O caso de águedo de oliveira segunda parte

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CAPÍTULO VII – A IDEOLOGIA DE ÁGUEDO DE OLIVEIRA

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há que acrescentar. Defensores do dogma da intangibilidade do governo de gabinete, em que o governo permanece escravo submisso das maquinações parlamentares, acantonam-se aos poucos, como mostra de raridade, náufragos dalgum continente, subvertido nos cataclismos das idades. A intangibilidade pura do sistema já não interessa hoje – ela, temos de repetir, alicerçava-se na mentira, na fraude e, o que é pior, na intriga inferior de homens que deviam ser superiores por definição. Portanto, ou somos pela negação completa, pela eliminação radical do sistema parlamentar, ou pela redução a limites mais que modestos».1046

Uma análise interpretativa deste discurso levar-nos-á a deduzir que no trajecto ideológico de Águedo de Oliveira se configura, no seu início, uma desvalorização do regime democrático parlamentar, lido com toda a clareza. É, por outro lado, evidente, no contexto da sua argumentação, uma linha de pensamento próxima de Mussolini. Esta orientação foi, alias, explícita em outros oradores políticos do Estado Novo, ao ponto de se poder falar, como o fez Manuel de Lucena «numa teoria dos regimes fascistas».1047 Do texto transcrito do discurso de Águedo de Oliveira, poderá ainda sair a seguinte questão: terão ficado por ele suficientemente desenhadas as linhas nítidas da orientação política (ainda jovem) do Estado Novo? As suas palavras obedeceram às normas comuns dos discursos das elites dirigentes. Nestes termos, argumentou deste modo aos seus ouvintes: Claro que não deve pensar-se, perante a convocação da Assembleia Nacional, à sua voz de comando, na República ideal de Platão. Onde os filósofos, os sábios e os heróis repoisem na doce quietude dos merinos, apascentando num prado… se houver, porém, cultura política, compreensão da índole das instituições, proeminência, predomínio e entendimento perfeito do interesse nacional, desaparecerão, de vez, os receios perfilhados por alguns dos que me escutam, de que a reabertura de S. Bento, dê azo a novas manifestações de fragmentação política e torne possíveis outra e não menos inglórias pugnas civis. No dia em que tal sucedesse, eu e os meus companheiros de lide política fracassaríamos inteiramente, a nova Cúria teria os seus dias contados, a Assembleia Nacional seria apenas, por uma temporada, um laboratório de limitadas experiências, um episódio mais, detrito do passado, levantado na poeira do presente. Evitaremos pois tudo quando possa desunir ou confundir, dividir ou perturbar, como evitaremos tudo afinal que diminua, inferiorize ou falseie a nossa missão. Evitaremos, ainda, o regresso descarado ou travestido da plutocracia com sua teoria de interesses inconfessáveis e indefensáveis.

1046

Cfr. Águedo de Oliveira, Três Discursos, Lisboa, Edição da União Nacional, 1935, pp. 38-39.

1047

Cfr. Manuel de Lucena, «Notas para uma teoria dos regimes fascistas», in. Análise Social, nº 125-126, 1994.


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