Ação judicial Cinesercla Venda Casada alimentos

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _____VARA CÍVEL DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES – MINAS GERAIS

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, através do Promotor de Justiça que esta subscreve, com lastro na Notícia de Fato nº 0105.16.001047-3, no exercício de suas atribuições institucionais, embasado nos artigos 127 e 129, inciso III, da Constituição Federal; artigos 1º e 25, inciso IV, da Lei Federal nº 8.625/1993; e com base na Lei nº 7.347/1985 – Lei da Ação Civil Pública e demais disposições legais que regem a matéria, vem à presença de Vossa Excelência,

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA

em face de EMPRESA DE CINEMAS SERCLA LTDA – EPP (CINESERCLA), CNPJ nº 86.608.171/0009-70, pessoa jurídica de direito privado, com endereço na Avenida Sete de Setembro, nº 3500, loja 145, em Governador Valadares (GV Shopping), pelos fatos e fundamento que passa a expor:

1 – DOS FATOS: A presente ação civil pública tem como objetivo a proteção dos interesses dos consumidores, em relação aos serviços prestados pela empresa de cinema requerida, a fim de que se adote a obrigação de não fazer consistente em se abster de impedir a entrada e o consumo por seus clientes (espectadores) de alimentos, bebidas e/ou 15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão


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qualquer outro produto alimentícios que não os comercializados pela ré e/ou que dela tenham sido adquiridos. A empresa Cinesercla é detentora do único cinema existente na cidade de Governador Valadares, a qual conta com uma população de aproximadamente 278.363 habitantes (IBGE) e situada na Região do Vale do Rio Doce que é composta de 49 (quarenta e nove) municípios e com uma população de 646.879 habitantes (ano 2010). Segundo consta, trata-se do único cinema instalado no único Shopping da região (GV Shopping), o qual possui capacidade de 554 lugares, distribuídos em 4 (quatro) salas. A atividade principal da empresa se resume à exibição cinematográfica e, paralelamente, explora os serviços de lanchonete (bomboniere), onde comercializa pipocas, balas, refrigerantes e chocolates. Vale destacar que após a aquisição dos ingressos, o consumidor se dirige ao corredor que dá acesso às entradas das salas, sendo que à esquerda da fila encontra-se instalada a bomboniere (como chamariz). A Cinesercla comercializa em sua bomboniere os seguintes alimentos: doces (balas e chocolates), pipoca, refrigerante, sucos e água. Em relação a esses produtos, cumpre salientar que os preços cobrados pela requerida são sempre superiores aos praticados no mercado, haja vista o noticiado à fl. 33. A prática abusiva praticada pela requerida consiste em impedir os consumidores, os quais se direcionam ao único cinema da região, de entrarem no seu estabelecimento com qualquer tipo de alimento (e/ou bebida). Ainda, consta ressaltar que a empresa requerida não disponibiliza nenhuma alternativa ao consumidor para acondicionar os produtos, restando a seus clientes (consumidor) o descarte do alimento/bebidas ou seu consumo imediato, ocasião em que perderá minutos do filme escolhido. Ademais, da Investigação Preliminar anexa (0105.16.001047-3) consta o REDS 2016-008770594-001, lavrado por consumidora que foi impedida de ingressar à sala de cinema por levar consigo um lanche (hambúrguer) adquirido em outro estabelecimento. (fls. 5-9 e 33) Inclusive, durante a apuração do procedimento realizou-se a oitiva de funcionários da reclamada, os quais confirmaram a prática abusiva (fls. 17 e 34/35 - IP). Desta forma, os consumidores que tentam ingressar no interior do cinema (com alimentos e/ou bebidas, que não os previamente estabelecidos pela ré) adquiridos 15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão


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em outros estabelecimentos são impedidos pelos funcionários do local (porteiros), passando por situação constrangedora, como aquela vivenciada pela consumidora mencionada à fl. 33. É indubitável que a imposição da ré se mostra abusiva e ilegal, estando em desconformidade com as regras relativas aos direitos dos consumidores. 2 – DO DIREITO A)

DA IMPOSSIBILIDADE DE SE LIMITAR O DIREITO DE ESCOLHA DO CONSUMIDOR Discute-se, fundamentalmente, nesta demanda, a existência de venda,

casada efetuada pela Requerida, a consequente limitação do direito de liberdade de escolha do consumidor, e a utilização de propaganda enganosa por omissão de dados essenciais, práticas estas proibidas pelo Código de Defesa do Consumidor. Precipuamente, é relevante a feitura de uma análise do que venha ser a liberdade, uma vez que tal direito integra o rol dos direito fundamentais. Em um estudo preliminar, José Afonso da Silva expõe as modalidades de liberdade interna e externa, conceituando a primeira como sendo a possibilidade de escolha “entre alternativas contrárias, se se tiver conhecimento objetivo e correto de ambas1”. No direito do consumidor, a liberdade de escolha pode ser entendida como uma consequência da liberdade de contratar, ou seja, do princípio da autonomia privada, da livre iniciativa. Assim, nos termos do que preleciona Tiago Goulart Vargas, pode-se dizer que “a liberdade de escolha consiste na livre escolha de consumir o produto ou contratar serviço que considerar adequado a sua necessidade”. 2 O direito de escolha deve ser respeitado, principalmente na seara do Direito do Consumidor, em que a vulnerabilidade é regra absoluta na relação jurídica consumidor/fornecedor, imposta pelo Código de Defesa do Consumidor como alicerce ao cumprimento do princípio constitucional da isonomia. Em suma, a hipossuficiência exigida pela lei é a técnica ou de conhecimento, ou seja, aquela diminuição da capacidade do consumidor que diz respeito à falta de conhecimentos técnicos inerentes à atividade do fornecedor, ou 1

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 231. 2

Disponível http://www.upf.br/balcaodoconsumidor/images/stories/materiais/seminario/tiago_vargas.pdf. realizada em 12 de abril de 2012. 15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão

em: Consulta


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retidos por ele, isto é, a falta de conhecimento técnico sobre o objeto de uma relação de consumo (produto ou prestação de serviços). Além de ter o dever de garantir a liberdade de escolha ao consumidor, o fornecedor deve assegurar-se de que o consumidor, em virtude de sua hipossuficiência técnica ou de conhecimento, seja bem esclarecido sobre o produto ou serviço oferecido. Assim, o artifício criado pela Requerida, gerou para si uma vantagem manifestamente excessiva, em total afronta aos princípios de proteção do consumidor. Através de sua conduta, a qual configura prática abusiva, viola o direito de escolha do consumidor, previsto no artigo 6º, inciso II, do CDC. Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações. B)

DA “VENDA CASADA” Por praticas abusivas entendem-se “ações e/ou condutas que, uma vez

existentes, caracterizam-se como ilícitas, independentemente de se encontrar ou não algum consumidor lesado ou que se sinta lesado. São ilícitas em si, apenas por existirem de fato no mundo fenomênico”. 3 Assim, a conduta da requerida é abusiva e ilegal ante a vedação prevista no artigo 39, inciso I e V do Código de Defesa do Consumidor: Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos; V – exigir do consumidor vantagem manifestadamente excessiva.

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(NUNES, Rizzato, Curso de Direito do Consumidor. 6 ed., rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. P. 588) 15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão


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À evidencia, a política adotada pelo Cinesercla é abusiva, pois marcara uma espécie de venda casada. Na doutrina, o Min. Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, que colaborou para a elaboração do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor e acompanhou sua evolução até a promulgação da lei, pontuou: “As práticas abusivas nem sempre se mostram como atividades enganosas. Muitas vezes, apesar de não ferirem o requisito da veracidade, carreiam alta dose de imoralidade econômica e de opressão. Em outros casos, simplesmente dão causa a danos substanciais contra o consumidor. Manifestam-se através de uma série de atividades, pré e pós-contratuais, assim como propriamente contratuais, contra as quais o consumidor não tem defesas, ou, se as tem, não se sente habilitado ou incentivado a exercê-las. (...) O

Código

proíbe,

expressamente,

duas

espécies

de

condicionamento do fornecimento de produtos e serviços. Na primeira delas o fornecedor nega-se a fornecer o produto ou serviço, a não ser que o consumidor concorde em adquirir também um outro produto ou serviço. É a chamada venda casada. Só que, agora, a figura não está limitada apenas á compra e venda, valendo também para outros tipos de negócios jurídicos, de vez que o texto fala em fornecimento, expressão muito mais ampla.”4 Ainda, no mesmo sentido são as lições de Claudia Lima Marques: Tanto o CDC como a Lei Antitruste proíbem que o fornecedor se prevaleça de sua superioridade econômica ou técnica para determinar condições negociais desfavoráveis ao consumidor. Assim, proíbe o art. 39, em seu inciso I, a prática da chamada venda “casada”, que significa condicionar o fornecimento de 4

(GRINOVER, Ada Pellegrinni. BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos e. FINK, Daniel Roberto. FILOMENO, José Geraldo Brito. NERY JUNIOR, Nelson. DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Vol. I. 10ª ed., rev., atual., reform. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 382). 15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão


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produto ou serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço. O inciso ainda proíbe condicionar o fornecimento, sem justa causa, a limites quantitativos. A jurisprudência assentou que a prática de venda casada não pode ser tolerada, mesmo se há uma bebesse para o consumidor incluída nesta prática abusiva, pois apenas os limites quantitativos é que podem ser valorados como justificados ou com justa causa. 5 A razão de ser da proibição à chamada venda casada se justifica na vedação ao fornecedor de, utilizando-se de sua superioridade econômica ou técnica, estipular condições negociais em prejuízo ao consumidor, prejudicando sua liberdade de escolha entre os produtos e serviços, no que tange à qualidade e aos preços competitivos. Com efeito, a requerida condiciona o fornecimento de seus serviços ao fornecimento de produtos comercializados no interior de seu estabelecimento, na medida em que exige o descarte (vez que não fornece outra possiblidade) de alimentos e/ou bebidas, que não aqueles por ela comercializados, adquiridos em outros locais, para o ingresso dos frequentadores. Os consumidores compram ingressos para um determinado evento (sessão de cinema) e se dirigem às instalações da requerida interessados nos serviços prestados, mas acabam sendo obrigados, ainda que indiretamente, a consumir os alimentos e bebidas vendidos no local. Assim, a Cinesercla condiciona a entrada dos consumidores no interior das salas de cinema à aquisição dos produtos comercializados em sua bomboniere. Desta forma, estamos vivenciando a venda casada transversa, ocasião em que a requerida impede a entrada de produtos alimentícios que não os fornecidos por si, obrigando o consumidor, de certa forma, a consumidor determinados gêneros alimentícios (escolhidos previamente pela ré). Durante julgamento de caso idêntico ao presente, o Ministro Benedito Gonçalves do Superior Tribunal de Justiça, reafirmando a decisão anteriormente proferida pela Egrégia Primeira Turma do STJ (RESP 744602/RJ) decidiu:

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(MARQUES, Claudia Lima Marques. BENJAMIM, Antônio Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: 3ª ed., ver., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010 p. 763 15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão


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“No recurso especial, aponta-se violação dos artigos 188, I, do Código Civil, 462 do Código de Processo Civil e 39 do Código de Defesa do Consumidor (fls. 226-238). Contrarrazões ao apelo nobre às fls. 272-292. Nas razões do agravo, alega-se que a irresignação em comento preenche os requisitos de admissibilidade recursal, de modo que o seu provimento é mister. Contraminuta ao agravo de instrumento às fls. 465-469. É o relatório. Passo a decidir. Tendo

em

vista

o

cumprimento

dos

requisitos

de

admissibilidade da irresignação recursal de que trata o art. 544 do CPC, conheço do agravo de instrumento e, considerando que estão presentes os documentos necessários para o julgamento do recurso especial, passo, doravante, a enfrentar o mérito da causa, com arrimo nos artigos 544, § 3º, e 557, caput, do Código de Processo Civil. A pretensão recursal não merece guarida, porque a Primeira Turma do STJ ostenta entendimento segundo o qual constitui venda casada a proibição de empresa que exibe filmes cinematrográficos, de ingressar em suas salas de exibição com produtos alimentícios que não os fornecidos por si. Confira-se, por oportuno, a ementa do julgado supra, ipsis litteris: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO DE MULTA PECUNIÁRIA POR OFENSA AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. OPERAÇÃO DENOMINADA 'VENDA CASADA' EM CINEMAS. CDC, ART. 39, I. VEDAÇÃO ADQUIRIDOS

DO

CONSUMO

FORA

DOS

DE

ALIMENTOS

ESTABELECIMENTOS

CINEMATOGRÁFICOS. 1. A intervenção do Estado na ordem econômica, fundada na livre iniciativa, deve observar os princípios do direito do

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consumidor, objeto de tutela constitucional fundamental especial (CF, arts. 170 e 5º, XXXII). 2. Nesse contexto, consagrou-se ao consumidor no seu ordenamento primeiro a saber: o Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, dentre os seus direitos básicos "a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações" (art. 6º, II, do CDC). 3. A denominada 'venda casada', sob esse enfoque, tem como ratio essendi da vedação a proibição imposta ao fornecedor de, utilizando de sua superioridade econômica ou técnica, opor-se à liberdade de escolha do consumidor entre os produtos e serviços de qualidade satisfatório e preços competitivos. 4. Ao fornecedor de produtos ou serviços, consectariamente, não é lícito, dentre outras práticas abusivas, condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço (art. 39, I do CDC). 5. A prática abusiva revela-se patente se a empresa cinematográfica permite a entrada de produtos adquiridos na suas dependências e interdita o adquirido alhures, engendrando por via oblíqua a cognominada 'venda casada', interdição inextensível ao estabelecimento cuja venda de produtos alimentícios constituiu a essência da sua atividade comercial como, verbi gratia, os bares e restaurantes. 6. O juiz, na aplicação da lei, deve aferir as finalidades da norma, por isso que, in casu, revela-se manifesta a prática abusiva. 7. A aferição do ferimento à regra do art. 170, da CF é interditada ao STJ, porquanto a sua competência cinge-se ao plano infraconstitucional. 8. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e 15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão


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suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 9. Recurso especial improvido (REsp 744.602/RJ, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 15/3/2007). Ante o exposto, conheço do agravo de instrumento e, desde logo, nego seguimento ao recurso especial”. (STJ – AG 1362633, Rel. Min. Benedito Gonçalves, d.p. DJe 02/03/2011) Não se está afirmando, contudo, que qualquer um que pretenda assistir a uma sessão de cinema deva obrigatoriamente adquirir os produtos alimentícios comercializados pela empresa, mesmo que nada pretenda consumir. Todavia, a requerida somente autoriza os espectadores (consumidor) a adentrarem nas salas com os produtos alimentícios adquiridos (ou similares) àqueles comercializados em sua bomboniere. Importante destacar que a ré exige do consumidor vantagem manifestamente excessiva, posto que tolhe do consumidor sua liberdade em escolher o alimento que deseja consumir e lhe oferece (comercializa) produtos a preços excessivos. Também, a ré não possibilita ao consumidor alternativas senão o descarte do produto alimentícios que trazem consigo antes de ingressar nas salas de cinema ou adentrar após o inicio da sessão (filme). 3 – DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO O Ministério Público de Minas Gerais tem legitimidade para mover a presente ação civil pública, para a defesa dos interesses difusos e indisponíveis envolvidos na questão: a integridade física das pessoas. Afinal, nos termos do art. 127, caput, da Constituição Federal, ao Ministério Público incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXXII, estabelece que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. 15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão


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Nesse sentido, A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no artigo 129, atribuiu ao Ministério Público a função de promover ação civil pública para a proteção de direitos difusos e coletivos, zelando pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos constitucionais. Consultem-se os arts. 25, inciso IV, a, e 27 da Lei Federal 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e os arts. 1º e 5º da Lei 7.437/85 (Lei de Ação Civil Pública), os quais confere legitimidade ao Parquet para propositura de ação em defesa dos direitos dos consumidores. Ademais, o Código de Defesa do Consumidor, em seus artigos 81 e 82, prescreve ser o Ministério Público legitimado para a defesa dos interesses e direitos dos consumidores. 4 – DO DANO MORAL COLETIVO Impõe-se, nessa esteira, a condenação da demandada ao pagamento de valor, a ser revertido ao fundo criado pelo artigo 13 da Lei nº 7.347/85, a título de dano extrapatrimonial coletivo, também denominado dano moral coletivo. O dano moral está previsto em nosso ordenamento jurídico no artigo 1º da Lei nº 7.347/85, por meio do qual é assegurada a responsabilização por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. O dano moral coletivo tem arrimo no ordenamento jurídico pátrio. A redação do artigo 6º da Lei nº 8.078/90, elenca a reparação desse como um dos direitos básicos do consumidor. Não é demasiado lembrar que o dano moral atinge direitos da personalidade. Necessário, sobre o assunto, fazer menção à proposital alteração implementada no caput do art. 1º da Lei nº 7.347/85, promovida em junho de 1994 pela Lei nº 8.884/94, onde estabeleceu: “Art. 1º. Regem-se, pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados”. Evidente, portanto, o propósito da nova redação: proteger, por meio de 15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão


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ação de responsabilidade, aspectos morais (não-patrimoniais) dos direitos coletivos. Na verdade, a alteração legal colimou explicitar que os danos ali referidos são os morais e patrimoniais. Nessa senda, com base na expressa previsão legal, tanto a doutrina como a jurisprudência têm destacado a importância do dano moral coletivo na proteção dos direitos metaindividuais, sobressaltando seu caráter punitivo. Como argumento adicional ao reconhecimento do caráter punitivo do dano extrapatrimonial coletivo, indique-se que o valor da condenação não vai para o demandante, sendo convertido em benefício da própria comunidade, destinando-se a fundo, conforme indicado no art. 13 da Lei nº 7.347/85. Portanto, o dano moral coletivo constitui hipótese de condenação em dinheiro com função punitiva e reparadora, face à ofensa a direitos coletivos. Também há previsão sobre o tema na Lei nº 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor, que garante a prevenção e a reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos e o acesso aos órgãos judiciais e administrativos, além de trazer o avanço das definições cabíveis dentro de direito coletivo (art. 81). A indenização pelo dano moral sofrido tem previsão, ainda, nos incisos V e X do art. 5º da Constituição Federal. Vejamos: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

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No presente caso, como restou fartamente demonstrado, a conduta da empresa de cinema é ilegal, por afrontar as normas infraconstitucionais que impedem a prática da venda casada. Há, no caso, o dever de indenizar porque a conduta ilícita praticada ofendeu valores fundamentais compartilhados por todos os brasileiros. Ensina Carlos Alberto Bittar Filho6: O DANO MORAL COLETIVO É A INJUSTA LESÃO DA ESFERA MORAL DE UMA DADA COMUNIDADE, OU SEJA, É A VIOLAÇÃO ANTIJURÍDICA DE UM DETERMINADO CÍRCULO DE VALORES COLETIVOS. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial.” (grifos nossos). (BITTAR FILHO, Carlos Alberto. “Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro” in Direito do Consumidor, vol. 12- Ed. RT.) Além disso, necessário considerar o flagrante e habitual desrespeito aos consumidores, sendo que a requerida se aproveita de suas inexperiências, bem como das expectativas geradas pelo evento que produz, para lesar os seus direitos. 5 – DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA (LIMINAR) Consoante o artigo 12 da Lei nº 7.347/85, é cabível a concessão de tutela de urgência, com ou sem justificação prévia, nos próprios autos da ação civil pública, sem a necessidade de se ajuizar ação cautelar. Requer-se liminarmente, sem a necessidade de prévia oitiva da parte adversa, por estarem presentes a probabilidade do direito e o perigo de dano, vez que a cada dia (sessão) os consumidores são tolhidos em seu direito.

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BITTAR FILHO, Carlos Alberto. “Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro” in Direito do Consumidor, vol. 12- Ed. RT. 15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão


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A probabilidade do direito está cabalmente demonstrada pelos documentos que acompanham a presente, e, ainda, pelas normas mencionadas. Por outro lado, se for possibilitado à requerida continuar com sua atividade danosa enquanto corre o processo — o que poderá durar anos —, estar-se-á permitindo a lesão irreversível ao direito coletivo dos consumidores. Outrossim, a perda monetária reiterada por parte de inúmeros consumidores que assistem às sessões de cinema. Muitos são os que vêm de outras cidades para participarem, vez ser a requerida detentora do único cinema da região. Disso resulta a necessidade de tutela de urgência, determinando que a requerida se abstenha de impedir que consumidores adentrem em suas salas de cinema instaladas no GV Shopping, com alimentos e bebidas (de qualquer espécie) adquiridos de terceiros (que não em sua bomboniere), é bom ressaltar, tudo com base no artigo 12 da Lei 7347/85 e sob pena de pagamento de multa cominatória pelo descumprimento. A não adoção de medidas imediatas e eficazes, inquestionavelmente, gerará na comunidade sentimento de abandono, de desprezo e, pior, de total descrença nos Poderes constituídos, além daquela desconfortável sensação de que “aos grandes e poderosos nada acontece”. Ademais, os consumidores tem direito à liberdade de escolha acerca dos alimentos e bebidas que pretendem adquirir, no que tange à qualidade e aos preços competitivos, não podendo ser obrigados pela requerida a adquirir somente determinados alimentos e bebidas. 6 – DOS PEDIDOS Ante o exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS: GERAIS 1) nos termos do art. 12 da Lei 7.437/85, a concessão de MEDIDA LIMINAR (TUTELA DE URGÊNCIA), sem oitiva da parte contrária, impondo-se ao requerido a obrigação de não fazer, no sentido de abster-se de impedir o acesso de consumidores às sessões (salas) de cinema portando alimentos e bebidas (de quaisquer espécie) que não sejam adquiridos e/ou comercializados na bomboniere da empresa Sercla de Cinema (Cinesercla);

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1.A) em caso de descumprimento da liminar, seja fixada a multa cominatória, a título de tutela inibitória, de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser paga pela demandada, nos termos dos arts. 12, § 2º, e 21 da Lei 7.347/85 c/c o art. 84, § 4º, da Lei 8.078/90; 1.B) O valor resultante da multa por inadimplemento será integralmente revertido em favor do fundo previsto no art. 13 da Lei 7.347/85, observado o disposto no parágrafo único da referida norma jurídica; 2) a citação da demandada, para responder aos termos da presente ação; 3) a intimação pessoal do autor de todos os atos e termos processuais, na pessoa do 15o Promotor de Justiça de Governador Valadares, especializado na Defesa do Consumidor; 4) A procedência do pedido, para o fim de que seja a requerida condenado à obrigação de não fazer, no sentido de abster-se de impedir os consumidores de adentrem às suas salas portando alimentos e bebidas (de qualquer tipo e espécie) e independente daqueles comercializados pela requerida e/ou do estabelecimento onde foram adquiridos; 5) A condenação do requerido ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), acrescidos de juros e correção monetária a partir da citação, importância que deverá ser revertida ao Fundo de Direitos Difusos previsto na Lei nº 7.347/85; 6) A imposição de multa cominatória no valor de R$10.000,00 (dez mil reais), pelo descumprimento de qualquer decisão judicial, inclusive eventual liminar (tutela de urgência), a ser recolhida ao Fundo Estadual de Reparação dos Interesses Difusos e Coletivos. 7) Requer ainda seja o requerido condenado ao pagamento das custas e demais despesas processuais. 8) Que seja admitido ao autor fazer prova dos fatos alegados via da juntada dos documentos em anexo e, se necessário for, através do depoimento pessoal do requerido, sob pena de confissão, oitiva de testemunhas a serem oportunamente arroladas, perícias, juntada de documentos novos e todas as demais provas em direito admitidas.

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Dá-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 200.000,00 (duzentos cem mil reais).

Governador Valadares, 29 de junho de 2016.

Lélio Braga Calhau Promotor de Justiça

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