Book final cepihs 2 25 09 2012

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Campos Monteiro – diálogo com a ciência

A abordagem sociocultural introduzida por Beard no campo da neurastenia, enquadrada na omnipresença da civilização (determinante sobre outras causas que não exclui, como as endógenas), é visível em Freud, em 1908, no artigo “Moral sexual civilizada e nervosidade moderna”. Afirma que a civilização é intrinsecamente patogénica, em resultado, sobretudo, da restrição social que a moral sexual impõe. Estes argumentos vão ser amplamente desenvolvidos nos seus grandes textos posteriores, Futuro de uma ilusão (1927) e Mal-estar na civilização (1930). Também Campos Monteiro refere, no seu trabalho, que a neurastenia é uma doença “essencial e immediatamente derivada da civilização moderna, producto da intensa e vibrante elaboração mental do século dezenove”26. Neste século, “(...) horisontes vastíssimos se abriram aos olhos dos investigadores. A Fé (…) foi cedendo terreno, recuando passo a passo deante da inflexível Razão. A Sciencia, livre de peias e de entraves, lançou-se abertamente no caminho das descobertas. A natureza, o evangelho eterno e verdadeiro, (…) abriu a arca santa dos seus mysterios aos olhos ávidos dos investigadores. Armado do escaphandro do raciocínio, o sábio immergiu no seio do desconhecido, e trouxe á luz da analyse esses monstros ignorados e temerosos: as Causas, os Effeitos e as Origens...”27.

Com o recurso a um excerto do poema, A Morte de D. João, de Guerra Junqueiro, reafirma que

estudos de género. A produção literária contempla-a, do mesmo modo. Exemplo disso é a obra The yellow wallpaper (1892), da escritora Charlotte Perkins Gilman, também ela paciente e a quem se prescreve “uma vida o mais doméstica possível” e “nunca mais tocar a pena, pincel ou lápis”. A autora condena, nesta e em outras obras, a terapêutica que lhe é aplicada através da trama que cria, colocando a protagonista à beira da insanidade, sufocada pelo isolamento a que é sujeita. Cf. Rafaela Teixeira Zorzanelli, “Neurastenia”, in História, Ciência, Saúde – Manguinhos, vol. 17, Rio de Janeiro, Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Instituto de Medicina Social, 2010, (pp. 431-446), p. 439. 26 Abílio Adriano de Campos Monteiro, A Neurasthenia (Apontamentos e opiniões) – Dissertação inaugural, Porto, Typographia Universal, 1902, p. 23. 27 Idem, p. 33. CEPIHS | 2

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