes interessadas, de assentos em que se deve guardar segredo, pelo escândalo e prejuízo que poderá seguir-se, tornando-se públicas. 21 de Maio de 1823 – Circular do dito Madureira Cirne. Diz que não é possível fazer-se por então a visita pastoral, ficando por isso para ocasião oportuna. Em virtude de ordens superiores recebidas, intima todos os párocos amovíveis e presbíteros a comparecerem na câmara eclesiástica antes do primeiro de Junho para lhe serem comunicadas verbalmente as ordens competentes, o que cumprirão sob pena de desobediência. Que tramóia seria esta, de que não queriam deixar documentos escritos? 21 de Agosto de 1823 – Pastoral do doutor António Xavier da Veiga Cabral e Câmara, vigário capitular e governador do bispado. Folga por haver sido abolido o governo constitucional, odioso pelas perseguições movidas, de que ele foi uma das vítimas, sendo desterrado para Sagres, no Algarve, regozijando-se, contudo, por merecer tal martírio político. Diz que o dia 27 de Maio encheu Portugal de júbilo. Dá tunda na constituição, excogita mesmo vasta série de argumentos para a combater e manda, em acção de graças por a nação se ver livre de tal governo, cantar um Te Deum no primeiro dia santificado seguinte à recepção desta em todo o bispado. Em seguida a este documento vem logo revogada a faculdade concedida aos párocos de passarem certidões de baptismos, casamentos e óbitos sem licença do vigário geral do bispado. A ordem da revogação é de 16 de Outubro de 1823. (381) Era natural de Bragança e morreu, sendo abade de Carrazedo, desta diocese, a 23 de Dezembro de 1833. Deixou impresso um folheto.

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26 de Novembro de 1823 – Visitador ordinário no bispado sede vacante, Alexandre Manuel Coelho e Melo, reitor de Santo André de Morais, abade eleito de S. Pedro de Quirás e examinador sinodal. Proíbe, em harmonia com a ordem do governador do bispado, debaixo de pena de suspensão ipso facto, assistir a funções, dizer missa e administrar sacramentos, com sobrecasaca, polainas e sem o hábito talar vulgarmente chamado batina, loba ou chimarra descida até aos pés e toda abotoada pela frente do cimo ao fundo. Também, sob a mesma pena, proíbe aos eclesiásticos misturarem-se com os seculares no jogo da bola ou pau. D. Frei José Maria de Santa Ana Noronha 28 de Setembro de 1824 – Pastoral do bispo Santa Ana Noronha, dada em Bragança. É um 8.º de vinte e seis pág., impresso na tipografia de António Rodrigues Galhardo, de Lisboa. 7 de Dezembro de 1824 – Outra pastoral em que diz que prometera falar na primeira ao seu rebanho quando o julgasse necessário e por isso, no cumprimento de tal promessa, ordena que todos os eclesiásticos das aldeias acompanhem impreterivelmente o SS. Sacramento quando sair aos enfermos e nas cidades e vilas os que o encontrarem para o mesmo fim. Diz que desde 1550 se começaram a cometer sacrilégios roubando os sacrários, mas na desgraçada época das invasões francesas chegou a ser horrorosa a repetição de tantos crimes perpetrados nas províncias da Estremadura, Beira e Minho; por isso ordena: 1.º – O cabido e párocos, depois da missa conventual com o SS. Sacramento à boca do sacrário, cantarão o hino Pange Lingua em desagravo, que ele deseja seja perene. 2.º – Depois de clamar contra o trabalho nos domingos e dias santificados, lembra que os párocos sejam cautelosos em conceder licença para tal fim e manda que as lojas de comércio, no intuito do povo aproveitar o tempo e não perder outro dia útil, estejam abertas desde as nove horas da manhã até ao meio-dia, sob pena de multa para o Seminário a arbítrio dele prelado, excepto nas solenidades do Natal, Reis, Páscoa, Ascensão, Pentecostes e festividades de S. Pedro e S. Paulo, Corpo de Deus, S. João, Assunção de Nossa Senhora e Todos-os-Santos (Era a Igreja antecipando-se, como sempre, às modernas reclamações sociais). 3.º – Considerando que a bula de Pio VII para se poder comer carne nos dias de jejum e de abstinência do ano foi proibida na sua execução MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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pelo cardeal patriarca e outros ordinários, também ele a julgaria sem efeito, se não oferecesse um inconveniente muito perigoso à salvação sem ela, qual é a ilegitimidade com que se usou de unto e pingo desde que a diocese de Miranda ficou separada do arcebispado de Braga, e porque o uso do unto e pingo é sem ela ilegal, não a proíbe por então (ver a pastoral de 3 de Maio de 1822). 4.º – Para terminar questões suscitadas em matéria de jurisdição, autoriza os párocos sem excepção a ouvirem de confissão toda a qualidade de pessoa na diocese. 5.º – Manda que os eclesiásticos se portem com reverência na celebração dos ofícios divinos e missa e não exerçam tais funções sem estarem vestidos de hábito talar, mas considerando os inconvenientes da suspensão ipso facto imposta anteriormente, porquanto muitos celebram incursos nesta pena, outros dormem sossegadamente sobre ela, comutaa em suspensão ferendae sententiae, facultando aos párocos o poderem aplicar multas para o Seminário aos transgressores; além disso, os presbíteros, nos requerimentos para usarem de suas ordens, não serão atendidos sem mostrarem certidão de seus párocos onde se mostre haverem observado as determinações relativas ao hábito talar. 6.º – Manda que haja, no Sacrário, dois vasos de metal precioso para que quando se levar o Viático aos enfermos não fique aquele sem o Sacramento. 7.º – Que haja uniformidade nos ritos, cerimónias e administração de sacramentos, sendo todas as freguesias obrigadas a munirem-se com o ritual de Paulo V. Sendo lamentável e digno de lágrimas o estado em que se encontra o Seminário, reduzido a uma simples aula de gramática latina e outra de moral, já inutilizado, distribuindo-se em pequenas mesadas seus poucos rendimentos, já devassado e aberto, habitando nele até pessoas de outro sexo, e já finalmente abandonado sem meios de subsistência, sem alfaias necessárias e sem a regularidade de uma casa de educação, e não podendo repentinamente providenciar-se um tão importante objecto, julga a propósito, como único meio que resta de instrução, fazer reviver o método das chamadas Palestras de moral. 15 de Abril de 1825 – Pastoral do mesmo bispo. É um 8.º de seis pág., impresso no Porto. Recomenda as esmolas para a defensão dos lugares santos, como já o seu antecessor D. Frei Aleixo de Miranda Henriques em sua pastoral de 3 de Janeiro de 1759 havia preceituado, «impondo a todos os parochos a MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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apertada obrigação de nomear alternadamente e pelos roes dos confessados quem peça e quem arrecade o que a caridade der». Como todas as pastorais do grande orador sagrado, que foi o bispo Santa Ana Noronha, esta está admiravelmente bem escrita. 3 de Setembro de 1825 – Pastoral do mesmo dada em Bragança. É um 8.º de oito pág., impresso na tipografia de Viúva Alvarez Ribeiro e Filhos, do Porto. 9 de Julho de 1826 – Pastoral do mesmo bispo dada em Bragança. É um 8.º de onze pág., impresso na mesma tipografia. Trata do jubileu do ano santo. 18 de Setembro de 1828 – Provisão do bispo D. Frei José Maria de Santa Ana Noronha, da Ordem de S. Paulo Primeiro Eremita da congregação da Serra de Ossa. Foi dada em Bragança. É um 8.º de sete pág., impresso na referida tipografia. Congratula-se por ver à frente do governo do reino D. Miguel, a quem cumula de elogios, comparando-o a Moisés, Josué, David e outros personagens históricos, e diz que foi visivelmente a providência divina quem o trouxe de Viena de Áustria a reger estes reinos. 1830 – Visitador ordinário no bispado pelo vigário capitular sede vacante, o cónego magistral doutor Francisco António Ferreira. Era natural de Babe. 15 de Fevereiro de 1830 – Pastoral do doutor António Xavier da Veiga Cabral e Câmara, freire conventual de Palmela, cavaleiro de Nossa Senhora de Vila Viçosa, deão, vigário capitular e governador da diocese de Bragança sede vacante. Lisboa, na Impressão Régia, folio de quatro pág., inumeradas. D. José António da Silva Rebelo Outubro de 1832 – Pastoral do bispo D. José Antonio da Silva Rebelo, da congregação da Missão. Lisboa, 1832, Impressão Régia, in-4.º de oitenta e cinco pág. É a da sua apresentação na diocese, e nela faz a apoteose de D. Miguel. 2 de Julho de 1833 – Pastoral do mesmo bispo. Dá notícia desta pastoral João António Correia de Castro Sepúlveda, nos Documentos Justificativos, pág. 25. Neste opúsculo, que respira má vontade contra o prelado, diz-se: que este se «levantou fortemente contra Frei Manuel de Santa Ignez, Bispo eleito pelo Senhor D. Pedro, por chamar a si os titulos, ou licenças de todos os presbyteros da cidade no exercicio de suas ordens. Elle o trata de novo Luthero (isto é, Rebello ao eleito do Porto); de filho degenerado de Santo Agostinho; de scismatico e promotor do scisma; de MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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inimigo declarado das religiões; de impio, e tão benemerito da seita impia; de inimigo da obediencia, e castidade, que professára; e de seguidor de suas paixões brutaes e desvairadas inclinações. etc., etc.!!!». Falando sobre a questão dinástica, coloca Sepúlveda entre aspas este trecho da pastoral para indicar que o copiou ipsis verbis: «Que tem D. Maria com Portugal? ella é filha d’um estrangeiro... e não podem os filhos herdar o que seus paes já não possuem. E ainda que a seu pae pertencesse o reino portuguez, não é legítima rainha de Portugal; pois que então pertenceria a seu irmão, e não a ella». 20 de Novembro de 1833 – Visitou pessoalmente a igreja de Aveleda este bispo. Entre outras coisas manda que guardem as crias das fazendas alheias. Vem no respectivo livro o autógrafo da sua assinatura. Em 15 desse mesmo mês havia visitado Meixedo e em 14 do anterior Baçal, mandando retirar da capela de S. Sebastião a imagem de S. Genísio por ter uma viola na mão em ar de tocar. 4 de Maio de 1834 – Pastoral de João Baptista Fernandes de Miranda, abade de Caçarelhos e vigário capitular pelo cabido sede episcopale vacante. É cheia de entusiasmo por terminar o governo da usurpação, segundo o bom do abade entendia. Diz que o bispo da diocese, nomeado pelo usurpador, fugiu até do reino e por isso, vaga de facto a cadeira episcopal, foi ele eleito pelo cabido vigário capitular e governador. Recomenda a união, concórdia e obediência ao governo, então no poder, único representante da legitimidade, e encarrega nesta obediência a consciência dos povos. Manda dar a colecta na missa pela rainha D. Maria, obrigação que muitos sacerdotes não cumpriam; e, como lhe constasse que muitos abusavam do púlpito para declamar contra a constituição, cassa a todos a licença de pregar, devendo os que a pretenderem de futuro entender-se com ele. Termina o fogoso abade dando vivas à constituição, a D. Pedro e D. Maria. Nos livros de Meixedo há a seguinte nota a esta pastoral que equivale ao melhor comentário: «N. nem vinha assinada nem trazia sêllo!!». 9 de Julho de 1834 – Circular do doutor Rodrigo de Sousa Machado, lente de teologia na Universidade de Coimbra, arcediago da Sé catedral de Viseu, abade de Travassos no arcebispado de Braga e governador no bispado de Bragança por sua majestade imperial (382). (382) Era natural de Guias, comarca de Guimarães. Foi eleito quarto substituto pela província do Minho às cortes constituintes de 1821; havia-se doutorado em 23 de Janeiro de 1820.

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Diz haver-lhe sido remetido pelo prefeito da província de Trás-os-Montes um ofício do governo relativo a receberem-se ainda dízimos em algumas partes desta diocese a despeito dos decretos de 30 de Julho e 13 de Agosto que os aboliram. Manda que não mais se paguem. O ofício termina da seguinte forma: «Palacio da Prefeitura em Villa Real. O prefeito de Trás-os-Montes – Francisco Antonio d’Almeida Moraes Pessanha». 18 de Setembro de 1834 – Circular do mesmo Rodrigo Machado, dando conhecimento da ordem do governo para se construírem cemitérios onde se enterrem os defuntos e não nas igrejas. 20 de Outubro de 1834 – Circular do mesmo. Queixa-se de que muitos padres se aproveitam do seu ministério para desacreditar o governo constitucional, distribuindo papéis incendiários e dizendo que as autoridades nomeadas pelo mesmo governo estão excomungadas, recorrendo até, talvez, à autoridade do intruso bispo que, além do vício da sua instituição (visto o seu título ser passado sem nominação do legítimo soberano, condição essencial para exercer jurisdição nestes reinos, em virtude das concordatas com a Sé Apostólica), desamparou o rebanho ficando por isso a jurisdição devoluta ao cabido de quem legalmente ele, Rodrigo, a recebeu. Ordena que os párocos não deixem exercer ordens a presbítero algum sem sua licença ou do abade de Caçarelhos, e lhe remetam os tais papéis incendiários que possam haver às mãos para ele, por sua vez, os enviar a sua majestade imperial afim de se tomarem as medidas convenientes reclamadas pelo caso. 5 de Outubro de 1834 – Circular do mesmo Rodrigo. Em harmonia com a régia portaria de 24 de Setembro último manda dar na missa a colecta com este acréscimo no respectivo lugar: et reginam nostram Mariam regiaque domus princepes. Alude também a um outro aviso recebido participando-lhe o passamento do augustíssimo duque de Bragança. Manda que em todas as freguesias se façam exéquias solenes por sua alma, como é costume, assistindo os eclesiásticos do respectivo distrito sob pena de suspensão. 16 de Dezembro de 1834 – Circular do mesmo. Manda que os párocos mencionados na relação junta a esta lhe remetam a relação das imprimas ou primícias que devem desde já receber e também comunica o consórcio da rainha com o príncipe de Leuchtenberg, devendo os párocos e fiéis fazer votos pela prosperidade de tal enlace. 23 de Dezembro de 1834 – Pastoral do dito Rodrigo. Diz constar-lhe que alguns eclesiásticos, indignos deste nome, andam espalhando, prinMEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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cipalmente no confessionário, que os párocos nomeados pelo legítimo governo constitucional não são verdadeiros pastores, sendo somente eles os únicos e seguros guias dos fiéis no caminho da salvação, vivendo tais predicantes e adeptos em comunidades de cismáticos à parte, como se os restantes membros da sociedade fossem heréticos ou excomungados vitandos. Manda aos párocos não consintam tais conventículos e se tiverem conhecimento de que algum padre continua ainda a abusar, o participem logo à autoridade administrativa para esta proceder contra ele em harmonia com as ordens de Sua Majestade. É uma pastoral importante pelos elementos que fornece a quem quiser estudar esta época social na região bragançana. Ver também as de 8 de Fevereiro de 1836, 18 de Janeiro de 1837 e 16 de Abril desse mesmo ano, e as Apologias do Abade de Rebordãos – Francisco Xavier Gomes de Sepúlveda, os Gemidos da Igreja Lusitana, o Exame Crítico e o Apêndice ao Exame Crítico, tudo publicações do mesmo Sepúlveda. Ainda sobre o mesmo assunto devem ler-se as publicações de Frei António de Jesus, que morreu no Recolhimento da Mofreita, diocese de Bragança, a 20 de Outubro de 1841. 6 de Abril de 1835 – Pastoral do referido bispo dando conhecimento do aviso régio de 28 de Março último, onde lhe é comunicada a morte do príncipe D. Augusto, pelo descanso eterno do qual manda fazer sufrágios em todas as freguesias com a assistência de todos os presbíteros daquele distrito, sob pena de suspensão. 26 de Maio de 1835 – Circular do mesmo. Unifica os direitos paroquiais em toda a diocese, declarando os emolumentos pertencentes aos párocos pela forma seguinte: Por cada baptizado, 360 réis. Por cada casamento, 400. Publicação de banhos, 120. Por cada certidão, 120. Enterro de párvulo até à idade de sete anos, 400. Tendo mais de sete anos e sendo filho-família, 2$500. Não sendo filho-família, quer morra ab intestato quer não, 5$000. Porém, não cabendo na terça de seus bens a quantia de 5$000 réis, terá o pároco de direitos quantia proporcional aos bens dessa terça. Por cada missa cantada ou ofício de defuntos celebrado na freguesia terá de direitos de estola 120 réis. Estes direitos, porém, não pertencem a essas funções celebradas por disposições testamentárias durante o ano do falecimento do testador ou ainda MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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e nesse mesmo período de tempo, embora morresse ab intestato, contanto que ao pároco na freguesia do qual se celebram lhe pertencesse o legado de 5$000 réis ou pro rata quando a terça do finado não desse para tanto. Quanto às ofertas, diz ele, apesar de ser costume de cada freguês pagar um alqueire de serôdio, ficarão apenas dando um de centeio bem limpo, capaz de aceitar-se. Nenhum pároco poderá exigir mais nada. Estes usos vigorarão em toda a diocese e quem seguir outros fica sujeito às penas impostas na lei aos oficiais que exigem diverso salário além do que lhe pertence. Esta tabela dos «Emolumentos Paroquiais» foi aprovada por portaria régia de 20 de Outubro de 1835 e modificada em 1887 por uma outra do bispo D. José Alves de Mariz, actualmente em vigor. Ver a de 17 de Dezembro de 1888. Do que eram os usos antigos neste assunto dá mostras o seguinte documento que, embora tenha carácter particular, era o mesmo mutatis mutandis em toda a diocese: «Uzos d’esta igreja de Soutello de Gamoeda conforme se achão escritos e assignados pelos moradores e confirmados pelo Rd.º visitador de que mandou se puzessem n’este livro para mais clareza o que eu fielmente fiz como se podem ver no livro findo dos capitulos de visita a folhas 128. Termo. – Anno do nascimento de nosso senhor jejus christo de mil setecentos oitenta e nove aos oito dias do mez de janeiro do dito anno neste lugar de Soutello e casas da residencia do R.do Parocho donde eu o Pe. Miguel Garcia do mesmo lugar fui chamado para o efeito de satisfazer ao Capitulo quarto da Vizita antecedente em que nela determinou o Dr. Vizitador se escrevessem os usos desta igreja em seu comprimento fis este termo que assigno, e continuo. Pe. Miguel Garcia. Capitulo 1.º – Tem obrigação o comendador ou seu rendeiro de dar á fabrica desta igreja annualmente tres mil reis e mais seis arrateis de cera branca para as missas do povo tres no S. João e tres no Natal e de alumiar o Santissimo Sacramento de dia e noite e dar seis quartilhos de azeite em cada hum mez para iso. Capitulo 2.º – Tem mais este mesmo obrigação de dar annualmente ao Parocho que actualmente for quarenta alqueires de pão, vinte e dous de trigo ou serodio e desoito de centeio e dará sete almudes de vinho e uma cantara, e em dinheiro oito mil e quinhentos reis. Capitulo 3.º – São os freguezes obrigados a dar ao R.do Parocho por uzo antigo annualmente cada morador hum alqueire de pão acugulado a que MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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chamão oferta isto se entende tantos casados haja tantos alqueires devem dar, e viuvos ou viuvas o mesmo e sendo solteiros e vivendo juntos, e em suciedade, com hum satisfazem e não sendo assim cada hum o seu. Capitulo 4.º – Tem o povo obrigação de dar cada hum anno ao R.do Parocho quatro carros de lenha em cada festa seu. Capitulo 5.º – Tem o R.do Parocho de cada criança que se batizar huma oferta de pão, vinho e cera (o que todas as ofertas de obrigação constão de quatro arrateis de pão hum quartilho de vinho e huma onça de cera) e cento e quarenta em dinheiro. Capitulo 6.º – E no dia em que a molher for á igreja recever as bençois depois do parto tem o R.do Parocho huma oferta. Capitulo 7.º – Por cada cazamento tem o R.do Parocho huma oferta e cento e quarenta reis em dinheiro e não recebendo as bençois no mesmo dia no que as receber outra oferta. Capitulo 8.º – Por cada enterro tem o R.do Parocho sendo de menos idade de sete annos o defunto huma oferta tão somente e tendo sete annos tem um oficio e tendo catorze dous e tendo vinte e hum tres e em cada hum destes huma oferta e ofrendado os meses que a cada hum lhe pertence pro rata, sáo estes oficios de nove liçoins e de quatro clerigos e tem, o R.do Parocho por cada hum deles mil reis e destes dar a cada clerigo cento o sessenta reis e os erdeiros cera e obrigação de os chamar á ileição do R.do Parocho e querendo meter nestes oficios mais clerigos darão mais ao R.do Parocho dosentos reis por cada oficio e pagar-lhe aos que excedem do numero ou para milhor se declarar tem o R.do Parocho de cada hum oficio sendo de coatro padres quinhentos e vinte e sendo de mais, sete centos e vinte reis e os erdeiros pagarem aos mais. Capitulo 9.º – Por oficio de corpo presente, saimento, cabo de anno, ou em outro qualquer dia que seja dexado em testamento, ou os erdeiros voluntariamente o queirão fazer, sendo de quatro padres, tem o R.do Parocho, quinhentos e vinte reis e os erdeiros pagar aos clerigos e sendo de mais dos quatro tem o R.do Parocho setecentos e vinte reis isto he em cada hum oficio que se faça dos acima ditos, e em cada hum deles sua oferta de pão vinho e cera. Capitulo 10.º – De oferta annual por cada hum que morre tem o R.do Parocho mil e duzentos reis sem obrigação alguma; isto he tendo o defunto vinte e hum annos que não os tendo he só repartido conforme a idade pro rata e declarando no testamento seja sua sepultura ofrendada conforme ao uso ou querendo os herdeiros voluntariamente ofrendar se entende em cada hum domingo do anno quatro arrates de pão, hum MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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quartilho de vinho e huma onça de cera, e por esta o Parocho obrigação de lhe rezar hum responso na sepultura em cada hum domingo. Capitulo 11.º – Tem o R.do Parocho pela procisão da resurreição cem reis que paga o juiz do povo e mais a ultima ladainha das tres de mayo que dá duzentos e quarenta e pela funcção de sabado santo duzentos reis e mais quatro centos pelas duas primeiras ladainhas que as paga o urago». Foram copiados de um livro manuscrito encadernado em pergaminho, existente no arquivo da freguesia de Carragosa, que hoje tem como anexa Soutelo, intitulado Livro dos Usos e inventário da Igreja de Soutelo. Ao actual pároco, Manuel António Rodrigues, abade de Meixedo, agradecemos a gentileza com que nos facilitou a cópia deste documento. No arquivo da freguesia de Rabal, concelho de Bragança, no livro intitulado Usos e Costumes da Igreja de Rabal, fl. 3 e seguintes, há outro documento semelhante a este nos fins, sendo em parte idênticas as determinações. 4 de Junho de 1835 – Circular do mesmo Rodrigo. Parece referir-se a uma portaria do governo relativa aos egressos das extintas ordens religiosas e manda que os párocos o informem sobre e número dos existentes nas suas respectivas freguesias e seu comportamento moral e religioso. 23 de Junho de 1835 – Circular do mesmo Rodrigo, governador ainda do bispado por sua majestade fidelíssima. Constando-lhe que alguns rebeldes abusam da ignorância e credulidade dos fiéis, em prejuízo do sossego público e das consciências das pessoas timoratas, fingindo-se autorizados por Sua Santidade para conceder graças especiais, previne os párocos de que não consintam que em suas freguesias se espalhem graças de tal natureza. 20 de Julho de 1835 – Dá o mesmo Rodrigo conhecimento aos párocos de uma portaria que o governo lhe dirigiu naquela data, declarando os documentos com que os presbíteros devem instruir seus requerimentos quando pretendam ser providos em benefícios eclesiásticos. Queixa-se da estultícia de muitos padres que, embora os mais incompetentes, se julgavam aptos para tudo pretenderem. 5 de Agosto de 1835 – Circular do dito Rodrigo. Por ordem de sua majestade manda suster a abusiva exigência das esmolas pedidas pelos tesoureiros do extinto comissariado da Terra Santa e que se lhes tomem contas procedendo logo à arrecadação das quantias em poder deles, ficando os párocos, de acordo com as autoridades administrativas, obrigados a pôr em execução esta ordem. Ver a pastoral de 15 de Abril de 1835. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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7 de Janeiro de 1836 – Comunica o dito Rodrigo que na colecta da missa e no lugar respectivo se acrescente – Reginam nostram Mariam, Principem Ferdinandum, Regiaque Domus principes cum prole regia – conforme também lhe fora comunicado a ele na régia portaria de 31 de Dezembro de 1835. 26 de Janeiro de 1836 – Circular do mesmo Rodrigo. Diz que tendo-lhe sua majestade insinuado em portaria de 16 de Janeiro do ano corrente, ser do seu real agrado que usando da plenitude do poder, na falta de recurso à Sé Apostólica, permitisse o uso de lacticínios, unto e banha de porco na presente quaresma e mais dias de jejum de preceito, até à publicação da nova bula, assim o concede. Ver a de 21 de Fevereiro de 1764. Declara mais que estão em todo o vigor quaisquer indulgências ou jubileus promulgados na diocese, não obstante a falta de bula da cruzada, e concede aos sacerdotes, por ele aprovados, o poderem absolver de todos os casos reservados para os quais a bula dá faculdades, obrando neste particular como se realmente ela estivesse publicada. 8 de Fevereiro de 1836 (nalguns livros tem a data de 13) – Circular do mesmo Rodrigo, vigário capitular e governador do bispado por sua majestade fidelíssima. Traz a sentença proferida contra o padre Anselmo Garrett, religioso que foi dos Trinos Descalços, do convento de Mirandela, por haver pregado e confessado sem jurisdição nas igrejas de Meles, Torre de Dona Chama e outras pelo que foi condenado a suspensão debaixo da pena de excomunhão ipso facto, sendo obrigado, sob a mesma pena, a retractar publicamente os seus erros nas sobreditas igrejas, onde a sentença seria afixada depois de lida à estação da missa conventual, ficando considerado como herege público se o não fizesse. O assunto da prédica deve relacionar-se com o dito na pastoral de 23 de Dezembro de 1834. Ver também o aviso de 23 de Janeiro de 1843. 8 de Março de 1836 – Circular do mesmo aconselhando os párocos a que façam ver aos povos as vantagens em os defuntos não serem enterrados nas igrejas. 10 de Agosto de 1836 – Circular. João António Correia de Castro Sepúlveda (383), arcediago da Sé, António José Fernandes Capela, abade de

(383) Nasceu em Bragança, freguesia de Santa Maria, a 17 de Fevereiro de 1796 e ali morreu a 14 de Julho de 1876. Era filho do tenente-general Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda, comendador da Real Ordem espanhola de Carlos III, condecorado com diferentes medalhas de distinção e fidalgo da casa real. Deixou impresso um folheto.

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Fresulfe e João Manuel de Sousa Machado, vigário de S. Lourenço de Sande, provisor do bispado de Bragança, encarregados do governo do mesmo bispado pelo vigário capitular e governador do dito por Sua Majestade fidelíssima Rodrigo de Sousa Machado, declaram que os povos, ao contrário do que supunham, eram obrigados ao pagamento das imprimas, oblatas e quaisquer outros direitos paroquiais, como fora declarado em carta régia de 18 de Maio do corrente ano, pois a extinção dos dízimos não importava a supressão de tais benesses. 11 de Agosto de 1836 – A junta acima mencionada, encarregada do governo do bispado, dá conhecimento da portaria régia de 27 de Julho do mesmo ano que proíbe admitirem-se ao matrimónio súbditos espanhóis sem documentos legais. 22 de Setembro de 1836 – Aviso da mesma junta, dando conhecimento da régia portaria de 12 desse mês que manda jurar a constituição a todos os párocos e eclesiásticos. 8 de Janeiro de 1837 – Circular do arcediago da Sé de Bragança, João António Correia de Castro Sepúlveda, fidalgo da casa real, governador do bispado e vigário capitular por eleição do cabido. Diz que pela desistência do seu antecessor, o doutor Rodrigo de Sousa Machado, foi ele por livre eleição do cabido nomeado vigário capitular a 9 de Novembro de 1836. Vê-se obrigado a falar contra as falsas pregações de alguns que andam espalhando que depois da actual ruptura com a Santa Sé não há verdadeiros Sacramentos e tudo o mais é um simulacro de religião, que todas as autoridades eclesiásticas, vigários capitulares e bispos residentes ficaram cismáticos. Devido a tais abusos, muitos católicos deste bispado fogem da missa, como de idolatria. Não procuram a confissão por a julgarem nula; evitam os sacerdotes como hereges; detestam os concursos nos templos, como sinagogas; olham o matrimónio como mechia, a Extrema-Unção sem virtude, as ordenações do clero sem vigor intrínseco, a transubstanciação eucarística de nenhum efeito; duvidam da validade do baptismo solene, e, finalmente, dando como extintos todos os sacramentos em Portugal, cristãos tem havido que se deixam morrer sem a confissão nem o sagrado viático. Exorta a que não façam caso de tais pregações, pois tudo é mentira. É um documento importante para se avaliar a cegueira de espírito que então torturava as consciências. Ver as circulares de 23 de Dezembro de 1834, 8 de Fevereiro de 1836 e 23 de Janeiro de 1843 e as duas seguintes. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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10 de Fevereiro de 1837 – Circular do mesmo Sepúlveda. Diz que, apesar da ruptura do nosso governo com a corte de Roma, a Igreja lusitana de modo nenhum pode considerar-se cismática e muito menos herética, como pregoam certos inimigos dela. Manda, pois, dar na missa a oração pelo Papa. 16 de Abril de 1837 – Carta-circular do bispo de Bragança D. José da Silva Rebelo. Não vimos este documento em parte alguma; dá, porém, noticia dele Sepúlveda (384), e, baseado no seu testemunho, vemos que o bispo «affirma que o Santo Padre (consultado por ele) até agora não tinha excomungado os scismaticos, nem dito cousa alguma a respeito do scisma dos portuguezes, portanto que se póde communicar com elles in divinis». Daqui pretende concluir Sepúlveda que Frei António de Jesus, não estava, como publicava Frei Sebastião de Santa Clara, encarregado pelo Papa Gregório XVI para sanar espiritualmente as questões resultantes da ruptura de Portugal com Roma (385). Segundo o que ali se lê, tais faculdades haviam-lhe sido concedidas em 1834 e 1836. O governo português, em 21 de Maio de 1834, fez saber aos bispos que lhe cumpria fazer uso amplo do poder para conceder aos fiéis as dispensas até então vindas da Nunciatura ou de Roma, em vista da interrupção de relações entre as duas cortes e de o Papa se recusar a confirmar os bispos e mais autoridades eclesiásticas nomeadas pelo governo de D. Pedro. Para prover às necessidades dos fiéis, o Papa nomeou secretamente emissários seus nos quais delegou poderes de bispo (386). Vemos que Sepúlveda se enganava, pois Frei António era um desses emissários, como apontaremos na sua bibliografia. Demais, o Papa na sua alocução de 1 de Agosto de 1834 protestou, ameaçando recorrer às censuras canónicas, contra a comissão encarregada de proceder à reforma da igreja portuguesa, contra a concessão dos benefícios eclesiásticos pela autoridade laical e contra a extinção dos conventos, tudo feito sem o concurso da autoridade eclesiástica (387) e firmemente recusou entrar em negociações com os enviados de Portugal a não ser sobre

(384) SEPÚLVEDA, Francisco Xavier Gomes de – Apêndice ao Exame Crítico do Folheto do padre Frei Sebastião de Santa Clara, do extinto Seminário de Vinhais, p. 37 a 50. (385) Ver o que escrevemos na biografia de Frei António de Jesus. (386) ARRIAGA, José de – História da Revolução de Setembro, tomo III, p. 646 até ao fim do capítulo, onde podem vêr-se as tentativas que houve para reatar as relações com Roma. (387) Ibidem.

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estas bases: 1.ª, chamar às respectivas sés e benefícios os bispos preconizados e canonicamente instituídos, assim como todos os párocos e eclesiásticos que foram despojados injustamente e expulsos com violência; 2.ª, consentir na livre comunicação dos fiéis com a Santa Sé e vice-versa (388). Mas como o governo português estava no firme propósito de manter a exclusão dos bispos nomeados por D. Miguel, ficaram infrutíferas as tentativas de João Pedro Miguel de Carvalho encetadas em 1835 e continuadas pelo visconde da Carreira, nossos legados a Roma e na alocução de 1 de Fevereiro de 1836 o Papa declarou o governo português cismático e, portanto, fora do grémio da Igreja católica (389). Querendo o bispo, como é evidente pelas transcrições de Sepúlveda, obviar nesta sua carta-circular às perturbações que o cisma lançava entre os seus diocesanos, dizia mais: «Ao mesmo tempo que, instruidos nos principios da verdadeira fé, estamos certos que os ditos sacerdotes (os reputados scismaticos) conferiam um verdadeiro baptismo, e consagravam realmente o corpo e sangue do nosso amavel Salvador; e que, não havendo outro sacerdote, validamente absolviam em artigo de morte». Vamos transcrever o comento que a este trecho faz Sepúlveda. É importante para vermos o estado da diocese: «E para que falla nisto o Prelado? para que toca em tal ponto; senão porque constando-lhe as doutrinas que os padres do partido (monachos) espalhavam pelo povo, elle como bispo as reprova e quer tirar aos diocesanos os embaraços de consciencia que taes doutrinas lhes tem causado? E donde procede, continua Sepúlveda, tambem a persuazão, em que o povo illudido se acha, de que todos os Sacramentos administrados por taes padres (os scismaticos) são nullos e de nada servem? donde procede dizerem uns, quando elles vão celebrar a sua missa, que a ella senão deve ir; porque é uma synagoga, e uma idolatria? donde procede dizerem outros, quando os mesmos padres levam a sagrada Eucharistia em procissão, ou aos infermos, que é como se levassem um bocado de nabo; e elles permanecerem sem dar o menor signal d’adoração? donde procede morrerem outros sem Sacramento, por não os quererem receber dos parochos chamados scismaticos? É claro, e evidente que esta falsa persuazão dos povos rusticos e ignorantes, toda dimana das doutrinas dos ditos padres (monachos)» (390). (388) Ibidem. (389) Ibidem. (390) SEPÚLVEDA, Francisco Xavier Gomes de – Apêndice ao Exame Crítico do Folheto do padre Frei Sebastião de Santa Clara, do extinto Seminário de Vinhais, p. 56.

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28 de Agosto de 1837 – Baixou do Ministério dos Negócios Eclesiásticos ao presbítero José de Almeida Sampaio, governador e vigário capitular do bispado de Bragança por eleição do cabido, uma insinuação para desvanecer no povo o grito da guerra civil que tinha soado em algumas terras do país a pretexto das instituições políticas. Nessa insinuação vêm conselhos sobre aquilo que convém ao interesse do povo e espera-se que os párocos, expondo-lhos, o contenham no cumprimento dos seus deveres. 30 de Setembro de 1837 – Portaria do presbítero José de Almeida Sampaio, governador do bispado e vigário capitular por Sua Majestade fidelíssima e eleição do cabido. Congratula-se porque os rebeldes foram totalmente debelados no dia 18 do corrente; por isso o povo deve estar contente com o novo estado de coisas, visto que «os tributos teem diminuido» e não é vexado por forma alguma. 10 de Outubro de 1837 – Circular do mesmo Sampaio. Em harmonia com o ofício de 30 de Setembro desse ano, mandado pelo vice-presidente da comissão geral de Fazenda, ordena que os párocos lhe enviem esclarecimentos sobre os rendimentos dos passais e casas de residência. 23 de Novembro de 1837 – Circular de João António Correia de Castro Sepúlveda, fidalgo da casa real, arcediago da Sé de Bragança e governador do bispado por delegação do vigário capitular. Clama contra a relaxação dos eclesiásticos em vestir como os leigos, pejando-se de trazerem os hábitos próprios da classe, chegando alguns diáconos e subdiáconos a fazer desaparecer de si a volta clerical e tonsura eclesiástica. Por isso ordena: 1.º – Nenhum pároco consentirá que em suas igrejas celebre algum sacerdote sem apresentar a prévia licença do ordinário e levar hábito talar. 2.º – Igualmente não serão admitidos às funções eclesiásticas diáconos ou subdiáconos sem o respectivo hábito e coroa aberta, bem como os menoristas e os licenciados com hábito. 16 de Julho de 1838 – Circular do citado presbítero Sampaio, governador do bispado e vigário capitular por Sua Majestade fidelíssima e eleição do cabido. Vê com mágoa o estado da diocese, devido à ignorância e vida pouco regular de uma grande parte do clero. Se este fosse instruído e morigerado não teríamos a lamentar tão enormes e escandalosos excessos como vemos praticados. Se o clero fosse ilustrado, continua Sampaio, não se profeririam tantos testemunhos falsos que levaram a desgraça e a miséria ao seio de famílias inocentes e pacíficas; se o clero fosse ilustrado, não se atiçaria MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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esse violento e assolador espírito de perseguição, com que os portugueses furiosamente uns aos outros se dilaceraram. Tristes e horrorosas cenas se ofereceram aos nossos olhos e enlutaram o nosso coração, parecendo incrível que fossem promovidas por ministros de um Deus pacífico e seguidores do Evangelho. Para ilustração do clero, doravante aqueles que se pretenderem ordenar nesta diocese devem frequentar a aula de moral que se vai abrir nesta cidade, confiada à regência de um professor que, pelo longo uso deste exercício na corporação a que pertenceu, merece a confiança pública. Também todos os ordinandos serão obrigados a examinar-se em cantochão, que poderão aprender com o mesmo mestre de moral e nenhum será admitido a ordens sem certidão passada pelo dito de onde conste estarem habilitados. Os párocos mandarão aos respectivos arciprestes uma relação de todos os que quiserem frequentar a sobredita aula, para se mandar chamar o mestre em havendo suficiente número de alunos. 21 de Maio de 1839 – Circular do dito Sampaio. Em harmonia com a carta régia de 6 de Março desse ano, manda que todos os párocos lhe enviem uma relação exacta dos egressos residentes em suas freguesias, declarando as corporações a que pertenceram e qualificação dos mesmos relativamente a mérito e comportamento moral. 1 de Junho de 1839 – Circular do mesmo Sampaio. Lembra certas disposições da lei civil relativamente a casamentos, às quais já na sua circular de 25 de Julho de 1838 se referira e que os documentos concernentes a este assunto devem ser passados em papel selado de oitenta réis a folha. Entre 1839 e 1841 devemos colocar uma circular datada de 23 de Janeiro, de que se não podia precisar o ano por estar deteriorado o exemplar que vimos. É do arcediago Sepúlveda, já mencionado. Intitula-se nela governador interino por delegação do vigário capitular e diz ser esta a terceira vez que se vê encarregado do governo da diocese. Diz que a 12 de Novembro do ano passado lhe foi participado o roubo da igreja de S. Mamede de Alimonde, aparecendo no dia seguinte quatro partículas consagradas espalhadas na rua a trinta passos do templo, e que é esta a quarta igreja roubada no bispado em curto espaço de tempo, incluindo a de Santa Maria de Bragança. Manda ao pároco fazer preces públicas em desagravo, devendo todos os presbíteros da diocese, durante quinze dias, dar na missa a oração – Deus qui culpa offenderis, poenitentiam placaris, etc. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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17 de Dezembro de 1842 – Pastoral de José Inácio Guerra, abade de S. Pedro de Penhas Juntas, examinador sinodal e governador do bispado pelo bispo D. José António da Silva Rebelo. Sendo levadas ao conhecimento do prelado repetidas queixas contra alguns párocos e sacerdotes do bispado por não cumprirem com as suas obrigações, manda, em nome do mesmo, que continuem as palestras de moral pela forma costumada, devendo os presidentes tomar nota das faltas para darem conta da continuação e adiantamento de qualquer clérigo, quando se lhe pedir. Os párocos cumprirão à risca com a obrigação da residência, ensinarão a doutrina cristã, farão a catequese pregando o Evangelho, rezarão a coroa ou o terço do rosário de Nossa Senhora, nos domingos e dias santos de guarda, de tarde, ao toque do sino, e farão oração mental. Todos os presbíteros prestarão obediência ao seu respectivo pároco, coadjuvando-o na administração dos sacramentos e assistindo às funções gratuitas da sua igreja procissão dos domingos terceiros, de Nossa Senhora e das Almas – de que tudo os párocos darão conta quando lhe seja pedida a certidão de obediência. Todos os párocos darão providências para que de manhã e à noite, pelo menos, se dê sinal com o sino para a oração angélica, bem como nas sextas-feiras do ano, excepto na semana santa, farão dar cinco badaladas no sino, depois da hora de véspera, a fim de que todos os fiéis rezem cinco Padre Nossos e cinco Avé-Marias com as respectivas Gloria Patri, orando pela exaltação da santa fé católica, paz e concórdia entre os príncipes cristãos e extirpação das heresias, no intuito de ganharem as muitas indulgências concedidas a tal devoção. Recomenda a gravidade e seriedade nos ofícios divinos e celebração da missa, pois tem chegado a fazer-se odiosa aos seculares a pouca devoção com que se praticam tais actos. Manda que se recite o Ofício de defuntos com pausa e pelo competente livro, para evitar qualquer equívoco e distracção, e que todos os padres assistam às missas desses ofícios, pois são parte integrante da função porque recebem esmola. Proíbe tomar-se na sacristia ou igreja refeição alguma debaixo de qualquer pretexto que seja. Todos os párocos farão um mapa dos livros do registo paroquial – casamentos, baptizados, óbitos, capítulos de visita e registo de pastorais – que existem nas suas freguesias e o remeterão à câmara eclesiástica, ficando um duplicado em seu poder. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Quando algum pároco saia da sua freguesia, fará entrega ao sucessor de todos os livros do registo paroquial, que os receberá à vista do mapa supra mencionado, cobrando recibo do estado em que se acham, sob pena de que, não o fazendo assim, ficará responsável por qualquer descaminho, falta ou vício que nos mesmos se encontrar. 24 de Dezembro de 1842 – Pastoral do mesmo Inácio Guerra. É cheia de unção e ternura: abunda em textos sagrados tendentes a radicarem no ânimo dos fiéis a crença católica e a prática da virtude. 23 de Janeiro de 1843 – Aviso do mesmo governador Guerra. Dá conhecimento da régia resolução de 8 de Outubro próximo pretérito já por ele noticiada em data de 20 do mesmo mês. Em conformidade com essa resolução, os párocos sabendo ou constando-lhe que algum eclesiástico prega ou ensina doutrinas subversivas, opostas à Igreja ou prerrogativas da coroa, lho participem imediatamente para se punirem os delinquentes. 4 de Março de 1844 – Circular do bispo D. José António da Silva Rebelo, dada no lugar de Meles. Recomenda a guarda dos domingos e dias santificados; lamenta que os capelães não façam com o povo, antes de começar a missa, os actos de fé, esperança e caridade, como são obrigados, debaixo de pecado mortal, como manda Bento XIV, e não ensinem a doutrina cristã como seus antecessores preceituaram. Encarrega os párocos de vigiarem sobre o cumprimento destas obrigações tocantes aos capelães. 27 de Dezembro de 1844 – Circular do doutor Manuel Martins Manso (391), chantre na Sé de Bragança e governador do bispado pelo bispo D. José António da Silva Rebelo. Contém reflexões morais sobre a bula – Quum ex Apostolici Nostri Ministerii, de Gregório XVI, de 14 de Junho de 1844, relativa à supressão dos dias santos. 25 de Julho de 1846 – Carta do doutor Manuel Martins Manso, chantre na Sé de Bragança, governador e provisor pelo bispo José António da Silva Rebelo. Aconselha ao povo a paz e a concórdia. 8 de Janeiro de 1847 – Carta do dito chantre Manso. Intitula-se vigário capitular e governador pelo cabido sede episcopale vacante. Faz a sua apresentação no novo cargo eleito. É um 4.º de sete pág., impresso na tipografia de Bragança.

(391) Bacharel formado em Cânones pela Universidade de Coimbra. Tomou posse do chantrado em 15 de Maio de 1825. Nasceu na Bemposta, desta diocese, a 21 de Novembro de 1793. Foi nomeado bispo do Funchal em 1848 e da Guarda em 1858, onde morreu a 1 de Dezembro de 1878.

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28 de Março de 1847 – Aviso do mesmo, declarando que em virtude do poder concedido pela Santa Sé aos bispos e ordinários, dispensa por dez anos os párocos da aplicação das missas pro populo nos dias santos suprimidos. Ver o Aviso de 1 Dezembro de 1855. 23 de Agosto de 1847 – Pastoral do mesmo, anunciando o jubileu concedido pelo Papa Pio IX. É um 4.º de seis pág., impresso na tipografia de Bragança. 8 de Fevereiro de 1848 – Pastoral do mesmo, impressa na tipografia de Bragança (4.º de sete pág.). Diz que ao conhecimento da rainha têm chegado diversas participações, nas quais se fazem gravíssimas censuras ao comportamento dos párocos desta diocese: a uns pela falta de compostura e honestidade em seus costumes; a outros pelo não cumprimento das suas obrigações, principalmente pregação e ensino da doutrina cristã, e outros finalmente por desacreditarem as autoridades públicas com berratas políticas, factos de que a rainha lhe manda sindicar. Mas ele confessa que a maior parte dos párocos desta diocese não merece tal censura, antes os considera dignos de louvor e recomendáveis pelo seu saber, conduta e zelo cristão. Manda, pois, que os párocos e todo o sacerdote que celebrar a missa de alva ou servir de capelão em alguma igreja seja obrigado a ensinar a doutrina cristã, fazer o catecismo ou explicar o Evangelho, como já em diversas pastorais e capítulos de visita tem sido preceituado. Mais diz que ainda se não pode levar a efeito a justa lei da organização dos seminários e que as conferências morais estabelecidas neste bispado, como suprimento das aulas, têm sofrido notável relaxação. 2 de Março de 1849 – Aviso do mesmo, dando conhecimento da resolução tomada pela Nunciatura Apostólica de que não serão concedidas dispensas matrimoniais gratuitas sem que os pedidos sejam feitos pelos prelados aos quais os párocos devem dirigir os respectivos documentos. Esta nova resolução da Nunciatura era motivada pelo acréscimo considerável de dispensas naquelas condições fundamentadas no escândalo público, nímia pobreza e miséria dos impetrantes. 14 de Maio de 1849 – Circular do mesmo que continuava ainda como governador do bispado sede vacante. Exorta os fiéis a concorrerem com esmolas para a comissão de subsídios organizada em Lisboa a favor do Papa Pio IX.

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D. Joaquim Pereira Ferraz 18 de Fevereiro de 1850 – Pastoral do bispo de Bragança e Miranda D. Joaquim Pereira Ferraz. Foi dada em Bragança. É um 4.º grande de dezasseis pág., impresso na Imprensa da Universidade de Coimbra. É a da sua apresentação e nomeação de bispo desta diocese. 2 de Setembro de 1850 – Circular do mesmo bispo. Lamenta o abuso do trabalho nos domingos e dias santos e diz que a seu pedido o governador civil fez expedir aos administradores do concelho circulares afim de serem punidos os que com o seu trabalho nesses dias causassem escândalo. Aconselha aos párocos os meios suasórios para obviar a tais inconvenientes, porém quando algum paroquiano indócil continue a trabalhar e a autoridade administrativa não faça caso, então lho participem a ele bispo para o levar ao conhecimento da autoridade superior. 2 de Outubro de 1850 – Pastoral do mesmo bispo. Regulariza o formulário do registo paroquial em harmonia com as Constituições do bispado e ritual romano. É quase idêntica à do decreto de 2 de Abril de 1862. Manda apresentar os livros do registo paroquial ao provisor para os rubricar e diz que será inexorável para os que não cumprirem com exactidão as obrigações referentes a tal ramo do serviço paroquial. 15 de Novembro de 1850 – Carta-pastoral do mesmo bispo datada e impressa em Bragança (8.º de três pág.) Manda abolir o costume existente na diocese de administrar o baptismo solene por três imersões, substituindo-lhe o de efusão. 31 de Janeiro de 1851 – Pastoral do mesmo bispo. Faz a apoteose das conferências morais, vulgarmente chamadas Palestras, fecundo recurso para promover a instrução do clero, instituição de edificação para os fiéis, que assim vêem seus pastores ocupados no seu aperfeiçoamento, meio de moralização para o mesmo que nestas reuniões deve receber lições vivas dos presidentes das mesmas e eclesiásticos mais respeitáveis ali reunidos, sendo finalmente as ditas em tudo conformes com o espírito do Evangelho uma necessidade indispensável neste bispado onde tão pequenos são e têm sido os recursos de instrução para o clero. Lamenta o abandono em que as Palestras caíram em grande parte do bispado, recorrendo alguns presidentes ao uso de termos ambíguos para encobrirem as faltas dos obrigados a elas. Por isso determina: Artigo 1.º – Continuam em todo o vigor as conferências, devendo ter lugar ao menos uma vez cada semana no local e hora determinada pelo presidente de combinação com o clero do círculo e durarão duas horas. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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§ 1.º – São objecto destas conferências todas as matérias morais, sacramentos e ritos e obrigados a elas todos os clérigos de ordens sacras. Artigo 2.º – Os presidentes dos círculos terão um caderno onde estarão escritos os nomes dos padres obrigados às conferências, lançando-se nele as faltas que derem e os dias em que estas tiveram lugar. Artigo 3.º – Todos os anos pelo mês de Maio o presidente mandará uma relação ao prelado do número de conferências havidas, pessoas que as frequentaram, faltas que deram e justificação delas. Artigo 4.º – Não concederá jurisdição alguma, nem proverá em igreja ou benefício, nem conferirá ordens sem que os pretendentes juntem aos outros documentos, certidão de frequência da conferência por onde conste haverem dado nela menos de seis faltas ou justifiquem as excedentes por documentos de moléstia ou legítimo impedimento. Artigo 5.º – As certidões serão passadas debaixo de juramento em termos claros e explícitos mencionando por extenso o número de faltas. Artigo 6.º – Os presidentes que usarem de equívocos ou restrições ou passarem as certidões de algum modo menos exacto incorrerão no nosso desagrado, sendo considerados como falsários e perjuros. Artigo 7.º – Teremos na maior consideração os bons serviços que a este respeito forem feitos pelos presidentes e os remuneraremos logo que se ofereça ocasião oportuna. 28 de Fevereiro de 1851 – Aviso do mesmo bispo declarando que obteve, como pediu, da Nunciatura Apostólica e a dispensa do preceito de abstinência de ovos, lacticínios, temperos de unto e manteiga de porco no corrente ano, que ficará sem efeito caso durante ele se publique a bula da cruzada. 26 de Março de 1851 – Exortação do mesmo bispo, impressa em Bragança (fólio de três pág.). Explana a Carta Encíclica do Papa Pio IX sobre a extensão do jubileu universal e modo de se ganhar a indulgência. 8 de Outubro de 1851 – Circular do mesmo bispo. Diz que nesta diocese não tem havido um curso regular de estudos eclesiásticos, e não acha justo que, sendo os presbíteros obrigados a repetidos exames, deles sejam dispensados os párocos amovíveis. Por isso preceitua: 1.º – Daqui em diante ninguém se dará como habilitado para pregar e confessar sem ser examinado em mesa episcopal. Serão matérias do exame de confessor os tratados da penitência e matrimónio, além de todas as matérias morais e casos reservados na forma do nosso edital de 8 de Julho de 1850. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Será matéria do exame de pregador a oratória sagrada, a teologia dogmática, os sacramentos e ideias gerais sobre a Bíblia. 2.º – Ninguém será provido depois do S. João de 1852 em benefício algum curado por encomendação temporária, sem que igualmente tenha feito exame de habilitação em mesa episcopal, sendo julgado nela ao menos sofrível para o ministério paroquial. Será objecto deste exame os direitos e obrigações paroquiais, alguns princípios de dogma católico e todas as matérias de moral e sacramentos. 3.º – Serão obrigados ao mesmo exame todos os actuais coadjutores que pretenderem nova carta no S. João de 1852. Para esse fim devem apresentar os requerimentos na câmara eclesiástica até ao último dia de Março do ano próximo futuro, ficando-se entendendo, do contrário, que não pretendem ser empregados no ano seguinte. Os exames começarão em 19 de Abril. O juízo que fizerem os examinadores será lançado nos requerimentos pela seguinte maneira: insuficiente, sofrível, suficiente, bom e muito bom. Se o examinando não conseguir no primeiro exame uma classificação satisfatória, poderá fazer segundo, uma vez que tenha mediado o espaço de três meses. 4.º – Uma classificação alta e distinta em conhecimentos literários será para todo o eclesiástico que a apresentar um documento de recomendação em todas as suas pretensões e de preferência, quando concorra com outro que a tenha inferior, uma vez que estejam em igualdade de circunstâncias enquanto às outras habilitações necessárias ao clero. Depois, por edital de 28 de Março de 1852, diz o mesmo bispo que em razão da sua moléstia não pôde presidir aos exames, como desejava, e como por outro lado a pastoral respeitante a este assunto correu muito vagarosamente a ponto de só muito tarde alguns presbíteros dela terem conhecimento, não tendo, por isso, tempo para se prepararem para o exame, declara que só em 11 de Abril de 1853 começarão os exames. 12 de Março de 1851 – Pastoral manuscrita do bispo D. Joaquim Pereira Ferraz, dada em Bragança. Impõe aos párocos, debaixo da pena de suspensão, que não admitam a celebrar nem a funcionar em actos alguns religiosos eclesiásticos sem estarem vestidos de batina, cabeção, volta e coroa aberta, tudo decente, e que no caso de observarem algum escândalo ou porque celebrem em menos tempo do que o necessário, faltando à decência, gravidade e devoção, ou porque não estejam com a seriedade e respeito devidos ou desamparem as funções eclesiásticas antes de findarem inteiramente, lho participem imediatamente. Ordena MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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também, debaixo da mesma pena, que não admitam seculares nas funções eclesiásticas e que os licenciados assistam somente na falta dos padres, pois é para suprir a falta destes e não para competirem com eles que se lhes concedem as licenças. Proíbe também debaixo da mesma pena, como já fizeram os seus antecessores, que os padres comam e bebam na sacristia. 26 de Março de 1851 – Exortação-pastoral do bispo Ferraz impressa em Bragança (fólio de três pág.) Trata da indulgência plenária concedida pelo Papa a 25 de Julho de 1850. Foi dada em Bragança. 25 de Fevereiro de 1852 – Pastoral do mesmo bispo, dada em Bragança. Anuncia a concessão da bula da cruzada de que havia muitos anos estávamos privados. Manda aos párocos que afixem o edital do comissário que acompanha as bulas e a tabela na porta da sacristia, onde estarão permanentemente, depois de tudo lido conjuntamente com uma bula de defuntos, um escrito de jubileu e um sumário à estação da missa conventual. In-fólio de duas pág., impresso em Bragança. Manda que haja nas igrejas paroquiais uma caixa com duas chaves: uma sob a guarda do pároco e outra do regedor, para as esmolas da bula e comutação de votos. As ditas caixas terão o letreiro Caixa da Bula e serão abertas na presença do regedor e pároco no primeiro dia de Maio e perante duas testemunhas se lavrará auto do que nelas for encontrado. Estas quantias e o produto das bulas serão entregues de 1 a 8 de Maio na Administração do Tabaco, que ficar mais próxima. Porém, no concelho de Bragança far-se-á essa entrega a ele bispo. 22 de Maio de 1852 – Aviso do mesmo bispo Ferraz. Diz que, precisando para tratar de sua saúde ausentar-se da diocese, nomeia para governador do bispado o bacharel formado em direito João Pereira Botelho de Amaral e Pimentel, chantre na Sé catedral de Bragança, provisor e vigário geral (392). O Diário do Governo de 15 de Dezembro de 1849 menciona este bacharel com a classificação de accessit no quinto ano de direito. 20 de Dezembro de 1852 – Exortação-circular do governador Amaral e Pimentel. Lamenta a falta de harmonia, caridade e união entre o clero da diocese, diz que se ouvem frequentemente aos párocos amargas queixas

(392) Era natural da vila de Oleiros, distrito de Castelo Branco. Nasceu a 21 de Julho do 1815 e morreu sendo bispo do Funchal. Deixou impressas várias obras e tinha o diploma de «associado provincial» da Academia Real das Ciências de Lisboa. Havia tomado posse da cadeira de chantre a 31 de Dezembro de 1850.

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dos eclesiásticos seus paroquianos, que os não respeitam nem coadjuvam no ministério paroquial em tudo o que são funções gratuitas, ou logo que fora da sua freguesia lhes oferecem algum lucro mais; que celebram o sacrifício da missa nos dias santificados a horas incompetentes, sem cumprirem com a obrigação de instruírem devidamente as pessoas que deste modo afastam da missa a instrução paroquial; que alguns casos se têm dado de se reunirem eclesiásticos a celebrar ofícios divinos sem a assistência dos respectivos párocos que muitos eclesiásticos fomentam vil e arteiramente a indisposição dos povos contra seus párocos e os caluniam perante o ordinário com o ambicioso fim de os substituir; que outros, faltos de educação, de dignidade e pundonor, esquecidos da sua sublime missão, se expõem ao desprezo e escárnio públicos, entregando-se a serviços, ocupações e misteres servis e baixos alheios inteiramente, ou antes opostos à sua alta dignidade, não sendo difícil encontrar eclesiásticos por feiras negociando e traficando, e até mesmo nas ruas desta cidade de um modo que ninguém os reconheceria como tais se aliás os não conhecesse! E não pára aqui ainda a indignidade de alguns, mas chega a tanto a sua indecência e abjecção que não duvidam conduzir... mas não me atrevo a dizê-lo!... (393) que os eclesiásticos entregues à lavoura e a outros misteres que lhes são impróprios, vestem muitas vezes com tal desalinho e pobreza que provocam o desprezo, e que outros se apresentam sem insígnia alguma eclesiástica. Clama contra os padres por não oporem tenaz barreira às crendices supersticiosas e o desleixo em frequentarem as conferências morais. Tendente a obviar a estes males, formula o autor da pastoral um código de preceitos compendiado em treze artigos muito importantes por ainda hoje terem inteira aplicação, pois são baseados nos cânones da Igreja. Todos os párocos devem fazer a sua leitura. É um in-fólio de quatro pág., impresso no Porto. Foi também transcrita no Christiano, jornal da mesma cidade, e, posteriormente, na Voz da Verdade, de Ponta Delgada. Porque esses artigos compendiam leis da Igreja em vigor, aqui os damos na integra com as respectivas notas, conforme se encontram na Exortação-circular: Artigo 1.º – Todos os eclesiásticos são obrigados a respeitar como seus imediatos superiores aos respectivos reverendos párocos de suas fregue(393) Quer dizer que havia alguns padres que conduziam aos postos hípicos as suas éguas de criação.

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sias e a ajudá-los em tudo o que respeita ao culto divino e administração de sacramentos, e especificamente nos objectos seguintes (394): 1.º – São obrigados a assistir de sobrepeliz e a ajudar seus reverendos párocos nas procissões dos domingos terceiros, das almas, em quaisquer outras procissões públicas e a acompanhar da mesma sorte o santíssimo Viático aos enfermos. 2.º – A assistir e ajudar de sobrepeliz a todas as ladainhas, preces públicas e funções eclesiásticas da freguesia, e particularmente à semana santa. 3.º – A ajudar os mesmos reverendos párocos no ensino da doutrina cristã, e os reverendos confessores são igualmente obrigados a ajudar no tribunal da penitência, principalmente no santo tempo da quaresma (395). § único – Não é permitido a nenhum eclesiástico o deixar as funções da sua freguesia a título de ir às de outra, onde receba alguma remuneração, ou maior que na sua. Artigo 2.º – Sendo em regra os fiéis obrigados a assistir à missa conventual de seus respectivos párocos (396), os reverendos presbíteros e capelães de cada paróquia não deverão celebrar o santo sacrifício da missa nos dias santificados em ocasião ou de modo que distraiam os fiéis da missa conventual; e por isso se deverão conduzir a este respeito de combinação com os mesmos reverendos párocos (397). § único – Todos os reverendos capelães e mais presbíteros, cujas missas forem concorridas nos domingos e dias santos e principalmente fora da cabeça da freguesia, são obrigados imediatamente, antes ou depois da missa, a ensinarem doutrina cristã, a fazerem actos de fé, esperança, caridade e contrição e a anunciarem os dias santos e de jejum dessa semana (398). Artigo 3.º – É inteiramente proibido celebrar missas cantadas ou fazer quaisquer funções eclesiásticas públicas em igrejas ou capelas particulares sem a assistência, ou ao menos licença dos respectivos reverendos párocos (399). § 1.º – Exceptuam-se as irmandades e confrarias, legitimamente instituídas e que tiverem capelão aprovado, além das casas religiosas porque a (394) Tridentino, sessão 23.ª, Can. 11 do reformat. e Can. 16 o 18 codem. (395) Bula Etsi minime de Benedicto XIV, de 7 de Fevereiro de 1741, § 6.º. (396) Tridentino, sessão 22.ª, Decreto de observ. in celebr. Miss. e Sess. 24.ª, Can. 4 de reformat. (397) Bula Etsi minime…, §§ 14 e 15. (398) Ibidem, §§ 14 e 18. (399) Resolução da Sagrada Congregação do Concílio de 7 de Maio de 1749 e de 14 de Março de 1750.

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todas estas é permitido fazerem as suas funções dentro dos seus templos, independentemente dos respectivos reverendos párocos (400). § 2.º – A licença exigida no presente artigo pode ser substituída por um despacho do Ordinário, com o competente «visto» do reverendo pároco. Artigo 4.º – Todo o eclesiástico que constar fomenta a indisposição dos povos ou maquina contra seu reverendo pároco com o fim de o substituir no ministério paroquial, ficará por esse único facto inibido de o poder substituir, ainda sendo verdadeira a acusação, e será punido segundo as circunstâncias. Artigo 5.º – Nenhum presbítero poderá celebrar o santo sacríficio da missa, confessar ou exercer quaisquer jurisdições, sem que tenha apresentado os seus papéis ao respectivo reverendo pároco, o qual lhe porá por baixo do despacho de jurisdição a palavra «visto» com a sua rubrica (401). Artigo 6.º – É proibido a todo o eclesiástico de ordens sacras o apresentar-se em jornadas ou em feiras com vestidos impróprios do seu carácter, de cajado na mão e fazendo de negociante e traficante. Artigo 7.º – É-lhes inteiramente proibido assistir a paradas de quaisquer crias, ainda mesmo próprias. Artigo 8.º – É igualmente proibido a todo o clérigo de ordens sacras o andar vestido inteiramente a secular, sem trazer ao menos cabeção, o trajar vestidos que não sejam pretos ou muito escuros, que sejam imundos ou rotos, e que por seu formato, feitio ou qualidade sejam indecentes e impróprios da dignidade eclesiástica (402). § 1.º – É inteiramente proibido usar de outros vestidos, que não sejam talares e decentes nas funções eclesiásticas, nos actos solenes públicos e na presença do ordinário. § 2.º – É igualmente proibido a todo o eclesiástico usar nos vestidos de distinções próprias de dignidades que não tenham (403). Artigo 9.º – É proibido a todo o eclesiástico deste bispado fazer quaisquer bênçãos, exorcismos e esconjuros os quais para se fazerem carecem de faculdade especial, segundo o ritual romano; e até mesmo a leitura de

(400) Decreto da Sagrada Congregação dos Ritos de 10 de Dezembro de 1703, aprovado por Clemente XI em 12 de Janeiro de 1704. (401) Tridentino, sessão 22.ª, Decreto de observat. in-celebr. miss. (402) Tridentino, sessão 14.ª, Can. 6 de reformat. (403) Constituição porque se governa este bispado, livro III, título I, Const. 2.ª.

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Evangelhos sem licença expressa, e por escrito do ordinário com o competente visto do respectivo reverendo pároco (404). § 1.º – As licenças para exorcizar ou abençoar mulheres serão sempre exercidas em igreja ou capela pública e com a porta aberta (405). § 2.º – Estando a mulher impossibilitada de sair de casa, isto mesmo se deverá declarar na súplica para se conceder uma licença especial de se poder fazer a bênção ou exorcismos em casa; e neste caso será sempre na presença de um familiar, ou de outra mulher. § 3.º – As licenças concedidas para algum daqueles fins entendem-se dadas para uma só vez, excepto quando no requerimento se pedir para mais e no despacho se conceder. § 4.º – É proibido fazer quaisquer ajustes ou receber paga alguma por fazer bênçãos, exorcismos, esconjuros, ou ler Evangelhos (406). § 5.º – Não se podem fazer outras bênçãos, exorcimos e esconjuros que não venham no missal e ritual romano. § 6.º – Ficam cassadas todas e quaisquer licenças perpétuas ou temporárias, concedidas a este respeito até à promulgação do presente regulamento. Artigo 10.º – É suscitada e recomendada com toda a eficácia a religiosa execução do regulamento de 31 de Janeiro de 1851 sobre o importante objecto das conferências morais. Artigo 11.º – É igualmente suscitada a religiosa observância da pastoral de 12 de Março de 1851, principalmente no que diz respeito à exclusão das funções eclesiásticas dos seculares que não estiverem nas circunstâncias da mesma pastoral, com o seguinte aditamento: § único – São também cassadas as licenças concedidas a seculares para assistirem às funções eclesiásticas quando não tiverem algum conhecimento do latim e se não destinarem ao estado eclesiástico. Artigo 12.º – Os muito reverendos párocos são encarregados em virtude da santa obediência e debaixo de culpa grave, a fiscalizarem o exacto cumprimento deste regulamento, sendo obrigados a dar conta de quaisquer transgressões. Artigo 13.º – Todos os eclesiásticos são obrigados a ajuntar à certidão de frequência de palestras outra de seu reverendo pároco, pela qual mostrem que têm cumprido as disposições do presente regulamento, sem o

(404) Bit. Const., liv. V, título III, Const. 3.ª. (405) Ritual romano, Rubri. “de exorcis. ademon”. (406) Ibidem.

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que não serão admitidos a ordens nem lhes serão conferidas jurisdições algumas. 5 de Fevereiro de 1853 – Pastoral de João Pereira Botelho de Amaral e Pimentel, bacharel formado em direito, chantre na Sé de Bragança, governador, provisor e vigário geral da mesma diocese pelo bispo D. Joaquim Pereira Ferraz. Diz que graças às esmolas da bula do ano anterior já se reformou de modo possível o Seminário episcopal e nele se abriu uma aula de teologia moral e sacramentos. 8 de Abril de 1853 – Pastoral do bispo D. Joaquim Pereira Ferraz dada em Barcelos e assina «José Bispo de Bragança e Miranda e confirmado de Leiria». É impressa em duas páginas de 4.º sem lugar de impressão. Despede-se dos diocesanos e diz que foi o não lograr saúde no clima de Bragança que o levou a aceitar a transferência. 10 de Maio de 1853 – Pastoral de João Pereira Botelho de Amaral e Pimentel. Anuncia a sua elevação à dignidade de vigário capitular pelo cabido que foi recebida com grande júbilo por grande parte do clero e pessoas de consideração pelo que se julga feliz. É um 4.º de quatro páginas sem indicar o lugar de impressão. 12 de Agosto de 1853 – Pastoral do vigário capitular sede vacante João Pereira Botelho. Fala horrorizado num homicídio, talvez cometido em Rebordãos ou na Sarzeda, pois ao pároco dessa freguesia manda fazer preces públicas devendo os mais da diocese só ler esta pastoral. Diz que o crime foi cometido em circunstâncias graves, parecendo deduzir-se que foi um fratricídio. In-fólio de uma página sem designação de tipografia. 2 de Setembro de 1853 – Pastoral do vigário capitular Amaral e Pimentel pelo cabido sede vacante. Diz que os ladrões das alfaias sagradas incorrem em excomunhão ipso facto reservada ao Papa que quando nas igrejas suceda qualquer facto destes os párocos ordenarão logo preces públicas por três dias, com jejum nos mesmos tendo havido desacato e não o havendo as preces se farão por uma só vez sem jejum; que os párocos dêem logo parte circunstanciada do sucedido ao ordinário e que haja nos sacrários vasos de metal dourado ou de pau dourado por fora e por dentro ou até de vidro com cobertura igualmente de vidro. In-fólio de três pág. inumeradas, impresso na tipografia de Francisco Pereira de Azevedo, do Porto. Ver a de 22 de Abril de 1888. 6 de Setembro de 1853 – Pastoral do mesmo vigário capitular Amaral e Pimentel sede vacante. Diz constar-lhe que alguns padres andam a propalar que têm grandes protecções para requererem igrejas em concurso, desanimando com isso os outros, dando mesmo a entender que não é estranho MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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a isso ele vigário capitular. Diz que venham sem receio que se há-de fazer justiça. É um 8.º de três pág., impresso na tipografia de Bragança. 1853 – Sentença que declara nulo o matrimónio celebrado entre António José Pimentel e D. Maria Bernarda da Costa, do lugar de Rebordelo. É um 4.º de vinte pág., impresso na referida tipografia em 1853. Análise do acórdão da relação eclesiástica de Braga, de 8 de Abril de 1854, que revoga a sentença de 8 de Março de 1853, proferida pelo governador do bispado de Bragança, pela qual se declara nulo o matrimónio contraído entre António José Pimentel e D. Maria Bernarda da Costa, de Rebordelo. É um 4.º de dezasseis pág., impresso em Braga em 1854. A este respeito veja-se também o seguinte: Acórdão da secção pontifícia erecta na metrópole bracarense, em que se declara nulo o matrimónio de D. Maria Bernarda da Costa com António José Pimentel, do bispado de Bragança. É um 8.º de quinze pág., impresso em Braga em 1859. A Senhora da Serra – Canção que à mesma Senhora, com a respectiva música para se cantar em seu louvor, oferece um seu favorecido devoto. É um 8.º de dezasseis pág., impresso na tipografia de Bragança em 1854. Convite para a Associação da Propagação da Fé, datado de 1852. Foi publicado no Cristianismo, jornal do Porto, n.º 4, de 1852. 8 de Novembro de 1853 – Instrução-pastoral do mesmo. In-fólio de uma pág. impresso na tipografia de F. de Azevedo, do Porto. Recomenda o Catecismo de Perseverança. 2 de Janeiro de 1854 – Carta-pastoral do mesmo Amaral e Pimentel. In-fólio de quatro pág. inumeradas, impresso na tipografia de Bragança. Trata da bula da cruzada muitíssimo bem. 28 de Março de 1854 – Carta-pastoral do mesmo Amaral e Pimentel. É um 4.º de três pág., impresso na tipografia de Bragança. Diz que a horrível peste há tempos que nos está batendo à porta, não nos tendo porém ainda atingido, e ordena preces públicas para conjurar este flagelo. 4 de Junho de 1854 – Carta-pastoral do mesmo Amaral e Pimentel. É um 4.º de quatro pág. Despede-se dos diocesanos com estranhável amor e carinho, agradecendo a todos as deferências com que o trataram e dá a entender que tenciona sair da diocese. Nesta mesma vem incluída uma procuração de D. José Manuel de Lemos, bispo confirmado de Bragança, dada em Coimbra a 25 de Maio de 1854, pela qual manda tomar posse do bispado, em seu nome, o dito Amaral, a quem nomeia governador do bispado.

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D. José Manuel de Lemos 24 de Julho de 1854 – Exortação-pastoral do bispo D. José Manuel de Lemos. É um 4.º de doze pág., impresso na Imprensa da Universidade de Coimbra. É a da sua apresentação aos diocesanos, e deduz-se dela que era lente da Universidade e cónego da Sé na mesma cidade. Manda que os párocos nos domingos e dias santos ensinem a doutrina cristã pelo menos uma hora, e refere-se elogiosamente às eminentes qualidades do seu antecessor no bispado (D. Joaquim Pereira Ferraz), difíceis de serem imitadas e nunca igualadas. 7 de Novembro de 1854 – Circular do bispo D. José Manuel de Lemos, dada em Bragança. In-fólio de uma pág. Dá conhecimento das letras apostólicas de Pio IX de 1 de Agosto desse ano que concedem um jubileu e indulgência. 2 de Janeiro de 1854 – Circular do mesmo bispo Lemos, datada de Bragança. In-fólio de duas pág. inumeradas, sem lugar de impressão. Recomenda e dá instruções sobre a bula da cruzada. Diz que das esmolas desta foi aplicada nesse ano a quantia de 1 200$000 réis com que se está dando instrução no Seminário a mais de quarenta alunos e que neste estabelecimento se vão fazer reparos de necessidade até onde a verba o consentir. 1 de Março de 1855 – Circular de José Luís Alves Feijó, governador do bispado. In-folio de duas pág., sem lugar de impressão. Anuncia a dispensa do preceito de abstinência na quaresma daquele ano em razão de esterilidade e fome que impendiam sobre a diocese e reino. Vê-se por ela que o prelado estava ausente. 18 de Abril de 1855 – Pastoral de José Luís Alves Feijó, bacharel formado em direito e governador do bispado. In-fólio de quatro pág. inumeradas, sem lugar de impressão. Anuncia a definição do dogma da Imaculada Conceição da Virgem Maria. 21 de Novembro de 1855 – Aviso do dito governador Feijó anunciando haver recebido do bispo Lemos uma circular sobre a cólera que então grassava em Portugal. Manda que os párocos façam preces públicas ad evitandum contagium; autoriza-os a benzerem qualquer porção de terreno julgado competente para estabelecer cemitérios, e declara que devem levar o Viático aos enfermos em relicários, evitando o toque de sinos para não aterrar a gente. 1 de Dezembro de 1855 – Edital do bispo D. José Manuel de Lemos comunicando que ficam dispensados os párocos da aplicação da missa pro populo nos dias santos abolidos por espaço de dez anos pela forma e MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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teor que foram dispensados nos primeiros dez na circular de 28 de Março de 1847. In-fólio de uma pág., sem lugar de impressão. 1 de Dezembro de 1855 – Edital do bispo Lemos, dado em Bragança. Declara que o Papa suprimiu os dias de jejum e abstinência nas vigílias dos dias santos abolidos, transferindo o preceito do jejum para as sextasfeiras e sábados do Advento, por decreto de 14 de Junho de 1844. In-fólio de uma pág., sem lugar de impressão. 2 de Janeiro de 1856 – Pastoral do mesmo bispo dada em Bragança. In-fólio de duas pág. inumeradas, sem lugar de impressão. Trata da bula da cruzada e diz que o subsídio concedido por esta ao Seminário no ano lectivo de 1854-1855 foi de 1 200$000 réis, sendo já no de 1855-1856 elevado a 1 500$000 réis, como consta da portaria de 10 de Dezembro último, publicada no Diário do Governo n.º 294; por isso o Seminário é frequentado por quarenta e seis alunos que cursam duas aulas de disciplinas eclesiásticas, moral e direito canónico, bem como cantochão, ritos, etc., e que no ano anterior se dera naquele estabelecimento instrução a quarenta e quatro alunos e nele se fizeram alguns reparos nos quais se ia continuando ainda. Traz o regulamento relativo à distribuição e mais negócios respeitantes à bula. 8 de Janeiro de 1856 – Circular do mesmo bispo. É um 4.º de uma página. Dá conhecimento de algumas leis civis que impõem obrigações aos párocos. 10 de Janeiro de 1856 – Circular do mesmo bispo. In-fólio de uma página. Dá conhecimento da dispensa de abstinência de carnes na quaresma daquele ano, em razão da carestia dos alimentos. 81 de Agosto de 1856 – Circular de José Luís Alves Feijó, governador do bispado. No intuito de obviar às queixas dos párocos pelo abuso de em algumas capelas os administradores delas não quererem que aqueles tenham ali inspecção, determina o seguinte. 1.º – Nenhum sacerdote poderá celebrar nem administrar os Sacramentos da penitência e eucaristia em qualquer capela ou oratório deste bispado sem que primeiro o pároco respectivo tenha conhecimento da habilitação da capela ou oratório e dos eclesiásticos que ali prestam culto, rubricando as licenças que respeitam tanto à capela ou oratório como aos eclesiásticos. No caso de haver novo pároco terá de repetir-se a rubrica por ele; 2.º – Os directores ou administradores das capelas ou oratórios porão todo o zelo e cuidado em procurar o acordo dos párocos para o exercício do culto nas capelas ou oratórios para bem do público; e os eclesiásticos, MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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antes de se prestarem ao mesmo exercício, indagarão se se procura aquele acórdão, sob pena de suspensão; 3.º – Os párocos usarão de muita prudência e da inspecção que nesta parte o direito lhe confere, para virem ao acordo de que trata o artigo antecedente, procurando evitar um mau resultado desta providência. 4.º – Nos dias de obrigação de missa, se a conventual for a hora mais tarde, a das capelas ou oratórios será às horas de maior conveniência para os fiéis, devendo sempre preceder toque de sino e mediar pelo menos o espaço de duas horas; 5.º – O capelão que disser missa nas capelas ou oratórios nunca o fará sem recitar os actos de fé, esperança e caridade, contrição e atrição em voz bem clara, de modo que o povo o possa acompanhar na recitação e dele os aprender se os não souber, e havendo tempo fazer-lhe-ia uma homília concernente ao Evangelho do dia. No caso de não poder o pároco, por impedimento físico ou moral, dizer missa conventual na paróquia, o capelão da capela pública procurará que à da sua capela assista o maior número possível de fiéis. Manda também fazer preces públicas para que Deus afaste a peste da cólera morbus que está fazendo grandes estragos na capital e em algumas províncias do reino. É um 4.º de uma página. 30 de Outubro de 1856 – Exortação-pastoral de José Luís Alves Feijó, vigário capitular sede vacante. Diz que, sendo transferido o bispo Lemos para Viseu, foi ele eleito vigário capitular, e por isso, ao passo que comunica a sua eleição, exorta-os à prática da virtude. In-fólio de duas pág., sem lugar de impressão. 1 de Dezembro de 1856 – Circular do mesmo Feijó, bacharel formado em direito, tesoureiro-mor da Sé e vigário capitular sede vacante. Publica a bula da cruzada. 3 de Fevereiro de 1857 – Circular do mesmo vigário capitular sede vacante, sobre a bula da cruzada e dispensa da carne. D. João de Aguiar 2 de Fevereiro de 1858 – Pastoral do bispo D. João de Aguiar dada em Bragança. Parece ser a da sua entrada na diocese. É um 8.º de cinco pág., sem designação de tipografia. 31 de Agosto de 1858 – Circular do doutor José Luís Alves Feijó, tesoureiro-mor da Sé catedral e governador por S. Ex.ª o sr. bispo. Diz que o Santo Padre Pio IX, pela Encíclica de 3 de Maio do ano corrente, ordenou MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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que nos dias santos suprimidos se aplicasse ainda assim a missa pro populo exceptuando o caso de o ofício divino haver sido transferido com a solenidade para a dominga seguinte, pois sendo a missa considerada parte principal do ofício divino, deve julgar-se transferida com ele. Absolve todos os que até então por erro de inteligência tenham deixado de aplicar a missa pro populo nos dias santos suprimidos. 30 de Novembro de 1858 – Circular do doutor José Luís Alves Feijó, governador do bispado, sobre a bula da cruzada. Manda que os párocos dêem contas ao tesoureiro da bula dos sumários distribuídos por todo o mês de Maio. Diz que a publicação solene dela se fará na Sé catedral na terceira dominga do Advento com sermão, bem como em todas as cabeças de concelho, e que já por oito vezes em circulares ou pastorais falou sobre o assunto da bula. In-fólio de três pág. inumeradas, sem lugar de impressão. 7 de Fevereiro de 1860 – Circular do mesmo, sobre o jejum e dispensa de carnes na Quaresma. Diz que vai partir para Lisboa e agradece aos que o felicitaram pela sua eleição para deputado. In-fólio de uma pág., sem lugar de impressão. 29 de Dezembro de 1860 – Aviso do governador do bispado João José Martins sobre a publicação da bula. 29 de Novembro de 1863 – Aviso do doutor Sebastião Luís Martins, governador do bispado (407), no qual dá conhecimento da indulgência plenária concedida por Pio IX em Roma a 11 de Abril do mesmo ano e diz que foi há poucos dias encarregado do governo da diocese. 21 de Agosto de 1865 – Pastoral do presidente e vogais da Junta Governativa do bispado de Bragança, por S. Ex.ª rev.ma o sr. D. João de Aguiar. O presidente dessa Junta era António Joaquim de Oliveira Mós e os vogais Sebastião Luís Martins, José Maria Pereira Lopo, António da Cruz e Sousa e Manuel António Pires (408); trata do jubileu concedido pelo Sumo (407) Bacharel formado em direito pela Universidade de Coimbra, abade da Bemposta, cuja freguesia deixou para ir tomar conta de uma cadeira de cónego na Sé de Bragança; chantre na mesma por decreto de 18 de Novembro de 1897; professor de teologia no Seminário de Bragança, vice-reitor do mesmo e governador da diocese por várias vezes e com diversos bispos; comendador da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo de Vila Viçosa. Nasceu no Azinhoso a 9 de Agosto de 1825. (408) Cónego da Sé de Bragança, professor do Seminário, examinador prosinodal e prelado doméstico de Sua Santidade com o título de Monsenhor. Nasceu em S. Pedro de Serracenos, concelho de Bragança, a 3 de Setembro de 1824 e nesta cidade morreu a 9 de Março de 1895. Deixou várias obras impressas e um rasto de virtude que edificava quantos tiveram a dita de o conhecer.

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Pontífice a 8 de Dezembro de 1864 e modo de lucrar a indulgência. É um 4.º de oito pág., sem lugar de impressão. 25 de Janeiro de 1868 – Circular do governador do bispado João José Martins (409) sobre a dispensa da carne no tempo quadragesimal. 9 de Julho de 1868 – Pastoral do cónego Sebastião Luís Martins, bacharel formado em direito e governador do bispado. Diz que ainda há pouco tempo tomou conta do governo da diocese e que não tem méritos nem conhecimentos para exercer tal cargo, sendo por isso desacertada a escolha que o bispo dele fez. Tem por assunto a recomendação aos fiéis de umas preces públicas. É impressa em folha solta sem designação de tipografia. 22 de Janeiro de 1869 – Circular do mesmo sobre a dispensa da carne na próxima Quaresma. In-fólio de uma pág., sem lugar de impressão. 29 de Novembro de 1869 – Circular do mesmo sobre o jubileu publicado por ocasião do Concílio Ecuménico do Vaticano. Impressa em folha solta. 9 de Fevereiro de 1870 – Circular do dito Sebastião, governador do bispado pelo bispo D. João de Aguiar sobre a dispensa da carne na Quaresma. In-fólio de uma pág., impresso sem designar tipografia. 26 de Janeiro de 1871 – Carta de António Joaquim de Oliveira Mós (410), bacharel formado em teologia, cónego mestre-escola da Sé de Bragança e governador do bispado. Relata os acontecimentos de Roma e a usurpação dos domínios temporais do Papa, para o qual manda coligir esmolas e fazer preces públicas pela sua conservação. In-fólio de uma página, sem lugar de impressão. 13 de Fevereiro de 1871 – Circular do mesmo Mós sobre a dispensa da carne na Quaresma. In-fólio de uma pág., sem lugar de impressão. D. José Luís Alves Feijó 2 de Outubro de 1871 – Carta-pastoral do bispo de Bragança D. José Luís Alves Feijó, comendador da Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, dada em Lisboa. É um 8.º de vinte e oito pág., sem lugar de impressão.

(409) Era natural de Bragança; fora abade de Sendas e depois cónego tesoureiro-mor da Sé, de que tomou posse a 25 de Agosto de 1860. (410) Nasceu em Bragança a 22 de Janeiro de 1835 e ali morreu a 9 de Julho de 1897. Foi por muitos anos professor de teologia no Seminário da diocese.

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Diz que há oito anos que se ausentou da diocese indo para Cabo Verde como bispo, de onde saiu em razão de sofrimentos que lhe impossibilitavam a sua permanência naquela terra. É uma exortação geral ao cumprimento dos deveres que impendem sobre as diversas classes sociais dos seus diocesanos. 9 de Novembro de 1871 – Carta do mesmo bispo mandando comparecer a exame todos os párocos encomendados e presbíteros, à excepção dos de idade superior a sessenta anos, e que aos requerimentos para os presbíteros obterem jurisdições juntem certidão de obediência canónica passada pelos respectivos párocos, na qual declarem se lhes têm sido obedientes, coadjuvando-os no ministério paroquial e mais funções eclesiásticas. Recomenda aos párocos o exacto cumprimento da Constituição diocesana e sábias determinações dos bispos seus antecessores, acerca da admissão dos presbíteros ao exercício das ordens dentro de suas freguesias. In-fólio de uma página, impressa sem designação de tipografia. 15 de Janeiro de 1872 – Carta do dito bispo sobre o modo de os párocos darem contas do dinheiro da bula que deve estar nas mãos do tesoureiro no prazo de vinte dias depois da dominga de Páscoa. 15 de Janeiro de 1872 – Circular do mesmo bispo sobre a dispensa da carne na quaresma. Nos apontamentos que temos encontrámos também esta carta datada de 17, o que certamente foi engano de algum pároco em cujo cartório a vimos registada com esta data; ou melhor, não temos a certeza de qual delas seja a verdadeira. 17 de Janeiro de 1872 – Pastoral do mesmo bispo dando conhecimento do decreto de Pio IX de 8 de Dezembro de 1870, no qual declarou padroeiro universal da Igreja S. José. In-fólio de duas páginas inumeradas, sem lugar de impressão. Manda que na oração A Cuntis, todas as vezes que houver de se recitar, se lhe adicione depois da invocação da Bem-Aventurada Virgem Maria e antes de quaisquer outros santos padroeiros, excepto os Anjos e S. João Baptista, a comemoração de S. José por estas palavras – Cum Beato Joseph. A 7 de Julho de 1871 tornou o Papa a renovar este mesmo decreto. 8 de Dezembro de 1872 – Circular do mesmo bispo sobre a bula da cruzada. Diz que para a administração dela se criou em Lisboa uma comissão por decreto de 20 de Setembro de 1851 intitulada Junta Geral da Bula da Cruzada. Para a boa administração da bula determina o seguinte: MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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As bulas que cada ano forem distribuídas aos párocos serão dirigidas directamente, contadas e fechadas em especial para cada freguesia aos arciprestes e destes e em mão própria é que serão entregues aos párocos; levarão recibos duplicados; a contagem, afim de verificar se condizem com as relações, será feita na presença dos arciprestes e os párocos darão contas do dinheiro da bula até 31 de Maio, revogando-se neste particular o disposto na circular de 15 de Janeiro do ano corrente, da qual tudo o mais fica em pleno vigor. In-fólio de uma página, sem lugar de impressão. 18 de Janeiro de 1873 – Circular de José Maria da Cunha, bacharel formado em Teologia, abade da freguesia de Vilarinho de Agrochão e governador do bispado, sobre a dispensa da carne na Quaresma. Impressa em uma página. 29 de Junho de 1874 – Carta-pastoral do bispo José Luís Alves Feijó, dada em Bragança. Proíbe aos párocos de assistirem ao matrimónio de contraentes que não sejam da mesma pia baptismal, isto é, da mesma freguesia, ou que, sendo-o, tenham estado ausentes por mais de dois meses, e manda que nas certidões de banhos se declare: 1.º – Se os contraentes se desobrigaram ou não na sua freguesia nas três quaresmas antecedentes 2.º – Se os contraentes sabem suficientemente a doutrina cristã. É um 8.º de trinta e uma pág., impresso na tipografia de Tomás Quintino Antunes. 5 de Janeiro de 1874 – Circular de José Maria da Cunha (411), governador do bispado e abade de Santa Valha, para cuja freguesia passara da de Vilarinho de Agrochão. Trata da dispensa da carne na Quaresma. In-fólio de uma pág., sem designação de tipografia. D. José da Silva Ferrão de Carvalho Martens 27 de Outubro de 1875 – Carta-pastoral para o jubileu do ano santo na diocese de Bragança e Miranda, pelo bispo Ferrão, dada em Bragança. In-fólio de oito pág. inumeradas, sem designação de tipografia. 25 de Janeiro de 1876 – Pastoral agradecendo muito melifluamente à diocese o interesse que tomou pelo restabelecimento de uma grave enfermidade; admira, como havendo só dois meses que está na diocese, esta se

(411) Professor de Teologia no Seminário de Bragança e bacharel formado na mesma disciplina pela Universidade de Coimbra, em cuja cidade nasceu a 24 de Novembro de 1843.

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possuiu de tanto desvelo por ele. Diz que sente deixar a diocese, mas que precisa fazê-lo pelo menos por dois meses, pois a sua saúde o reclama; demais, queria ir tomar assento na Câmara dos Pares onde trataria dos interesses diocesanos, e agradecer a Sua Majestade o cuidado que tomou pelo seu restabelecimento. In-fólio de três páginas inumeradas, sem designação de tipografia. Está admiravelmente bem redigida, em estilo meigo e doce; mal parece ser este o homem que, quatro dias depois, saiu com o célebre Mandamento episcopal que não deixava de conter determinações de grande importância e urgente necessidade, mas o demasiado rigor de que vinha cheio o tornou inexequível. 29 de Janeiro de 1876 – Mandamento episcopal do bispo Ferrão dado em Bragança. É um 4.º de dez pág.. Diz ter-lhe chegado a notícia de algumas queixas contra o menos regular comportamento daqueles que deviam ser o sol da terra e que neste juízo eclesiástico existem sobre esses motivos alguns processos findos e outros ainda pendentes. Para obviar ao mal determina o seguinte: 1.º – Os arciprestes, tendo recebido este mandamento episcopal, darão dele conhecimento a todo o clero do seu arciprestado; 2.º – Os mesmos arciprestes, passado o prazo de trinta dias prefixos intimarão a cassação da faculdade de exercer suas ordens ipso facto incorrenda a todo e qualquer eclesiástico, ainda que seja cura de almas colado, que achando-se incurso nas disposições da Constituição V, do título II – Constituição de Miranda de D. Julião de Alva e do Sagrado Concílio Tridentino, sessão 25.ª, cap. XIV de reformat – (estampa no dito mandamento largamente uma e outra citação) não puser dentro de trinta dias improrrogáveis termo ao escândalo por forma eficaz e terminante, contraindo assim, se o contrário praticar, a responsabilidade e pena consignada aos ministros da religião que exercem suas funções sem competente faculdade; 3.º – Terminado que seja igual prazo de trinta dias da data do segundo aviso, intimarão os arciprestes a suspensão canónica de ofício e benefício a qualquer que, passado o prazo de dez dias, permanecer no escândalo depois das três precedentes admoestações canónicas. E quando infelizmente encontrarem em seus arciprestados algum eclesiástico incurso na obstinação assim o comunicarão ao nosso Juízo; 4.º – Igual procedimento deverá haver para com os eclesiásticos que, posto não se achem incursos na citada constituição, tiverem contudo comportamento repreensível e escandaloso sobre outros pontos, ou funMEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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damentalmente ou por decência do estado, defesos aos eclesiásticos, como são os de vida dissoluta e más companhias, o emprego em misteres e negócios impróprios da gravidade do estado eclesiástico, o traje totalmente secular, o hábito do jogo, o uso de armas defesas, o espírito rixoso manifestado quer por acções quer por palavras e o excesso de bebidas e o tráfico lesivo da usura; 5.º – Os arciprestes deverão dar-nos uma informação conscienciosa e circunstanciada do estado moral dos seus arciprestados, tanto sobre os indicados pontos como sobre o espírito religioso dos povos e dos eclesiásticos, e mais determinadamente daqueles que têm cura de almas; de como cumprem seus deveres ou se deles são desleixados, faltando ao ensino da doutrina, à explicação do Evangelho e ao exercício da oração, que tão geralmente é bem aceite dos fiéis e logo de manhã a ele concorrem quando seus párocos o praticam na igreja. O que tudo lhes é muito recomendado nos Sagrados cânones e nas Constituições diocesanas e nasce por lei natural dos cargos que lhes estão incumbidos; 6.º – Estatui que aos arciprestes caiba a responsabilidade do integral cumprimento deste Mandamento sob pena de suspensão e perda de seu honroso cargo; 7.º – Este Mandamento terá efeito permanente, enquanto por outra forma não for este indispensável serviço providenciado. Em seguida transcreve integralmente toda a Constituição V do título II, que também traz o lugar do Tridentino correspondente e acima citado. Diz seguidamente que uma e outra determinação, apesar de antigas, estão em pleno vigor e que o canonista Bouix sustentou em nossos dias a necessária aplicação das penas cominadas aos fornicários no Tridentino. 11 de Fevereiro de 1876 – Exortação-pastoral, dada nesta cidade pelo bispo Ferrão Martens acerca da bula da santa cruzada e da santa lei de jejum dirigida aos fiéis da diocese de Bragança e Miranda. É um 8.º de dezasseis pág., impresso na tipografia do «Jornal do Porto» em 1876. 23 de Fevereiro de 1876 – Circular do mesmo bispo dada em Bragança. Diz que nas procissões «se tem introduzido o costume de irem pessoas representando santos e personagens da Sagrada Escritura, ou symbolos de alguns pontos sagrados, como o do Juizo universal, ou mesmo o da morte; e outrosim, que por motivo de promessas, costumam ir nessas procissões pessoas em forma de penitentes, umas desnudadas da cintura para cima e flagellando-se publicamente com disciplinas, outras com invenções extravagantes levando na bôca espadas e nas mãos espingardas, que continuamente vam brandindo, no que gravissimamente arruiMEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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nam a sua saude pelas excessivas forças, que tem de empregar em tão violento jogo; outras levando nas mãos levantadas a toda a altura um copo cheio d’agua e outro de vinho, caminhando de costas diante do prestito, no que igualmente deterioram a saude pela violentada posição forçada outras pessoas indo de joelhos com elles desnudados em todo o transito das procissões, contrahindo assim chagas, e enfraquecimento». Por isso, considerando que a Igreja reprova tais práticas e que até excomungou os bandos de pessoas que em certa época percorriam os povoados flagelando-se, de onde lhe veio o nome de flagelantes, visto que estas penitências só devem ser feitas a ocultas por quem possa e tenha espírito de as fazer, proíbe na diocese tal corruptela e similares. «E ás pessoas, continua o prelado, que taes promessas tenham feito, as commutamos em irem diante das procissões, levando nas mãos ou reclinada nos braços a Sacratissima Imagem do Santo Crucifixo, ou simplesmente uma cruz, que não exceda o comprimento de um metro; e assim com os olhos fixos nesses santos objectos, e sem terem o rosto coberto, irão devota e mui gravemente meditando na Sagrada Paixão, e nos seus proprios peccados: ficando bem certos, que pela virtude da obediencia, que assim praticam, muito mais agradaveis se tornam a Deus do que praticando imprudentemente os actos que ficam probibidos.» É impressa em folha avulsa e nela o bispo intitula-se «Superior do Real Colégio das Missões Ultramarinas». 17 de Novembro de 1876 – Pastoral do bispo Ferrão Martens. Lamenta não poder dirigir vocalmente, como fizera no ano anterior, palavras de entusiasmo patriótico por ocasião do 1.º de Dezembro aos diocesanos. Manda que os párocos exortem o povo no sentido patriótico, e que a véspera do 1.º de Dezembro se faça anunciar com repiques de sinos como dia de regozijo nacional, entoando-se no dia um Te Deum onde houver comodidade para isso, com procissão pro gratiarum actione e aos que preparados com os Sacramentos assistirem a estes actos e orarem pelas necessidades da igreja, do Sumo Pontífice, reino, paz e concórdia entre os príncipes cristãos concede quarenta dias de indulgências. Outrossim ordena que estas disposições sejam de efeito permanente, conservando-se e lendo-se por ocasião de tal dia esta pastoral. Foi dada em Lisboa. In-fólio de duas páginas inumeradas, imprensa de J. G. de Sousa Neves. 18 de Dezembro de 1876 – Carta-pastoral do mesmo bispo, na qual, aproveitando a ocasião das grandes chuvas deste ano, faz uma brilhante alocução tendente a louvar a Providência e a fazer entrar os pecadores no arrependimento. É cheia de profundos conhecimentos metereológicos, MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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parecendo trabalho de um sábio nesta especialidade exposto em conferência académica. In-fólio de quatro páginas inumeradas, impresso em Lisboa na tipografia de J. G. de Sousa Neves. 12 de Março de 1877 – Pastoral do mesmo bispo dada em Lisboa sobre a Quaresma do dito ano. Lisboa, imprensa de J. G. de Sousa Neves. 8.º de vinte e uma página. O seu título completo é Carta Pastoral e Fraternal do bispo de Bragança e Miranda ao Reverendo clero da Diocese na Quaresma de 1877. 8 de Abril de 1877 – Circular do bispo Ferrão Martens, dada em Lisboa. Dá conhecimento de uma comissão fundada em Lisboa para ir a Roma felicitar Pio IX pelo seu quinquagésimo aniversário episcopal e porque a este Papa deve Portugal muitos benefícios, como, por exemplo, o de, a pedido dele bispo sendo simples padre e superior do Colégio das Missões Ultramarinas em Cernache, conceder por rescrito de 29 de Junho de 1874 que os alunos deste estabelecimento se ordenassem a título de missão sem precisarem património, exorto a que da diocese bragançana alguém se incorpore em tal comissão (412). Sente não poder residir na Diocese pelo seu estado de saúde que muitas vezes é febricitante. 13 de Janeiro de 1878 – Pastoral dirigida à diocese de Bragança e Miranda, para suscitar a edificação do novo templo-catedral, pelo bispo José Maria da Silva Ferrão de Carvalho Martens, superior do Real Colégio das Missões Ultramarinas portuguesas (Cernache do Bonjardim) e fidalgo capelão da real casa com exercício. Nela diz o prelado: que apenas fez a sua entrada solene em Bragança, a 10 de Outubro de 1875, e viu o acanhamento da igreja que serve de catedral, resolveu fazer outra ou dar traças para isso. Mas, sobrevindo-lhe grave enfermidade, manifestara este desejo a um membro da sua família, que estava à sua cabeceira, e para logo o convento de Santa Clara de Bragança, que estava para se arrematar em praça, fora cedido à mitra para edificação da catedral, com a condição de começarem as obras durante cinco anos, e no caso contrário, findo este prazo, passaria o convento novamente a ser propriedade do governo; que o projecto desta concessão fora apresentado ao parlamento pelo deputado conselheiro José Guilherme Pacheco e aprovado por carta de lei de 22 de Março de 1877; que muitas vezes ele bispo pregou do púlpito a doutrina aos fiéis; que nas (412) Foram nela os cónegos Manuel António Pires, António Joaquim de Oliveira Mós e Sebastião Luís Martins.

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letras apostólicas, pelas quais a diocese foi reorganizada, nas condições em que está hoje, se impunha a criação de uma catedral; que o risco para o novo edifício fora traçado pelo distinto arquitecto das obras públicas José Maria de Nepomuceno, director das obras do Asilo Maria Pia; que a planta era em estilo gótico puro e simples; que a bula pontifícia de Pio VI – Romanus Pontifex, de 27 de Setembro de 1780, pela qual foram reunidas in perpetuum as duas recentemente desanexadas dioceses de Miranda e Bragança – impusera expressamente a condição de se erigir uma catedral nesta última cidade, levada a diocese independente de Miranda pela bula de Clemente XIV de 10 de Julho de 1770, e que a carta régia de 2 de Setembro de 1768 doara à mitra de Bragança e Miranda, antes da desanexação, o colégio e a igreja pertencente à suprimida ordem religiosa denominada Sociedade de Jesus, para ser naquele lugar edificada a catedral, onde desde 1764 eram provisoriamente e por transferência meramente episcopal celebrados os ofícios corais e funções pontificais (413). Esta pastoral traz anexa uma provisão contendo providências reguladoras para a gerência da nova edificação. É um 8.º de 24-15 pág. Tipografia de J. G. de Sousa Neves. A pastoral a que aludimos não teve efeito algum, porque o bispo, apesar de mostrar no papel muito boa vontade e continuar à frente da diocese por mais alguns anos, nada fez: deixou caducar o prazo da concessão, e Bragança, para vergonha dos seus sentimentos religiosos, continua sendo cabeça de bispado sem Sé, com grave prejuízo dos seus interesses espirituais e também temporais, pois esta é um factor de primeira ordem para prender aqui a cabeça do bispado. 6 de Fevereiro de 1879 – Circular do governador do bispado António Augusto Rodrigues (414). Trata da dispensa da carne na Quaresma daquele ano. Impressa em uma página sem designação de tipografia. 15 de Março de 1879 – Carta-ofício do referido governador acompanhando as letras apostólicas de Leão XIII, de 15 de Fevereiro de 1879, em que concede o jubileu universal. É impressa em uma página de 4.º 31 de Agosto de 1881 – Carta-pastoral à diocese de Bragança e Miranda, do bispo D. José Maria da Silva Ferrão de Carvalho Martens,

(413) Quando tratarmos da igreja de S. João mostraremos que isto não é rigorosamente assim. Para lá remetemos o leitor. (414) É bacharel em teologia pela Universidade de Coimbra, cuja disciplina ensinou por muitos anos no Seminário de Bragança, antes de ser provido no canonicato de Viseu, de onde foi transferido para Braga. Nasceu em Bragança a 1 de Março de 1839.

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relativa ao jubileu extraordinário de 1881 e às ocorrências da noite de 12 de Agosto em Roma, dada em Lisboa. Tipografia Portuguesa, Lisboa. 8.º de vinte e duas páginas e uma de apêndice. 18 de Janeiro de 1883 – Provisão do bispo Ferrão de Carvalho Martens, que manda considerar «como catecismo diocesano em toda a diocese de Bragança (e que por elle os parochos dirijam) as suas licções de doutrina christã» o Catecismo Explicado – Breviário do Cristão, do cónego Manuel António Pires. Vem inserta no princípio desta obra. 19 de Agosto de 1885 – Ofício impresso do governador do bispado António Augusto Rodrigues aconselhando os párocos a envidar esforços no sentido de levar os povos a tomar na devida conta as medidas preventivas contra a cólera que grassa já na Espanha.

D. José Alves de Mariz 31 de Janeiro de 1886 – Carta-pastoral dada por ocasião da entrada na sua diocese, datada de Bragança (415). Coimbra, Imprensa da Universidade, 1886. 8.º de quarenta e quatro páginas. 20 de Fevereiro de 1886 – Circular comunicando aos fiéis a dispensa de abstinência de carne na Quaresma daquele ano. 4.º de uma página, sem lugar de impressão. 22 de Março de 1886 – Circular que diz respeito aos santos óleos e à sua condução para as freguesias. (Manuscrito.) 9 de Maio de 1886 – Exortação-pastoral acerca do jubileu de 1886. Coimbra, Imprensa Literária, 1886. 8.º de trinta páginas. 15 de Outubro de 1886 – Circular tratando da oração no fim da missa. Impressa em uma página de 4.º, sem designar local nem tipografia. 1 de Dezembro de 1886 – Circular para solenizar o primeiro dia do ano do jubileu sacerdotal de Leão XIII. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1886. 4.º de uma folha. 2 de Janeiro de 1887 – Carta-pastoral acerca da Bula da Santa Cruzada (Novo duodecénio). Coimbra, Imprensa da Universidade, 1887. 8.º de vinte e sete páginas e mais uma contendo uma Provisão do comissário geral da bula.

(415) Quando se não diz o contrário, deve entender-se que os exemplares são datados de Bragança.

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18 de Março de 1887 – Tabela dos emolumentos do cartório paroquial e de comissões do serviço eclesiástico no Bispado de Bragança. Coimbra, Imprensa da Universidade. 8.º de oito páginas. Ver a de 26 de Maio de 1835 e 17 de Dezembro de 1838. 5 de Julho de 1887 – Circular pedindo aos fiéis uma esmola para a missa jubilar de Leão XIII. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1887. 4.º de uma página. 30 de Novembro de 1887 – Provisão mandando comemorar solenemente o dia 31 de Dezembro desse ano, no qual o Papa Leão XIII completa cinquenta anos de vida sacerdotal, sendo portanto o motivo deste júbilo as bodas de ouro do Sumo Pontífice. Coimbra, Imprensa da Universidade. In-fólio de duas páginas. 2 de Dezembro de 1887 – Provisão dando conhecimento do breve de Leão XIII de 1 de Outubro de 1887, no qual concede indulgência plenária por ocasião do quinquagésimo aniversário da sua ordenação sacerdotal e ensina o modo de a ganhar. Também diz que a diocese de Bragança enviou, como recordação, ao Sumo Pontífice uma estola, «precioso artefacto de execução esmerada», para significar ao chefe dos fiéis a sua adesão e alegria por tão festivo acontecimento. Coimbra, Imprensa da Universidade. In-fólio de duas páginas. 31 de Dezembro de 1887 – Provisão mandando que os párocos e professores na diocese de Bragança usem do Catecismo Abreviado da Doutrina Cristã pelo cónego Manuel António Pires, para o ensino desta às crianças, devendo uns e outros munir-se do Catecismo Explicado – Breviário do Cristão, do mesmo autor, para maior explanação do assunto. Vem junta ao Catecismo Abreviado. 3 de Janeiro de 1888 – Pastoral acerca dos casos reservados. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888. 8.º de vinte e duas páginas. Esta pastoral veio preencher uma grande lacuna, pois que os casos reservados na diocese de Bragança eram pouco sabidos, embora constassem originariamente das Constituições do Bispado que, como verdadeira preciosidade bibliográfica pela sua raridade, de poucos eram conhecidos. Demais, o ilustrado prelado, fazendo acompanhar cada um dos casos reservados de eruditos comentários, em harmonia com as diversas bulas da Santa Sé sobre tal matéria, evidenciou mais uma vez os seus profundos conhecimentos em teologia moral, dogmática e direito canónico. 14 de Abril de 1888 – Provisão que restabelece o uso das esmolas dos lugares santos, coligidas na festividade do Coração de Jesus, e o dinheiro de S. Pedro em sexta-feira santa. Também concede novas faculdades aos MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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arciprestes e alude à sua visita pastoral começada em 1886 e continuada nos anos seguintes. Com esta vem junta a Provisão de 7 de Abril de 1888 que suprime o vicariato de Moncorvo, por terem desaparecido os principais motivos que determinaram a criação daquela comarca eclesiástica: as dificuldades de transporte agora sanadas com as fáceis vias de comunicação. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888. 8.º de vinte e três páginas. 22 de Abril de 1888 – Pastoral referindo o roubo dos vasos sagrados cometido na igreja de Rebordelo na noite de 4 de Abril de 1887, e outro na de Frechas na de 20 de Outubro seguinte. Para tirar aos ladrões o incentivo destes roubos, manda que os vasos de prata ou ouro sejam retirados dos sacrários e substituídos por outros de madeira decentemente dourados por dentro e por fora, e que só possa usar-se do de metal precioso quando haja solenidade na freguesia, devendo retirar-se no mesmo dia festivo para nunca mais ficar dentro da igreja. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888. 8.º de onze páginas. Ver a Pastoral de 2 de Setembro de 1853. 2 de Julho de 1888 – Provisão contendo ensinamentos tendentes a celebrar a comemoração dos fiéis defuntos em 30 de Setembro desse ano com os respectivos sufrágios ordenados pelo Papa Leão XIII. In-fólio de duas páginas, sem lugar de impressão. 27 de Setembro de 1888 – Circular datada de Coimbra participando o falecimento do infante D. Augusto, duque de Coimbra, e ordenando sufrágios por sua alma. Coimbra, Imprensa da Universidade. In-fólio de uma página. 6 de Outubro de 1888 – Circular recomendando como livro de texto para o ensino da doutrina cristã o Catecismo Abreviado do cónego Manuel António Pires. In-fólio de duas páginas, sem indicar lugar de impressão. 13 de Dezembro de 1888 – Provisão sobre a Bula da Cruzada. Por esta modifica a circular de 22 de Março de 1886 na parte respeitante à remessa do rol dos confessados para a câmara eclesiástica, e manda que essa remessa se faça até 31 de Julho de cada ano. Coimbra, Imprensa da Universidade. 8.º de dez páginas. 17 de Dezembro de 1888 – Circular participando aos arciprestes a aprovação da Tabela, datada de 18 de Março de 1887, que regula os emolumentos a levar pelos documentos respeitantes ao cartório paroquial. Ver a de 26 de Maio de 1835. 18 de Maio de 1889 – Exortação-pastoral esclarecendo os seus diocesanos sobre os males da emigração para a América do Sul, entre os quais MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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esta se desenvolvia assustadoramente. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1889. 8.º de treze páginas. É notável esta exortação pelos ensinamentos e doutrina que contém. As condições climatológicas e mesológicas, as questões sociais e higiénicas, a evolução endémica de certas moléstias, são ali tratadas com a proficiência que um especialista invejaria. Sobretudo o acrisolado amor do prelado pela pátria e, em especial, pelos seus súbditos ressumbram em cada palavra desse notável documento. O seu maior elogio está em que, tornando, passados quinze anos, a desenvolver-se igual tendência emigrativa no distrito, os jornais que então se publicavam nesta cidade – Gazeta de Bragança, O Nordeste e Districto de Bragança – não acharam melhor argumento para a combater do que transcrever esta notável exortação, que novamente, como que à porfia, cumularam de elogiosas referências (416). 3 de Julho de 1889 – Edital regulando matérias referentes à matrícula dos alunos no Seminário de Bragança. Coimbra, Imprensa da Universidade. In-fólio grande de uma página. 81 de Agosto de 1889 – Carta-pastoral sobre o patrocínio de Nossa Senhora e do patriarca S. José. Recomenda, em harmonia com a cartaencíclica Supremi Apostolatus de Leão XIII, de 1 de Setembro de 1883, que se reze em todos os dias do mês de Outubro o rosário com a oração especial a S. José, que começa Ad te, beate Joseph, in tribulatione nostra confugimus, etc., e «louva o salutar costume, seguido em muitas terras, de se consagrar o mez de Março com exercicios diarios de piedade em honra do patriarcha S. José»; outrossim manda, segundo ordem do mesmo Papa, que nos lugares onde não esteja ainda restabelecida esta devota prática, ao menos se celebre na igreja matriz, antes do dia da festividade de S. José (19 de Março), um tríduo de orações entre as quais designa a ladainha de Nossa Senhora e a oração especial a S. José. Coimbra, Imprensa da Universidade. 8.º de dezanove páginas. 21 de Outubro de 1889 – Circular anunciando o falecimento do rei D. Luís I e ordenando sufrágios por sua alma. Bragança, tipografia do Nordeste. In-fólio de uma página. 28 de Outubro de 1889 – Provisão anunciando novas indulgências concedidas à oração especial de S. José, acima apontada. Coimbra, Imprensa da Universidade. In-fólio de uma página. 5 de Novembro de 1889 – Circular que diz respeito à colecta da missa. In-fólio de uma página, sem lugar de impressão. (416) Vejam-se os periódicos citados referentes ao mês de Junho de 1904.

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16 de Dezembro de 1889 – Provisão que diz respeito ao indulto da Quaresma de 1890. Coimbra, Imprensa da Universidade. 8.º de sete páginas. 13 de Fevereiro de 1890 – Aviso-circular datado de Coimbra recomendando prudência ao clero nas eleições de deputados. Coimbra, Imprensa da Universidade. In-fólio de duas páginas. 15 de Fevereiro de 1890 – Provisão-subscrição diocesana para a defesa nacional, compreendendo também a circular de 22 de Fevereiro de 1890, datada de Coimbra, que anuncia a dispensa do jejum na Quaresma daquele ano e mais dias obrigatórios, concedida pelo Papa por causa da influenza. Coimbra, Imprensa da Universidade. 8.º de treze páginas. 1 de Maio de 1890 – provisão ordenando preces em desagravo das manifestações ímpias feitas a Jordano Bruno em Roma no dia de Pentecostes de 1889. Coimbra, Imprensa da Universidade. In-fólio de duas pág. 1 de Julho de 1890 – Edital reformando os estudos preparatórios do Seminário. Coimbra, Imprensa da Universidade. In-fólio de uma página. 20 de Dezembro de 1890 – Pastoral sobre deveres disciplinares. Coimbra, Imprensa da Universidade. 8.º de cinquenta e sete páginas. É um monumento, fruto de grande reflexão e madureza sobre as questões mais vitais da diocese. Os abusos e corruptelas que encontrou na sua visita pastoral à diocese recebem pronto remédio: assim, as pastoradas ou ramos do Natal, os autos da Paixão e Morte do Redentor em quinta-feira maior são proibidos; o verdadeiro culto e adorno das imagens dos santos, a questão dos confessionários, rol dos confessados, visita pascal, asseio dos templos, sacristia, administração de sacramentos, ofícios fúnebres, cemitérios, registo paroquial, ausência de pároco da freguesia, todos estes e outros mais ramos de serviço foram objecto de determinações especiais do ilustrado e zeloso prelado, determinações que todos os párocos precisam de ter bem presentes. Esta pastoral é notável pelo acertado das suas disposições e profundo conhecimento das ciências eclesiásticas que inculca em seu autor. 24 de Fevereiro de 1891 – Provisão datada de Coimbra mandando fazer preces públicas ad petendam pluviam. 8.º de três páginas, sem lugar de impressão. 23 de Março de 1891 – Circular regulando o modo da desistência das igrejas paroquiais nos concursos. 8.º de três pág., sem lugar de impressão. 15 de Outubro de 1891 – Pastoral fazendo a apresentação da encíclica do Santo Padre Leão XIII sobre a Questão Operária que vem junta por extenso a esta pastoral. Coimbra, Imprensa da Universidade. 8.º de seis páginas. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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31 de Outubro de 1891 – Circular proibindo, sob pena de suspensão ipso facto incorrenda, que se ouçam mulheres de confissão por crivos, joeiras, peneiras, etc. 8.º de duas páginas. 5 de Novembro de 1891 – Circular mandando, sob pena de suspensão ipso facto incorrenda, que os livros do registo paroquial se apresentem ao arcipreste para exame até 1 de Março e os duplicados na câmara eclesiástica até 30 de Junho de cada ano sob a mesma pena. Coimbra, Imprensa da Universidade. 8.º de duas páginas. 19 de Janeiro de 1892 – Provisão sobre a Quaresma de 1892. Coimbra, Imprensa da Universidade. 8.º de seis páginas. 29 de Junho de 1892 – Circular pedindo o óbulo dos fiéis para a missa jubilar de Leão XIII (jubileu episcopal). Coimbra, Imprensa da Universidade. In-folio de uma página. 8 de Dezembro de 1892 – Pastoral sobre o jubileu episcopal do Santo Padre Leão XIII. Diz que o Sumo Pontífice, na sua encíclica Aeterni Patris de 4 de Agosto de 1879, excitou os prelados da igreja católica a restabelecerem o estudo da filosofia de S. Tomás nos seus seminários e academias. Coimbra, Imprensa da Universidade. 8.º de trinta páginas. 11 de Dezembro de 1892 – Pastoral sobre a Catequese e a Bula da Cruzada. Manda que os párocos, curas, capelães, etc., sejam zelosos na catequese e ensino da doutrina cristã às crianças, e que os seminaristas quando estejam em férias coadjuvem no ensino da doutrina os seus párocos, sendo estes obrigados a passar certidão jurada em como assim o fazem, sem a qual não serão admitidos à matrícula do Seminário no ano seguinte. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1893. 8.º de vinte e duas páginas. 17 de Fevereiro de 1893 – Carta-convite para as solenidades do jubileu episcopal de Leão XIII. In-fólio de uma página. 16 de Março de 1893 – Circular recomendando o antigo costume de se formarem colectas de esmolas dos fiéis para a conservação e defesa dos lugares santos, sendo sexta-feira santa logo após a adoração da cruz o dia e local próprio para elas se recolherem. 8.º de duas páginas. 18 de Março de 1893 – Circular recomendando novamente o ensino da doutrina cristã e catequese e manda que o arcipreste de Bragança, cónego António José da Rocha, informe por meio de relações anuais dirigidas ao prelado quais os párocos que cumprem ou não esta obrigação. 8.º de duas páginas, sem lugar de impressão. 20 de Março de 1893 – Circular declarando que quando algum dos contraentes no matrimónio não tenha cumprido com o preceito quadragesiMEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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mal nos últimos três anos é necessária licença da câmara eclesiástica para tal acto se poder efectuar. 8.º de três páginas, sem lugar de impressão. 18 de Dezembro de 1893 – Provisão relativa à Quaresma de 1894 e ao dinheiro de S. Pedro. Diz que este dinheiro deve entregar-se aos arciprestes ou na câmara eclesiástica até 31 de Maio de cada ano (417). Coimbra, Imprensa da Universidade, 1894. 8.º de trinta e seis páginas. 15 de Outubro de 1894 – Circular mandando que os alunos externos de preparatórios do Seminário, desde o primeiro dia útil de Janeiro de 1895 por diante, não possam ser admitidos à frequência das aulas sem se apresentarem vestidos de hábitos talares, que são: «batina ecclesiastica e capa, cabeção preto com volta branca, meias pretas e sapatos e gorro comprido», tal qual os internos do mesmo estabelecimento de teologia ou preparatórios que sempre haviam usado destes hábitos com barrete em vez de gorro. Esta medida, não destituída de interesse económico, tirando a moços no verdor dos anos pruridos e emulações de vaidosas elegâncias, veio unificar o hábito escolar do Seminário, como se usa em estabelecimentos congéneres, o que muito se precisava. É bem sabido que o hábito de corporação exerce, até certo ponto, funções educativas e livra de vários actos de moralidade duvidosa, que sem ele se praticariam mais facilmente. Permitia o uso de sobrepeliz a todos os alunos do Seminário aprovados em exame de segundo ano de latim, e com ela deveriam apresentar-se nos actos religiosos a que fossem convidados pelo prelado, mas não poderiam, sem licença especial passada cada ano pela câmara eclesiástica, assistir às funções religiosas nos templos ou tomar parte nas procissões e nos saimentos fúnebres, tanto na cidade como em qualquer freguesia da diocese de Bragança. De igual licença anual precisavam os licenciados ou adidos à Igreja para assistir aos ditos actos, como o prelado declarava na circular de 10 de Novembro do mesmo ano que vem junta a esta, onde encarrega a consciência dos párocos sobre a sua fiscalização. 4.º de quatro páginas, sem lugar de impressão. 17 de Dezembro de 1894 – Provisão sobre a Quaresma de 1895. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1895. 8.º de dezoito páginas. 5 de Maio de 1895 – Provisão relativa ao dia de S. José. Coimbra, Imprensa da Universidade. 8.º de dezoito páginas. A propósito desta Pro-

(417) A carta-pastoral acerca do ensino da doutrina cristã, consoante a encíclica Acerbo nimis do Santo Padre Pio X, que adiante descrevemos em nota, fala em uma provisão do prelado passada a 18 de Dezembro de 1893 que não vimos.

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visão dizia O Nordeste de 1 de Junho de 1895: «Como todos os trabalhos do erudito principe da Egreja, este documento recomenda-se pela sã doutrina e pelo estilo vernaculo». E no número correspondente a 8 de Junho desse ano, deu a sua transcrição. 11 de Novembro de 1895 – Circular mandando fazer preces públicas ad postulaudam serenititem. 8.º de duas páginas, sem lugar de impressão. 14 de Novembro de 1895 – Provisão relativa ao matrimónio. Estabelece regras, que aos párocos muito convém ter presentes, relativas à melindrosa questão dos casamentos. Esta provisão acusa no prelado um perfeito conhecimento do que sobre o assunto preceituaram seus antecessores, o que não conseguiu sem revolver velhos manuscritos, pois que as pastorais, provisões, etc., anteriores ao século XIX, não estão impressas mas apenas transcritas nos arquivos em má caligrafia, sendo precisos especiais conhecimentos de paleografia para as decifrar. Coimbra, Imprensa da Universidade. 8.º de oito páginas. 16 de Dezembro de 1895 – Provisão sobre a Quaresma de 1896. Refere-se nesta Provisão à Pastoral sobre deveres disciplinares de 20 de Dezembro de 1890; combate os abusos resultantes da sua não observação; declara interditas todas as igrejas e capelas da diocese onde se façam pastoradas na noite de 24 para 25 de Dezembro e os actos da paixão, morte e resurreição do Redentor na semana santa e suspenso ipso facto o pároco que para tais representações concorrer ou mesmo as tolerar sem opor obstáculo. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1896. 8.º de dezoito páginas. Estatutos do Seminário Episcopal de S José de Bragança. Foram dados a 8 de Dezembro de 1895 e aprovados em portaria do governo de 25 de Fevereiro de 1896. Coimbra, 1896. 8.º grande de cinquenta e duas páginas. 12 de Abril de 1896 – Circular mandando fazer preces ad petendam pluviam. 8.º de duas páginas. 6 de Julho de 1896 – Circular relativa à nova lei do selo (de 4 de Maio de 1896). Coimbra, Imprensa da Universidade. 8.º de catorze páginas. 20 de Julho de 1896 – Circular datada de Coimbra, recomendando ao cabido e clero que auxiliem a comissão destinada a angariar elementos para celebrar festivamente o quarto centenário da descoberta do caminho marítimo para a Índia. In-fólio pequeno, sem lugar de impressão. 14 de Dezembro de 1896 – Provisão relativa à Quaresma de 1897. Coimbra, Imprensa da Universidade. 8.º de vinte e duas páginas. 25 de Junho de 1897 – Pastoral em que se publica a carta-encíclica do Santo Padre Leão XIII, na qual se afervora o culto do Espírito Santo. Diz que até ao dia 8 de Dezembro de cada ano se recebem na câmara ecleMEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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siástica ou arciprestes as esmolas destinadas ao dinheiro de S. Pedro, espaçando-se mais o prazo que já atrás deixamos apontado. Coimbra, Imprensa da Universidade. 8.º de trinta páginas, incluindo a encíclica. Esta pastoral «é bella, cheia de nobilissimos termos repassados de uncção» (418). 15 de Outubro de 1897 – Circular sobre arqueologia. Coimbra, Imprensa da Universidade. 8.º de oito páginas. Esta circular mostra quanto o prelado se interessa pelos assuntos científicos. A arqueologia mereceu-lhe cuidado especial, de onde a vastidão do seu espírito que para tudo olha. É sabido quanto esta ciência deve ao clero (419). Na diocese de Bragança um dos mais importantes factores para o engrandecimento do Museu desta cidade têm sido os eclesiásticos. Pois esta circular do sábio bispo animando, ensinando, aconselhando e guiando o clero na distinção dos objectos de arte e arcaicos, marca uma época brilhante, porque acabou de resolver os indecisos e despertou em todos o sagrado fogo da arqueologia, emulando-se mutuamente sobre quem recolheria mais antigualhas e as doaria ao Museu Municipal de Bragança, já hoje importantíssimo depósito de materiais para estudos desta natureza e diversos outros. Em 1869, dizia a respeito do território de Bragança o alemão Emílio Hübner, pai de todos os arqueólogos: «tota vero regio haec adhuc desiderat peregrinatorem aliquem doctum, qui ejus monumenta quasi e tenebris eruat» (420). A este apelo do sábio professor berlinense correspondeu a circular do sábio bispo Mariz. Os seus efeitos têm sido superiores a toda a expectativa, como se pode verificar pelos registos do Museu de Bragança. A imprensa jornalística foi unânime em tecer os mais rasgados elogios ao ilustrado antístite (421) e as revistas profissionais a ela também se referiram elogiosamente: «merece, pois, vehemente applauso o Rev.do Prelado de Tras os Montes pelo impulso que pela sua parte procura dar á sciencia archeologica na sua diocese» (422). 18 de Dezembro de 1897 – Provisão relativa à Quaresma de 1898. Coimbra, Imprensa da Universidade. 8.º de dezanove páginas.

(418) O Correio Nacional. «Boletim Diocesano de Bragança», ano I, n.º 3 (1898). (419) O Arqueólogo Português, vol. 2, n.º 2 (Fev. 1896). (420) Corpus Inscript. Latin., 2.º, p. 349. (421) O Norte Transmontano de 26 de Novembro do 1897, Vitalidade, de Aveiro, n.º 135, Diário de Notícias, O Boletim Diocesano de Bragança, ano I, n.º 2, e outros. (422) VASCONCELOS, José Leite de, O Arqueólogo Português, vol. 4, p. 58.

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15 de Abril de 1898 – Provisão relativa ao quarto centenário do descobrimento do caminho marítimo para a Índia. Coimbra, Imprensa da Universidade. 8.º de doze páginas. Esta Provisão é um monumento literário: à beleza e encanto da dicção, vazada nos puros moldes clássicos, alia-se um amplo conhecimento dos nossos quinhentistas, cujos textos se intercalam tão subtilmente nela que parece ser tudo fruto da mesma pena; a história do acontecimento, a sua influência económico-social são ali apresentadas por forma que fariam honra ao mais competente historiador. Apreciando-a, dizia o distinto causídico dr. José Joaquim de Oliveira, de Azinhoso: «descreve (o bispo n’esta Provisão) como sabio historiador e critico eminente as proezas e feitos heroicos de tão decantado e intrepido navegador que rompeu por mares nunca d’antes navegados... Está escrita com gosto e n’um estilo bem aperfeiçoado, em tom edificante e cheio de uncção e de pensamentos agudos e engenhosos com o bisturi da verdadeira critica a Provisão do muito conspicuo Prelado, que por todos os titulos dá honra ao seu auctor... Esta Provisão, pois, é mais uma perola engastada nas muitas que adornam a mitra do inclito e nobre Bispo» (423). 15 de Agosto de 1898 – Carta-pastoral sobre os exercícios espirituais do clero, exortando-o a concorrer aos exercícios espirituais, poderoso elemento de morigeração que tantas vezes tem proporcionado à sua diocese, Coimbra, Imprensa Académica. 8.º de onze páginas. 17 de Dezembro de 1898 – Provisão relativa à Quaresma de 1899. Versa sobre o indulto de abstinência de carne aos sábados. Coimbra, Imprensa da Universidade. 8.º de trinta páginas. 18 de Abril de 1899 – Portaria mandando que se não façam baptizados e casamentos de indivíduos estranhos à freguesia sem autorização dele bispo; se fizerem o contrário, ordena que os arciprestes não aprovem tais assentos e o avisem ao examinar os livros para os párocos baptizantes serem castigados. Vem transcrita no Boletim Diocesano de Bragança, n.º 4, ano II. 8 de Setembro de 1899 – Carta-pastoral acerca da peste bubónica. Contém salutares preceitos higiénicos concernentes a esta terrível epidemia. Coimbra. Imprensa Académica. 8.º de catorze páginas. 15 de Outubro de 1899 – Alocução pronunciada pelo bispo de Bragança na abertura solene das aulas do Seminário de S. José (inauguração do novo edifício). Coimbra, Imprensa da Universidade. 8.º de dezanove páginas. (423) Gazeta de Bragança, de 29 de Maio do 1898.

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18 de Dezembro de 1899 – Exortação-pastoral acerca do jubileu universal do Ano Santo 1900, último do século XIX. Coimbra, Imprensa Académica. 8.º de cinquenta e cinco páginas. Referindo-se a esta exortação, dizia a Vitalidade de Aveiro: «Por mais de uma vez nos temos referido já ao zêlo e saber que no desempenho do seu munus tem evidenciado o actual Prelado de Bragança. O documento a que nos referimos é mais um testemunho de activa vigilância pelo aproveitamento espiritual do seu rebanho... louvar o Ex.mo Sr. D. José Alves de Mariz por esse motivo quem sempre lhe admirou o animo escrupuloso e a illustração seria irreverencia ou leviandade» (424). 15 de Março de 1900 – Convite-pastoral de caridade para combate e tratamento da tuberculose. Coimbra, Imprensa Académica. 8.º de sete páginas. Apreciando esta produção do caridoso antístite, escrevia O Nordeste, de 21 de Março de 1900: No «Convite-pastoral... com mão de mestre e em linguagem tersa e elegante, traceja o sr. D. José Mariz, o quadro horrivel dos estragos produzidos pela tuberculose». 16 de Março de 1900 – Circular comunicando a dispensa da lei do jejum na Quaresma daquele ano concedida pelo Papa por causa da epidemia chamada influenza, que então grassava. 8.º de uma página, sem lugar de impressão. 12 de Outubro de 1900 – Portaria sobre o censo de 1900. Ordena que os párocos «auxiliem dedicadamente o poder civil em todas as operações do recenseamento em que hajam de ter ingerencia». 4.º de três pág., sem lugar de impressão. 15 de Novembro de 1900 – Provisão acerca da solene homenagem no fim do século a Nosso Senhor Jesus Cristo, Redentor da humanidade, e ao seu augusto vigário na terra, o pontífice romano. Coimbra, Imprensa Académica. 8.º de vinte e duas páginas. Alude à encíclica – Rei Catholicae apud Lusitanos, do Papa Leão XIII, de 20 de Outubro de 1900, que criou em Roma o Colégio Português, destinado a receber alunos portugueses de todas as dioceses do reino e possessões ultramarinas, pelo menos dois de cada uma; da de Bragança foi o primeiro Guilhermino Augusto Alves, natural desta cidade, onde estudou preparatórios e ciências teológicas ficando quase sempre distinto. Era muito inteligente. Depois de estudar em Roma dois anos, recusou receber ordens, pretextando não ter vocação para o estado eclesiástico. É para lamentar que só depois de feitos com ele tantos sacrifícios, iludindo a (424) Vitalidade de Aveiro, Boletim Diocesano de Bragança, Ano III, p. 31.

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expectativa de quem o mandou, reconhecesse a sua falta de vocação, tendo ido já em idade de reflexão amadurecida ainda pela cultura científica! 22 de Abril de 1901 – Pastoral acerca da prorrogação do jubileu universal e sua extensão a todo o orbe católico no ano de 1901, primeiro do século XX. Coimbra, Imprensa Académica. 8.º de trinta páginas. 2 de Janeiro de 1902 – Pastoral sobre o jubileu pontifical do Santo Padre Leão XIII e Quaresma de 1902. Coimbra, Imprensa Académica. 8.º de cinquenta pág.. Está admiravelmente bem escrita: estilo elegantíssimo, por vezes atinge o sublime ao descrever o vulto imponente do Papa Leão XIII e a sua missão social. Eis o que a propósito dela encontrámos em O Nordeste de 5 de Fevereiro de 1902: «É um primoroso trabalho sobre a instituição do papado... N’estes tempos de verdadeira indisciplina, de inqualificavel e monstruosa lucta contra tudo o que é levantado e santo, a melhor fórma porque s. ex.ª póde confundir os energumenos ambiciosos e abjectos, é a propaganda do medidas tão acertadas como as que se contém nesta sua última Pastoral. Não podemos por isso deixar de prestar a verdadeira homenagem a quem comprehende tão dignamente a elevada e nobre missão da direcção espiritual da nossa diocese. Honra seja feita, pois, ao nosso illustre prelado pela sua levantada e importante Pastoral». 6 de Novembro de 1902 – Circular. 8.º de três páginas, sem lugar de impressão. 2 de Janeiro de 1903 – Exortação-pastoral sobre a quaresma de 1903, penitência e encerramento do jubileu pontifical do Santo Padre Leão XIII. Coimbra, Imprensa Académica. 8.º de cinquenta e nove páginas. A pureza de estilo, a arguta penetração filosófica, a profundeza dos conhecimentos teológicos e a nítida compreensão do momento psicológico que a sociedade está atravessando ressaltam de cada palavra, de cada ideia deste notável documento e são outros predicados que obrigam a lê-lo e relê-lo, pois é dos tais que o mestre manda versar diurna, nocturnaque manu. O Nordeste, de 11 de Fevereiro de 1903, referindo-se a esta exortação, escreve: «É um documento de alto valor, não só pela excellente e pura doutrina que contém, como tambem pela linguagem tersa e elegante com que está escripto... Está magistralmente descripta a parte respeitante á origem divina d’este Sacramento (penitencia) e á sua efficacia na regeneração moral. São paginas brilhantes, repassadas d’espirito religioso, cuja leitura consola todas as almas crentes» (425). (425) O Nordeste, de 25 de Fevereiro de 1903, dizia ainda em transcrição: «Esta exhortação fallanos do Sacramento da penitencia com tanta erudição o elevação de phrase, que sendo, aliás

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22 de Julho de 1903 – Carta-aviso(?) comunicando a morte do Santo Padre Leão XIII e determinando as exéquias fúnebres a fazer por sua alma. In-fólio de uma pág., sem indicar lugar de impressão. 18 de Dezembro de 1903 – Pastoral relativa à eleição providencial do Santo Padre Pio X e apresentando a primeira encíclica. Coimbra, Imprensa Académica. 8.º de cinquenta e duas páginas. 12 de Março de 1904 – Provisão que diz respeito à reforma da música sacra conforme o motu proprio de Pio X de 22 de Novembro de 1903. 8.º de duas páginas, sem lugar de impressão. 25 de Março de 1904 – Exortação-pastoral sobre o jubileu da definição do dogma da Conceição Imaculada da Virgem Santíssima. Coimbra, Imprensa Académica. 8.º de trinta e seis páginas. O Nordeste, de 18 de Maio de 1904, referindo-se a este documento, diz: «mais uma Pastoral dissemos, para provar quanto o seu (d’elle bispo) elevado e esclarecido espirito é fecundo em producções, onde se allia a um acrisolado culto pela fé e accendrado zêlo pelo desenvolvimento moral e religioso d’esta diocese uma belleza de fórma litteraria, que se impõe pela sobriedade na expressão e pela excellencia do estylo». 6 de Junho de 1904 – Instruções para se ganhar a indulgência plenária no jubileu da eleição pontifícia. Coimbra, Imprensa Académica. 8.º de sete páginas. 19 de Março de 1905 – Provisão relativa ao Seminário episcopal de S. José de Bragança, datada da Quinta da Cruz da Bencanta (Coimbra). Imprensa Académica. 8.º de treze páginas. 21 de Dezembro de 1905 – Carta-pastoral acerca do ensino da doutrina cristã consoante a encíclica Acerbo Nimis do Santo Padre Pio X, datada da Quinta da Cruz da Bencanta (Coimbra). Manda que os párocos todos os domingos e dias santificados, como já fizera em documentos anteriores atrás citados, ensinem, durante uma hora, a doutrina cristã aos meninos e meninas. Coimbra, Imprensa Académica. 8.º de vinte e oito páginas. 18 de Dezembro de 1906 – Carta-pastoral sobre a comunhão frequente e quotidiana e Bula da Cruzada, dinheiro de S. Pedro e Lugares Santos. Além de seu autor versar nesta carta-pastoral, com rara competência, a questão da comunhão frequente, proíbe «sob pena de procedimento que todas as do venerando prelado excellentes, esta sobreleva-as no nosso juizo. É a genuína doutrina da Egreja a que vem n’esse documento expendida; mas com amor paternal e zêlo religioso que são caracteristicos brilhantes do sr. D. José Alves de Mariz».

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de hoje em deante festividade alguma se realise, com exposição do SS. Sacramento e com procissão, sem licença passada pela camara ecclesiastica» e que se admitam pregadores sem apresentarem licença do prelado passada por escrito. Coimbra, Imprensa da Universidade, 8.º de trinta páginas. 23 de Dezembro de 1907 – Carta-pastoral sobre o jubileu sacerdotal do Santo Papa Pio X, 1858-1908, com um apêndice de alguns assuntos eclesiásticos. Contém também o decreto dado em Roma aos 2 de Agosto de 1907 sobre os esponsais e matrimónio que traz disposições que muito convém ter presentes para a celebração deste sacramento, e outrossim as contas relativas à Bula da Cruzada, dinheiro de S. Pedro e colecta para a terra santa. Coimbra, Imprensa Académica, 1908. 8.º de quarenta e duas páginas. 7 de Junho de 1908 – Provisão sobre a solenização do jubileu sacerdotal do Santo Padre Pio X. Coimbra, Imprensa Académica, 1908. 8.º de seis páginas. 30 de Junho de 1908 – Provisão relativa ao decreto Ne temere da Sagrada Congregação do Concílio de 2 de Agosto de 1907, sobre esponsais e matrimónio. Esclarecimentos. Bragança, Tipografia Minerva. 8.º de dezassete páginas. 25 de Março de 1909 – Exortação Pastoral sobre a homenagem a prestar à Excelsa Rainha dos Portugueses, a Virgem Imaculada Conceição, com a construção do templo-monumento na cidade de Lisboa. Coimbra, 1909, Imprensa da Universidade. 8.º de vinte e quatro páginas. É datada de Bragança. 18 de Dezembro de 1910 – Circular declarando que o Papa prorrogou por mais doze anos o Breve relativo à dispensa de abstinência de carne aos sábados. É uma página em formato de 4.º, sem indicar tipografia nem lugar de impressão, datada de Bragança. 12 de Fevereiro de 1911 – Carta-pastoral relativa à Quaresma de 1911. Novo duodecénio da Bula da Santa Cruzada e dos indultos quaresmais e sabatino. Resumo das contas da bula, colectas para o dinheiro de S. Pedro e Lugares Santos em 1910. Coimbra, 1911, Imprensa Académica. 8.º de trinta e uma páginas. É datada de Bragança.

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Em 1214, veio o patriarca S. Francisco de Itália à Espanha, entrando pela Navarra, e visitou o templo de Santiago, na Galiza, havendo seis ou cinco anos que fundara a ordem religiosa do seu nome. O padre Gonzaga, em sua Chronica Geral, e com ele Alonso Lopes de Haro, em seu Nobiliario, dizem que no regresso do santo à Itália passara por Bragança e fundara o convento que esta ordem teve nessa cidade, como referia uma antiga e constantíssima tradição de todo aquele distrito. De maneira que não há outra prova, para atribuir a fundação do convento de S. Francisco de Bragança ao próprio patriarca da ordem, mais do que a tradição referida pelos escritores acima que viveram quatrocentos anos depois do facto, espaço longo demais para ela nos oferecer sérios motivos de credibilidade, atenta a deficiência dos processos de crítica histórica, então dominantes. Demais, o santo devia levar pressa e não poderia estar-se a prender com fundações, porque, estando em oração no templo de Santiago, foilhe revelada, diz Cornejo, que a sua presença em Itália era urgentemente necessária para coisas que muito faziam aos seus intentos (426); e efectivamente já lá estava a 17 de Novembro de 1215 (427). Além disto, o santo ia doente (428), e por isso pouco disposto a estar com as delongas próprias de uma fundação e numa terra tão distante do seu (426) CORNEJO, Damian, Fray, Obispo de la Santa Iglesia Catedral de Orense – Chronica Seraphica. Madrid, 1698, parte I, p. 39. (427) Ibidem e SANTIAGO, Francisco de, Frei – Crónica de Santa Província de Nossa Senhora da Soledade. Lisboa, 1762, parte I, livro I, cap. I. (428) CORNEJO, Damian, Fray – Chronica Seraphica, p. 39.

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CONVENTO DE S. FRANCISCO

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centro de acção, a Itália, quando a sua regra estava apenas aprovada rivae vocis oraculo e só o foi solenemente no Concílio de Latrão, a 17 Novembro de 1215, sendo esta a principal razão que o levava a chegar brevemente àquela nação (429). Acresce que Bragança, em 1214, devia estar pouco povoada, tendo apenas vinte e sete anos de existência, pois tantos decorrem desde a sua fundação em 1187 por D. Sancho I, e, nas vizinhanças dos beneditinos de Castro de Avelãs, mosteiro poderoso que ensombrava absorventemente a região bragançana, antes cuidaria em fortificar a cidadela, primeira necessidade para a vida daquele tempo e mesmo obrigação moral resultante do seu foral do que no estabelecimento de casas religiosas, embora de pouca monta como então eram os franciscanos. Devemos notar também que Bragança, povoada, a modo de Roma, por escravos, judeus, adúlteros, assassinos e outros criminosos, sem dúvida atraídos pelas garantias outorgadas no foral de D. Sancho, não seria a terra melhor preparada para receber carinhosamente uma ordem religiosa. A estes considerandos ajuntaremos a opinião do cronista Frei Lucas (430), que nega haver S. Francisco lançado as bases ao convento franciscano de Bragança. Igual opinião tem Monforte (431) e outros, sendo que muitas crónicas monásticas, como as de Waddingo, Cornejo, Reiffenstuel, Onufrio, Frei Marcos de Lisboa, o Breviário Seráfico e outros, não mencionam a estada de S. Francisco em Bragança. Certamente esta omissão é de pouco peso como critério histórico; no entanto, em face do exposto, algo deve valer. Desnecessário será advertir que, quando damos Bragança fundada em 1187, pretendemos significar apenas o seu ressurgimento para povoado de importância e não a sua fundação propriamente dita que, como já dissemos, é muito mais antiga. Entre os escritores que dão como certa a estada de S. Francisco em Bragança e a fundação por ele do convento avulta Cardoso (432), que escreveu a sua obra em 1652-1666; Esperança (433), em 1656; Francisco de Santa

(429) CORNEJO, Damian, Fray, e SANTIAGO, Francisco de, Frei, crónicas e lugares citados. (430) Frei Lucas Wadding, citado em ESPERANÇA, Manuel da, Frei – História Seráfica da Ordem dos Frades Menores de S. Francisco na província de Portugal. Porto, 1656, livro I, caps. I, II e III. (431) MONFORTE, Manuel de, Frei – Crónica da Província da Piedade, livro III, cap. XVI. (432) CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano, ao dia 21 de Junho; e tomo I, «Advertências», p. 21. (433) ESPERANÇA, Manuel da, Frei – História Seráfica, livro I, cap. III.

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Maria (434), em 1744; Castro (435) e Carvalho da Costa (436); em 1706. Este, reservando o seu juízo, escreveu: «tem (Bragança) um convento de S. Francisco da Regular Observancia, que dizem ser fundação do mesmo santo, que com a sua presença honrou pessoalmente esta cidade, e nas condições que ajustou com os vereadores d’ella para a erecção d’este convento, dizem que com sua propria mão assignou o santo, e que seu signal se guarda com veneração no archivo da camara da dita cidade». Estes «dizem» de Carvalho da Costa são muito expressivos e traduzem indubitavelmente as dúvidas latentes na mente do corógrafo. Pinho Leal (437), em 1873, seguiu Carvalho da Costa no seu «dizem» relativamente à fundação deste convento, e a ambos João Maria Baptista (438), julgando carecer de fundamento a notícia de se conservar na câmara o auto assinado pelo santo. Na verdade, Viterbo, que nele tanto vasculhou, nem mesmo algum outro escritor o encontraram. No entanto, este convento é muito antigo. No testamento de D. Afonso III, feito em 22 de Novembro de 1271, aparece a verba de cinquenta libras para os frades menores de Bragança «fritribus minoribus de Bregancia» (439). É esta a data mais antiga que temos para assinar positivamente à ordem franciscana da nossa cidade. Mas sigamos a História Seráfica (440). Foi fundador e primeiro guardião do convento de S. Francisco de Bragança, dando para ele a traça o próprio patriarca, um companheiro que este trouxe de Santiago, na volta da sua peregrinação por Bragança e do qual se ignora o nome e, mais ainda, a vida, sendo até incerto o local da sua sepultura, pois as diligências que para a procurar fez a 2 de Fevereiro de 1646 (e não 1656 como traz Lopo (441)), na parede da igreja entre a porta da sacristia e o púlpito, onde a tradição a localizava, evidenciaram apenas a existência do sujeito em cuja campa se lia este epitáfio:

(434) SANTA MARIA, Francisco de – Ano Histórico, vol. III, p. 131. (435) CASTRO, João Baptista de – Mapa de Portugal. 2.ª edição. Lisboa, 1762, tomo II, p. 104. (436) COSTA, António Carvalho da – Corografia Portuguesa, tomo I, p. 496. (437) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Bragança». (438) BAPTISTA, João Maria – Corografia Moderna do Reino de Portugal. (439) SOUSA, António Caetano de, Livro I das Provas da História Genealógica da Casa Real Portugesa, prova 50.ª. AMADO, José de Sousa – História da Igreja Católica em Portugal, tomo IV, p. 185 e 186. (440) ESPERANÇA, Manuel da, Frei – História Seráfica, livro I, caps. III e seguintes. (441) LOPO, Albino – Bragança e Bemquerença, p. 30.

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AQUI JAZ D. JOSEPH, ABBADE DE CASTRO ROUPEL, CONIGO DA SÉ DE BRAGA

Roupel, e não Rupel como traz Lopo, é o que aponta a Historia Seraphica que vamos seguindo. A sepultura deste abade estava encerrada num arco de pedra metido na parede da igreja. É certo que o autor menciona o aparecimento de uns ossos noutro sepulcro encabado na parede imediatamente inferior ao do abade, alvos de neve exalando tal fragrância e suavidade de cheiro «que pareceu que ardiam muitos pivetes e caçoulas», não faltando logo quem publicasse ter recebido curas miraculosas pelo seu contacto externo ou mesmo interno, como as freiras de Santa Clara que os ingeriam por meio da bebida desfeitos em pó; mas tudo isto, podendo depor muito sobre os méritos do sepultado, é nulo pelo que respeita ao seu nome e biografia, e mesmo nos parece chocha e ridícula a lenda milagreira arquitectada da História Seráfica sobre tal achado e idênticos em que as crónicas monásticas são férteis. O terreno para a fundação do convento foi dado espontaneamente por um membro da ilustre família Morais, cujo nome se ignora, diz a História Seráfica que vamos seguindo. Estes Morais eram nobres e tinham o seu solar na povoação deste nome no concelho de Macedo de Cavaleiros (442). No local onde se estabeleceu o convento havia uma capela dedicada a Santa Catarina que ficou servindo de igreja aos frades e depois «encorporada na casa se transformou em capella do capitulo e n’ella por memoria da santidade primeira tiveram os seculares muitos annos confraria em louvor da Cruz de Christo». O convento foi feito à custa das rendas públicas da cidade e esmolas particulares. Além de D. Afonso III, já mencionado, também a rainha Santa Isabel, mulher de D. Dinis, «teve sempre especial devoção (com este convento) por ser elle o primeiro em que entrou n’este reino quando vinha de Aragão e deu novo ser á egreja reparando juntamente todos os mais edificios. Assim o testemunhavam no fôrro da capella-mór, a qual era obra sua, os retratos d’ella e seu marido antes de uma ruina com que ficaram enterrados. Mas depois o tomou á sua conta a Casa de Bragança accumulando a este cada dia novos favores» (443). (442) SANCHES DE BAENA – Arquivo Heráldico-Genealógico. (443) ESPERANÇA, Manuel da, Frei – História Seráfica, livro I, cap. IV, p. 50. SANTA MARIA, Agostinho – Santuário Mariano, tomo V, p. 612.

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A passagem de Santa Isabel por Bragança foi a 1282 (444). Outro benfeitor deste convento foi o dr. Pascoal de Frias, abade de Carrazedo, que fez a casa da livraria e na igreja uma capela de morgadio a 8 de Dezembro de 1620, dedicada à Imaculada Conceição da Virgem, ao lado direito da capela-mor, abrindo para isso um arco na parede «obra grande... assim na magestade como no raro concerto com que a deixou ornada de muitos quadros, relíquias e lâminas que trouxe de Roma. Aqui está uma cruz feita de ébano, pouco maior que um palmo, na qual se vê representada toda a vida de Christo em figuras de relêvo, tão subtis e tão miudas que a vista mais aguda não lhes póde dar alcance e por grande maravilha a veem vêr de muito longe» (445). Aos pés do altar desta capela jaz o seu fundador debaixo de uma lápide com esta legenda: HIC JACET MORTUUS, QUI SPERAT SEMPER VIVERE

e a seguinte tenção em volta do arco da capela: IN NIDULO MEO MORIAR, ET SICUT PHÆNIX MULTIPLICABO DIES (446)

Frias deixou à livraria mais de setecentos volumes e de renda anual ao convento duzentos alqueires de trigo, quatro almudes de azeite, três mil réis para cera e quatro para a fábrica da Igreja (447). Este convento, em razão da sua separação dos outros, pertenceu a diversas custódias e províncias, duas divisões introduzidas para significar maiores ou menores agrupamentos de conventos na obediência de superiores chamados custódios, e ministros provinciais, cuja autoridade responde pouco mais ou menos à dos vigários gerais de uma região relativamente aos párocos, e de uns e outros em referência aos bispos aos quais de alguma maneira se assemelhavam em jurisdição os ministros provinciais. Pertenceu inicialmente à custódia de Portugal, fundada em 1219. Em 1272, dividindo-se Portugal em duas custódias e por este convento ficar deslocado, passou para a de Galiza (448). (444) PINA, Ruy de – Crónica del Rei D. Dinis, cap. II. (445) ESPERANÇA, Manuel da, Fr. – História Seráfica, lugar citado. (446) Ibidem, cap. XIX. (447) BORGES – Descrição Topográfica. (448) ESPERANÇA, Manuel da, Frei – História Seráfica, vol. I, livro V, cap. XLV, e livro I, lugares citados.

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Em 1330 pertencia à custódia de Zamora, em Espanha. Em 1380 fazia parte da de Coimbra, em Portugal. Por último, organizando-se a província de Portugal, composta de todos os conventos franciscanos desta nação, foi encorporado nela. E em 1568 passou a ser de frades observantes, tendo sido até ali de conventuais, duas famílias a que, em 1517, no Capítulo Generalíssimo de Aracœli (Roma), se reduziu toda a ordem franciscana (449). Havendo o Papa Benedito XII cometido aos priores-mores de Santa Cruz de Coimbra e de Santo Isidoro de Leão, em Espanha, a reforma dos cónegos regulares das igrejas catedrais da península, convocaram capítulo para o convento de S. Francisco de Bragança, por ficar mais central a uma e outra nação, e nele se reuniram em 1340 os vogais das diversas corporações de cónegos regrantes pertencentes a um e outro reino. Devia ser imponente este congresso. Era então prior-mor de Santa Cruz de Coimbra D. Francisco Pires de Azevedo, varão notável pelas letras e virtude (450). Também em 1394 o Papa Bonifácio IX nomeou comissário apostólico um guardião deste convento afim de dirimir certas contendas (451). Pelas 11 horas da noite do dia 14 de Julho de 1728, rompeu violento incêndio neste convento e «abrazou todo o dormitorio refeitorio e oficinas onde estavam os mantimentos e roupas», e a não ser a prontidão com que trabalharam na sua extinção, arderia também a igreja e sacristia que por muito tempo ficou servindo de dormitório a alguns religiosos (452). Foi depois reconstruído em 1800, como aponta Baptista (453), ou ainda antes, segundo Lopo (454). Mas o facto de D. Maria I fazer mercê aos religiosos deste convento da cadeira de Filosofia e de outra de ler e escrever em 1779 (455), nada prova relativamente à sua reconstrução, pois o incêndio não o tornou inabitável. Em 3 de Outubro de 1550, o dr. Francisco Jorge, do conselho de S. Majestade e seu desembargador do Paço, e sua mulher Isabel Borges,

(449) SANTIAGO, Francisco de, Frei – Crónica da Santa Província de Nossa Senhora da Soledade, livro I, cap. VI, e História Seráfica – lugares citados. (450) CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano, ao dia 24 de Março. (451) ESPERANÇA, Manuel da, Frei – História Seráfica, lugares citados. (452) Ano Histórico, vol. II, p. 355. (453) BAPTISTA, João Maria – Corografia Moderna do Reino de Portugal. (454) LOPO, Albino – Bragança e Benquerença, p. 31. (455) Vide «Capítulo sobre topografia de Bragança».

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da cidade de Bragança, instituíram o morgadio de Santo António com capela na igreja deste convento com obrigação de os administradores usarem sempre do apelido «Jorge». Este morgadio entrou depois na família dos Figueiredos na pessoa de Lázaro de Figueiredo Sarmento, alcaidemor de Bragança, que morreu em 1713 e vinha a ser terceiro neto do instituidor (456). Esta capela dos Borges, «por antiga e mal administrada, lhe ficou só o nome e os irmãos terceiros colocaram em ella a imagem do Senhor dos Passos e alguns devotos na mesma festejão a S. Vicente Ferrer com novena e praticas» (457). Em 28 de Setembro de 1592, o arcediago da Sé de Goa, Francisco de Almeida, natural de Bragança, instituiu um morgadio com obrigação de se fazer uma capela na igreja deste convento (458). Ignoramos se a capela se fez. Padroeiro do convento Já vimos como um membro da ilustre família dos Morais dera o terreno para a construção do convento e até uma capela de Santa Catarina que ele ali tinha a qual serviu muito tempo de igreja aos religiosos, sendo depois encorporada na casa e transformada em capela do capítulo. Não é fácil saber-se quem sejam os actuais representantes dessa família; vamos, porém, produzir sobre o caso uma genealogia que, pelo menos, tem o mérito do fornecer algumas notícias interessantes a Bragança. «Estes Moraes, diz essa genealogia, são inquestionavelmente a familia de quem hoje é representante o Conde de la Roza, na Hespanha, D. Francisco de Castro Moraes Pimentel, filho de outro portuguez do mesmo nome que em Hespanha cazara com a condessa de la Roza, senhora de cinco villas, e é o quinto neto do sargento-mór de batalha Gregorio de Moraes Pimentel e Castro, descendente em linha recta de Martim Affonso Pimentel, irmão do Conde de Benavente (João Affonso Pimentel, que foi alcaide-mór de Bragança). Tinha esta familia sepultura com epitaphio e brazão d’armas no dito capitulo ou capella de Santa Catharina e n’ella se enterrou ha 45 annos sua parenta D. Joanna Corrêa de Sá Vasques e Benevides, natural do Rio

(456) Árvore Genealógica da Família dos Figueiredos da Quinta de Arufe, manuscrito que possui o escrivão notário de Bragança, José Julio Chaves de Lemos. (457) BORGES – Descrição…, «Convento de S. Francisco», e notícia 11.ª, § 2.º (458) Ibidem, «Morgados», § 12.º.

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de Janeiro e mulher do tenente general conselheiro de guerra, Manuel Jorge Gomes de Sepulveda, e mais dois filhos, como refere a Gazeta de Lisboa de 1 de Setembro de 1801, e não se enterraram nunca nella os Moraes da casa dos Machucas (que hoje pertence por linha femenina a Manuel Pinto Guedes Bacellar, filho primogenito do visconde de Montalegre), pois que o ultimo dos Machucas, que era commendador de Malta, Frei Domingos de Moraes Pimentel, foi enterrado na egreja do convento de Santa Clara, aonde esta familia e todos os seus antepassados tinham sepultura propria com o epitaphio e brazão d’armas. Muito menos pertence esta sepultura do capitulo dos ditos frades franciscanos aos fidalgos Arrochellas de Guimarães; nem ao da villa da Barca, Manuel Pereira de Castro Pimenta, como se diz nos Costados Genealogicos impressos em 1820 lhe pertencia por cazamento, talvez lembrando-se que já não existiriam representantes d’esta caza, e então a elles como parentes mais proximos lhe pertenceria. Porém nem assim mesmo, porque parentes mais chegados são os viscondes da Azenha, pois que o pae do actual visconde, Bernardo Corrêa de Moraes, era filho de D. Maria Corrêa de Moraes Castro, dama de honor de D. Carlota, princeza do Brazil e irmã do pae do actual conde de la Roza, residente em Saragoça e agora senador em Madrid: este conde ainda tem casas em Bragança que mostram a sua antiguidade e muitos fóros e fazendas denominadas da Reprezalia dados pelos reis deste reino Affonso 6.º e Pedro 2.º e confirmados pela rainha D. Maria 1.ª que tem andado em letigio por se dizerem doações que parece estarem extinctas pelas novas instituições politicas. A referida Capela ou Capitulo se acha hoje profanada e demolida pelos paizanos e militares a quem se entregou o convento dos extintos frades; e até por direcção de um engenheiro se conduziram as pedras sepulchraes para as suas cozinhas!... Contudo os ossos que existiam na referida sepultura foram decentemente trasladados para a Egreja dos Terceiros da mesma ordem de S. Francisco pelo zêlo e diligencias do parente e filho da última enterrada, João Antonio Corrêa de Castro e Sepulveda, arcediago da Sé, que também é procurador nesta cidade do referido conde de la Roza» (459). (459) SEPÚLVEDA, Francisco Xavier Gomes de, Farol Trasmontano. Bragança (1846), p. 142. Sobre estas pretensões e questões do padroado de S. Francisco, ver COUTINHO, Moura, A Pátria Nova, n.os correspondentes a 15 e 22 de Julho, 5, 12, 19 e 26 de Agosto e 2, 9, 16, 23 e 30 de Setembro de 1908, onde este erudito investigador trata largamente de assuntos pertencentes à igreja de S. Francisco.

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Ao tratarmos do Museu Municipal de Bragança diremos como uma das casas do Conde de la Roza em Bragança era a deixada a este estabelecimento pelo médico Zeferino. Com referência ao dito acima, há em uma parede lateral do átrio da igreja de S. Francisco uma lápide com este letreiro: «A Ex.ma D. Joanna Corrêa de Castro Benevides Velares, natural do Rio de Janeiro, molher do Ex.mo Tenente General e Conselheiro da Guerra Manoel Jorge Gomes de Sepulveda, falleceu em junho de 1801, foi sepultada na casa do capitulo deste convento antiquissimo, jazigo dos Moraes Castro Pimenteis, sua familia. Agora anno de 1845 trasladados seus ossos, com os de seus filhos e parentes, para a capella-mór d’esta egreja por profanação da dita casa pela tropa, quebramento de campas, de brazões d’armas e epithaphios antigos, acontecendo o mesmo com as dos fundadores». No entanto, sabe-se, por documentos que existiram no arquivo do convento, citados por Borges (460), que, arruinando-se a capela do capítulo pelos anos de 1540 e porque os padroeiros, que eram muitos (nada menos de cinco ramos diversos de Morais com avultado número de representantes) a não queriam reedificar, pretendendo cada um ser único, em despacho de Janeiro de 1569, do bispo D. António Pinheiro, a requerimento dos frades, foram notificados a o fazer e como não dessem ouvidos, a reconstruíram os religiosos, renunciando aqueles o direito de padroado. Mas no capítulo celebrado em Lisboa em Dezembro de 1589, alegaram perante o geral da ordem, Diogo Vaz Pinto, do hábito de Cristo, e o licenciado Gaspar de Morais, abade de Serapicos, que sendo legítimos e únicos representantes dos instituidores, vista a desistência dos mais, pretendiam o padroado que lhes foi reconhecido depois de feitas as devidas investigações genealógicas, por escritura de 5 de Setembro de 1590 mandando dar posse dele ao guardião do convento, Frei Francisco Neto. Depois os herdeiros de Diogo Vaz Pinto, moradores em Vila Real, desistiram desse direito em benefício do dito abade a 29 de Maio de 1612. A linhagem do abade extinguiu-se depois, vindo o direito de padroado a ficar devoluto à cidade e casa de Bragança que tomou o convento debaixo da sua protecção; daqui, a provisão real de 17 de Setembro do 1715 (461) contrariando a patente do Padre Geral Frei Alonso do Biesma, que concedia esse título ao coronel Pedro Ferreira de Sá Sarmento.

(460) BORGES – Descrição..., «Convento de S. Francisco». (461) Arquivo Distrital de Bragança, Livro do Registo da Câmara de Bragança, fl. 415.

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Como veremos ao tratar do Liceu, por decreto de 8 de Julho de 1857 determinou-se que, logo que se realizasse a mudança do hospital militar para o extinto convento de S. Francisco, fosse o Liceu colocado no edifício devoluto por aquela transferência (462). Esse hospital está agora na casa do antigo convento. Ainda relativamente à fundação do convento de S. Francisco em Bragança, devemos notar que o continuador da História Seráfica (463) sente que «na antiguidade tem a primasia entre todos os franciscanos d’este reino; e se agora saiu um autor contradizendo esta opinião e afirmando que fôra o de Coimbra, sem isso lhe importar cousa alguma, nós lhe daremos a resposta no anno de 1538, tempo em que entraram nelle os religiosos da sua provincia». Depois, o mesmo autor, no tomo IV da sua obra, pág. 47 e seguintes, consagra dois capítulos largos, oito fólios a duas colunas, para demonstrar a sua tese; porém, nada achámos neles que possa radicar tal convicção de um modo completo, apenas a tradição, o «diz-se» e mais nada de positivo. Dali mesmo se colhe que alguns lhe datam a fundação não de 1214, no tempo de S. Francisco, mas de 1394, o que é menos exacto, como se deduz da verba do testamento de D. Afonso III. Em Bragança, continua o mesmo autor, deixou S. Francisco um discípulo dos muitos que achou em Compostela e neste convento se tornaram distintos por virtudes conhecidas, «cujos exemplos já andam escritos, especialmente os dos memoraveis» Frei Jerónimo Castelhano, Frei Francisco de Santa Bárbara e não lhe servem de menos glória os frades Frei Filipe Dias e Frei Luís da Cruz.

(462) Diário do Governo de 17 de Julho do 1857. (463) SOLEDADE, Fernando da, Frei – História Seráfica Cronológica da Ordem de S. Francisco na Província de Portugal, 1705, tomo III, «Proémio», § 2.º, n.os 1 e 2.

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CONVENTO DE SANTA CLARA A 8 de Dezembro de 1569 benzeu o bispo de Miranda, D. António Pinheiro, solenemente o sítio para o convento de freiras de Santa Clara, debaixo do título de Nossa Senhora da Conceição, e não Assunção, como traz o padre Carvalho (464), no «campo da cidade chamado de traz das casas do Sprito Santo» e o pedreiro «Guaspar de Morim poz os marquos e começo da dita casa e abrio os alicerces» (465). Por Provisão do mesmo bispo, dada em Bragança aos 3 de Novembro de 1571, declarou ele à câmara de Bragança e oficiais dela por padroeiros lídimos do dito mosteiro ex dotatione et fundatione, porquanto a dita destinara seis mil cruzados para ele se fazer, dando-lhe além disso o terreno e juntamente cerca, pomar e horta, como tudo consta do auto de obrigação feito aos 9 de Fevereiro de 1568 «na cidade de Braguança dentro no castello da dita cidade onde pousa o senhor Bispo D. Antonio Pinheiro» (466). O título de padroeira, além do direito de apresentação, conferia à câmara o privilégio de se assentar em cadeiras nas festividades solenes celebradas na igreja do convento, o que nem sempre lhe foi respeitado, como se vê por um requerimento desta feito ao rei Filipe, para que, vistos os títulos que disso apresentava, declarasse por resolução régia tal direito em vigor, pois «houvera algumas pessoas que erradamente quizeram notar ouzarem elles supplicantes das taes cadeiras em dia de Santa

(464) COSTA, António Carvalho da – Corografia Portuguesa, a quem seguiu João Maria Baptista, na sua Corografia Moderna do Reino de Portugal. (465) Memórias Arqueológicas do Distrito de Bragança, documento n.º 100, tomo III, p. 221. (466) Ibidem, documento n.º 99-B, p. 215.

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Clara proximo passado» (467). No verso deste requerimento vem o despacho régio de 24 de Janeiro de 1632, onde reconhece a subsistência do privilégio, que em 13 de Maio do mesmo ano declarou em régia provisão (468). Em virtude do direito de padroado, pelos anos de 1721 a câmara nomeava cinquenta e um lugares, a saber: quarenta e cinco de véu preto, dois de branco e quatro de educandas. A câmara de Bragança, além do padroado do mosteiro de Santa Clara, tinha mais o das capelas de Santiago, S. Sebastião, Nossa Senhora do Loreto e igreja de S. Jorge (matriz de Vila Nova), com obrigação de fazer nesta a festa pelas razões ditas no lugar próprio (469). Deve ter relação com estas pretensões e contestações o facto relatado por Pinheiro Chagas (470) que diz que em 1663, em Santa Clara de Bragança, Diogo de Figueiredo Sarmento, nas Endoenças, estando o Sacramento Exposto, ensanguentou o templo crivando-o de tiros de espingarda. A 15 de Outubro de 1585 comprometeu-se o bispo de Miranda D. Jerónimo de Meneses a «fazer byr a esta cidade (de Bragança) certas freyras para começar hum mosteiro de freyras em esta cidade que se ham de meter e prymeiramente na casa da misericordia dela entretanto que se acaba de fazer ho mosteiro nobo que para ellas esta começado», a câmara a dar às mesmas durante vinte anos em cada um 50$000 réis aos quartéis, a concluir-lhe o mosteiro no mesmo período de tempo, e as freiras seriam obrigadas a «tomar as filhas dos cidadãos desta cidade (de Bragança) por cento e quarenta mil rs cada huma e mais não se lho naom quiserem dar» e a darem despejada a casa da Misericórdia dentro em dez anos, para continuar com o seu destino próprio. Também nessa ocasião, o mesmo bispo se obrigou a dar outros 50$000 réis cada ano às mesmas freiras enquanto o fosse da diocese, e em seu nome e no dos seus sucessores aceitou ser o ordinário delas. Ainda há uma cláusula neste contrato onde declara que os 140$000 réis com que as freiras eram admitidas se entende não tendo elas mais de legítima, pois, neste caso, levariam tudo ao dito mosteiro (471).

(467) Memórias Arqueológicas ..., documento n.º 99-E, tomo III, p. 221. (468) Ibidem, documento n.º 99, p. 220. (469) BORGES – Descrição Topográfica ..., «Regalias que tem a camara desta cidade». (470) CHAGAS, Pinheiro – História de Portugal popular e ilustrada, vol. VII, p. 247. (471) Memórias Arqueológicas ..., documento n.º 97, tomo III, p. 207.

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Lê-se neste documento esta cláusula: «houtro sy terem carta (os membros da câmara) e oyso da. Senhora. donna. catrynna. admenistradora do estado desta cidade» de Bragança. Portanto, D. Catharina não foi a fundadora do convento, como trazem Carvalho da Costa, João Maria Baptista em suas obras e outros, mas sim a câmara: apoiou simplesmente a sua construção. Por outro documento feito em 1586 declara-se que a obra total do convento importaria em 15 000 ou 16 000 cruzados e que já então algumas freiras estavam em Bragança na casa da Misericórdia (472). Ainda por outro documento, onde se encontra uma obrigação contraída pela câmara com as freiras feita a 23 de Novembro de 1585, vê-se: que os cem mil réis haviam de ser dados a estas durante vinte anos «se tanto durasse o não terem ellas outra cousa de que se posão muito bem sustentar»; que se o bispo não desse a parte que prometera (50$000 réis) seria dada pela câmara; e que o chão do Cabeço da Cidade (hoje chamado Cabeço das Freiras, de que também a dita havia feito doação às freiras) costumava então render cento e cinquenta medidas de pão cada ano; e que as freiras que então havia, isto é, as que vieram para estabelecer a fundação, eram quatro (473). No mesmo livro que temos seguido intitulado Manuscritos Antigos, existente no arquivo da câmara de Bragança, pág. 97, vem a escritura feita entre a câmara e os pedreiros para a construção da igreja do mosteiro. É um documento que devia ter valor para a história da arte portuguesa: infelizmente, está a desfazer-se de podre, mais ainda que os antecedentes, e não se pode ler todo. Ainda assim, vê-se que foi celebrada a 10 de Dezembro de 1596, sendo artistas construtores Afonso Gonçalves e António Gonçalves, irmãos, pedreiros, moradores em Bragança, que a justaram à razão de 1$750 réis por braça, de pedra, cal e argamassa e quatro palmos de largura, sendo a cantaria empregada paga à parte. A obra de madeira do mosteiro foi arrematada aos 29 de Janeiro de 1590 pelos carpinteiros Tomás Pires, Jerónimo Gonçalves e Pero Gonçalves, naturais de Bragança (474). Uma das condições do contrato era que certos entablamentos haviam de ser como os do mosteiro de S. Francisco da cidade de Bragança. (472) Memórias Arqueológicas ..., documento n.º 98, tomo III, p. 209. (473) Ibidem, documento n.º 99-A, p. 212. (474) Ibidem, documento n.º 100, p. 221.

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Com a data de 26 de Novembro de 1586, há no já citado livro, um documento ou contrato celebrado entre as freiras e câmara sobre o enxoval das mesmas. Segundo ele, as filhas dos cidadãos que entrassem no mosteiro, além ~ dos 140$000 réis, deviam levar mais «duas camas de roupa. hua para tal freyra. e outra para enfermary / e a da enfermarya seram dous colchões e dous cobertores hum branco e outro azul e dous traveseiros e duas allmofadas com cada hum duas camisas e coatro lemçõis / e a cama para a ~ dita freyra e duas arobas de cera – S – hua a entrada e outra no tempo do fazer da profisaom e asy mais darem do propinas a ela abbadesa dous cruzados e a madre vigaira seis centos rs has freyras profesas que no dito conbento houber quatro centos rs e as nobiças (475) duzentos rs / e a samx~ pãa hua peça qual quiserem os dotadores e ao capelão seis centos rs / e ao samxpão [sacristão] abendoo hum cruzado / e asy mais treze mill rs em dinheiro para o anno do nobiciado a cada freira / e pera o dito anno ho bestido e callçado que lhe for necesaryo / e semdo caso que no dito combento entrem moças piquenas que seja necesaryo andar no dito mosteiro mais que hum anno sem fazer profisaom por não ter ydade para yso lhe daraom. cada hum anno hathe que faça ha dita profisaom os ditos trese mill rs» (476). As freiras estiveram na casa da Misericórdia desde 1586 até 1598, em que foram para o novo mosteiro (477). «Em 1595, diz a Crónica Seráfica, por ordem do duque D. Theodosio de Bragança sahiram do convento de Villa Viçosa para o de Santa Clara de Bragança, com o titulo de reformadoras, como dizem as memorias do mosteiro de Villa Viçosa, ou com o de fundadores, como escreve o Chronista da Santa Provincia de Portugal, as madres sorôr Maria das Chagas, por abbadessa, sorôr Catherina do Espirito Santo, por socia ou porteira, e sorôr Antonia de Jesus, por vigaria da casa (478). A opinião de que estas religiosas foram por preladas e não por reformadoras parece ter seu lugar, porque uma casa que ainda estava muito nos seus principios pouco teria que reformar, mas se attendermos ao que

(475) A cópia de 1715 traz: «pella anoviciar duzentos reis». (476) Manuscritos Antigos IV, p. 67. Memórias Arqueológicas..., documento n.º 99-A, tomo III. (477) BORGES – Descrição... (478) Era natural de Vila Viçosa, onde faleceu no Convento da Esperança em 1605, como diz O Portugal Antigo e Moderno, vol. XI, p. 1161.

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se tem n’outros mosteiros, não haverá tanta implicancia n’estes titulos. Nem a palavra reforma suppõe sempre relaxação, porque bem póde haver correcção de costumes sem o vicio de grande relaxação. A madre sorôr Antonia de Jesus padeceu suas contrariedades, na pouca acceitação de seus conselhos, que, como era ovelha de outro rebanho sempre havia de encontrar repulsas das que presumiam estarem senhoras da sua casa. Foram ao principio mal acceitas, porque similhantes emprezas sempre causam novidades» (479). A História Seráfica nega que soror Maria das Chagas viesse com o título de reformadora para Bragança (480), pois segundo ela dizia «apenas encontrara algumas ninharias que reprehender». Seria a humildade da madre, o não querer censurar ninguém, que a levava a dizer isto, ou floresceria realmente no convento a virtude? Porém, da carta do duque de Bragança, D. Teodósio, de 29 de Outubro de 1595, referente ao assunto, vê-se claramente que vieram por reformadoras (481). Soror Maria das Chagas morreu a 11 de Maio de 1631 no Mosteiro de Vila Viçosa e não no de Bragança, como traz por engano o Ano Histórico (482). Foi dotada de extrema virtude, humildade, caridade e penitência; teve o dom profético e fez milagres, segundo dizem as crónicas. A História Seráfica traz como freiras fundadoras do convento de Santa Clara de Bragança soror Filipa da Assunção, abadessa, soror Paula das Chagas, vigária, na companhia das quais, por serem de grandes virtudes, soror Isabel do Espírito Santo e soror Brites da Assunção, naturais do Porto, de cujo convento de Santa Clara procediam todas, e as duas primeiras naturais de Braga. Tornaram depois todas para o Porto, onde todas faleceram, tendo ainda segunda vez a abadessa empunhado o báculo do mando em Bragança (483). Estas quatro foram as primeiras freiras claras que vieram para Bragança em 1586 ou pouco antes, como se vê do documento n.º 99-A do tomo III das Memórias Arqueológicas.

(479) BELÉM, Jerónimo de, Frei – Crónica Seráfica, parte IV, livro XIX, cap. XX, p. 198. (480) ESPERANÇA, Manuel da, Frei – História Seráfica…, parte IV, cap. II, n.º 11, tomo V, p. 5 e 8. (481) BORGES – Descrição..., onde se encontra transcrita por inteiro. (482) BELÉM, Jerónimo de, Frei – Crónica..., parte IV, livro XIX, caps. XXXV a XLLX. CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano, ao dia 11 de Maio. (483) ESPERANÇA, Manuel da, Frei – História Seráfica da Ordem dos Frades Menores de S. Francisco na Província de Portugal, livro V, cap. XXXIV.

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A seguinte carta régia de 29 de Abril de 1687 (484) mostra o estado interno do convento: «Eu el rei, como Administrador da pessoa, e bens da Infanta minha sobre todas muyto amada, e prezada filha Duqueza de Bragança. Faço saber aos que este virem que havendo respeito a me reprezentarem a Abbadessa e Religiozas do Convento de Santa Clara da cidade de Bragança que os Serenissimos duques do dito estado, meus antecessores mandarão fundar aquelle convento e o dotaram com cem mil reis de renda cada anno pagos pela Camara daquella Cidade com condição de entrarem sómente nelle quarenta e cinco freyras de veo preto filhas e netas dos cidadons della na forma da carta del Rei meu Senhor e Pay que santa gloria haja de vinte e nove de Agosto de mil seiscentos e quarenta e oito somente com o dote de cento e quarenta mil reis. que como era tão limitado não podião acudir ás ruinas com que se achava o dito Convento por se lhe tomar hum dormitorio e muyta parte da cerca para as muralhas e trincheyras no tempo da guerra com Castella, que não podem reedificar nem levantar o Coro que está cahido por não terem mais rendas que os ditos cem mil reis e mil alqueires de pão (a terça parte centeyo) que comprarão com os dotes das Religiozas que não basta para as sustentar, o que tudo me constou ser verdade... e que a de que necessitava o dito convento era alargar o dito Coro e fazer portaria e casa de Provizoria e tulha, reformar o dormitorio e fazer ao menos vinte cellas de novo o que tudo pela avaliação que fizeram os officiaes podera custar seis mil cruzados e se mostrar pelas contas que mandey fazer que nas rendas da Camara da dita cidade havia sobejos pagas as despezas ordinarias que se podiam applicar por alguns annos as ditas obras. Hey por bem e mando que dos ditos sobejos se paguem em cada hum anno por tempo de dez, cento e cinquenta mil reis» para serem aplicados nas ditas obras, dos quais nomeia superintendente Baltasar de Morais Sarmento, morador em Bragança. Não devia correr, pois, desafogadamente a vida das nossas clarissas; e, sobretudo, o longo período de lutas que se seguiram à Aclamação de 1640 muito as prejudicou. Também parece que a mansidão e obediência aos superiores não era a sua feição predominante, tomando até parte nas questões económicosociais como tudo se mostra do seguinte: «A 4 de Mayo de 1731 sahirão as freiras de ambos os conventos para que se não estancasse o sabam, e a

(484) Arquivo Distrital de Bragança, Livro do Registo da Câmara de Bragança, fol. 51, Lv. 1º. Albino Lopo, na Bragança e Bemquerença, p. 26, deu parte deste documento, que diz ser passado em 1685, no que padeceu engano.

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vinte de Janeiro de 1750 tornarão a sahir pela mesma causa e dormirão nos balcoms do Colegio [convento dos jesuítas] todas e o dia 21 o passarão todo na caza da camera e d’ahi se recolherão já de noute. E por causa de hua Pastoral de D. Frei João da Cruz porque lhe mandava ter hora e meya de oração e conferencias espirituaes sahirão em 13 de Março de 1752 direitas a S. Sebastiam as de Santa Clara com o intuito de hir a Miranda falar ao Bispo dahi retrocederão ao Loreto donde dormirão e dalli chegarão a Gimonde de donde os Menores [frades franciscanos] as fizerão retroceder dizendo que eles comporiam tudo. Continha a Pastoral a dita xpam e que serião aroladas em 3 partes pelo capelam estiverão 8 dias na Misericórdia e se recolherão compondo-se-lhe tudo a seu favor. Em Março de 1755 em acto de bizitação o Dr. Miguel Luiz Peixoto da Cunha com o intuito que faria perguntas a hua noviça de Villa Real que o hera no dito convento de Santa Clara por 20 annos a deixou ficar na portaria e mandando o mesmo Senhor Bispo que a não recolhessem sobre que se alterarão as religiosas e quizerão sahir rompendo a roda da grade primeira por donde sahirão duas, e lá estiverão com a noviça até tarde e depois se recolherão todas 3 pela porta, para effeito do serenar a cumunidade que toda estava para sahir inquieta. E por Decreto del Rey sahio a noviça para fora para casa de João Ferreira Sarmento no dia 24 de abril, o qual lhe foi intimar o Dr. Juiz de Fora, e isto foy as freiras claras. No dia 26 de Agosto de 1756 tornarão a sahir 27 freiras claras pelo Bispo D. Frei João da Cruz as querer obrigar a fazer termo assignado sobre o que lhe rezultava da vizita, e por ter alguas privadas da communhão por não quererem deixar tirar hua devassa e forão direitas a S. Francisco com animo de render obediencia ao Provincial M.e Sapateiro que ali se achava desterrado, e ele fugio por hua janella e se foy da terra, ellas dormirão na portaria dos frades das Eiras [jesuítas], ó outro dia forão caminho de Chaves athe Penas Juntas donde lhe mandou o general conde de Coculim 60 cavallos para as acompanhar e se recolherão por lhe certificar com El Rey o seu patrocinio forão absolvidas da censura por mandado do Illustrissimo Cabido por morrer o dito Bispo a 20 de Outubro de repente e se atribuio a sua morte a varias penas que tinha. No dia 14 de Fevereiro de 1758 vierão a esta cidade acompanhadas de hua tropa de cavallaria duas freiras do convento do Salvador de Braga ~ com o comitatu decente desterradas por decreto del Rey hua para Santa Clara que se chama Cristina Maria da Encarnação e a outra para S. Bento MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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chamada D. Maria Joanna vinhão dous abbades acompanhando-as, e tambem veyo outra para Vinhaes» (485). Entretanto, outras deixaram de si clara fama: pelos anos de 1665 sairam desta casa a reformar o convento de Santa Clara de Vinhais as madres Maria da Encarnação, Maria dos Serafins e Maria de S. Miguel, indo por abadessa a primeira. E em Fevereiro de 1716 também aqui se veio acolher a madre Vicência Maria da Trasladação para fundadora do mosteiro da Conceição de Chaves (486). Com a extinção das ordens religiosas, passou o convento de Santa Clara a propriedade do governo e a sua igreja entregue ao culto público. Por carta de lei de 22 de Março de 1877 obteve o bispo de Bragança e Miranda, D. José Maria da Silva Ferrão de Carvalho Martens, a concessão do convento para nele edificar a Sé Catedral. O projecto desta concessão fora apresentado ao parlamento pelo deputado conselheiro José Guilherme Pacheco. O efeito da concessão caducava ao fim de cinco anos, se durante esse período não começassem as obras, que seriam em estilo gótico, puro e simples, segundo o risco do arquitecto José Maria de Nepomuceno, cuja planta se conserva na Câmara Eclesiástica em Bragança. Tal construção nunca se principiou e o convento tornou a passar para o governo, que mais tarde, por despacho ministerial de 26 de Junho de 1883, permitiu à Câmara Municipal fazer em parte da cerca, ao lado da rua Nova, modernamente chamada do Conselheiro Emídio Navarro, uma praça-mercado, devendo, sob pena de caducar a concessão, dar-se princípio às obras dentro de dois anos (487). Este melhoramento foi iniciado pela vereação de 1885 presidida por Tomás de Sá, e eram empreiteiros da construção João José Pereira Charula e o bacharel Eugénio de Castro, em contrato celebrado a 26 de Março de 1886. Mesquinhas rivalidades políticas fizeram suspender os trabalhos em virtude de um despacho interlocutório do Tribunal Administrativo do distrito de 4 de Dezembro de 1885, mas o Supremo Tribunal Administrativo decidiu em 4 de Setembro de 1891 o pleito a favor dos arrema(485) Encontrámos estas notícias na cota de um livro da povoação de Soeira, o qual hoje está em nosso poder. Já foram por nós publicadas na Gazeta de Bragança, de 28 de Dezembro de 1902. Pinheiro Chagas, na História de Portugal popular e ilustrada, vol. VI, p. 342, alude a factos idênticos passados noutros conventos. (486) BORGES – Descrição ... (487) Diário do Governo de 1 de Setembro de 1883.

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tantes, e em 1895 a Relação do Porto julgou válido o contrato da empreitada da construção. Porém, em vista da atitude que o povo tomara, os empreiteiros, na sessão da câmara de 9 de Abril de 1896, requereram a esta que optasse pela conclusão da obra ou rescisão do contrato. Seguiu-se esta última via (488). Em sinal de protesto contra a construção desta praça convocou a facção contrária um comício, que teve lugar a 18 de Abril de 1886. O povo, açulado pelas declamações dos tribunos, rompeu nos maiores excessos; tumultuário, na inconsciência da própria estupidez; exasperado, porque lhe fizeram crer que, para se efectuar a obra, seria arrasada a igreja de Santa Clara, invade a praça em construção despedaçando e inutilizando quantos materiais ali encontrou, o que devia montar a bons centos de mil réis. E não contente, rugindo ameaçadoramente, soltando gritos subversivos, tenta renovar sobre a cidade os horrores do saque. Foi um dia de muito susto. Felizmente não houve desgraças a lamentar, mas custou muito a conter o povo. Os materiais para esta obra, principalmente alvenaria e cantarias, foram tirados do convento, que para isso se lançou por terra. No local da praça construíram-se, pelos anos de 1905, as escolas do sexo masculino e feminino, sendo o muro que tapa esse recinto quanto resta da projectada praça-mercado. O convento de Santa Clara constava de duas partes unidas: a igreja, ainda hoje existente que marcha de oriente a poente e formando ângulo recto com esta em alinhamento à sua capela-mor, uma secção do mosteiro, cortado rectangularmente na altura da casa da Assembleia Brigantina por outro troço que caminhava paralelo à igreja. Era, pois, uma espécie de U de linhas rectas, em rectângulo a que faltava o lado poente. No espaço que ficava entre as paralelas havia uma fonte (489), cuja água se conduziu ao fazer as obras da praça-mercado para o tanque que fica em baixo à beira da estrada que vai para Gimonde e tem, numa lápide, esta inscrição: C. M. B. 1891 (490) (488) Gazeta de Bragança de 12 de Abril de 1896, onde podem ver-se as condições apresentadas pelos arrematantes (3 de Maio, 7 e 14 de Junho de 1896). (489) Ver Memórias Arqueológicas ..., tomo I, p. 345. (490) «Câmara Municipal de Bragança» – 1891.

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No local onde se começou a construir a praça-mercado havia uma alameda de grandes negrilhos e nela duas capelas, uma de Santa Ana e outra de Nossa Senhora do Bom Sucesso, que tudo, profanado como estava, foi destruído nessa ocasião. A cerca do convento era bastante extensa; o seu muro, partindo de junto à capela-mor da igreja, seguia marginando a dita estrada até pouco adiante da Escola de Habilitação ao Magistério Primário e, formando ângulo, dirigia-se à esquina do cemitério público da cidade. Esta parte é a única que existe, e por esta dava no largo do Picadouro, e, acompanhando a rua deste nome e a rua Nova, fechava na dita igreja. As guerras da Aclamação de 1640, que duraram por espaço de vinte e oito anos, fizeram com que em parte desta cerca se construísse, como já vimos, uma muralha para defesa da cidade, cujas ruínas ainda se vêem em parte. O mosteiro era muito espaçoso; em 1721 tinha cento e vinte religiosas de véu preto, duas de branco, oito noviças e seis educandas. Constava de dois andares, além do térreo, solidamente construídos, mas tanto este como igreja nada tinham de notável a não ser nesta última, de uma só nave e três altares a fachada da porta principal, que fica do lado, como templo de religiosos e não de frente. É em arco de círculo almofadada nas aduelas deste e silhares que formam as ombreiras e impostas de ornatos muito semelhantes e gotas e triglifos, ladeada por duas colunas de caneluras nos fustes e capitéis ricamente cinzelados com folhagens. Aos cantos da arquitrave, como que a sustentá-la junto aos capitéis, saem dois modilhões de carrancas. O friso é almofadado e com ornatos bem extravagantes ao parecer: uma figura semelhando à letra X alterna com outra comparável a uma escada de corda, talvez alusão picaresca ao instrumento próprio das empresas dos freiráticos de tenoriana memória. Serão adufas? Bem sabemos que é ousada aquela opinião; chamamos, porém, para o caso a atenção dos entendidos. Sabe-se, no entanto, que a arquitectura foi por muito tempo a única via segura para exercer a livre crítica, e muitos dos seus ornatos representam a sátira, o epigrama, a crítica, o sarcasmo, a ironia, a alusão picante, ridicularizante e insultuosa. Du Breul refere-se ao desforço do clero de Notre Dame contra o advogado de Filipe de Vallois, Pedro de Luignet, que em 1329 atentou contra a jurisdição temporal eclesiástica, sendo imediatamente excomungado e posto em figura horrenda ao canto da tribuna para apagar, sobre o seu rosto, as velas da igreja! MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Na escultura das igrejas em pedra e madeira muitas vezes apresentam os frades e os pregadores com a cabeça de quadrúpedes, cabeças de mulheres com chifres de carneiros, raposas com o hábito franciscano pregando do púlpito às galinhas que, de cabeça erguida e bico aberto, as escutam; suínos organistas, lobos foleiros, etc. É de sobra conhecida a descrição da escultura que, a um canto da nave de Estrasburgo, representava ou representa ainda um burro de casula a celebrar missa, servindo-lhe de diáconos um lobo e uma raposa. Em Braga temos, como exemplo precioso, a gárgula do lado esquerdo das costas da capela-mor da Sé, e em Guimarães a do lado direito da frente da torre da Colegiada (491). A este propósito diz Hugo: «Não se póde formar uma ideia dos abusos, que os architectos então praticaram. São capiteis enredados e cheios de frades e freiras vergonhosamente enlaçados, como na sala das chaminés do palacio da justiça em Paris. É a aventura de Noé, esculpida por extenso, como no grande portal de Burges. É um frade bachicho com orelhas de burro e o cópo na mão rindo no rosto de uma communidade inteira, como na abbadia de Bocherville. É a sátyra manifestando-se na architectura já que lhe era vedada a manifestação pela imprensa» (492). Possidónio da Silva, também refere que um capitel das colunas que sustentam a abóboda da sala antiga dos cavaleiros de Luís XI, na antiga prisão da Conciergerie, em Paris, é composto de duas figuras: uma de Heloísa e outra de Abelardo, o qual lhe mostra a mutilação que se lhe praticara (493). Além disto, na diocese de Bragança, conhecemos factos que se aproximam destes: na igreja matriz de Cimo de Vila da Castanheira, concelho de Chaves, que fica em despovoado, um quilómetro acima da povoação, em sítio proeminente, onde ainda se encontram vestígios abundantes da civilização luso-romana, junto à cornija da dita igreja há uns vinte e quatro modilhões representando em alto relevo figuras geométricas: esferas, cubos, losangos, pirâmides cónicas, ornatos em ponta de diamante, etc., e também figuras humanas nas atitudes mais realistas que se pode imaginar. Parece um santuário fálico.

(491) BELLINO, Albano – Arqueologia Cristã, p. 164. (492) HUGO, Victor – Notre Dame, edição portuguesa de 1853, livros IV, V e VI, n.º 8, p. 104. (493) SILVA, Joaquim Possidónio Narciso da – Noções Elementares de Arqueologia. Lisboa, 1878, p. 142, em nota.

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Uma figura feminina escancara em posições de um erotismo desbragado as partes que Vénus cobria com delgado cendal (494). Duas outras, uma masculina e outra feminina, entregam-se com lúbrico furor ao exercício de Onan (495). Uma outra, masculina, parece estar muito satisfeita, fazendo sobre o mundo o que Horácio queria que lhe fizessem os corvos na cabeça (496). E na abóboda da igreja matriz de S. Bartolomeu de Rabal, concelho de Bragança, estão, em pintura, os quatro Evangelistas: S. Mateus tem um livro aberto onde quem olhar debaixo com alguma atenção facilmente pode ler o seguinte: REMEDIO X PARA OS DEN TES PRESUNTO ASSADO

No de S. Lucas, lê-se: OREMUS DEO SABÃO OU PELLES

E no de S. Marcos: O CORAÇÃO DE MARIA DOCE AMA VEL CORAÇÃO TABACO

Não é pois, de estranhar a alusão satírica do friso da porta de Santa Clara. A encimar tudo isto há um frontão triangular onde está escrito o número 1697, indicativo certamente do ano em que a obra se fez e um brasão das armas da cidade. O retábulo do altar-mor em talha dourada (494) CAMÕES – Lusíadas, cant. II, est. 37. Cendal é um véu de seda que cobre o rosto ou parte do corpo que se usava na antiguidade. (495) Génesis, cap. XXXVIII. IX. (496) HORÁCIO – Sátiras, livro I, sátira VIII. XXXVII.

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de alto relevo indica muito trabalho, sobretudo os fustes das colunas que são torcidas com parras enroscadas e cachos nos quais depenicam aves. A pousar nas colunas vêm dois arcos, que cobrem a tribuna, ornamentados pelo gosto daquelas. O tecto que cobre o corpo da igreja é em arco de círculo todo coberto de pinturas. Borges, que escreveu em 1721 (497), diz que, além do altar-mor, tem no arco cruzeiro mais dois altares dedicados a Nossa Senhora dos Remédios e a Santo António, e no corpo da igreja uma capela dedicada a S. Caetano com irmandade. Conserva-se ainda hoje o altar de S. Caetano no corpo da igreja, singelo e pobre, sem capela, e modernamente acrescentaram mais um outro dedicado a Nossa Senhora das Graças. No corpo da igreja de Santa Clara, numa sepultura em campa rasa, lê-se a seguinte inscrição com letras inclusas: S.A D L.D T OMEDEME SQVITA OVVIDOR Q. FOINE STA C.O

Junto a esta campa há uma outra rasa também com letras que, por gastas, não são legíveis. Na capela-mor há uma campa rasa brasonada: escudo dividido em pala; na da esquerda três vieiras em roquete e na da direita a amoreira e o castelo dos Morais. Apesar de não ter legenda, sabe-se que é de José de Morais Madureira, fidalgo da casa real, que juntamente com seus irmãos Francisco de Morais Madureira, abade de Carrazedo, e Manuel de Morais Pimentel, comissário do Santo Ofício e sucessivamente abade de Bouçoães, Rebordelo e Meixedo, instituiu a 12 de Fevereiro de 1703 um morgadio nesta capela-mor com obrigação de oferta anual às freiras, oferta que já tivera princípio em 5 de Fevereiro de 1605 (498).

(497) BORGES – Descrição Topográfica ..., notícia 4.ª. (498) Ibidem, notícia 11.ª, § 5.º.

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Ainda referente ao realismo na arte, vimos em Miranda do Douro, na rua da Costanilha, famoso trecho arcaico muito curioso, a meio da parede de uma casa, um modilhão, ou melhor, mísula, ostentando por tal forma um requinte de perversão lúbrica que não temos palavras para o descrever. As ruínas fálicas da cidade ressuscitada de Pompeia, os mistérios de Guide ou Pafos, a Antiguidade devassa, em suma, não deixaram vislumbres de tão patusca e nojenta aberração. Atrás da porta da sacristia da igreja do Santo Cristo de Outeiro, concelho de Bragança, há em pintura uma figura báquica fitando no copo de vinho que eleva à altura do rosto o risinho alvar do bom amador nos estonteamentos da embriaguez prelibada. Na cornija da igreja matriz de Abambres, concelho de Mirandela, há um modilhão em figura de cabaça, clássico vaso do vinho nestas terras, e numa velha coluna de altar arrumada no coro da igreja matriz de Moncorvo, fomos encontrar um anjo em relevo angelicamente acachapado entre as espirais do fuste, enlevado no sumo da vide que uma cabaça empunhada lhe sugere antegostar. A coroar os contrafortes da mesma igreja, há em granito estátuas de provocante lubricidade em variadas atitudes à laia de coruchéus. Ai! distrito de Bragança, distrito de Bragança, meus amores! Quem fora assaz rico para ofertar-te a publicação de quanto encerras de interessante nos mais variados ramos do humano saber!

(imagem)

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MOSTEIRO DE S. BENTO [2] O mosteiro de S. Bento, para religiosas professas dessa ordem, foi fundado em 1590, por uma dama nobre chamada Maria Teixeira, moradora em Bragança, que, por escritura de 20 de Outubro desse ano, o dotou com todos os seus bens e o colocou debaixo da padroeira Santa Escolástica(499). D. Rodrigo da Cunha(500) entende que a fundação deste mosteiro foi obra do Bispo de Miranda, D. Jerónimo de Meneses, no que padeceu engano. Esse bispo fez algo, mas foi, como já mostrámos, no respeitante ao convento de Santa Clara. E como prova, ainda hoje se vê o escudo dos Teixeiras junto à porta da igreja na parede: em campo azul uma cruz de oiro potente e vazia. Como já vimos no n.º 4 do vol. I, pág. 338, das Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, não ficou completo o edifício na mesma ocasião. Do mosteiro de Vairão veio para este a primeira abadessa, D. Jerónima de Vilhena, e D. Luísa de Noronha, que dizem filha do conde da Feira, com o título de prioresa. Em 1721 tinha cento e quarenta e quatro religiosas professas, quatro conversas e onze noviças, e por esse tempo se fez a tribuna do altar-mor

(499) COSTA, António Carvalho da – Corografia Portuguesa, tomo I, p. 496; CASTRO, João Baptista de – Mapa de Portugal, tomo II, pp. 58 e 59. Crónica Beneditina. SILVA, António Pires da – Chronograph. Medi., p. 19. (500) CUNHA, Rodrigo da – Catálogo e História dos Bispos do Porto, parte II, cap. XL, p. 343. FARIA – Europa, tomo III, p. 216.

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de obra entalhada. Ao tempo, além do altar-mor, tinha mais dois laterais no corpo da igreja, fazendo-se então mais outro dedicado a Nossa Senhora dos Desamparados, cuja devoção trouxeram para Bragança os soldados que militaram em Valença sob as ordens do Marquês das Minas nas últimas guerras (1710). Na cerca do mosteiro havia a capela do Menino Jesus, de que nada resta, mandada fazer em 1698 pelo alcaide-mor Lázaro de Figueiredo Sarmento e por seu primo António de Figueiredo Sarmento, governador da cidade. Para ela deu o retábulo o bispo da diocese D. Manuel de Moura Manuel, que depois seu sucessor, D. João Franco de Oliveira, mandou dourar; e por ordem deste escreveu o padre António de Távora a história da origem da capela, e o padre Bernardo Rebelo, cura de Santa Maria, ambos de Bragança, a relação dos milagres do Menino Jesus. Helena da Costa, mãe da fundadora do Mosteiro, Maria Teixeira, era filha do alcaide-mor de Bragança, Francisco da Costa Homem, senhor do morgado de Santa Marta de Bornes, erecto na capela-mor da igreja matriz desta freguesia, e havia casado com Gonçalo Teixeira. Não era, pois, a fundadora dona viúva, como quer Carvalho da Costa, pois nunca casou, mas sim sua mãe(501). Em provisão de 19 de Julho de 1748, concedeu o rei D. João que as freiras deste convento, a requerimento da madre abadessa e mais discretas, pudessem ter juiz privativo que evocasse a si todas as coisas que dissessem respeito aos interesses do mosteiro e este fosse o juiz de fora da cidade de Bragança. Igual concessão gozavam, segundo elas diziam, as freiras de Vinhais e as de Odivelas. Para fundamentar o pedido desta concessão alegavam que várias pessoas lhes eram devedoras de dinheiros, juros, tenças e restos de dotes, e sendo, pela maior parte, estranhas ao concelho ou de lugares onde apenas havia só juízes ordinários, sobre os quais pesava a influência dos devedores, poderosos em geral, elas, não podendo forçá-los à paga dessas dívidas, passavam fomes, pois eram pobres(502). A 2 de Julho de 1782 as freiras deste convento romperam, com grave escândalo, a clausura sagrada, saindo tumultuariamente do recolhimento, levantando dinheiros, que diziam infundadamente pertencerem-lhe, efectuando a compra de um casal em Castelãos, etc. O facto, como (501) BORGES – Descrição Topográfica… (502) Arquivo Distrital de Bragança, Livro do Registo da Câmara de Bragança, fl. 161.

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inusitado, assumiu proporções de escândalo maior; a rainha, que então era D. Maria I, o bispo e o juiz de fora intervieram e a irrequieta comunidade sossegou(503). Camilo Castelo Branco, no seu romance histórico A Filha do Regicida, diz-nos que Maria Isabel, amante do rei D. João IV e casada com Domingos Leite, que nos dão como vendido a Castela por atentar contra a vida do rei, quando, afinal, segundo Camilo, procurava simplesmente vingar a sua honra de marido ultrajado, veio para este mosteiro por ordem real em 1647, enquanto em Lisboa lhe espostejavam o marido e daqui, enamorada de João da Veiga Cabral, bragançano ilustre, sargento-mor de batalha que muito se distinguira na defesa de Olivença, fugiu com ele para Castela a fim de escaparem aos ciúmes vingativos do real competidor. Na sessão da Câmara dos Deputados de 24 de Julho de 1852 foi apresentada uma representação do presidente e vereadores da Câmara Municipal de Bragança pedindo, para o estabelecimento de diversas repartições, o mosteiro das monjas beneditinas dessa cidade, onde havia apenas uma única religiosa e que para os consertos necessários fosse aplicado como fundo o produto da venda da cerca do mesmo convento(504). Na sessão de 9 de Março de 1853, foi apresentado por José de Morais Faria e Carvalho, deputado por Bragança, o projecto de lei que adiante apresentamos, ao qual ele apensou as seguintes razões justificativas: «Considerando o estado de ruina do edificio do convento de S. Bento de Bragança: que o edificio principiou já a demolir-se e por isso dentro em pouco estará em ruinas, como aconteceu ao de S. Francisco da mesma cidade, de que tanta utilidade se podia tirar, não servindo então sendo para profanações e couto de aves nocturnas: que o edificio de S. Bento se podia aproveitar dando-o á camara para n’elle accommodar o governo civil, alfandega, administração do concelho, tribunal de justiça, casa da camara e lyceu: que o Estado e camara pagam de renda para algumas d’estas casas bastante dinheiro: que o lyceu não se acha organisado por falta de casa e que no convento existia apenas uma freira, que podia ir para o de Santa Clara, onde ainda havia quatro, ou para o de Vinhaes;

(503) Ibidem, fls. 91 e seguintes. Memórias Arqueológicas do Distrito de Bragança, documento n.º 110, tomo III, p. 248. (504) Diário do Governo de 26 de Julho de 1852.

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por isso propunha que este convento fôsse dado á camara de Bragança para n’elle estabelecer as repartições acima mencionadas»(505). Em harmonia com estes considerandos foi, em 27 de Junho de 1853, aprovada a seguinte proposta de lei: «ARTIGO 1.º É o governo auctorisado a applicar o edificio do extincto convento de S. Bento da cidade de Bragança para todas as repartições do serviço publico d’aquella cidade, incluindo as municipaes, que alli podérem ser collocadas sem prejuizo do mesmo serviço. ART. 2.º O governo poderá applicar para as obras indispensaveis no dito edificio a quantia ou dinheiro, producto da venda da cêrca annexa ao mesmo edificio. ART. 4.º Fica auctorisado o governo a entregar a egreja do dito edificio á confraria de S. Pedro, para continuar alli o culto religioso, uma vez que a dita confraria se obrigue a conservar aquella egreja bem reparada e decente. ART. 5.º As concessões feitas por esta lei limitam-se ao uso dos referidos edificios, ficando sempre ao Estado a propriedade d’elles»(506). Já dissemos que neste edifício foi instalado o Liceu Nacional e esteve também a estação telegráfica, como se vê da seguinte correspondência de Bragança inserta na folha oficial(507): «A estação telegraphica vae ser mudada do convento de S. Bento para uma casa da rua Direita, que é propriedade municipal. N’aquelle convento dizem-me que vão estabelecer-se escolas de instrucção primaria».

(505) Ibidem, de 10 de Março de 1853. (506) Diário do Governo de 11 de Julho de 1853. (507) Diário de Lisboa de 2 de Novembro de 1866.

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ASILO DUQUE DE BRAGANÇA Em 1867 foi criado sob o nome e auspícios do duque de Bragança, depois D. Carlos I, rei de Portugal, este Asilo destinado a «proteger, instruir e educar moral, civil e religiosamente as creanças desvalidas» e chamadas para o dirigir duas irmãs Oblatas do Menino Jesus, congregação criada nos princípios deste século pelo bispo de Bragança D. António da Veiga Cabral e Câmara, cujo recolhimento existe no lugar da Mofreita deste concelho. Morrendo uma das directoras, ficou apenas a outra, D. Ermelinda do Carmo Rodrigues, senhora de grandes virtudes, sólida piedade e óptimas qualidades educadoras. Impossibilitando-se, porém, pela sua muita idade, o presidente da Câmara de Bragança, Sousa Pinto, professor do liceu da mesma cidade, conseguiu que nove irmãs franciscanas, que em 1899 tinham vindo estabelecer-se em Bragança a convite do padre Francisco Neves, se encarregassem da direcção do estabelecimento, como fizeram com geral aprovação. Além das matérias de instrução primária (1.º e 2.º grau), francês, música, piano, flores e bordados, que ensinavam às asiladas e a outras meninas de fora que ali iam aprender, educavam sobretudo aquelas nos serviços caseiros e labores domésticos, preparando-as para ganhar dignamente a vida, que vão procurar desde que têm idade competente e estão suficientemente instruídas. Este estabelecimento tem um subsídio anual do governo por conta do cofre da extinta Junta Geral do Distrito, na totalidade de 2 000$000 réis por ano, debaixo da administração da câmara municipal. O conselheiro Abílio de Madureira Beça, em 1900, sendo governador civil do distrito de Bragança, levado da «boa vontade e proposito em que sempre tem estado de dotar esta cidade com todos os melhoramentos MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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devidos a uma capital de districto» (508), conseguiu obter do governo o subsídio anual de 500$000 réis perfazendo com ele o total acima referido, e mais, por uma só vez, 250$000 réis, e fez com que se conduzisse a água do próximo marco fontenário para um tanque da cerca do Asilo; medida de grande economia e utilidade, pois as asiladas, além de poderem lavar ali a sua roupa, habilitam-se neste mester. O mesmo governador civil ainda em 1902 obteve do governo a quantia de 1000$000 réis para construir a cozinha e refeitório desse Asilo, ao rés-do-chão, consertar sobrados e outros melhoramentos (509). O Asilo funciona em parte do antigo mosteiro de S. Bento. Em ofício de 3 de Junho de 1867 (510) o Secretário geral do governo civil de Bragança, Henrique José Ferreira Lima, servindo de governador civil substituto, dá conta de se haver inaugurado com grande solenidade o Asilo Duque de Bragança nesta cidade. Diz que todas as corporações, autoridades e em geral os habitantes da cidade contribuíram para o esplendor do acto que este Asilo teve a fortuna de merecer a protecção de Sua Alteza o Príncipe duque de Bragança; que as obras para a reparação do edifício onde se estabeleceu o Asilo foram de subida importância, pelo estado de deterioração em que se achava, sendo mister prolongarem-se por cinco meses com emprego de muitos operários; que os habitantes do distrito contribuíram involuntariamente para elas não só quanto a serviços materiais, mas também pecuniários relativos à capitalização de fundos e anuidades para despesas correntes; que, depois da real protecção e auxílio do governo, este estabelecimento deve tudo aos acrisolados sentimentos e incansável dedicação dos seguintes cavalheiros que constituíam a comissão instaladora: José Maria Pereira Lopo, cónego da Sé; Paulo Cândido Ferreira de Sousa e Castro, 1.º oficial da secretaria do Governo Civil; Albino Garcia de Lima, comissário dos estudos e deputado às cortes: João António Pires Vilar, professor do Liceu de Bragança; Jacinto José de Sá Lima, proprietário, e Manuel José Dias Mendes Pereira, negociante. Na sua criação pela Junta Geral do Distrito de Bragança, o Asilo foi apenas dotado com o subsídio de 500$000 réis; depois, em 1875, foi este elevado a 1 310$000 réis com os seguintes encargos:

(508) VAZ, Francisco Manuel, Padre, Gazeta de Bragança de 14 de Outubro de 1900. (509) Gazeta de Bragança de 20 de Julho e 7 de Setembro de 1902. (510) Diário do Governo, de 14 do mesmo mês e ano.

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ASILO DUQUE DE BRAGANÇA

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1.º Que no Asilo de Infância Desvalida Duque de Bragança serão recebidas as meninas expostas ou abandonadas que na roda-hospício completarem sete anos de idade, em número igual ao das outras classes indicadas no artigo 9.º, n.º 3.º dos Estatutos, preenchendo-se sempre as vacaturas com as meninas da mesma classe, se as houver. Fixado pela direcção o número total de meninas que podem ser sustentadas no Asilo, a admissão das expostas ou abandonadas terá lugar no preenchimento das vacaturas até com elas se completar o número igual ao das outras classes reunidas. 2.º O Asilo continuará a receber alunas pensionistas internas ou externas... fixando-se cada ano, segundo o preço das subsistências, a mensalidade que cada uma deva pagar, conforme a classe a que pertencerem. 3.º Que no primeiro do próximo mês de Outubro se abrirá no Asilo uma escola pública para meninas. Esta escola será gratuita para as meninas pobres e retribuída para as que o não forem. 4.º Que entre as asiladas e preferidas, sempre em igualdade de circunstâncias as da classe – expostas ou abandonadas – serão escolhidas duas pela direcção das que se tiverem tornado mais distintas pela sua inteligência e aproveitamento, e se julgarem aptas por suas naturais tendências para o professorado de instrução primária do sexo feminino, afim de para este efeito serem instruídas e habilitadas, dentro do Asilo e a suas expensas, a concorrer no futuro aos lugares que vagarem no magistério (511). A roda-hospício na cidade fora criada por deliberação da Junta Geral do Distrito de Bragança de 6 de Dezembro de 1872 (512), em harmonia com a proposta do então governador civil Tomás António Ribeiro Ferreira. As irmãs franciscanas encarregadas do Asilo haviam-se estabelecido em Bragança a 15 de Novembro de 1899 numa casa particular onde estiveram até 3 de Março de 1900, época em que tomaram conta do estabelecimento. Vieram nove, e este número se manteve até que, com a implantação da República em 5 de Outubro de 1910, foram expulsas, sendo a regência do estabelecimento entregue a professoras laicas. No tempo das franciscanas o número de alunas internas regulava por quarenta, e por setenta o das externas.

(511) Relatório à Junta Geral do Distrito de Bragança do governador civil Adriano José de Carvalho e Melo, 1876 (Vide documento n.º 6). (512) Diário do Governo, de 21 de Agosto de 1873.

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No pavimento do corpo da igreja em campa rasa de granito, brasonada, lê-se o seguinte epitáfio (513):

No escudo, que é esquartelado, vêem-se: no primeiro quartel, as armas dos Oliveiras: no segundo, as dos Costas e assim os contrários. Lopo Álvares de Oliveira era irmão de Helena da Costa e tio da fundadora, tendo, portanto, esta sepultura o título de «enterro dos parentes dos fundadores» (514). Junto a esta, há outra igualmente brasonada, mas tão gasta que não se percebem os emblemas heráldicos, e na legenda apenas se lê: STA S.A E CISCO (515)

Pertencerá ao ascendente das fundadoras, Francisco da Costa Homem, alcaide-mor de Bragança? Ainda na mesma igreja há outra campa rasa, onde se lê: S.A DO PE ESTE V AO DE ABREV 1691.

O altar-mor é em talha dourada, renascença jesuítica, e o tecto apainelado com muito labor artístico em madeira. A abóbada em berço, que cobre o corpo da igreja, é toda pintada no estilo da época.

(513) S (epultura) de Lopo Alvres Doliveira. (514) BORGES – Descrição Topográfica… (515) (E)sta s(epultura) e (de Francisco).

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MOSTEIRO DE SÃO MARTINHO DA CASTANHEIRA (OU CASTAÑEDA) Em terra de Sanábria O mosteiro de S. Martinho da Castanheira, junto ao Lago, em terra de Sanábria, Espanha, pertencente à Ordem de Cister, teve dentro dos muros da cidadela, em Bragança, um Hospício. Ficava detrás da matriz de Santa Maria em umas casas que em 1721 chamavam da Parreira. Em 1230, trocaram os monges estas casas com Fernando Moniz e sua mulher D. Lobo por umas propriedades em Fonte Arcada, termo da cidade, para onde passaram o Hospício. O mosteiro de S. Martinho da Castanheira teve em terra de Miranda muitas propriedades, como mostraremos nos documentos adiante insertos. Pertencia-lhe metade das aldeias de S. Joanico, Caçarelhos, Genísio, Especiosa e toda a de S. Martinho de Angueira, na qual apresentavam justiças, e era seu o padroado da igreja. Desta aldeia fizeram doação ao rei D. Dinis, em 8 de Março de 1327, da era de César, como declara Borges (516) baseado numa certidão que do acto lhe foi dada da Torre do Tombo, «reservando para si o padroado da egreja, dous moinhos e herdades que hoje (1721) chamão Quintana». Ultimamente passou este benefício a ser apresentado pela mitra juris devolutionis, talvez porque as guerras com Castela fizessem esquecer ou perder aquele direito. No concelho de Bragança pertencia-lhe, além de outros bens, metade dos dízimos da aldeia de Vila Meã em que também apresentava justiças, (516) VITERBO – Elucidário, artigo «Padeliças».

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MOSTEIRO DE SÃO MARTINHO DA CASTANHEIRA

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direito que perdeu antes de 1721, bem como os dízimos que passaram a uma comenda da Ordem de Cristo (517). Em 1356 deu este mosteiro, por quinze anos, todos os seus que tinha «em S. Martinho de Angueira de Miranda, e em França, e Aveleda de Bragança, com todos os seus Foros, e padeliças» (pastagens) a Estêvão Pires, de Bragança, em conta do que lhe devia (518). Viterbo fala ainda de uma doação em Vilar de Ossos, hoje concelho de Vinhais, feita a este mosteiro em 1159 por Fernando Godiniz (519). No artigo «Pobramento», diz o mesmo Viterbo que os Figueiredos, de Bragança, compraram ao mosteiro de S. Martinho da Castanheira a maior parte dos bens que tinha em Portugal. Entendemos que essa compra a fez antes de 1721 José Cardoso Borges, sargento-mor da cidade de Bragança, escrivão da câmara municipal da mesma cidade, instituidor, juntamente com sua mulher D. Clara Maria de Figueiredo Sarmento, filha do governador da mesma cidade António de Figueiredo Sarmento, em 5 de Novembro de 1706 de um vínculo de morgadio (520). Na era de 1255 (ano de Cristo 1217), tercio nonas Januarii, é que Pelágio Fernandes, filho de Fernando Feio, e sua mulher D. Velasquita, fizeram doação ao mosteiro de S. Martinho da Castanheira da metade das aldeias de S. Joanico, Caçarelhos e Genísio (521). Em Dezembro da era de 1271 (ano de Cristo 1233) doou João Rodrigues de Freire a este mosteiro a sua herdade de Vale de Espinho, junto a Bragança (522). Borges (523) cita uma doação feita a este mosteiro por Especiosa Fernandes, de propriedades na região bragançana na era de 1230 (ano de Cristo 1192), regnante rege Sancio in Portugali a rivulo Minio usque in Ebora, Archiepiscopus Bracarensis Martinus, archidiaconus Domnus Egas in Brigancia, abbas Domnus Martinus in Castro de Avelanas. De propriedades que este mosteiro tinha em Vilar de Ossos, Vila Meã, S. Martinho de Angueira, Bragança, RabaI e Freixedelo falam os documentos que adiante damos (n.os 119 a 127). (517) VITERBO – Elucidário, ao tratar da letra X. Ver também no artigo «Pobramento». (518) VITERBO – Elucidário, artigo «Padeliças». (519) VITERBO – Elucidário, ao tratar da letra X. Ver também no artigo «Pobramento». (520) BORGES – Descrição Topográfica…, notícia 13.ª, § 35.º, e notícia 9.ª, «Hospícios». (521) Ibidem. (522) Ibidem, notícia «Solar dos Chacins». (523) Ibidem, notícia 2.ª.

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MOSTEIRO DE SÃO MARTINHO DA CASTANHEIRA

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Do mosteiro cistercense de S. Martinho da Castanheira, cuja fundação alguns alongam ao tempo dos godos, além das Inquirições de D. Afonso III, que daremos na série dos documentos e onde se vê os bens que ele possuía na região bragançana, tratam os seguintes autores: Frei António Yepes, na Cronica da sua ordem; Ambrósio de Morales; Florez, España Sagrada, tomo XVI, págs. 45 e 484; o mesmo nas Rainhas Catholicas, tomo I, pág. 104, e recentemente D. Jesus Requejo y San Roman, Breve Reseña Histórica y Estudio Sociologico-administrativo de la Puebla de Sanabria, 1902, págs. 31 e seguintes. No Arquivo Histórico Nacional de Madrid, guarda-se o Tombo deste mosteiro, mas a colecção mais interessante que lhe diz respeito é a de Gayangas (D. Pascual), que possui um cartulário escrito no século XIII em setenta e seis fólios de pergaminho, a duas colunas, contendo cento e cinquenta privilégios e escrituras desde o ano de 923 a 1230.

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MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE MOREIROLA (MORERUELA) O mosteiro de Santa Maria de Moreruela, da ordem de S. Bernardo (Cister) , no reino de Leão, actual província da Zamora, Espanha, teve antigamente em Bragança um hospício, ao que se entende, na rua chamada da Moreirola, que dele tomava o nome, corresponde presentemente ao de Moreirinhas. Eram muitas as propriedades que esse mosteiro tinha no distrito de Bragança, como veremos pelas Inquirições dadas adiante nos documentos. No actual concelho de Bragança pertenciam-lhe as aldeias de Montesinho com o padroado da igreja, que fundaram em 1238, a de Soutelo da Gamoeda e Carragosa, onde ainda um local do termo conserva o nome de Moreirola. Tempo andando, fez-se nesta aldeia uma comenda da Ordem de Cristo. No de Miranda tinha o padroado da igreja de S. Miguel de Ifanes e Constantim, também depois convertida em comenda da Ordem de Cristo, e igualmente o das de S. Miguel de Palaçoulo, Águas Vivas, Prado Gatão e Angueira, que depois passaram a comendas da Ordem de Cristo. É natural que fosse nas guerras do tempo do nosso rei D. Afonso V quando Moreirola perdeu os bens que tinha na nossa região(524). As Inquirições de D. Afonso III, que adiante inserimos, apontam várias propriedades que este mosteiro tinha na região bragançana. Sobre o assunto ver o documento n.º 59. D. Rodrigo da Cunha(525) fala-nos da composição feita em Novembro de 1237 entre o arcebispo de Braga, D. Silvestre Godinho, e o abade deste mosteiro relativa à terceira parte dos dízimos da igreja de Ifanes, concelho de Miranda do Douro. Em Janeiro da era de 1249 (ano de Cristo de 1211) doou o rei D. Sancho I a Herberto, abade de Moreirola, o seu reguengo de Ifanes e Constantim em terra de Miranda, com encargo de um aniversário por sua alma(526). (524) BORGES – Descrição Topográfica…, notícia 9.ª, «Hospicios». (525) CUNHA, Rodrigo da – História Eclesiástica dos Arcebispos de Braga, parte II, cap. XXV. (526) Doações de D. Afonso III, livro II, p. 15, e também no Livro II de Além-Douro, p. 157, in VASCONCELOS, J. Leite de – Estudos de Filologia Mirandesa, vol. II, p. 229, onde vem o documento transcrito na íntegra.

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IGREJA DE SANTA MARIA A igreja de Santa Maria, intramuros da cidadela, é cabeça de uma das duas freguesias em que se divide a cidade e tem por orago Nossa Senhora da Assunção. Segundo a lenda referida pelo Santuário Mariano (527), nas lutas com os mouros Bragança foi destruída, seus habitantes fugiram, escondendo as sagradas imagens, e passados quase duzentos e oitenta e cinco anos, da Reconquista Cristã, apareceu a de Santa Maria num sardão, carrasco ou azinheira do espesso matagal crescido em cima das ruínas do primitivo povoado. Levaram-na para o monte hoje chamado Cabeço da Cidade, a uma légua desta, na confluência do Sabor e Fervença, onde então viviam, mas de noite a Virgem fugiu para o primitivo local (o sardão), e tantas vezes o fez até que, desenganados, vieram habitar junto dela edificandolhe um templo. «D’este tempo, diz Borges, ajuizão pessoas doutas, se accommodou a Bragança o nome de Coeliobriga, porque se de antes tivera o de Juliobriga, que os latinos formarão em Caliobriga, chamando-lhe como cidade de Cayo Julio, deixando a vaidade, que fazia do nome de hum Principe da terra, lograsse o titulo de Cidade do Céo, que isso significa Coeliobriga, pois com beneficio tão superior se dignou assistir em ella a Imperatriz da Gloria» (528). O templo actual de três naves fez-se no século XVI, transferindo-se, com autorização do bispo de Miranda D. António Pinheiro, a matriz para a igreja de S. Vicente, vindo a concluir-se o fontispício de colunas salomónicas em granito com folhagem e parras enroscadas nas espirais dos fustes, segundo o estilo dito jesuítico, no tempo do bispo D. João Franco de Oliveira (1701-1715) que liberalmente subsidiou a obra. A capela-mor fez-se no ano de 1580, sendo bispo D. Jerónimo de Meneses, por ficar a antiga incluída no corpo da igreja.

(527) SANTA MARIA, Agostinho – Santuário Mariano, tomo V, livro III, p. 583. (528) BORGES – Descrição Topográfica…, notícia 2.ª.

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IGREJAS, MISERICÓRDIA E CAPELAS

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A tribuna desta capela, de talha dourada, sendo insuficiente a mandada fazer em 1635 pelo comendador Lourenço Dias Preto, fez-se pelos anos de 1710 por conta dos frutos da comenda de que era administradora D. Maria de Figueiroa, natural de Bragança, viúva do mestre de campo general e governador das armas da província Sebastião da Veiga Cabral. No corpo da igreja há quatro altares e duas capelas, sendo uma da invocação de Nossa Senhora dos Prazeres, pertencente à família Figueiredo, cujas armas ostenta no arco em estilo renascença muito ornamentado e primorosamente esculpido. Foi fundada, como se vê na legenda do arco, em 1585, por Pedro de Figueiredo, alcaide-mor de Bragança, com vínculo de morgadio. Entendem vários autores que nesta igreja havia colegiada (529) e era a única do bispado de Miranda; achamos, porém, a julgar pelos documentos, que era antes um simulacro dela, pois não correspondia ao que se entende por tal instituição na rigorosa acepção do termo. Fosse como fosse, nem esse simulacro hoje existe. Os priores de Santa Maria usam de murça desde tempo imemorial de que têm sentença obtida em juízo contencioso contra o Cabido de Miranda que pretendia impugnar-lhe tal privilégio (530). Igreja de S. João Aos quatuor nonas madio, da era de 1225 (ano de Cristo 1187), obtendo o rei D. Sancho I, por troca com o mosteiro de Castro de Avelãs, o território onde assenta em parte a cidade de Bragança (531), dividiu-o em parcelas que distribuiu aos pobradores mediante a prestação de certos foros. Uma dessas parcelas ou quairelam, segundo os documentos coevos, foi filhada pelo arquidiácono Alvitus e nela fundou uma igreja dedicada a S. João. A piedade e também interesses temporais originavam por esse tempo a fundação de alguns templos. Depois, pelos anos de 1551, Maria Pires de Morais, e não Catarina de Morais como traz o Santuário Mariano, natural de Bragança e descen(529) SANTA MARIA, Agostinho – Santuário Mariano, tomo V, livro III, n.º 11. (530) BORGES – Descrição Topográfica…, notícia 3.ª. (531) Inquisitiones de D. Afonso III, livro III. Doações do Mosteiro de Castro de Avelãs. VITERBO – Elucidário, artigo «Bemquerença».

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IGREJAS, MISERICÓRDIA E CAPELAS

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dente de uma das suas mais nobres famílias, mulher cheia de virtudes à caridade cristã, que a levaram duas vezes em peregrinação a Roma a pé, fazendo sempre largas esmolas aos pobres, erigiu, com licença do bispo de Miranda, esta igreja em paroquial e abadia secular para evitar o incómodo dos habitantes em recorrer à matriz, dando-lhe para as despesas da fábrica e culto a quinta de Vale de Lamas de que era senhora, hoje povoação anexa à nossa freguesia de Baçal. A morte desta virtuosa dama foi aos 12 de Fevereiro, pois nesse dia diz o Agiologio que na dita igreja se celebrava o seu aniversário. Morrendo, foi sepultada da parte de fora desta igreja e passados oitenta anos trasladados os seus restos mortais para a capela-mor dela (532). Havia nesta igreja de S. João a capela de Nossa Senhora da Consolação, mandada fazer e armar por conta das esmolas que lhe deixou Sebastião de Novais e sua mulher, que também destinaram rendas próprias para a sua fábrica (533), sendo, portanto, menos exacta a informação do Santuário Mariano, como advertiu Borges (534), e a do Nome de Jesus, mandada edificar por José Alonso para sepultura dele e herdeiros, no local onde estava um altar da mesma invocação defronte da capela de Nossa Senhora da Consolação. Neste exercia as suas funções a confraria do Santíssimo Nome de Jesus, erecta na mesma igreja, as quais depois se passaram a celebrar na nova capela (535). Em 1604, pertencia esta capela a João Salgado, de Ponte de Lima, e nela, em 6 de Janeiro de 1624, se instituiu um vínculo de morgadio com bens suficientes (536). Esse vínculo foi abolido por diminuto e seus bens vendidos a Domingos Lopes Nogueira, abade de Mofreita, por João Luís Salgado de Vasconcelos, de Ponte de Lima, pelos anos de 1785. O abade Nogueira cedeu a capela a Bernardo Baptista da Afonseca e Sousa, professo na Ordem de Cristo, fidalgo da Casa Real e superintendente das coudelarias de Bragança de onde era natural, que no ano acima requereu à autoridade eclesiástica para ser considerado como padroeiro da dita capela, dotando-a de fundos para a sua fábrica, o que lhe foi concedido, segundo vimos no respectivo processo que em Bragança tem Abílio Zoio e consta de catorze fólios de papel almaço, manuscritos. (532) CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano, ao dia 12 de Fevereiro. (533) Tombo de Nossa Senhora da Consolação, manuscrito, in-fólio pequeno, que possuímos. (534) Santuário Mariano, tomo V, p. 643. BORGES – Descrição Topográfica…, notícia 5.ª. (535) Tombo de Nossa Senhora da Consolação. (536) Ibidem.

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IGREJAS, MISERICÓRDIA E CAPELAS

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Na igreja de S. João, junto aos degraus do altar-mor, debaixo de uma lápide com letras, foi sepultado Sebastião da Veiga Cabral, governador das armas da província de Trás-os-Montes. E também nela tinha sepultura particular Pedro de Lafaia, o arquitecto das obras do colégio dos jesuítas, hoje Seminário (537). Uma das obrigações dos abades de S. João era de fazerem os ofícios da Semana Santa com assistência de seis presbíteros, um dos quais seria o cura de Vale de Lamas, que era obrigado a ir assistir a eles desde domingo de Ramos até ao ofício de Sexta-feira Santa, e durante estes dias seria obrigado o abade a dar-lhe de comer (538). Que bons tempos! O pobre do cura de Baçal que o é também de Vale de Lamas e autor destas letras, ainda hoje vê pesar sobre si o ónus de ir assistir a festividades da Semana Santa à igreja onde exercem suas funções os abades de S. João e ai dele se não for!... E não lhe dão nada por este serviço, nem mesmo de comer!!... Que o ilustrado e virtuoso abade José Diegues ponha aqui olhos de ver e se resolva a cumprir para com o cura de Vale de Lamas tão salutar obrigação. Outra costumeira interessante: na capela de S. Sebastião, ainda hoje existente, alternavam as suas funções eclesiásticas: um ano o abade de S. João e no outro o prior de Santa Maria; mas na dominga de Ramos iam ambas as freguesias a esta capela benzer os ramos; o prior de Santa Maria era o que os benzia, e depois cada um dos párocos os distribuía a seus fregueses. A comunidade de Santa Maria vinha pela igreja de S. João para, ambas juntas, irem fazer a função e virem de lá em procissão até o Poço das Freiras, onde se dividiam, indo cada uma para a sua respectiva igreja celebrar a Paixão (539). Aos 8 de Maio de 1765 o prior de Santa Maria, José António de Morais Sarmento, e o abade de S. João Baptista, José de Morais Antas, na presença do bispo D. Frei Aleixo de Miranda Henriques, concordaram em assinar demarcações fixas às suas freguesias, que até ali não estavam autenticamente delimitadas. Ajustaram-se então pela maneira seguinte: à freguesia de Santa Maria pertenciam e seriam seus fregueses todos os moradores da vila intramu(537) Tombo de Nossa Senhora da Consolação. (538) Tábua Velha da Igreja de S. João, fls. 8 e 9. (539) Ibidem, fls. 4 e seguintes.

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ros, toda a rua de S. Francisco, rua da Alfândega, da Amargura, Costa Pequena, Costa Grande, tudo o que fica além do rio saindo às portas da cadeia até à vila e até ao fim do muro do colégio, onde se acha a fonte do Cano; servindo de demarcação para o interior da cidade a muralha velha, e mais lhe pertenceriam os moradores das Eiras de S. Bento até Santa Clara e na rua deste nome os moradores que vivem para a parte da Misericórdia até à sua igreja e os moradores da rua do Espírito Santo desde a mesma igreja da Misericórdia até à rua da Alfândega pela parte do sol, e pela parte da sombra desde a igreja de S. Vicente até ao arco das casas de Francisco de Morais Pimentel, excluída a casa deste. Que na rua Direita lhe pertencesse desde a dita igreja de S. Vicente até ao mesmo arco pela parte do sol e pela da sombra até às casas do Hospital Real (hoje Liceu) com a rua dos Gatos a findar a demarcação com a muralha. E tudo o mais que fica desta demarcação para fora até ao Loreto e Santo António do Toural pertenceria à freguesia de S. João Baptista. Em seguida vêm mencionadas as quintas nos subúrbios de Bragança que pertenceriam a cada uma das freguesias, mas como se acham apontadas pelos nomes de seus donos não se percebe quais sejam, a não ser as seguintes cujos nomes ainda hoje duram e são: as quintas das Carvas, de Campelo e de Santa Apolónia pertenceriam à freguesia de S. João e a da Rica Fé a Santa Maria, com a declaração de que, se em algum tempo esta se isentasse de pagar dízimos, tornaria a quinta de Santa Apolónia para Santa Maria (540). Por decreto de 30 de Janeiro de 1768, transferiu o bispo D. Frei Aleixo de Miranda Henriques a igreja matriz da freguesia de S. João Baptista para a da Sé Catedral. Neste decreto diz o bispo que a igreja de S. João é in solidum da mitra e confere ao abade da igreja transferida o título de cónego sustentado por todo o rendimento da sua freguesia, sem detrimento da mesa capitular, a faculdade de usar de murça e hábito canonical, com assento no coro abaixo do último prebendado, onde poderá tomar lugar quando queira, não ficando sujeito a ser apontado ou a perdimento de seus frutos, não tendo voto nas deliberações nem emolumentos. O cabido, consultado pelo bispo sobre o caso da transferência, respondeu-lhe, como ele diz no decreto citado, «com frivulas indifferenças pouco dignas de attenção». No entanto, a despeito disto, o bispo foi por

(540) Tábua Velha da Igreja de S. João, fls. 160 e seguintes.

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diante com a sua e o cabido viu-se obrigado a dar posse ao abade da igreja transferida, da sua nova dignidade, a 3 de Fevereiro seguinte, não sem ter recusado primeiro fazê-lo e recorrendo depois ao poder real (541). No livro aqui já tantas vezes citado intitulado Tábua Velha da Igreja de S. João, vêm dois casos importantíssimos, de altíssima ponderação, e para que não percam o sainete cómico que revestem, aqui os deixamos na própria forma original. Epigrafa-se o primeiro «Declaração para o futuro» e diz: «Na Egreja de Santa Maria d’esta cidade tem o guardião de S. Francisco (quando se fazem officios de communidades) o lado direito do Preste (cobrindo a communidade de S. João que está á parte direita). Por sentença que individamente deu José Paulo, juiz de fóra que foi d’esta cidade, fundando-se em posse, e deixando os frades de se sentárem mais de vinte annos n’este logar e sim sentando-se o abbade de S. João, desde que a freguezia se metteu na Cathedral, por determinação do bispo Sr. D. Frei Aleixo e continuando eu n’este mesmo logar, deu de mim uma força um guardião (e intentava cobrar tambem os 50 cruzados pena da lei). Seguindo-o na ouvidoria, aonde venci, appelaram os frades para o Porto, e tornei a vencer, interpozeram um aggravo ordinario para a Supplicação, aonde o dezembargador Aggravista José Fernandes Nunes e outros deu sentença a favor delles, fundando-se em que se devia observar a primeira sentença por não haver posse em contrario depois della pelo espaço de trinta annos. Embargou o meu procurador, decahi dos embargos, embargou segunda vez, tornei a decahir, e vim a pagar de custas, com as que repuz da Ouvidoria e do Porto . . . . . . . . . . . . . . . 39$442 réis E com as agencias desde o principio até fim . . . . . . . . . . . .67$383 » Que tudo faz a quantia de . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .106$825 réis A primeira que os frades tiveram na Supplicação foi a 19 de Janeiro de 1788. A segunda a 8 de Julho do dito anno. A terceira a 23 de Dezembro do mesmo referido anno. Na primeira desprezaram o mandato Episcopal de que o abbade precedesse aos frades dizendo que o bispo não podia ilidir a sentença. Estas agora só por uma via ordinária se desfazem, que algum meu successor, tendo coração de gastar, como eu poderá desfazer. (541) Tábua Velha da Igreja de S. João, fls. 163 e seguintes, onde pode vêr-se o decreto citado e o mais que houve sobre o caso.

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Nunca os parochos tiveram paz com a fradaria, e assim os parochos os considerem inimigos. Bragança, e de março 14 de 1789. O Abbade, Antonio de Lima Lira Soto Maior» (542). Louvado seja o deus Momo! Ele sempre ai cada tiu n’este mundo! Como este bom homem, nobre sem dúvida, a julgar pelo aristocrático do nome, abraçaria em sincera efusão nos planos de além túmulo o mata frades Aguiar!... Ó vates bragançanos, ó distinto abade de Carviçais, José Augusto Tavares! Venha de lá um poema no género do Hissope: o assunto está achado, e se não basta, aí vai outro que não damos na íntegra por ser muito extenso o documento que o contém, que aliás já foi publicado pelo ilustrado e distinto arqueólogo capitão Albino Lopo (543). Eis o grande, o inaudito, o estupendo caso. O licenciado Bento da Cunha Teixeira, abade da igreja de S. João, quando mais fácil lhe decorria a vida no doce Deus hace otia nobis fecit, de um pingue benefício, viu cair sobre as suas próprias de intangível nos quoque o audacioso colega, vizinho prior de Santa Maria/ António Pimentel de Sousa, com uma provisão do cabido, sede vacante, na qual lhe notificavam, sob pena de excomunhão late sententiae, que não podia mandar tanger os sinos da sua matriz em Sábado Santo sem primeiro se tangerem na paroquial de Santa Maria, com o fundamento de que a sua matriz era colegiada, composta de prior e três beneficiados que rezavam em coro todos os domingos e dias santos cantando suas vésperas e era a mais antiga da cidade, sendo sua filial a de S. João. Esta provisão, qual raio inopinado despejado sobre o licenciado Teixeira, não o desconcertou, e impávido replicou ao irrequieto prior, lançando embargos, dizendo que provaria em como a mais antiga matriz da cidade fora a de S. Vicente e em Santa Maria nunca houvera tal colegiada, pois a existir rezariam nela todas as horas canónicas cada dia e se diriam as missas conforme as rubricas dos missais. Volve-lhe solerte o prior em tréplica alegando que provaria ser a sua igreja mais antiga do que a própria cidade no local onde agora está, pois, segundo ele dizia, a sua primitiva situação fora no Cabeço da Cidade, dado pela câmara às freiras de Santa Clara, onde ainda se divisavam vestígios dos antigos muros dela, e a esse tempo o actual sítio ocupado pela (542) Tábua Velha da Igreja de S. João, fls. 295. (543) O Nordeste de 26 de Junho de 1901 e seguintes.

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cidade era um espesso sardoal utilizado em pastagens de gados, e num sardão dele pelos pastores fora encontrada a Senhora ainda hoje chamada Senhora do Sardão, à qual logo se lhe levantou igreja própria, e por causa dos muitos milagres que esta fazia, os moradores da primitiva cidade vieram morar para junto da Senhora, lançando assim os fundamentos à actual Bragança. E assim, por este teor, num crescente de provarás e contestações, foram indo por ali fora os dois contendores misturando muita inépcia com algumas verdades históricas. Por último, reconhecendo-se que Santa Maria não era nem nunca fora colegiada, o cónego doutoral de Miranda, perante o qual fora levado o feito, pronunciou a 10 de Setembro de 1644 sua sentença que dava ampla liberdade ao abade de S. João para mandar tanger os sinos da sua igreja em Sábado Santo quando lhe aprouvesse. E assim terminou esta importantíssima questão... de lã caprina, que só espera por um António Dinis para imortalizar os protagonistas. Arruinada como estava já a matriz de S. João quando esta se transferiu, não mais foi reparada, ficando reduzida a uma pequena capela pertencente a Bernardo Sepúlveda. Por último, o Banco de Portugal, a instâncias do governador civil de Bragança, conselheiro Abílio Beça, sempre solícito em promover os interesses do distrito, resolveu proceder em Bragança à construção de casa própria para a sua agência que até então funcionava provisoriamente em parte do edifício do governo civil, onde o benemérito magistrado desejava instalar a repartição de Saúde Pública. O local escolhido foi no largo de S. João, onde estava ainda em pé a pequena capela deste nome, mas que era verdadeiramente a do Nome de Jesus, de que atrás falámos, últimos restos do antigo templo. O distinto condutor de obras públicas, Bernardino de Moura, prestadio e inteligente filho de Bragança, levantou a planta do terreno e o distinto arquitecto Adães Bermudes deu o traçado do edifício. A 12 de Novembro de 1902 celebrou o Banco de Portugal o contrato de compra por 500$000 réis com o dono da capela Bernardo Correia Sepúlveda, casado com uma descendente de Bernardo Baptista da Afonseca e Sousa, e no dia seguinte o mesmo Banco adquiriu por compra, à Câmara Municipal por 267$000 réis, o terreno adjacente à capela que formava o dito largo de S. João e estava limitado por um muro (544). (544) Gazeta de Bragança de 6 de Abril e 16 de Novembro de 1902.

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Em 14 de Janeiro de 1903 pôs o Banco de Portugal em arrematação a construção da nova casa para a sua agência que foi adjudicada ao artista de carpinteiro João António de Oliveira por 9 040$000 réis. A parte de pedreiro foi construída pelo mestre de obras Paulino Quintela. Quando se procedia a esta construção, apareceu a campa do fundador da capela do Nome de Jesus e nela se lia: SEPVLTV RA DE JOZ EPE. ALONSO 1607 (545)

Parece que não foi Maria Pires de Morais, como quer o Agiologio Lusitano, quem no século XVI erigiu a igreja de S. João em matriz paroquial, pois no documento n.º 126, do tomo III, pág. 272, das Memórias Arqueológicas, etc., que contém o título de aforamento feito em 1351 por Frei Domingo, Dom Abade do mosteiro de S. Martinho da Castanheira, em terra de Sanábria, Espanha, a João Fernandes e a sua mulher, moradores em Bragança, na rua da Moreirola, de umas casas situadas nesta mesma rua, já se fala em «Affonso Martins creligo abbade que ffoy de Sam Johane». Do mesmo ou de outro de idêntico nome «abbade de Santo Johane de bragança» nos fala o documento n.º 125, inserto no mesmo tomo, a pág. 271, referente a 8 de Março de 1331, em que esse abade serviu de testemunha numa questão entre Afonso Fernandes de Figueiredo, alcaide de Bragança e povoador do rei, e o abade Mendo, do convento de S. Martinho da Castanheira, acerca da posse do lugar de Vila Meã, no concelho de Bragança. S. Vicente S. Vicente, S. João, Santa Maria e S. Tiago são as quatro paróquias antigas em que se dividia Bragança ao tempo das Inquirições de D. Afonso III. S. Vicente era da apresentação real, mas D. Sancho I cedeu desse direito em favor do concelho. Extinguindo-se a paróquia por falta de moradores, ficou reduzida a um benefício simples com obrigação de duas missas semanais. Em acto

(545) O Arqueólogo Português, tomo IX, p. 36. Deve haver engano no ano, pois BORGES – Descrição Topográfica…, lhe assina o de 1602.

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de visitação, o bispo de Miranda D. António Pinheiro mandou demolir o corpo da igreja por ameaçar ruína, e como a confraria de Santa Cruz se obrigava a reedificá-la, caso lhe fizessem doação dela, assim lho outorgou o mesmo prelado por escritura de 6 de Setembro de 1569, confirmada pela Nunciatura a 12 de Março de 1571 (546), podendo esta receber todas as esmolas, legados pios, etc., que lhe fossem deixados, e os beneficiados apenas as ofertadas com a expressa declaração a S. Vicente ou Santo Ildefonso, devendo haver sacrário para administração do Viático aos enfermos. Esta confraria de Santa Cruz teve o piedoso exercício de enterrar os mortos antes da erecção das Misericórdias e estava erecta na antiga capela de Santa Catarina, depois encorporada na igreja de S. Francisco (547). Arruinando-se esta pelos anos de 1641 e suscitando-se dúvidas acerca da sua reedificação, os mesários, valendo-se da concessão do bispo Pinheiro, de que até aí ainda não usaram, transferiram-na para a igreja de S. Vicente. «O bispo D. Antonio Pinheiro reformou esta confraria com Estatutos, e quasi a fundou de novo como consta do livro antigo da mesma e provisões juntas e lhe deve esta cidade a memoria, tanto da conservação da confraria, como deste templo, pela doação que lhe fez» (548). Estes Estatutos vigoraram até Agosto de 1754, data daqueles por que agora se rege. O actual templo foi reedificado pouco depois de 1683, por neste ano se ter arruinado o antigo, devido a cair sobre ele a alta e forte torre «como a das muralhas antigas» que tinha. Venera-se nesta igreja a imagem chamada Santo Cristo, de extraordinária devoção entre os crentes. É antiquíssima e já veio da capela de Santa Catarina. Quando o templo estava em reedificação é que António de Morais Colmieiro, cavaleiro do hábito de Cristo, fidalgo da casa real e sua mulher D. Angélica Maria de Sousa, por escritura de 12 de Outubro de 1686, fizeram doação à confraria para nela ser colocada a milagrosa imagem do Santo Cristo «duma capella feita d’abobada e cantaria, com porta em frente da Igreja de S. Vicente» (549). Esta capela faz hoje parte do corpo da igreja, e concluída a reedificação do templo se trasladou o Santo Cristo

(546) BORGES – Descrição Topográfica… (547) ESPERANÇA – História Seráfica…, livro I, cap. IV, p. 50. (548) BORGES – Descrição Topográfica… (549) BORGES – Descrição Topográfica. A Confraria do Divino Jesus de S. Vicente, p. 10.

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ao seu lugar na capela-mor, obra sumptuosa de talha dourada, a que deu princípio o juiz da confraria Francisco de Figueiredo Sarmento, ficando nela a Senhora do Carmo e sede de sua confraria. A Senhora de Roncesvales (Rasavales), venerada nesta capela, deixa supor correlação com as propriedades que o seu Santuário de Navarra tinha na cidade de Bragança, segundo apontam as Inquirições de D. Afonso III (550). Os fundadores da capela haviam casado em Bragança, freguesia de Santa Maria, a 28 de Abril de 1665; foi seu filho o genealogista e escritor Baltasar de Sousa Colmieiro, nascido na mesma freguesia a 30 de Abril de 1693 e não em Vinhais como traz a História Genealógica, tomo VIII, pág. 18 das «Advertencias» (551). Relativamente ao labor artístico deste templo, diz Borges (552): «A capella-mór sem controversia he a mais rica e vistosa que ha nesta cidade toda coberta de entalhado, como tambem o arco e parte exterior com dous altares hum de S. Vicente e outro de S. Braz com Reliquia: e o bem delineado, e magnifico desta obra lhe tem grangeado o nome de Monte de Ouro». E, continuando a memorar as importantes cenas de que o templo tem sido teatro, aponta: nele «se cazou clandestinamente El Rey D. Pedro com D. Ignez de Castro, de que ha tradição constante, e de que foy nesta cidade o diz Faria na Europa, tomo 2.º, parte 2.ª cap. 4. fol. 182, Mendes Silva e outros. Em hum arco, que está á mão direyta entrando pela porta principal está enterrado Martim Affonso Pimentel irmão de João Affonso Pimentel que foy senhor desta cidade, e passado a Castella o primeiro Conde de Benevente, filhos de Rodrigo Affonso Pimentel comendador mayor da Ordem de Santiago, e de D. Lourença da Fonseca, e netos de João Affonso Pimentel e de D. Constança Rodrigues de Moraes, filha de Ruy Martinz, ou Pirez de Moraes, desta cidade, de quem fala o Conde D. Pedro, tit. 48, § 1.º, e Haro, Nobiliário genealógico, tomo I. L. 3. cap. 4, e da ascendencia dos Pimenteis por todo o tit. 35 trata o Conde D. Pedro... Diz Haro supra, fol. 135 verso, que o tumulo de Martim Affonso Pimentel está junto ao altar do Sancto Christo, e assim era quando escreveu; agora fica junto ao de S. Braz porque o Sancto Christo se trasladou para a capella-mór». (550) Santuário Mariano, tomo V, livro III, p. 645. (551) Sobre a genealogia desta nobre família publicou o erudito Francisco de Moura Coutinho um bem documentado estudo em A Pátria Nova, semanário de Bragança, desde 6 de Maio a 10 de Junho de 1908. (552) BORGES – Descrição Topográfica….

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É curiosa, por mostrar o modo de celebrar as festividades nessa época, a seguinte notícia que copiámos da acta da mesa do Senhor Jesus de S. Vicente, de 2 de Março de 1649. Segundo ela, para a festividade da Santa Cruz (3 de Maio) «o Juiz da confraria daria a cera e seda aos mordomos e mais officiaes, para que todos juntos armem a Igreja o melhor que possa ser – mais daria tres touros para se correrem na vespera da festa, com seus palanques feitos – outro mordomo na vespera da festa, nessa noite, fogo bastante para lançar da torre com suas luminarias – outro, uma comedia, com todos os seus apparatos, – outro, uma dança na vespera da festa, até ao fim da procissão – outro, o escrivão, que dava as cruzes e pendões que pudesse trazer para a procissão». Santa Casa da Misericórdia de Bragança [2] Data de 1498 a instituição das Misericórdias em Portugal pela rainha viúva de D. João II, D. Leonor de Lencastre, graças à perseverante tenacidade do seu evangelizador Frei Miguel de Contreiras, incansável propugnador da humanidade doente e abandonada (553). Ao tempo que Frei Miguel de Contreiras, religioso espanhol da Santíssima Trindade, conseguia ver posta em obra a sua ideia das Misericórdias, havia em Portugal muitas albergarias, hospitais e orfanatróficos, que o rei D. Manuel «reduziu em poucos porque soube decerto que se tratavam estas coisas por tantas mãos que o mais se consumia entre as dos provedores e outros officios, que foi obra pia e muito necessaria» (554). As Inquirições de D. Dinis em 1290, tratando do julgado de Lamas de Orelhão (Lamis de Orelam), falam-nos de uma albergaria que ali havia, e como esta deviam existir no nosso distrito idênticos estabelecimentos de caridade. As albergarias eram destinadas ao abrigo dos transeuntes, peregrinos e velhos decrépitos que ali tinham, pelo menos, casa, lume e cama; os hospitais ao tratamento de enfermos, parturientes e sepultura de mortos, e os orfanotrófios à criação e educação de crianças órfãs e abandonadas. A ideia altamente humanitária de Contreiras, posta em prática pela rainha, vulgarizou-se imediatamente pelas províncias, e como os fins

(553) BELLINO, Albano – Arqueologia Cristã, p. 165. (554) GÓIS, Damião de – Crónica d’El-rei D. Manuel, parte IV, cap. LXXXVL.

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eram os mesmos facilmente se fundiram nas Misericórdias os precedentes estabelecimentos e para elas transferiram seus encargos pios e bens de raiz. E assim havemos no distrito Casa da Misericórdia em Alfândega da Fé, Moncorvo, Freixo de Espada à Cinta, Mirandela, Vila Flor, Miranda, Mogadouro, Vinhais e Bragança (555). O Arqueólogo (556) dá em gravura a seguinte lápide existente na parede sul da igreja da Misericórdia de Bragança: º

1539. AN R. 1.3.1.6 D. JHE. IS

que julgamos diz: «1539 anno reconstruida, 1316, dedicada Jesus Ispirito Santo». Ou seja: que a igreja dedicada a Jesus e ao Espírito Santo em 1316 foi reconstruída em 1539. A 20 de Julho de 1571 faz menção dela o despacho régio de D. Sebastião ao requerimento dos padres do Colégio de Jesus de Bragança em que pediam autorização para possuírem uma quinta que tinham chamada da Rica Fé composta de diversas propriedades compradas a diferentes indivíduos, e entre elas uma à Misericórdia de Bragança (557). A sua origem deve remontar ao ano do 1518, pois neste, a 6 de Julho, lhe deu compromisso assinado por sua própria mão o rei D. Manuel e fundou-se em uma igreja que havia dedicada ao Espírito Santo de onde a rua em que estava tomou o nome. Em provisão de 29 de Setembro de 1641 concedeu-lhe o rei D. João IV as mesmas isenções e privilégios de que goza a Misericórdia de Lisboa (558). Em 1877 o barão de Castelo de Paiva doou a este hospital, ao de Miranda do Douro e ao Asilo Duque de Bragança a cada um, uma inscrição nominal de 1000$000 réis, e ao hospital do Divino Espírito Santo de Moncorvo e Misericórdia de Mirandela, a cada um, uma inscrição nominal de 500$000 réis (559). Também o mesmo benemérito titular legou ao Seminário de Bragança uma inscrição nominal de 1000$000 réis.

(555) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Misericórdias». (556) O Arqueólogo Português, vol. VIII, p. 16. (557) Arquivo da Casa da Rica Fé. (558) BORGES – Descrição Topográfica…, notícia 5.ª. (559) Diário do Governo, n.º 193, de 1877.

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Em 6 de Agosto de 1897 morreu na cidade do Porto o benemérito José António Lopes Dine, natural de Bragança, que deixou à confraria do Santíssimo Sacramento, erecta na igreja de Santa Maria da cidade de Bragança, a quantia de 300$000 réis (560), várias esmolas aos pobres da mesma cidade e alguns títulos da dívida pública à sua Misericórdia (561). A reforma de saúde e beneficência, publicada em Dezembro de 1900, acabou com os subsídios aos hospitais, o que reduziu a precárias circunstâncias o de Bragança; mas graças aos esforços do conselheiro Abílio Beça, então governador civil do distrito, um benemérito a quem Bragança deve incalculáveis benefícios, por despacho ministerial de 17 de Março de 1902 foi autorizada a continuação desse subsídio concedido em 1892 à Misericórdia de Bragança para tratamento das mulheres toleradas. Para esta consecução muito concorreu o doutor António Gonçalves Braga, então delegado de saúde e hoje guarda-mor de saúde em Lisboa e professor no Liceu da mesma cidade, e Abílio de Lobão Soeiro, ao tempo provedor da Santa Casa da Misericórdia (562). O mesmo governador civil obteve ainda do governo, para a mesma Santa Casa, a quantia de 600$000 réis para serem empregados no alargamento da enfermaria para homens que comportava apenas cinco doentes, e podia, com as novas obras feitas por conta desta verba, chegar para catorze. Estas obras foram arrematadas em 12 de Fevereiro de 1905 (563) e o subsídio havia sido concedido em Outubro do ano transacto (564). A mesa gerente da Santa Casa da Misericórdia, em 11 de Maio de 1902, propôs «que, em attenção aos muitos cuidados que lhe ha merecido a egreja da Santa Casa da Misericordia, e, ainda, pelo seu ultimo e valioso donativo que consta de quatro bellas casulas e um rico calix de prata dourada, fôsse o reverendo conego Antonio José da Rocha nomeado capellão-mór honorario d’aquella Santa Casa, com todas as prerogativas de effectivo». Esta proposta foi aprovada por aclamação (565). Pelos anos de 1882, morria em Fafe o prior dessa freguesia Francisco Joaquim Barreira, distinto benemérito da Misericórdia de Bragança a que legou grande donativo. (560) Distrito de Bragança de 18 de Abril de 1902. (561) Gazeta de Bragança de 1 de Outubro de 1899. (562) Ibidem, de 23 de Março de 1902. (563) Ibidem, de 19 de Fevereiro de 1905. (564) Ibidem, de 11 de Junho de 1905. (565) O Nordeste de 14 de Maio de 1902.

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A 11 de Junho de 1905 estavam concluídas as obras de alargamento na enfermaria dos homens e foram inauguradas com grande festa nesse dia (566). Também D. José Alves de Mariz, actual prelado bragançano, tem por várias vezes dado avultadas esmolas pecuniárias a esta casa de caridade; e por isso vemos em lugar de honra na sacristia da igreja, em rica moldura, a carta patente de 30 de Julho de 1892 que o aclama, por unanimidade da mesa, irmão benemérito da mesma Santa Casa. Uma das isenções de que gozava a Misericórdia era a de não poder ser visitada pelos visitadores da diocese, e intentando fazê-lo o doutor António da Costa, deão da Sé de Miranda, em 1685, visitador ordinário e capitulando que na igreja não houvesse Sacramento que até ali se administrava aos enfermos do hospital, se lhe opuseram os irmãos e provedor, de que levaram recurso à coroa; e, como o mesmo obrigava, com censuras ao primeiro dos capelães, que celebrasse a consumir o Sacrário, não mais celebraram enquanto durou o litígio, valendo-se para a renovação do Sacramento de religiosos castelhanos. Por acórdão de 19 de Junho de 1685 obtiveram provimento no recurso (567). Ainda em 1721 tinha a Misericórdia de Bragança dez capelães pelos quais se distribuíam as missas obrigatórias da casa; nas quartas-feiras da Quaresma tinha sermão e era obrigada a dar de jantar aos presos; nos domingos quadragesimais fazia procissão com o Santo Lenho e ia com sermão às principais igrejas da cidade; igualmente fazia a procissão de Quinta-feira Santa com muito esplendor (568). Hoje tem apenas um capelão, a procissão de Quinta-feira Santa e nesse dia leva jantar aos presos. Adiante falaremos na existência de um hospital para leprosos que, segundo a tradição, havia junto à capela de S. Lázaro. É também natural que houvesse outro hospital na cidade antes da fundação da Misericórdia; e, efectivamente, um acórdão da Câmara de 1540 refere-se à rua do Hospital Velho que, se não é para o distinguir do da Misericórdia, fundado anos antes, deixa antever a existência de dois – novo e velho. Borges (569) diz que o Hospital Velho «ficava no cimo da costa grande, onde se

(566) Gazeta de Bragança de 14 do Junho do 1905. (567) BORGES – Descrição Topográfica…, notícia 5.ª, onde vem na íntegra a acordão. (568) Ibidem. (569) Ibidem, notícia 9.ª, «Hospitaes».

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vê hum poço (1721) e estava huma crus de pedra, que haverá dous annos se tirou deste sitio, e se pôs no cemiterio de Santa Maria». Em O Arqueólogo Português (570) dá o inteligente investigador Albino Lopo, acompanhando um seu artigo, a gravura de uma inscrição que está no arco da porta de uma casa, na rua da Costa Grande. Seria aqui o Hospital Velho? A existência de um hospital para clérigos, junto à igreja de S. Vicente, consta de um instrumento de 1458, citado por Borges (571); porém, já naquele ano não existia. O mesmo instrumento fala de outro hospital nas casas onde hoje está o da Misericórdia.

Capela de S. Sebastião (Pertence à freguesia de Santa Maria) Esta capela fica perto, mas fora da cidade, ao nascente e dá o nome a uma avenida, largo ou passeio arborizado em comunicação com ela. Já existia no século XV (572), segundo se vê dos desenhos das fortificações de Duarte de Armas. A sua origem deve filiar-se no voto feito por D. Manuel, por causa da grande peste que em 1505 assolou o reino, de erigir nos arrabaldes de todas as vilas e cidades uma ermida dedicada a S. Sebastião, conforme diz José Avelino de Almeida no seu Dicionário Abreviado. Porém, a Descrição Topográfica, de Borges, diz que se fundou por voto da cidade por causa da peste de 1569 e que nas guerras da Aclamação (1640) um engenheiro a mandou demolir por conveniências de táctica militar, sendo depois erigida a fundamentis pela câmara municipal e povo. Parece que o prior de Santa Maria e o abade de S. João tinham nela igual jurisdição. Ver o que dissemos sobre a igreja de S. João a propósito desta capela, que pertence à câmara de Bragança. Desta capela sai e a ela recolhe S. Jorge, pois não a tem própria, quando vai na procissão de Corpus Christi montado em cavalo branco, de lança em riste, acompanhado de um piquete de cavalaria e militares à laia de estado-maior de um general, cuja figura o santo representa nas suas funções públicas. (570) O Arqueólogo Português, volume II, p. 288. (571) BORGES – Descrição Topográfica… (572) LOPO, Albino – Bragança e Benquerença, p. 35 e 90.

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Também da mesma maneira a Câmara de Bragança é obrigada, dizem que por voto antiquíssimo, a fazê-lo conduzir todos os anos no dia 23 de Abril a uma capela chamada de S. Jorge, situada na ribeira e perto de Vila Nova, a três quilómetros ou menos de Bragança, onde assiste à missa, mas fora da capela, guardado pelos moradores desta povoação, pois se passar para a outra margem da ribeira, onde há umas ruínas, não volta, diz a lenda: fica lá. Ainda hoje se observa invariavelmente esta romaria do santo todos os anos, dia 23 de Abril, por mais tempestuoso que o dia esteja. Eis como Cardoso nos dá a razão deste facto: «Conta a tradição, diz ele, que no tempo de Ramiro II era conde de Ariães (573) D. Pelaio, o qual fazia suas entradas e assaltos por aquelas partes com venturoso successso, em gravo damno dos mouros. De sorte que, molestados os de Bragança, com tão poderoso visinho, vieram com elle a partido, dizendo que lhe entregariam a dita cidade, se entrasse em campal desafio com hum valorosissimo mouro, em força e membros mui desigual. O intrepido conde, alegre o acceitou, entendendo, que como pelejava contra inimigos da fé, alcançaria victoria delles. E muito mais sabendo que era dia de S. Jorge, a quem fez logo voto, juntamente com os seus, promettendo, se levasse a melhor do inimigo, levantar-lhe templo a que todos annos irião neste dia em procissão. Com isto sahiu ao campo... e ao primeiro talho, prostou a seus pés cadaver, aquella inimada torre de carne, pela qual razão se chama ainda hoje o logar do desafio – Prado do Talho – que fica no limite da veiga de Ariães. Assistiu o nosso D. Pelaio, com outros condes e prelados de Portugal, na sagração da egreja compostellana a 7 de maio anno de 879, segundo Sampiro, Bispo de Astorga, na sua historia, pag. 56, onde assigna Pelagius Bregantiae Comes. (573) A tradição deste conde é muito viva ainda, mas chama-lhe conde de Ariães e não D. Pelaio. Na matriz do Castro de Avelãs há um túmulo que dizem conter os seus restos mortais e do qual a Bragança e Benquerença, p. 57, nos dá uma gravura. Pouco abaixo da povoação há uma ponte sobre o ribeiro que banha a mesma e é chamada ponto de Ariães. Segundo uma tradição que ouvimos, este conde, zangado contra a própria mãe, por lhe não ter o jantar feito quando voltava da caça, açulou-lhe os cães que a mataram. Em penitência foi-lhe imposto que tirasse um cabelo da sua própria cabeça e o metesse numa pia de cantaria com água, debaixo de uma pedra, até que se convertesse em cobra (ainda hoje o nosso povo dá a estes répteis idêntica origem) e depois a fosse criando até ser bastante grande e então se meteria numa tumba com ela até esta o devorar, para que assim, ele filho mau, que matou quem o gerou, de si mesmo criasse quem lhe fizesse outro tanto. A tumba em que o conde se meteu é o túmulo supra mencionado. Algo concorda esta lenda com o que dizem os Livros de Linhagens a propósito do braganção D. Fernão Mendes, o Bravo (Portugaliæ Monumenta Historica, tit. I, p. 165).

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Este voto cumprem hoje inviolavelmente os cidadãos de Bragança, em tanto que cahindo o dito santo no triduo da Paixão, ou em dia de Paschoa e por mais agua que chova e tempestade que faça, distando esta egreja (parochia agora de Villa Nova) meia legua da cidade, não falta o piedoso senado a sua votiva obrigação. A mesma tem o logar de Samil, morada então do conde, no qual permanecem ainda ruinas de seus palacios» (574). O nome de Pelágio dado ao conde da tradição acima referida por Cardoso talvez fosse arranjado com vista no conde de Bragança com nome idêntico, mencionado pelo Chronicon, de Sampiro, segundo Florez, España Sagrada, tomo XIV, pág. 442; mas hoje, em Castro de Avelãs e imediações só vive a tradição do conde Ariães, a cujo nome ligam a lenda referida por Cardoso. Borges (575) refere a lenda por outra forma. Segundo ele, Afonso IV de Leão, arrependido da abdicação ao trono, levantou divisões entre seus vassalos de onde proveio a guerra civil e a queda de Bragança em poder dos mouros em 931, voltando só a recuperá-la os cristãos a 23 de Abril de 1001, após monumental derrota infligida àqueles na ribeira de Vila Nova, cercanias de Bragança, depois chamada ribeira de S. Jorge, por razão da capela erigida a este santo como monumento, pois fora visto na batalha pelejando na vanguarda dos cristãos. O infante Alboazor Ramires, filho de Ramiro II, rei de Leão, e da celebrada Zara, era o capitão da hoste cristã. Para comemorar o feito, fez a Câmara de Bragança o voto que ainda hoje cumpre. Em a Ilustração Transmontana, 1909, págs. 149 e seguintes, dedicou Daniel Rodrigues largo artigo a esta lenda, acompanhado de esplêndidas gravuras da parte ainda em pé desse monumento arquitectónico que foi o antigo mosteiro beneditino de Castro de Avelãs: monumento único no seu género em Portugal, que a estupidez dos nossos antepassados destruiu ou votou a abandono vandálico, em nada resgatado por nós que, impassíveis, como se as grandiosidades da arte não falassem ao nosso espírito, assistimos ao desmoronamento de uma das capelas laterais do seu templo à qual se seguirá a outra e depois a abside, tudo de tijolo for-

(574) CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano, ao dia 25 de Abril. O Tombo dos Bens do Mosteiro de Castro de Avelãs, tratando de Gostei, ainda menciona o Prado do Talho. CASTRO, João Baptista de – Mapa de Portugal, 2.ª edição, tomo II, p. 257. (575) BORGES – Descrição Topográfica…

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mando arcaturas fenestradas sobrepostas em dois andares num espécimen soberbo de estilo românico. Ó vós que em Portugal tendes corregimento destas coisas: acudi a Castro de Avelãs! Por quem sois! Olhai que está exposto às injúrias, não dizemos do tempo porque as afrontou impávido durante oito séculos, mas do homem, do sonhador de tesouros, esse arco da capela lateral que é um primor! Nas suas arquivoltas e pés direitos soube o artista tirar tais efeitos de luz e sombra dos simples tijolos dispostos em saliências, reentrâncias e fiadas simétricas de grossura desigual, que nada cedem aos dos mármores e granitos quando o génio lhes dá expressão e vida. A propósito do túmulo do conde Ariães, ver O Arqueólogo Português, tomo III, pág. 83, onde vem a fotogravura do mesmo, acompanhando um artigo que lhe é consagrado e no qual seu autor, Albino Lopo, refere a respectiva lenda por forma quase idêntica à nossa, e também José Leite de Vasconcelos, Religiões da Lusitânia, tomo III, pág. 17 em nota. Devemos advertir que Daniel Rodrigues, fazendo sobre a lenda do Conde Ariães um trabalho literário, fantasiou bastante, ligando-lhe outras lendas referentes ao castelo de Rebordãos, pois na sua singeleza, como o povo a refere, é a que deixamos mencionada. Coisa notável! Junto à igreja matriz de Malta, perto de Chacim, concelho de Macedo de Cavaleiros, há uma tumba de granito semelhante à de Castro de Avelãs, colocada sobre o dorso de dois leões da mesma matéria, e o povo adscreve-lhe lenda idêntica. Convém lembrar que uma vergôntea genealógica dos bragançãos, a que pertence o tal D. Fernão Mendes, o Bravo, teve o apelido de Chacim por aí fixar residência, como mostram os ditos Livros de Linhagens. A Câmara de Bragança todos os anos metia em orçamento uma verba pouco mais ou menos de trinta mil réis para ocorrer a estas despesas da ida de S. Jorge a Vila Nova. Agora, as vereações republicanas não dão nada e fazem à lenda e interessante tradição o que o tempo edax e o homem edacissimus faz à veneranda relíquia arquitectónica de Castro de Avelãs. Pinheiro (576) dá como provável, segundo o informaram, o começo desta procissão no tempo de D. Afonso III, época em que o santo seria transferido para Bragança, contra vontade dos de Vila Nova, mas com a

(576) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da Estrada Militar Romana de Braga a Astorga, p. 66.

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condição de lho levarem lá todos os anos. Nós, porém, nos arquivos da câmara, cabido e Castro de Avelãs não encontramos base para tal asserção. A capela de S. Jorge, no termo de Vila Nova, fica numa veiga sulcada por um pequeno ribeiro, e ao sul, defronte dela, a pequena distância, fica uma colina chamada devesa de Vila Nova onde têm aparecido fragmentos de telha, tijolo, argamassa e cerâmica romana e também algumas moedas dessa nação e lápides funerárias (577). Nestas ruínas localizou Pinheiro (578) a antiga Brigantia ou presumiu que ficasse perto, e para explicar a ida do santo à capela, de acordo com Martins Sarmento, a quem consultou sobre o caso, disse que neste local se adoraria o deus Brigo, e como «um dos meios a que a Egreja se soccorreu para destruir a religião pagã, enraizada nos aldeões (pagani), foi christianisar os seus loca sacra, os seus deuses», mudada a sede da antiga Brigantia para o local da actual Bragança e com ela o seu deus Brigo, este, cristianizado em S. Jorge, por haver entre eles identidade de atributos, ficou visitando anualmente as ruínas já consagradas ao culto cristão por uma capela, pois com isto se contentaria o povo acostumado aos actos externos do culto sem entrar muito no âmago das questões teológicas. Quer dizer: encarnaram-se nos santos do cristianismo os atributos dos deuses pagãos, que neste caso mudavam apenas de nome, e foi continuando tudo na mesma. Não estamos longe de crer que os templos nos despovoados e lugares altos representam a tradição cultual de uma mitologia extinta. As ruínas luso e pré-romanas, que quase sempre lhe ficam perto, assaz o demonstram; mas daí à explicação de Pinheiro e Sarmento vai muito. As ruínas da devesa de Vila Nova não podiam ser uma posição militar, pois estão dominadas completamente por outras colinas mais elevadas; são demasiadamente pequenas em área para supormos que nelas existiu povoado de alguma importância, e nem mesmo apresentam vestígios de grandes obras defensivas que os guardassem, o que tudo nos inibe de localizar aqui a primitiva Brigantia. Demais, a existência do deus Brigo não é indicada aqui por vestígio algum a não ser que queiramos vê-lo na raiz da palavra Brigantia, primevo da actual Bragança.

(577) LOPO, Albino – Bragança e Benquerença, p. 55. O Arqueólogo Português, tomo III, p. 127 a 148, tomo XIII, p. 314, e tomo XIV, p. 151. (578) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da Estrada Militar Romana…, p. 59 e seguintes.

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A existência desse deus apenas consta de uma lápide do museu de Guimarães encontrada na freguesia de Delães, concelho de Famalicão (579), e por conseguinte a muito grande distância das nossas ruínas. Nada de averiguado sobre os predicados de tal divindade, e nem mesmo os filólogos estão de acordo para nos dizer se o nome é céltico, pré-céltico ou ligúrico. De resto, o caso em si pouco tem de extraordinário porque no bispado de Bragança encontram-se templos e capelas em povoados ou fora deles, que são visitados procissionalmente por seis e mais povoações de cruz alçada e santos em andores, como diremos noutra parte. Perto das ruínas da devesa de Vila Nova e a menos de trezentos metros delas, fica um local chamado Britelo, onde ainda em 1461 existia a povoação deste nome (580), já desabitada em 1691, segundo vemos pelo Tombo dos Bens do Cabido de Miranda, feito neste ano.

Igreja de Nossa Senhora do Loreto (Extramuros de Bragança – Pertence à freguesia da Sé)

A igreja de Nossa Senhora do Loreto fica no ocidente de Bragança, junto ao entroncamento da linha de ferro com a estrada de Vinhais. Estando no convento de S. Francisco de Bragança os franciscanos chamados conventuais, «alguns d’elles com licença do Papa ou dos prelados da Ordem se retiraram do concurso dos conventos para ermidas solitarias, algumas já feitas e outras que elles construiam de novo, onde serviam a Deus com maior quietação de espirito. Foi um d’estes, o padre Manuel Corvo (a Tábua Velha chama-lhe Carvalho), que morando no convento de Bragança sahiu d’elle em tempo de D. João III a edificar uma ermida de Nossa Senhora do Loreto no territorio da cidade. Deu-lhe o sitio d’ella o licenceado Manuel Gomes Corrêa e elle com suas agencias levantou o edificio», para o que obteve confirmação da Sé Apostólica (581) no tempo do Papa Paulo III, ano de 1536.

(579) VASCONCELOS, José Leite de – Religiões da Lusitânia, vol. II, p. 325. (580) Vide documento n.º 85. (581) ESPERANÇA, Manuel da, Frei – História Seráfica da Ordem dos Frades Menores de S. Francisco na Província de Portugal. Lisboa, 1656, livro I, cap. VI. Monarquia Lusitana, parte V, livro XVII, cap. XII.

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Arruinando-se depois com o decorrer do tempo, foi mandada reedificar a fundamentis, pelo padre João de Prada, abade de Monforte de Rio Livre, hoje concelho de Chaves, em 1706 (582). Em 1 de Junho de 1607 foi, pelo doutor Manuel de Amaral, deão na Sé de Miranda do Douro, provisor e vigário geral no mesmo bispado pelo bispo D. Diogo de Sousa, dada sentença contra Bartolomeu de Abreu, natural e morador em Bragança, que, pretendendo ser padroeiro desta ermida, protestara contra uns capítulos do bispo sobre a ermida quando visitara a igreja de S. João. Entre as razões que alegava o Bartolomeu para ser padroeiro, pois o tinham sido os seus maiores, era: que querendo o bispo D. António Pinheiro, enquanto se fazia o colégio de S. Pedro, desta cidade, que os colegiais dele estivessem na casa da dita ermida, como estiveram dois anos, pedira a um seu ascendente licença e consentimento para isso (583). Iguais pretensões tivera já o licenciado Manuel Gomes Correia, da principal nobreza de Bragança, pelo ano de 1661, com idêntico resultado (584). Em 1634 haviam sido as mesmas dúvidas apresentadas ao bispo D. Jorge de Melo, que deu sentença favorável à Câmara (585). Já quando fora do princípio desta fundação, o bispo de Miranda opusera certas dificuldades a Frei Manuel Corvo que as venceu conseguindo nova bula do Papa Júlio II. Frei Manuel Corvo devia já ter falecido em 1553, a julgar por um acórdão da Câmara de Bragança de Fevereiro desse ano. Do reedificador padre João de Prada, sabe-se que fundou em Chaves uma nobre capela da mesma invocação de Nossa Senhora do Loreto com vínculo de morgadio, de que foi primeiro administrador seu irmão António de Prada, cavaleiro do hábito de Cristo, cavaleiro fidalgo da casa real e governador do forte de S. Francisco de Chaves. Houve antigamente nesta capela de Nossa Senhora do Loreto de Bragança duas confrarias, sucessivamente: uma de seculares e depois outra de eclesiásticos, que duraram pouco.

(582) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Senhora do Loreto». BORGES – Descrição Topográfica…, notícia 7.ª. (583) Tábua Velha da Igreja de S João, fl. 133. (584) Tombo da Igreja de S. João, fl. 217. (585) Capítulos de Visita da Colegiada de Santa Maria, fl. 64.

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«Junto da capella-mór se fez um recolhimento com tribuna para a mesma, no qual assistem (1721) algumas devotas mulheres». Não foi, porém, reconhecido o direito de padroeiro a Bartolomeu de Abreu mas sim à câmara. A Tábua Velha, abaixo citada (586), dá a esta ermida o título de Senhora do Loreto, extramuros da cidade de Bragança, e por ela se vê que era filial ou pertencia à Igreja de S. João. Nesta ermida se diziam duas missas rezadas dia de Santo António, deixadas pelo doutor António Homem Leitão, lente jubilado das cadeiras de Véspera e Prima, na Universidade de Coimbra, cónego da Sé de Coimbra, inquisidor do Santo Ofício e natural de Bragança. Reinando D. José, foram estas missas abolidas em provisão régia alcançada por António Manuel de Antas, provavelmente descendente do lente que, além da verba para o encargo das missas, legou outra em benefício da ermida (587). Antigamente, ia a Câmara de Bragança, todos os anos no dia de Santo Amaro, em visita a esta ermida, onde mandava celebrar uma missa cantada e sermão por voto antigo dos vereadores (588). Hoje nada disso se faz, o que é para lamentar, porque estes actos, fundados indubitavelmente em acontecimentos de importância histórica, pelo menos local, continham aproveitáveis exemplos de educação cívica, não despiciendos num povo que tanto carece dela e tão facilmente desconhece as origens das suas tradições e usanças. Nesta igreja e casas contíguas que pertenciam à mitra fundou o bispo de Bragança D. António da Veiga Cabral e Câmara um recolhimento das Oblatas do Menino Jesus, destinado a receber as mulheres nobres, órfãs e desamparadas, ao qual deu regra e estatutos e foi inaugurado solenemente a 5 de Agosto de 1794, sendo sua primeira superiora Domingas de Jesus Vaz, natural de Dine, concelho de Bragança. Este Recolhimento distinguia-se apenas do da Mofreita, fundado pelo mesmo bispo, em se destinar particularmente a recolher donzelas pobres, pertencentes à classe do povo. A 20 de Maio de 1819, as Oblatas do Menino Jesus estabelecidas nesta casa, chamadas vulgarmente beatas, nome porque ainda hoje é conhecida a casa e capela, ermida ou igreja adjunta, transferiram-se, para a aldeia de Fornos de Ledra, onde perseveraram até à implantação da República, que as expulsou, observando a sua regra que não compreende (586) Capítulos de Visita da colegiada de Santa Maria, fl. 155. (587) Ibidem, fls. 4 e 39. Ver na «Bibliografia» o nome do lente António Homem Leitão. (588) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Senhora do Loreto».

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os votos solenes dos que constituem ordem religiosa, podendo as recolhidas deixar a casa quando lhe aprouver e tomar outro estado (589). Devido a esta transferência, a igreja está muito abandonada e a casa, do Recolhimento ainda há pouco serviu para nela se estabelecer uma fábrica de sabão. Por aviso da rainha D. Carlota Joaquina, mulher de D. João VI, de 29 de Dezembro de 1819, dirigido ao vigário capitular do bispado de Bragança, foi-lhe participado que ela tomava debaixo da sua imediata protecção os dois recolhimentos denominados do Loreto e Mofreita, instituídos no bispado de Bragança (590). O decreto de 10 de Março de 1901 e instruções complementares do dia 12, alguns sustos causaram nestes dois recolhimentos, ameaçados de imediata supressão, mas devido aos bons ofícios do conselheiro Abílio do Madureira Beça, então governador civil de Bragança, a quem o distrito deve inapreciáveis serviços, continuaram a reger-se como dantes, sem que por isso o distinto magistrado faltasse à verdade na informação dada ao governo de que era delegado, pois efectivamente os recolhimentos supra mencionados não são casas religiosas na verdadeira acepção do termo. A seguinte disposição do testamento da rainha D. Carlota Joaquina, mulher do rei D. João VI, feito aos 7 de Janeiro de 1830, mostra bem quanto a obra do zeloso bispo D. António da Veiga era apreciada nas altas esferas da sociedade: «Determino, diz a régia testadora, que por um padrão a mim pertencente, que está em poder de Ignacio Rufino de Almeida, comprador da casa real, cujo padrão rende annualmente 3:000$000 réis, seja este rendimento applicado para a sustentação dos três recolhimentos de donzellas estabelecidos em Fornos de Ledra, um com o titulo de Nossa Senhora do Loreto, outro no logar de Mofreita, ambos no bispado de Bragança, e o terceiro em Lisboa, defronte do Jardim Botanico, para se estabelecer na minha real quinta dos Quadrios, termo da villa de Cintra, de cuja quinta faço doação ás donzellas que ao presente se acham na casa de educação defronte do Jardim Botanico, isto é, aquellas que, em congregação e fórma de recolhimento clausurado, quizerem ir habitar o da referida (589) Monumento à Memória de D. António Luís da Veiga Cabral e Câmara, Bispo de Bragança, p. 171 e seguintes. (590) Arquivo Distrital de Bragança, Livro do Registo da Câmara de Bragança, fl. 159 v.

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quinta dos Quadrios; e juntamente para conservação do dito recolhimento, lhe faço livre doação das terras e fazendas que possuo vizinhas á mesma quinta além das terras que com ella comprei. E recommendo a meu muito amado e prezado filho el-rei D. Miguel continue na protecção dos sobreditos três recolhimentos, mandando lhes dar a mesma mezada mensal que eu lhes costumava dar. Por esta esmola que deixo aos três recolhimentos mandará dizer em cada um d’elles, em todos os dias santos do anno, in perpetuum, uma missa pela minha alma [...]. Deixo a quinta do Campo Grande ao recolhimento que se hade estabelecer na quinta dos Quadrios. Deixo a minha quinta da Outra Banda ao Recolhimento de Mofreita, pois que uma e outra comprei com este designio» (591).

Capela de Santo António (Extramuros de Bragança – Pertence à freguesia de Santa Maria) Em 17 de Novembro de 1772 obteve João Esteves Álvares, natural da Moimenta, concelho de Vinhais, morador na quinta da Rica Fé, subúrbios de Bragança, do Papa Clemente XIV um breve a fim de poder mandar celebrar na sua quinta uma missa quotidiana excepto no dia de Páscoa da Ressurreição e Pentecostes, Natividade, etc., a que juntou beneplácito régio de 15 de Dezembro seguinte. Uma das razões alegadas no processo para esta concessão era que o postulante se tratava à «lei da nobreza com cavalgaduras e creados e em tudo o mais com a decencia propria das pessoas qualificadas e que nas casas da sua quinta, além de serem proprias para haver oratorio, já nellas tiveram capella os jesuitas». Deste privilégio se lhe passou sentença, julgada por ordem do ordinário de Bragança, a quem o breve vinha cometido aos 19 de Julho de 1775. E, segundo ela, podiam assistir a essa missa e cumprir o preceito, além do postulante e família, seus criados hóspedes e parentes (592).

(591) Documentos para a História das Cortes Gerais da Nação Portuguesa, tomo VII, p. 9. Tratam desta igreja: Monarquia Lusitana, parte V, livro XVII, cap. XII. ESPERANÇA – História Seráfica, parte I, livro I, cap. VI, p. 56. CARDOSO – Agiologio Lusitano. HENRIQUES, João Baptista – Corografia Lusitana, tomo I, livro II, trat. III, p. 496. Santuário Mariano, tomo V, p. 553. (592) Documentos existentes no Arquivo da Casa da Rica Fé.

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