Revista Outrariar

outrariar

É goooool?

Trabalho de "grátis" Invisíveis?

Caminhos nada comemorativos dos jogadores de futebol no País

Valor de troca de voluntários é a experiência

Mude o foco e observe os protagonistas de histórias de garra

Universidade Federal de Uberlândia | Curso de Comunicação Social - Jornalismo | Faculdade de Educação - FACED | 201 4/201 5 Revista Laboratorial de Edição Especial da Disciplina de TRERJ

outrariar Ilustração de capa: Érika Abreu

Expediente Reitor: Elmiro Santos Resende | Diretor da Faced: Marcelo Soares Pereira da Silva | Coordenadora do Curso de Jornalismo: Ana Cristina Menegotto Spannenberg | Professora responsável: Ingrid Gomes | Jornalista Responsável: Ingrid Gomes MTB 41 .336 | Editor-chefe: Marcelo França | Revisão e Editores finalistas: Bruna Pratali Tarcitano, Caroline Bufelli e Érika Abreu | Editora Artística: Érika Abreu | Repórteres: Amanda Ribeiro, Bruna Pratali, Carolina Rodrigues, Caroline Bufelli, Cindy Freitas, Érika Abreu, Gabriela Petusk, Gabriela Zanca, Geane Amaral, Jhonatas Elyel, Júlia Costa, Kennedy Costa, Laura Moreira, Luisa Caleffi, Marcelo França, Maria Clara Vieira, Maria Paula Martins, Mariana Almeida, Mariely Dalmônica, Marina Pagliari, Michael Kealton, Monalisa França, Muntaser Khalil, Rafael Leonel, Renato Pinheiro, Sérgio Dalláglio, Talita Vital, Tarcis Duarte, Thaís Fernandes | Diagramação e finalização: Giovana Santos e Leidiane Campos

outrariar

03

editorial

Editorial Música, arte, esporte, bem estar e tecnologia são apenas alguns assuntos abordados nesta edição especial. De forma singular, os lados que não são vistos no cotidiano ou os que são desprezados são mostrados com o aprofundamento e vivência dos jornalistas nos assuntos em questão. Independente, como os artistas que correm atrás dos meios para produzirem suas artes, esta revista mostra o cenário musical desde a nova roupagem do pagode e sertanejo até o velho rock 'n' roll.

A internet é aliada da revista, assim como aos músicos independentes. Ela está tão presente na vida das pessoas que o real e o virtual se confundem. Isso ocorre de forma tão marcante que os encerramentos de algumas redes sociais são encarados com tristeza, já que lá estão fotos, recados e descrições do modo de viver de alguns anos atrás. Mas como dizem que todo fim é um novo começo, quando algo acaba, surgem oportunidades em outros locais. Esta revista apresenta casos que mostram esse recomeço. Do empreendedorismo ao mercado de trabalho formado por jovens e idosos. Da atividade física profissional à recreação e bem estar de todas as idades.

Os jornalistas buscaram conhecer as práticas para a busca do bem estar por meio do místico, do sagrado e da atividade física. Sobre esportes, cada um tem o seu preferido.

Dos mais populares como o futebol e vôlei aos menos conhecidos, todos são opções para aliviar a pressão do dia a dia e encontrar equilíbrio entre corpo e mente. Pra quem ainda não conhece, apresentamos o rugby e o pole dance que são praticados, sim, por homens e mulheres. Ainda tem aqueles que buscam o profissionalismo. Em um país de Neymar e Ronaldo, agora milionários, após anos no futebol, como é a vida de quem quer ser profissional, mas não está nos grandes clubes? E como é a vida de quem excede o limite físico e psicológico em busca da beleza?

Não adianta cuidar do corpo e da mente apenas quando jovem. A hidroterapia é uma opção para a terceira idade, da qual os representantes não são encontrados apenas descansando em casa. O mercado de trabalho está cheio

Marcelo França

deles e a revista mostra como eles se adaptam e encaram o preconceito da sociedade mais jovens, uma das formas de manter a mente ativa e evitar o Al zheimer, doença que merece atenção e cuidado.

Além da presença da terceira idade, o cenário profissional brasileiro apresenta outras características não encontradas há 50 anos. As mulheres romperam as barreiras e ocupam vagas de empregos em todos os ramos existentes. Outra característica do mercado de trabalho que chama a atenção está no campo, os trabalhadores da indústria da cana de açúcar que encaram o trabalho. Além disso, para manter a produção, o meio ambiente também sofre.

Questões são levantadas e respostas encontradas através de exemplos. Numa tentativa de melhorar as oportunidades de emprego, alunos optam pelos intercâmbios. Estados Unidos, Europa e Canadá são destinos muito procurados, mas o Brasil também atrai alunos de todo o mundo. Como é a vida de quem quer viajar e de quem veio estudar no Brasil? Experiências que podem se tornar inspirações para histórias, possibilidades para jovens escritores em busca de reconhecimento.

Além do aprimoramento profissional, jovens se dedicam a projetos sociais e ao trabalho voluntário. No hospital do câncer de Uberlândia é possível fazer parte do Grupo Luta pela Vida e dar assistência aos pacientes e familiares. Outro ponto abordado pela revista é a vida e comunicação dos surdos. Ainda existe pouco conhecimento da Língua Brasileira de Sinais (Libras), o que dificulta o aprendizado e o cotidiano.

O mundo está em constante transformação. Mas há coisas que ainda são como antes, infelizmente o mundo ainda não trata todos de forma igual. Assim como seguranças, faxineiros e serventes, trabalhadores invisíveis, mostrados nesta edição, existem histórias que poucos enxergam, mesmo estando presentes no cotidiano. Nas próximas páginas, há histórias contadas com a profundidade de quem buscou ver, viver e entender as realidades dos temas aqui citados. Nossa sugestão é tirar ou colocar os óculos dos outros. Boa leitura.

outrariar

04 editorial sumário

cultura página 06 página 1 0 página 1 6 página 20 página 24

Artista independente leva no peito a responsa, tiozão! | Érika Abreu A história além da história | Gabriela Petusk Composições e ritmos | Júlia Costa Independente do que aconteça, que a boa música permaneça | Mariana Almeida Histórias Cruzadas | Bruna Pratali

cotidiano Não adianta gritar porque eu não vou te ouvir | por Caroline Bufelli Amélie, Luísa e um casal sem vergonha | Carolina Rodrigues Gol olímpico | Luisa Caleffi Grandes mulheres, grandes histórias | Monalisa França Mais que um esporte, uma paixão | Marina Pagliari

página 32 página 36 página 42 página 46 página 50

bem estar página 56 Equilíbrio entre a mente e o corpo | Thais Fernandes página 62 Jogador de futebol ganha bem. Bem mal | Laura Moreira

esporte Quebrando as barreiras | Maria P. Martins Para sermos bonitos, precisamos estar vivos | Mariana Capicoto Cuidar do corpo não é uma história só de jovens | Michael Ferreira

ciência e tecnologia página 78 Do real ao virtual: até onde o ciberespaço pode interferir na nossa vida? | Rafael Leonel página 80 Orkut: uma eutanásia tecnológica | Jhonatas Elyel

página 66 página 70 página 74

outrariar

05

comportamento Novas versões dos contos de fadas | Tarcis Duarte Eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também... | Talita Vital Compartilhando alegrias e somando amor: a importância do trabalho voluntário | Mariely Dalmônica Os idosos já não tricotam mais | Cindy Figueiredo Hora da agonia | Michael Kealton Dependência não é morte | Marcelo

página 86 página 90 página 96 página 1 00 página 1 04 página 1 08

social página 1 1 2 O mínimo que os humanos podem fazer | Sérgio Dalláglio página 1 1 6 Crônicas de mundos marginais | Renato Soares

educação Na ponta dos dedos | Maria Clara página 1 20 O outro lado da viagem | Amanda Ribeiro página 1 24

história página 1 28 Patrimônio para além das histórias | Gabriela Zanca

meio ambiente

Açúcar Amargo | Muntaser Kalil página 1 32

política página 1 36 Diga como anda, que te direi como é | Kennedy Rosa

religião

Benzeções: tradição de fé e amor | Geane Amaral página 1 40

cultura

outrariar

"Artista independente leva no peito a responsa, tiozão! " A frase do rapper Criolo representa bem o mundo das artes: fotógrafos, grafiteiros, desenhistas... Todos buscando por si só conquistar seu espaço no mundo, por meio das mais belas expressões artísticas

Érika Abreu

Daniela Labra, curadora independente e crítica de arte, diz “Tudo é arte!”, foi a conclusão que cheguei quando parei em um de seus textos publicados no Fórum Permanente, que a para refletir sobre as coisas bonitas do mundo e o potencial de cultura no Brasil foi finalmente reconhecida como um campo criação dos seres humanos. Desde uma composição musical, produtivo e rentável a nossa sociedade. Porém, é notável a falta passando pelo lixo que espera para ser reaproveitado e reinvende estrutura e incentivos aos artistas que procuram engrenar tado até os rabiscos e formações imagéticas. Tudo é arte. Adseu trabalho nesse caminho. “As atividades do profissional miradora da fotografia que sou, sempre achei a imagem independente, em trabalho individual ou coletivo, uma das formas mais extraordinárias de comuniprecisa de um fomento contínuo para a obcar e transmitir sentimentos. tenção de um resultado à longo prazo, Moana Marques, de apenas 1 6 mas quando o quesito é conseguir anos, chegou à mesma conclusão que a apoio financeiro esbarra-se na esminha sem muita hesitação. A jovem cassez de programas, privados ou que também compartilha do gosto públicos, de estímulo à produção e pela fotografia, acredita no poder pesquisa, na forma de patrocínio, da arte como forma de expressão prêmio ou mesmo crédito finane, através de suas fotos, procura ceiro, que permitam o desenvoltransmitir sua essência e os vimento de um projeto sólido”, personagens que cria internacompleta. mente. Motivada principalmente Diante de tantos embates, pela vontade de se expressar, ela Moana acredita que o melhor conta que desde os 1 3 anos gosmesmo é seguir na arte pelo gosto tava de brincar com as câmeras pessoal, valorizando o próprio trabaantigas dos avós, até que ganhou lho e fazendo não apenas pelos outros e uma cybershot simples e começou a para os outros verem, mas sim por ela fotografar. “Eu gostava de tirar umas fotos mesma. “Eu me interesso muito por intervendoidas, com um conceito artístico diferente e "Transfira-se" ções e performances. Tenho vontade de estudar mais às vezes bizarro. Depois que fui tomando mais gosto, sobre isso, desenvolver alguma coisa... Mas tudo mais voltado decidi guardar dinheiro para comprar uma câmera melhor.” pra o que eu sinto internamente e quero expressar, pela sensaHoje, já com uma câmera mais profissional e sua habilição de bem-estar que me dá.” dade fotográfica cada vez mais aguçada, Moana gosta de divulgar suas fotos na internet, por meio de uma conta no Flickr e Da vida para os muros do Facebook. Assim como Moana, milhares de artistas utilizam a internet e as redes sociais como ferramenta para divulgação Passamos muitas vezes despercebidos por isso, mas as de seus feitos, local onde esse tipo de trabalho consegue soruas estão repletas de arte. Pelas ruas, também é possível enbressair mais no cenário brasileiro. Para ter algum reconhecicontrar histórias surpreendentes de como a arte pode transformento, os artistas visuais independentes da atualidade arcam mar vidas. O escritor urbano, artista visual e arte educador com tudo, desde a divulgação de seus trabalhos até eventuais Dequete, de 31 anos, há 1 5 começou a trilhar seu caminho arcomercializações.

Fotografia: Moana Marques

06

outrariar

07 Fotografia: Divulgação

tístico através de intervenções pelas ruas, com a pichação e o grafite. “Na verdade, eu costumo até brincar que o ventre da minha mãe deve ser cheio de desenhos meus, que já saí de lá rabiscando”, conta ele.

Como a maioria dos arteiros, Dequete começou pela pichação e aos poucos foi se dedicando a esse instrumento de comunicação do qual até hoje é influenciado e norteia seus trabalhos. No início, infelizmente, acabou entrando por outros caminhos e se envolveu com gangues e grupos juvenis, fato que o levou a sofrer uma tentativa de homicídio em 2001 . “Tomei seis tiros a queima roupa, dos quais até hoje trago alojada uma bala na cabeça. Como eu não morri, me apelidaram de “o gato” em referência ao felino, pelo mito de o animal possuir sete vidas”.

Desde então, Dequete utiliza o grafite como ferramenta social para contar sobre essa experiência, a princípio negativa, mas que acabou se transformando em algo positivo não só para sua própria vida como também para a de todos à quem inspira.

Se abrimos nosso olhar e passearmos atentos aos muros de Uberlândia e outras cidades como Belo Horizonte e São Paulo, é fácil reconhecer sua arte. O personagem que criou (o gato) é uma tentativa simbólica de representar sua própria pessoa e transmitir uma mensagem de valorização à vida. “Ao longo de todos esses anos, meu personagem evoluiu junto comigo. Na medida em que fui vencendo meus traumas, temores e me amadurecendo como pessoa e como artista, o meu desenho companheiro também veio evoluindo esteticamente. Hoje ele ganhou características próprias e cores próprias, o que, além de tudo, torna mais fácil das pessoas identificarem”.

O grafite, que por vezes é uma arte tida como marginalizada, sofre ainda na atualidade bastante preconceito, enfrentando diversas dificuldades de autorização e reconhecimento. Percebe-se, felizmente, uma certa mudança na forma de enxergar esse estilo artístico, principalmente no cenário internacional. Dequete vê esse fator importante para quebrar paradigmas e levar informação para as pessoas entenderem melhor a cultura do grafite, que vai além da mera diferenciação de pichação.

Junto com a mensagem de vida que gosta de expressar, Dequete acredita também no potencial do grafite como contestação social. “A arte tem esse caráter revolucionário. Quando ninguém se dispõe a falar algo, a gente vai no muro e fala sem papas na língua. E é legal porque é democrático, a rua é democrática. Todos acessam, todos passam, todos veem o que é posto nos muros”.

Assim como ele, diversos artistas buscam cada vez mais conquistar seu espaço nessa cena da arte urbana; transmitindo mensagens, contando histórias, dando voz às pessoas e, claro, espalhando formas e cores por aí.

Grafite de Dequete nas ruas de São Paulo

08

outrariar

cultura A internet é a saída

Basta dar uma breve olhada no Facebook para perceber: tudo está lá. É lá que as pessoas marcam eventos, compartilham coisas de seus interesses e cada vez mais passam horas e horas de seus dias conectadas. Apesar de ainda estar longe de ser a forma de comunicação mais abrangente e democrática na sociedade, a internet e as redes sociais foram grandes portas que se abriram para quem procura divulgar algum trabalho no mundo. E claro que com a arte não podia ser diferente.

Foi navegando em páginas aleatórias do Facebook e conversando com amigos pela rede que encontrei o Curió, uma página cheia de ilustrações incríveis que me fizeram descer a barrinha de rolagem até o fim enquanto me perdia no mundo dos cordéis e dos pássaros. Rhayani Paschoalim, criadora da página e das ilustrações, diz ter apresentado seu trabalho para as pessoas através da página do Facebook, que, quanto mais crescia, mais a fazia se descobrir no mundo dos desenhos e da arte. “No final de 201 2 e início de 201 3 o negócio alavancou e eu fui percebendo que o que eu quero mesmo é ser artista. É fantástico você poder criar e dar vida um personagem, ver que no desenho tudo é possível”. Foi por meio da internet também que ela começou a comercializar suas ilustrações e conseguir trabalhos para fazer. “É um caminho difícil, você precisa se dedicar totalmente a ele, abraçar a causa e tentar vivê-la”, conta Rhayani.

Mesmo que a arte esteja crescendo no cenário brasileiro, muitos bons artistas não têm tanto reconhecimento assim e acabam com uma valorização financeira por vezes insuficiente. É preciso investir em materiais de produção, como canetas específicas e kits de aquarela, que costumam custar caro, além de reconhecer o próprio

valor do trabalho manual em si.

Até mesmo a divulgação na internet é difícil quando se trata de artes visuais independentes. Uma busca no google e nas principais redes sociais me fez perceber que existe um destaque muito maior para a cena da música independente brasileira em relação a outros tipos de manifestações artísticas. É mais fácil encontrar cooperativas, associações, sites e páginas no Facebook que unam músicos autônomos para trocar ideias e divulgar o trabalho. No Brasil, existe a Associação Brasileira de Arte, ABART, com o propósito de unir artistas e registrar obras. A associação, porém, é mais voltada para quem se dedica às artes plásticas e exige investimento financeiro para licenciamento das produções.

O jeito é procurar dar os próprios passos. “Até brinco com a minha mãe: 'Será que vou ter que morrer pra ser reconhecida?' (risos). Porque geralmente a galera é reconhecida só depois que morre, que é quando todo mundo descobre o trabalho e tudo mais... Mas existe um pessoal muito bacana dessa nova era dos anos 2000 que faz bons trabalhos e têm crescido, inclusive aqui em Uberlândia”, afirma Rhayani descontraída.

Uma outra alternativa para quem procura espaços de divulgação são os festivais independentes. Na cidade de Uberlândia, o festival Timbre e Arte na Praça é um evento que proporciona grandes trocas culturais. Além de ser palco para diversas bandas independentes, o festival também abre espaços para que outros artistas exponham seus trabalhos. Rhayani participou do evento e viu nele oportunidade de crescimento.

“Foi a primeira vez que eu fiz um cartão do Curió e através dele as pessoas me procuraram... É uma grande chance. O pessoal começou a se conscientizar de que é importante ter a arte.”

Ficou curioso(a) para conhecer a arte dessa galera independente? Entre nas páginas e veja um pouco dos trabalhos e expressões artísticas de cada um:

• https://www.flickr.com/photos/moanamarques • https://www.facebook.com/curiodesenhos •https://www.facebook.com/dequetegraff

outrariar

09 Ilustração: Rhayani Paschoalim

"Caminho das flores"

outrariar

10 cultura

A história além da história Como se comportam os fãs de ficção e cultura pop não satisfeitos com a passividade

Os ol hos fixos na tel a em branco ou na página de caderno, vazia, e a imaginação l otada. M il cenas possíveis e impossíveis fl orescem enquanto um dedo bate nervosamente na mesa, até que as pal avras certas vêm à tona e se organizam. O fl uxo da escrita corre mais uma vez, mas nenhum daquel es mundos existe. E nenhuma daquel as personagens foi criada por mim.

Esse episódio não foi único durante minha vida de escritora, nem nas vidas das outras mil hares de pessoas como eu. O que acontece quando meu fil me preferido teve um final sem sol ução? O que fazer quando a amada série de l ivros terminou? N a época do tel espectador que envia fotos em tempo real para o noticiário e do participante de evento que posta no Twitter minuto a minuto sobre o que acontece l á, a audiência ativa vai muito al ém do “cinegrafista amador” no canto do vídeo.

J ay Rosen, jornal ista estadunidense e dono do bl og PressThink, entitul ou um de seus posts como “As pessoas antes conhecidas como espectadores”. Essas pessoas, para el e, são “simpl esmente o públ ico tornado real , menos ficcional , mais capaz, menos previsível .” A mídia pode até ter menos il usões quanto a seus reais espectadores, mas se há uma coisa que o públ ico não é, é menos apegado à ficção. Os fãs de diversas obras não se resumem a assistir, l er e conversar a respeito do que gostam: el es produzem com base naquil o que acompanham. Seja bem-vindo ao fandom, o termo em ingl ês derivado de kingdom (reino) para “domínio de fã”.

O hábito de continuar ou reformul ar uma história de outra autoria não é novo. Charl otte Brontë e suas irmãs, todas el as escritoras (a mais famosa é Emil y, autora de O morro dos ventos uivantes), se dedicaram

Gabriela Petusk

quando jovens a escrever aventuras de fantasia. O retratado nel as era Arthur Wel l esl ey, Primeiro Duque de Well ington, personal idade pol ítica e mil itar da época, incl uindo também os fil hos del e, isso ainda no sécul o XI X. O próprio ato de parodiar uma obra famosa constitui uma forma de fan fiction: a ficção de fã, também abreviada para fanfic ou fic. Se o autor da paródia for um fã fazendo humor sobre a história que admira, el a se enquadra na categoria. U m l ivro bastante satirizado foi Al ice no País das M aravil has, no início do sécul o XX. Outras personagens também contempl adas pel as fanfics em sua própria época de publ icação foram Sherl ock H ol mes e J ohn Watson, de Arthur Conan Doyl e.

M ais recentemente, na década de 60, a série de ficção científica da vez era J ornada nas Estrel as. N o fanzine (abreviação de fan magazine, periódico de fã) Spockanal ia, a primeira publ icação do tipo sobre a série, fanfics tinham um espaço regul ar. Constatou-se na revista um dado curioso: a maior parte da autoria, 83% em 1 97 0, era feminina. Camil l e Bacon-Smith, autora de Science Fiction Cul ture, sem tradução para o português, afirma que essa atividade das fãs ameaçava o senso el itista do fandom que aparentava ser composto por homens e que assim se afirmava. A produção de fanfiction “satisfaz a necessidade das espectadoras de uma narrativa ficcional que vá al ém do que a fonte oficial traz na tel evisão ou na tel a de cinema”, segundo el a. Com a fanfic, é possível ver a história tomar um rumo diferente, fazer a personagem sobreviver, compl etar uma l acuna que o autor deixou, sol ucionar um mistério, propor uma teoria ou fazer o casal terminar junto. Até mesmo o ato de formar casais e torcer por el es tem nome: shipping ou

outrariar

Gabriela Ferreira ilustra Mangá Yaoi Free

11

Ilustração:Gabriela Ferreira

12

outrariar

cultura pairing. O “ship”, nada rel acionado à pal avra em ingl ês “navio”, vem de “rel ationship”, rel acionamento, como se fosse um meio para as coisas acontecerem. J oão Pedro Vieira, 1 7 , autor de várias fanfics baseadas em Percy J ackson e os Ol impianos, faz jus à ideia de contentar a vontade de cenas não vistas com a fanfiction, apesar de não pertencer à categoria feminina estudada por BaconSmith. “Eu continuo no fandom porque há situações que eu gostaria de ver em determinado anime/l ivro/série e que, muitas vezes, eu as encontro nas fanfics.”

O comportamento da fã é de fato distinto do simpatizante mascul ino: o embl ema da beatl emania foram as meninas em pol vorosa à beira do pal co, e as groupies sempre foram inseparáveis da imagem de qualquer astro de rock. As mul heres não parecem ter medo do que as pessoas ao seu redor vão pensar ao demonstrarem sua admiração. N o entanto, o fandom não é um ambiente l ivre de jul gamento para el as, tanto como personagens quanto como apreciadoras e produtoras de conteúdo. N o artigo “Gender I nequal ity in 500

Popul ar Fil ms” (Desigual dade de gênero em 500 fil mes popul ares) da U niversidade do Sul da Cal ifórnia, foi feita uma anál ise de representações cinematográficas e padrões de emprego dos bastidores em fil mes l ançados de 2007 a 201 2, constatando que 28,4% das 447 5 personagens com fal as eram mul heres. Só 6% dos fil mes mostraram um el enco com quantidades equil ibradas de atores e atrizes, ou com mul heres que tinham por vol ta de 50% dos papéis com fal as. Al ém da presença não bal anceada, as personagens femininas tendiam a usar mais roupas sensuais ou aparecer seminuas do que as mascul inas: 7 % del es apareciam com trajes apertados ou sexy, contra 31 ,6% del as, e 9,4% a 31 % para a nudez parcial . N ão muito l onge, a l enda de que “não existem garotas na internet”, surgida nos fóruns dos anos 90, ainda tem seus resquícios vivos. Como jogadora onl ine assídua, outro ambiente bastante mascul inizado, o tratamento dos companheiros de universo virtual se divide em dois até hoje: aquel es que fazem tudo procurando agradar e chamar atenção, quase sempre esperando al go em troca, e os que duvidam que eu seja mesmo mul her.

Apesa r d e tu d o i sso, e d e a i n d a su pera r o ol h a r críti co d e esta r envol vi d o com u m a “coi sa d e cri a n ça ”, o fa n d om cri a ti vo vi ve com o n u n ca . N o Bra si l , su rgi u em 2 005 o m a i or si te d e fa n fi cti on e posta gem d e h i stóri a s em l ín gu a portu gu esa , o N ya h ! Fa n fi cti on . Com por vol ta d e 3 00. 000 u su á ri os ca d a stra d os, o porta l conta a té com u m a eq u i pe d e ed i tores e revi sores d i spon ívei s, a Li ga d os Beta s e Críti cos, fu n d a d a em a gosto d e 2 01 2 e d a q u a l sou u m d os oi to pri m ei ros m em bros, a l ém d e u m a d a s respon sá vei s pel o pl a n ej a m ento i n i ci a l d os obj eti vos e d o d ever d o ch a m a d o beta rea d er, ou l ei tor beta , o n om e d a d o n os d i versos fa n d om s pa ra a q u el e q u e l ê, opi n a sobre u m a fa nfi cti on e a ponta possi bi l i d a d es d e m el h ora a ntes d a pu bl i ca çã o pa ra o l ei tor a l fa , o pú bl i co- a l vo.

Antes d e tu d o, o beta rea d er costu m a ser u m l eitor, escri tor e fã com o os ou tros. N ã o h á u m a q u estã o h i erá rq u i ca tã o forte: é d e se espera r q u e, a o esta r d i spon ível pa ra a a va l i a çã o d e fa n fi cs a l h eia s, o l ei tor beta ten h a sen so críti co e m a i s tem po d e ca sa , m a s a s rel ações entre beta e ficwriter (escritor de

Gabriele Peres desenha Allegro, personagem de sua ficção Ilustração:Gabriele Peres

outrariar

fanfics) são baseadas em um profissional ismo informal e respeito pel a criatividade.

Tod os com o m esm o a m or d e fã , m a s ú n i cos; a ssi m é o fa n d om . Ca d a u m entrou n esse m u n d o por u m m oti vo e conti n u a n el e, à s vezes, por ou tro. Su a s i n fl u ên ci a s d e escri ta vã o d e Ed ga r Al l a n Poe a M eg Cabot, pa ssa n d o por Sti eg La rsson , fa l eci d o a u tor d a tril ogi a su eca M i l l en n i u m , e Fern a n d o Pessoa . G a bri el a Ferrei ra , 1 9, estu d a nte d e Desi gn G rá fi co e u m a d a s oito fu n d a d ora s d a Li ga d os Beta s com o eu , a d m i ra o m i stéri o d e An n e Ri ce, su a fa vori ta , q u e i ron i ca m ente é u m a d a s a u tora s q u e proi bi u por l ei a pu bl i ca çã o d e fa n fi cs ba sea d a s em seu s l i vros. Ta ti el e d a Cu n h a Freita s, 2 9, a d m i n i stra d ora d a Li ga , a l m ej a J u l i o Cortá za r e Cl a ri ce Li spector a o escrever. E o títu l o d e cri a çã o a m ad ora n ã o tem a ver com fa l ta d e q u a l i d a d e. J ea n Cl a u d e, 1 7 , com enta “eu sem pre fu i u m a pessoa m u i to críti ca e perfecci on i sta . O fa n d om cri a ti vo fez com q u e i sso d obra sse. N a escri ta , pa ssa m os a q u erer i n crem enta r n osso voca bu l á ri o, en contra r n ova s form a s d e su rpreen d er o l ei tor, e a té m esm o d e n os su rpreen d er.” G a briel a ta m bém tem o q u e rel a ta r: u m a d e su a s fa n fi cs foi tra d u zi d a pa ra o espa n h ol por u m a l ei tora q u e gostou e ped i u perm i ssã o. “U m a sen sa çã o i n d escri tível m e tom ou a ssi m q u e vi a m i n h a fa n fi cti on tra d u zi d a e com vá ri os l ei tores estra n gei ros el ogi a n d o m i n h a obra .” M a s, com o q u a l q u er escri tor, os fi cwri ters têm seu s m om entos d e cri se. “Com a escri ta , vei o u m a gra n d e fru straçã o: a d e n ã o con segu i r term i n a r n a d a q u e eu com ecei ”, l a m enta J ú l i a Ca l a sa n s, 1 5. “Aba n d on ei u m a h i stóri a q u e eu a m a va si m pl esm ente por en fa d o, e a té h oj e n ã o a retorn ei , e sei q u e n ã o a retorn a rei . 1 57 pá gi n a s d e u m a h i stóri a q u e n ã o verá seu fi m .”

Engana-se quem pensa que l idar com fanfiction se resume à diversão. Para boa parte dos autores, as fics foram o início do interesse por uma carreira no mercado editorial e servem de treinamento autodidata ou acompanhado por um l eitor beta para um texto mel hor. Gabriel e Peres, 1 2, foi mais l onge. Al ém de beta reader, o membro mais novo da Liga quer trabal har com il ustração. “Design ou Artes Visuais, ainda não me decidi e acho que ainda está um pouco cedo para isso. Se eu não estivesse no fandom, não teria uma mesa digital izadora e

não estaria estudando anatomia.” Tatiel e e seu envol vimento com a atividade de beta reader tomaram o caminho inverso: el a desenvol ve as aul as de português gratuitas do N yah! Fanfiction por ser graduada em Letras pel a U niversidade Federal de U berl ândia, al ém de mestra em Teoria Literária. Foi sel ecionada pel o administrador do site em 201 2 e l ogo deu vida ao antigo projeto da Liga dos Betas.

Sua atual parceira na el aboração das aul as é Ana Luísa Coel ho, 1 9, representante portuguesa num site de maioria brasil eira, também se graduando em Letras. Ana afirma que sua vida seria outra se não tivesse descoberto as fanfics e iniciado a “carreira” de l eitora beta. “N unca tendo sido beta, jamais teria descoberto o amor que tenho ao processo de edição e não estaria de momento a tentar tirar uma l icenciatura em Ciências da Linguagem, para vir a ser editora no futuro.”

A face do fã criativo

Como todo trabal ho, há sempre a pausa para o café. N os fóruns, bl ogs e em redes sociais, várias amizades começaram por conta do fandom. Costumo notar que toda interação social precisa de uma “descul pa” para começar; o contato raramente é feito sem um motivo que as duas partes aceitem. N o caso dos fãs, o fundamento existe por si só: gostar da mesma obra é o perfeito início de conversa. Barbara M artins, 22, é moderadora do N yah!

Fanfiction e rel ata “nem sempre fui do mesmo fandom, todo mundo sempre muda, e, à medida que fui escrevendo, al terei muito meu estil o, errei muito e, fazendo essas coisas, acabei conhecendo pessoas maravil hosas de todo o país, al gumas até pel o mundo afora.” Outras pessoas tril ham um caminho mais sol itário, mas nem por isso negativo. Larissa N unes N eves, 1 7 , apesar de não ter feito muitos amigos no fandom, tem um propósito pessoal ao continuar l á. “Escrever me ajudou a aprender a l idar com a depressão, assim como injetou em mim vários objetivos de vida e a vontade de fazer mais e mais coisas.”

Apesar disso, nem todas as estadias são fel izes. “J á sofri boicotes de pessoas que não concordavam com o tipo de histórias que eu escrevia, espal hando boatos entre meus amigos e entre meus l eitores. É sempre um probl ema quando você faz al guma coisa diferente, porque al gu-

13

14

outrariar

cultura

mas pessoas simpl esmente não entendem. E, na I nternet, é fácil l argar comentários ácidos ou organizar atos mal dosos porque você fica protegido pel o anonimato”, Barbara conta. Giul ia Correia, 1 6, sente que mesmo sua vida pessoal fora da internet é diferente devido a seus interesses e atitudes de fã. “U ma vez que eu fal o muito sobre os fandoms em que me insiro, fica difícil conversar com pessoas que não fazem parte de, pel o menos, um del es. I sso significa que fal o sobre isso por dias e dias sem fim, e pouca gente tem paciência para isso.” A autora, cuja história com personagens e universo criados por el a está sob minha correção, encontra no contato com outros fãs distantes uma identificação muito maior.

“Posso dizer que, ‘na vida real ’, ‘ao vivo e a cores’ ou ‘fora da internet e do computador’ eu perdi al guns amigos e me tornei mais sol itária. Em contrapartida, ganhei muitos outros amigos e pessoas que pensam e se sentem como eu, que me entendem, nos ambientes virtuais.” Gabriel a Ferreira, de Bel ém, mora a mais de 3000 km da carioca Giul ia e compartil ha a experiência. “Sempre terá al guém que me jul gará por meus hobbies ou interesses, o que poderá atrapal har minha vida pessoal e/ou profissional .

Acho que esse é um preço mínimo a se pagar por al go que me ajudou tanto. N ão sei se integrarei um fandom para sempre, possa ser que meus interesses mudem daqui al gum tempo. M as, por enquanto, eu amo fazer parte de um fandom e nada nem ninguém mudará minha opinião sobre el e.”

O fandom criativo possui al gumas manifestações presenciais, como concursos de fanfic em convenções de cul tura pop e o cospl ay, abreviação da expressão em ingl ês costume pl ay, vestir-se como uma personagem interpretando sua personal idade, mas boa parte da expressão dos fãs acontece pel a internet. Com isso, as postagens de fanfics e mesmo as rel ações pessoais se mol dam de acordo com o l ocal virtual onde o grupo se comunica. Outro site com forte presença de admiradores com diversos interesses é o Tumbl r, uma mistura de rede social e bl og. A própria estrutura do site incentiva o que se chama de escrita col aborativa, já que o compartil hamento de postagens, chamado de “rebl ogar”, permite que o usuário acrescente conteúdo antes de repassá-l a para Ilustração:Gabriela Ferreira

outrariar

seus seguidores, al ém de a postagem ficar arquivada no bl og. A ferramenta de rebl ogar pode l ançar uma ideia para u m a tra m a d e fi cçã o q u e pod e vi r a ser d esenvolvi d a por ou tro u su á ri o a l gu n s com pa rti l h a m entos d epoi s, d i ssem i n a r u m a h i stóri a j á com pl eta , ca rrega r em bu ti d a a opi n i ã o d os q u e l era m a ntes ou a pen a s gera r u m a ga m a i m en sa d e pi a d a s i ntern a s, m u i ta s vezes a ci d enta i s. A fa m a a n ôn i m a e espontâ n ea n o Tu m bl r n ã o é ra ra , por m a i s contra d i tóri o q u e pa reça . U m a frase si m pl es, m a s com a q u a l m u i tos u su á ri os se i d enti fica m , pod e pa ssa r d a s 500. 000 n otes (n ota s, q u e sã o a s rebl oga gen s ou cu rti d a s), m a s o pri m ei ro a posta r, ch a m a d o d e ori gi n a l poster ou OP (posta d or ori gi n a l ) n ã o é especi a l m ente recon h eci d o n o si te. Al ém d o si stem a pecu l i a r d e d i fu n d i r a i n form a çã o, o Tu m bl r tem u m a d a sh boa rd , u m m u ra l d e rol a gem q u a se i n fi n i to, por on d e se costu m a pa ssa r com a a ten çã o d i spersa . Se u m fi cwri ter ou d esen h i sta n ã o q u i ser pa ssa r d espercebi d o entre a s a tu a l i za ções, tem q u e se esforçar para capturar o ol har do usuário desatento.

Diferentemente do que se ouve sobre a histeria dos fanáticos por qual quer obra ou sobre as shipwars, as discussões pesadas entre fãs de casais sobre qual é mais provável , existe no Tumbl r um ambiente grande de autoafirmação e aceitação. Al guns usuários dedicam seus bl ogs a temas como as questões de gênero, minorias étnicas e a comunidade não heterossexual . I sso se refl ete não só como forma de movimento social por direitos, mas de representatividade: há uma grande pressão para que cada grupo apareça de forma respeitosa e verdadeira nas obras ficcionais.

Por um momento da vida, eu pensei ser uma observadora do fandom. Eu gostava, sim, daquilo que aquele grupo tão peculiar conversava a respeito, mas não me sentia parte deles. Eram muito eufóricos, talvez muito desajustados. Tristes demais, carentes demais, solitários demais. Até eu notar que ali, naquele espaço de conforto, eles se sentiam à vontade para ser verdadeiros demais, sem medo de repressão. De algum lado, eles encontrariam alguém com quem se conectar.

Percebi que eu estava o tempo todo mentindo para mim mesma. Eu também era uma deles. Dei um passo à frente, e diferente do que eu pensava, fui muito bem-vinda.

Gabriela Ferreira ilustra Mangá Yaoi Free

15

outrariar

16 cultura

Júlia Costa

Composições e ritmos As novas modificações nos clássicos do Samba e do Sertanejo

“Não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar...” a frase que é cantada desde 1 975 por vozes como Alcione, Maria Rita, entre outras, afirma o contráriodo que muitos temem acontecer. Em Uberlândia o samba mesmo não sendo o gênero musical mais característico como o sertanejo, há pessoas que se dedicam e estudam o samba.

Com origem africana o Samba de Raiz é gênero musical de mais relevância da cultura brasileira. É considerada a vertente mais tradicional do Samba, esse termo refere-se aos sambistas mais conservadores.

Em um grupo de samba de raiz os instrumentos encontrados são cavaquinho, surdo, cuíca, violão, pandeiro de couro e violão de sete cordas. Ao longo do tempo foram introduzindo novos instrumentos, assim dando uma nova roupagem ao samba criando subgêneros que são o samba de partido alto (versos de improviso), samba dolente, samba de quadra, samba de terreiro, samba de recôncavo baiano e o pagode.

Eduardo Fraga Túlio, professor de percussão no curso de Música da Universidade Federal de Uberlândia, gosta tanto de samba que hoje em dia se dedica a estudá-lo. Nascido no Paraná, mas por ter morado quase que sua vida inteira no Rio de Janeiro, o professor conta que antes de estudar percussão não era de ir ao samba.

Começou a gostar de samba quando foi para o Rio Grande de Sul, pois sentiu falta de sua casa, suas origens.

Quando começou a trabalhar profissionalmente na percussão, decidiu dedicar-se a estudar os instrumentos de samba com mais empenho. Trabalhou como monitor do Odilon Costa, um dos mestres de bateria mais importante do Rio, e foicom esse contatocom Odilon que Eduardo pode ter mais vivencia de samba, frequentava os ensaios da escola de samba Grande Rio e até tocava na bateria. O seu professor no Rio de Janeiro, Guilherme Gonçalves, escreveu um livro sobre o samba chamado “Batuque Carioca” e Eduardo acompanhou todo o processo.

outrariar

17

Entretanto, depois disso Eduardo deu um tempo no samba e foi dedicar-se na carreira acadêmica. Nos dias atuais com o seu doutorado concluído Eduardo brinca com seus alunos “agora que eu acabei, vou virar pagodeiro de vez”.

Morando em Uberlândia há 1 1 anos, Eduardo diz que a indústria fonográfica do samba mudou muito, antigamente era o disco de vinil e cd, as pessoas compravam muito. Hoje em dia com a inserção da internet e a pirataria as pessoas deixaram de comprar o cd e os artistas ganham mais com shows.

O samba está exclusivamente ligado à cultura popular, então depende muito do interesse de não deixar isso acabar, como o projeto da Diretoria de cultura da UFU “O samba mandou me chamar”. Em Uberlândia existem grupos que buscam conservar essa cultura popular, o “Eterna Chama”, que é um movimento de raiz; “Quarteto Gafieira, que são ex alunos do curso de música da UFU. E também há lugares destinados apenas para esse público do samba, como o “Terreirão do Samba”.

Em Uberlândia existem escolas de samba que todo ano no carnaval fazem desfiles, mas ainda falta interesse dos envolvidos, e os desfiles costumam ser precários, em que as escolas usam instrumentos do Congado (manifestação cultural e religiosa afro-brasileira.Constitui-se em um bailado dramático com canto e música que recria a coroação de um rei do Congo).

“Pagodão”

Como vertente do samba, o pagode é o mais presente nos atuais em Uberlândia. Com a existência de vários conjuntos que fazem shows na cidade, o “Grupo Desapego” é um que se destaca. O que começou como uma brincadeira, hoje é algo sério. Tem como principal público em Uberlândia os universitários, nas festas de faculdade.

Hudson Alves Viana, 23 anos, publicitário, comediante, barman, é também um dos componentes da banda “Grupo Desapego”, nesse grupo toca “rebolo”, instrumento de percussão. O samba é uma das principais influências de Hudson. Zeca Pagodinho, Bezerra da Silva, Originais do Samba, Demônios da Garoa, são alguns dos que fazem parte de sua playlist do cotidiano.

O músico compara o negócio no meio musical do pagode com a prostituição. Hudson explica que para ser reconhecido na cidade é preciso tocar no “London”, uma das maiores casas noturnas de Uberlândia, e para chegar a esses locais se negocia muita e acaba desvalorizando o cachê e a própria banda.

Artes: Freepik

18

outrariar

cultura Sertanejo classe A

A história da música sertaneja começou com Cornélio Pires no século passado na década de 20, Cornélio foi o responsável por levar artistas para a indústria fonográfica que a princípio não queriam gravar, até que Cornélio comprou uma tiragem de discos e vendeu no interior de São Paulo, assim que chegou a capital pedindo mais discos, a gravadora se interessou e assim começou a gravar com duplas como Alvarenga e Ranchinho, Raul Torres e Florêncio, Serrinha e Caboclinho entre outras.

Desde o início com Cornélio Pires, o sertanejo se manteve um ritmo até Tonico e Tinoco, quando apareceu na década de 60 “Tião Carreiro e Pardinho” com um propósito diferente, produzido por um grande compositor e diretor de gravadora, Teddy Vieira junto com Carreirinho.

Quando veio a jovem guarda, a música caipira perdeu um pouco do espaço, depois na década de 70 a música brasileira, de forma geral, perdeu o espaço para artistas internacionais quando influenciaram artistas como “Milionário e José Rico” a inovar, e veio Chitãozinho e Xororó, que usou até orquestra para enriquecer a música brasileira e competir com grandes produções americanas que tomavam conta da programação de rádios em todo país.

Na década de 90 começaram a aparecer mais em programação de rádio e esses artistas foram se tornando ídolos. Pena Branca e Xavantinho levantou a bandeira da música caipira, que estava esquecida com o sucesso “Cio da Terra”, com a participação de Milton Nascimento.

Alguns anos depois Pena Branca ganhou o Grammy Latino com um CD solo. Um dos artistas brasileiro mais indicado ao Grammy, seis vezes, e que ganhou duas vezes, foi Sérgio Reis que até hoje faz sucesso.

André Luiz Viola, é um radialista importante nesse meio em Uberlândia. A música sertaneja começou a fazer parte de sua vida desde criança quando ouvia seus tios tocando acordeom, cantando. Aos 1 7 começou a trabalhar no rádio e a partir daí todos os estilos musicais fizeram parte de sua vida, mas o sertanejo sempre marcou mais sua vida profissional, gosta de “Tião Carreiro”.

Em rádios que trabalhou, sempre coloca a música sertaneja na programação, e em 2007 criou o “Viola Viva”, um projeto pioneiro na internet a divulgar a musica caipira. Hoje a “Rádio Web Viola Viva” tem acessos em mais de 250 países, apresenta mais de 1 00 emissoras afiliadas que retransmitem seus programas “DNA Caipira” e “Domingocomaviola”, e conta com mais de 30 mil aplicativos instalados em aparelhos móveis.

O“Viola Viva” já esteve presente nos mais importantes festivais e encontros de violeiros do Brasil e faz parte do dia a dia de milhares de pessoas que acessam o site diariamente, divulgando artistas que nunca tiveram oportunidade de aparecer em uma programação de rádio como agora.

outrariar

Sobre o cenário atual da música sertaneja André Viola explica que “Muito se fala em música sertaneja, mas ouvir um Camaro Amarelo, entre outras, poderia ser considerado como música sertaneja? Na minha opinião não, nem precisa ser um conhecedor de música para saber diferenciar os acordes e ritmos que Tonico e Tinoco, Tião Carreiro e Pardinho. Em suas épocas tocavam e deixaram esse herança de música sertaneja e hoje como diz uma frase na música “Navegantes das Gerais” composição de Zé Mulato da dupla Zé Mulato e Cassiano “Se me chamam de caipira fico até agradecido, pois chamando sertanejo posso ser confundido” é mais ou menos assim que é o cenário atual”.

“De que me adianta viver na cidade se a felicidade não me acompanhar...” versos como esses sempre fazem meus olhos se encherem de lágrimas e o meu coração apertar de saudades. Cresci ouvindo meu avô tocando em sua viola músicas que naquela época eu não compreendia. E hoje a cada música sertaneja que eu escuto só me fazem lembrar como era bom passar a tarde toda participando de uma roda de moda de viola.

Artes: Freepik

19

outrariar

20

Independente do que a boa mús

cultura

Um passeio pela produção musical

Antes de tudo é preciso contar uma pequena história. Ela começa em meados de 2007 quando o grupo Nação Zumbi, de Recife, atualmente uma das maiores bandas independentes do país, veio se apresentar em uma das edições do Festival Jambolada em Uberlândia (MG). Naquela época, um estudioso das Ciências Sociais na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Gabriel Caixeta, mais conhecido como Bibi, estava em um de seus momentos de folga no popular Jambolão (espaço recreativo da universidade), quando um amigo o convidou para carregar os instrumentos e caixas de som do Nação em troca de ingressos para o show. Bibi topou na hora! E eu me pergunto, quem não toparia.

O tempo passou e o envolvimento de Bibi com a música acabou indo além de carregar caixas e instrumentos em troca de ingressos. Por meio de um estágio na Diretoria de Cultura (Dicult) da Universidade, começou a produzir pequenos eventos e shows até que foi chamado para participar do Coletivo Valvulado, grupo que cuidava da produção de festivais importantes na cidade como o próprio Jambolada. A jornada de Bibi no Valvulado durou alguns anos, até que, em meados de 201 1 ele se viu tomado pela ânsia de produzir mais, e nesse momento surgiu a agência Timbre!

O que ele não imaginava era que, sete anos depois do começo da história, seus projetos cresceriam tanto a ponto de fazer com que o mesmo Nação voltasse para a cidade mineira, só que agora, como uma das bandas contratadas para sua iniciativa mais ousada: o Festival Timbre, um desdobramento da agência que se propõe, nas palavras de Bibi, a "trazer música boa" para o palco, sendo a maioria dos músicos que ali se apresentam, independentes.

Festivais: um show a parte

A proposta de trazer música independente e boa para o palco se estende à outros festivais, que assim como o Timbre vêm conquistando cada vez mais espaço. E acreditem, essa

força vai além do que vagamente se possa imaginar, e se concentra em lugares que você pode até duvidar! (Confesso que eu em minha vã ignorância, duvidei à princípio).

U m exem pl o cu ri oso é G oi á s, i sso m esm o, G oi á s! A terra d e ta nta s d u pl a s serta n ej a s j á con sa gra d a s e q u e a i n d a tenta m ch ega r a os h ol ofotes é ta m bém l u ga r férti l pa ra ou tros esti l os, pred om i n a ntem ente o rock' n rol l .

G ra n d es festi va i s com o o Ba n a n a d a e o G ri to Rock a contecem , a n u a l m ente, e pa ra m a ca pi ta l goi a n a d ura nte a té u m a sem a n a .

Além dos grandes festivais, existe também uma extensa cena de outros pequenos e médios eventos que se baseiam na originalidade das bandas que vão se apresentar.

Estas, majoritariamente, tocam músicas autorais e fazem um som experimental, que vem da mistura de estilos e, por vezes, se converte até na criação de novos.

U m a d a s ba n d a s q u e se forta l ecera m em m ei o à estes festi va i s, é a goi a n a Spa ce Tru ck, form a d a por Fel i pe Roso e os i rm ã os Rod ri go e Ri ca rd o Sobrei ra . Pa ra el es é bem n a tu ra l a l i n h a q u e segu em os festi va i s "essa é u m a coi sa m u i to i nteressa nte, se cri ou u m a cen a e u m pú bl i co a costu m a d o a ou vi r m ú si ca a u tora l ", conta Rica rd o. Os m ú si cos a cred i ta m n a força d essa cen a n o esta d o e Rod ri go conta com o fu n ci on a essa l ógi ca m usi ca l por l á "os própri os festi va i s fora m gera n d o u m a m ecâ n i ca m u i to própri a , q u e con segu i u cri a r u m a ca d ei a d e prod u çã o q u e fu n ci on a d e u m a m a n ei ra bem ba ca n a ".

Recen tem en te, a ba n d a q u e a po sto u n o s festiva i s co m o po rta d e en tra d a pa ra o m u n d o d a m ú si ca , pa rti ci po u e ga n h o u u m a espéci e d e festi va l /co n cu rso e a ssi m , co n segu i u gra va r o seu pri m ei ro d i sco , co m o a po i o d e u m sel o i n d epen d en te. O tri o está sa ti sfei to e d i z n ã o a m bi ci o n a r u m a ch ega d a à s gra n d es pro d u tora s d e d i sco s n a ci o n a i s "a ch o q u e o m erca d o j á n ã o fu n ci o n a m a i s a ssi m , a gen te co n segu e se m a n ter sem i sso . O n o sso o bj eti vo m esm o é ci rcu l a r, to ca r" d i z Rod ri go co m co n vi cçã o .

outrariar

o que aconteça, ica permaneça

21

Mariana Almeida

l independente em tempos cibernéticos

Faça você mesmo

Do outro lado da divisa, em Uberlândia, Minas Gerais, o duo Muñoz se arrisca na gravação de seu primeiro disco full.

Com dois anos de duo, os irmãos Mauro e Samuel Fontoura contam que não é fácil se arriscar na produção de um disco e que as políticas públicas de incentivo não andam fazendo seu papel como é esperado "a gente tentou na lei de incentivo, escrevemos um projeto, mas não foi aprovado." Isso, infelizmente, acaba se tornando uma pedra no caminho da Muñoz e de tantas outras bandas ou músicos que tentam por conta própria construir alguma carreira no cenário musical.

A notícia boa é que, para nossa sorte, os músicos brasileiros não desistem facilmente! Os irmãos Fontoura, por exemplo, prometem o lançamento do disco ainda esse ano "estamos fazendo da maneira mais simples que a gente puder". Mas "que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho" já dizia Clarice Lispector em uma de suas sábias reflexões.

Através também do trabalho árduo de alguns músicos na década de 70 que os discos independentes de hoje podem sair do forno. O início e a popularização da produção independente na década de 70 se deu graças a uma evolução tecnológica gradual, juntamente com a decadência das indústrias fonográficas da época, "parecia haver um diagnóstico na década de 70, a indústria fonográfica mundial e a indústria brasileira tiveram um processo de fechamento" descreve Adelcio Machado, professor de música na UFU. .O barateamento da produção atrelado às chances cada vez menores de se conseguir uma gravadora incentivou os músicos da época a darem início à produção independente de seus trabalhos, Adelcio conta ainda que, naquele período "surgiram no mercado gravadores pequenos, gravadores de fita portáteis, que a pessoa poderia ter em casa, bastaria fazer um isolamento acústico e ela poderia gravar sua própria produção".

Histórias musicais Já deu pra perceber que os músicos não tem preguiça quando o assunto é usar das redes sociais para chegar ao público. Mas e o público, usa disso para chegar à música?

"Comecei a ouvir música independente tem pouco tempo, mas já se tornou um hábito. Há pouco fui ao Festival Timbre especialmente para poder conhecer a banda Nação Zumbi e Tiago Iorc. Na página do evento, conheci a banda Muñoz e acabei indo para vê-los também, foi bem legal. Sempre que puder marcarei presença nos festivais independentes."

Cristiane Borges, 17 anos.

Muñoz

Links http://munoz.tnb.art.br/ https://www.facebook.com/duomunoz https://soundcloud.com/mu-oz-duo Fotografias: Divulgação | Artes: Freepik

outrariar

22 cultura Gravar, postar e compartilhar

Os avanços tecnológicos alavancaram a produção musical independente da época, mas, como bem sabemos, nem os músicos nem a tecnologia pararam por aí. Atualmente podemos ver quando e como quisermos a força que essa cena adquiriu com as facilidades que a internet possibilita. Esse universo acaba indo muito além da produção de discos e ajuda muitos artistas a divulgarem seus trabalhos. Basta criar uma página, fazer upload do seu som e: pronto! Todos podem acessar suas criações.

Dificilmente você não irá encontrar a página de uma banda que goste em sites como Facebook e Youtube, assim como em outros mais direcionados à música, como SoundCloud, Last.fm e Palco MP3. Além do novíssimo Clapme, um novo formato de site que está começando a fazer sucesso por aqui. A iniciativa propõe aos músicos (principalmente independentes) a oportunidade de criar uma página no site e, nela, transmitir shows ao vivo, com direito a interação com o público e até pagamento (caso quem assista ache digno, é claro).

Já deu pra perceber que na rede tudo é possível quando o assunto é música. E muita gente entrou nessa dança, até porque, a interação com os fãs fica mais fácil e direta, facilitando e aumentando o alcance de seus trabalhos, turnês,

Histórias musicais "Desde que comecei a me interessar mais por música, criei uma conta no last.fm que tenho até hoje. Lá descobri por indicação do próprio site muita banda legal e que às vezes não tinha tanta visibilidade, além de conhecer pessoas que partilhavam de um gosto musical semelhante ao meu.

Hoje em dia, com o facebook, ficou ainda mais fácil conhecer mais músicas. Eu, por exemplo, participo de alguns grupos que servem de "intercâmbio musical" e neles é possível descobrir várias músicas novas de acordo com o que eu curto ouvir, que as pessoas e inclusive os próprios artistas que estão começando postam para divulgar "

shows e o que mais tenham vontade de mostrar ao público, e eles estão com toda razão! Quem produz esses músicos também percebe a necessidade, e incentivam a iniciativa "às vezes você põe uma banda pra tocar mas ela não tem nem um perfil nas redes sociais e não entende que eu preciso botar sua banda pra tocar, mas também preciso ter material pra divulgar ela" conta Bibi.

Os próprios músicos acabam então tendo que reconhecer o quão desnecessário se tornou um contrato assinado com uma grande empresa fonográfica "eu não sei nem o que poderia ter de tão bom em ter uma gravadora. Hoje em dia não sei o que eles poderiam dar de tão legal que valha a pena" conta a cantora paulistana Bárbara Eugênia, que já passou pela experiência de gravar um disco por conta própria e outro com o apoio de um selo. A cantora afirma que a produção plenamente independente do primeiro álbum foi muito mais prazerosa e que não entrou na cena independente por escolha, mas que se tivesse de tomar uma decisão hoje: permaneceria.

A Associação Brasileira de Músicos Independentes está com Bárbara, e em 201 3 trouxe aos interessados um estudo que reafirma essa tendência musical atual não muito difícil de se perceber "as vendas em formatos físicos, CDs e DVDs, seguem em queda. Reduziram-se em 1 5,5% em relação ao registrado em 201 2". É, meu amigo, os tempos mudaram e com ele os modos de se fazer, encontrar e apreciar música, façam o favor de agradecer aos músicos pela qualidade que permaneceu. O que muda agora é o tamanho das portas que estão se abrindo para eles e não duvidem; o tamanho da fila que pretende passar pela porta aumenta de maneira proporcional aos avanços. A internet traz consigo a facilidade de se chegar até seu público específico e de fazer contato com os festivais com os quais se identificam.

Aqui em Uberlândia, Bibi explica enxergar o nascimento de uma nova cena, que em alguns anos deve se profissionalizar e consolidar. As expectativas são de que os trabalhos por aqui fiquem cada vez melhores e que a cena independente se consolide por meio de iniciativas como o Festival Timbre, chegando assim ao auge da produção e do reconhecimento. Para nós, meros mortais desafinados, resta apenas procurar na lupa alguma banda bacana e apreciar o que tem de bom solto pela rede. Tá esperando o quê?

Érika Abreu, 20 anos.

Fotografias: Divulgação | Artes: Freepik

outrariar Inovação na hora de curtir um show

O site brasileiro Clapme, assim como muitos outros, abre espaço para quem gosta de fazer música. Mas com um diferencial: nele os registros são feitos ao vivo, com transmissão para qualquer um que venha a se interessar. Legal né? Agora você pode assistir um show bacana do sofá de casa com os amigos, além de conhecer melhor e descobrir muita coisa boa, afinal, quem sabe faz ao vivo!

Uma das descobertas que encontrei no site foi o duo paulistano 3éD+ que com muita simpatia se dispôs a falar um pouco sobre a experiência de tocar para muitos e para ninguém ao mesmo tempo.

M. Pra quem ainda não conhece, vocês podem contar um pouquinho da história da banda?

Dom - O duo é formado por mim Dom Orione vocal e guitarra e Leandro Lima bateria, o Lê me convidou para tocar com ele, isso foi em 2005, ele já tinha todo conceito sobre a formação e o nome do Duo, 3éD+, eu tinha umas letras e estamos aqui.

M. Como conheceram a proposta dos shows online ao vivo?

Dom - Bem nosso amigo Rogério (guitarrista da banda Radioviernes) trabalha fazendo a divulgação do portal, e meio que nos convidou para participar, pediu para nos cadastrarmos no site e acho que depois de um mês surgiu o convite.

M. Como se desenrolou o show?

Dom - Um show sempre é um acontecimento, e em particular nossos shows são muito orgânicos, como esse seria gravado nós ensaiamos um pouco mais que o normal, ficou um belo registro.

Bárbara Links http://www.barbaraeugenia.com/ https://soundcloud.com/barbara-eugenia https://www.facebook.com/barbaraeugenia page http://www.lastfm.com.br/music/Bárbara+Eu gênia

23 M. Houve interação com quem assistia?

Dom - Sim, amigos da banda e algumas

pessoas que não conhecíamos.

M. Qual vocês acham que seja o principal diferencial dessas apresentações?

Dom - Tocar um instrumento é algo inexplicável, apresentarse é algo inexplicável, mas ver as pessoas cantando uma criação sua, não tem palavras que descrevam esse momento.

M. Como classificam a importância de sites como o Clapme em seu trabalho? E o restante das redes sociais?

Dom - Classifico a iniciativa como boa, na gringa esse tipo de interação já rola há muitos anos, sempre assisto shows em canais de fora, acho bom termos algo assim em terra tupiniquim, mas não podemos ficar restritos somente ao virtual, somos seres de carne e osso e a interação entre seres humanos não pode ficar restrita ao universo paralelo.

M. Qual o reflexo desse trabalho na carreira da banda?

Dom - Tem tido boa repercussão, é por conta dele que estamos cedendo esta entrevista, temos orgulho de ter feito algo que ainda reverbera nas redes.

M. Pretendem seguir fazendo esse tipo de show? Se sim, já tem algum marcado para que o pessoal que estiver lendo assista e participe?

Dom - No momento estamos em uma turnê com mais dois duos o Color For Shane e o Dark Rose, estamos nos apresentando em bares e em alguns estúdios, é uma iniciativa da arte pela arte, no momento não surgiu nenhum convite para esse formato de show, mas estamos a disposição!

Space Truck Links http://spacetruck.tnb.art.br/ https://www.facebook.com/ spacetruck http://www.lastfm.com.br/m usic/Space+Truck

3éd+

Links https://www.facebook.com/3edmais?fref=ts

24

outrariar

cotidiano

Histórias cruzadas A trajetória dos guerreiros da vida e o Brasil invisível que poucos se esforçam para ver

Bruna Pratali

Fotografia: Bruna Pratali

A barreira invisível existente entre muitos estudantes e os guerreiros da vida

outrariar Ouvi dizer em algum lugar que a vida é uma estrada. Alguns vêm de longe, outros de perto. Alguns são felizes, outros nem tanto. Uns sucedidos, outros ignorados. Reconhecidos ou deixados de lado. Mas, em algum ponto da estrada, percebemos que o mundo não é tão grande assim. Nossas histórias se cruzam e vão se interligando pela trajetória da vida. Alguns chamam de azar ou sorte. Eu chamo de destino.

Dona Dalva e Dona Maria não se conhecem, mas há muito de uma na outra. Há cinco anos suas histórias se cruzaram e elas nem mesmo podem ver. As faxineiras vieram de lugares distintos, carregadas pelo tempo e movidas pela busca de uma realidade melhor. São guerreiras e vão por todos os lados: uma de voz firme, a outra de voz melódica. Ambas lutando todos os dias. É assim que vão seguindo a maior parte dos faxineiros, seguranças e serventes. Invisíveis aos olhos de quem desmerece as profissões. Mas, ainda assim, necessários para o funcionamento da grande e complexa engrenagem que é a vida. Sendo destino ou não, a verdade é que foi maravilhoso conhecer essas pessoas. Dalva, Maria, Rosa, Luiz, Sebastião e Valdirene me mostraram o valor de um sorriso e a importância da garra diária. É assim que percebemos que cada trabalho é digno. E, acima de tudo, que por trás de cada trabalhador existe um ser humano.

De olhos abertos

Dona Dalva é dessas pessoas que o destino mandou lá de longe, pra iluminar a vida de alguém. Deixou a Bahia e as três filhas há cinco anos. “A gente pra ganhar a vida tem que, né?”. E é verdade. Hoje trabalha como faxineira, terceirizada pela Arq Graph no Centro de Incubação de Empreendimentos Populares Solidários (Cieps), da UFU. Começou como doméstica e, desde então, foi lutando. A situação apertou com a separação do marido, e Dona Dalva partiu para Salvador, criar suas três filhas.

Foi trabalhando na casa de um policial rodoviário que cansou de terminar o serviço com uma mão na frente e outra atrás.

Era difícil trabalhar de doméstica. A baiana não tinha tempo para ficar em sua própria casa e não tinha carteira assinada. “Se eu juntasse dinheiro tudo bem, se não juntasse eles não dão. Muitas pessoas ficam com os olhos fechados pra gente”.

Dona Dalva passou a adolescência toda trabalhando de doméstica na Bahia. Chegando em Uberlândia, trabalhou de confeiteira, mas o salário e horários deixavam a baiana insatisfeita. Foi quando decidiu sair de lá que tudo deu certo. Dalva conta do trabalho pela Arq com um brilho satisfeito nos olhos.

“Quando eu cheguei lá já fui dar entrevista e a moça disse ‘olha, a partir de hoje você está fichada (com carteira assinada)’”. E completa “Eu estou adorando aqui, o pessoal é muito legal. Até o dia que Deus quiser”.

As faxineiras vivem assim, é uma realidade difícil. A primeira vez que Dona Dalva recebeu seu salário pela Arq Graph,

achou que fosse engano. Havia cinco notas de cem, e não só uma como costumava receber. “Nunca tinha pego um salário em quatro anos. Agora eu estou com a carteira assinada. E pra mim está bom demais”. E assim vai contentando-se com os sorrisos que recebe e toda a amizade que criou.

Dona Dalva conta que está tendo que trabalhar com suas próprias roupas, não com o uniforme da empresa. E, com a voz baixinha, explica que também não estão mandando o “cheirinho”. Cheirinho? É, o desinfetante. A baiana se dispõe a tirar do próprio bolso, muitas vezes já vazio, para dar um toque especial em seu trabalho. “Porque eu gosto de ver tudo limpinho, tudo cheirosinho”. É uma parceria, ela faz isso porque tem carinho pelas pessoas, quase coisa de mãe. “São umas pessoas boas também, estão lutando”.

São 55 anos e as mais sábias palavras. É assim que vejo Maria Gleice Marviana de Souza, a Dona Maria. Começou no ofício muito cedo, uns 1 4 anos. Mas por que, Dona Maria?

“Porque eu perdi meus pais muito cedo. Morreu minha mãe, e um ano depois meu pai. Adoeceu assim, morreu”. Conta com a voz calma, de quem vê tudo já à frente. Não sorri muito de início, mas depois de um tempo de conversa já posso ver que se criar sozinha não a fez amarga, só mais sábia.

A doce Dona Maria gosta do que faz, mas conta que no início do trabalho, há cinco anos, era dureza. Trabalhando como auxiliar de limpeza na UFU, sua encarregada a instruiu a não falar com ninguém e a fazer tudo de cara feia, sem conversa.

Mas, com um riso de moleca, me diz que nunca concordou com isso e hoje está tudo superado. “Eu trabalho no I (bloco), aí lá eu converso com todo mundo, às vezes uns passa, me cumprimenta. Dá um sorriso, eu respondo. Outros passa direto e eu não vejo nada demais nisso também, né? Porque é muita correria, ninguém vai ter muito tempo”. É muito comum dentro da universidade o pouco contato com os trabalhadores da faxina. São poucos os que estão com os olhos abertos. Dona Maria conta que nunca foi tratada mal, mas que já teve que acalmar uma colega. “Não pode sabe? Um local que a pessoa tem de tudo pra aprender, se educar, aprender a viver na vida”. A falta de cuidado de alguns alunos já trouxe grandes tristezas para algumas.

Não é preciso tempo para perceber que Dona Maria é uma grande pessoa. Nos tempos em que trabalhou no bloco H, conta orgulhosa que até festa de aniversário surpresa ganhou, dos alunos e da secretaria. Pausadamente conta da aluna fingindo estar brava, dizendo que ela fez algo que não devia. No que abriu a porta da sala foi aquela surpresa. “Chorei, e muito. Até hoje eu fico emocionada quando lembro. Aí ela veio me abriu um sorriso ‘Viu só? Viu o que a senhora fez? A gente se apaixonou pela senhora”.

Esse é seu orgulho. Orgulho de ser a Dona Maria.

Conversa vai, conversa vem, passa um homem de camisa e gravata e grita “Dona Maria!” e ela, toda cheia de si responde,

25

outrariar

26 cotidiano

voltando-se para mim como quem diz “Tá vendo? É sempre assim”. O obstáculo foi superado e, hoje, têm muitos amigos. De diretor, a aluno ou colega do trabalho mesmo. Com os olhos brilhando, me conta da amizade que têm com um dos alunos do bloco I. “Se existiu outras vidas parece que a gente foi muito amigo. E nessa ele me reconheceu, sabe?”. E respondo que sim.

Dona Maria é só sabedoria.

Mas, como já foi dito, a realidade das faxineiras é dura, e ela teve que pagar o preço por ser tão amiga de “quem não deve”, como colocaram algumas colegas. “O ciúmes foi tanto que elas não conversaram mais comigo e, depois, fizeram uma armação pra que a encarregada me tirasse do bloco”. Mais uma pedra no caminho de Dona Maria. Mas nada a impede de traçar seu novo rumo. Tudo valeu a pena no final, afirma. “Eu não acho que não posso ter amizade com um professor porque eu sou uma faxineira. Eu sou humana e ele também, independente do que nós dois fazemos”.

Foi o que a vida reservou. Pra Dona Dalva, Dona Maria e os tantos outros que percorrem a universidade, as ruas e comércios. Mas o que Dona Maria queria ser mesmo era veterinária, por causa do amor que sente pelos bichos. Teve cinco filhos, criados sozinhos, já que também não deu certo com o ex-marido. Um dos meninos faleceu, deixando sua maior preciosidade.

“Me deixou uma neta que é minha razão de viver”.

Sua maior conquista é ter passado por tudo na melhor hora da vida: a juventude. Não desviou do caminho, apenas seguiu em frente, nem pra lá, nem pra cá. “Isso é meu orgulho, de mim mesma. Ergui a cabeça. Só existe um Deus e é com ele que vou seguir minha vida”. E se despede, erguendo os olhos de menina, dizendo “Quem sabe na próxima aconteceu mais novidade boa!”.

Pessoas como Dona Dalva e Dona Maria são duas das muitas histórias marcantes de vida que estão no nosso caminho. Vão seguindo a trajetória da vida, com as histórias se cruzando aqui e ali.

A estrada da “varreção”

Tem que ser forte para ser da varreção. Se começa de uma ponta da UFU e vai até a outra. Levando a vassoura, ora como um fardo ora como escudo. Tem que ter disposição para participar da varreção. Acordar às 4h30, 5h quando o cansaço apertar. Porque se não bater o cartão, perde a cesta. Perde o salário. Os varredores vão traçando o labirinto e suas histórias.

A varreção é para quem tem garra.

Rosângela, a Dona Rosa, tem 53 anos, pouquíssima altura e uma simpatia sem limites. Por causa da altura ficou Rosinha. A voz é rouca de tanto cigarro, e o sorriso cansado mostra que a batalha do dia foi pesada. Era fim de expediente e a sala da Arq Graph, completamente escondida dentro da UFU, estava

Enquanto outros po

Fotografia: Bruna Pratali

o muitos veem a varreção pelas vassouras, oucos a veem pelas mãos que as carregam

outrariar uma loucura. Uns tomavam café, outros guardavam os carrinhos. Um a um, os varredores iam se trocando, tirando o bege uniforme para pegarem seus ônibus, de volta para casa.

Dona Rosinha volta todos os dias quinze para as quatro, no ônibus com destino ao bairro Tocantins, em Uberlândia.

Trabalha com faxina por necessidade, e sua expressão cansada confirma. “É porque a gente precisa trabalhar, né?”. Junto com Luiz, Valdirene, Sebastião e mais alguns varredores, Dona Rosa vai seguindo sua estrada todos os dias, varrendo. “A gente anda junto porque tem uma turma do outro lado e do nosso lado é uma turma”. São pessoas cansadas que, ainda assim, tem forças para sorrir e guiar a vassoura.

Levar a vida. É assim que funciona a varreção. E Dona Rosa gosta tanto que aos sábados, dia em que não trabalha, varre seu quarteirão de uma ponta a outra. “Ponto negativo?

Não não, só cansa muito, né? Cansa. Nós começamos aqui, vai até a portaria e leva até a outra, lá no fundo. Depois nós começamos aqui e leva na portaria de lá. Então a gente anda muito, mas é bom”. Vai tentando me explicar, apontando os dedos e fazendo mapas imaginários com as mãos. É uma estrada que só eles conhecem.

Dona Rosinha é tão pequena que parece até uma criança.

Se é casada? “Não tenho sorte com homem, não. Única sorte que eu tenho com homem é com meu filho, meu filho é muito bom pra mim”. Tem mais duas filhas, mas tem mais afinidade com uma. A outra, só na hora de pedir mesmo. “Eu fumo, né? Aí ela fala ‘ô mãe, eu sei que não pode dar cigarro, não pode fumar, mas eu vou ali pegar um pra você’. E eu falo ‘então, me dá minha filha, a mãe não tem cigarro, não está fumando muito’”.

A varreção forma amigos e traz motivação. Dona Rosa me apresenta seu grande amigo que logo vejo que se chama Luiz.

Está escrito no boné, com letra de forma de criança. Tem 55 anos, nos quais trabalhou com máquina e puxou o carro do lixo. “Aliás, a gente faz de tudo. O que precisar a gente está aí”. Teve que parar de trabalhar com as máquinas, por causa de um problema nos olhos. “Fiz cirurgia nesse”, diz apontando para o olho esquerdo. “E tem que terminar de fazer nesse aqui. Tive que parar”.

O maior desencanto para os varredores é a falta de consideração de alguns com a limpeza geral da universidade. Muitos não veem como é cansativo. Os cigarros, quando entram na grama, não saem mais, então tem que continuar sempre varrendo.

Seu Luiz acha que a necessidade maior é de conscientização das pessoas. “Porque se tiver sujo cobra, né? Porque que está sujo”.

O dia a dia é duro. Alguns poucos passam, cumprimentam com “bom dia” ou sorrisos. Outros passam tão depressa que os varredores tem que ser rápidos. Se não puxam a vassoura, passam por cima. “Isso aí acontece muito, né? Vários que reclamam”. Mas Luiz, mesmo assim, ri e brinca na sala escondida da Arq Graph, sempre em alto tom e com uma gargalhada contagiante. “É bom trabalhar, brinca o dia inteiro, ri o dia inteiro.

27

outrariar

28 cotidiano

Todo mundo é bom, você não vê briga”. Mas não é tranquilo, é cansativo ser da varreção.

A primeira vez que vi Valdirene ela estava grávida, e os varredores brincavam alegres enquanto eu os perturbava com minhas fotografias. Na sala da Arq, perto de quinze para as quatro da tarde, Valdirene era quase inaudível. Tímida e com a voz baixinha, foi preciso Dona Rosa para me esclarecer que ela tinha, infelizmente, perdido o bebê. “Mas tem mais duas filhas”, diz aliviando o clima triste.

Aos 39 anos, Valdirene veio de Belo Horizonte e trabalha desde os 1 7 anos, para ajudar a família. Antes pegava o café, capinava e chegou a trabalhar de doméstica. Dona Rosinha e seu Luiz riem alto, dizendo que a jovem não queria continuar aqui. Não queria? Não. Simples, em uma voz calma e tímida, um pouco triste no fundo.

O trabalho é loucura e faz doer tudo. Braço, perna, principalmente os pés. Valdirene, no entanto, chega em casa e tem mais para executar. “Ajudar as menina a fazer a tarefa.

Sentar conversar com elas um pouco”. E Dona Rosa, que não ficou mais fora da conversa, logo emenda “Lavar vasilha. Lavar vasilha e fazer janta”. Para ela e para os netinhos, que moram no fundo de sua casa. “É igual filho”.

Só depois de um tempo entendi o que significa lavar a vasilha. Para ser da varreção tem que trazer a comida e o lanche próprio. A Arq Graph só dá o café, que a essa hora do dia já tinha acabado. Faltar é prejuízo para os varredores. Se faltar um dia perde a cesta básica, um cartão de aproximadamente 1 88 reais. Atestado para quem passou mal também não recupera a cesta dos da varreção.

Vem chegando um homem de boné, com andar de moleque e uns olhos curiosos no meu gravador. É Seu Sebastião, de 48 anos. Conta que já foi de tudo, de servente a pintor. Mas o sonho mesmo era ser caminhoneiro. Parou de estudar com 1 4 anos, pra trabalhar. É casado? Enrolado. Como? E me explica Seu Sebastião. “Enrolado. Só fica com a mulher e não casa”. E solta uma risada malandra.

Sebastião conta um pouco sem graça sobre sua filha, com quem não tem contato. Foi com a mulher com quem está “enrolado”, mas só ficou sabendo que a filha era dele. Tem um pouco de arrependimento no olhar. Queria se casar com a mulher, com quem está nesse impasse desde os 1 7 anos. “Vai seguindo assim. Mas eu queria”.

Cada um cultiva dentro de si um sonho. Valdirene queria ser policial. Dona Rosa, ironicamente, jogadora de vôlei.

Sebastião, caminhoneiro e Seu Luiz simplesmente não conseguiu responder. São satisfeitos os varredores. Conformados, talvez. A maioria vive como pode, levando a sujeira e a vida

com a vassoura. “O que foi marcado pra gente fazer nós fizemos até o que não precisava. Nós somos muito loucos. Né, Sebastião?”.

Que minorias?

Dentro da invisível barreira entre diferentes pessoas, muito se fala do termo “minorias”. A ideia é que as Donas Maria, Dalva, Rosa e Valdirene e os Senhores Luiz e Sebastião são “minorias” perante estudantes, professores e diretores.

Que os faxineiros são “minorias” perante os executivos. Que a periferia é “minoria” perante o restante do Brasil. Quando se fala em “minorias” o que se define? Em quem se baseiam?

Sobre quem falam e o que pretendem? É que o termo “minorias”, em sua essência, nada tem a ver com quantidade. É o que conta Mariana Magalhães, doutora em Ciências Sociais. O termo surgiu em meados dos anos 60, no seio de movimentos sociais reivindicatórios do direito à diferença. Mulheres, negros, homossexuais e deficientes passaram a clamar seu sentimento de minoridade perante outros grupos. “Tem a ver com uma questão de poder, de acesso ao poder: econômico, jurídico, simbólico”. O que se chama de minorias hoje é, na realidade, mais numeroso do quê o que se chama de maiorias.

A verdade é que falar em minorias mais confunde do que se ajuda. Como já disse Dona Dalva, muitos ficam com os olhos fechados para os guerreiros da vida. Existe uma barreira que mantém alguns na posição de invisíveis, formando um aglomerado de pessoas que não são vistas no Brasil, mesmo que estas sejam a maioria numérica da população. É assim que muitos vêem a varreção: apenas por suas vassouras e não pelas mãos que as carregam. É um não reconhecimento. Do trabalho e do ser humano. E a inteligente Mariana ilumina o conceito mais uma vez, explicando que o tipo mais comum de diferenciação entre as pessoas é justamente a partir da ótica das classes sociais.

Essa diferenciação acaba deixando os varredores e as donas em segundo plano. É a realidade brasileira e, infelizmente, não se pode negar. “Enfim, têm várias categorias de classificação do mundo que a gente classifica o puro do impuro, o superior do inferior, o bonito do feio, o dentro do fora, e essas categorias operam na gente sem que a gente reflita sobre elas”.

Outro ponto a ser refletido: a questão racial. Existe na sociedade um preconceito enraizado que aumenta essa barreira? “Tudo tem elementos africanos. O que é a capoeira também senão resistência cultural e até física em relação à questão da escravidão? Se discute até em relação ao tango, e

outrariar

29

Valdirene, de 39 anos, uma das varredoras da UFU

O carrinho de lixo é carregado por todas as partes pelos faxineiros

Seu Luiz, varrendo sempre protegido por seu boné

Seu Luiz (de chapéu) e os da varreção caminhando pelo labirinto

Fotografias: Bruna Pratali

30

outrariar

que tem. Então eu acho muito complicado falar que o negro, o mestiço, o indígena sejam minorias”. É o que diz Antonio Carlos Petean, graduado em História e doutor em Sociologia, com a voz segura, de quem sabe o que diz. É um conceito muito delicado. Dona Dalva, Maria, Rosa, Valdirene, Luiz e Sebastião têm traços afro-brasileiros. As pessoas se sentem tão diferentes a ponto de preferir se manter longe da história de outras, tão vividas, sábias e bondosas?

Isso me lembra que, quando eu era criança, tinha uma babá. Rosemeire Gomes dos Santos, o nome da baiana, que adorava minha massagem nas costas largas, que diminuíram tremendamente depois da cirurgia de redução do estômago. A Rose era minha melhor amiga, daquelas que compartilham o horóscopo da revista teen com você, e lhe ajuda a decidir se seu signo é Leão ou Virgem. Daquelas que pedem ajuda para colocar os “bobes” no cabelo antes de dormir, lá no quartinho dos fundos da minha casa. Daquelas que tinham a boca tão negra que o batom preto era o preferido.

Foram muitas as histórias minhas com a Rose. Algumas brigas, coisa de criança que tem medo de perder alguém. E então me choca olhar para trás e relembrar de um dos nossos passeios, lá pelo centro de São Paulo. Foi um dia em que fomos buscar umas roupas que a Rose mandou fazer, porque ainda era difícil encontrar roupas para seu tamanho. E foi aí que passamos em uma pizzaria que eu sempre ia com meus pais, quando casados. Gino, era o nome. Passamos pela pizzaria Gino e um grande amigo dos meus pais, o garçom, olhou assustado. Ele me perguntou o que eu estava fazendo com Rose. Quem minha amiga era. Tinha os olhos assustados, as mãos nos meus ombros, em sinal de proteção.

Eu era criança. No máximo 1 0 anos e, tudo o que sabia era que minha melhor amiga Rose usava um batom preto e eu queria usar também. Líamos a revista teen, fazendo testes de personalidade e relacionamento. Ríamos a beça. Então foi só hoje, olhando para trás que lembrei da cena, e percebi a gravidade da situação. Depois que o garçom ligou para meus pais, assustado com a cena. Depois que Mariana e Petean esclareceram alguns temas. Depois que as donas e os da varreção abriram meus olhos. O garçom queria me proteger da minha melhor amiga, porque ela era negra e eu uma “branquela”, magra, pequena, que a adorava.

A guerreira Dona Rosa, varredora da UFU

Fotografia: Bruna Pratali

outrariar

31

Sobre os espinhos e as flores da estrada Deixa sofrer e deixa sorrir. É assim que é a vida. Na sala de aula, no escritório, no restaurante, na rua ou na casa.

Ouvi dizer que a vida é uma estrada. Alguns vêm de longe, outros de perto. Alguns são felizes, outros nem tanto. Uns sucedidos, outros ignorados. Reconhecidos ou deixados de lado. Mas, por trás de tudo, o legal é o cruzamento, porque é nele que as histórias são conhecidas e admiradas.

Se existe uma coisa que a varreção ensina é isso. Sem pressa pra varrer, vai levando e levando de novo. Tentando não deixar rastros de sujeira, só coisa linda de se ver. Mesmo que alguns insistam em jogar algumas bitucas de cigarro na sua estrada, que você acaba de limpar, deixando tudo em perfeita harmonia. Alguém pode ver a estrada limpa e querer deixar ela mais bonita ainda. O legal é o cruzamento, porque é nele que vemos o outro vindo pra próximo da gente.

No cruzamento da vida Dona Maria e Dona Dalva se encontraram, sem esforço e sem perceber. Na

guerra diária e na dor de um passado difícil, que virou conquista. Encontraram-se em Uberlândia, depois na universidade. O que dizer além de que o destino é uma dessas crianças maravilhosas, que aprontam uma história bem linda para cada um de nós? É com os olhos bem abertos que se percorre a estrada, enfim. Para não correr o risco de passar batido por Dona Maria, próximo ao bloco I, na correria do dia a dia. Para não jogar a bituca de cigarro, pequena e nada inocente, no chão, porque Dona Rosa têm vasilhas para lavar, Seu Luiz uma operação de vista para fazer e Valdirene duas filhas lindas para levantar nos braços. Com os olhos bem abertos se enxerga Dona Dalva e a saudade da Bahia e Seu Sebastião, com uma tristeza pela filha e pelo amor de 31 anos atrás. Com os olhos bem abertos se segue a estrada, para não perder nenhum cruzamento. É porque, quando o assunto são os espinhos e as flores da estrada, o que importa é a história.

Arte: Freepik

32

outrariar

cotidiano cultura

Não adianta gritar porq Hoje me imaginei surda. Ao amanhecer do dia, não ouviria o despertador gritar nas minhas orelhas avisando que minhas tarefas iriam começar. Teria, no café da manhã, que prestar atenção no tempo do micro-ondas pois o apito final ao esquentar do leite não teria função alguma. Ao sair de casa, não ouviria o barulho alucinante da cidade, com os inúmeros carros, caminhões, ônibus e motocicletas passando a todo vapor – mesmo que para ouvir, não seja necessário escutar.

Na universidade, minha professora não conseguiria estabelecer comigo uma comunicação dessas comuns, entre ouvintes. Não saberia o tom de voz com que ela diz o bom dia e o conteúdo transmitido por ela precisaria de uma tradução mais visual. Ao continuar do dia, entre a saudade da minha mãe e a rotina agitada, não teria ao meu dispor a possibilidade de um telefonema para dizer-lhe que estou bem, pois o seu falar eu não escutaria.

Enfim a noite, combinado o jantar em casa, não saberia quando meus amigos chegassem, se eles dependessem apenas da campainha para que lhe abrissem a porta, independente de seu volume. A música que enreda nossa conversa passaria despercebida pelos meus ouvidos e eu, ainda assim, leria o mundo, teria sede de conhecimento, de atenção e de igualdade.

Kleyver Tavares Duarte, Mestre em Educação de Surdos e Especializado em Educação Especial pela Universidade Federal de Uberlândia é, assim como todos, leitor de mundo, sedento por conhecimento, atenção e igualdade. Aos três anos, diagnosticado com meningite, perdeu sua audição e desde então, escuta o mundo por outras formas. Nascido em Guiratinga, MT, ingressou pela primeira vez na escola aos seis anos de idade, enquanto sua mãe recebia os avisos da direção sobre o despreparo por parte da instituição para o suporte de um aluno surdo. “Na verdade não entendia o que era escola. Eu pensava que era para brincar e fazer amizade, não ficava quieto, andava pela sala e saía para o pátio para aproveitar e brincar com a outra turma. As professoras deixavam porque não sabiam como lidar com um aluno surdo”.

Em Campinas, SP, se confirmou, através do exame da audiometria, que era surdo profundo bilateral. Como toda

criança, precisava de uma escola, e na sua busca por uma que o amparasse, Kleyver e sua família se mudaram para Uberlândia, em 1 979, onde começou a frequentar a Associação Filantrópica de Assistência ao Deficiente Auditivo, AFADA. Legalização

No Brasil, segundo dados de 2000, existem 5.750.805 surdos, compondo um cenário que somente em 24 de abril de 2002, teve decretada a lei nº 1 0.436 pelo Congresso Nacional, regulamentada pelo decreto n° 5.626 de 22 de dezembro de 2005, reconhecendo como meio legal de comunicação a Língua Brasileira de Sinais, Libras, e outros recursos de expressão a ela associados no Brasil.

Nesse painel, é pensado não somente o reconhecimento da Libras mas também sua inclusão em grades curriculares, a preocupação com a formação superior de professores e instrutores de Libras e pensar também os meios necessários para o ingresso e permanência do surdo em instituições federais, desde o processo seletivo até o conteúdo curricular que formará e transformará o estudante que usufruir desses recursos. A partir de então, o cenário da educação surda começou a sofrer mudanças e hoje já é possível a realização de graduação e pós-graduação em Libras, voltados para o ensino infantil até o ensino superior.

O progresso tecnológico também existe e a cada ano, a busca por inclusão, com o auxílio de aparelhos eletrônicos aumenta. O TDD, TS ou telefone de texto, como também é conhecido, é um telefone para surdos, com um teclado acoplado, que permite ao usuário a possibilidade de escrever aquilo que queira comunicar. Os alertas são realizados a partir de luminosos e alguns aparelhos podem ser encontrados também em locais públicos, como rodoviárias e aeroportos.

Hoje em dia, o TDD perdeu parte de seu espaço para os aparelhos celulares, que permitem a comunidade surda se comunicar por meio de mensagens de texto. Computadores também se transformaram em meios de acessibilidade para os surdos, com os recursos de webcan e suas chamadas de videoconferência. As redes sociais, pautadas

outrariar

33 Ilustração: Érika Abreu

que eu não vou te ouvi r em grande parte na comunicação escrita e visual, também complementaram o cenário contemporâneo daqueles que não são ouvintes, facilitando sua comunicação com aqueles que são.

Ainda assim, existem certas dificuldades que são enfrentadas pela comunidade surda brasileira. A barreira da comunicação em todos os lugares, desde hospitais, bancos, nas relações de amizade e na iniciação da criança ao ensino infantil, frente à necessidade de profissionais conhecedores da Língua de Sinais. O Closed Caption, função que realiza o papel de legendas – legendas que descrevem também os barulhos das cenas mostradas, a exemplo de “chuva”, “risos” - como alternativa dos televisores atuais, escreve cerca de 200 palavras por minuto, a partir de um teclado baseado em fonemas ao invés de letras. No entanto, diversos problemas ainda persistem em torno desse recurso, já que em certos momentos as palavras não acompanham as cenas correspondentes, distorcendo seu sentido e prejudicando a comunicação e informação dos surdos.

Caroline Bufelli

Diário de Campo

O Centro de Ensino, Pesquisa, Extensão e Atendimento em Educação Especial, Cepae presente na Universidade Federal de Uberlândia, é um exemplo sobre programas inclusivos, que visam à educação especial, de modo que se forme um espaço para reflexões e debates acerca desse cenário, a partir da idealização de um centro que visasse ensino, pesquisa e extensão, buscando envolver não só aqueles que dependem da educação especial por qualquer necessidade, mas também os profissionais da área. Com a carência de apoio pedagógico e ausência de profissionais qualificados, tendo também certas barreiras impostas por profissionais que não tiveram o mesmo espaço de reflexão e abertura, o Cepae se propôs a redirecionar e reunir iniciativas frente às necessidades da comunidade surda.

Na UFU, segundo a coordenadora do Cepae, Eliamar Godoi, doutora em Estudos Linguísticos, com Especialização em Educação Especial pela Faculdade Católica de Uberlândia

outrariar

34 cotidiano

e Pós-Graduação em Libras pelo Instituto Eficaz, existem hoje sete alunos surdos na graduação – seis presentes no campi de Uberlândia e um em Ituiutaba – e mais quatro alunos surdos matriculados em Cursos de Pósgraduação, sendo um no Doutorado e três no Mestrado.

Esses alunos recebem o acompanhamento de monitores, que realizam a mediação entre o conteúdo ensinado em sala e o seu entendimento. Atualmente, o Cepae coordena cerca de dez monitores, entre bolsistas e estagiários, e nove intérpretes, que acompanham os monitores quando esses não sabem a Libras, e realizam toda a função de interpretação da Universidade, atuando não somente em Uberlândia como também em Ituiutaba.

Ao auxiliarem a comunicação, permitindo o aprendizado em uma instituição pública, os monitores, juntamente com o CEPAE, transformam a tarefa da acessibilidade em uma troca de conhecimentos. Ao ocorrer o estímulo para o aprendizado, ocorre também a produção de conteúdo científico-acadêmico. Assim, o Centro pratica o que era antes apenas um desejo de abertura, com a formação de um espaço em plena ação para a inclusão e realização da educação especial.

Por todo o Brasil, outras instituições também buscam o aperfeiçoamento dentro do campo de estudos da Educação Especial. Em parte, pela lei 1 0.436, mas também por uma iniciativa inclusiva que entendeu as necessidades não só de surdos, como também de cegos, mudos e deficientes físicos. Um exemplo sobre essa área de conhecimento é a revista editada pela Universidade Federal de Santa Maria, Educação Especial, que desde 1 986 tem o objetivo de publicar artigos inéditos da área.

Desde 2000 a revista existe também em formato digital e publica cerca de 45 artigos por ano.

Desdobramentos

Em conversas informais, é possível perceber resquícios de discurso machista. Ideias de que a mulher deve sempre mais que o homem, de que seus erros sempre se sobressairão aos de seu parceiro, ou de que roupa curta diz mais sobre você do que suas atitudes comprovam o enrai-

zamento de questões passadas de geração a geração, por vezes difíceis de debater. O racismo, que segue a mesma linha tradicional, às vezes se mostra inflexível em nossa sociedade, no momento em que negros sempre são primeiros alvos da polícia, do julgamento e da descriminação.

Para ambos os assuntos, é necessário debate. Reflexão intensa, capital social e argumentações, tentando gerar uma mudança de pensamentos, pontos de vista, e uma ruptura – a realidade de antes já não é a mesma de hoje.

A comunicação “oralista” segue, por algumas questões, o mesmo problema dos exemplos citados anteriormente. Ao deixar de lado a discussão sobre os problemas de se pensar em uma sociedade e sua sustentação somente para ouvintes, reduzimos a realidade ao que era, no passado, um fato, gerando, então, a exclusão social e intelectual, despreocupação com a inclusão e o desentendimento (e até desinteresse) pelo próximo.

Kl eyver não acorda com despertador, nem escuta o apito final do micro-ondas. N ão atende às campainhas, nem é enredado por músicas de ambiente.

M as ao participar de uma comunidade surda, também faz parte de uma sociedade como um todo. “Embora a premissa mais forte que sustente a oral idade seja a integração do surdo na comunidade ouvinte, el a não consegue ser al cançada na prática, pel o menos pel a grande maioria de surdos. I sso acaba refl etindo, principal mente, no desenvol vimento de sua l inguagem, sendo então o surdo sil enciado pel o ouvinte, por muitas vezes não ser compreendido.”.

Se colocar no lugar de um surdo, ao pensar sobre acessibilidade, é entender que concepções de mundo se constroem e se desconstroem com tamanha facilidade. E por serem tão fáceis tais rupturas, penso ser necessário ter cautela e consideração ao compreender que aparatos tecnológicos devem ser pensados no detalhe de que surdos não compartilham da mesma cultura de ouvintes, e que o debate “não termina quando acaba”. Precisa-se mais do que tecnologia.

Hoje me imaginei surda e o problema que me pareceu mais gritante, não era o de não ouvir. Mas em seu lugar, o de me indagar se eu, assim, seria ouvida.

outrariar

35 Fotografias: Caroline Bufelli

36

outrariar

cotidiano

Amél ie, Luísa e um casal sem vergonha Ao som de La Noyee, de Yann Tiersen, do filme Le fabuleux destin d'Amélie Poulain – O fabuloso destino de Amélie Poulain –, lembrei-me de uma frase do livro O pequeno príncipe – Le petit prince –, de Antoine de Saint-Exupéry: “É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas. Dizem que são tão belas”.

Carolina Rodrigues Ilustração: Érika Abreu

outrariar

Amélie Poulain é uma garçonete que mora no subúrbio parisiense. Certo dia ela encontra uma caixinha, escondida na parede do banheiro, com lembranças de infância do antigo morador do apartamento. Então, ela se dedica de todas as formas a encontrá-lo. Ao perceber a alegria que proporcionou ao homem, sua vida dá uma reviravolta e ela muda sua visão de mundo, passando a se realizar em pequenas atitudes de amor ao próximo, fazendo de sua felicidade a dos outros ao seu redor.

Este filme, do cineasta francês Jean-Pierre Jeunet, lançado em 2001 , é uma ilustração do engajamento pela descoberta do sentido da vida, da auto realização... Simplesmente a busca da felicidade. É... Pensando bem, talvez esse filme não tenha realmente nada a ver com o que vou dizer. Acho que a única coisa que está relacionada é a questão da felicidade. Mas, de qualquer forma, vale muito a pena vê-lo e absorver seus ensinamentos. Eu quis citá-lo porque as belíssimas músicas que compõe sua trilha me inspiraram.

Muitas pessoas dissociam a felicidade da vida profissional. Não conseguem enxergar no trabalho um prazer. Encontram a alegria de viver nos “intervalos”. Mas o trabalho é o que ocupa a maior parte do nosso tempo. Então, por que “sacrificá-lo” fazendo algo que não se gosta? Por que não encontrar o sentido da vida também nas atividades designadas pelo senso comum como “chatas”?

Robertt Kiyosaki, autor do livro Rich dad, poor dad – Pai rico, pai pobre –, diz que “são o medo excessivo e a falta de autoconfiança os grandes empecilhos à manifestação do gênio pessoal” A insegurança e o pavor de perder são maiores do que a busca pela vitória. O receio de não ter dinheiro leva as pessoas a trabalharem arduamente. A ambição faz com que queiram cada vez mais. Então, o dinheiro passa a controlar suas emoções e atitudes. Isto vale a pena? Todos nós precisamos de dinheiro, mas será que abdicar a vida, fazendo algo que não se gosta, é a melhor forma de consegui-lo?

“Passar a vida com medo, não explorando jamais seus sonhos, é cruel. Trabalhar arduamente por dinheiro, pensando que este comprará aquilo que lhes trará felicidade é também cruel. Acordar no meio da noite apavorado com as contas a pagar é uma forma de vida horrível”, afirma Kiyosaki.

37

(...)"Então, minha querida Amélie, você não tem ossos de vidro. Pode suportar os baques da vida. Se deixar passar essa chance, então, com o tempo, seu coração ficará tão seco e quebradiço quanto meu esqueleto. então, vé em frente, pelo amor de Deus."

O Fabuloso Destino de Amélie Poulain

Artes: Freepik

outrariar

38 cotidiano

“Tinha prazer em se diferenciar das outras meninas, como se fosse pecado ser igual”

“Luísa constatara que estava realizando os sonhos dos pais — apesar de não serem de todo ruins, não eram os dela. Mas estava disposta a assumir todas as conseqüências dos seus atos para percorrer o caminho que pudesse levar à sua autorealização. [...] Havia decidido: na sua aventura existencial, seus sonhos, sua visão de mundo, seu afeto, seus valores seriam sempre o ponto central. [...] Consciente de si, assumira o que suas vozes internas apregoavam: queria sempre o papel de atriz principal. Mesmo que, para isso, tivesse ela mesma que construir o pequeno mundo em que reinaria”

No livro “O Segredo de Luísa”, o professor Fernando Dolabela descreve o empreendedorismo em forma de romance. O fio condutor é o percurso da jovem mineira Luísa.

A estudante de odontologia abandona a provável carreira de sucesso como dentista para se aventurar em seu sonho, que é abrir uma fábrica de goiabadas em tablete.

A história de Luísa vai tecendo a “teoria” de como fazer o sonho “decolar” no mercado. Informações específicas, como “marketing, plano de negócios, finanças, administração e organização empresarial”, estão imbricadas com a narrativa.

A obra também é uma ilustração do engajamento pela descoberta do sentido da vida, da auto realização e da felicidade, só que a partir do universo profissional.

Aumentou o número de pessoas que se “jogam” em empreendimentos que os satisfaçam, enquanto seres que estão de passagem neste mundo. Segundo a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor – GEM – Brasil 201 3, o empreendedorismo no Brasil está em avanço.

O estudo diz: “Com o aumento da taxa de empreendedores iniciais, estima-se que 40 milhões de brasileiros, entre 1 8 e 64 anos estejam envolvidos com a atividade empreendedora”. Verificou-se ainda que 71 ,3% destes são empreendedores por oportunidade, como a protagonista Luísa, que optaram pelo empreendedorismo, o que aumenta consideravelmente as chances de sucesso, já que a “paixão” os move.

O programa de pesquisa GEM, criado em 1 999, “é uma avaliação anual do nível nacional da atividade empreendedora”. Atualmente, de abrangência mundial, e, contando com mais de 300 pesquisadores, o GEM é o maior estudo da dinâmica comportamental dos indivíduos em atividade empreendedora, tanto na criação quanto no gerenciamento dos novos negócios.

O GEM Brasil é realizado pelo Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade – IBQP –, em parceria com outras instituições nacionais. Para mais informações sobre o estudo acesse: http://www.ibqp.org.br/gem

Artes: Freepik

outrariar

Empreender é (...) um ato de paixão.

Apenas o sonhador que busca a realização de seu sonho é protagonista e autor de sua vida.

O Segredo de Luísa

“A única coisa que tínhamos certeza era que queríamos tanto aquilo, que daríamos um jeito de conseguir”

“O empreendedor é alguém que sonha e busca transformar seu sonho em realidade”, afirma Fernando Dolabela, em O segredo de Luísa.

Autoconfiança – Autoestima – Autonomia – Criatividade – Disciplina – Persistência – Paciência – Capacidade de assumir riscos, inovar, gerar mudanças – Pró-atividade – Foco – Habilidade – PAIXÃO – Poder de “ver o que os outros não veem”: sucesso no caos, na incerteza, no fracasso – Otimismo – Tenacidade – Persuasão – Visão – Inconformismo...

Esses são alguns atributos do “SONHADOR REALISTA”.

Dolabela continua: “Caro leitor, ao ver todas essas características, você pode estar pensando: ‘Mas somente um super-homem poderá colecionar todas elas’. Na verdade, não é bem assim.

Muitas são aprendidas. Outras já estão em você e são despertadas pela sua vontade de realizar os próprios sonhos”.

Jaqueline Barbosa e Emerson Viegas são um exemplo dos novos empreendedores. Eles largaram a insatisfação que o emprego formal provocava – ela como professora de inglês e ele publicitário – para inovarem em algo que fizesse sentido em suas vidas. E, para fazerem isto tiveram que ter boas doses das qualidades citadas acima.

James Hunter já afirmava no livro The servant – O monge e o executivo – "pensamentos tornam-se ações, ações tornamse hábitos, hábitos tornam-se caráter, e nosso caráter torna-se nosso destino". Neste caso, a frustração é o motor que os provocou e impulsionou para uma reação efusiva.

Jaque e Eme são os blogueiros do: Casal sem Vergonha – http://www.casalsemvergonha.com.br/; Hypeness –

39

http://www.hypeness.com.br/; e, Nômades Digitais – http://nomadesdigitais.com/.

A princípio Casal sem Vergonha era somente um canal no Youtube com a finalidade de falar sobre sexo e relacionamento de maneira aberta. Posteriormente, com um super feedback, se tornou um blog. No mesmo período, também arquitetaram o site Hypeness, que divulga conteúdos inovadores “para os criativos pensarem cada vez mais fora da caixa”.

Trabalharam muito para conquistar o sucesso. E, então perceberam que poderiam ajudar, ainda mais, outras pessoas a encontrarem a verdadeira felicidade profissional. Por isso criaram o site Nômades Digitais, com dicas de empreendedorismo + tecnologia + viagens.

O nômade digital é um novo empreendedor. Estamos no momento mais empolgante para viver esta “mudança”. A Era da Informação nos possibilita isso. É preciso usar o potencial tecnológico a favor de nossa felicidade e crescimento profissional, mental e espiritual.

Viajar é uma das opções que as novas tecnologias propiciam. O Home Office é outra tendência; sempre existiu, mas atualmente está em “alta”. O trabalho realizado em casa, ligado a uma empresa ou como empreendedor, oportuniza a criatividade, autonomia, auto realização, motivação, por causa da flexibilidade que o acompanha.

Segundo pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE –, 48,6% dos microempreendedores individuais (MEI) trabalham em casa, sendo que estes totalizam, em média, 3,5 milhões de pessoas.

Com acesso à Internet, qualquer pessoa com espírito empreendedor – nômades digitais, home officers; trabalhando no próprio negócio ou em uma empresa – concilia trabalho e vida feliz.

“Há formas mais inteligentes de trabalhar, ganhar dinheiro e ter uma vida fantástica ao mesmo tempo. [...]. A internet possibilitou uma nova opção para aqueles que se sentem muito mais inspirados e produtivos quando trabalham em casa ou em qualquer outro lugar de sua escolha. Ela veio para ser uma ferramenta poderosa para aqueles que estão insatisfeitos com seu caminho profissional e de vida, e que desejam trabalhar e viver de outra forma. Ela é a carta de alforria para milhões de pessoas”, descreve Jaque, no site Nômades Digitais.

O modelo americano de trabalho e “felicidade” segue uma trilha que prendeu, e, ainda prende, as pessoas. TRABALHAR MUITO > GANHAR DINHEIRO > CONSUMIR > TRABALHAR MAIS > CONSUMIR MAIS... É por causa deste modelo que muitas pessoas continuam em suas rotinas tediosas, sem tempo para aproveitar as coisas boas da vida. “Ah... Quando eu conseguir aquela promoção...”. E desta forma deixam passar o melhor que a vida pode oferecer, que é a sensação de completude.

Artes: Freepik

outrariar

40 cotidiano

“O resultado é uma vida com poucas realizações verdadeiras e significativas. Daquelas que fazem o coração vibrar. Que dão palpitações. Que te fazem ser grato diariamente. [...] Não faz sentido dedicar uma vida inteira à uma carreira, para depois esperar para ser feliz no final. A felicidade não é um destino, é uma trajetória”, conclui Jaque.

As pessoas estão cada dia mais perdidas, desmotivadas, infelizes. Mas sempre há uma “luz no fim do túnel”, e muitas pessoas já estão transformando seus sonhos em trabalho.

A questão não é criticar as pessoas que estabelecem raízes, seja no lugar que mora ou onde trabalha. A situação é: PRECISAMOS FAZER O QUE AMAMOS! A vida passa rápido demais para focarmos no “e se der errado”.

QUESTIONE SEUS PARADIGMAS! Eles são padrões psicológicos que norteiam a vida, mas se tornam um perigo quando nos impedem de aceitar mudanças. “A mudança nos desinstala, nos tira da nossa zona de conforto e nos força a fazer as coisas de modo diferente, o que é difícil. Quando nossas idéias são desafiadas, somos forçados a repensar nossa posição, e isso é sempre desconfortável”, afirma James Hunter.

CONTESTE O PADRÃO DE TRABALHO! Pensar além e mostrar para o mundo o espírito empreendedor que existe dentro de cada um é questão de escolha.

Os empreendimentos são a exteriorização da nossa “imagem interior”. Dolabela diz que “o empreendedorismo é visto também como um campo intensamente relacionado com o processo de entendimento e construção da liberdade humana...”, e é por isso que o “risco” é maravilhoso.

A vida empreendedora, na verdade, muda radicalmente, e tem muitas dificuldades. É preciso aprender a trabalhar com pressão; fazer várias coisas ao mesmo tempo, até mesmo o que detesta; assumir riscos financeiros; remuneração irregular; adotar um “novo estilo de vida”. Mas a liberdade que ela te proporciona vale o risco, garantem os autores.

REALIZE SEUS SONHOS! É preciso agir. Hunter diz que “todas as boas intenções do mundo não significam coisa alguma se não forem acompanhadas por nossas ações”. E é um mito pensar que somente ricos conseguem isso.

Mas, três coisas precisam ficar claras: o risco precisa sim ser calculado; o sucesso não vem da noite para o dia; e, é impossível trabalhar feliz todos os dias porque em qualquer trabalho existem tarefas chatas e repetitivas. Fazer o que se ama talvez dê mais trabalho do que qualquer outro serviço “mecanizado”, a diferença é que a recompensa... AH, A RECOMPENSA...

SAIA DA SUA ZONA DE desCONFORTO E TENHA O BRILHO NOS OLHOS DE AMÉLIE, O PROTAGONISMO DE LUÍSA E A LIBERDADE DO CASAL SEM VERGONHA!

Ser feliz é estar no lugar que você gostaria de estar, fazendo o que você gostaria de estar fazendo.

Todo o resto é perda de tempo.

Nômades Digitais

Os perdedores evitam o fracasso.

E o fracasso transforma perdedores em vencedores.

Pai rico, pai pobre

Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.

Pequeno Príncipe

Artes: Freepik

outrariar

É possível perceber o afloramento de empreendedores que inspiram e ajudam outras pessoas a encontrarem o “caminho” da felicidade profissional. A Internet está cheia de conteúdos que nos enchem de esperança e nos mostram que nossos sonhos não são bobagens. Pessoas que ganham dinheiro ajudando outras pessoas. Dentro destes sites encontramos inúmeros outros, e assim sucessivamente. As páginas “levam” para um “universo” maravilhoso de possibilidades. Alguns exemplos: Continue Curioso - Websérie documental, criada por Juliana Mendonça e Cristiane Schmidt, com o depoimento de “pessoas que se desprenderam de um jeito convencional de levar a vida pra caminhar em direção ao desconhecido” (http://continuecurioso.cc/).

Geração de Valor - O Instituto GV, sem fins lucrativos, tem como objetivo despertar o empreendedorismo e a mudança de comportamento, inspirando as pessoas à ação (http://geracaodevalor.com/blog/).

Juliana Garcia – Por meio do site, ela inspira as pessoas a sonhar e buscar a realização dos sonhos. Ela trabalha “apoiando as pessoas a tomarem a vida nas mãos e viver fazendo o que amam” (http://julianaggarcia.com.br/).

Caderninho da Bel - Mensagens de aprendizados são compartilhadas por Bel Pesce, a “menina do Vale”, em um canal no Youtube. “Adoro perceber que aprendi algo durante o dia. Então, todo dia, antes de dormir, anoto em um caderninho coisas que acho que valerão a pena lembrar no futuro” (https://www.youtube.com/user/caderninhodabel).

99jobs - Comunidade que ajuda as pessoas a encontrarem o “trabalho dos sonhos”. “É uma comunidade de carreira para quem está inquieto com a mesmice no trabalho – e também é um movimento, o Faça o Que Você ama!” (https://www.99jobs.com/).

41

42

outrariar

cotidiano

Gol olímpico

A tecnologia emplaca influência nas crianças

Luisa Caleffi

Arte: Freepik

outrariar “Tá comigo, Fefê” – Mariana Silva Baptista, doze anos. “Corre que eu vou te pegar”. “Fefê” é sua irmã mais nova, Maria Fernanda Silva Baptista de oito anos. Pega-pega, esconde-esconde ou brincadeira de rua. Boneca, carrinho de rolimã, bolinha de gude ou amarelinha. Mariana deixa seu Iphone 3 em cima da cama cuidadosamente arrumada e sai correndo para brincar com a irmã. Entre uma brincadeira e outra ela me responde com cautela às perguntas. Mariana é mais uma dentre tantas outras crianças da nova geração denominada Alpha (conhecida principalmente por interagir com a tecnologia desde o nascimento), que convive harmoniosamente com brincadeiras típicas da infância e a interatividade conquistada pela internet bem como pelos novos meios de comunicação. É por causa dessa intimidade que as crianças desenvolvem com celulares e computadores que essa nova geração é considerada mais inteligente, criativa, dinâmica e preocupante. É fato que o acesso atual à tecnologia aumentou consideravelmente, e o ‘progresso’ de urbanização e modernização das cidades e das famílias brasileiras faz com que as histórias de infância dos pais de hoje seja completamente diferente das de seus filhos.

Os chinelos de dedo que delimitavam as marcações dos campinhos de futebol improvisados foram jogados para escanteio. Os celulares, tablets e smartphones entraram em campo no finalzinho do segundo tempo e emplacaram o gol da vitória: atualmente crianças aprendem a navegar na internet antes de aprender a amarrar os sapatos. E dá para fazer gol com a chuteira desamarrada? A tecnologia comprova que sim.

Sapato de velcro

Um recente estudo da AVG Technologies, empresa produtora de software, revela que 57 % das crianças de até cinco anos de idade pertencentes à Geração Alpha têm facilidade e conhecimento para utilizar aplicativos em smartphones, mas somente 1 4 % delas sabem amarrar os cadarços.

O domínio sobre o mecanismo dos celulares mesmo nessa idade em que a criança inicia seu desenvolvimento é enorme. Ao mesmo tempo é nessa mesma idade que a criança se insere no convívio social, consegue juntar as primeiras letras para formar uma palavra e entra na fase da alfabetização. Aos cinco anos a criança começa a ser autônoma deixando de ser um bebê dependente e indefeso. Ainda é nessa fase que se constróem as amizades, o sentimento de autoconfiança, e jogam-se fora os sapatos de velcro. Nessa idade, portanto, é natural que, até mesmo como uma prova de sua recente autonomia, a criança saiba amarrar os sapatos e se orgulhe disso.

O que ainda não se adquire nessa idade, porém, são os discernimentos para saber até onde essa relação intensa com a tecnologia é saudável, próspera e benéfica. O pesquisador norte-

americano Jim Taylor, PhD em Psicologia, analisou esse contato e lista alguns dos prejuízos causados. A criança em formação aliada às inúmeras horas conectadas aos computadores resulta numa falta de empatia e dificuldade para estabelecer relações interpessoais.

Esses dois aspectos são fundamentais na vida de qualquer ser humano. Se relacionar e construir amizades e confiança estão intrínsecos aos cinco sentidos básicos da existência humana: tato, olfato, paladar, audição e visão. “A tecnologia parece estar minando o desenvolvimento das crianças nesses relacionamentos fundamentais nesta fase de vida. Tem havido aumento grande no narcisismo e declínio na empatia entre os jovens. Embora não podemos atribuir uma relação direta com a tecnologia, é nítido que o surgimento de novas mídias e o maior alcance junto à cultura popular trouxeram prejuízos”, relata Taylor em sua pesquisa sobre o contato das crianças com a tecnologia. O pesquisador ainda alerta que, justamente por estarem em processo de formação, essas crianças necessitam de ajuda e orientação dos pais, pois não estão maduras o suficiente para filtrar o bom e o mau uso da tecnologia.

Virtual x Real

O novo cenário estabelecido em decorrência dos avanços tecnológicos impõe um questionamento perturbador e alarmante: até onde vai a capacidade da criança de separar o mundo real do virtual? Incessantemente plugados na internet, nos games e nas redes sociais, os novos jovens mergulham no mundo tecnológico cada vez mais e tendem a se distanciar do convívio social.

A praticidade do mundo internetês é convidativa. A falta de contato corpo a corpo facilita e evita inúmeras situações desconcertantes e estressantes. Ter de lidar com sentimentos, expressões faciais e com a diversidade característica da raça humana não é fácil e exige paciência, articulação, educação e experiência em relacionamentos. Isso se conquista com a maturidade, com o tempo, com o convívio e a troca de sentimentos e entrega no convívio social. Não se encontra em nenhum anúncio da internet muito menos na caixinha de emails.

O tema é tão polêmico e sério que se criou dentro do PRO-AMITI (Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso) da Faculdade de Medicina de São Paulo, o Programa de Dependência de Internet com o intuito de orientar e oferecer atendimento à população que de alguma maneira desenvolveu dependência tecnológica e que, em função disso, esteja sendo afetada negativamente em sua vida funcional e cotidiana. O coordenador do programa, psicólogo e professor doutor Cristiano Nabucca, em entrevista à revista Free SP, relatou que recebe toda semana dezenas de emails pedindo ajuda. Dentre eles, várias crianças pedem auxílio e se dizem dependentes tecnológicos.

43

outrariar

44 cotidiano

A pesquisa da AVG Techonolgies assim como o PROAMITI dão orientações para as crianças e para os pais em busca de tornar a relação da criança com a tecnologia um momento saudável. A ênfase dessas orientações é de que os pais precisam estabelecer limites e entender e saber explicar para seus filhos que a internet deve ser utilizada como uma ferramenta educativa, mas que ela não substitui nenhum tipo de relacionamento ou convívio social.

Problemas na conexão

A superexposição de crianças na internet além de ser prejudicial para o seu desenvolvimento é perigosa e traz riscos de crimes virtuais que, infelizmente, têm acontecido de maneira mais freqüente. Fotos, localização de lugares, dados pessoais e outras informações fornecidas principalmente através redes sociais facilitam o contato dos criminosos com as possíveis vítimas. Todas as ações realizadas na internet deixam rastros e marcas que também podem servir para facilitar.

As histórias de crianças e adolescentes que já tiveram suas vidas particulares devastadas pela internet só aumentam. Em julho de 201 0 um casal de namorados de Porto Alegre de 1 6 e 1 4 anos, tiveram imagens de momentos íntimos divulgados em um site de relacionamentos. Crianças participam de salas de bate-papo e muitas vezes informam dados privados sem ter a consciência da gravidade desse problema.

Em maio deste ano a Polícia Federal (PF) realizou a Operação Proteja Brasil que lutava contra a pedofilia e a divulgação de pornografia infantil em 1 4 estados brasileiros.

Apoiada pelo artigo 241 -B do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que determina a prisão em flagrante dos suspeitos que mantenham material de conteúdo pornográfico a PF cumpriu mandados de busca e apreensão. Todavia, essa luta ainda é nova. Apenas a seis anos, no ano de 2008, instaurou-se de acordo com a nova redação do ECA a Lei nº 1 1 .829 inclui atividades relacionadas a produção, difusão e consumo de pornografia infantil, crimes com reclusão entre um e oito anos.

Até o ano de 2009, a ONG SaferNet Brasil recebeu cerca de 37.000 denúncias de pornografia na internet. A ONG fundada em 2005 tem como objetivo o combate à pornografia infantil na internet brasileira. Além disso, a ONG possui parcerias, recebe denúncias em sigilo de pornografias, tem programas de prevenção e produz cartilhas que ensinam sobre os ricos online.

outrariar

A tecnologia vira o jogo

Ilustração: Érika Abreu

A internet, contudo, não é de todo mal. Mariana, no início da entrevista, relata seu encantamento pela possibilidade de estudar pela internet: “Gosto de jogar no facebook, mas uso o meu tempo para utilizar o Outlook como ferramenta de estudo”.

Mariana relembra seu primeiro contato com a internet em 2009 e ainda relata que só entra em sites de jogos ou acessa a internet quando não tem nenhuma tarefa ou outra coisa para fazer.

Além de disponibilizar conteúdos de excelência para o estudo e com fácil acesso, a internet é uma ótima ferramenta para a produção, difusão e prática do conhecimento. Para as crianças em formação isso pode ser um aliado na educação dos pais, como explica o professor da Universidade Federal de Uberlândia e psicólogo José Oliveira Nascimento: “Os benefícios apontados pelas pesquisas vão desde aumento da atenção, aumento da velocidade de raciocínio, processos lógicos, uma maior prontidão e motivação para o aprendizado. Enfim, os benefícios são inúmeros”.

Quando questionado sobre malefícios que a internet poderia causar para uma criança em fase de desenvolvimento o psicólogo explica: “A utilização de tecnologia com as crianças é super benéfica desde que bem utilizada. A tecnologia deve ajudar a melhorar o convívio com a criança e não ser um substituto de atenção e educação [...] Muitos pais utilizam tais tecnologias como substitutos da interação que eles deveriam de ter com as crianças. Infelizmente, o excesso sempre faz mal. Da mesma forma em que uma pessoa se torna mais apática por passar muitas horas frente a uma televisão, da mesma forma as crianças de hoje se tornam apáticas frente a outros estímulos quando consomem em excesso a tecnologia”. É importante ressaltar que nem as crianças nem a tecnologia são vilãs da história. É necessário buscar um caminho seguro entre os dois para que a convivência possa ser benéfica para as crianças. Os pais devem atuar como juízes de futebol. O jogo deve rolar enquanto há respeito pelas regras impostas antes do jogo começar. Apita-se a falta para os que entraram em sites inapropriados para a sua idade. Cartão amarelo para os que desrespeitam as regras do jogo. Cartão vermelho para a negligência. Só assim o futebol improvisado dos chinelos de dedo pode, finalmente, ser palco de gols históricos, olímpicos e inesquecíveis da atual artilheira: a tecnologia. Mariana se cansa do pega-pega e volta para o quarto. Ela pensa em descansar, mas a cama está cuidadosamente cuidada. Um súbito barulho chama a atenção da pequena garota. O iphone 3 apita e ela recebe uma vida no jogo Candy Crsuh Saga. Se esquece da cama arrumada, senta-se e se perde na telinha do celular.

45

outrariar

46 cotidiano

Mulheres: existem aquelas mais sentimentais (como eu), aquelas mais quietinhas, as que amam ficar em casa, as que detestam flores e aquelas que já sofreram bastante na vida e que tiraram grandes lições disso.

Existem mulheres de todas as etnias, tribos, credos e costumes. São únicas, possuem suas particularidades e por meio do tempo, conseguiram nos passar vários ensinamentos e têm conquistado seu espaço em meio à sociedade patriarcal em que estamos inseridos.

E se engana quem pensa que elas são minoria na população brasileira, pois, segundo dados do Censo Demográfico, que foi realizado em 2000, no Brasil, tínhamos cerca de 86.223.1 55 mulheres. Então, constata-se que havia mais 2.647.1 40 mulheres do que homens. Olha só, somos maioria!

Aqui retrato, não apenas mulheres, mas histórias que encontrei, ao longo de minha caminhada; histórias que, com certeza, influenciaram a minha e que farão com que eu seja uma pessoa mais completa.

Pois bem, para começar a nossa viagem rumo a lindas histórias, que começam nos transportando para os séculos VII-VI antes de Cristo, onde surge a Filosofia, que se liga a vida de uma de nossas personagens. “Adoro ser mulher. Profissionalmente, trabalho em uma área do conhecimento historicamente dominada por homens. São poucas as mulheres filósofas ou que trabalham com filosofia”, diz Maria do Socorro, que prefere ser chamada de Socorro mesmo.

Ela leciona no curso de Filosofia e está dando um grande passo em sua vida,fazendo seu pós-doutorado. Ela explica que são poucas as mulheres que, assim como ela, são filósofas e pensadoras. Conta também que desde cedo, aprendeu a lidar com questões como machismo e a questão de gênero que envolve nossa sociedade patriarcal: “Em nossa área aprendemos, desde muito cedo, a lidar com o machismo e, em muitos momentos, precisamos ser enérgicas e nos impormos pelo conhecimento”.

Socorro descreve que são poucas as áreas que trabalham com a temática do gênero e essa relação entre a mulher e sua conquista de espaços, além de que os estudos aqui na América Latina são bem recentes e ainda escassos. Para

Grandes mul heres, ela, ainda hoje mulheres não possuem os mesmos direitos que homens, mesmo que a nossa Constituição assim o diga: “As mulheres só possuem os mesmos direitos que os homens no papel. Na prática, [...] muitas delas não só têm muitos direitos desrespeitados, como são discriminadas, assediadas e, em geral, ganham salários menores, ainda que ocupem os mesmos cargos que os seus colegas de sexo masculino”.

Socorro afirma que, mesmo estando em ambiente acadêmico, ela já sofreu preconceito, principalmente levandose em conta colegas do sexo masculino. Mas ela garante que está pronta e capacitada para enfrentar quaisquer tipo de preconceito e machismo.

Socorro, em uma palavra? Lutadora, que está a correr em busca de seus sonhos e que, por curiosidade, adora viajar.

Belo exemplo de que lugar de mulher é onde ela quiser e não onde a sociedade acha que ela deve estar.

Já temos uma filósofa para nosso quebra-cabeça, e o que mais podemos achar nesse mundão? Em minhas andanças, vi que sempre podemos achar mais e nos surpreendermos. Indo de encontro às falas de Socorro, vi que sua história de lutas e a sua coragem para enfrentar os desafios que a vida lhe impõe se misturam à vida de mais uma importante personagem. Seu nome? Patrícia Silva, mãe de três filhos, é casada e trabalha em uma fábrica de tijolos ecológicos, localizada no bairro Morumbi e que faz parte de um dos vários projetos dentro da ONG Ação Moradia, que atende tanto ao bairro quanto aos arredores.

Você deve estar se perguntando: mas fábrica de tijolos é lugar de mulher? Ela nos prova que sim! Ela trabalha na fábrica há cinco anos e conta que não desempenhava a função de oleiro, que é a sua atual profissão: “Quando eu entrei na ONG, eu trabalhava na limpeza e depois eles abriram a fábrica de tijolos só para mulheres e eu entrei.”

Patrícia nos conta que já vivenciou de tudo por lá; momentos bons, momentos ruins e até chegou a sofrer um acidente de trabalho, porque seu serviço é bem árduo e perigoso: “Bem no começo, acho que tem uns três anos isso [...],a máquina era diferente, a gente tinha que ficar andando com ela, movimentando, pra cada barracão [...] aí na época aqui não era cimentado, era piso de terra, fomos empurrar a máquina e

outrariar

grandes histórias ela virou de uma vez e caiu em cima de mim, fiquei presa debaixo dela, era a prensa na época”.

Mesmo sofrendo o acidente, Patrícia continuou na fábrica por estar acostumada com o serviço e com as pessoas de lá e que a ONG a auxiliou em tudo o que precisou para se recuperar bem: “Eles também ajudaram muito a ONG, assim o tempo todo que eu pude ficar em casa, até eu recuperar, eles não colocaram falta pra mim, recebi a cesta normal, recebi os meus direitos, tudo direitinho”.

Por nossas conversas, dá pra perceber que Patrícia ama muito os filhos e que eles são a sua base, a razão para que ela continue ali, a trabalhar arduamente.

Enquanto ela trabalha eles podem ficar na ONG, fazendo atividades no contra turno da escola, o que para ela, é um alívio, pois enquanto eles estão lá, ela pode ver e estar perto, para saber o que acontece com eles e ela diz que prefere que eles fiquem lá, para que não estejam nas ruas: “[... ] A minha menina tem 1 4 anos, aqui estou vendo ela direto, o que está acontecendo, o que não está; agora, se eu for deixar ela em casa, em outro local, eu não vou saber o que está acontecendo com ela”.

Patrícia mostrou que estar de bem com a vida é o que importa, e que mesmo em meio a um serviço tão pesado e considerado por muitos como sendo masculino, ela deixa a mensagem de que dá conta do recado e que, se temos força de vontade, vamos longe! “A gente tendo força de vontade, a gente consegue”. É Patrícia, você é um exemplo, guerreira.

Se estamos falando em serviço árduo, me lembrei da história da Cristiane Martins. “Só que eu comecei a trabalhar com 9 anos. Eu comecei, ganhei uma bicicleta e aí eu comecei, vinha trazer almoço pro meu pai e fui ficando; ficava quinze minutos, ficava meia hora, fui ficando.” Ela tem 47 anos e trabalha em uma profissão que surgiu em meados dos anos 1 930 e que atualmente, está quase extinta, pela falta de profissionais na área. Ela é sapateira; sim, isso mesmo, ela é sapateira e conta que aprendeu a profissão com o pai e trabalha com isso há 36 anos. Sua infância foi tranqüila, começou a trabalhar com o pai quando tinha 9 anos.

“Papai abriu aqui tem 48 anos, eu trabalho com ele tem 36”, diz ela ao falar de Paulo César, seu pai, em meio a uma vida no espaço da Sapataria. Ela trabalha no centro de

47 Monalisa França

Uberlândia, na sapataria aberta pelo pai, chamada Sapataria Martolli. Ela descreve que seu trabalho sempre foi bem reconhecido, e que já ganhou até dois troféus, que foram entregues em um evento na Associação Comercial e Industrial de Uberlândia, a ACIUB. No evento, ela foi homenageada pelos serviços prestados a tantos anos e também foi considerada uma mulher de destaque.

O título causou nela uma sensação de valorização e sentimento de ser importante para a sociedade, em contraposição ao preconceito que ela diz que várias vezes já sofreu: “Tem gente que chega no balcão e diz que quer falar com o sapateiro, com o rapaz que faz, mas aí eu falo ‘eu também faço, eu sei’; mas tem gente que insiste, aí eu tenho que chamar os meninos lá no fundo”.

Chama a atenção na vida dela o fato de ter iniciado muito cedo a sua carreira e não ter vergonha da profissão que exerce, além disso, ela explica que seus filhos lidam da melhor forma possível com isso. Curioso é saber também que ela fez Contabilidade, mas não quis seguir a carreira: “Fiz até o terceiro colegial, depois fiz Contabilidade. Eu já trabalhava aqui e uma vez eu fiz vestibular e passei, mas era muito cara e eu não conseguia conciliar”.

Cristiane se diz realizada, tanto profissionalmente como extra-profissionalmente falando. Para ela, o trabalho que realiza é encarado pela família e amigos como qualquer outro e isso dá base para que ela continue a seguir em frente, ajudando o pai a manter o negócio da família. “Eu vejo que sou uma profissional, quando eu ganhei o prêmio na ACIUB, eu estava junto com médicos, psicólogos e ganhei, e me senti realizada como profissional”.

Assim como a Cristiane, que se mostra uma mulher guerreira e que valoriza os pequenos momentos temos a professora Débora, que leciona na Universidade Federal de Uberlândia. “Sou uma cinéfila, adoro filmes e gosto de cozinhar”, conta ela quando perguntada sobre o que mais gosta de fazer.

Ela leciona para os cursos de Ciências Sociais e Direito e especialista em Sociologia Jurídica e já começa surpreendendo ao me dizer que não é formada na área das Ciências Sociais, mas sim em Direito. A quebra de paradigmas de sua jornada já se torna, a partir desse momento, algo visível.

Ilustração: Érika Abreu

outrariar

48 cotidiano

E s s es q u e s s ã o o s fi l h c o n t i nã o a ra z ã o o s d a P a t r íc ue lut p a n d o . a ra q u e e i a , la

Patrícia, guerreira e que sabe o que quer. Você é um exemplo!

E o t ra reg a d o b a l h o a q u i é a boa s p c o m p aes a d o , m a s nhias!

de u m d ibaa lh a s i a m com eçaari a , on d e trpari m os . e n a i t s i C r n a Sa pa t pa i e os co m o tra ba lh o Essa é a fachada da Sapataria Martoli, que existe a mais de 40 anos, em Uberlândia.

Fotografias: Monalisa França

N a fo to , po de m os ve Fe rn an do e su a es po r A m arai za . Q u e ca sa sa , l he in ?

outrariar Ela conta que sua área, quando começou a faculdade, era dominada por homens e que fazer o curso que fez foi um desafio. A violência, tema antes tratado por homens, começou então a fazer parte de sua vida, pois ela se especializou além de violência, em controle social e toda a questão que envolve o universo jurídico.

Para ela, a mulher acaba por alcançar espaços masculinos pelo fato de ter mais estudo do que os homens que, em meio à sociedade patriarcal em que estamos inseridos, são chamados à responsabilidade, no que diz respeito a sustentar a casa e a família, o que, muitas vezes, os impedem de estudar mais, como uma mulher, por exemplo, que passa anos em uma faculdade e não é chamada a essa responsabilidade.

49

Débora acredita que a partir do momento em que desconstruirmos a idéia de que os trabalhos devem ser divididos em masculino e feminino, que pararmos de ‘rotular’ trabalhos e pessoas, as coisas se tornarão mais maleáveis. A professora se colocou em um campo dominado inicialmente por homens e que hoje, ela acredita estar bem mais aberto a mulheres e nos conta que em contraponto a faculdade que escolheu que adora cozinhar, o que é algo considerado essencialmente feminino e foi ajudante de cozinha dos 1 1 aos 1 8 anos.

Guerreira, professora durante a semana toda e amante de feiras livres nos sábados. Essa é a Débora, professora, independente e dona de si e do caminho que trilha.

E quem disse que escola não é lugar de homem?

“Sou apaixonado por dar aula, é muito gratificante poder participar de alguma forma na formação de pessoas, sejam crianças, adolescentes ou mesmo adultos. Ensino e aprendo um pouco com cada um deles também”.

Você leitor, conheceu histórias de várias mulheres, que podem até ter sobrenomes diferentes, mas algo em comum: a vontade de lutar pelo que acreditam e uma garra que inspira. Para complementar e somar-se às histórias delas, temos agora um guerreiro em nossa história. Isso mesmo, seu nome é Fernando e a história dele também, é de inspirar a qualquer um.

Pai de dois filhos e casado com Amaraiza, tem 38 anos e viveu uma infância tranquila, sem muitas brincadeiras com outros amiguinhos de sua idade, pelo fato de que o padrasto não gostava muito que ele ficasse na rua ou frequentasse a casa de outras pessoas.

A partir de então, com a descoberta do mundo dos livros, sua vida começou a mudar, pois através deles, Fernando podia viajar para onde quisesse. Aos 9 anos, Fernando aprendeu a arte do Origami, que vem da cultura japonesa. Vendeu picolé quando tinha 1 0 anos, trabalhou na Icasu, mas o que mais nos chama a atenção em sua história é a profissão que resolveu seguir, que foi a de professor. Ele começou dando aulas de telemarketing em

uma escola de cursos profissionalizantes: “Sempre fui uma pessoa que foge do comum, minhas aulas eram cheias de dinâmicas e interatividade”.

Co n h eceu a O N G Açã o M o ra d i a n o a n o d e 2 005 , q u a n d o su a espo sa fez a l gu n s tra ba l h o s l á e d esd e en tã o se a pa i xo n o u pel o pro j eto e co m eço u a d a r a u l a s pa ra a s cri a n ça s, u n i n d o a a rte d e en si n a r à su a pa i xã o , o o ri ga m i .

Quanto às mulheres da fábrica de tijolos, o que inclui nossa querida Patrícia, ele diz que sempre teve um bom contato e convivência com todas elas e que acabou aprendendo a conhecer mais sobre a história de cada uma delas: “Me dou super bem não apenas com as mulheres da fábrica de tijolo, bem como todas as outras trabalhadoras da ONG Ação Moradia, aprendi a conhecer um pouco de cada uma sua historia de vida”.

Esse é o Fernando que veio para romper com aquele velho blá-bla-blá de que homem não sabe cuidar de crianças e que não dá certo sendo professor. Fernando quebra estereótipos, assim com as nossas meninas. Viu só?

Ilustração: Érika Abreu

50

outrariar

bem estar

Mais que um esporte, uma paixĂŁo

Arte: Freepik

Marina Pagliari

Quatro histĂłrias interligadas por amor ao Pole Dance

outrariar

Pra mim, a sala cheia de espelhos, coberta por um tatame cor de rosa, em que se encontram as seis barras de, em média, dois metros e meio de altura é familiar. Ali que passo parte dos meus dias, onde são feitos os aquecimentos, alongamentos, treinos, quedas, machucados, frustrações, mas, também, superações. É onde tudo acontece, o principal cenário da vida de quatro pole dancers apaixonados pelo que fazem.

Mariana Queiroz Vilela, 24 anos, natural de Governador Valadares, Minas Gerais, hoje mora em Belo Horizonte, é formada em Medicina Tradicional Chinesa, certificada em Yoga, campeã Paulista e vice-campeã brasileira de Pole Dance além de ser uma das principais personagens dessa história.

Enquanto estudava medicina chinesa na cidade de São Paulo, surgiu a vontade de praticar uma atividade circense, e então que apareceu o pole. Em um prazo de cinco meses Mariana aprendeu os movimentos sem dificuldade, e logo foi convidada para dar aulas, depois, incentivada por uma amiga, começou a participar de campeonatos e se entregou de vez ao esporte “Me apaixonei por aquele tipo de dança onde eu sentia que poderia me expressar artisticamente de um jeito muito diferente, além de ter conhecido um novo jeito de lidar com meu corpo e minha feminilidade”.

Um dia, Artur Ayroso, 30 anos, natural de Uberlândia, que se considera um ‘andarilho’ enquanto profissional, estava fazendo um trabalho freelancer para uma amiga dona de uma loja de roupas. Ela pediu que ele tirasse algumas fotos para divulgação dos produtos, e uma das modelos era Mariana, que estava na cidade. Assim que Artur descobriu que a mulher era vice-campeã brasileira de pole pediu para tirar fotos dela, e acabou indo parar no estúdio de Pole Dance em que ela dava aulas. Coincidentemente, na época, a dona da escola estava iniciando aulas de Pole Fitness masculino, e Artur pediu pra fazer uma aula e conhecer mais o esporte: “Foi ali que eu comecei meu treino. Só que, ‘tipo assim’, eu era sedentário, fumante, pesava pelo menos uns 20 kg a mais, nunca tinha feito nada, nenhum esporte que cobrasse força e flexibilidade. Então meus primeiros seis ou sete meses foram só desenvolvendo força, que não tinha força pra fazer NADA”.

Amigas no pole

Já Ana Luísa Borges Miranda, 21 anos, natural de Uberlândia, bailarina de jazz e estudante de psicologia na Universidade Federal de Uberlândia, um dia se deparou com um panfleto de divulgação de uma escola de Pole Fitness pelo campus, e, apesar de ter despertado sua curiosidade, por não conhecer muito o esporte, achava a atividade fora da sua reali-

dade. Algum tempo depois a UFU entrou em greve, e o excesso de ociosidade levou Ana a criar coragem de fazer uma aula experimental de Pole, mas não sem convencer a amiga primeiro.

Verônica Mendonça Peres, 20 anos, natural de Uberlândia, é estudante de Educação Física e conheceu o esporte graças à insistência de Ana Luísa. Na época estava de férias do pré-vestibular e topou conhecer a dança, e, apesar de ter se matriculado logo após a primeira aula, pensava em fazer só um mês, até que voltassem as aulas do cursinho, então regressaria à academia, onde fazia spinning há seis anos: “eu só continuei no pole mesmo porque se eu parasse a Ana Luísa ia parar, e precisava ter aquela competição saudável ali”. Com o tempo acabou se apaixonando pelo processo de evolução que aconteciam nas aulas, de perceber a cada dia uma melhora: “eu fui criando paixão pelo Pole e começou a fazer parte da minha vida”.

Hoje em dia as duas dão aulas na Scorpion Pole Fitness, onde iniciaram seus treinos há dois anos, e a maneira como se tornaram professoras é um pouco curiosa, elas não escolheram, foram escolhidas pela necessidade. Em meados de fevereiro de 201 3, sobrecarregada com a quantidade de turmas, Mariana Tannus, dona da escola, começou a ter muitas lesões musculares, e decidiu que faria treinos de capacitação com suas alunas mais antigas para que lecionassem algumas aulas no seu lugar.

Uma das escolhidas foi a Verônica: “Eu já estava apaixonada pelo pole, e decidi aceitar o pedido dela. E o treinamento foi basicamente todo sábado e domingo, a gente vinha pra cá, ela passava a técnica de ensino, as dúvidas mais frequentes das alunas e ensinava o passo a passo, a técnica que ela mesma desenvolveu”.

No mesmo período Mariana Queiroz – a campeã de Pole Dance lá do começo da história -, que então morava em Uberlândia e dava aulas no período da manhã nesse mesmo estúdio, decidiu mudar-se de cidade, e a escola precisou com urgência de uma nova professora: “A Mari (dona da escola) falou assim ‘você tem disponibilidade de manhã? ’ [...] Não foi bem uma escolha né?” brinca Ana Luísa, que se surpreendeu com o convite para dar aulas. E, mesmo diagnosticada com dengue, foi a todos os treinamentos de capacitação.

As competições

Os atletas de Pole Dance, como de qualquer outra modalidade esportiva precisam de uma rotina séria: “As competições tem o principal intuito de divulgar a arte do Pole Dance de maneira menos estigmatizada e mais esportiva e artística. Um

51

outrariar

52 bem estar

atleta de pole dance treina como um atleta de qualquer modalidade, tem rotina de alimentação balanceada e precisa estar muito bem com o corpo e com a mente para se manter focado e forte. Tem que ter bastante disciplina e força de vontade, porque é uma prática que exige muito.”, relata Mariana, que mudou sua rotina por completo por causa da dança.

Da mesma forma, Artur conta que o desejo de participar de competições é grande, mas que ainda é necessário desenvolver muito sua força e flexibilidade. Pra isso não só pratica durante muitas horas, de domingo a domingo, mas iniciou aulas de ballet e tecido, além de correr no parque pelo menos duas vezes na semana. Entretanto é preciso ter cuidado ao montar os horários de treinamento: “Eu tentei intensificar os treinos [...] chegando à beira de um overtraining, porque eu estava exercitando o mesmo grupo muscular todo santo dia, ai o meu corpo falou: ‘Artur, pega leve! ’”.

Os campeonatos dividem-se nas categorias profissional e amador, e cada uma tem sua lista própria de movimentos que devem ser executados obrigatoriamente em uma coreografia que mescla dança, música e pole dance, além de outras regras como a necessidade do alinhamento da figura de frente para o público. Se, durante a apresentação, o movimento fica torto existem penalidades, ou se o competidor está inscrito na categoria amadora e realiza um movimento que se encontra apenas nos requisitos da divisão profissional ele também é penalizado.

Para participar de uma competição, o atleta precisa, primeiro, enviar um vídeo prévio de sua coreografia junto com a inscrição, caso seja escolhido se apresenta exclusivamente aos jurados para um segundo processo seletivo, e somente se ultrapassar as duas etapas é que pode competir.

Na montagem de sua coreografia e durante os ensaios, Mariana foi auxiliada por uma amiga que trabalhava no Cirque Du Soleil, já Artur faz um treino mais independente e pretende ingressar na graduação em Dança na Universidade Federal de Uberlândia para complementar seu repertório coreográfico e fazer um bom trabalho que atenda tudo que os campeonatos exigem: “No geral, as competições usam códigos específicos que buscam avaliar o atleta a partir da dificuldade e perfeita execução dos movimentos, sincronia entre música, intenção e figurino além de capacidade técnica de força e flexibilidade.”, conta a campeã paulista.

1

3

outrariar

1

53

Ana Luísa, professora de Pole Dance, executando o movimento “Meia Lua”

Verônica, professora de Pole Dance, no movimento “Allegra”

2

2

Espaço onde o aprendizado 3 acontece

4

Fotografias: Marina Pagliari

Composto não só por movimentos estáticos, o Pole Fitness une dança e esporte

4

54 bem estar

A paixão de Artur pela dança ultrapassa os limites da sala da aula

outrariar

outrariar

Hobbie

Quando pergunto para Ana Luísa como é possível conciliar a vida entre uma faculdade dentro da área de ciências Humanas com as aulas de Pole Fitness ela reclama, mas com bom humor: “Final de semestre, está complicado, difícil!”, apesar disso, a psicologia serve como grande apoio na hora de ensinar. Ana percebe o momento em que as alunas precisam de reforço e quando estão estagnadas em um erro para, através da fala, incentivar a melhora: “Ir elogiando passo a passo para ela modelar o movimento [...] A gente elogia, e se ela continua fazendo do mesmo jeito você para de elogiar para ela ter um estímulo e fazer a outra parte que está faltando”.

Já Verônica, por ser graduanda em Educação Física, traz relações ainda mais fortes, sempre pensando em novos exercícios de fortalecimento e alongamento, e também em substituições de movimentos, para que a aluna que tem alguma dificuldade consiga dar continuidade na prática sem se desmotivar. Ela pensa em futuramente ter uma academia apenas para mulheres voltada para atividades que tenham relação com a autoestima, que ressaltem a feminilidade e a confiança.

Existe mesmo preconceito?

Artur conta que dentro do esporte vê muitos homens e mulheres com vergonha de assumir a prática: “É muito difícil hoje o cara falar que faz Pole Dance e ser aceito. Pra ser sincero de todas as turmas masculinas que já passaram nesse um ano e meio que eu treino aqui foram poucos que viraram e colocaram a cara e falaram: eu faço Pole Dance. A maioria do pessoal faz escondido, colocava o chapéu mesmo, e disfarçava e não queria tirar foto”.

Ana Luísa tem uma história diferente, e apesar de não dar aberturas para piadas de mau gosto se sente incomodada quando as pessoas pensam que ela é ‘só isso’: “Por mais que seja uma coisa que eu amo, que faz parte da minha vida, não define. Ninguém é definido por uma coisa.”. Sentimento

55

que Verônica compartilha, mas procura contornar de forma educativa, principalmente na faculdade, onde já apresentou até um pequeno trabalho sobre o que é Pole Dance.

Mesmo tendo sofrido com isso, Mariana acredita no pensamento positivo: “Sinto que é algo que vem se transformando cada vez mais e a tendência é que a coisa fique completamente esclarecida para um número muito grande de pessoas, e que este estigma fique cada vez menor e menos importante”. Caso esse que aconteceu com Artur, que para ser aceito precisou esclarecer apenas duas coisas para a família: que não iria desistir da decisão dessa vez e que conseguiria manter-se financeiramente.

Sem entender a brincadeira sobre a decisão pergunto se ele tem algum problema em se manter no que escolhe, e ele me responde com um sorriso enorme no rosto e uma história bonita de amor pelo esporte: “Eu sempre fui muito, eu vou usar o termo ‘disléxico’ como brincadeira, nunca consegui focar em nada muito tempo. Começava o livro, chegava na metade e esquecia o livro num canto da casa e nunca terminava. Pole foi a primeira coisa que eu peguei pra fazer de verdade [...] todas as faculdades que eu comecei anteriores, ‘tipo’ matemática, foi um ano, jornalismo um ano e meio, os livros, é um esforço infindável. [...] É pesado isso, mas meu pai falava: ‘ah, vamos ver quanto tempo vai durar’.

Eu fui comprar minha barra (de Pole Dance) e falei ‘Pai posso parcelar no seu cartão?’ (porque eu não trabalho com cartão), e ele falou ‘Ah, filho você vai gastar mil reais com isso? Pra quê? Daqui a pouco você vai largar!’ e eu falei ‘Não vou largar pai, não vou!’ e eu não larguei. Foi a única coisa que eu levei pra frente mesmo e não tenho pretensão de largar tão cedo.”

O Pole Fitness é isso, além dos estereótipos, dos preconceitos, da dança, do esporte é uma paixão, faz parte da vida de cada um de nós. Não é fácil, exige força, concentração, paciência para a perfeita execução dos movimentos, além do bom humor pra lidar as ‘frustrações-nossas-de-cada-dia’ (e com as piadas de mau gosto), só que mais difícil ainda seria viver sem Pole. Como diria a Ana: “Isso aqui é um ‘trem’ diferente”.

Arte: Freepik

outrariar

56 bem estar

Estresse, nervosismo, ansiedade, depressão. Se você vive neste planeta, já sentiu alguns desses sintomas, porque eles se tornaram extremamente comuns na sociedade moderna. O relógio parece correr muito mais rápido do que de costume e o nosso relógio biológico, parece querer travar uma disputa. Não somos mais seres pacientes e eu me pergunto: por que, se o futuro é a morte? É o trabalho que o professor pediu, a insatisfação do chefe, as compras do supermercado, a louça que não se lava sozinha e os papeizinhos com códigos de barra que só se acumulam. O ser humano parece estar vivendo constantemente sob pressão e isso afeta tanto sua saúde mental, quanto sua saúde física. É então que surge uma procura cada vez maior por uma válvula de escape, que melhore nossa qualidade de vida.

O surpreendente é que basta ligar a televisão, ler os jornais e revistas, para vermos programas e matérias extensas, nos dando a resposta para essa procura. E qual seria essa resposta? Os esportes. É comprovado que os esportes trazem inúmeros benefícios para nossa saúde e que existe uma quantidade imensa dos mesmos, para agradar a todos os gostos.

Então por que ainda existe uma certa resistência por parte das pessoas para procurá-los?

Os esportes são comumente ligados apenas à saúde física, a um esforço e cansaço que só contribuiriam para o nosso corpo, mas pouco se sabe sobre o benefício que os mesmos trazem para nossa mente. A prática de esportes pode melhorar a autoestima, a postura, resultar em uma maior produtividade no trabalho e aulas, uma maior disposição para fazer atividades diárias e uma redução de doenças. Tudo isso quando ele é capaz de realizar um equilíbrio entre a mente e o corpo.

Esse fator pode ser explicado pelo ponto de vista bioquímico, pois os exercícios favorecem a liberação de endorfinas, hormônios que dão a sensação de bem-estar e relaxamento, além de neurotransmissores cerebrais, como a serotonina e a norepinefrina, que são considerados antidepressivos naturais. Do ponto de vista fisiológico, o esporte ajuda na regulação do cortisol, hormônio do estresse produzido em situações de ansiedade e nervosismo que promove a cons-

Equi líbrio ent e o co trição dos vasos. Os esportes podem reduzir a pressão arterial e a frequência cardíaca.

Isabela Jordão de 1 6 anos pratica esportes desde criança, por incentivo de seus pais. Ela já chegou a praticar Natação, Capoeira, Balé, Futebol, Handebol, Ginástica Artística e Atletismo. Isabela atuou como ginasta durante nove anos e durante esse tempo participou de diversas competições, chegando a ganhar medalhas como vice-campeã nacional em 2008, na categoria pré-infantil e vice-campeã mineira em 2009, na categoria juvenil. Também em 2009, foi campeã nacional.

A Ginástica Artística é um exemplo perfeito para determinar que o equilíbrio entre o corpo e a mente só pode ser alcançado pela prática intelectual e pela atividade física, pois se trata de uma modalidade da ginástica, que é um conjunto de exercícios corporais sistematizados, aplicados com fins competitivos, em que se conjugam a força, a agilidade e a elasticidade. Os movimentos dos ginastas devem ser sempre elegantes e a coordenação motora é importantíssima na sequencia dos movimentos. “Se você realiza uma movimentação errada, você corre o risco de desequilibrar ou cair, podendo tirar uma vitória”, afirma Isabela.

A coordenação motora foi apenas uma das coisas que Isabela desenvolveu praticando este esporte, ela conta que ele também a ajudou a se relacionar melhor com as pessoas e que foi fundamental para manter uma boa saúde. Quando questionada em relação aos benefícios dos esportes em geral, ela afirma: “Eu acredito que eles tiveram grande participação para formar meu caráter, me ajudaram a ser uma pessoa mais disciplinada, mais centrada, focada e principalmente mais calma, pois o estresse no esporte só leva a mal resultados”.

Atualmente, Isabela faz Atletismo, pois teve de abandonar a ginástica em 201 1 , quando sofreu uma lesão que a deixou fora do esporte por seis meses. Ela tentou retornar, mas não estava da mesma forma que antes e achou melhor parar para evitar novas lesões. Porém, ela afirma estar feliz no esporte em que pratica agora, pois junto com a ginástica é um dos que mais gostou até hoje. “Eles são esportes mais individuais e ambos trabalham muito bem tanto a mente quanto o físico”, afirma.

outrariar

57 Arte: Freepik

tre a mente orpo

Thais Fernandes

Isabela continua a praticar esportes, não mais somente por incentivo de seus pais, mas por gostar e acreditar que o esporte é essencial para a vida de todas as pessoas, que qualquer prática esportiva traz benefícios à saúde e que o importante é não ficar parada. “Além de ser uma forma de manter a saúde, também faz com que você interaja com outras pessoas e assim melhore suas relações sociais”, diz. Ela também possui uma forte opinião sobre os esportes trabalharem não só o físico, como também o mental: “A maioria das pessoas acham que só o físico faz um atleta, mas na maioria das vezes o que faz uma pessoa vencedora é sua capacidade de controlar a mente”.

A luta também é um dos esportes que está relacionado somente ao corpo e principalmente a força física, mas pouco se sabe sobre a importância da mente em sua prática.

Caio Santiago Teodoro Lima de 1 9 anos, praticou Kick Boxing durante quatro anos seguidos, parando somente ao começar a trabalhar Fotografias: Thais Fernandes

outrariar

58

Fotografias: Thais Fernandes

bem estar e fazer faculdade de Biomedicina, o que lhe deixou sem horários. O Kick Boxing é um estilo de arte marcial, cujas regras derivam da combinação de diversas técnicas de combate de uma variedade de outras disciplinas mais tradicionais, incluindo o Boxe, Kung Fu e Tae Kwondo.

Com sua experiência, Caio afirma que são inúmeros os benefícios causados pelo Kick Boxing. Ele ajuda na queima de gorduras, o enrrijecimento dos músculos, a perda de peso, a disposição para atividades físicas, parte cardíaca, respiratória e coordenação motora. E quanto ao psicológico, não é diferente: “Em primeiro lugar, o Kick é uma ótima terapia, ele desestressa os estressados, aumenta o seu raciocínio, agilidade, percepção e a desenvolver um pensamento mais rápido”.

Caio não tem receio em afirmar que a mente é tão importante quanto o físico, pois de acordo com o mesmo, a mente é o principal coordenador do corpo. “O físico coordena os movimentos e a mente ordena o que você irá fazer com aqueles movimentos, qual a hora de usá-los, qual o momento para colocar um pouco mais de pressão ou tirar, qual o ponto fraco do adversário. Por isso não se pode afobar, os dois devem trabalhar juntos e em perfeita sintonia”, explica. Ele ainda completa dizendo que técnica, treinamento e comprometimento são essenciais, mas a força nem sempre irá ter a mesma importância, pois não adianta o atleta ter a força e não saber usá-la. O lutador precisa saber combinar as duas coisas para conseguir se destacar.

Cada luta tem seus próprios ensinamentos e que podem contribuir imensuravelmente em nosso cotidiano. Caio afirma que uma das principais coisas que aprendeu com essa arte marcial foi a sempre ter respeito com todos e em qualquer lugar, pois independente de faixa, graduação ou idade, você deve respeitar desde o seu Mestre ou Professor até o aluno menos graduado. Ele também conta que aprendeu a ser mais disciplinado, focado, persistente, corajoso para as batalhas da vida e dentro do tatame, além de aprender a ter mais responsabilidade. “No dia a dia podemos inserir esses ensinamentos a cada momento, pois temos que ser pontuais quando exigido, responsáveis por nossas escolhas, atitudes, afazeres, respeitoso a todos e um fator que faz a diferença, é a perseverança, nunca podemos desistir de algo que queremos, nos faz feliz e bem”, diz.

Com essa série de informações, já se torna notável a influência dessa arte marcial no psicológico e na opinião de Caio, o equilíbrio entre a mente e o corpo se dá da seguinte maneira: “Se você tiver concentração, calma, mente vazia e focada, você consegue desenvolver bem seu jogo, colocar em prática sua estratégia, conectar bem seus golpes através do

outrariar

estudo que se faz do adversário. Agora se você desesperar, ficar com raiva e não ter foco, você pode acabar se machucando e o seu amigo de treino, fora que você não consegue concentrar no que seu professor lhe pede para fazer e acaba fazendo tudo errado”.

Se com os inúmeros benefícios apresentados, o que falta para alguém se interessar a praticar esportes é incentivo, Caio sabe exatamente como apresentá-lo, afirmando que o esporte é importante para a vida em si. Para ele, a luta funcionou como essa válvula de escape para esvaziar a mente de seus problemas causados por uma agitada rotina. Ele acredita que o esporte aumentou sua qualidade de vida e que isso é até mesmo capaz de proporcionar mais anos de vida para o ser humano, em que no seu caso, pretende aproveitar levando todas as novas experiências permitidas pelo esporte.

E se o seu hobbie for algo mais tranquilo? Algo que seja o oposto de uma luta e menos sistematizado que a ginástica? Pois bem, você já ouviu falar de Yoga? Atualmente muito se é discutido se essa é pratica é um esporte, remédio ou religião, mas de acordo com nosso velho amigo Wikipedia, esporte é “toda a forma de praticar atividade física que, através de participação ocasional ou organizada, visa equilibrar a saúde ou melhorar a aptidão física e/ou mental e proporcionar entretenimento aos participantes”, portanto, em minha opinião, é sim um esporte.

O Yoga é além de um esporte, uma ciência, prática e estilo de vida que vem se popularizando cada vez mais. Ele amplia o autoconhecimento do corpo e da mente por meio da meditação, ensina a acalmar as perturbações da mente por meio de posturas psicofísicas e a controlar a respiração com exercícios de concentração. A filosofia por trás da atividade é a grande responsável pelo efeito anti-estresse da prática.

Tainah Marques é artista visual e pratica yoga há aproximadamente três anos, o que ela considera ser pouco tempo, mas garante que mudou sua vida completamente. Ela dá aulas de yoga e outras atividades no espaço Om Shanti em Uberlândia e afirma que qualquer um pode praticar, basta ter vontade. Porém, muitas pessoas possuem um certo receio em procurar o Yoga, por acharem que ele é uma religião ou está ligado a alguma religião. Tainah explica que isso é apenas uma confusão: “O Yoga não é uma religião, ele é uma filosofia, um modo de vida que surgiu na índia. Na índia, a religião deles que é o hinduísmo e os hindus praticam o Yoga, então há essa confusão de as pessoas acharem que o Yoga tem a ver com essa religião, porque a gente tem as imagens e tudo mais, mas nada tem a ver. É um modo de vida, uma filosofia”.

O Yoga engloba uma vastidão de benefícios, por tra-

59

balhar o corpo físico, a mente e a alma, e Tainah acredita que ele é com certeza o meio mais eficaz de se atingir o equilíbrio entre a mente e o corpo. “O que a gente precisa é respirar. As pessoas estão vivendo e respirando, mas o que precisamos é de oxigênio. Precisamos de energia vital e essa energia vital que falamos no Yoga é o prana. Tem muita gente que tá aí respirando e não tem consciência dessa respiração. Yoga é respiração, é vida. No yoga você entende quem é você e você não precisa de mais nada do lado, em volta, não tem nenhum suporte que a gente precise. A gente precisa respirar corretamente e entrar em contato conosco. O Yoga faz isso”, explica.

E para atingir esse equilíbrio, só depende de nós mesmos. “Não é o professor, o mestre ou o guru que transformou a vida da pessoa, não é o Yoga que transformou a vida da pessoa. Você se transformou através do Yoga. Você se transforma.

Se você quer aprender, a transformação está dentro de você. A luz está em nós.”, diz Tainah. Alcançar seus próprios objetivos não depende do professor, da escola, do método ou da linhagem do Yoga, depende da força de vontade de cada um.

O Yoga trabalha posturas psicofísicas e Tainah explica um pouco sobre a função das mesmas: “As posturas no Yoga são asanas e é legal explicar que asana significa postura, porque a gente não faz pose, a gente faz postura e aí a postura não é só física, é uma postura também mental. Com a meditação a gente sai desse ciclo de vida e morte e é como se a gente se iluminasse, chegasse no samadhi, que é o que a gente fala ser o final dos oito passos do Yoga”.

Os oito passos do Yoga explicam bastante a filosofia por trás dessa prática. O primeiro passo é o Yama, que são os preceitos éticos e morais, como não matar, não mentir, não roubar, não ser desequilibrado e não cobiçar. O segundo passo é o Niyama, que é a conduta que se precisa ter, o contentamento. Depois vem Asanas, que são as posturas psicofísicas. Em quarto é o Pranayama, controle do prana através de exercícios respiratórios, seguido do Pratyahara que é o controle dos sentidos, a desconexão desses sentidos. O sexto passo é o Dharana que é a concentração da mente em um ponto e o sétimo Dyana, a meditação. Ao cumprir tudo isso, você atinge o oitavo e último passo, o Samadhi, que é a união com o Ser interior.

Antes de começar a praticar, Tainah trabalhava como produtora audiovisual e possuía uma rotina extremamente cansativa. “Eu chegava em casa as 3h da madrugada e começava as 7h de novo, era muito pressionada, eu praticava uma violência extrema comigo nesse trabalho”, conta. Ela afirma que já teve depressão e que hoje entende o porquê de tudo isso: “Houve muita coisa na minha vida, porque eu estava no meu Arte: Freepik

outrariar

60 bem estar

adharma, eu estava fora do meu caminho, eu me perdi de quem eu era realmente.” Adharma é o contrário de dharma, que significa estar em seu caminho. Quando uma pessoa se perde do seu próprio caminho é o que se chama de adharma.

Ainda existe a dúvida sobre o Yoga ser para sempre ou ser apenas um caminho para alcançar um objetivo. Se faz sentido continuar praticando quando já se alcançou o aperfeiçoamento físico, mental e espiritual, quando já se é capaz de meditar sem precisar do Yoga, mas na opinião de Tainah, não se abandona o Yoga. “O yoga é uma filosofia de vida, então o yoga é sua vida. Não existe ‘deixei de fazer yoga’. Se a pessoa se conecta com a essência dela, ela entra no caminho correto e tudo flui na vida dela. O yoga é isso, a gente vive o yoga. Não tem mais jeito de falar que você deixou o yoga, você deixou uma prática do yoga, você deixou uma prática de asana, você deixou alguma prática, mas o yoga está em você”, afirma.

O Yoga é uma válvula de escape ideal para o caos do dia a dia. Tainah acredita que as pessoas estão super estressadas, ansiosas, angustiadas, tem muita pressão no trabalho e tudo mais e explica que o Yoga ajuda totalmente nesses males, como por exemplo, na insônia causada pela ansiedade e toda essa pressão. Ela não tem receio em afirmar que o Yoga funciona como um tratamento: “O Yoga é cura. Por que? Porque o ser, ele entra em contato com a sua própria essência. A gente nasce puro, a gente nasce em essência, mas ao longo do tempo a gente vai se perdendo pelas pressões, pelo padrão, padrão de família, padrão de pai e mãe. A gente vai se perdendo de nós mesmos. Qual é a nossa essência? O Yoga mostra isso pra gente e mostra de uma forma simples, cuidadosa, sem violência, uma coisa bem sutil”.

Quando você desenvolve as posturas psicofísicas, controla sua respiração, sente cada mínima parte do seu corpo e lentamente, atinge sua concentração, é uma sensação única de relaxamento e autoconhecimento. O Yoga é aquele momento do seu dia que você reserva para si mesmo, são os preciosos minutos em que nada mais importa, além de si. Tainah Marques pratica yoga e sua filha de dezesseis anos também.

Ela afirma: “eu vivo hoje na filosofia do yoga”.

O artigo “Conceito mente e corpo através da história” de Maria da Graça de Castro, Tânia M. Ramos Andrade e Marisa C. Muller, enfoca a evolução dos conceitos de saúde e doença, bem como a dicotomia mente e corpo através de uma breve revisão histórica. As autoras abordam desde o conceito mágico

Arte: Freepik

outrariar

de doença, passando pelo período grego clássico, pela visão medieval e renascentista e a evolução destes construtos com raízes na psicanálise até a psiconeuroimunologia.

No artigo é abordado que o estilo de vida atualmente é considerado como um importante fator para a saúde e prevenção da doença, estando influenciado por quanto e como o corpo se transforma sob o estresse. O sistema nervoso autônomo não é tão autônomo assim e se encontra regulado pelas estruturas límbicas junto com o controle emocional. O sistema imune influencia e é influenciado pelo cérebro.

O artigo ainda trabalha com a concepção de doença sociossomática, que são doenças físicas que tem princípio na mente. Isto é, uma conjugação de fatores originados do corpo, da mente, da sua interação e da interação também com o ambiente e o meio social. É pressuposto que qualquer doença deve levar em consideração o indivíduo, seu corpo e o ambiente no qual está inserido. As variáveis sociais incluem desde o status socioeconômico até a exposição a substâncias tóxicas ambientais. Esclarece ainda que a influência dos fatores psicossociais varia de um indivíduo para outro dentro de uma mesma patologia.

Não é a toa que atualmente o estudo dessas doenças sociossomáticas vêm aumentando cada vez mais, e que é constante o uso de terapias psicológicas para a prevenção, reabilitação e tratamento de doenças. Fatores como os acontecimentos recentes em nossa vida, estresse crônico, eventos na infância, personalidade, bem-estar psicológico, comportamentos e atitudes saudáveis, são aquilo que alteram nosso equilíbrio físico e mental. É inegável a forma como os pensamentos desencadeiam as emoções e de como as modificações das emoções, sustenta algo novo sobre o corpo e sobre a mente, duas manifestações de um organismo integrado e singular.

Nossa melhor qualidade de vida se encontra muito mais acessível do que muitos imaginam. O esporte é o meio mais eficaz e garantido para tal coisa. Não existe uma ou outra opção, não é apenas Ginástica Artística, Arte Marcial ou Yoga, é um infinito de possibilidades para todos os tipos de pessoas. O esporte proporciona o equilíbrio entre a mente e o corpo, e é este equilíbrio que pode nos fazer aprender a aproveitar nossas vidas, no meio desse caos que nos acostumamos a estar. O tempo está passando e em algum momento ele se esgota, então cabe a nós decidir como estar e aproveitar o presente.

Fotografias: Thais Fernandes

61

outrariar

62 esporte

Jogador de futebol ganha bem, bem mal Laura Moreira A vida toda cresci ouvindo minha mãe amaldiçoar o futebol. Não era de se estranhar, a vida toda ela rezava para os pagamentos caírem na conta – meu pai trabalha com futebol desde que eles se casaram. O problema maior não era meu pai, que apesar de contratos rescindidos e salários que nunca chegaram, sempre teve uma certa estabilidade na comissão técnica; o pior era o arrependimento por meu irmão ter saído de casa aos 1 4 anos para tentar ser goleiro. Minha mãe sentiu culpa de ter deixado meu irmão crescer em alojamentos de cidades distantes, enquanto os três filhos tiveram uma criação normal: escola, aula de inglês, natação, banho, janta e cama antes da meia noite. É como se o futebol devesse algo a ela, devesse a criação tradicional do filho mais velho, as noites mal dormidas do marido, que terminavam em vira vira no colchão.

Pois bem, meu irmão mais velho saiu de casa com apenas 1 4 anos para treinar na base do XV de Piracicaba como goleiro, desde então, eu e meus outros três irmãos víamos a cada três, quatro meses. Até os 25 anos, quando ele começou a receber um salário melhor, ele morou debaixo dos campos de futebol, em alojamentos improvisados. A vida fora mais difícil pra ele: teve que rodar o país todo em times pequenos e pouco profissionais em busca de um lugar ao gol, literalmente um.

Depois de passar pelo Acre, pela periferia do Rio de Janeiro e ter que voltar da Suíça com apenas dois dias de viagem- pois a grande chance era marmelada- resolveu tentar mais um tempo, até desistir. Meu irmão, que nunca foi permitido largar os estudos e se graduou em duas Universidades, um ano como goleiro aposentado teve sorte de um ex chefe da esposa os colocarem no mercado imobiliário, hoje os dois vivem bem; os amigos de campo não tiveram a mesma sorte, poucos conseguiram se encaixar em alguma área do futebol, e a maioria que parou os estudos hoje tem a vida bastante complicada.

O sonho de grande parte da molecada no Brasil é ser

Ilustração: Érika Abreu

outrariar

jogador de futebol, nesse período pós copa então, em que vemos na imprensa os sonhos que o torneio traz, parece que a profissão jogador de futebol é futuro garantido.

Grandes estrelas como Messi (Barcelona) e Cristiano Ronaldo (Real Madrid), por exemplo, recebem salários de € 20 milhões e € 1 8 milhões, respectivamente. No entanto ambos representam uma parcela mínima da realidade do futebol, principalmente em terras brasileiras. A maior parte dos jogadores ganha bem, bem mal.

Curiosa para conhecer os caminhos que meu irmão percorreu e conhecer a realidade da maioria dos jogadores, decidi passar um dia convivendo com os jogadores do seu primeiro time, o Esporte Clube XV de Novembro de Piracicaba, mesmo sabendo que seria difícil ter sucesso em um ambiente predominantemente machista. Liguei para assessoria do time, que me prometeu enviar “os mais falantes” e marquei minha ida em uma quinta-feira.

XV DE PIRACICABA

Contam que na década de 40, funcionários de uma marcenaria começaram a jogar futebol com uma bola feita de meia, durante o horário de almoço, em um quintal comunitário, onde as mulheres lavavam roupa e estendiam no varal.

Irritadas com as marcas da bola nas roupas, as mulheres começaram a se contrariar com as partidas naquele local.

Os empregados então decidiram transformar um pasto na Rua Regente Feijó em um campo de futebol, que viria a ser o primeiro campo do XV. Na época, os funcionários deram o nome de 1 2 de Outubro ao time. Na mesma época, outro grupo formava um time: o Esporte Clube Vergueirense, que pertencia à família Pousa. Após diversas disputas, os dois times decidiram se unir e profissionalizar a equipe, nascendo o Esporte Clube XV de Piracicaba.

Durante esse tempo até hoje, o XV de Piracicaba venceu o Campeonato Brasileiro- Série C em 1 995, venceu quatro vezes o Campeonato Paulista e ganhou invictamente o Campeonato Paulista Série A2 em 1 984, entre outros campeonatos de menor porte. Atualmente, é um time pequeno em que o artilheiro da equipe profissional ganha em torno de 4 mil reais.

Entre refeitórios simples, vestiários pacatos e uma arquibancada pequena, começa a minha saga pelo XV. As instalações do Clube são todas improvisadas, inclusive um contêiner foi improvisado e serve como sala de imprensa, em

uma visão privilegiada para o gramado. É simples mas tudo tão organizado e receptivo, que nos primeiros minutos ali já me sentia acolhida. Todos os funcionários da hierarquia se conhecem e brincam uns com os outros, inclusive os jogadores profissionais. Enquanto eu esperava os dois jogadores que a assessoria liberou, pude assistir à coletiva de imprensa sobre o empate do jogo passado. Entre jornalistas e jogadores, a mesma novela de sempre: “professor escalou bem, mas não sabemos o que houve de errado”, “todo mundo deu a raça em campo, mas a vitória não veio”.

O FUTURO

Felipe é a promessa do clube: com apenas 1 9 anos é titular absoluto da categoria de base sub-20 e já joga na equipe profissional. Natural de Lavras-MG, Felipe saiu de casa com 1 5 anos, mas decidiu voltar após alguns meses. Um ano depois, decidiu seguir firme no futebol e se mudou para Belo Horizonte, a primeira tentativa de Felipe dera errado. Tentou peneira no XV e até hoje veste a camisa do time. Apesar de fazer o terceiro colegial “pois hoje em dia os clubes cobram isso da molecada, se não dá rolo pro time” como ele conta, Felipe nunca se arrependeu de ter seguido o futebol e nem pensa em deixar o gramado tão cedo, pensa em talvez cursar alguma faculdade de Educação Física, mas por enquanto, nada definido- bem diferente dos rapazes da idade dele, que nessa altura do campeonato estão com os nervos à flor da pele, aguardando os vestibulares. Felipe ganha menos de mil reais por mês, mas tem refeições garantidas no refeitório e um apartamento onde divide com outros dois jogadores “antes eu morava em alojamento, mas tinha doze pessoas lá, era muito ruim, aí me mandaram pra esse apê”. Apesar de se considerar um cara satisfeito com a vida que tem, Felipe quer mesmo é ir para um time grande, como todo jogador, e de preferência vestir a camisa do “Mengão”. Mesmo não tendo todo o glamour de um jogador famoso, ele conta que é conhecido na cidade e que o futebol dá sim, um certo prestígio entre as mulheres. Mas ele quer mais, Felipe, como todo garoto da base, quer um dia jogar na seleção e ser famoso por seu futebol.

O PRESENTE

Aos 25 anos, Clayton não desistiu de treinar em um grande time. Natural de Piracicaba, a família sempre apoiou a decisão de se tornar jogador de futebol, mas com uma condição:

63

outrariar

64 esporte

diploma de ensino superior. Clayton conta que teve uma passagem rápida pelo time de Caxias do Sul, mas passou o restante da carreira jogando pelo XV. Morando com os pais e treinando na própria cidade, ele conta que não teve dificuldades em se formar em Educação Física pela Universidade Metodista de Piracicaba, apenas pelo tempo dos treinos e rotina dos jogos, que dificultam a conciliação da profissão com os estudos. E dá a dica para os meninos mais novos: ”Eu sempre falo pra eles que se você conseguir conciliar futebol e estudos, vai ser a melhor coisa da sua vida, porque quando, e se parar, vai ter um rumo”. Quando perguntado sobre rivalidade, Clayton dispara contrariando os estereótipos: “existe uma rivalidade natural, mas a gente sabe que quem manda é o técnico, eu, por exemplo tenho como melhores amigos os jogadores da mesma posição que eu, meus rivais, você acredita?”. Ele ri arregalando os olhos, como quem quer provar um fato inacreditável. Clayton sonha em disputar o Campeonato Brasileiro, que, segundo ele, “deve ser muito diferente dos que eu já disputei, mas não sei, nunca estive do outro lado”. Fora o sonho de jogar em um time grande, Calyton não precisa de status de um grande jogador “namoro há muito tempo então não ligo sobre esse lance de mulherada, também não saio muito de casa então o assédio não faria muita diferença”.

PASSADO

Rodolfo começou no futsal aos 7 anos e, aos 1 7 se profissionalizava pelo XV de Piracicaba. O futebol “era um sonho, que aos poucos foi se tornando um trabalho árduo de altos e baixos, e hoje é um entretenimento agradável”. Com 34 anos, Rodolfo parou de jogar com 32, não terminou o colegial devido as constantes mudanças de cidades e times “os clubes nunca foram exigentes com isso”, resolveu parar porque se degastou muito psicologicamente e por causa da insegurança financeira “eu nunca tinha 1 00 % de certeza que iria receber”.

Parado há dois anos, Rodolfo conseguiu um bom trabalho com o melhor amigo, mas “deu sorte”, pois a maioria dos colegas

“ainda não conseguiram dar rumo na vida, muitos tão sofrendo com a transição de atleta para ex atleta, fisiologicamente e psicologicamente”. De arrependimento, só tem não ter poupado dinheiro e não ter estudado, o que ele considera uma mudança urgente na postura dos clubes “tem que exigir o moleque na escola”. Fora isso, o futebol trouxe no passaporte Noruega, Alemanha, Kwait, Ilha de Malta, Portugal e China, neste último teve o passaporte retido e sentiu medo- “é comum no Leste Europeu e em alguns países do Oriente trancarem o passaporte, mas graças a Deus no final do dia recebi o meu de volta dos chineses”. Fora o susto e a dificuldade de morar longe dos parentes, as oportunidades “foram excelentes, principalmente no que se diz respeito a disciplina dos treinos, obrigações como cidadão e a diversidade cultural que pude conhecer”.

A medida que eu ia terminando cada entrevista, o jogo apertava e eu sabia que não ia bem – a realidade goleava meus planos. Eu não conseguia colher algum fato desconhecido, uma novidade. O papo com os jogadores é truncado, pontual; não abre curvas de possibilidade, o que na verdade eu acho que os protege deles mesmos na hora de dar entrevista para imprensa. Por isso para as coletivas facilita bastante para o time, basta acrescentar uma pitadinha da lembrança do esquema: não cabe bem falar mal do técnico, tampouco do clube que lhe recebe. E então o discurso está pronto: “O time deu a raça, o professor treinou muito com a gente, mas não conseguimos encontrar o gol”.

Além disso eu não conseguia driblar a falta de identidade entre eu e meus entrevistados. A identificação veio quando o jogo terminou e eu, derrotada de goleada, com poucos torcedores na arquibancada, tentava frustrada terminar minha reportagem. Estavam somente minha mãe, meu pai, meus irmãos e poucos amigos, os quais sempre acreditaram no meu sonho de ser jornalista- profissão penosa, difícil de ter reconhecimento e que a maioria ganha mal contra meia dúzia milionária. Foi aí que eu percebi que era como eles, correndo atrás de um futuro que é reservado para pouquíssimos, enquanto a multidão assistia com aquele sentimento de superioridade com boas intenções: pena.

outrariar

Mas, assim como meu irmão, que nunca desistiu dos sonhos e nem deixou de estudar, eu continuava lutando a favor da minha escrita. Assim como ele, eu também queria sentir o gostinho do sonho na boca, mesmo que a estabilidade viesse por outro caminho, como ele anda fazendo fortuna com apartamentos na praia. Desde então continuo escrevendo, não importando se estou na primeira ou última divisão do jornalismo. Afinal, aprendi desde cedo com o futebol da segunda divisão a delícia de lambuzar os beiços de tanto se entregar no que acredita, pois quem assiste é a arquibancada, nós somos, de categoria ou não, os titulares da própria história.

Arte: Freepik

65

66 esporte

outrariar

Quebrando barrei ras Curiosos têm sido atraídos pelo esporte que mais cresce no Brasil.

Você sabe do que estou falando?

Fotografia: Maria Paula Martins

Maria Paula Martins

outrariar

67

Fotografia: Maria Paula Martins

A expectativa entre os torcedores é grande para que a partida inicie. Após o hino nacional, as jogadoras se cumprimentam e assumem perfiladas suas posições. Ouve-se o som do apito do juiz e a bola é chutada ao alto, percorrendo em diagonal um trajeto em forma de parábola invertida – sobe rodopiando, atinge seu ponto mais alto, retornando em uma descida veloz. Antes mesmo de tocar o chão, ela é firmemente apanhada pela jogadora, que corre determinada para o ataque, recebendo uma interceptação de sua adversária que, propositalmente, encaixa o ombro em seu quadril, executando-se um tackle. As duas vão ao chão, a bola volta para a linha de ataque e as jogadoras se levantam rapidamente, como se nada tivesse acontecido. Jogadas como esta são infinitamente repetidas durante a partida, que possui dois tempos de sete minutos e sete jogadoras de cada lado. Trata-se do Rugby, esporte de contato que vem angariando fãs por onde passa.

O rugby é o segundo esporte mais popular do mundo, perdendo apenas para o futebol. É comparado com o futebol americano, tendo em vista que ambos possuem estilo de jogo parecido e um objetivo em comum: cruzar a linha de in goal com a bola. O esporte surgiu na Inglaterra, em uma cidade chamada “Rugby”. Durante uma partida de futebol um aluno pegou a bola com as mãos e começou a correr. Seus adversários, indignados, tentaram agarrá-lo e colocá-lo ao chão. Esta inusitada proposta acabou sendo bem aceita pelos envolvidos, criando o Futebol Rugby, em homenagem à cidade. Atualmente a Copa do Mundo de Rugby é o terceiro maior evento esportivo do planeta, atrás apenas da Copa do Mundo de Futebol e das Olimpíadas.

Em se tratando de Olimpíadas, vale lembrar – ou contar em primeira mão para os desavisados, que o rugby sevens (modalidade descrita no primeiro parágrafo) estará de volta nas Olimpíadas de 201 6, no Rio de Janeiro. No Brasil, apesar de ser

praticado em 21 estados, conta com apelo popular modesto de cerca de 4.763 praticantes, de acordo com o último censo divulgado pela Associação Brasileira de Rugby.

Para entender melhor Pontuação:

O time de rugby possui quatro formas de pontuar: marcando o try (5 pontos – momento em que o jogador apóia a bola com as mãos na área de in-goal); a conversão (2 pontos – consiste no chute da bola por entre os postes após o try); um drop goal (3 pontos – trata-se do chute aos postes durante a partida); ou uma cobrança de penalidade (3 pontos – após uma falta, o time pode optar pelo chute aos postes).

Regras gerais:

A principal dificuldade de assimilação é a de que o jogador precisa correr para frente, porém a bola só pode ser passada para o lado ou para trás. A linha de impedimento é feita pela bola, ou seja, se você é do meu time e está a minha frente, automaticamente está inapto a receber um passe. Só é possível o passe para frente com os pés, por meio de um chute, e apenas os jogadores que estiverem na linha do chutador ou atrás dele estão capacitados a pegar a bola.

Você pode interceptar seu adversário levando-o ao chão através de um tackle, movimento de encaixe do ombro no quadril/pernas do oponente, impedindo que ele avance.

Ademais, existe uma série de especificidades, tais como o scrum, line-out, ruck, side step, off-load, hand-off, que são melhor entendidas dentro de campo. Estas técnicas são insistentemente treinadas para que a integridade dos jogadores seja mantida.

68

outrariar

esporte

Um esporte de brutos jogado por cavalheiros

Enfim chega à hora de pronunciar-me de fato. Prazer, meu nome Maria Paula Martins e pratico rugby há quatro anos. A partir de agora, peço licença para contar um pouco do que vi – e vivi – nesses anos de envolvimento com o rugby.

Tive o primeiro contato com o esporte durante um intercâmbio no Canadá, em 201 0. As meninas da escola passaram nas salas convidando a galera para ir ao treino de início de temporada. Eu, sem saber muito no que estava me metendo, aceitei na hora. No dia seguinte lá estava perdida diante da imensidão do campo e de uma bola oval.

Bastaram duas semanas de treinos para eu me apaixonar pela coisa toda – e um pouquinho mais de tempo para entender a complexidade do jogo. O espírito daquele esporte parecia algo de outro mundo. As atletas sendo cúmplices, o treinador sendo tratado como “senhor” e a paixão de cada jogador sendo razão máxima para tamanha entrega. Voltei para o Brasil, joguei dois anos pelo Pasteur (tradicional time paulistano) e atualmente atuo no Uberlândia Rugby, na cidade em que resido.

Mesmo sendo um esporte duro e agressivo, o objetivo do rugby é congregar pessoas diferentes, independente da idade ou porte físico. “É um esporte muito agregador, não há diferenciação de idade, tamanho, peso ou força. Todos são sempre muito bem-vindos”, relata Paula Ishibashi, jogadora mais antiga da Seleção Brasileira de Rugby. A atleta complementa dizendo tratar-se de um esporte permeado por valores, no qual o respeito, a disciplina e a união fazem com que todos se considerem uma grande família.

Apesar de ser um esporte de extremo contato, o rugby não é nenhum culto à violência. Essa é uma discussão que sempre vem à tona, visto que a glamorização da violência pela mídia é constante, ou seja, o foco nos lances mais pegados e até mesmo nas lesões é muito grande. Isso acaba dificultando a luta de nós, rugbiers, para que o esporte seja difundido da maneira certa.

Telespectadores podem considerar o rugby violento por falta de conhecimento, mas após entenderem um pouco sobre os conceitos do esporte muitos acabam enxergando-o de forma diferente. Entendo que seja um esporte de alto contato físico, o qual nos preparamos. É um jogo intenso e por vezes agressivo, mas não há brechas para jogo sujo, nem desrespeito ao adversário.

“O rugby é um esporte agressivo, mas não é violento e se você aprender as técnicas corretas não há perigo. Eu acho que violência e agressividade são coisas bem diferentes, e é sempre bom ser uma equipe agressiva dentro de campo”, comenta Nick Gourlay, inglês recém-chegado no Brasil para comandar o projeto de rugby infantil do SESI Minas. Sim. Quando as pessoas entendem as regras do esporte, compreendem que nos preparamos para o contato físico. Ao observarem o relacionamento entre os times, percebem que nosso esporte carrega valores muito ricos. É claro que existem lesões durante treinos e jogos, você não está imune a isto. Sou exemplo vivo: fraturei minha clavícula, em 201 2, e o dedo mindinho no ano seguinte. Nem por isso larguei o esporte, encarei tudo como aprendizado. Agora sei que não devo treinar sem antes fazer um bom aquecimento, e nem mesmo crer que entrar em um campeonato sem estar frequente nos treinos é uma boa escolha. A glamorização da violência acaba ofuscando a real beleza do esporte. Infelizmente, basta um atleta sofrer uma contusão mais séria para a mídia sair criticando o esporte e classificando-o como violento. Bastante equivocado… o homem está sujeito à perigos em qualquer segmento.

O esporte que mais cresce no Brasil?

Através da pesquisa “Muito além do futebol – um estudo sobre esportes no Brasil”, feita em 201 1 pela instituição Deloitte, o rugby foi apontado como o esporte que mais crescerá no Brasil nos próximos anos, com 1 7%. Isso é resultado do anúncio de que o rugby voltará a ser um esporte olímpico, além dos expressivos resultados da Seleção Brasileira Feminina de Rugby, sendo decacampeã feminina no Sul-Americano.

Mesmo com o apontamento positivo da pesquisa, ainda me deparo com muitos que nunca ouviram falar em rugby.

O que fazer para mudar este quadro? É preciso que haja uma cultura do rugby. É preciso um trabalho fervoroso de divulgação, para que até 201 6 as pessoas ao menos já tenham ouvido falar do esporte e que, passadas as Olimpíadas, muitos despertem interesse por esta modalidade. “A grande diferença do Brasil para a Inglaterra é que lá todos crescem ouvindo falar de rugby e acabam compreendendo mais sobre este universo, assim como é o futebol aqui no Brasil”, esclarece Nick.

Fotografia: Maria Paula Martins

outrariar

A falta de patrocínios e apoio do governo é indubitável. Não há campos que atendam nossa necessidade, nem dinheiro suficiente para a compra dos materiais de treinamento. Os campeonatos em outras cidades acabam sendo um peso, visto que os atletas têm que tirar dos próprios bolsos o dinheiro para transporte e estadia. Só somos pauta para reportagens quando os jornais esportivos não possuem assuntos “mais relevantes”. Enfim, o rugby ainda engatinha. Está tentando dar seus primeiros passos na busca por reconhecimento.

69

70

outrariar

esporte

Para sermo precisamos Levar uma vida de

Insegurança. Esse é o sentimento culpado pela minha relação de dependência excessiva com esporte e dietas malucas. Quando criança, era gordinha, e mantive a forma até o início da adolescência; quando, me sentindo completamente fora dos padrões de beleza, resolvi emagrecer. De forma obcecada foram anos de treinamento, até hoje. Juntamente de uma alimentação extremamente regrada e pobre, com a ausência de vários complementos nutricionais, e sentimentos de felicidade. A vida de exagero ‘saudável’, tornou-se um paradigma com seu propósitos, me tornando cada vez mais frágil e incapaz de reconhecer meu próprio corpo.

Conversando com o médico desportivo da cidade de Uberlândia, Rodolfo de Oliveira Ferrari, descobri que hábitos como os meus, tem se tornado cada vez mais comuns na sociedade. Mulheres e homens excedendo progressivamente seus limites físicos e psicológicos; como em práticas excessivas de esporte, suplementação inadequada, carências alimentares, dentre outros fatores, que vinculados a essas problemáticas sociais, causam inúmeros problemas de saúde física e mental. “As pessoas querem um resultado imediato, vivem de imediatismo”, afirma o especialista. Em muitos dos casos, dos praticantes compulsivos de esportes, a busca pelo 'corpo sarado', tem superado o valor da saúde.

Primeiramente, assim que comecei a minha dieta, de comer só quando já estivesse passando mal, comecei a praticar um esporte, a luta. A luta está entre um dos esportes mais procurados hoje em dia, por pessoas com o intuito de emagrecer rapidamente, devido ao grande número de calorias gastos durante a prática do exercício; foi exatamente por isso que recorri à ela. Comecei a treinar todos os dias, de segunda a sábado, e perder peso. Contente e cada vez querendo treinar mais, não percebi que a cada dia minha saúde se deteriorava. Passei a contrair uma séries de problemas, em decorrência da minha baixa imunidade, por comer pouco e praticar por muito tempo a luta, o que con-

sequenciou em um acumulo de gripes, dores pelo corpo e lesões musculares a todo momento. Descobri mais pra frente, que esses problemas físicos que vinha tendo, foram em decorrência de um overtraining.

Overtraining é o sinônimo dado a alguns dos problemas advindos dos excessos, em busca do 'corpo perfeito'. "O overtraining é um desequilíbrio", comenta o médico Ferrari; um desequilíbrio entre volume e intensidade de treino, com alimentação e repouso, descanso. Alguma dessas coisas não está sendo compatível. Assim como eu, o campeão brasileiro de 201 1 , na categoria Light Contato, no esporte kick boxe, Heitor Carcanholo Lasco, sofreu de Overtraining ao longo de sua jornada em busca do título. Antes mesmo de começar a treinar para o campeonato, Heitor tinha um treino diário de três horas e meia por dia, o que gerou sua primeira lesão, o desgaste de sua patela direita, além da perda de peso progressiva. "Você começa a malhar, de repente você não vê a hora de chegar o outro dia pra você malhar de novo. Aí derrepente, você quer malhar mais e mais. Você quer puxar cada vez mais peso, é assim que é, ué", diz o campeão de boxe em relação ao vício que tinha em relação aos seus treinos, tanto na academia como o kick boxe. Quando entrou no processo de preparação para o campeonato, do qual sairia vitorioso, seu ritmo de treino só aumentou. O espaço que sua prática ocupava, impedia seu bom rendimento nos seus demais compromissos, como a faculdade, o que, posteriormente, o levou a reprovações.

Além da falta de tempo, o futuro campeão teve de extrapolar seus limites quando fez a desidratação, para perder peso, um dia antes do início de suas lutas. Para os leigos no quesito luta, a desidratação é uma prática comum, e inviável, feita por muitos dos lutadores que disputam campeonatos. Essa prática busca uma perda significativa de peso, quase que instantaneamente, permitindo que seus adeptos enfrentem adversários mais leves que eles, em relação a

outrariar

os bonitos, s estar vivos

Mariana Capicotto

excessos em prol da estética idealizada geram desequilíbrios prejudiciais

massa muscular, já que a perda pela desidratação, em sua grande maioria, é apenas de água. No caso do nosso lutador, a desidratação gerou um pequeno indício de overtraining, uma leve dor de cabeça após a última luta.

Médicos, educadores físicos, e demais profissionais relacionados ao esporte, em sua maioria, não indicam a perda rápida de peso, pois ela gera inúmeras consequências negativas, como o ganho superior de peso, em relação ao que já tinha sido perdido. O estudo feito por Evelyn Tribole e Elyse Resch, autoras de "Intuitive Resch", o qual teoriza sobre o peso 'natural' das pessoas, aquele que ela consegue manter sem esforços, chamado de setpoint. Cada vez que emagrecemos nosso setpoint sobe, ficando mais alto que antes. "A pessoa perde 2kg e ganha 4kg. Depois ela perde 8kg, e ganha 1 2 kg", afirma Jeanne.

Esse ano, ao mudar de academia, passei a ser instruída pelo estudante, e professor de educação física, Gus-

Ilustração: Érika Abreu

tavo Henrique Oliveira, sobre como e quando deveria fazer os exercícios que estava buscando. Segundo ele, a maioria das pessoas com que tem contato em seu local de trabalho, buscam a academia pois se espelham em corpos que viram na televisão, e querem igualar-se a estes o mais rápido possível. Gustavo cita celebridades como Felipe Franco, Graciane Barbosa, Juliana Salimeni, como ícones de corpos para os novatos da musculação. E ainda alerta, que “Normalmente, quem tem o overtraining é quem quer se preparar para o verão”.

Corpos esculturais, com quase inexistentes porcentagens de gordura, ditam a moda de hoje. A moda em que tento me enquadrar a bastante tempo. É nesse contexto que nasce o bodybuilder, um praticante acíduo de musculação, que em busca de uma melhor forma corporal, utiliza-se do levantamento de pesos, atrelado a uma regulação alimentar e descanso. Além dessas práticas, é co-

71

72 esporte

outrariar mum a utilização de suplementação, para potencializar os efeitos dos treinos sobre o físico, além de catalisar esse processo. O bodybuilder, graduando em educação física, Arthur Polycardo, é o resultado de todas essas práticas conjuntas. O atleta, é campeão goiano até 70Kg, campeão mineiro até 70kg, campeão do triangulo mineiro até 70Kg, Campeão Junior no Duelo de gigantes, e no campeonato brasileiro de 201 3 ficou em 4º lugar.

Além dos sete tipos de suplementos que utiliza, juntamente de sua dieta, o atleta admite fazer o uso de suplementações anabólicas e afirma “Eu preciso de performance e resultado sempre nesse esporte que escolhi. E não tem ajuda mais eficiente que os anabólicos. Procurei um médico e fiz uma bateria de exames, procurei saber de riscos e vantagens do uso. E para chegar no nível que estou hoje, os anabólicos foram de grande ajuda”. Além disso, Polycardo já sofreu com overtrainings, e admite gostar da sensação. “Meu limite é quando eu vomito durante o treino, ou quando meu corpo fica todo dolorido no outro dia. Aí vejo que aquele dia valeu a pena. A dor e o sofrimento treinando é algo muito satisfatório e que não da pra explicar ao certo qual a sensação”.

outrariar

73

Os suplementos anabólicos são drogas artificiais que utilizam-se de testosterona como ingrediente principal. Esses esteroides podem ser administrados via oral, ou por injeções; atuando no aumento de água no interior das células, que associado a musculação, influem no crescimento potencializado dos músculos. A ingestão dessas ‘bombas’, como comumente são chamados os esteróides, geram diversas implicações negativas, como impotência, câncer no fígado, colesterol, desquilíbrios hormonais, depressão, problmas cardíacos, entre outros. O uso deste tipo de suplementação é recorrente, principalmente no bodybuilding, em que o assunto não é velado. “Normalmente o bodybuilder não tem vergonha de falar que usa anabolizante, é algo normal”, afirma o professor Gustavo. Voltamos com aquela mesma problemática de querer um corpo idealizado, em um curto espaço de tempo, gerando tanto o desequilíbrio físico, como o emocional.

Assim como eu, Heitor, Arthur, e tantas outras pessoas, excedemos nossos limites em busca de um corpo ‘bonito’, encaixado dentro de padrões estipulados pela sociedade, por algum esporte, ou por nós mesmos. Esquecemo-nos de valorizar em primeiro lugar nossa saúde, até porque, é ela que nos permitirá mantermos um ‘corpo bonito’. Exceder os limites, tornou-se um vício, que nos prejudica pouco a pouco. Mais que ‘bonitos’ estéticamente, precisamos estar vivos, e saudáveis.

Artes: Freepik

outrariar

74 esporte

Cuidar do corpo não é uma história só de jovens Projeto Atividade Física Recreativa para Terceira Idade é sucesso há 25 anos

A hidroterapia espera por vocês

Fotografia: Michael Ferreira | Arte: Freepik

Michael Ferreira

outrariar

Atualmente mais de 20% da população brasileira tem mais de 50 anos. Prevê-se que em 2050 esta mesma população chegue a cerca de 30%.

A cidade de Uberlândia, em Minas Gerais, compreende a necessidade de fazer algo que beneficie essa camada populacional. Por isso, a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) criou há 25 anos um projeto para atender aos idosos. O programa Atividade Física e Recreativa para Terceira Idade (AFRID) dá chance aos idosos de otimizarem sua condição física no cotidiano, e contribuir com sua saúde.

Este projeto para a comunidade oferta várias atividades que são realizadas pelos voluntários, que são professores e alunos do Campus Educação Física da UFU. Todos os membros que participam do AFRID são voluntários e não recebem remuneração para o trabalho. O projeto é totalmente livre para pessoas acima de 50 anos e que são fisicamente independentes. Além de oferecer orientação para a prática de exercícios, o AFRID também objetiva a troca de conhecimento, a partir da relação aluno-professor.

Para entender melhor a rotina do AFRID você deve-se saber que o projeto apresenta uma relação triangular, professor-aluno-idoso, na qual são estabelecidas trocas e partilhas.

Os professores transmitem seus conhecimentos aos alunos, por meio de diversos cursos, para que eles ganhem experiência profissional e aprendam a lidar com as pessoas que participam do projeto. Desse modo, os idosos recebem um tratamento semelhante ao ofertado por profissionais já formados.

Este projeto funciona por semestre. As pessoas interessadas podem se matricular diretamente na coordenação do projeto, no Campus Educação Física, ou pela internet através do site www.afrid.faefi.ufu.br. Todas as matrículas são renovadas a cada semestre, a fim de dar oportunidade para aqueles que não conseguiram se inscrever para participar. Atualmente, o projeto é um sucesso, no primeiro semestre de 201 4 foram 650 pessoas cadastradas.

Gleber Vilela, coordenador da AFRID, afirma que o projeto atrai principalmente pessoas de cerca de 60 anos que fazem parte da comunidade. Por buscarem atividades que dinamizem a rotina, os participantes do projeto se dispõem a ir frequentemente ao Campus Educação Física. Gleber não esquece do "aspecto de socialização" das pessoas idosas. Boa parte dos idosos que realizam as atividades do projeto, segundo o coordenador, tem uma boa condição física, mas participam do programa para criar laços de amizade com outros participantes.

Ter uma boa condição física é importante para todas as

pessoas, especialmente para os idosos. Gleber explica que com o avanço da idade e a perda de força, a prática de exercício se torna essencial. Os idosos sentem a necessidade de melhorar sua saúde e por isso demonstram muita disposição e vontade para participar dos exercícios.

Com os cursos variados que o projeto oferece os idosos conseguem melhorar suas vidas em todos os aspectos. Gleber diz que "autonomia" é o maior benefício que os idosos ganham.

Com o projeto a pessoa se torna mais autônoma, é capaz de fazer as tarefas domésticas mais facilmente, sem depender de alguém ou se cansar rapidamente.

Gleber conta que procurou integrar ao projeto todas as atividades que auxiliam na melhora física e social dos participantes. Essa é a receita do sucesso da AFRID. Para os estudantes, participarem deste projeto é uma experiência gratificante, especialmente para os monitores de hidroterapia e hidroginástica que trabalham com o revigoramento da força e do equilíbrio em ações cotidianas, com exercícios na água. Esses professores voluntários se esforçam para conseguir, por meio de exercícios específicos, evitar a perda do tónus muscular dos idosos. Com estas atividades os idosos têm a possiblidade de voltar a realizar ações triviais, que se tornam relevantes quando se chega a uma idade mais avançada.

Graças ao projeto os voluntários que participam, como Talmay Roher Marques, tem a possibilidade de diversificar suas competências, pois eles podem aprender outros cursos além dos que já ministram no programa.

Para os monitores de hidroterapia e hidroginástica a AFRID deu-lhes a oportunidade, logo que chegaram, de obter experiência e conhecimento que eles não tinham tido antes com as aulas teóricas. Com as monitorias, há um ensino bilateral, os jovens professores aprendem com os alunos, há um retorno de conhecimento dos idosos para os voluntários, um conhecimento que não é esportivo ou médico, mas um saber relacional e social.

A atividade física não é o único recurso do projeto AFRID, há também atividades terapêuticas como fisioterapia ou massoterapia. Estas atividades médicas são muito vantajosas para os idosos, porque elas melhoram a vida cotidiana, permitindo-lhes relaxar e esquecerem suas tensões e preocupações. Fisicamente essas terapias melhoram a circulação sanguínea.

Nessas atividades, os professores destacam a característica ímpar de terem a chance de não só exercer o seu conhecimento e suas conquistas, como também transmitirem conhecimento. Durante o tratamento os voluntários ensinam

75

outrariar

76 esporte

os participante a fazerem massagens em partes estratégicas de seus corpos. O objetivo desse ensino é estender os benefícios do projetos para os cônjuges, que não podem participar do projeto por problemas de mobilidade ou saúde.

Para a professora Pollyana Mello de massoterapia é muito interessante trabalhar em perfeita harmonia com os presentes na suas aulas. “Os idosos estão sempre ansiosos para aprender, para saber algo que lhes vai ser útil. Pode-se ver que durante as atividades os participantes estão motivados, você consegue ver isso com as atitudes deles. Eles assistem, sempre assiduamente e na hora certa, não querem perder um minuto dos cursos valiosos”, conta Pollyana.

As atividades do projeto são realizadas no Campus Educação Física, porém algumas vezes por falta de infra-

Um dos exercícios mais famosos da fisioterapia Ilustração: Michael Ferreira

estrutura atividades que reúnem muitos idosos são deslocadas para outros lugares autorizados.

Além das atividades físicas o projeto AFRID oferece para os idosos cursos de tecnologia, para que eles aprendam a trabalhar com computadores sem depender de outras pessoas.

Esses cursos especiais ainda são experimentações da coordenação do projeto, e por isso são ofertados temporiamente. É importante destacar que as atividades sociais do projeto desempenham um papel importante ao ouvir cada pessoa. As aulas são divididas por classe de 1 5 pessoas, cada uma com quatro monitores e um professor tutor para cada atividade. Estes cursos são ministrados todos os dias, de segunda a sexta-feira em vários momentos do dia, dependendo da atividade proposta.

Aulio São Lopes Dos Anjos que participa do projeto há quatro meses diz que os cursos de hidroginástica e massagem melhoram o seu corpo. Para ele, o esporte era mais que um meio de melhorar sua saúde era uma oportunidade de deixar sua casa e praticar uma atividade para ocupar o tempo livre. No entando, Aulio admite ter havido uma evolução na sua condição física desde o início do curso, "nas mãos e nas articulações", através de muitas massagens e cuidado que ele recebeu. Ele ainda diz que "este projeto é realmente eficaz para nós."

O fator social também é destacado por Aulio, ele conta ao longo do tempo que criou um vínculo real de amizade com outros participantes. Esse vínculo de amizade, segundo Aulio, se estende para fora dos portões da Universidade. Após terminadas as atividades a AFRID seu grupo de amizade tem o hábito de visitar uns aos outros, dando auxílio em pequenas atividades domésticas. A pessoa que está envolvida com a AFRID assume a responsabilidade com a própria saúde, e passa a ter consciência de que deve manter seu corpo em boa condição.

Outra prova do verdadeiro sucesso do projeto AFRID é Uripida Alves Azevedo, que participa do projeto desde o seu lançamento, há 25 anos. “Eu não posso ficar sem realizar as atividades que são propostas para mim”, diz Uripida. Para ela, o projeto trouxe e traz muitos benefícios para a sua saúde. No final do dia, Uripida observa que se sente muito melhor do que de manhã ao acordar.

Dona Uripida afirma que o bem estar que agora sente com a prática das atividades do projeto é resultado do trabalho dos professores e voluntários. Sensíveis, atentos, determinados e dispostos a dar aulas de qualidade, assim

outrariar

ela descreve os professores de hidroginástica. Para Uripida este projeto também lhe trouxe novas amizades que ela chama de "amizade idosos".

Apesar de aprovar o projeto considerá-lo vantajoso para os idosos, Uripida explica que ele poderia desenvolver seus potenciais se a infraestrutura fosse melhor. “A piscina nos coloca para trás em nossos cursos, porque a água fria nos faz colocar um fim nas atividades aquáticas”, conta Uripida. Uma renovação do local seria benéfica tanto para o projeto quanto para a Educação Física nas suas atividade.

Se as melhoras fossem consideradas o projeto poderia ser exposto em outras cidades.

Gleber Vilela se orgulha de ser um dos coordenadores do projeto. Desde a sua existência a AFRID continua a crescer, e é uma perfeita coesão entre as partes que se relacionam: voluntários e os idosos. Então, se você tiver 50 anos ou mais, não hesite, o novo semestre já está começando, não deixe esta oportunidade passar, você também pode fazer parte da aventura AFRID.

Conheça os benefícios das atividades aquáticas para a saúde Indicações

Ilustração: Michael Ferreira e dados do G 1

77

outrariar

78 ciência e tecnologia

Pedro curte a foto de João. João curte a foto de Pedro. Aí começa a conversa. Hoje é assim, quem sabe o que pode vir a acontecer depois? Se a conversa fluir, pode ocorrer uma troca de contas no Facebook, e até um “face a face” no Skype. Foi-se o tempo em que se encontrava com uma pessoa na balada, “chegava junto”, levava um fora e partia para outra. Com sorte, ia para casa acompanhado; sem sorte, ia para casa só bêbado mesmo.

Quando o ICQ surgiu nos anos 90 como primeiro site de bate papo online, foi uma febre e todo mundo passou a ter sua “carinha” no mundo virtual. Não demorou muito para que o Bate-Papo UOL, bem mais divertido, ganhasse a atenção. Assim como também não demorou nada para as pessoas começarem a perceber que na internet elas poderiam ser quem elas quisessem. Desse modo, se você tem entre 1 9 e 25 anos, com certeza deve estar se lembrando do Avatar falso que tinha no UOL, quando era criança, e falava que era maior de idade.

Hoje com a evolução dos celulares, softwares e computadores, temos um leque bem diversificado de aplicativos e sites de relacionamento que nos permitem fazer a mesma coisa que fazíamos no Bate-Papo UOL: conhecer alguém, sem nenhum compromisso, estando na segurança de casa. Não precisamos nos arrumar para ir para balada, não precisamos fl ertar ninguém, nem l evar foras... A l ista é imensa. Se você não está gostando do assunto não precisa dizer que vai ao banheiro, apenas feche a janel a, simpl es assim.

Os maiores usuários dessas redes são gays, e, como o mercado não é tol o, l ogo investiu nesse públ ico l ançando sites como o Disponivel .com, da U OL, e também apl icativos como o Tinder e o Grindr. El es funcionam como um radar, o apl icativo usa o GPS do seu cel ul ar e mostra onde tem usuários perto de você, aí é só ver se você se identifica com a pessoa mais próxima, ou não, e curtir, assim como Pedro e J oão.

O usuário que aqui chamaremos de Pedro é usuário do Tinder, mas também tem o hábito de postar muitas fotos e atualizações de status em redes como Facebook e Twitter. Ele diz que gosta de compartilhar a própria vida com seus amigos virtuais. No aplicativo, Pedro faz a festa! Manda e recebe fotos, inclusive para pessoas desconhecidas, e tem consciência de que não se pode ter muita confiança em quem está do outro lado do aplicativo. Ele sabe que, a partir do momento do envio de uma foto, esta passa a ser de propriedade do receptor, que pode fazer dela o que bem entender, como, por exemplo, divulgá-la em uma

Do real ao vi rtual: até pode interferi r

rede social onde seja proibido esse tipo de foto.

O jovem busca, na maioria das vezes, m a n d a r fotos a pen a s pa ra conta tos q u e j á ten h a conversa d o h á a l gu m tem po, e m esm o a ssi m envi a fotos a pen a s d o pescoço pa ra ba i xo, d i fi cu l ta n d o a i d enti fi ca çã o, m a s a ssu m e q u e à s vezes a foto sa i erra d a e u m sorri si n h o, u m n a ri z, e a té m esm o os ol h os, sã o envi a d os.

Pedro já fez sexo online, e diz que é divertido e prazeroso tanto quanto o sexo real, e deixa claro que essa prática não o impede ou atrapalha de manter uma vida saudável. Atualmente ele está usando o Tinder para manter contato com outra pessoa que conheceu e que não é da mesma cidade. No aplicativo os dois até se casaram, mas Pedro continua vivendo a vida de solteiro no mundo real. Complexo, né? Um pouco, porém os usuários não veem problemas nisso, tanto que, atualmente, o Brasil apresenta 1 0% dos 1 00 mil usuários do Tinder, segundo o site UOL. Não pude deixar de perceber que o UOL é expert no assunto de encontros virtuais. É dele também o Disponivel.com, site exclusivamente gay, onde rapazes e moças tem total liberdade para criarem álbuns de fotos e vídeos. O site também permite que os usuários apareçam ao vivo, como no Skype.

Ao criar um perfil falso no Disponivel.com, encontrei o carioca “PNCFilho”. Ele trabalha como agente de viagens, e aproveita seu tempo livre no site. Em entrevista ele conta que já saiu com vários garotos que conheceu no site, e também que tem preferência por rapazes mais jovens. Assim como Pedro, ele também já apareceu em tempo real para as pessoas que o estavam assistindo.

PNCFilho diz, com bom humor, que devemos procurar aquilo que nos satisfaz, o que não pode é confundir os ambientes entre sites de Discussão entre relacionamento, redes sociais e

outrariar

79

é onde o ciberespaço na nossa vida?

Rafael Leonel

vida real. Ele conhece pessoas que já tiveram problemas com exposição do corpo, e acredita que a maioria das pessoas são ingênuas, pois sabem que podem estar sendo filmadas e mesmo assim se arriscam. Ele conta que nunca foi prejudicado por conta de seus atos na internet, mas não exclui a ideia de que um dia pode acontecer de uma foto ou vídeo chegar na mesa de seu chefe, por exemplo.

O que meu recém “amigo” da internet abomina é a exposição e atualização de status frequente de usuários do Facebook. Ele conta que acha extremamente vulgar e desnecessária a exposição de fotos de peitos e músculos na Timeline, além de atualizações como: “#partiushopping”, “#partiucomer”, “#partiuacademia” e tantos outros.

Saindo dos sites de relacionamento e aplicativos, busquei no Facebook alguém que atendesse aos requisitos que nosso amigo PNCFilho disse sobre atualizações frequentes de status. E encontrei Mateus, estudante de Odontologia. Ele passa o dia todo conectado, e não deixa de compartilhar tudo que vê, além de frases religiosas e letras de músicas. Não nega que tem problemas em ficar longe do celular, e assume que muda a foto de perfil com frequência para ganhar “Likes”.

Encontrei também Rodrigo, que posta em média dez atualizações de status por dia no Facebook, além de fotos mostrando partes do corpo ditas “indevidas” para a rede social. Ele não esconde que faz isso para conseguir curtidas e chamar atenção quando ninguém está conversando com ele no chat.

Rodrigo conta que já teve problemas no emprego por fotos além da conta e de receber indiretas sobre colegas de trabalho. Depois desse incidente Rodrigo conta que se recusou a procurar ajuda com um público e privado psicólogo e que,

hoje, nas horas vagas busca assistir um filme, conversar com a família e até mesmo sair de casa, sem o celular no bolso, é claro.

“Procuro manter distância de tudo que possa entrar na internet”, conta o jovem que está tentando por seus próprios meios, se “desviciar” de redes sociais.

Sobre o vício por internet, o psicólogo e professor José de Oliveira Nascimento, explica que a carência pode levar os internautas ao apego nas redes sociais. Os primeiros aspectos do vício são quando vemos que as fotos de determinada pessoa estão com perfil público, já que o normal é deixar as fotos íntimas em álbuns ou pastas privadas aos amigos.

O especialista expõe que, a busca por parceiros e sexo, usando sites e aplicativos, não é um problema em si, desde que isso não interfira no contato físico real, e, claro, respeitando sempre os termos de uso de cada um.

Contudo, alguns casos se tornam patológicos, em que usuários precisam de curtidas para se sentirem realizados na vida.

Oliveira alerta que isso é algo que deve ser avaliado de perto. E, quando a pessoa não percebe esse exagero na internet, como o caso do nosso amigo Mateus, aí ela se frustra pela falta de curtidas, e essa frustração não fica apenas na rede, ela interfere na vida real prejudicando relacionamentos e trabalho.

O psicólogo afirma que, em alguns casos, os vícios podem estar ligados a fatores da psicologia humanista, ou seja, envolvidas diretamente no método como o indivíduo passou pela primeira infância. Por exemplo, pessoas que não tiveram atenção e carinho dos pais nessa etapa da vida, podem vir a buscar atenção nas redes sociais, onde englobam muita gente, assim como crianças criadas com superproteção podem vir a se tornar tímidas e não conseguirem levar uma vida sexual real, buscando, então, o virtual para se saciar.

Segundo o professor, podemos nos policiar e perceber quando estamos começando a passar da conta com a exposição na internet, verificando coisas simples como: quantas fotos ou atualizações eu faço antes de sair de casa? Eu fico ansioso esperando o primeiro Like? Fico contando quantos comentários terei? Quantas vezes público na minha TimeLine por dia?

Esses são alguns questionamentos dentro de uma imensidão de posturas que podemos usar para ver se estamos ultrapassando os limites nas redes sociais, ou se estamos sendo vulneráveis nos sites de relacionamento.

Gostou? Compartilhe essa matéria, mas não durma esperando Likes.

e

Fotografia: Vinícius Rafael

outrariar

80 ciência e tecnologia

Jhonatas Elyel

Uma eutanásia tecnológica Vão desligar os aparelhos em menos de dois meses, pois o paciente no caso agoniza há anos, abandonado. A frase anterior poderia muito bem se referir a um ser humano em estado terminal, mas o paciente no caso é o Orkut.

Foi com grande pesar que milhões de pessoas, atuais e ex-usuários, receberam no final do mês de junho deste ano uma notícia que já se esperava, na verdade, há algum tempo.

O Orkut seria descontinuado no último dia de setembro.

Pessoas se encontraram dentro e fora do espaço virtual e o que não faltou foram comentários nos meios de comunicação e debates entre as personalidades acadêmicas, principalmente das áreas de tecnologia, sociologia e comunicação. Mas, como toda análise científica é feita do ponto de vista de observadores, grande parte destes textos traziam opiniões, às vezes, encaradas com estranhamento, ação tipicamente etnocêntrica de um sujeito que não compreende outra cultura, daqueles que não experimentaram todo o processo de uma rede social que, como um velho amigo com o qual milhões compartilharam as mais variadas vivências, como eu, esta partindo dessa para uma melhor. “Fiquei triste, mas por pouco tempo.” Afirma o estudante de Direito, Geovani Bennato, 20. “Quando uma decisão dessas é tomada e veiculada pela própria dona da rede social, no mínimo um milagre seria necessário para mudar isto.”

Mesmo assim, praticamente todos os dias ele ainda reserva um tempo, nem que sejam alguns minutos, para acessar sua conta do Google e, através desta – porque atualmente ambos são vinculados e não há como criar ou acessar um perfil do Orkut sem passar pelo Google+ – verificar como andam seus perfis na adolescente e já moribunda rede

social criada por um engenheiro turco, Orkut Büyükkökten, ao qual deu seu nome à rede.

Assíduo frequentador desde os tempos de ouro do Orkut, começou a utilizá-lo em 2007, Geovani é um dos, ainda, milhões de utilizadores da rede que, ao entrar em choque com o Facebook por volta do ano de 2009, em um período de mudanças em seu layout e ataques constantes de spams nos perfis, entrou em decadência e saiu de cena, mas não totalmente. Em alguns dias seu perfil recebe visitantes, mas nas últimas semanas o número tem se estabilizado na casa do zero. O mural de atualizações mostra atividades de quase uma semana, dependendo do movimento dos pouco mais de trinta amigos que ele conservou ao longo de aproximadamente sete anos de uso. Em resumo, o retrato de uma “aldeia” abandonada, uma “cidade em ruínas”. Mas ainda assim eles resistem, e conseguem, inclusive se divertir.

Criada há pouco mais de dez anos o Orkut trouxe consigo a novidade da individualidade do usuário, individualidade esta muito mais explorada (e de uma forma muito mais intensa) pelo Facebook, como diria o professor especialista em tecnologia e comunicação, Rafael Oliveira Venancio. “[O Orkut] não fez sucesso porque não trabalhava a individualidade do usuário como o Facebook faz”. Porém, além das individualidades ele trabalhava também as interações e conexões sociais pela via virtual, que até então não existiam, se existiam era de uma forma bastante rudimentar, mas que funciona ainda hoje com os famosos e-mails. No início as pessoas convidavam umas as outras para entrar, até porque era necessário um convite para que se fosse aceito na rede e uma vez lá dentro o universo de possibilidades eram completamente novo, com

outrariar

81

álbuns de fotos organizados, aonde se poderia dividi-las com os amigos e marcá-los, além dos míticos recadinhos coloridos e piscantes (os famosos emotions), os chamados “scraps”. Não deu outra, menos de quatro meses após seu lançamento a rede alcançou seu primeiro milhão de usuários, enquanto o Facebook ainda engatinhava seus primórdios de forma, aparentemente, discreta.

Já nesta época alguns brasileiros começaram a fazer uso da rede, que se mostrou a favorita nas terras tropicais ao longo de vários anos, motivo pelo qual a Google Inc., com sede em Los Angeles, Califórnia, transferiu o controle sobre o Orkut para a filia brasileira em finais de 2008, quando, segundo o Ibope, cerca de quarenta (40) milhões de brasileiros faziam usufruto do Orkut e apenas na Índia o número era similar.

De acordo com a estudante de Comunicação, Gabriela Petusk, 1 8, isso se deu pelo fato de que, “Uma característica dita brasileira na internet é a de não respeitar o uso de uma língua que todos do ambiente entendam, e foi isso que causou a saída de boa parte dos estrangeiros do Orkut por volta de 2004.” Para ela, que frequentou o Orkut até meados de 201 1 e o abandonou em razão da migração da grande maioria dos seus amigos para outras rede sociais uma das experiências mais marcantes do período em que usufruiu da plataforma foram as boas amizades, ela cita quatro como as principais, que encontrou no local e das quais conhece pessoal apenas uma.

“São vários fatores que contribuíram para a minha permanência: a boa política de privacidade, a facilidade do uso das diversas ferramentas que ele proporcionava e a interação fácil por meio dos scraps”. Geovani elenca, ao longo da conversa, estes e vários outros motivos que o fizeram permanecer no Orkut, mesmo enquanto usava uma conta no Facebook, que ele veio a deletar alguns meses atrás, devido à exposição, Arte: Divulgação

outrariar

81 ciência e tecnologia

segundo ele, desnecessária que os usuários sofrem na segunda rede. “Nem todos compartilham das mesmas ideias e opiniões que eu. Não que eu seja um abafador de debates, mas a reiteração de contrariedades [no Facebook] chega a ser nauseante”. E a maioria dos que ainda utilizam o Orkut e já entraram em contato com o Facebook sentiram o choque. “…o Facebook não me chama nenhum pouco a atenção”, afirma a jovem Otávia, mais conhecida na rede por seu perfil fake, no Orkut, batizado por ela pelo nome de Rayse W. Reddington.

Os Sobreviventes

Assim como Otávia, que prefere ser chamada de Rayse, ou Red, quando está logada, muitos destes sobreviventes do Orkut são perfis falsos, os chamados “fakes”. O ato de se fingir de outra pessoa não é novo, veja-se o início da história do teatro, na Grégia Antiga. No entanto, assim como a professora de sociologia, Débora Regina Pastana, explica: “A internet te deu essa liberdade maior para ser quem você quiser.”

Os perfis fake faziam parte do Orkut mesmo em seu auge, afinal de contas, “Quem nunca quis ter outra vida?”. E, de fato, quem, no Orkut, nunca teve ao menos um amigo “imaginário”.

Foram dos perfis mais incomuns aos mais badalados, desde uma Dercy Gonçalves tão franca quanto a real à Angelina Jolie, que certamente procurou desesperadamente um perfil de Brad Pitt para encenar um casamento de mentirinha em alguma comunidade aberta apenas para os amigos. Talvez seja este um dos aspectos que deixará mais saudades naqueles que fizeram parte desta história. A leveza com a qual o Orkut tratava essas interações sociais mediadas.

Mas nem todos os usuários do mundo “falso” estavam ali para brincar, no âmbito mais inocente da palavra. Alguns perfis, como o do próprio Geovani, ou de Otávia, utilizaram e ainda utilizam a rede para exercitar sua capacidade criativa e imaginativa e, é claro, para fugir das mazelas da vida. Dos ativistas presentes no Facebook ou dos anúncios presentes em cada site que se entra, além da vida real, óbvio. Seus perfis, em resumo, são utilizados para jogos de RPG interpretativo. “Apesar de eu ter a conta que me pertencia como pessoa física, por indicação de amigos eu me aventurei aos jogos de RPGs com os bogus [personagens] inspirados em livros, filmes, games, animes e afins. E confesso que sair dos tabuleiros e dados para os fóruns de uma rede social foi uma mudança agradabilíssima! As melhores lembranças estão re-

lacionadas às amizades e os bons momentos que eu passei nos jogos de interpretação de personagem nas comunidades.

Sim, era tudo fantasia, mas fugir do mundo real e relaxar no mundo surreal sendo quem você quer ser (um mago, um elfo, um deus, um agente da lei, etc) em tramas lindamente elaboradas foi, de verdade, muito divertido!”

Descreve, Geovani ao longo da conversa.

Para Débora isto é maravilhoso: “Manuel Castells, em seu Sociedade em Rede, nos alerta para essa oposição bipolar entre a rede e o ser.

Adolescentes brincarem de forma tão criativa, elaborando histórias complexas e vivenciando suas criações, é muito bacana. Que eles sejam cada vez mais dependentes da Internet, para isso é que se torna uma constatação triste”.

O RPG interpretativo nada mais é do que a arte de escrever pequenas, às vezes não Ilustraç tão pequenas assim, narrativas entre dois personagens. Seja ela baRepresentando u seada na obra original – como O Senhor dos Anéis de J. R. R. Tolkien ou a série de televisão americana Smallville –, ou uma variação, apenas com a presença do personagem, em um contexto totalmente diferente. Foi neste lugar que Game of Thrones encontrou Harry Potter, que Supernatural conversou com Percy Jackson e que os animes se dissiparam ainda mais pelo mundo jovem ocidental. Mas além do jogo e além da interpretação o mundo que, parece agora ameaçado, deixa toda essa saudade também pelas relações intímas contruídas en-

outrariar

tre os seres humanos por trás dos personagens.

Lágrimas foram derramadas em frente à uma tela.

Adolescentes, na mais alta hora da madrugada, acordaram seus pais ao som das gargalhadas e brigas feias foram protagonizadas neste espaço. No espaço que é virtual, fictício, assim como seus personagens e suas muitas narrativas, mas que ganha vida e uma vida tão forte quanto a de verdade, ao ponto de ser chamada por alguns teóricos, como Manuel Castells, de vida “virtual-real”. É quase um estudo antropológico, se observamos bem, que se perde com a extinção de uma rede e toda sua armazenação de conhecimento. Como Rafael diz em um outro momento: “As informações que serão perdidas no fim do Orkut são similares àquelas ção: Jhonatas Elyel perdidas em um incêndio de biblioteca. Jamais, no futuro, poderão uma amizade virtual estudar direito o que ele representa”.

Aqui, então, se incendeia a versão digital da Biblioteca de Alexandria, por assim dizer. Por mais que, para Débora o que conte sejam as experiências pessoais que cada um dos usuários levará consigo para a vida: “Estamos paulatinamente dando mais importância aos registros do que às pessoas. O Orkut ao sair do ar não irá aniquilar as pessoas que antes interagiam nele. As ideias permanecem, apenas devemos manter laços sociais mais sólidos e identificáveis”.

Após tantas experiências, sejam no mundo fake das interpretações e narrativas, dos Gandalfs e Hermiones, ou não, no mundo real, onde as pessoas adoravam quando o limite dos álbuns aumentava, quando criavam um tema novo, ou quando recebiam dezenas de depoimentos em uma batalha sobre qual dos amigos seria o primeiro da lista – quem teria o topo dos depoimentos daquela pessoa – é um pouco impensável declarar oficialmente que o Orkut, apenas por estar saindo do mercado, como a boa mercadoria que foi, tenha fracassado. Afinal, como Débora afirma: “Essas redes sociais são produtos com uma data de validade. O Orkut veio, cumpriu a sua proposta e agora está saindo porque, assim como as relações sustentadas nessas plataformas, elas próprias tem um tempo de duração muito curto. É algo muito instantâneo; isso é uma característica, inclusive, do momento histórico que nós estamos vivendo.”

A efemeridade toma conta do cenário social atualmente, seja nas relações virtuais ou mesmo em relações reais, vemos a influência clara da primeira sobre a segunda, mas também vemos esta fluidez, tipicamente contemporânea no quesito profissional.

Nossos avós e nossos pais, com certeza, passavam muito mais tempo vinculados à uma determinada empresa do que nós, que ingressamos, seja no ramo de telemarketing ou na gerência de uma empresa de médio porte e, insatisfeitos, migramos de galho em galho na grande árvore da vida.

O O rku t vei o e bo m bo u en q u a n to era cu ri o si d ad e, m oti vo a o q u a l D ébo ra el en ca a respo n sa bi l i d a d e pel a d u ra çã o tã o cu rta d a s red es so ci a i s; “A cu ri o sid a d e, a so l i d ã o , a bu sca po r perten ci m en to . Sej a q u a l fo r o m oti vo , o q u e el a en co n tra n em sem pre su pre su a s expecta ti va s: ‘Esta r à d eri va ’, expressã o d e Rich a rd Sen n ett, pa rece m esm o d efi n i r vi vên ci a erra n te d o s tem po s a tu a i s”. El e cu m pri u o s pro pó si to s ca pita l i sta s d e su a geren ci a d o ra (G o o gl e), o su cesso n o Bra si l po d e ser, en tã o , a m a i o r prova d e q u e el e n ã o fa l h o u . E el e a bri u o ca m i n h o pa ra fo rm a s m el h o rad a s d e so ci a bi l i za çõ es vi rtu a i s, d e pl a ta fo rm a s co m ferra m en ta s m a i s d i versa s pa ra su po rta r essa s so cia bi l i za çõ es. Lo go , o O rku t cu m pri u a su a ta refa n estes ú l ti m o s d ez a n o s e sa i d e cen a co m o u m pro j eto experi m en ta l q u e d eu certo . Q u em sa be el e n ã o vo l te co m o u m a red e a i n d a m el h o r n o fu tu ro , n ã o é?

82

83

outrariar

ciência e tecnologia Ele não morreu

Não, não estou falando do Elvis Presley. Apesar da estranha coincidência, o texto a seguir trata-se de um cometa que brilhou sobre o mundo virtual por cerca de dez anos e foi descontinuado em nome do lucro, como a boa – ou má, dependendo do ponto de vista – mercadoria que era. Estou falando do MSN, ao menos enquanto comunicador instantâneo, mais conhecido, às vezes pelo nome Windows Live Messenger, que entrou em uso em 1 999, como um projeto semelhante ao ICQ, conhecido por revolucionar o conceito de mensagens instantâneas e foi descontinuado, após várias versões, em maio de 201 3. Uma vez que sua empresa gerenciadora, a Microsoft Corporation comprou, no ano anterior, o Skype – mensageiro instantâneo conhecido por sua ligações de aúdio e vídeo a longa distância – e decidiu focar seus esforços na nova marca.

Muitos podem não achar isso um problema, as ações das empresas que detem os direitos sobre estas marcas. O porém está quando observamos que os interesses empresariais entram em choque com a liberdade no ciberespaço, ou a dita “democracia virtual”. De acordo com Débora “A internet surge como um ‘amplificador’ dessa liberdade, dessa democracia, e durante um tempo isso deu certo”, mas quando uma empresa está perdendo capital, parece não haver choro nem vela.

O que a Microsoft parece não ter notado, e ainda bem para os pouquissímos frequentadores do local, que deve lembrar bastante uma cidade fantasma do velho-oeste de filmes norte-americanos, ou então um bar punk londrino da década de 1 980: um ambiente underground. O MSN não morreu, apenas para as massas, mas qualquer um que tiver contato com o programa MSN Reviver, desenvolvido certamente por algum fã do mensageira, é capaz de trazê-lo de volta à vida com grande parte de suas ferramentas costumeiras.

A liberdade está aí, e está também nos diversos fóruns e principailmente nos comentários dos meios de comunicação digital. “É aí que vemos a ágora de verdade!”, Débora fala, a respeito dos comentários, em que os mais diversos discursos são expressos e onde há de fato um debate aberto. Mas e se, em algum momento os sites da Veja, Istoé, Folha, ou Carta Capital observarem que os comentários poderiam dar mais lucro do que as próprias notícias? E se for o contrário, e se os comentários gerarem, de alguma maneira, uma falta de lucro?

Eles certamente serão tirados do ar, ou ao menos serão restringidos, como já acontece na quase totalidade dos casos, apesar de ser uma restrição pequena. Mas enfim, como diria o jovem estudante de Direito, Geovani, que pretende usar redes semelhantes ao Orkut daqui para a frente em seus jogos narrativos e suas interações sociais, livres de um exibicionismo exacerbado – e que ainda faz uso do MSN –: “… liberalismo – neo ou não - e democracia, ainda que se biquem em alguns pontos, jamais andarão de mãos dadas. ‘Liberalismo e

outrariar

84

Democracia’ de Norberto Bobbio, por mais antigo que seja, é muito atual e não me deixa mentir”.

Enquanto isso milhares de pessoas continuam como os punks originais, isolados por opção em um ambiente completamente harmônico para eles, onde se sentem seguros e felizes, por mais obscuro e diferente que possa parecer atualmente, perante nosso choque de estranhamento. É nele que Geovani e Otávia entram com suas diversas máscaras (seja uma ladra de obras de arte, uma bruxa dançarina de balé, um elfo ou um ator de ascendência italiana) e desfrutam de uma boa dose de nostalgia sentados nos bancos de couro rascado, enquanto as mais diversas músicas tocam na junkebox que aparece em seus subnicks. Aquelas frases que transmitiam nossos pensamentos e ficavam no topo do MSN, para os que já não lembram mais da história que está para ser “desligada”.

O MSN não morreu, apenas para as massas, mas qualquer um que tiver contato com o programa MSN Reviver, desenvolvido certamente por algum fã do mensageira, é capaz de trazê-lo de volta à vida com grande parte de suas ferramentas costumeiras.

Arte: Divulgação

86

outrariar

comportamento

Novas versões dos contos de fadas

Descobrir que a pessoa com quem está se relacionando na verdade é gay pode ser algo traumático e doloroso, mas, em alguns casos, pode ser motivo de piadas e, até mesmo, o início de uma grande amizade

O mundo colorido de uma princesa feliz, de cabelos impecáveis e um vestido longo. A voz doce de veludo que se desmancha, ainda mais diante do príncipe elegante que transforma cada momento em uma verdadeira declaração de amor. Ao fundo, o castelo suntuoso guarda promessas de um futuro onde serão felizes para sempre. Contos de fadas que se refletem nas expectativas do mundo real. A idealização é socialmente arraigada: um casal de um homem e uma mulher, um par de filhos, um cachorro de estimação, o marido com um emprego bom, a casa quitada e o dia de amanhã feliz como o de hoje. O príncipe, a princesa e sua prole no castelo do mundo real. É, mas nem sempre acontece assim...

Tarcis Duarte

Arte: Freepik

outrariar Quando o príncipe é um sapo. Um sapo cor de rosa!

Carlos Augusto e Thamires Silva* são de Fortaleza, no Ceará, e se conheceram em 201 0 pela internet. Na época, Carlos tinha 1 8 anos. Ela era um ano mais velha, tinha 1 9. Depois de uns 3 meses de amizade virtual, encontraram-se pessoalmente em um aniversário de um amigo de Thamires, a convite da própria. Nessa noite, papo bom foi o que não faltou. Puderam compartilhar experiências e histórias sobre suas vidas.

Conversa vai, conversa vem, Carlos levantou-se para ir ao banheiro. Enquanto lá estava, escutou as amigas de Thamires que logo correram para comentar: “Nossa, como ele é fofo!”. Na sua volta, caras de paisagem. Todas disfarçavam.

Hora de voltar pra casa. Ao se despedirem, o beijo de Carlos muito próximo à boca de Thamires a deixou cheia de esperanças. Nos dias que se seguiram, além da internet, passaram a se falar bastante pelo telefone. Pouco tempo depois, uma nova saída juntos: foram a um “encontrão” onde os jovens fazem trocas de cds, posters, figurinhas. Foi aí que ficaram bem mais próximos e rolou o primeiro beijo de verdade, não só aquele selinho tímido na bochecha. “Foi aquele beijo sem jeito”, conta Carlos. Mas Thamires parece não ter sentido o mesmo, afinal o que o rapaz ouviu logo em seguida soou quase como uma intimação: “Olha, eu não sou de ficar, tá? Eu sou de namorar!”. Mesmo pego de surpresa, Carlos acatou. Simples assim! A chama mágica do conto de fadas estava acesa.

Os encontros do casal enquanto durou a relação eram dificultados pela distância entre os bairros que moravam em Fortaleza. A distância entre os bairros era de 1 6km. Aproximadamente uma hora e meia de ônibus coletivo. Portanto, o contato ficava restrito à internet e ao telefone. Encontros casuais aconteciam nos finais de semana, no shopping ou em algum evento ou lanchonete. “Essa dificuldade que a gente tinha pra se encontrar foi o que não deixou ela enxergar muito bem quem eu realmente era”, relata. “Ela conhecia o meu eu das coisas que eu falava de mim, de como eu me descrevia pra ela”.

Mas quem era esse verdadeiro Carlos? Confuso, retraído, incapaz de se aceitar e assumir seus gostos e preferências. Ficar com m en i n a s “a ba fa va ” su a vonta d e d e fi ca r com u m a pessoa d o m esm o sexo, m a s n ã o cessa va su a a tra çã o por ga rotos. “Eu vi a q u e a l gu m a coi sa em m i m esta va erra d a ”, a fi rm a el e. Ta l vez Ca rl os esti vesse com eça n d o u m a verd ad ei ra cri se com seu a l ter ego d e prín ci pe q u e n em m esm o fora cri a d o por el e própri o.

Depois de um bom tempo de namoro, Carlos já se demonstrava uma pessoa bastante confusa. “De uma hora pra outra eu me tornei uma pessoa rebelde, porque, ao mesmo tempo em que eu estava namorando com ela, ficava mais aflorado em mim a vontade de querer conhecer uns ‘caras’, querer ficar com uns garotos, retribuir os olhares que eu recebi a ”, a fi rm a el e. Tod a essa i n d eci sã o m i stu ra d a com d esej os

repri m i d os fez com q u e Ca rl os pa ssa sse a a gi r d i ferente com Th a m i res, evi ta n d o, i n cl u si ve, o d i á l ogo.

Ba l d e d e á gu a fri a n a rel a çã o! Ch egou u m m om ento em q u e o fi m j á era i n evi tá vel pa ra o j ovem , m a s n em i sso Ca rl os con segu i u fa zer presen ci a l m ente. O térm in o d o n a m oro a conteceu por m ei o d e u m d epoi m ento n a exti nta red e soci a l Orku t.

Th a m i res, a pa i xon a d a , n ã o a cei tou , cl a ro! Desol a d a , co rri a a trá s d e Ca rl o s pa ra ten ta r m u d a r a d ecisã o , en q u a n to el e a evi ta va a o m á xi m o . Até o d i a em q u e Ca rl o s ced eu e reso l veu se en co n tra r co m el a n ova m en te. “Q u a n d o eu a vi d e n ovo, senti u m pou co d o ca ri n h o q u e el a m e pa ssa va e eu ti n h a n ecessi d a d e d i sso. Era co m o se el a fo sse u m a vá l vu l a d e segu ra nça ”, rel a ta o ra pa z. E n ã o d eu o u tra : reso l vera m retom a r o n a m o ro . Th a m i res fi co u fel i z n ova m en te, en q u a n to Ca rl o s, m esm o co m to d o s o s esfo rço s, co nti n u a va co n fu so .

Com o d e costu m e, o ca sa l m a rca va presen ça n a s d i versa s festa s e reu n i ões n a s ca sa s d os a m i gos. Em u m a d el a s, Th a m i res n ã o se senti a m u i to bem e resolveu repou sa r n o q u a rto d o d on o d a festa , en q u a nto o n a m ora d o conti n u ou i ntera gi n d o com o pessoa l d o l ad o d e fora . Ca rl os conta , entã o, com o foi o cl ím a x d o epi sód i o d a n oi te: “Eu l em bro q u e n esse d i a ti n h a u m a m i go d el a m e ol h a n d o m u i to. Só sei q u e n o fi n a l d a n oi te, en q u a nto tod o m u n d o j á se d esped i a , eu fu i à cozi n h a e el e esta va l á . Aca ba m os n os bei j a n d o. Foi m ei o q u e u m ím ã . Foi u m bei j o rá pi d o, m a s q u e m e d ei xou a rrepi a d o, com u m a a d ren a l i n a m u i to forte”.

Ca rl os fi cou m a rtel a n d o o a conteci d o d u ra nte u m a sem a n a em su a ca beça , a té o d i a q u e se vi ra m n ova m ente em u m a vi si ta à ca sa d e Th a m i res. O a rrepen d i m ento fez com q u e ti vesse a cora gem d e revel a r à n a m ora d a o q u e h a vi a fei to. “Ach o q u e el a n ã o fi cou ch oca d a , n ã o pel o bei j o, m a s por ser o a m i go d el a .

Am i go term i n a n d o com “o”; u m h om em ! Essa m en i n a m u d ou com pl eta m ente, torn ou -se ou tra pessoa . Ol h ou pra m i m com u m a ca ra d e n oj o; u m n oj o vi ol ento! ”, conta el e envergon h a d o, rel em bra n d o a fú ri a com q u e Th a m i res o expu l sou d e su a ca sa n a q u el e d i a .

O q u e se segu i u fo i o d esd ém d e Th a m i res pa ra co m Ca rl o s. El a n ã o l h e a ten d i a o s tel efo n em a s e n a s red es so ci a i s fo i bl o q u ea d o . “Eu ten tei m u i to co n ta to co m el a . Li ga va e n ã o d a va certo . M a s eu n ã o ti ve co ra gem d e i r a ca sa d el a d e n ovo”, co n ta o ra pa z. Se n a pri m ei ra o ca si ã o a i gn o ra d a era Th a m i res, a go ra era a vez d e Ca rl o s. O tro co esta va d a d o e o ca stel o i a a o ch ã o .

87

outrariar

88 comportamento A amizade pode permanecer?

So bre rel a ci o n a m en to s co m ga ys, An a Fo n seca tem m u i ta h i stó ri a pra co n ta r, m a s u m a d el a s m a rco u su a vi d a pel o sen ti m en to q u e ti n h a pel o pa rceiro . “Eu era l o u ca n el e. Apaixonada!”, conta ela. Foi essa paixão que a fez enfren ta r a fa m íl i a e o s a m i go s, q u e se o pu n h a m a o rel a ci o n a m en to e a a l erta va m : “An a , a bre o o l h o ! ”.

Conversou com os pais e deixou claro que queria estar junto do garoto a qualquer preço. O namoro, então, se firmou. Frequentavam a mesma escola, gostavam de ir ao shopping nos finais de semana, sair para comer ou ir para a casa um do outro. Ou seja, passavam quase todo o tempo juntos. Um casal que chamava atenção por onde passava. “O pessoal olhava a gente de uma maneira muito estranha, como se estivéssemos fazendo alguma coisa errada. Todo mundo percebia, mas eu estava cega”, diz Ana. No seu ouvido, não paravam de chegar histórias sobre seu parceiro. Hoje em dia Ana sabe que muitas delas era m rea l m en te i n tri ga s, m a s q u e o u tra s era m a l erta s d e q u em só q u eri a o seu bem . Até o pró pri o ga roto ch ego u a a ssu m i r q u e j á h a vi a fi ca d o co m a l gu ém d o m esm o sexo a n tes, m a s el a se protegi a d o pi o r: “fi q u ei co m a co n cepçã o d e q u e el e era bi ssexu a l o u q u e ti vesse si d o a l go d e m o m en to a pen a s pa ra experi m en ta r”.

A maneira de falar, de se portar e as vestimentas são alguns dos sinais que, hoje, Ana consegue elencar, mas que, naquele momento, eram imperceptíveis para ela. “Talvez eu até percebia mas não queria enxergar.

Tinha hora que ele era mais feminino do que eu”. Somente depois de muito tempo de namoro é que essa “cegueira” foi se esvaindo até o momento em que o namoro acabou com dor e sofrimento, sim, mas deixando pra trás uma boa amizade. “Hoje em dia somos amigos, saímos pra comer juntos, nos falamos pela internet”. Ana ainda brinca: “parecemos duas meninas conversando”.

* Os nomes das fontes foram trocados

outrariar

89

Uma farsa?

Ilustração: Érika Abreu

Será que por alguns motivos particulares os relacionamentos heterossexuais são assumidos, em uma espécie de fuga, esconderijo ou atuação? Nos anos 50, a imprensa americana especulava a vida pessoal do astro hollywoodiano Rock Hudson, pois os rumores sobre sua homossexualidade corriam por toda parte. Um casamento com a secretária Willson Phyllis Gates, supostamente de fachada, teria sido providenciado para evitar a perda de contratos do galã. Anos depois, Hudson viria a assumir sua orientação sexual, antes de morrer de uma doença relacionada à AIDS. O fato é que rotular de “casamento de fachada” o caso de Hudson com a secretária pode ser algo complicado e questionável. Para o psicólogo José de Oliveira Nascimento, atração sexual tem um caráter extremamente mutável, ou seja, é natural que em determinado momento a atração venha a acontecer por mulher, outra hora por homem, ou até mesmo por nenhum dos dois.

Ana Fonseca acha que, especificamente em seu caso, seu parceiro deixou-se levar em uma tentativa de êxito em um relacionamento dentro dos padrões da sociedade. Para a socióloga e professora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Maria Lucia Vannuchi, tudo isso faz parte de um processo de construção da identidade do sujeito. “As identidades são fluídas e processuais", afirma Maria Lucia, “Uma pessoa que tem um relacionamento hétero e depois passa a ter um relacionamento homossexual, não necessariamente naquele momento anterior ela estava fingindo ou estava se escondendo por força de uma pressão social. As pessoas efetivamente podem mudar”.

Carlos Augusto, o “confuso” que traiu a namorada com o amigo dela, é um rapaz carente que sempre foi cativado pelo cuidado e atenção das pessoas. Em seu namoro com Thamires, a importância que a garota o dava foi crucial para a manutenção do relacionamento. Para Maria Lucia, querer se relacionar com alguém é mais que uma questão de sexo ou sexualidade. “Para além dela ser do sexo feminino ou masculino, ela é uma pessoa com determinadas características, inclusive intelectuais, emocionais, afetivas, que lhe atraíram naquele momento”, afirma ela.

Hoje, Thamires Silva tem uma filha pequena e parece ter encontrado o seu par perfeito. Ana Fonseca e Carlos Augusto ainda estão à procura de suas novas histórias de amor, cada um à busca de seu príncipe. Agora eles já sabem que do lado de cá da realidade, os contos de fada podem acontecer de maneiras diferentes, porém não com menos beleza e magia.

para resguardar as identidades das mesmas.

Arte: Freepik

outrariar

90 comportamento Comportamento

"Eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também..."

Hino dos solteiros já dizia como seriam os relacionamentos da nova geração

Talita Vital

No carro, com a minha irmã e seu namorado para mais uma viagem que eu ficaria de “vela”, começa a tocar na rádio a música “Já sei Namorar” da banda Tribalistas. Já havia cantado a música várias vezes, mas nunca tinha parado para pensar em como os meus relacionamentos amorosos eram rápidos, fluídos, confusos e superficiais comparados ao casal na minha frente, que tem oito anos de namoro e mais dois de noivado.

Hoje, cada um faz o que quer, dá atenção, liga ou manda whats pra quem quer. Só sai com quem lhe desperta atração, descarta uma pessoa porque ela gosta de comida japonesa e vive os relacionamentos efêmeros de sempre, como se isso fosse o país das maravilhas, onde você precisa do outro somente naquele momento, não em todos.

Temos quinhentos amigos no Facebook, mas nenhum amigo de infância, temos mais fotos lindas com filtros no Instagram, do que momentos felizes, temos mais beijos, mas sem serem sinceros e não reclamamos porque isso nos basta, momentaneamente.

E a culpa é de quem? Nossa, da sociedade, do momento histórico, da internet, de tudo!

Os laços frouxos do amor

Minha avó já dizia: não se faz mais relacionamentos como antigamente, e eu sou prova viva disso. O próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que o número de solteiros aumentou 48%, ou seja, 72 milhões dos brasileiros acima dos 1 5 anos são iguais a mim, solteiros! Agora para assustar ou apenas confirmar, se somarmos a população fora de um relacionamento sério, o número chega a 60%.

Por isso vários sociólogos e psicólogos começaram a estudar essa nova pergunta que surgiu: Por que não estamos mais nos relacionando de forma duradoura como antigamente?

Zygmunt Bauman, em seu livro "Amor Líquido", teoriza sobre essas novas formas de relacionamento, que predominam na sociedade pós-moderna. Ele fala como lembra a psicóloga Ariana Oliveira “que vivemos em tempos líquidos, em que o amor é líquido, as relações são volúveis e frágeis, acontecem para a satisfação de desejos momentâneos, é muito simples, não gostou troca, como se equiparássemos pessoas ao consumo de mercadorias.”

Então o que antes começava com trocas de olhares, andar de mãos dadas na praça e pedir ao pai da moça para namorá-la antes de beijar, foi trocado pelo ficar, pelos beijos sem compromissos, pela troca de contato sem sentimentos, pela aproximação a partir da internet e pelas redes sociais, pelo hedonismo, pelo egoísmo e pela satisfação pessoal em primeiro lugar.

Mas todas essas constatações, não são culpa apenas do sujeito, não somos só nós que paramos de ser carinhosos e se relacionar menos, o problema vem do contexto e do momento em que estamos vivendo. Vivemos em uma cultura de laços mais frouxos e de identidades cabides, como a professora de Sociologia da Universidade Federal de Uberlândia, Debora Pastana explica.

Identidades cabides são formadas a partir do cotidiano da pessoa e definem quem você é, então se você torna suas experiências superficiais, frias, rápidas, a sua identidade vai absorvendo tudo isso, como uma esponja, até chegar o momento em que você consegue escolher quem você quer ser para cada situação vivida.

Como lembra Debora, “não é uma deficiência do sujeito, não passa por nós, estamos sujeitos a conjuntura, a essa transformação social que acaba impactando nas nossas relações”.

Arte: Freepik

outrariar PhD em turismo

Mesmo que 50% da culpa sejam da sociedade, suspiros de alívio, os outros 50% são nossos e essa outra metade possibilitou que Bauman nos descrevesse como turistas...

O turista, é aquele que evita a fixação, sempre leva em consideração estar em lugar que lhe desperte desejo e sensações de prazer, mas ele não pertence a esse lugar e nem se importa com esse lugar. O turista viaja tanto que ele acaba por desenvolver certa distância com tudo ao seu redor, ou seja, aproxima-se com cautela, mas com um manual de instruções sobre como não correr riscos. Os ricos que corre, são calculados e programados, pois quando a diversão acaba ou ele almeja outras possibilidades mais excitantes de lugar, ou ele viaja de novo. As relações que mantém com as pessoas são efêmeras e episódicas, não há comprometimento e nem obrigações e nós, ou seja eu e você que estamos solteiro temos PhD em turismo.

Isso quer dizer que somos uma geração em que a quantidade é sempre melhor, o ego é a peça principal do quebra cabeça, a ideia da possibilidade de algo novo é cultuada e o não comprometimento é moda. Somos uma geração que é proibido amar, pois amor envolve entrega e vulnerabilidade, e nos proibimos de se importar, ninguém quer passar a ideia de estar apaixonado! Não temos paciência para tentativas, para fazer elogios e para esquecer os defeitos, um erro e você já está fora do jogo. Não temos capacidade para escolher um vestido que cai super bem nas nossas curvas, sem pensar nos outros vinte vestidos que a vendedora mostrou. As pessoas não se amam mais, elas se consomem, essa é a tese do filosofo polonês.

Mas vendo por outro lado, a vida de solteiro, como diz João Neto, Juliane Trajano e Augusto Nozella, que por enquanto são solteiros por escolha, é divertida, tem-se liberdade, não é preciso dar satisfação no outro dia, você pode beijar por beijar, você tem seu tempo, não tem a responsabilidade de um namoro e você pode focar na sua própria vida, na sua independência...

Você pode pensar no seu crescimento individual, você não cobra algo a mais para não ser cobrado, você somente se preocupa em não invadir a privacidade do outro para que a sua também não seja invadida. O que é muito atrativo nos dias hoje, já que somos “turistas por natureza.”

91

3G do amor

Um lugar que nós turistas não paramos de ir são às lojas de conveniências. Lá você encontra de tudo, encontra o que você quer, o que não quer e o que você precisa para aquele momento. Lá é um lugar que você procura quando está de passagem pela cidade.

A internet é a nossa loja de conveniência, e funciona com o 3G do amor, porque ela possibilita catálogos digitais de pessoas que estão interessadas em dormir juntos e acordar separados, como o aplicativo Tinder e alguns outros, com uma característica comum: a pegação.

Então, quem procura um ficante, um ficante fixo, um namorado, um stand by, um cara l egal que goste de cachorros, gatos, que frequente o mesmo bar que você, provavel mente encontrará ou uma rede social ou um apl icativo (app) destinado a l he oferecer os mel hores produtos do mercado.

Acredito que essa enorme loja de conveniência do ciberespaço é tão completa e complexa, que não sentimos saudade de casa. Lá nós podemos escolher com quem queremos nos relacionar, visitamos vários perfis de pessoas que vivem de aparências e mesmo assim nos interessamos, somos apresentados, como diz Juliane ao “mercado livre”.

E como toda rede de internet. A 3G do amor também tem seus pontos de acesso ruins, como o choque geracional. Particularmente me sinto incomodada, como a Juliane que acredita que “a internet meio que falsifica os relacionamentos”, tudo isso porque somos a geração da transição, conseguimos conviver com o modelo antigo e com o modelo novo. Por isso que os sociólogos e psicólogos dizem, que a rede é um subterfúgio, pois ela pode sim fortalecer os laços e ter a capacidade de ser contundente e aglutinadora, mas de forma rápida e não permanente.

Então para essa geração do modelo antigo, dizer que você se aproxima de pessoas que lhe despertam interesse pelo mundo virtual, é estranho, porque quem fazia esse papel antes era a vida, como diz a professora Debora, “se a máquina lhe aproxima, tudo se torna programado, você perde todas as suas expectativas, corta o tesão, é a surpresa do encontro que é bom, você descarta a possibilidade de se surpreender com a pessoa.”

Concordo sem pestanejar, pois a vida é a arte do encontro, das experiências, então se você fica só no virtual, só na loja de conveniência, você não se da à chance de conhecer o mundo real, a 3G do amor ajuda sim, mas só depender dela não vai te levar a lugar algum, mesmo você sendo um CEO em turismo.

Fotografia: Carolina Rodrigues

92

outrariar

comportamento

É impossível ser feliz sozinho

J á dizia Vinicius de M orais, mas várias vezes escol hi a sol idão ao aconchego de uma companhia. Sempre subestimei o poder do amor e se el e não acontecesse l ogo de cara, eu já desistia.

Aprendi com o tempo que nada é igual aos fil mes de H ol l ywood e passei a dispensar pessoas por hipóteses sem fundamentos. Sempre dizia: “El e não é um cara para mim” ou “não vai dar certo porque el e não gosta de cachorros”. Eu previa o futuro e negava qual quer oportunidade de conhecêl os, sempre a espera do príncipe encantado que preencheria todos os meus pré-requisitos.

E, é isso que acontece atual mente, dispensamos pessoas por banal idades, amamos nossa vida de sol teiro, mas desejamos no final da noite um amor verdadeiro, um amor utópico, avassal ador que pode ou não existir.

Lamentavel mente, não estamos l idando como sol teiros fel izes, eu não sou uma sol teira fel iz e nem a Paol a Baptista. É cl aro que curtimos a vida de sol teiras, somos turistas, esqueceu?! M as como diz Paol a: “Eu quero u m relacionamento, eu quero construir algo com alguém, compartilhar algo, mesmo se for por pouco tempo, eu acredito que existe uma pessoa pra você, que vai te preencher, que vai dar certo.”

Fotografia: Carolina Rodrigues

outrariar

93

Foi amor a milésima vez!

Ele faz Engenharia Elétrica, ela também e são da mesma turma, 1 a 0 para o destino! Ela é de Ribeirão Preto e se mudou para Uberlândia por causa da UFU, ele é de São Paulo e também se mudou por causa da faculdade. Os dois viraram amigos. Ele dava conselhos furados sobre relacionamentos para ela. E ela depois de certa convivência e identificação se apaixonou por ele. Ele nem percebeu. Homens!

Ela não desistiu, tentou de tudo. Até que depois de muita luta, em uma boate, o tão esperado beijo rolou! Uhuuuul!

Três dias depois ela viajou por causa das férias e ele só disse: “tchau...”. Eles conversaram durante esse um mês e quando voltou ela usou o truque dos ciúmes para colocar ele na parede. Ele enlouquecido com a ideia dela se relacionar com outro cara, no dia seguinte a pediu em namoro e depois de quatros anos, ou como ele diz, depois de uma copa do mundo, o namoro, a amizade e o companheirismo ainda é forte!

Ela é a Laura Issa e ele é o Bruno Scarpa. A Laura é minha colega de casa, como eu costumo dizer, na verdade nós dividimos um apartamento e por ironia do destino ou não, os exemplos de relacionamentos duradouros insistem em me seguir e me mostrar que ainda há esperança.

O relacionamento dos dois é engraçado de se ver, porque eles são a prova viva de que os opostos se atraem. Quando o Bruno foi entrar na “Empresa Júnior”, na mesma época em que a Laura fazia parte da equipe, eles aplicaram teste para as pessoas que forem opostas pudessem apadrinhar os novatos e adivinha quem era o oposto da Laura?? Sim, o Bruno!

OHHH (SUSPIROS)! Mas por eles já estarem em um relacionamento o chefe não os deixou trabalhar juntos.

Quando eu pergunto, com a minha ingenuidade de “sempre fui solteira e acho que todo mundo precisa aproveitar a vida”, se eles sentem falta da “solteirice”, a resposta é um não e um dar de ombros. A justificativa é simples, “a vida de namorado é bem melhor do que a de solteiro, porque quando se é solteiro você está sempre sozinho, agora namorando a pessoa vai estar sempre ali e você pode contar com ela”, diz Bruno e a Laura logo completa: “quando você namora você tem alguém pra ligar, chorar, pra enfrentar as horas ruins, porque são nas horas ruins que você sabe que gosta.”

E depois de colocar na balança da consciência os pós e os contra da vida de solteiro e de ter a oportunidade de abrir a porta quando o amor bater, ainda há pessoas que optam pelo amor mútuo e pela sobrevivência diária.

Para mim e meu “estilo de vida” são corajosos, pois a vida de solteiro sabe ser bem atrativa, mas o que importa nesses relacion a m en to s é o o u tro , é se a pa i xo n a r pel o o u tro d i a ri a m en te. É ter a q u el a pesso a co m o co m pa n h ei ro , é esco l h er to d o s o s d i a s a m esm a pesso a , o m esm o bei j o , o m esm o co rpo , o s m esm o s d efei to s e q u a l i d a d es, é co m o a La u ra m e a bre o s o l h o s, “é a d m i ra çã o , sa u d a d e, a cei ta r o s d efei to s, q u erer esta r j u n to a pesa r d e tu d o , é q u erer o bem , o Bru n o é m i n h a fa m íl i a . Eu m e vej o co m el e n o fu tu ro , co m u m a fa m íl i a , e a gen te se co n h ece m u i to , va i d a fo rm a d e o l h a r a té d e l i d a r u m co m o u tro .”

Então o que pode ser raridade para uns, é só uma escolha para outros. Uma escolha que muda sua vida, mas que também não depende só de amor, mas de vários outros sentimentos e atitudes que vão de encontro ao “eu sou de todo mundo”. O amor é o que faz a massa do bolo crescer debaixo de 1 80 graus, é o telhado da casa. Não basta somente amar até o último fio de cabelo do companheiro, mas também, ter coragem para deixar as inseguranças, os medos, o egoísmo. E a Laura e o Bruno entendem isso, porque quando eu pergunto o que é amor, o Bruno diz: “amor é tudo que você ouviu aí em cima” e Laura resume: “ele me basta, a gente se basta”.

Enfim, quero deixar claro que esse não é um texto para se deixar de ser solteiro ou para começar a namorar com o primeiro que lhe despertar atenção, ok! Longe disso! Cada um é dono das suas escolhas e tenho consciência de que esses mesmos dilemas sobre relacionamentos podem estar presentes na casa dos vinte, provavelmente vou tê-los na casa dos trinta, quarenta, cinquenta, e assim por diante. É legal ver que todos ainda somos meio cafonas, como diz Ariana, “o apaixonar-se ainda está vivo, e esse não será esquecido nem substituído tão facilmente, faz parte da natureza humana viver em sociedade e ligar-se a uma outra pessoa.” Mas vale lembrar que hoje nós não queremos um amor nos moldes antigos, e os relacionamentos sérios, como o da Laura e do Bruno e da minha irmã e meu “cunhado” são exemplos, eles são diferentes dos relacionamentos da década passada. Mas a essência, a cereja do bolo que é o amor ainda é a mesma. E para nós solteiros que amamos a liberdade e a independência, ainda assim queremos qualquer forma de amor.

H á q u em d i ga q u e o a m or está com o pé n a cova ou fa d a d o a o fra ca sso, poi s a tu a l m ente a h u m a n i d a d e está d esa pren d o a a m a r. Eu d i scord o. Am a r a gente sem pre sou be, a q u estã o é n ã o ter m ed o d e pega r d oi s si n gu l a res e tra n sform á - l os em u m pl u ra l .

Arte: Freepik

outrariar

93 ? comportamento

1900

Arte: Freepik

Década de 50: marcada pelo flerte ou o namorico (jogo de gentilezas, olhadelas, gestos, sorrisos)

Storyboard

Década de 60: o amor não era considerado importante para a união conjugal.

Década de 70: nessa época os casais já começam a falar mais freqüentemente ao telefone e, também, têm mais possibilidades de se encontrarem.

Décad passa liberda ex cons relacion ser men

outrariar

94 ?

d do amor

da de 80: Os jovens aram a buscar mais ade de escolha e de xperimentação, seqüentemente os namentos passaram a nos compromissados.

Década de 90: Os relacionamentos são cada vez mais emergentes. O ficar implica em contato físico entre duas pessoas sem que haja compromisso entre elas. A autonomia e a liberdade são extremamente valorizadas por ambas as partes.

Anos 2000: o "ficar com", se concretiza e vira moda.

Anos 2010: o ficar ainda permanece, porem se expande ao mundo virtual.

outrariar

96 ? comportamento

:) Desde que me entendo por gente meus pais sempre diziam que todo ser humano tem que fazer o bem ao próximo, independente de ser uma pessoa jovem, vel ha, criança ou até mesmo um animal zin h o . N u n ca m e esq u eci d e ta l en si n a m en to e ten to pra ti ca r o bem d i a ri a m en te. Cresci e vi q u e tem gen te q u e rea lm en te l eva m u i to a séri o ta l a pren d i za d o , rea l i za n d o to d o ti po d e tra ba l h o vo l u n tá ri o .

H á três anos minha mãe descobriu que estava com câncer de mama e eu pude compartil har essa jornada de sofrimento e muitas al egrias posteriores, el a sempre me conta várias histórias que aconteceram com el a no interior do hospital , sobre pacientes que compartil haram também suas vivencias, sobre médicos engraçados e médicos durões, e cl aro, sobre os vol untários que sempre estão com um sorriso no rosto. “Eu chegava no hospital para mais uma quimioterapia, já me sentia cansada pois durava muito tempo, aí vinha um vol untário que se sentava ao meu l ado e começava a jogar conversa fora, me animava bastante, eu nem conhecia a pessoa e el a saía de onde estava pois me achou ‘pra baixo’”, rel ata minha mãe, M arisa.

Segundo um dos maiores oncol ogistas do Brasil , Fernando Coitat M al uf, autor do l ivro “Vencer o câncer”, futuramente a doença será a maior causa de morte no mundo na próxima década.

“De cada dez tumores, somente um ou dois têm origem puramente genética – 85% dos tumores são originados por fatores ambientais. Cigarro, ál cool em excesso e consumido regul armente, dietas inadequadas, obesidade, fal ta de exercício físico, exposição à l uz sol ar sem proteção e ambientes pol uídos l evam parte da popul ação a desenvol ver câncer”, o próprio médico disponibil iza em seu site especificações sobre a doença e dicas para l utar contra el a em www.vencerocancer.com.br.

Patrulha voluntária

Com tantos índices negativos, como um paciente que l uta contra uma doença tão agressiva pode sorrir e até mesmo esque-

Comparti l ha e somand importância volun

Ser voluntário é algo enriqueced consegue pagar t

cer-se del a por al guns minutos? O câncer é uma doença para de, vol untários, paciente, famil iares e amigos. H á 1 8 anos fo al iada ao H ospital do Câncer, o “Grupo Luta Pel a Vida”, essa o grupo conta com cerca de 450 vol untários, divididos em sexta-feira, nos períodos da manhã e tarde. Os vol untários t sempre l evando mais conforto, assistência e al egria durante o Al ém de transbordar sol idariedade, o grande objetivo d cionar apoio aos pacientes e famil iares. Real izando também câncer e ações que incl uem o contato com os doadores, pro zares mensal mente, e outras atividades. Todas essas ações s patos, l ivros e até mesmo al guma quantia em dinheiro, e tam O Grupo Luta Pel a Vida sempre real iza eventos e ativid posição fotográfica com pacientes do hospital no mês de o al ertar as mul heres sobre o perigo do câncer de mama. A exp uma das pacientes convidadas a serem fotografadas, “Partic cer a doença eu só espero por coisas boas, e o Grupo Luta P pacientes do hospital , fiquei surpresa com o convite”, conta M Hospital da Gratidão

Os vol untários praticam atividades recreativas no hosp paciente que está se tratando. É muito fácil perceber os ben

outrariar

:)

ndo alegrias o amor: a do trabal ho ntário :)

97 ?

dor, se planta o bem e dinheiro algum tanta sabedoria colhida

Mariely Dalmônica

a ser enfrentada por um time, que incl ui profissionais de saúoi criado em U berl ândia uma Organização não Governamental ON G organiza o corpo de vol untários do hospital , atual mente 20 equipes, que se dividem trabal hando de segunda-feira à trabal ham em vários setores subdivididos dentro do hospital , o tratamento contra o câncer. dos vol untários é humanizar o ambiente hospital ar e proporm trabal hos com crianças que estão em tratamento contra o mover eventos l igados ao hospital , real ização de feiras e basão mantidas por doações da comunidade, sejam roupas, sambém apoio das empresas de U berl ândia e região. dades marcantes na cidade, no ano passado foi feita uma exoutubro, que é conhecido como “Outubro Rosa”, época para posição foi nomeada como “Lindas de Viver”, e minha mãe foi cipar dessa exposição foi um marco em minha vida, após venPel a Vida sempre foi muito acol hedor comigo e com todos os M arisa.

pital , proporcionando bem-estar físico, psicol ógico e social ao nefícios da intervenção desse trabal ho vol untário, ajudando o

paciente a se distrair e enfrentar seu tratamento. Tive a oportunidade de conhecer Fil ipe Coutinho, de 26 anos, que é vol untário há um ano no hospital , que el e chama carinhosamente de “H ospital da Gratidão”. “Eu sou uma pessoa que nasceu pra fazer coisas boas para os outros, e não pra mim diretamente. Eu fui ao hospital , não demorou uma semana e eu já estava trabal hando, foi mais uma vontade minha mesmo de fazer al guma coisa pra ajudar os outros”, conta o vol untário, que trabal ha na área de entretenimento, junto com outros vol untários el e real iza bingos, distribui bal as, faz cantoria no hospital inteiro, tanto na área da recepção quando na área dos l eitos.

O trabalho voluntário é uma atividade muito importante como suporte aos pacientes, e a motivação dos voluntários é visível. Quando um paciente do hospital falece, Filipe diz que é algo muito impactante, “mas eu fico satisfeito pelos sorrisos e obrigados que a gente ganha lá, e esse é o nosso pagamento”, compartilha. Sem dúvida, o trabalho voluntário realmente ajuda na cura do paciente com câncer, claro que depende muito do estágio da doença. Segundo o site do “Instituto Oncoguia”, cerca de 50% dos casos de câncer no mundo tem cura. O voluntário ainda diz que “A questão psicológica que ajuda demais, a pessoa entrar no entretenimento com a gente, tirar um sorriso enquanto está acamada. Eu vejo pra mim, eu não vejo sentido uma pessoa sorrir com um câncer espalhado no corpo inteiro, mas a pessoa sorri, então eu não sei a explicação. Pra mim é totalmente gratificante, é uma obrigação do ser humano ajudar o outro”.

Minha mãe sempre diz que “As pessoas que realizam o voluntariado precisam de um grande suporte emocional para sempre estarem ajudando o paciente e garantir uma boa relação entre os dois. E isso eu vejo sempre no hospital, os vol untários tratam todos tão bem, não só os pacientes, mas também os acompanhantes”. Essa rel ação entre paciente e vol untário é real mente al go muito l indo de se ver, mesmo estando em uma condição compl icada o paciente sorri apenas por estar na companhia de al gum vol untário. Assim, se observa que os serviços vol untários são e sempre serão tratados como al go enriquecedor para o indivíduo que o pratica.

Arte: Freepik

outrariar

98 comportamento

:) Fazer o bem, sem realmente ver a quem

O Hospital do Câncer de Uberlândia recebe todo tipo de contribuição, e ultimamente uma diferente doação vem chegando com mais frequência, são as doações de cabelo para a confecção de peruca para as pacientes. Além de uberlandenses e pessoas residentes de cidades vizinhas, esse ato de caridade e a vontade de ajudar conquistou o Brasil, mechas de cabelos são enviadas de várias partes do país para contribuir com o aumento da autoestima das pacientes. Minha mãe me contou que uma das coisas mais tristes do tratamento é perder o cabelo, “Eu andava na rua e parecia que todo mundo estava me olhando, mesmo usando um lenço, a autoestima abaixa mesmo, não tem jeito”.

As irmãs Maria Clara Castro, 1 5 e Marcela Castro, 9, decidiram cortar seus cabelos curtinhos e doar as mechas ao hospital, a irmã mais velha diz “eu me sensibilizei, alguém pode precisar bem mais do que eu. Fiquei bem emocionada quando eu fui levar o cabelo no hospital do câncer, é quando realmente você tem a sensação de missão cumprida”.

Marcela acrescentou “eu queria também ver outra criança feliz, depois de cortar eu dei um gritinho e falei: pronto, cortei! Me senti feliz, muito!”

O voluntário Filipe Coutinho durante a Páscoa do Hospital do Câncer Fotografia: Arquivo pessoal

Minha mãe, para a exposição “Lindas de viver” Fotografia: Mauro Marques

Fotografia: Mariely Dalmônica

:)

As irmãs Marcela e Maria Clara com seu novo corte de cabelo

outrariar

99

Para além do cabelo

:)

:)

:)

:)

Como se tornar voluntário do Hospital do Câncer Para se tornar voluntário é necessário que os interessados sigam algumas etapas, você deve ter mais de 1 8 anos, ir até o núcleo de voluntários do Grupo Luta Pela Vida e manifestar sua vontade de se integrar ao hospital. Assim, você preenche uma ficha de inscrição com seus dados pessoais, informando em que setor do hospital quer se voluntariar, dia da semana e horário disponível para se dedicar ao hospital. Quando surgir alguma vaga, uma secretária do núcleo entrará em contato para agendar o treinamento, para entender como é o funcionamento do hospital e a filosofia do trabalho voluntário exercido lá. Após a conclusão desse treinamento e você estiver apto a desempenhar tal atividade, você será oficialmente um voluntário do Grupo Luta Pela Vida no Hospital do Câncer de Uberlândia. Qualquer dúvida é só entrar em contato com o núcleo de voluntariado do hospital, ligando (34)3291 61 53.

:)

Se tiver o interesse de doar seu cabelo para o Banco de Perucas do hospital você pode optar por cortar no próprio hospital, pois contam com um grupo de cabeleireiros, ou você pode ir cortar no salão de sua preferência e levar até a secretaria do Grupo Luta Pela Vida ou enviar via Correio sua mecha de cabelo, caso não more na cidade. Todo tipo de cabelo é aceito, liso e enrolado, preto, loiro ou ruivo, quimicamente tratados, basta ter no mínimo 1 0 centímetros de mecha, e assim você já contribui pra fazer uma peruca e uma paciente feliz. Pode parecer um pequeno gesto, mas cortar e doar seus cabel os é uma atitude grandiosa.

Arte: Freepik

outrariar

100 comportamento

Os idosos já não tricotam mais

Para apagar fogo, precisamos de água. Mas, para deter a ansiedade da nova geração, nada melhor do que alguém que nos diga que o tempo pode ser nosso melhor amigo

Cindy Figueiredo

No entardecer de um meio de semana, em que a correria do dia a dia está no auge para a maioria das pessoas, recebo uma simpática visita: minha avó. É uma mulher única, já que é vaidosa como as mulheres de 30, de espírito jovial e sorriso fácil. A única coisa que entregaria sua idade é a impressão numérica que consta em sua identidade. E nesse dia, ela não foi diferente, contando-me, entre xícaras de café sem açúcar e fatias de pão integral, como havia sido o seu caminho para chegar onde está, como advogada da Vara de Família aos 73 anos.

Damiana Medeiros de Figueiredo é, nessa respectiva ordem, esposa, mãe, avó e advogada. Casouse com apenas 1 5 anos, com meu avô, cinco anos mais velho. Um ano depois, já embalava nos braços um menino, o primeiro de cinco filhos. De cada um deles, carrega um orgulho diferente. Do filho engenheiro, do filho médico, da filha artista e cozinheira de mão-cheia. Mas sua grande realização, além da família, é a profissão, que só seria consolidada após o nascimento do primeiro neto, quando já se aproximava dos quarenta anos de idade, quando muitos acham que é tempo de descansar.

No entanto, apesar de reconhecida e respeitada na Vara de Família, a realidade de Damiana nem sempre é um mar de rosas. Como muitos idosos atualmente, já sofreu discriminação pela sua idade e por certos transtornos típicos, como o fato de às vezes ter lapsos de memória recente. Tal preconceito, nos dias atuais, está atrelado à maneira como parte da sociedade entende os idosos, para que se insiram no “ideal da juventude”. O esperado seria que a terceira idade se adaptasse ao cotidiano das gerações mais recentes, usando de remédios para a perda de comunicação com filhos e netos, por exemplo.

Ilustrações: Cássia Freitas

outrariar

...

Gerson de Sousa, professor da Universidade Federal de Uberlândia e mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, defende, em sua dissertação de mestrado, que “a busca desses homens e mulheres é relegar ao segundo plano os saberes cotidianos pelo conhecimento científico – o que pode resultar no abandono de suas experiências e memórias”. Isso significa que, cada vez mais, os idosos têm abandonado a história das suas vivências em favor de se inserirem numa sociedade que prioriza a ciência acima do cotidiano experimentado.

Assim como os adolescentes que, para serem aceitos nos múltiplos nichos sociais, devem se submeter a uma série de requisitos e perdendo parte de sua identidade, no caso dos idosos, tal fator se traduz no aumento do número de representantes desse grupo no mercado de trabalho, o que apresenta consequências prós e contras.

O levantamento da Folha de S. Paulo entre o segundo semestre de 201 2 e o mesmo período de 201 3 mostra um aumento de 6,8% do total de pessoas da terceira idade empregadas, enquanto o desemprego nesse grupo caiu de 2,2% para 1 ,8%.

101

co Antôn i o Fa ri a Ba ti sta , d e 61 a n os, q u e a tu a l m ente a tua como representante comercial. “Manter-se economicamente ativo significa manter-se atualizado. Para mim isso é muito importante, pois me permite que, além do conhecimento já acumulado em experiências anteriores, me dá a possibilidade de mudar conceitos que eu já tinha e reformulá-los se precisar”, afirma.

Porém, o engenheiro adianta que nem sempre o mercado está preparado para receber atuantes mais velhos, embora esta seja uma lei amparada pelo Estatuto do Idoso, em vigor desde 1 º de outubro de 2003.

“Tem gente mais jovem que vê uma pessoa de mais idade na mesma área e já olha torto. A juventude ainda não está preparada para aceitar um idoso fora do ambiente que eles consideram típico dele, que é sentado no sofá contando história pros netos”, afirma Marco Antônio.

Para além da ciência

M a s va l e a pen a ren ega r a s h i stóri a s d e vi d a d os a vós d e a tu a l m ente em ra zã o d a pri ori d a d e d o sa ber ci entífi co? Em seu estu d o entre os a n os d e 2 000 e 2 001 , G erson d e Sou sa a n a l i sou a proposta d a U SP d a U n i versi d a d e Aberta à Tercei ra I d a d e, em q u e o obj eti vo n ã o foi si m pl esm ente esti m u l a r os i d osos a a bsorverem con h eci m ento científi co, m a s a proposta i a a l ém . “A essên ci a d o proj eto d a U SP é va l ori za r a experi ên ci a e a m em óri a d esses estud a ntes, possi bi l i ta r u m a troca d e experi ên ci a com os j oven s e vi sl u m bra r u m m ovi m en to po l íti co co m a cu l tu ra d a Tercei ra I d a d e”, po n tu a G erso n . E co m pl eta : “Pa ra a co n cretiza çã o d essa pro po sta , a U n i versi d a d e preci sa su pera r o d i scu rso d a m íd i a , cu j o va l o r está l i ga d o so m en te à cu ltu ra d o d i verti m en to”.

I sso si gn i fi ca q u e, q u a n d o a m íd i a retom a o pa ssa d o, costu m a tra zer a i d ei a d e entreten i m ento, e n ã o d e m ud a n ça soci a l . O q u e a U n i versi d a d e Aberta à Tercei ra I d a d e preten d e a l ca n ça r é q u e os i d osos m u d em o ru m o d a s su a s vi d a s, proporci on a n d o- l h es u m a n ova form a d e tra n sm i ti r o sa ber. Os q u e procu ra m a escol a pa ra rea l i za r o a nti go son h o d e estu d a r porq u e n ã o ti vera m essa oportu n i d a d e n o pa ssa d o têm a ch a n ce d e tra n sform a r su a h i stóri a , pel o ca m i n h o d o con h eci m ento.

Com a i n serçã o n o m erca d o d e tra ba l h o, o senti m ento n ã o é d i ferente. É o q u e d i z o en gen h ei ro m ecâ n i co M a r-

A isso, nem minha avó está imune. Ela relata um caso de quando, durante um processo num tribunal, foi vítima de preconceito de colegas mais jovens. Quando ela inverteu a ordem durante uma citação de leis em uma audiência, houve por parte dos mais novos, comentários do tipo “tricô só tem dois pontos”.

Foi quando o juiz interveio dizendo que exemplos como o dela foram necessários para que os mais novos estivessem aqui. “A princípio eu me senti envergonhada, pois parecia que eu não tinha estudado ou me empenhado o suficiente. Mas depois de ouvir o juiz, eu me lembrei que escolhi a advocacia como profissão pela paixão de ver a justiça sendo exercida, e naquele momento ela se fez sobre a minha vida,” conta .

Arte: Freepik

outrariar

102 comportamento

...

Mesmo com esses percalços, a produtividade econômica da terceira idade é uma benesse. O economista Rodrigo Sérgio Pereira, com MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirma que as empresas têm buscado funcionários com mais idade devido ao maior interesse e experiência desses candidatos. “Os funcionários mais jovens, obviamente não generalizando, buscam emprego por ambição, para ganhar dinheiro, mesmo que não se identifiquem com aquela área ou aquele cargo. Os mais velhos querem se manter ativos e querem, mais ainda, compartilhar a experiência que têm, colo ca n d o - a em práti ca ”, d i z. “I sso fa z co m q u e o fu n ci o n á ri o m a i s vel h o sej a m a i s i n teressa d o”.

outrariar

103

...

M a s en ga n a - se q u em pen sa q u e a pro d u ti vi d a d e d a tercei ra i d a d e se resu m e a pen a s à á rea d a ed u ca çã o o u a o m erca d o d e tra ba l h o . A si tu a çã o d e O swa l d o Al ves, d e 7 7 a n o s, h o j e m i l i ta r a po sen ta d o , é d i feren te. M esm o n ã o a tu a n d o m a i s n o m erca d o d e tra ba l h o , m a n tém - se a ti vo to d o s o s d i a s. “Eu vi vo o cu pa d o , reso l ven d o o s pro bl em a s d o s o u tro s, e i sso pa ra m i m n ã o é n en h u m pro bl em a ”, co n ta . Tro ca d i l h o à pa rte, O swa l d o é o h eró i tecn o l ó gi co d o s fi l h o s, a m i go s e n eto s. É á vi d o po r to d a n ovi d a d e d i gi ta l – i n cl u si ve é d o n o d e u m sm a rtph o n e d e ú l ti m a geraçã o – e se a tu a l i za , n ã o perd en d o pa ra a d o l escen te a l gu m n esse q u esi to .

Pa ra q u em a i n d a d u vi d a q u e o s i d o so s a cred i ta m ter m u i to o q u e viver a pesa r d a i d a d e a va nça d a , ba sta l em bra r d o ca so d e D o n a Ch a m es Sa l l es Ro l i m , d e 9 7 a n o s, q u e recebeu n o d i a 7 d e a go sto o d i pl o m a d e ba ch a rel em D i rei to pel a Fa cu l d a d e d e D i rei to d e I pa ti n ga (Fa d ipa ). Resi d en te em I pa ti n ga , a n o n a gen á ri a , em bo ra co n sci en te d e q u e su a i d a d e n ã o sej a u m a va n ta gem em term o s d e tem po d e a tu a çã o , q u er, a ci m a d e tu d o , co m pa rti l h a r o co n h eci m en to e ser ú ti l a q u em pro cu rá - l a .

Ao co n versa r co m essa s pesso a s, co n cl u í q u e n u n ca é ta rd e d em a i s pa ra a rea l i za çã o d e u m so n h o o u pa ra m u d a r a pró pri a traj etó ri a . Se o s i d o so s d e a tua l m en te têm o d esej o d e co m pa rti l h a r co m a su a com u n i d a d e o co n h eci m en to a d q u i ri d o a o l o n go d e ta n to s a n o s d e vi vên ci a , i n cl u si ve o s q u e estã o se a perfei çoIlustrações: Cássia Freitas a n d o , j á é u m estím u l o pa ra d erru ba r o estereóti po d o vel h i n h o so l i tá ri o , pessi m i sta e d epressi vo , à l á Vovô Abe, d o d esen h o a m eri ca n o O s Si m pso n s. O s i d o so s n ã o d evem e n ã o q u erem ser co n d en a d o s à excl u sã o n o a m bi en te gl o ba l i za d o e tecn o l ó gi co d e a tu a l m en te – m a s é i m po rta n te q u e ta m bém perceba m q u e seu va sto co n h ecim en to coti d i a n o é essen ci a l pa ra rega r, co m d o ses d e sa bed o ri a e l eveza , o co n h eci m en to cien tífi co tã o d em a n d a d o pel a so ci ed a d e a tu a l . É a essa co n cl u sã o q u e ch ego a o o bserva r o ro sto seren o d e m i n h a a vó D a m i a n a , tã o l etra d a em co n h eci m en to j u ríd i co e a o m esm o tem po co m ta n ta s l i çõ es si m pl es e po d ero sa s d e vi d a q u e tem a repa ssa r a seu s fi l h o s e n eto s.

Arte: Freepik

outrariar

104 comportamento

HORA DA

Procura por um ambiente especializ

I r a o sa l ã o d e ca bel erei ro sem pre foi u m m om ento d e pâ n i co pa ra m i m . N ã o sei se por ca u sa d o a m bi ente, d a s m i l h a res opções d e cortes ou a i m preci sã o d o fu tu ro vi su a l . Qu a nto a o l oca l , a té m eu s 1 6 a n os, freq u en tei sa l õ es d a d o s co m o u n i ssex. O ch ei ro d e m i l h a res d e pro d u to s q u ím i co s n o a r; a ba ru l h ei ra d e fo fo ca s e ri sa d a s; a espera , pra ti cam en te etern a ; e a q u a n ti d a d e d e pesso a s m e fa zi a m a i n d a m a i s i n segu ro .

Conversa n d o com u m a m i go m eu , Ti a go, el e propôs q u e eu bu sca sse u m a ten d i m ento m a i s especi a l i za d o. U m sa l ã o m a scu l i n o, em su m a , con h eci d o com o ba rbea ri a , q u e tra ba l h a pa ra a l ém d a ba rba .

Bru n o Fi gu ei red o , i d ea l i za d o r d o bl o gu e “J o ga n o G o o gl e”, co n to u q u e o m erca d o vem se d esen vo lven d o d evi d o à n ova rea l i d a d e m a scu l i n a . “O h o m em está m a i s preo cu pa d o co m su a bel eza , co m su a estéti ca , po rq u e el e percebeu q u e a su a a pa rên ci a i nfl u ên ci a n o seu tra ba l h o , n o s n egó ci o s, n o seu sta tu s”, d i sse Bru n o .

Fu i , entã o, em bu sca d esta s ba rbea ri a s. Segu n d o a J u nta Com erci a l d o Esta d o d e M i n a s G era i s, o m erca d o, em U berl â n d i a , cresceu cerca d e 69%, por i sso foi fá ci l en contra r d i versa s ba rbea ri a s. M a s, n ã o contente, bu sq u ei a i n d a m a i s e a ch ei , n ã o só n a cid a d e, m a s em vá ri os ou tros esta d os, d i versa s empresa s q u e a ten d em ou propi ci a m u m servi ço d i ferente pa ra o pú bl i co m a scu l i n o.

As ba rbea ri a s q u e en contrei , em gera l , bu sca m propi ci a r u m a m bi ente m od ern o e, a o m esm o tem po, tra d i ci on a l . Oferecen d o d esd e revi sta s a té wh i sky e vod ca , com o a Ba rbea ri a Ba stos, em Sã o Pa u l o.

“Salão de homem tem um perfil de consumo, assim,

outrariar

105

A AGON I A

zado, aquece mercado de barbearias

Michael Kealton

é preciso um ambiente diferente” – Bruno Figueiredo

Entã o, m eu probl em a q u a nto a o l oca l , d i m i n u i u .

Deci d i q u e, n a q u el a fa tíd i ca sexta d e a gosto, i ri a à ba rbea ri a procu ra r m eu n ovo vi su a l . U m sol esca ld a nte esta va sobre a ci d a d e, m a s o a m bi ente é a rej ad o. A Ba rbea ri a Ba rba M a n , l oca l i za d a n a a ven i d a Afon so Pen a , em U berl â n d i a , possu i u m a m pl o espa ço d e espera , a l ém d e u m a m esa d e si n u ca , ou , ta m bém con h eci d a com o m esa d e bi l h a r, u m víd eo ga m e d e ú l ti m a gera çã o, u m ba r, com com i d a e a té ca fé, j ogo d e d a m a s/xa d rez e revi sta s d o m u n d o m a scu l i n o.

A espera n ã o foi tã o ch a ta com o m i n h a s experi ên ci a s pa ssa d a s, prova vel m ente porq u e n ã o fi q u ei senta d o em u m a pol tron a l en d o revi sta d e cortes.

Ad ri a n o Ferrei ra , propri etá ri o d a ba rbea ri a d i sse q u e o a m bi ente foi pen sa d o d e m od o q u e “o cl i ente pod eri a senti r-se em ca sa ” ou em u m a ch á ca ra , fa zen d a , síti o, etc. Foi entã o q u e percebi a m ú si ca a m bi ente, a parentem ente serta n ej o.

Ad ri a n o com pl em entou , “q u eri a q u e o cl i ente fica sse ba sta nte tem po a q u i , poi s, a ntes, se d em ora sse m u i to el e i a em bora rá pi d o. Entã o fi z u m a pesq u i sa , pergu nta n d o d o q u e el es gosta ri a m d e ter a q u i . Pegu ei os m a i s vota d os e a pl i q u ei ”. Pel o vi sto d eu certo m esm o, os cl i entes entretera m -se e perm a n ecera m por u m tem po m a i or, a ssi m com o eu . Ah . . . a contempora n ei d a d e q u e n os ti rou a pa ci ên ci a pa ra espera r.

Conversa n d o com o Ti a go e o Ad ri a n o, pu d e n ota r q u e a especi a l i za çã o, ou sej a , o foco d o sa l ã o, n o setor m a scu l i n o, prom ove m a i s efi ci ên ci a e m el h or q u a l i d a d e n o tra ta m ento d o cl i ente, n o corte e n a visã o d e esti l o. “Prefi ro q u e sej a u m h om em corta n d o m eu ca bel o, tra n sm i te m en os recei o”, d i sse Ti a go.

Fotografia: Bia Carvalho Arte: Freepik

outrariar

106

Barbearias oferecem solução para o dilema do corte, fazendo mercado crescer.

...

M eu d i l em a pro ssegu e, co m o co rta r o ca bel o?

D o m o d o m a i s si m p l es p o ssível , a ssi m co m o o a mb i en te, n ã o é n ecessá ri o a l go m u i to req u i n ta d o , a p en a s o tra d i ci o n a l . Afi n a l “o h o m em m o d ern o b u sca co n ci l i a r a m o d a e o cl á ssi co”, co m o d i sse B ru n o Fi gu ei red o .

En tã o sen tei n a ca d ei ra , a l gu n s tem em a d o d en ti sta , eu a d o ba rbei ro . Seri a po r ca u sa d o m u sica l d e H u gh Wh eel er, o “Sween ey To d d : Ba rbei ro D em o n ía co d a Ru a Fl eet”? Crei o q u e n ã o , é só m ed o d e m u d a r o pen tea d o . Si m , é i sso m esm o . En fi m , co n tin u a n d o , co m o o Ti a go d i sse, po r ser u m a m bi en te ch ei o d e h o m en s é m a i s co n fo rtá vel ped i r co m o vo cê q u er o co rte. Às vezes, el es a té i n terro m pem , po i s j á m en ta l i za ra m o q u e seri a m el h o r pa ra vo cê.

Vi n te m i n u to s d epo i s, j á q u e m eu ca bel o estava gra n d e, eu fi q u ei pro n to . N ovo co rte, n ova ca ra , o u n ã o . M a s, d esta vez, n ã o m e preo cu pei ta n to co m o m eu co rte. Assi m , co m o o m erca d o d e ba rbea ri a s, cresce e se a d a pta pa ra seu pú bl i co , percebo q u e a n ova rea l i d a d e so ci a l co n tri bu i pa ra a preo cu pa çã o co m a a pa rên ci a .

Fotografia: Bia Carvalho

comportamento

outrariar

107

...

Fotografia: Bia Carvalho

O s ga sto s, d o h o m em m o d ern o , co m a bel eza ch ega m a 80 m i l h õ es rea i s po r a n o , segu n d o o I BG E. I sto a l ia d o , a o n ú m ero d e m etro ssexu a i s, term o q u e su rgi u n o s a n o s 1 9 9 0 e d i z respei to a h o m en s q u e i n vestem pa rte d e seu d i n h ei ro em pro d u to s pa ra bel eza , q u e vêm a u m enta n d o d e fo rm a a cen tu a d a . D a d o s q u e co n tri bu íra m n o i n vesti m en to , d e si tes e ba rbea ri a s, em n ova s fo rm a s d e a gra d a r esses co n su m i d o res.

Su rgem n ovo s pro d u to s pró pri o s pa ra o pú bl i co m a sc u l i n o , co m o m á s ca ra s p a ra ca b e l o s , p ro te to r s o l a r p a ra o ro s to , b a rb e a d o re s e p e rfu m e s . Ad ri a n o e B ru n o d e s ta ca ra m q u e o s h o m e n s , a go ra , p e rce b e ra m q u e h á d i fe re n ça e n tre p ro d u to s d e s ti n a d o s à gê n e ro s e s p e c ífi co s . As s i m , m u i ta s b a rb e a ri a s , a p ro ve i ta n d o d e s s e n o vo n i c h o m e rca d o l ó gi co , o fe re ce m e s s e s p ro d u to s mascul inos.

En q u a n to o cl i en te a pa ra a ba rba , co n h ece pro d u to s q u e a u xi l i a m n a fo rti fi ca çã o e a u m en to d e vo l u m e d el a .

Ao co n cl u i r o co rte, o ca bel erei ro d em o n stra , a tra vés d e u m pen tea d o , pro d u to s co m o po m a d a s, q u e a tu a l m en te exi stem pa ra m a i s d e d ez ti po s d e ca bel o s, géi s e l a q u es.

E, pa ra fi n a l i za r esta o d i ssei a , o n d e u m si m pl es co rte d e ca bel o m e fa z “perd er a s estri bei ra s”, percebo q u e a m i n h a h o ra d a to rtu ra co m eça a ca m i n h a r pa ra vi n te m i n u to s d e rel a xa m en to . O tem po e a q u a l i d a d e d o serviço , po r serem especi a l i za d o s, pro m overa m a crescen te po pu l a ri za çã o d e ba rbea ri a s pel a ci d a d e e pel o pa ís, e, a go ra , m i n h a i d a em sa l õ es q u e pro põ em este n ovo a m bien te “ca bel ísti co”, po d e vi ra r roti n a .

“O profissional de barbearia precisa agregar valor ao serviço para conquistar mais o cliente” – Adriano Ferreira Arte: Freepik

108

outrariar

comportamento

Dependência não é morte

Marcelo França

A velhice é inevitável e idosos dependentes merecem atenção bons cuidados

O tem po pa ssa d a m esm a fo rm a pa ra to d o s. O pro cesso d e en vel h eci m en to é n a tu ra l e n i n gu ém po d e esca pa r d i sso . O s m éto d o s pa ra reta rd a r o en vel h eci m en to sã o m u i to s, m a s em a l gu n s ca so s, é i m po ssível evi ta r u m a si tu a çã o d e d epen d ênci a . Ca d a pesso a en vel h ece d e u m a m a n ei ra e ter u m a vi d a sa u d á vel en q u a n to a i nd a é j ovem é o pri n ci pa l m o d o d e evi ta r o u reta rd a r a n ecessi d a d e d e ser cu i d a d o po r o u tra s pesso a s n o fu tu ro .

O a po sen ta d o An tô n i o N a sci m en to , 81 a n o s, d i a gn o sti ca d o co m Al zh ei m er h á sete, recebe a a j u d a d o s fa m i l i a res e d e su a cu i d a d o ra em su a s a ti vi d a d es roti n eira s. A fa m íl i a o pto u po r cu i d a r d o i d o so em ca sa , a o i n vés d e u m a si l o , em bu sca d e m a i o r co n fo rto . A roti n a n ã o é fá ci l , o s m o m en to s d e perd a d e m em ó ri a sã o co n sta n tes e a l tern a d o s co m o s d e l u ci d ez, o s q u a i s sã o a co m pa n h a d o s pel o ch o ro d e q u em se vê em si tu a çã o l i m i ta d a a pó s a n o s d e i n d epen d ên ci a .

Co n vi ven d o co m o a po sen ta d o , é po ssível perceber a s a l tera çõ es d e h u m o r q u e d evem ser en ca ra d a s co m tra n q u i l i d a d e. N ã o é o An tô n i o p a i , a vô e m a ri d o q u e tra ta co m i n d i feren ça seu s fa m i l i a res. S u a esp o sa , q u e co n vi ve h á 5 3 a n o s co m o a p o sen ta d o , co n ta q u e el e sem p re fo i u m a p esso a a ten ci o sa e o s m o m ento s em q u e el e tra ta o s p a ren tes e a n ti go s a m i go s só su rgi ra m a p ó s o d esen vo lvi m en to d a d o en ça .

A fa m íl i a , q u e a co m pa n h o u su a tra j etó ri a , l em bra - se d a s si tu a çõ es em q u e An tô n i o era o respo n sá vel pel a s d eci sõ es d a ca sa . Su a espo sa rel a ta a m u d a n ça n a percepçã o d o m a ri d o . “El e a i n d a se i n teressa m u i to pel o q u e a co n tece co m a gen te, m a s em a l gu m a s h o ra s, pa rece q u e n o ssa ca sa é u m l u ga r estra n h o pa ra el e”.

D e a co rd o co m a estu d a n te d e psi co l o gi a , Cecíl i a M a rq u ez, o en vel h eci m en to cri a l i m i ta çõ es em d eterm i n a d a s a ti vi d a d es, o q u e po d e gera r sen ti m en to s d e i n capa ci d a d e e fa l ta d e a u to n o m i a , q u e po r su a vez, sã o expresso s em co m po rta m en to s d epressi vo s o u a gressi vo s.

Em u m a breve pesq u i sa i n fo rm a l so bre o a ssu n to , co n sta to u - se q u e gra n d e pa rte d a po pu l a çã o j ovem tem rel a çã o d i reta co m a l gu m a pesso a co m i d a d e i gu a l o u su peri o r a 60 a n o s, gru po q u e po ssu i o s d i rei to s a ssegu ra d o s pel o esta tu to d o i d o so . Esse fa to se d eve a o en vel h eci m en to d a po pu l a çã o . Segu n d o d a d o s d o I n stitu to Bra si l ei ro d e G eo gra fi a e Esta tísti ca (I BG E) a presen ta d o s n o estu d o “En vel h eci m en to Po pu l a ci o n a l : U m a Rea l idade Brasileira”, a estimativa para o ano 2025 é de que a população brasileira com mais de 60 anos chegue a 34 milhões de pessoas.

outrariar

Doença de Alzheimer

O Al zh ei m er, d e a co rd o co m a Asso ci a çã o Bra si l ei ra d e Al zh ei m er (ABRAz), é u m a d o en ça ca u sa d a pel a m o rte d e cél u l a s cerebra i s. A en ferm i d a d e n ã o tem cu ra e se a presen ta co m a perd a d a ca pa ci d a d e co gn i ti va . O d i a gn ó stico , co m o o co rreu n o ca so d e An tô n i o , é fei to a pa rti r d a a va l i a çã o m éd i ca j u n to co m o h i stó ri co d o pa ci en te. N ã o é po ssível ter u m d i a gn ó sti co m a i s preci so , Fotografia: Pixebay vi sto q u e, pa ra i sso , é n ecessá ri o rea l i za r u m exa m e m i cro scó pi co d o teci d o d o cérebro , pro ced i m en to fei to a pen a s a pó s a m o rte d o pa ci en te po r a presen ta r ri sco s à su a vi d a .

Q u a n d o An tô n i o está em m o m en to s n ã o l ú ci d o s, o s so n h o s sã o co n fu n d i d o s co m a rea l i d a d e e perso n a gen s q u e m a rca ra m seu pa ssa d o vo l ta m à su a m em ó ri a . O s fa m i l i ares d i zem q u e el e vi ve o u tra rea l i d a d e e q u e ra ra m en te fi ca a gi ta d o , si tu a çã o q u e po d e o co rrer n esses ca so s. A cu i d a d o ra d e An tô n i o , q u e tra ba l h a n o perío d o d i u rn o , d i z q u e o i mpo rta n te é l em bra r q u e o s i d o so s sã o seres h um a n o s e d evem ser respei ta d o s.

A d o en ça d e Al zh eim er n ã o é a ú n i ca ca u sa d e d em ên ci a . Ca so s em q u e pa ci en tes a presen ta m l esõ es va s- Diagnóstico de Alzheimer é feito através da história e cu l a res n o cérebro , avaliação do paciente red u çã o d a regi ã o fro n ta l e tem po ra l d o cérebro e o u tra s a l tera çõ es cerebra i s po d em ca u sa r a perd a d e fu n çõ es co gn i tiva s, co m o a l tera çõ es n a l i n gu a gem , perso n a l i d a d e, percepçã o e m em ó ri a . Co m o en vel h eci m en to d a po pu l a çã o , a q u a n ti d a d e d e pesso a s q u e a presen ta m esses pro bl em a s d e sa ú d e ten d e a a u m en ta r.

D o u to r M á rci o F. Bo rges, m éd i co geri a tra e co o rd en a d o r d a Su b- Regi o n a l d a ABRAz d e J u i z d e Fo ra , escreveu em pa rceri a co m fa m i l i a res e cu i d a d o res q u e freq u en ta m a s reu n i õ es d a ABRAz, o M a n u a l d o Cu i d a d o r. D e a co rd o co m el e, é extrem a m en te i m po rta n te n a vi d a d o i d o so co m d em ên ci a , a cri a çã o d e u m a roti n a e d e u m a m bi en te q u e tra n sm i ta co n fo rto e segu ra n ça .

109

outrariar

110 comportamento

Rotina do paciente necessita de ambiente seguro e confortável

Fotografia: Pixebay

Onde cuidar?

A busca de segurança foi o fator que levou a família de Isabela Cunha a optar pelos cuidados em casa de sua avó, que possui Alzheimer. De acordo com ela, o idoso se sente melhor quando continua em ambiente familiar. “Há mais carinho e atenção quando é um familiar cuidando”, completa.

Cuidar de idosos é uma atividade sem pausas. Os momentos em que a personalidade e percepção são alteradas criam a necessidade de constante acompanhamento. A pressão sobre os cuidadores é grande e, por isso, é recomendado que o cuidado seja feito por mais de uma pessoa, com a possibilidade de contratar um profissional especializado.

O projeto de lei, de iniciativa do Senado Federal, que regula a profissão de cuidador está em tramitação da Câmara dos Deputados e, com sua aprovação, caso não haja mudanças, maiores de 1 8 anos que tenham concluído o ensino médio e curso de cuidador de pessoa poderão exercer a profissão. Para quem já trabalha na área há mais de dois anos, a conclusão do curso de cuidador de pessoas não será obrigatória. Joana Aparecida, cuidadora há seis anos acha importante que haja regulamentação, já que envolve cuidados com a saúde de outra pessoa. No entanto, ela acredita que teria problemas, caso fosse obrigada a realizar um curso. “O trabalho é cansativo e ocupa boa parte do dia”.

Há idosos que realizam atividades com a necessidade apenas de supervisão, nesse caso, o trabalho do cuidador é de acompanhá-lo. Por outro lado, o idoso que apresenta demência em fase avançada necessita de auxílio em cuidados como banho, alimentação e vestir roupa. Portanto é importante que a família busque um profissional que tenha experiência na área, saiba lidar com os comportamentos que o idoso pode ter, além de conhecer a demência e a doença de Alzheimer.

Por outro lado, há famílias que optam por hospedar parentes idosos em casas de repouso. Apesar da família de Isabela Cunha ter optado por cuidar de sua avó em casa, ela reconhece as casas de repouso como uma boa alternativa, mas ressalta a importância de conhecer o ambiente e os profissionais que trabalham no local. “Deve-se manter o contato com o idoso. Não abandoná-lo e ir embora”.

Doutor Márcio Borges diz que nos casos em que a família não consegue manter condições adequadas para o idoso ou quando o cuidador está em condições precárias, as casas de repouso se tornam opções apropriadas. Ele completa dizendo que é necessário conversar com outras famílias e com os responsáveis pela casa de repouso sobre o registro nos órgãos competentes, procedimentos de emergência, serviços oferecidos e qualificações dos profissionais, além das condições básicas, como limpeza, ventilação e iluminação.

outrariar

Uma nova fase

Com o processo de envelhecimento, o idoso entra em uma nova fase de sua vida e, dependendo do grau de demência, vive situações que devem ser acompanhadas de perto pelos amigos e familiares. A advogada Carolina Lemes relata que em visita a seus avós, que moram em um edifício antigo, onde os apartamentos são ocupados em sua maioria por idosos, alguns com algum tipo de perda de função cognitiva, já encontrou moradores perdidos nas áreas comuns do prédio. A situação curiosa, embora aconteça frequentemente, com diferentes pessoas, fez com que funcionários fossem alertados pelos parentes para relatar aos familiares caso algum morador deixe o prédio. “A gente conhece os moradores e sabe as limitações de cada um, então a gente avisa quando eles querem sair sozinhos”, diz Reginaldo, funcionário do prédio.

Após estagiar com idosos na área da psicologia, Cecília Marquez explica que é preciso que a família do idoso o auxilie a viver o processo de envelhecimento de maneira gradativa, respeitando o tempo e seus limites. “É importante que o círculo de convivência do idoso compreenda o envelhecimento como parte do processo de viver. Tal entendimento transmitirá ao idoso segurança, uma vez que, as pessoas de sua confiança lidam com naturalidade com essa fase da vida e suas consequências”, alerta.

El a compl eta dizendo que a interpretação de experiências boas e ruins definirá a forma que o idoso encara as l imitações e a necessidade de auxíl io. “Caso o resul tado seja interpretado por el e como positivo, as l imitações sofridas e a necessidade de auxíl io de outras pessoas são encaradas de maneira mais natural ”, compl eta. A vida de quem apresenta al gum tipo de demência não acaba por ser l imitada.

Alguns idosos sentem dificuldades em se comunicar ou conviver em grupo. Eles buscam o isolamento ou até mesmo não têm forças para caminhar e realizar atividades comuns, encontrando-se assim, em uma situação que se limita ao repouso. No entanto, o contato diário, seja de familiares ou amigos, é fundamental para o bem estar do idoso. E, com certeza, caso haja possibilidade de ouvir seus casos, o benefício será mútuo. Portanto, o melhor é não deixar repetir a história de que as pessoas só dão valor ao que tem após perder. Idosos dependentes não estão mortos e o contato com eles pode ser mais benéficos do que os jovens são para eles.

111

112

outrariar

social

O mínimo que os humanos podem fazer U m gru po d e j oven s d e U berl â n d i a se vi u d esa fi a d o d epo i s q u e fo ra m vi si ta r a l gu n s a ssen tam en to s n a zo n a l este d a ci d a d e, a o perceberem e presen ci a rem cen a s d e extrem a po breza , fo m e e sofri m en to , o s j oven s se sen si bi l i za ra m e d eci d i ra m q u e q u eri a m fa zer a l go pa ra a j u d a r essa s fa m íl i a s. J u n to s el es se pro pu sera m a a j u d a r à co m u n i d a d e co m a co n stru çã o d e m o ra d i a s. Ao ver a i n i ci a ti va e o empen h o d o s j oven s, a m ã e d e u m d el es, El i a n a Ca rri j oSetti , d eci d i u co n ti n u a r co l a bo ra n d o . Pa ra i sso el a cri o u a Pa sto ra l d a M o ra d i a , q u e fo i o em bri ã o q u e vi ri a a se to rn a r a O N G Açã o M o ra d i a .

N o a n o d e 1 9 87 , co m a o cu pa çã o d o a go ra ba i rro D o m Al m i r, a s “po rta s fo ra m a berta s” pa ra q u e a ci d a d e crescesse pa ra a zo n a l este. Co m i sso e co m a ven d a d e l otes i rregu l a res h o u ve a o cu pa çã o d e d u a s terra s i n u ti l i za d a s, po r fa m íl i a s ca ren tes, a m a i o ri a m i gra n tes q u e vi era m pa ra a ci d a d e a trá s d e u m a vi d a m el h o r.

N a épo ca o s a ssen ta m en to s n ã o ti n h a m n en h u m ti po d e sa n ea m en to bá si co e seu s m o ra d o res vi vi a m n a bei ra d a m i séri a , co m o tem po h o u ve u m d esen ca d ea m en to d e o cu pa çõ es n a regi ã o e ca d a vez m a i s a zo n a l este fo i crescen d o .

Ta l cresci m en to a u m en to u ca d a vez m a i s a n ecessi d a d e d e u m a m a i o r a ten çã o pa ra o s m o ra d o-

Sérgio Dalláglio

res, a q u a l n ã o era d a d a po r n en h u m ó rgã o pu bl i co o u o utra s i n sti tu i çõ es.

El i a n a e seu espo so , O swa l d o Setti , fo ra m ch o ca d o s pel a si tu a çã o em q u e vi vi a m essa s pesso a s e vi ra m a o po rtu n i d a d e d e a j u d a r esses j oven s ca ren tes. Lo go , em 1 9 9 3 , co m eça ra m a i n vesti r n o s j oven s.

O ca sa l cri o u a Pa sto ra l d a M o ra d i a , q u e sete a n o s d epo i s fo i tra n sfo rm a d a em O N G , sen d o co n stru íd a a a tu a l sed e d a Açã o M o ra d i a n o ba i rro M o ru m bi e i m pu l si o n a n d o a i n d a m a i s a s a ti vi d a d es n o d esen vo l vi m en to d a co m u n id a d e. D e a co rd o co m M a rq u i n h o d o M ega Box, verea d o r e ex- presi d en te d a a sso ci a çã o d o s m o ra d o res d a Zo n a l este, “a Açã o M o ra d i a cresceu j u n to co m a n o ssa co m u n i d a d e, el es têm u m pa pel i m po rta n te ta n to n o d esen vo l vi m en to so ci a l , eco n ô m i co , cu l tu ra l e n o l a zer d a co m u n i d a d e”.

E s s e ti p o d e o rga n i z a ç ã o , a s s i m c o m o a s a s s o c ia ç õ e s e fu n d a ç õ e s , ti ve ra m d e s ta q u e e s p e c i a l n o C ó d igo C i v i l d e 2 0 0 2 . É c o n s i d e ra d a u m a E n ti d a d e d o Te rc e i ro S e to r.

N ã o vi sa m l u cro , d i feren te d o Pri m ei ro Seto r (G overn o) e d o Segu n d o Seto r (Em presa s), e seu s m em bro s traba l h a ra m vo l u n ta ri a m en te.

Podem ter sua atuação em diversas áreas, tais como: Educação, Direitos Humanos, Diversidade Cultural, Esporte, Direitos da Cidadania, Diversidade Sexual, Meio Ambiente, Pessoas com deficiência ou Mobilidade reduzida, entre outros.

outrariar

113 Mulheres trabalhando na fabricação de tijolos ecológicos

Vidas Mudadas

A ONG sempre teve como um dos seus principais pontos a interação coma comunidade, sempre deixando claro que estão abertos para aqueles que carecem de alguma necessidade, seja algum curso, trabalho ou até mesmo para quem deseja ser voluntário. Muitas das pessoas que agora trabalham na ONG começaram como voluntários e passaram por varias áreas na Ação Moradia, exemplos disso é Maria Santana e Fabiana Galvão.

Santana, como Maria é chamada, saiu da Bahia onde era colhedora de café em 1 978. Em 1 994 ela, o marido e sua filha vieram para Uberlândia. Ao chegar à cidade ela foi trabalhar como descascadora de alho, descascando mais de 20 quilos de alho por dia. Após mudar para os assentamentos da Zona leste da cidade, Santana começou a fazer cursos e a trabalhar como voluntaria da limpeza na Ação Moradia. “Comecei a trabalhar quando a ação moradia era no Dom Almir, descobri que eles davam cesta básica para voluntários, comecei e não sai até hoje” disse ela.

Com essa motivação, Maria Santana foi atrás de uma escola para adultos e hoje esta se alfabetizando, mas mesmo antes de ter suas primeiras aulas sobre o alfabeto ela já tinha vontade de expressar seus sentimentos em palavras. Assim, ditando palavra por palavra para uma professora ela fez sua primeira poesia e ganhou seu primeiro concurso.“ Mulher guerreira, mulher solteira, amasiada ou casada, simplesmente mulher com o dom da vida, carrega em seu ventre a sabedoria, segredos que encanta com a força da mudança, mulher é mulher, não desiste do que quer”.

Fabiana nasceu em Pirapora interior de São Paulo e veio para Uberlândia com toda a família em 2002 na tentativa de conseguir trabalho e vida mais dignos. Ao chegar aqui, trabalhou em uma granja até ter seu primeiro filho depois de dois anos. Mudou para a

área urbana, onde começou a pagar aluguel, e quase não sobrava dinheiro para a alimentação já que ela teve que parar em razão do cuidar do seu filho integralmente. Já desesperada pela falta de trabalho, Fabiana ficou sabendo das ocupações e viu nesse cenário uma oportunidade de melhorar pelo menos um pouco sua vida.

Em 2007, ao receber a visita das assistentes sociais da Ação Moradia, e ficar sabendo que seu filho teria um lugar para recreação, ela decidiu fazer alguns cursos.

Quando entrou na ONG, Fabiana trabalhou como voluntaria na cozinha, em que recebia uma cesta básica pelo trabalho executado. “Senti-me muito bem de voluntaria, no final do mês ganhava uma cesta, fiquei feliz de mais em ter pelo menos uma cesta, isso levantou minha autoestima, até meu esposo percebeu minha mudança”, contou.

Mesmo sem muito estudo, tendo trabalhado duro à vida toda, essas mulheres estão dispostas a melhorar, a crescer cada vez mais. Um exemplo disso é Fabiana que agora é contratada da Ação Moradia na área da formação infantil e já pensa em fazer uma faculdade para melhorar sua vida profissional.

Além de dar emprego e a possibilidade de vários cursos aONG e seus colaboradores incentivam as pessoas a procurarem o seu melhor, buscando tanto o desenvolvimento intelectual quanto moral.“Muitas pessoas quando foram pra lá não sabiam de nada, pessoas,muito humildes que não sabiam ler nem escrever e às vezes nem falar corretamente e hoje aprenderam muitas coisas”, expôs Marquinho.

Fotografia:Sérgio Dalláglio

114

outrariar

ONG oferece atividades recreativas como futebol

Fotografia:Sérgio Dalláglio

social

Construindo Sonhos

O impacto que uma ONG tem na comunidade em que atua é enorme, e traz beneficio tanto para os moradores quanto para os colaboradores da instituição, as pessoas que trabalham na Ação passam a se humanizar cada vez mais e começam a ter nessas pessoas “carentes” companheiros de trabalho e amigos. Com a atuação dessas instituições a comunidade acaba até se unindo mais em prol de todos, algo que mostrou bem isso foi à construção de 50 casas em regime de multirão que aconteceu no bairro Campo Alegre em 2004.

O so n h o d a ca sa pró pri a é a l go q u e a m a i o ri a d a s pesso a s tem em co m u m , po d er sa i r d o a l u gu el , m el h o ra r d e vi d a , ter a l go q u e é seu .

Essa alegria aumenta mais quando a casa é construída com o seu esforço, desde o primeiro tijolo até o último. A fábrica de tijolos que existe na ONG Ação Moradia não é apenas uma forma das pessoas terem dinheiro, mas também foi disponibilizada para que algumas famílias pudessem fazer tijolo por tijolo para construírem suas casas, uma das pessoas que puderam sentir essa alegria foi Meire. “É a coisa mais linda do mundo, você olha sua casa e pensa assim: eu fiz a minha casa”.

A fábrica de tijolos ConstruVida é tocada atualmente por mulheres, que são consideradas microempreendedoras e tem a fábrica como negócio próprio, elas fabricam, divulgam e vendem os tijolos. “A fábrica de tijolos na realidade é um dos primeiros projetos, o projeto que até carrega o nome da Ação Moradia, e ele é o projeto que mais permite a inserção social da comunidade” diz OswaldoSetti, que também é diretor administrativo da Ação sobre a importância da fábrica de tijolos na ONG.

outrariar

115

Vale a pena

Conhecendo, convivendo e acompanhando o crescimento tanto da Ação Moradia quanto dos antigos assentamentos, agora bairros, pude constatar a importância que uma organização como essa tem na vida dos moradores das comunidades que atende.

Vi pessoas passando fome, sofrendo com a falta do básico para a sobrevivência, mas também vi muitas dessas pessoas se erguendo e correndo atrás de um jeito de mudarem suas realidades. As vezes tudo que uma pessoa precisa para procurar melhorar é de uma palavra amiga, alguém para aconselha-lo, simplesmente um empurrão no caminho certo.

ONGs como a Ação Moradia podem fazer a diferença na vida e nas escolhas de muitas pessoas, por isso todos aqueles que têm vontade de fazer algo em beneficio do seu bairro, de uma determinada área que possa atender a população, reúna alguns amigos, plante uma ideia, dê assas a esse sonho. Você pode ter nas mãos uma alternativa que pode “ajudar” no futuro do nosso País.

Sabemos que não basta esperar ações do Governo, pois esses não conseguem realizar todas as atividades que deveria. Veja que estará ajudando pessoas mais necessitadas que você. Para isso você poderá contar com recursos públicos, que muitas vezes são destinados para causas que nunca veremos resultados.

Com essa i n i ci a ti va você esta rá contri bu i n d o pa ra a con stru çã o d e u m a n ova soci ed a d e, esta rá tra ba l h a n d o com a s ba ses, l eva n d o i n form a çã o, ori enta çã o, esportes, etc. En fi m você a ca ba ra ven d o o resu l ta d o d e su a i n i ci a ti va . É m u i to gra ti fi ca nte. Va l e a pen a r rea l i za r esse tra ba l h o.

Crianças se divertem aprendendo música

Fotografia:Sérgio Dalláglio

116

outrariar

social

Crônicas de mundos marginais

Renato Soares

Respo n sa bi l i d a d e so ci a l é u m a pa l a vra , m u i ta s vezes, n egl i gen ci a d a po r d i verso s ó rgã o s pú bl i co s. N ã o é d i fíci l perceber a po u ca a ten çã o q u e é d a d a à s co m u n i d a d es m a rgi n a l iza d a s presen tes em to d o o pa ís. Po rém , a l gu m a s i n stâ n ci a pú bl i ca s têm vo l ta d o seu s esfo rço s pa ra o d esen vo l vi m en to d e a ti vi d a d es q u e ben efi ci em a m i n o ri a so ci a l m en te excl u sa .

A U n i versi d a d e Fed era l d e U berl â n d i a po d e ser en q u a d ra d a n o ro l d a s o rga n i za çõ es públ i ca s q u e vo l ta m a l gu n s d e seu s esfo rço s pa ra a m u d a n ça d e a l gu m a s rea l i d a d es so ci a s m a rgi n a i s. Pro gra m a s q u e o ferecem bo l sa s a pro j eto s en ca beça d o s po r pro fesso res e a l u n o s n ã o sã o ra ro s n a u n i versi d a d e. U m ca so q u e po d e ser co n si d era d o d e gra n d e d esta q u e, n essa perspecti va , é o Cen tro d e I n cu ba çã o d e Em preen d i m en to s Po pu l a res So l i d á ri o s, o CI EPS. Pa rti n d o d e u m a i d ei a d e em a n ci pa çã o , o CI EPS d esen vo l ve pro j eto s pa ra o fo rta l ecim en to d e em preen d i m en to s eco n ô m i co s so l i d á ri o s a u to gesti o n á ri o s em co m u n i d a d es d esfavo reci d a s, o u sej a , o em preen d i m en to co m eça co m a l u n o s e pro fesso res, e, em term o s i d ea i s, é fi n a l i za d o e i n co rpo ra d o a o d i a - a - d i a pel a pró pri a co m u n i d a d e. Atu a l m en te o CI EPS tra ba l h a em três verten tes: Agri cu l tu ra fa m i l i a r, co l eta sel eti va e cu l tu ra . O s pro j eto s a ten d em d i feren tes co m u n i d a d es si tu a d a s n o perím etro d e U berl â n d i a e regi ã o , sen d o sete rel a ci o n a d o s a co l eta sel eti va , q u a tro a a gri cu l tu ra fa m i l i a r e u m à cu l tu ra .

O i d ea l d e a u to - gestã o é o d i feren ci a l n este ti p o d e tra b a l h o . I n i ci a ti va s q u e vi sa m o d esen vo l vi m en to d e á rea s m a rgi n a l i za d a s p reci sa m ser i n co rp o ra d a s p o r to d a a co m u n i d ad e, ca so co n trá ri o , to d o o tra b a l h o será em vã o . Q u a n d o a co m u n i d a d e n ã o i d en ti fi ca a l go q u e, em p ri m ei ro m o m en to , é extern o co m o seu , a s verd a d ei ra s m u d a n ça s d e p a ra d i gm a n ã o serã o efi ca zes.

O q u e m oti vo u a cri a çã o d e d i verso s pro j eto s i n cu ba d o s pel o CI EPS fo i a ba i xa pa rti cipa çã o pú bl i ca n a s q u estõ es so ci a i s. Fl á vi a d e O l i vei ra , a tu a l co o rd en a d o ra d o CI EPS, a fi rm a q u e h á u m a ba n d o n o d essa s á rea s m a rgi n a l i za d a s, sen d o n ecessá ri a a a çã o d e tercei ro s pa ra o seu m el h o ra m en to . “As po l íti ca s pú bl i ca s, n esse sen ti d o , sã o i n vi sívei s”, a fi rm a .

Co m a a j u d a d o CI EPS, a s crô n i ca s coti d i a n a s d e m u i ta s fa m íl i a s m a rgi n a l i za d a s têm a ch a n ce d e u m fi n a l fel i z. Q u a n d o a s po l íti ca s pú bl i ca s fa l h a m , a po pu l a çã o preci sa se u n i r em pro l d o s d esfa vo reci d o s. Essa s h i stó ri a s d e a ba n d o n o e n egl i gên ci a preci sa m ser reescri ta s.

Arte: Freepik

outrariar

Assentamento

Lá a terra está em to d a a pa rte. N ã o exi stem préd i o s, ru a s, ca l ça d a s, bu ei ro s o u po stes. É o u tro m u n d o . U m m u n d o d i sta n te, i so l a d o . N ã o é fá ci l enco n trá - l o , é p reci so vi a j a r. A i m en si d ã o q u e sep a ra u m m u n d o a o o u tro p a rece m o n stru o sa . Po rém , el e está l á , m o stra n d o ti m i d a m en te u m a l u z o fu sca d a p o r to d a a i l u m i n a çã o e a gi ta çã o d e seu m u n d o vizi n h o , u m b ri l h o tên u e q u e se d i fu n d e em m ei o a o s a rb u sto s, có rrego s e à p o ei ra l eva n ta d a . U m m u n d o verm el h o , p ri m i tvo . É n a tu ra l q u e se p en se q u e a l i a vi d a n ã o exi ste, u m en ga n o co m u m .

Lá h a bi ta m seres. Si m , seres verm el h o s, co m o a terra . É i n crível a sem el h a n ça en tre el es e o s o utro s seres “ n o rm a i s” d o o u tro m u n d o . Vi vem , a m a m , tra b a l h a m e m o rrem . Co n stro em , co n vi vem e sentem . S en tem a i n d i feren ça , o a b a n d o n o . N ã o u m a b a n d o n o en tre si , o s h a b i ta n tes d e u m m esm o m u n d o , m a s d a q u el es q u e o s vêem d e fo ra , seu s sem el h a n tes. “Afi n a l , n ã o so m o s to d o s i rm ã o s?”, d i sse u m ro sto verm el h o certa vez.

O m u n d o verm el h o é h a bi ta d o po r tra ba l h a d ores. Tra ba l h a m d i a e n o i te, to d o s o s d i a s, sem d esca n so . N esse l u ga r fa l ta m a l gu m a s co i sa s, bá si ca s

a o o u tro m u n d o . N i n gu ém d á a el es o q u e n ecessita m , bu sca m sozi n h o s u m a m a n ei ra d e so brevi ver.

Co m su a s pró pri a s m ã o s, ca l ej a d a s pel o tra ba l h o exa u sti vo , segu em a vi d a co m o é po ssível .

O s o l h a res sã o tri stes, ca n sa d o s d evi d o a u m a vi d a d e l u ta . Cri a n ça s a n d a m d e u m l a d o a o o u tro , i m a gi n a n d o o q u e a s reserva d a l i pa ra fren te. M u ito s sã o o s n o m es d a d o s a esse m u n d o verm el h o .

Em to rn o d e u m m u n d o m a i o r, ch a m a d o U berl â n d i a , en co n tra m - se d i verso s m u n d o s verm el h o s, m en ores, q u e, a o a n a l i sa r- se bem , sã o u m só . Za pa tta , Ca n u d o s, El d o ra d o d o s Ca ra j á s e Ta n ga rá sã o o s n o m es d e a l gu n s d el es.

M u i to s d o s seres q u e vi vem n o gra n d e m u n d o fech a m o s o l h o s a o verem a tên u e l u z q u e bri l h a tã o d i sta n te n o s o u tro s m u n d o s. Al gu n s, cu ri o so s, a ven tu ra m - se a d esco bri r d o q u e se tra ta . Ao ch ega r, n ã o vêem seres verm el h o s, m a s en xerga m seu refl exo , co m o se esti vessem em fren te a u m espel h o . A i d en ti fi ca çã o é ta n ta q u e, a o verem a a tu a l si tu a çã o d o s seres verm el h o s, sen tem q u e é n ecessá ri o a l gu m a s m ed i d a s pa ra m el h o ra r a vi d a d e seu s i gu a i s.

117

outrariar

118

Fotografia: Divulgação CIEPS

social

Integrantes do grupo Artimanha produzem peças de teatro que unem os desfavorecidos e ensinam seus direitos básicos. Uma saída à vida vermelha é possível através da arte e do conhecimento.

Vi n d o d e U berl â n d i a , ch ego u a o s m u n d o s verm el h o s o Pro j eto Cu ra u . Ch ego u co m o u m a l u z extra , bri l h a n d o fo rte d e espera n ça e vi bra n d o co m to n a l i d a d es d e u m fu tu ro d i sti n to . Tro u xe d a n ça , cu l tu ra e a pren d i za d o a el es. U m a fa go , u m pri m ei ro co n ta to q u e m o stra a o s h a bi ta n tes verm el h o s q u e n ã o sã o tã o ru bro s a ssi m . N a verd a d e su a co r é i d ên ti ca a o s h a bi ta n tes d o s m u nd o s m a i o res. To rn a ra m - se verm el h o s pel o a ba n d o n o e a m i stu ra , q u a se tota l , d e si e seu precá ri o a m bi en te.

A m u d a n ça fo i - l h es tra zi d a po r sen sívei s h a bi ta n tes d e U berl â n d i a . U m gru po en ti tu l a d o Arti m a n h a , co m po sto po r j oven s q u e bu sca m ensi n a r seu s d i rei to s bá si co s, po r m ei o d o tea tro , d a po esi a , d a m ú si ca e d e a rtes vi su a i s q u e po d em

ser a m bi en ta d a s n o s m u n d o s verm el h o s. Assi m , o s h a bi ta n tes en ten d em q u e m erecem m u i to m a i s d o q u e po ssu em e po d em en ten d er a m u d a n ça n ecessá ri a . O u tro gru po é o Peri ferArte, q u e tro uxe a o s m u n d o s verm el h o s a d a n ça .

A fa ce d o s seres verm el h o s j á tem m u d a d o .

As i n i ci a ti va s d o gra n d e m u n d o têm ti d o efei to po si ti vo . “El es co m eça ra m a se reu n i r, se en co ntra r, ter a cesso à cu l tu ra . Pa ra a s cri a n ça s e j oven s fo i u m gra n d e estím u l o pa ra a ed u ca çã o”, d i sse Fl á vi a d e O l i vei ra , h a bi ta n te d e U berl â n d i a e u m a d a s l íd eres d a a çã o . Po d e- se d i zer q u e a i n d a exi ste m u i to a se fa zer pa ra q u e a l u z d o s m u nd o s peri féri co s estej a em i gu a l d a d e à d o gra n d e mundo, mas, ao menos, os seres vermelhos podem ter certeza que, vermelho mesmo, somente a terra.

outrariar

119

Periferia

submetidos todos os dias. A escola deste mundo não dá Aqui as luzes são fortes. Talvez seja a proximidade ao conta, não consegue salvar sozinha as mentes prematuras. O grande mundo, tão próximo que quase se confundem. Mas a Cruzeiro encontra-se abandonado. diferença é visível. Neste mundo existe o concreto, os postes e A luz vermelha consegue chegar à Uberlândia. Lá ela é os bueiros. O piche cobre as ruas e o calçamento lateral é vista por habitantes preocupados com a situação. Durval de idêntico nos dois mundos. Os habitantes são parecidos, de Paula, morador do Cruzeiro dos Peixotos, não aguenta mais fato. Mas aqui existe, também, o abandono e a indiferença. vivenciar tais situações. Com a ajuda da Universidade Federal Quem comanda o mundo maior parece comandar de Uberlândia, e muitos colaboradores, vislumbra uma possíaqui também. A conduta exigida é semelhante, existem as vel saída a essa situação. O nome dela é Programa CulturArte mesmas regras e leis. Porém, nitidamente, a atenção não é a de Enfretamento da Violência. mesma. Ao andar pelas ruas desse ambiente, chamado CruTrabalhando com arte e cultura para crianças, jovens e zeiro dos Peixotos, é possível ver diferenças cruciais nos moadultos, o programa busca trazer a Cruzeiro dos Peixotos dos de vida dos dois mundos. aquilo que não lhes é trazido pelos governantes. Uma alterMuitos dos habitantes de Cruzeiro dos Peixotos nativa à vida de violência e abandono. Uma possível quebra trabalham no mundo vizinho, Uberlândia. Lá é que têm a de paradigmas nas vidas dos real possibilidade de uma sohabitantes do mundo marginal. brevivência digna, com, pelo O líquido inebriante que preenmenos, o mínimo de conforto che a lacuna existente de forma diário. Seu ambiente não os mais efetiva, mais humana. favorece, tendo que ir buscar O CulturArte trouxe em outro mundo uma forma dança, esporte e cultura ao de enquadrar-se nos padrões Cruzeiro. Permitiu que os habiaceitáveis do viver cotidiano. tantes tivessem a chance de se É possível encontrar inúidentificarem com algo mais meros habitantes perambulando As crianças de Cruzeiro dos Peixotos concreto, dentro de seu próprio as ruas de Cruzeiro dos Peixotos em uma visita rápida a este têm a oportunidade de trilhar caminhos ambiente. De forma conjunta, diferentes com o CulturArte. A dança são transmitidos os direitos mundo. Crianças e jovens adultos são vistos aos montes, brin- do ventre traz o auto-conhecimento e o humanos, direitos estes que são de todos os indivíduos, situados cando na praça central ou lazer aos habitantes. em mundos marginais ou não. mesmo nas ruas. Os pais podem O resultado veio na forser vistos à frente dos portões de ma de empoderamento. Os habitantes aprendem a se ensuas casas, conversando sobre qualquer coisa. A quantidade tender e a vislumbrar sua posição perante os otros indivíduos. de bares no pequeno espaço de Cruzeiro chama a atenção.

O lazer, aliado à cultura, busca desviar os habitantes de um Fácil perceber o motivo. caminho que nada faria além de causar danos a si mesmos.

Um mundo à margem, deixado de lado por seus Novas estradas são trilhadas quando novas perspectivas engovernantes, sem acesso a atividades básicas de lazer tram em cena. e cultura. Qual a saída para os habitantes, além do O mundo continua a ser marginal. O interesse público escapismo cliché do álcool? A sede de cultura transé pequeno, afinal, existem assuntos mais importantes, não é forma-se em uma sede de qualquer coisa que faça mesmo? Mas existe um alívio. Podem estar à margem, mas preencher a lacuna deixada pelo governo. não estão sozinhos. As ações integralizadas pelo Projeto CulJovens sofrem cotidianamente com o abandono. AlturArte ficarão marcadas em cada habitante de Cruzeigumas podem ser vistas à noite, sentadas nos bancos das ro dos Peixotos. A marginalidade existe, e precisa ser praças. Luzes vermelhas que brilham em frente às suas bocas escancarada. As luzes estão se tornando, pouco a são como um alerta, e, ao mesmo tempo, um pedido de sopouco, mais intensas. corro, denuciando a violência, o desinteresse ao qual são

Fotografia: Renato Pinheiro

outrariar

120 educação

Na ponta d

As histórias das garotas que mesmo s

Quando eu era bem pequena, quando ainda nem sabia ler e muito menos escrever, eu observava meu irmão quase quatro anos mais velho, lendo gibis durante longas viagens de carro, enquanto eu me limitava somente a observar muito entediada, às árvores que passavam borradas pelos vidros fumê do carro. Eu queria muito ler e ganhar meus próprios gibis e sempre me negavam. Então o que me restava era esperar a leitura preguiçosa de meu irmão, que me emprestava aqueles livrinhos para que eu pudesse ler nas entrelinhas as imagens coloridas estampadas nas páginas, inventando minhas próprias histórias.

Durante esses momentos é que percebia que gostava de ler e, gostava mais ainda, de inventar. E relembrando esse passado é que me limito a pensar o quanto as pessoas passam a inventar cada vez mais cedo. E inventam cada vez mais cedo histórias, contos e tudo mais o que a mente puder liberar. E graças à tecnologia, a forma de contá-las também mudou.

Quantas vezes você não já não se deparou visitando algum blog de histórias, ou sites próprios que reúnam os mais variados estilos literários de diversas pessoas diferentes? Se nunca fez esse exercício, você com certeza deveria doar um pouco seu tempo para conhecer as histórias de pessoas como a Sofia Andreassa, paulista e atualmente moradora de Taubaté, que com apenas 1 7 anos, está a poucos passos de publicar seu primeiro livro graças à ajuda de seu blog pessoal (http://sophiesamiesarfati.blogspot.com.br/). “Eu só queria escrever uma história para postar no meu blog e cativar um pouquinho mais meus leitores, que pareciam gostar dos contos que eu escrevia”.

Sofia não abre mão de sua leitura

outrariar

121

dos dedos

sendo tão jovens, se tornaram escritoras

Maria Clara

O u e n tã o a h i s tó ri a d a Th a i s Fe rn a n d e s , d e 1 8 a n o s , q u e m e s m o a i n d a n ã o te n d o l i vro s p u b l ica d o s , j á p o s s u i u b l o g, a tu a l m e n te p u b l i ca h i s tó ria s e m s i te s p ró p ri o s u s a n d o p s e u d ô n i m o s , e vê n a i n te rn e t m u i ta s p o s s i b i l i d a d e s : “A i n te rn e t d e u a o p o rtu n i d a d e p a ra q u e q u a l q u e r p e s s o a p o s s a co m p a rti l h a r s u a s o b ra s e fo i j u s ta m e n te e s s e co m p a rti l h a m e n to , q u e i n ce n ti vo u ta n ta s p e s s o a s a co m e ça re m a e s c re ve r”.

A o ri gem d e tu d o se b a sei a n a l ei tu ra . O a to d e sen ti r p ra zer n a l ei tu ra , d e q u a l q u er q u e sej a su a fo n te, é a b a se p ri n ci p a l p a ra u m a b o a escri ta . S egu n d o La u ra B a cel l a r, em u m texto p u b l i ca d o em seu si te E screva S eu Li vro , “ n ã o exi ste escri to r q u e n ã o sej a l ei to r”. É n ecessá ri o se ter u m a b a ga gem gra n d e d e l ei tu ra , p a ra a p ren d er co m a q u el es q u e j á sã o escri to res, co m o m a n ter a tra m a p a ra p ren d er a a ten çã o d o s l ei to res e, a ci m a d e tu d o , a a p ren d er a d escrever cen a s, d eta l h es, p erso n a gen s e tu d o a q u i l o q u e vá a fa zer p a rte d e seu en red o . A d i ca q u e el a d á é l er a q u i l o q u e n o s ch a m e a ten çã o e q u e n o s i n teresse. N ã o i m p o rta o q u e, o n ecessá ri o é se sen ti r fel i z l en d o . O a to d e l er tem q u e ser a cim a d e tu d o p ra zero so , p o i s a p en a s d essa fo rm a vo cê d esco b re seu esti l o .

Jéssica Carvalho, que também lança sua primeira publicação

Fotos: Arquivo pessoal

Arte: Freepik

outrariar

122 educação

...

Jéssyca Carvalho, de 21 anos, que disponibilizará seu primeiro romance em setembro, e que já explica ser uma trilogia futuramente, acredita que o incentivo à leitura que sua família lhe proporcionou teve papel intrínseco em sua formação como escritora. “Sempre fui apaixonada pela leitura [...] Alimento a minha imaginação constantemente, me entrego à história e é como se eu pertencesse a ela. Acho que isso é o que me impulsiona a escrever. [...] Tive um incentivo muito grande por parte dos meus pais. Temos uma biblioteca em casa, o que me permitiu crescer em meio aos livros.” Assim como Sofia, que sempre foi amante da leitura, descreve que ama a escrita em decorrência do prazer de ler, assim como aposta na habilidade de escrever. É preciso ser dito, porém, que a escola e os círculos de amizade e convivência, durante a infância e juventude, também tem grande importância na formação dos jovens escritores. “Tive uma professora de Língua Portuguesa [...] que nos incentivava a desenvolver nossa criatividade e, até mesmo, a inserirmos o hábito de escrever em nosso cotidiano. Hoje percebo que além dos livros, ela também foi um dos motivos para eu ter desenvolvido gosto por tal hábito”, afirma Thais.

Outro fator que ajuda, é a disponibilidade de concursos de escrita para que os jovens possam exercitar sua mente criativa e aproximar os escritores da opinião de profissionais que os ajudam a amadurecer seus textos, assim como Sofia que com seus poucos anos de idade já venceu concursos da escola em Taubaté. Em 201 2 teve uma crônica selecionada dentre tantas outras para ser publicada na coletânea “Almoço Em Família” da editora Aped, e nesse ano começou a escrever no portal de notícias Gleep (http://www.gleep.com.br/). Em 201 2 também criou o seu blog onde expõe seus pensamentos e sentimentos livremente. Jéssyca por sua vez, já foi premiada em uma das categorias do Projeto Semeando pela qualidade de suas redações, e já escreveu durante um tempo para o Jornal Notícia Regional em Monte Carmelo, no espaço reservado para poesias e crônicas.

Elogios e críticas construtivas são imprescindíveis e por tal motivo, talvez por vergonha ou medo, muitos optam pela internet, por se tratar de um meio que traz uma resposta rápida e de pessoas desconhecidas. Thais, no início de sua adolescência também se utilizava de um blog para compartilhar suas reflexões do cotidiano, porém com o passar dos anos se deparou com a necessidade de criar suas próprias histórias, e ainda encontrou nos pseudônimos uma forma de publicá-las sem se expor: “Infelizmente, não tenho segurança [...] e essa foi a forma

que encontrei para realizar a publicação e ver no que resultaria.” Apesar de se esconder atrás das telas e de um nome falso, ela procura sempre reforçar a relevância que seus leitores tem: “mantenho contato com todos, sempre estando aberta a elogios e críticas, pois os comentários deles sobre tudo que escrevo, é o que me dá a possibilidade de melhorar e evoluir”, além de agradecer sempre pelo apoio recebido.

Apesar de toda a facilidade da internet, ela também possui seus riscos e o que mais dá dor de cabeça nesses jovens autores é o aumento da possibilidade de plágio por se ter uma história que pode ter acesso de pessoas do mundo inteiro, não tendo controle de quem as copia e publica, como se a autoria fosse delas. Laura Bacellar ainda destaca que o ideal é tentar criar algo nunca visto: “sua chance de ter seu original aceito para publicação aumenta”. Plágio é crime!

Ficção de fãs

Fanfics ou fics, ambas abreviações do termo em inglês fanfiction, são “ficções criada por fãs". Trata-se de contos ou romances escritos pelos fãs de animes, séries, livros, filmes, novelas, etc, que não fazem parte do enredo oficial dos mesmos. São histórias alternativas daquelas mostradas no contexto original. Essas histórias, geralmente criadas por adolescentes, são postadas em sites específicos para fanfics, onde tudo é bem organizado por categorias, para facilitar a busca daqueles que apreciam essa espécie de leitura.

O que tem causado polêmica, porém, são aquelas histórias em que se utiliza a pessoa na vida real como personagem. Atores, cantores e outras personalidades acabam por se sentirem feridos pelas ficções criadas por seus fãs. O Nyah, um dos maiores sites brasileiros dedicados para postagens de fanfics e histórias originais, proibiu há algum tempo as publicações de enredos com pessoas reais. Mesmo com a proibição, os jovens não se intimidam e acabam por procurar por outros sites, ou até mesmo acabam criando blogs especiais para seus textos.

As fanfics tem se tornado cada vez mais comuns e a procura por elas aumenta a cada série ou filme lançado, pelo desejo dos fãs de imaginar uma realidade diferente daquela mostrada originalmente. Algumas se tornam tão famosas que acabam por serem publicadas em forma de livro, com mudanças nas personagens, como no caso da trilogia Cinquenta Tons de Cinza, de E. L. James, que originalmente era uma fanfiction da Saga Crepúsculo, bestseller criado por Stephenie Meyer.

Arte: Freepik

outrariar

123

Da tela para o papel

O interessante é apontar quando aquelas histórias escritas timidamente em um computador, passam à grandiosidade de se tornarem um livro. Não é fácil, mas acontece cada vez mais, e com pessoas cada vez mais jovens, que procuram ansiosas por terem sua criação compartilhada nas palmas das mãos de várias outras pessoas.

Sofia Andreassa publica seu romance de estreia “Existe Razão” ainda no fim de Setembro. Ela que só queria uma história para compartilhar com os leitores de seu blog acabou embalada pelo otimismo e a enviou para, no mínimo, quinze editoras. Terminou que a que se interessou pela história foi a mesma que publicou sua crônica há alguns anos atrás. “Existe Razão” conta a história de Eduardo e Mônica, personagens da música de Renato Russo, nos tempos atuais e com algumas interpretações modificadas.

Já Jéssyca Carvalho não teve retorno de sua história que será lançada no início de Setembro, além de sua mãe, um amigo e a editora. Seu primeiro livro será o início de uma trilogia que ela teve ideia durante seus sonhos. Sim, seus sonhos! Assim como Stephenie Meyer, Jéssyca passou a escrever o “Mistério do Castelo Du Condrey” a partir de pesadelos contínuos e do incentivo de um amigo. O livro conta a história de uma jovem popular que está concluindo o ensino médio e que leva uma vida normal, até ganhar uma guinada em sua primeira excursão para fora do país.

Sofia e Jéssyca só conseguiram realizar o sonho em comum da publicação graças às mesmas dicas de ouro: persistência, dedicação e a coragem para assumir seus erros e aprender com eles. A chave do sucesso é não desistir, por mais que pareça muito difícil no início e que você nunca fique satisfeito com o que você já escreveu, se você acha que vale a pena se dedicar àquilo, persista.

“Uma coisa muito importante é não desistir se você acha que você vale a pena”, compartilha Sofia.

Talvez seja por isso que me encontro redigindo essa reportagem. Eu não desisti da minha escrita e do meu sonho pelo Jornalismo.

Capa do livro: “Existe razão” de Sofia Andreassa

outrariar

124 educação

O outro lado da viagem

Amanda Ribeiro

Q u a n d o se fa l a so bre i n tercâ m bi o , a pri m ei ra i m a gem q u e vem à ca beça , é d e j oven s pa rti n d o ru m o à Eu ro pa o u pa ra o s Esta d o s U n i d o s em bu sca d e pa ssei o s pel a s ca pi ta i s, co m pra s e foto s n o s po n to s tu rísti co s, m a s n em sem pre é a ssi m . Atu a l m en te, m u i to s j oven s estã o m u d a n d o seu s rotei ro s d e vi a gem pa ra bu sca rem experi ên ci a s tota l m en te i n ova d o ra s e m o m en to s a i n d a m a i s m a rca n tes, e m u i to s d el es, a ca ba m vi a j a n d o d u ra n te a fa cu l d a d e po r m ei o d e pro gra m a s o fereci d o s pel a s u n i versi d a d es.

N a U niversidade Federal de U berl ândia há meios dessas viagens ocorrerem através da AI ESEC (Associação I nternaciona l d e Estu d a ntes d e Ci ên ci a s Econ ôm i ca s e Soci a i s), a m a i or orga n i za çã o sem fi n s l u cra ti vos, q u e está presente em m a i s d e 1 2 0 pa íses e é recon h eci d a pel a U N ESCO. É m a nti d a por m a i s d e ci n co m i l j oven s d e 1 8 a té 3 0 a n os e tem o obj eti vo d e d esenvol ver a l i d era n ça e em preen d ed ori sm o por m ei o d os m a i s d e três m i l i ntercâ m bi os q u e rea l i za por a n o. Com o d efi n i d o n o si te d a orga n i za çã o d e ori gem bel ga : “convi ven d o em u m a m bi ente i ntern a ci on a l e d esa fi a d or, e m ovi d os pel a m u d a n ça , tra ba l h a m os pa ra en ga j a r e d esenvol ver tod os os j oven s d o m u n d o, proporci on a n d o experiên ci a s d e a l to i m pa cto”.

E é através do programa criado pel a AI ESEC chamado “Cidadão Gl obal ”, responsável pel os intercâmbios sociais, que os al unos vão para países “incomuns” como por exempl o Pol ônia, Índia e Rússia, onde o destino dos participantes são locais subdesenvolvidos para que realizem ações voluntárias em ONGs e projetos educacionais com ênfase em gestão de projetos, educação cultural, ensino de novas línguas, entre outras opções.

Cartaz de divulgação do programa "Cidadão Global" da AIESEC Fotografia: Blog AIESEC

outrariar

125

...

Po l i a n a O rl a n d i a , é u m a d a s AI ESECers, m a n ei ra co m o ch a m a m o s pa rti ci pa n tes d a o rga n i zaçã o , e a l u n a d o cu rso d e Rel a çõ es I n tern a ci o n a i s d a U FU .

D en tro d a AI ESEC, é D i reto ra d e I n tercâ m bi o s So ci a i s pa ra O rga n i za çã o , seu pa pel é o d e tra zer i n terca m bi sta s pa ra d esen vo l ver pro j eto s so ci a i s d e cu rta d u ra çã o n a s O N G s e esco l a s d e U berl â n d i a . Al ém d i sso , fez pa rte d o pro gra m a Ci d a d ã o G l o ba l e vi a j o u pa ra Lo d z n a Po l ô n i a , em j a n ei ro d e 2 01 2 . El a co n ta q u e fo i u m a d a s m el h o res experi ên ci a s d e su a vi d a po d er tra ba l h a r em sei s j a rd i n s d e i n fâ n ci a , a u xi l i a n d o o s pro fesso res d e i n gl ês em sa l a d e a u l a , e, a tu a l m en te é a pa i xo n a d a pel a cu l tu ra po l o n esa e a d o ra ri a vo l ta r a o pa ís, “Po l o n eses têm u m a cu l tu ra m a i s fech a d a , o s j oven s sã o u m po u co d i feren tes d o s bra si l ei ro s, a co m i d a tem a l gu m a s co i sa s bem d i versi fi ca d a s m a s n o gera l eu go stei m u i to . M a s co m o fu i co m m u i ta vo n ta d e d e co n h ecer m esm o a cu l tu ra fu i co m a m en te bem a berta , ti ve si m a l gu m a s d i fi cu l d a d es, m a s n o fi m va l eu m u i to a experi ên ci a ”.

Poliana em Lodz com seus alunos do jardim de infância Fotografia: Facebook | Arte: Freepik

126

outrariar

educação

Rafaela em seu intercâmbio em Budapeste com outras AIESECers

...

É po r i sso q u e o s i n tercâ m bi o s so ci a i s sã o tã o i m po rta n tes, j á q u e ti ra o s j oven s d e su a zo n a d e co n fo rto , e fo ra d a s experi ên ci a s d e a u l a s d e l ín gu a s co nven ci o n a i s d en tro d e l o ca i s co m u n s, el es vi vem h i stó ri a s rea i s d e pesso a s q u e pa ssa m po r to d o s o s ti po s d e experi ên ci a s, a ssi m com o a co n teceu co m a ta m bém a l u n a d a Rel a çõ es I n tern a ci o n a i s d a U FU , Ra fa el a J u l i ch , q u e d evi d o a o fa to d e se i n teressa r ba sta n te pel o tem a d e D i rei to s H u m a n o s, fo i pa ra u m ca m po d e Refu gi a d o s em Bi cske, H u n gri a . “M eu i n tercâ m bi o fo i rel a ti va m en te d i feren te d a m a i o ri a fei to pel a AI ESEC. Eu vi vi d en tro d o Ca m po d e Refu gi a d o s, q u e era a 3 0 m i n uto s d e trem d e Bu d a peste, (. . . ) ti ve co n ta to d i reto co m i n d i víd u o s d e tod o o m u n d o , q u e fu gi a m d e gu erra s e persegu i çõ es po l íti ca s, pri n ci pa l m en te d o O ri en te M éd i o e Áfri ca ”.

D evi d o a o fa to d e i rem a l o ca i s n ã o - co n ven ci o n a i s, a d i fi cu ld a d e m a i s co m u m é a b a rrei ra l i n gu ísti ca , j á q u e sã o p a íses co m u m i d i o m a l o ca l q u e n ã o é m u i to p o p u l a r a o red o r d o m u n d o , co m o co n ta Ra fa el a : “A p ri n ci p a l d i fi cu l d a d e fo i m e a d a p ta r à l ín gu a , p o i s era b a sta n te d i fíci l enco n tra r u m h ú n ga ro n a ti vo q u e fa l a sse i n gl ês n a ci d a d e”.

Fotografia: Facebook | Artes: Freepik

outrariar

...

M u i ta gen te co n co rd a q u e o m a i s va l i o so d essa s vi a gen s “i n co m u n s” sã o a s h i stó ri a s q u e ca d a u m o u ve e a ca ba l eva n d o pra vi d a , a l ém d e vi ven ci a r o u tra s cu l tu ra s e en ten d er a s d i feren ça s: “A l i çã o m a i s i m po rta n te fo i a d e a cei ta çã o , pa rece tã o si m pl es, m a s n ó s percebem o s co m o tem o s d i fi cu l d a d e d e a cei ta r o d i feren te q u a n d o so m o s co n fro n ta d o s co m el e. Ai n d a a ch o q u e ten h o m u i to a a pren d er n essa á rea m a s m eu i n tercâ m bi o m e a j u d o u m u i to a q u ebra r a l gu n s l i m i tes pesso a i s. (. . . ) N o fi n a l fo i u m a experi ên ci a q u e m e fez crescer m u i to , q u e m e fez a m a d u recer d e u m a m a n ei ra i m pressi o n a n te e q u e ta m bém m e fez q u ebra r preco n cei to s q u e eu n em sa bi a q u e ti n h a ”, expl i ca a estu d a n te Po l i a n a , q u e ta m bém tro co u experi ên ci a s co m AI ESECers q u e esta va m n a m esm a regi ã o d el a , a l gu n s d e o ri gem d e pa íses co m o Ta i wa n , Ch i n a ,Tu rq u i a e Azerba i j ã o .

Em m ei o a ta n ta s experi ên ci a s, a o vo l ta r pa ra ca sa . m u i to s d esses m o m en to s fi ca m n a m em ó ri a d o s estu d a ntes d e m a n ei ra m a rca n te, co m o co n ta Ra fa el a : “A pri n ci pa l l i çã o q u e a pren d i fo i a d e ser to l era n te. A m a i o ri a d o s pro bl em a s d o m u n d o vêm d a i n to l erâ n ci a q u e tem o s co m co i sa s e pesso a s d i feren tes a n ó s – sej a pel a rel i gi ã o , cu ltu ra , pen sa m en to po l íti co . É u m a l i çã o q u e ten to l eva r sem pre n o m eu d i a - a - d i a , pa ra a s pesso a s próxi m a s d e m i m .

A experi ên ci a m a i s m a rca n te fo i co n h ecer u m ga roto d e a pen a s 1 0 a n o s, q u e perco rreu cerca d e 7 m i l q u i l ô m etro s sozi n h o , d a Síri a a té a H u n gri a , pa ra reen co n tra r seu pa i n o Ca m po . É u m a l i n d a h i stó ri a q u e m e em o ci o n a a té h o j e”.

E é a tra vés d e experi ên ci a s a ssi m q u e o s j oven s co n segu em co n h ecer d e fa to o m u n d o rea l e terem a n o çã o d o ta m a n h o , e a té vi ven ci a r a co n teci m en to s q u e sã o a co stu m a d o s a verem a pen a s n a tel evi sã o : “Fo i ba sta n te em o ci on a n te fa zer pa rte d a vi d a d e pesso a s q u e pa ssa ra m po r so fri m en to s q u e eu j a m a i s seri a ca pa z d e i m a gi n a r. Eu o u vi a su a s h i stó ri a s d i a ri a m en te, pesso a s d a Síri a co n ta n d o so bre a gu erra ci vi l , so bre co m o ti vera m fa m íl i a s i n tei ra s d e a m i go s m o rta s, so bre to rtu ra s po r pa rte d o govern o q u e so frera m , en tre o u tra s ca l a m i d a d es. M eu pa pel o ri gi n a l era o d e l eci o n a r i n gl ês e fra n cês, m a s m i n h a m i ssã o a ca bo u sen d o a d e m e to rn a r a m i ga e co n sel h ei ra d e cen ten a s d e refu gi a d o s.”, fi n a l i za Ra fa el a .

127

128

outrariar

história

Patrimônio para além das histórias

Gabriela Zanca

A Catedral Metropolitana de São Sebastião, em Ribeirão Preto, carrega consigo histórias que constituem o passado tanto da cidade quando de quem nela nasceu, cresceu ou, até mesmo, por lá morou por algum tempo. E toda essas memórias podem estar ameaçadas pelo tempo e crescimento urbano da cidade

Te m a m b i e n te s q u e n o s fa s c i n a m , q u e n o s fa z tra n s ce n d e r d a re a l i d a d e e i m a gi n a r tu d o o q u e a l i j á a co n te ce u , q u e m p o r a l i p a s s o u e co m o a h i s tó ri a fo i co n s tru íd a j u n ta m e n te co m ca d a ti j o l o e m p i l h a d o co m co n c re to , co m ca d a p i n ce l a d a d e ti n ta q u e co l o ca n a s p a re d e s u m a ri q u e za d e s i gn i fi ca d o s e s ím b o l o s , co m ca d a p i s o m a rca d o e ga s to p e l o s ca m i n h o s q u e p o r a l i p a s s a ra m . To d o e s s e fa s c ín i o a i n d a p o d e s e r a l i a d o a u m a c u ri o s id a d e j o rn a l ís ti ca q u e q u e r n ã o s ó i m a gi n a r a s h i stó ri a s , m a s co n h e cê- l a s . Cu ri o s i d a d e e s ta q u e q u e m vo s e s c re ve e s tá re p l e ta .

Se é pa ra pen sa r em u m a m bi en te, a ssi m , tã o fa sci n a n te, n ã o fo ge d a m i n h a m en te u m préd i o q u e fa z pa rte d a m i n h a vi d a , d a m i n h a h i stó ri a , a Ca ted ra l M etro po l i ta n a d e Ri bei rã o Preto , q u e tem co m o pa tro n o Sã o Seba sti ã o , sa n to d o d i a 2 0 d e j a n ei ro , q u e ta m bém é pa d ro ei ro d a ci d a d e. Este en ca n tam en to n ã o n o s fa z a pen a s m ergu l h a r em u m u n i verso i m a géti co q u e n o s rem ete a o pa ssa d o , m a s ta m bém n o s l eva a d esco bri r co m o u m a co n stru çã o po d e ser co m po n en te i m po rta n te n a co n sti tu i çã o d a h i stó ri a d e u m m u n i cípi o e d e su a po pu l a çã o .

Dentro desta importância, se encontra a Catedral para além um prédio, significa um ponto de encontro, um edifício que mudou a configuração e a rotina do centro da cidade, onde se encontra a igreja. Conforme as informações contidas no livro de Rosana Zaidan, "Catedral Metropolitana de São Sebastião", da editora Coruja, a igreja era o único prédio da cidade e, por muito tempo, foi a construção mais alta, que chamava muita atenção, que atraía as pessoas para a Praça das Bandeiras, que circunda a Catedral.

Com sua construção iniciada em 1 904, a Ca ted ra l é u m co m po n en te i m po rta n te n a vi d a cu l tu ra l , so ci a l e,

Catedral Metropolitana de São Sebastião, q patrimônio histórico do

outrariar

História de família

a té m esm o , po l íti ca , d a ci d a d e. An d a n d o em m ei o a o seu a l ta r pri n ci pa l , seu s a l ta res secu n d á ri o s e ba n co s, vem o s pl a ca s q u e m o stra m d o a çõ es fei ta s po r fa m íl i a s q u e se d esta ca m n a fo rm a çã o d e Ri bei rã o Preto , fa m íl i a s d etento ra s d e gra n d es l a ti fú n d i o s, q u e m ovi a m a eco n o m i a d a regi ã o e ta m bém d o pa ís, d evi d o , pri n ci pa l m en te, a o pl a nti o e co m érci o d e ca fé.

ue está em processo de tombamento como estado de São Paulo.

Fotografia: Gabriela Zanca

A Catedral participou também do início de muitas famíl ias que se formaram e que hoje residem em Ribeirão Preto, conforme podemos verificar na história da famíl ia de Luciana Lorenzato, artesã que vê nesse prédio histórico a vida de sua famíl ia se desenhar. "Foi l á que meus pais se casaram, foi na praça aqui em vol ta que el es se conheceram e namoravam todo final de semana", diz Luciana comprovando como toda uma geração se social izava em determinada época.

As rel a çõ es so ci a i s se co n sti tu íra m a o red o r d o cen tro e a i grej a , segu n d o Lu ci a n a , seu s pa i s, h o j e fa l eci d o s, co n ta va m q u e m u i to s ca sa i s d e a m i go s ta m bém se co n h ecera m d o m esm o m o d o q u e el es, co m o s h o m en s a n d a n d o em vo l ta d o co reto , em sen ti d o o po sto a o d a s m u l h eres, pa ra po d er o l h a - l a s d e fren te e i n i ci a r a pa q u era .

Esses d epo i m en to s m e fa zem rem em o ra r a m i n h a vi vên ci a q u e co m a i grej a . D esd e cri a n ça a Ca ted ra l era pa ssa gem certa n a s i d a s a o cen tro d a ci d a d e, sem pre d a va tem po pa ra en tra r, o l h a r a q u el a s pi n tu ra s pel a s pa red es, reza r e co n versa r co m a l gu n s a m i go s, q u e pa reci a m ter o m esm o co stu m e q u e eu e m i n h a fa m íl i a .

Para Luciana a participação da Catedral na vida de sua famíl ia não parou na história de seus patriarcas, pois foi l á, como seus pais, que el a se casou. Segundo el a, ver as fotos de sua mãe vestida de noiva nas escadarias da igreja durante toda a sua vida a fez desejar manter viva a participação da Catedral na vida de seu núcl eo famil iar. "Sei que hoje o tempo é outro, os costumes já não são os mesmo da época dos meus pais, mas acho que devemos preservar a memória daqui da igreja", afirma Luciana.

E é sobre a preservação da memória da Catedral de Ribeirão Preto que Francisco J aber M oussa, o padre "Chicão", tem se dedicado desde 2005, ano em que foi designado como pároco do l ocal . Apesar de depoimentos como os de Luciana, para o padre Francisco não é da cul tura da nossa sociedade preservar os patrimônios históricos, "N ossa famíl ia, nossos pais não nos ensinaram isso e a educação que temos no Brasil não nos ensina nesse sentido. Eu penso que devemos preservar nossa história, nossas raízes", diz o pároco.

129

130

outrariar

história

Pinturas do interior da Catedral, que já datam quase um século.

Fotografia: Gabriela Zanca

Preservação e tombamento

O tempo passou e Ribeirão Preto já não é mais aquela típica cidade pacata do interior, em que o principal movimento das ruas eram as pessoas andando, com carroças transitando e alguns poucos carros pelo mesmo caminho. Aos poucos, o município foi ganhado caráter urbano, o comércio foi se desenvolvendo e a cidade crescendo, tanto no que consta a economia como a população.

E por estar no centro da cidade, local em que eclodiu estas transformações, a Catedral de São Sebastião sofreu os reflexos da urbanização. A Praça das Bandeiras que era longa e contínua foi dividida para a construção de uma rua, a rua Florêncio de Abreu, para dar agilidade ao transporte urbano e possibilitar a passagem de caminhões e ônibus, conforme podemos encontrar relatado no livro de Zaidan.

Hoje, a Catedral sofre um grave problema em sua estrutura, com a presença de rachaduras em seu interior, que tem preocupado o pároco da igreja e a população, quanto a preservação deste patrimônio. E a essas transformações, somada aos fatores urbanísticos e do desgaste do tempo, que afetaram a estrutura da igreja, que data quase um século.

Para dar início ao processo de preservação e recuperação de sua estrutura física, a Catedral de Ribeirão Preto passará por um processo de restauração. Segundo o padre Francisco, a equipe que realizará o projeto vem da cidade de São Paulo e tem experiência neste ramo, já que também executou as restaurações de outras importantes catedrais, como a da Sé, que se encontra no centro da capital paulista, também, como a do Teatro Municipal de São Paulo

outrariar

131

...

A restauração era para começar em agosto deste ano, porém as dificuldade burocráticas encontradas no processo de tombamento da Catedral como um bem cultural do estado de São Paulo colocou entraves no projeto, que só deverá acontecer na metade do ano de 201 5. O tombamento, aliás, veio de encontro com um projeto da prefeitura de Ribeirão Preto em construir um terminal de ônibus urbano em frente a Catedral, causando a insatisfação tanto da comunidade da igreja, quanto da equipe técnica envolvida no processo de restauração.

Com o o tom ba m ento, tod o o q u a d ri l á tero q u e se en contra n o entorn o d a Ca ted ra l d eve ser con serva d o, i n cl u i n d o a s ru a s Vi scon d e d e I n h a u m a , La fa i te, Fl orên ci o d e Abreu e Ti bi ri çá , segu n d o i n form a ções d i spon i bi l i za d a s pel o Con sel h o d e Defesa d o Pa tri m ôn i o H i stóri co, Arq u eol ógi co, Artísti co e tu rísti co (Con d eph a a t). Assi m , o proj eto d e con stru çã o d o term i n a l d e ôn i bu s u rba n o n a pra ça d a s Ba n d ei ra se torn a q u esti on á vel e col oca em pa u ta o posi ci on a m ento d a Cated ra l em rel a çã o a esse probl em a , q u e envol ve ta nto a preserva çã o d e u m a pa tri m ôn i o h i stóri co, q u a nto m el h ori a s d a m obi l i d a d e u rba n a d a ci d a d e. "A i grej a n ã o q u er i m ped i r a con stru çã o d o term i n a l , m a s q u e a prefei tu ra ten h a ou tra s a l tern a ti va s, q u e l eve em con si d era çã o ta m bém os pontos n ega ti vos q u e i sto pod e gera r, com o a gera çã o d e u m com érci o i n form a l e vi ol ên ci a n o entorn o d a Ca ted ra l ", d i z o pa d re Fra n ci sco.

Depois da restauração, a Catedral ganhará um novo revestimento de pisos, terá o acesso facilitado com a construção de rampas e banheiros adaptados, por exemplo, além dos reparos dos problemas estruturais essenciais, como as rachaduras presentes ao longo da igreja. Para isso, durante o período de restauração, as atividades paroquiais, como casamentos e missas, serão transferidas para outro local, ainda a ser definido, conforme nos informa o padre Chicão.

Entender que a preservação da Catedral vai além da preocupação em salvar um patrimônio histórico do desgaste do tempo é mergulhar na riqueza do passado de muitas pessoas, de muitas famílias; é também garantir que histórias, como a de Luciana, possam continuar a ser escritas, é possibilitar que o filho que ela está gerando possa ser batizado na igreja em que seus pais e seus avós se casaram. Para mim, como disse no início, a Catedral está além das histórias, é fascinante; vou preservar essas memórias, pois daqui uns anos quero poder escrever, motivada pela mesma curiosidade jornalística de sempre, que muitas outras histórias continuaram sendo escritas em torno da igreja, como a minha, que está apenas no começo.

O intenso tráfego de veículos é tido como um dos fatores das rachaduras no interior da Catedral.

Fotografia: Gabriela Zanca

outrariar

132 meio ambiente

Açúcar a Fotografia: Daniela Rosário

Fuligem liberada na queima causa vários problemas de saúde, principalmente respiratórios .

Fo i n o sécu l o XVI q u e a ca n a - d e- a çú ca r p ro sp ero u - se n o B ra si l . A p l a n ta d e o ri gem a si á ti ca teve seu cresci m en to em d i verso s p a íses d o m u n d o d evi d o à exp a n sã o m u l çu m a n a , m a s d esem b a rco u a q u i n o p a ís tu p i n i q u i m vi n d a p el o s n a vio s p o rtu gu eses n a ép o ca d a co l o n i za çã o eu ro p ei a .

M esm o sen d o d i ssem i n a d a em o u tro s p a íses, a cu l tu ra d a ca n a - d e- a çúca r fi n co u ra ízes n o B ra si l em vi rtu d e d o a u m en to d a s exp o rta çõ es p a ra o Vel h o M u n d o e gra ça s a o seu b a i xo cu sto e crescen te co n su m o p o r p a rte d o s eu ro p eu s.

A exp a n sã o o co rreu p ri m ei ra m en te n o n o rd este b ra si l ei ro , p o i s era p o r l á q u e ch ega va m a s n a u s. É p o r i sso q u e ca n a se a d a p to u tã o b em a o sertã o b ra si l ei ro :

o c l i m a s e c o c o m b a i xa u m i d a d e a s l o n ga s h o ra s d e e x p o s i ç ã o à m u i to p o u c a c h u va c o n tri b u e m p a r c a n a , s e gu n d o e s tu d o s d o D e p a rta c a n e C ro p s .

A a d a p ta çã o fá ci l em cl i m a çú ca r so m a à to ta l i d a d e d e seu p ro d u çã o d e eta n o l à u ti l i za çã o d e s E n e s s a é p o ca d e gra n d e l u q u e s u rge a c u l tu ra d o tra b a l h o e s c a ç ú ca r. D e vi d o a i n te n s a n e ce s s i d a d a p l a n ta , o s p o rtu gu e s e s co m e ça p a ra e s s e tra b a l h o . O c i c l o d e vi d a e ra d e 1 0 a 1 2 a n o s a té 1 8 5 0 e a c ra vo s d a Áfri ca o s p ro p ri e tá ri o s p d o m i n a d o s e a vi d a ú ti l e m a ti vi d a 2 0 a n o s , d e a co rd o co m e s tu d o s h i s to ri a d o r J a co b G o re n d e r.

Atu a l m en te o B ra si l é o m n a - d e- a çú ca r n o m u n d o . E xp o rta n d o a çú ca r m u n d i a l , o s d a d o s só cres q u a n d o o a ssu n to d i z resp ei to à p ro m o d o co m b u stível i n tern a m en te e teve exp a n sã o p o r to d o o B ra si l e h n a regi ã o n o rd este co m o ta m b ém p reci sa m en te n o s i n teri o res d e M i n a

outrariar

133

amargo Muntaser Khalil

O lado negro da indústria canavial

Apesar de todo esse boom econômico, as condições de trabalho escravo nessa área canavial mudaram pouco desde o período colonial. Cortadores de cana chegam a cortar diariamente 1 5 toneladas da planta para o aumento de sua renda mensal. A maioria deles usam drogas que vão da maconha até o crack para enfrentar as extensas horas de trabalho sob o sol ou a madrugada adentro. A cortadora de cana Lindiana Soares, em entrevista à Rede Brasil Atual, diz ter começado o uso de drogas durante uma safra difícil e com pouca produção.

Segundo ela os trabalhadores das usinas entram no mundo das drogas na intenção de “esquecer a vida” e conseguir enfrentar as condições degradantes do trabalho.

e n c o n tra d o n o n o rd e s te s o m a d o ra d i a ç ã o s o l a r, n o i te s fre s c a s e ra a p ro d u ti v i d a d e e q u a l i d a d e d a a m e n to d e A gri c u l tu ra d a S u ga r-

m a s seco s e tro p i ca i s d a ca n a - d ea p ro vei ta m en to , q u e va i d esd e a eu b a ga ço p a ra a a l i m en ta çã o u c ra ti vi d a d e d a Co ro a Po rtu gu e s a c ra vo n a s p l a n ta çõ e s d e ca n a - d ea d e d e m ã o - d e- o b ra p a ra o co rte a ra m a u ti l i za r ín d i o s e a fri ca n o s ú ti l d e s s e s e s c ra vo s e m a ti vi d a d e a p ó s a p ro i b i çã o d o trá fi co d e e sa s s a ra m a c u i d a r m e l h o r d e s e u s a d e d o s m e s m o s s u b i u p a ra 1 5 a s o b re a e s c ra vi d ã o n o B ra s i l d o

Fotografia: Daniela Rosário

m a i o r p ro d u to r e exp o rta d o r d e cao m a i s d a m eta d e d a p ro d u çã o d e scem a ca d a a n o , p ri n ci p a l m en te o d u çã o d e eta n o l , j á q u e o co n sue extern a m en te só cresce. A ca n a h o j e ta m b ém se co n cen tra n ã o só em b o a p a rte d o su d este, m a i s a s G era i s e S ã o Pa u l o .

Os cortadores também conhecidos como bóias-frias, trabalham em condição degradante e sem materiais de proteção.

outrariar

134 meio ambiente

A mente pode resistir, mas o corpo não aguenta e alguns chegam a morrer devido ao grande esforço na esperança de uma vida melhor para suas famílias que geralmente ficam aguardando na cidade de origem o dinheiro no final do mês. Apesar de algumas usinas de cana usarem, atualmente, métodos mais modernos e mecanizados para o corte da cana que dispensam o corte manual, os abusos ainda continuam em outros trabalhos relacionados à área, como a aplicação de defensivos agrícolas.

Trabalhadores nordestinos que saem de sua terra natal em direção a região sudeste em busca de melhores salários já sabem que não terão boas condições de vida quando vão trabalhar na área canavial, já que acabam morando em alojamentos lotados com outros que buscam o mesmo sonho e trabalham extensas horas que geralmente lhes dão um dia útil de folga na semana.

Essa migração vem ocorrendo cada vez de forma mais crescente com o passar dos anos na cidade Ituiutaba, no pontal do Triângulo Mineiro, em Minas Gerais.

Segundo dados da Secretária Municipal de Desenvolvimento Social os números maiores são de migrantes vindos de Alagoas e Piauí. Alguns desses migrantes trazem suas famílias em épocas de safras e quando esse período passa retornam para suas cidades no nordeste. Os períodos de safra duram em média seis meses, fazendo com que as crianças e adolescentes que migram com seus pais deixem a escola para retornarem com os mesmos. Isso faz com que a qualidade de aprendizagem desses estudantes caia e cria-se a dificuldade no aprendizado, pois passam por diferentes métodos de ensino.

Ou tro fa tor n o períod o entre sa fra s torn ou -se fonte d e ren d a pa ra a l gu n s m ora d ores d a ci d a d e q u e en contra ra m n o retorn o d os tra ba l h a d ores à s su a s ci d a d es d e ori gem u m m ei o pa ra ga n h a rem d i n h ei ro.

H ou ve, entã o, a cri a çã o d e d i versa s em presa s q u e pa ra o tra n sporte d os m i gra ntes n o retorn o à s su a s ci d a d es. Essa s vi a gen s d u ra m gera l m ente três d i a s e sem pre sa em em d i reçã o à Al a goa s e Pi a u í, j á q u e a m a i ori a d os q u e procu ra m o servi ço sã o d esses l oca i s.

Os ôn i bu s sa em l ota d os e exi ste até fila de espera quando a procura é muito gra n d e. A vi a gem é d em orad a e os ôn i bu s n ã o possu em con forto, sã o n a su a m a i ori a vel h os e ser a r- con d i ci on a d o, m a s os vi a j a ntes n ã o pa recem n em se i m porta rem j á q u e estã o vol ta n d o pa ra rever su a s fa m íl i a s.

Destruir para produzir

Uma das práticas mais comuns nas plantações de canade-açúcar é a queima da palha da planta para facilitar na colheita, assim elimina-se as folhas secas e verdes que são descartáveis. Esse processo rústico acaba eliminando no ar atmosférico gases de efeito estufa, como o carbônico, monóxido de carbono, metano entre outros que contribuem para a poluição do ar através da fumaça e fuligem liberadas.

A queima prejudica principalmente os cortadores e outros trabalhadores que ficam no entorno da plantação e infelizmente inalam os gases altamente tóxicos liberados durante o processo. Sem falar nas consequências sofridas nas cidades no entorno das plantações que além de serem poluídas também recebem a fuligem que é levada pelo vento, deixando sujas casas e ruas.

Mas não só as cidades e a população sofrem com a técnica das queimadas. O meio ambiente é o que mais perde, pois a queima elimina toda a cobertura vegetal no solo, fazendo com que aumente a chances de erosões. Ocorre, assim, um desequilíbrio ecológico, já que esse processo também aumenta o número de ervas daninhas no solo, criando a necessidade de um maior uso de herbicidas.

Os animais também são atingidos. “Além de todos os gases liberados na atmosfera, é importante salientar os danos causados a fauna. Tendo em vista que vários animais morrem e acabam perdendo seu habitat.” disse Lázara Dayane Muntaser, estudante de geografia da Universidade Federal de Uberlândia e pesquisadora na área ambiental.

De acordo com o Grupo Cultivar, o processo da queima tem suas vantagens, como a facilitação de reparo do solo e auxilio n a el i m i n a çã o d e pra ga s q u e po d em prej u d i ca r a s pl a n ta çõ es, m a s essa s va n ta gen s n ã o su pera m a s d esva n ta gen s e po r i sso o pro cesso está sen d o pro i bi d o em vá ri o s l u ga res d o Bra si l n a ten ta ti va d e d i m i n u i r o s d a n o s q u e o s ca n a vi a i s ca u sa m .

Desde de julho desde ano a queima de cana-de-açúcar tornou-se proibida na cidade onde se concentra o maior número de canaviais, Ribeirão Preto. A fiscalização fica a cargo do município e caso seja descumprida a lei, o infrator pagará multas que variam de R$ 63 mil até R$ 650,8 mil reais. A prefeitura acredita que a lei causará grande impacto ambiental positivo na cidade.

O governo brasileiro demorou, e muito para se preocupar com os danos ambientais causados pela cana-de-açú ca r. A

outrariar

135

p erd a d e vegeta çã o n a ti va p a ra d a r esp a ço a o p l a n ti o é i rreversível . As m u l ta s a p l i ca d a s a q u em i n fri n ge a s l ei s d e p ro teçã o a m b i en ta l n ã o p a ga m o s estra go s ca u sa d o s a b i o d i versi d a d e. N ã o exi ste d i n h ei ro q u e p a gu e o q u e n ã o p o d e ser recu p era d o .

Sem falar nos danos sociais causados aos habitantes no entorno do plantio, como também aos cortadores de cana.

As longas horas de trabalho, afastamento da família e os problemas de saúde causados pelo estado degradante em que trabalham também são irreversíveis e indignos. Será que as exportações e aquecimento da economia valem os dados causados? É fato que a cana-de-açúcar é de grande importância para a economia nacional e internacional. A necessidade por esse produto cresce da vez mais, desde o aumento dos carros flex, que utilizam gasolina e álcool. Mas também é importante lembrar que a necessidade de mais canaviais acaba ultrapassando os limites ambientais e prejudicando cidades e pessoas. Diante disso torna-se necessário políticas e leis mais rígidas que as atuais relacionadas ao plantio e colheita da cana-de-açúcar, como também leis trabalhistas especificas para os cortadores. É necessário corrermos contra o tempo para que o açúcar não fique tão amargo assim.

As horas de trabalho chegam a ultrapassar 12 horas diárias .

Fotografia: Daniela Rosário

outrariar

136 política

Diga como anda, que te di rei como é

Kennedy Rosa

Ir de um lugar para outro em uma cidade grande não é tarefa fácil, não é verdade? Isso impacta diariamente na vida das pessoas que dependem do transporte público, e isso não é diferente na cidade de Uberlândia. A maioria da população depende do serviço de transporte público para se deslocar até o trabalho, ir para a escola, para o médico e também para chegar aos locais de lazer.

Hoje a cidade conta com o Sistema Integrado de Transporte, o SIT, implantado em 1 997, que possui cinco terminais que interligam as linhas, onde os usuários podem trocar de ônibus, e assim, concluir seu trajeto. Essas linhas são divididas em troncais, que vão de um terminal a outro; alimentadoras, bairro-terminal; e as linhas interbairros.

A cidade conta com a Secretaria de Trânsito e transportes, SETTRAN, que é o órgão responsável pelo gerenciamento do SIT, desde a elaboração dos quadros de horário das linhas até a fiscalização para que as empresas que possuem a concessão do transporte na cidade cumpram os itens especificados pela secretaria no ato da licitação.

O sistema já foi premiado duas vezes, primeiro pela criação e estrutura e o segundo quando se inaugurou o corredor de ônibus da Avenida João Naves, que possui treze estações, conhecidas pela população como “terminaizinhos”. Mesmo com o reconhecimento, o transporte na cidade enfrenta alguns problemas, como a superlotação nos “horários de pico”, o intervalo de tempo entre um veículo e outro, e o valor da tarifa.

Horário de grande fluxo

Aumentar o número de ônibus nos horários de pico é uma das reivindicações dos entrevistados Pedro Francisco e Tal ita. O que para a pesquisadora Denise Labrea Ferreira, do I nstituto de Geografia, I G, da U niversidade Federal de U berl ândia, uma boa saída seria o aumento de ônibus biarticul ados, os “minhocões” para tentar suprir essas necessidades.

Segundo o encarregado de fiscal ização do transporte, J ul iano César da Costa, toda essa questão se dá na área de pl anejamento, em que “vários fatores infl uenciam, e um del es é a demanda. H oje, os carros têm de ser bem aproveitados naquel a l inha. N o horário de pico infel i zm en te, esse é o m a i o r pro bl em a n o sso .

H o j e to d a s a s em presa s co m eça m n o m esm o h o rá ri o , esco l a n o m esm o h o rá ri o , tu d o n o m esm o h o rá ri o , en tã o n o h o rá ri o d e pi co o s ca rro s, i n fel i zm en te a nd a m ch ei o s m esm o”.

Já nos outros horários, onde o tempo de espera é maior, Juliano relata que é checada a demanda, “se não o carro anda vazio, ‘batendo lata’, que é o que as empresas reclamam que não podem colocar um carro pra ficar batendo lata o dia todo”, então se faz um plano de horários em cima da demanda.

Tarifa

A tarifa praticada hoje na cidade é de R$3,1 0, e R$1 ,55 para o passe escolar. Para Talita, de 22 anos, que trabalha no setor de telemarketing e depende do transporte para ir ao trabalho, levar e buscar sua filha na creche é um valor muito alto, que pesa no orçamento da família, pois chega a gastar cerca de R$342,00 por mês, só com as passagens de ônibus.

“A tarifa não é um incentivo para que as pessoas que não utilizam o transporte passem a utilizar, nem para que os que utilizam dele permaneçam. Na primeira oportunidade que o usuário tiver de comprar uma moto ou um carro ele vai comprar, porque ele é um potencial egresso do transporte público, ele quer sair. Mas é o

outrariar

contrário, quanto mais o transporte coletivo é bom, mais ele atrai, e quanto mais ele atrai, mais ônibus você tem que colocar e então mais atrativo ele fica, tornando assim uma causação circular positiva. O contrário do que vemos hoje”.

A tarifa praticada na cidade hoje é muito cara para os padrões econômicos da maioria da população uberlandense, de acordo com o professor doutor William Rodrigues Ferreira, do IG da UFU. Para ele, a tarifa deveria ser um fator de inclusão social para que o indivíduo pudesse ter acesso à sua cidade, mas que infelizmente, não ocorre.

Uma forma de proporcionar uma maior inclusão seria o incentivo na utilização do transporte, com uma tarifa mais social, que poderia ser planejada e então, subsidiada pelo poder público. “Mas sem dúvida, precisaríamos de vontade do poder público, planejamento orçamentário da cidade, ou até com a participação do Estado”.

“Para o empresário, o que importa é receber, não importa quem pague. Em algumas cidades já existe, em São Paulo, por exemplo, o que incentivaria ainda mais a sua utilização”, opina o especialista.

137

Trabalhando no transporte público

Uma de nossas entrevistadas é Rose que trabalha como cobradora há mais de três anos em uma das principais linhas troncais da cidade. Para ela o transporte coletivo precisaria melhorar a quantidade e a qualidade e, sobretudo a manutenção dos veículos operantes.

Ela tem experiência com trabalho que envolve público, como atendente entre outras funções, e conta que durante o trabalho como cobradora, acontecem chateações frequentemente, frisando que “tem pessoas boas e ruins, tem gente que parece que sai de casa só para implicar com motorista e cobrador, mas você tem que deixar pra lá”.

Questionada sobre a cordialidade dos passageiros para com os outros, que precisam do banco para seguir viagem sem complicação, ela explica que quando ninguém cede o lugar ela pede, se a pessoa não ceder, “a gente simplesmente fica parado, não podemos colocar em risco um deficiente, um idoso, que já está em um estado que já não consegue segurar, uma criança de colo, uma gestante; a gente não pode colocar eles em risco”.

Mobilidade

U berl â n d i a é u m cen tro regi o n a l , co m a proxi m a d a m en te 7 00 m i l h a bi ta n tes e co m frota d e q u a se 400 m i l veícu l o s. Pa ra Wi l l i a m , a m o bi l i d a d e u rba n a d everi a ser d i scu ti d a em â m bi to gera l n a ci d a d e, “o n d e tra n spo rte pú bl i co é u m d o s a specto s a serem d i scu ti d o s, so m a d o à m o bil i d a d e d e u m a m a n ei ra gera l , co n si d era n d o a cessi bi l i d a d e, pesso a s co m n ecessi d a d es especi a i s, i d o so s, cri a n ça s, ci cl i sta s e ped estres”.

A av. Afonso Pena é uma das mais movimentadas pelo transporte coletivo por dar acesso ao terminal Central, o principal da cidade.

Fotografia: Kennedy Rosa da Costa

O u tro a specto d i scu ti d o sã o a s co n d i çõ es físi ca s d a s ca lça d a s, q u e preci sa m ser m el h ora d a s pa ra o ferecer u m a m el h o r m o bi l i d a d e pa ra to d o s; d a s ci cl ovi a s; d o s veícu l o s d o tra n spo rte

138

outrariar

política m a d a m en te 7 00 m i l h a bi ta n tes e co m frota d e q u a se 400 m i l veícu l o s. Pa ra Wi l l i a m , a m o bi l i d a d e u rba n a d everi a ser d i scu ti d a em â m bi to gera l n a ci d a d e, “o n d e tra n spo rte públ i co é u m d o s a specto s a serem d i scu ti d o s, so m a d o à m o bi l i d a d e d e u m a m a n ei ra gera l , co n si d era n d o a cessi bi l id a d e, pesso a s co m n ecessi d a d es especi a i s, i d o so s, cri a nça s, ci cl i sta s e ped estres”.

Uma de nossas entrevistadas é Rose que trabalha como cobradora há mais de três anos em uma das principais linhas troncais da cidade. Para ela o transporte coletivo precisaria melhorar a quantidade e a qualidade e, sobretudo a manutenção dos veículos operantes.

Ela tem experiência com trabalho que O u tro a specto d i scu ti d o sã o envolve público, como atendente entre a s co n d i çõ es físi ca s d a s ca l çaoutras funções, e conta que dud a s, q u e preci sa m ser m erante o trabalho como cobral h o ra d a s pa ra o ferecer dora, acontecem u m a m el h o r m o bi l ichateações frequented a d e pa ra to d o s; mente, frisando que das ci cl ovi a s; “tem pessoas bod o s veícu l o s as e ruins, tem d o tra n spo rte gente que paco l eti vo ; rece que sai m a n u tende casa só çã o das para implivi a s; e, car com ta m bém motorista d e pl a n ee cobrador, j a m en to . mas você A tem que i n tegradeixar pra çã o h o j e é lá”. fei ta fi siQue ca m en te po r stionada som ei o dos bre a cordialiterm i n a i s e dade dos esta çõ es d e passageiros para tra n sferên ci a , o com os outros, que q u e segu n d o Wi l l i a m , Entre as linhas que foram contempladas com o precisam do banco para j á n ã o su pre a s n ecescorredor da João Naves estão as do Bairro seguir viagem sem complisi d a d es q u e se tem , à s Morumbi, T101 e T103. cação, ela explica que quando vezes po d en d o ser co n si d eraninguém cede o lugar ela pede, se a d a “o bso l eta ”, m a s q u e so m a d a a pessoa não ceder, “a gente simplesmente u m a i n tegra çã o po r m ei o d o si stem a d e fica parado, não podemos colocar em risco um ca rtõ es, po d eri a d a r m a i s pra ti ci d a d e e a u to n o m i a deficiente, um idoso, que já está em um estado que já não pa ra a tro ca d e ô n i bu s pel o u su á ri o , em q u a l q u er po n to d a consegue segurar, uma criança de colo, uma gestante; a ci d a d e, em d eterm i n a d o espa ço d e tem po , sem a n ecessigente não pode colocar eles em risco”. d a d e d e i r a té o s term i n a i s pa ra fa zer essa i n tegra çã o .

Fa to q u e pa ra a u su á ri a Ta l i ta , esse m o d el o d e i n teOpinião dos especialistas gra çã o “vi rtu a l ”, ta m bém co n h eci d a co m o “tem po ra l ” (po r m ei o d o s ca rtõ es) seri a essen ci a l pa ra u m m el h o r a proveiU berl â n d i a é u m cen tro regi o n a l , co m a proxita m en to d o tem po , d o tra n spo rte e q u e a i n d a poFotografia: Kennedy Rosa da Costa

outrariar

VLT

U m a d a s pro po sta s n a m el h o ri a d o tra n spo rte pú bl i co n a ci d a d e e a pri m o ra r o Si stem a I n tegra d o d e Tra n spo rte, o SI T, seri a a i m pl a n ta çã o d o Veícu l o Leve so bre Tri l h o s, pro j eto q u e está sen d o el a bo ra d o e d i scu ti d o pel a U n i versi d a d e Fed era l d e U berl â n d i a , co m previ sã o d e ter seu estu d o co m pl eto em março de 201 5.

Pa ra Wi l l i a m , q u e pa rti ci pa d a el a bo ra çã o d o pro j eto , co n si d era o VLT co m o u m veícu l o q u e tem u m a pel o a mbi en ta l , é m a i s a tra ti vo e j á seri a vi á vel pa ra U berl â n d i a , po ssu i n d o u m a o pera çã o m el h o r e m a i s co n fo rtá vel .

O VLT sen d o u m d o s el em en to s d o SI T po d eri a fu n ci o n a r em co rred o res, s e n d o u m ve íc u l o m a i s c o n fo rtá ve l , q u e d e ve v i r p a ra s e r u m m e i o d e tra z e r m a i s u s u á ri o s , d e a c o rd o c o m a p ro fe s s o ra D e n i s e La b re a . Ônibus como lugar de pregação

Ped ro Fra n ci sco So a res é pa sto r e u ti l i za o tra n spo rte co l eti vo , especi fi ca m en te n o co rred o r J o ã o N aves, co m o l o ca l pa ra fa zer a su a prega çã o . Pa ra el e é u m d o s m el h o res l u ga res pa ra prega r o eva n gel h o a pesa r d e n ã o ser o l u ga r co m u m , co m o seri a n a i grej a , m a s j á q u e a s pesso a s n ã o vã o a té el a , fo i d en tro d o s ô n i bu s q u e en co n tro u o “l u ga r m a i s a pro pria d o e o n d e o povo está sen ta d o a l ém d e esta rem j u n to s”.

D u ra n te esse tra ba l h o rel i gi o so o pa sto r en co n tro u vá ri a s a dversi d a d es, co m o d i sta n ci a m en to d e a l gu n s d o s u su á ri o s; e pri n cipa l m en te, d o s fi sca i s d o tra n spo rte e d a po l íci a m i l i ta r, q u e o reti ra d o s ô n i bu s. M esm o a ssi m , el e n ã o d esi ste d e fa zer o seu tra ba l h o .

Em um dos casos, o que considera ser o pior, em todo o tempo como pregador, el e diz ter sido encaminhado até a del egacia e chamado de “l adrão e de enganador do povo”, o que segundo el e, não o desmotiva a continuar.

139

140

outrariar

Fotografia: Geane Amaral

religião

Momento que dona Dina abençoa o fiel

Benzeções: tradição de fé e amor

Geane Amaral

Um galho de arruda na mão, um terço, orações e muita fé. Instrumentos do ofício de um benzedeiro, tradição popular vinda ao Brasil no século XVI com os jesuítas e que continua viva nas fazendas e cidades brasileiras.

Cresci ven d o e pa rti ci pa n d o d esses ri tu a i s. M in h a m ã e n o s l eva va d esd e peq u en o s à ca sa d a sen h o ra O sva l d i n a So a res M a ti a s, m u i to co n h eci d a po r d o n a D i n a . Sen h o ra si m pl es, rel i gi o sa e d e u m co raçã o gra n d e, a pren d eu a ben zer co m a so gra , i sto m esm o , co m a so gra , a o s q u i n ze a n o s d e i d a d e, e d esd e en tã o , n ã o se vi u fa zen d o o u tra co i sa .

M a i s d e ci n q u en ta a n o s d ed i ca d o s a a j u d a r o próxi m o – sej a en ferm i d a d e físi ca o u espi ri tu a l –

d o n a D i n a sen ti a d esd e peq u en a u m ch a m a d o q u e segu nd o el a , era D eu s a co n vo ca n d o e h o j e a o s 7 4 a n o s sen te gra ti d ã o po r l em bra r to d a a su a tra j etó ri a d e vi d a q u e se m i stu ra co m a s ben zeçõ es.

N a su a ca sa , l o ca l i za d a n o ba i rro N o ssa Sen h o ra d a s G ra ça s, a q u i em U berl â n d i a - M G , d o n a D i n a rea l i za a tu a l m en te a s u n çõ es, q u e sã o o ra çõ es pa ra a pesso a q u e a pro cu ra , po rq u e d evi d o a o s pro bl em a s d e sa ú d e, el a está i m po ssi bi l i ta d a d e ben zer em gra n d e q u a n ti d a d e co m o Arte: Freepik

outrariar

a co n teci a n a s q u a rta s e sexta s- fei ra s (d i a s d e ben zi m ento), d i a s q u e reu n i a po r vo l ta d e 1 5 0 pesso a s. “ Eu si n to p ra zer em a j u d a r o p róxi m o , p o rq u e n ã o so u eu q u e esto u fa zen d o a q u i l o , é D eu s”, a fi rm a d o n a D i n a so b re a b en zeçã o , q u e é u m a tra d i çã o d e fa m íl i a , a p esa r d a so gra tê- l a en si n a d o , seu s a vô s ta m b ém fo ra m b en zed ei ro s. E rel i gi o sa d esd e p eq u en a , sen ti a a p resen ça d e N o ssa S en h o ra Ap a reci d a a co m p a n h a n d o - a em su a i n fâ n ci a .

Fé essa q u e vem o s em seu s o l h o s e n a su a ca sa , em especi a l n a sa l a d e o ra çõ es, co n stru íd a pel a s pesso a s q u e l á freq u en ta m , po r m ei o d e d o a çõ es, po i s, o s ben zi m en to s a n tes era m rea l i za d o s n a sa l a d e ca sa , q u e fi ca va ch ei a a to d o i n sta n te. M a s co m o j á d i zi a m : “co ra çã o d e m ã e sempre ca be m a i s u m ”, d a va - se u m j ei ti n h o e to d o s sa ía m d e l á a ben ço a d o s pel a d o n a D i n a .

O u tra sen h o ra q u e ben ze h á a n o s é a d o n a J o a n a .

G l ei zi en e Ba rbo sa , vi zi n h a d a d o n a J o a n a , m ã e d e d u a s fil h a s, Pâ m el l a e Lu i za , el a a fi rm a q u e l eva va a s m en i n a s a i n d a bebês pa ra serem ben zi d a s po r J o a n a , e co n cl u i q u e “n ã o a d i a nta l eva r e n ã o a cred i ta r, é preci so ter fé.”.

Sem pre cercad a s d e ca ri n h o po r q u em a s pro cu ra va m , fi q u ei cu ri o sa em ten ta r sa ber o po rq u ê d a s m u l h eres serem m a i o ri a n essa m a n i festa çã o , po r i sso ba ti u m pa po d esco n tra íd o co m o pro fesso r d o I n sti tu to d e H i stó ri a d a U n i versi d a d e Fed era l de U berl â n d i a , D r.

Pa u l o Ro berto d e Al m ei d a q u e co n fi rm o u o q u e eu pen sa va : “a s m u l h eres sã o m a i o ri a po rq u e el a s co n h ecem m el h o r a s en ferm i d a d es d o s fil h o s, fi ca va m em ca sa cu i d a n d o d el es, a té po r vo l ta d o sécu l o XX”, Na estante da sala a l ém d e ter to d a si gn ifi ca çã o m a tern a , d e

141

m ã e a co l h ed o ra e bo n d o sa .

M a s vo cê d eve esta r se pergu n ta n d o : o q u e a fi n a l sã o a s ben zeçõ es? Sã o bên çã o s a co m pa n h ad a s d e o ra çõ es rea l i za d a s po r m u l h eres o u h o m en s q u e recebera m esse en si n a m en to , u su a l m en te pa ssa d o d e gera çã o a gera çã o e ch ei o s d e si m bo l i sm o s, sej a n a s i m a gen s d e sa n to s, n o u so d a s pl a n ta s n a h o ra d a bên çã o , co m o a gu i n é e a a rru d a . Al ém d o si n a l d a cru z.

A fi gu ra d o ben zed o r su rgi u j u n to a o co n texto h i stó ri co d o ca to l i ci sm o , po rq u e a té o sécu l o XX era m u i to d i fíci l en co n tra r u m pa d re e co n segu i r a bênçã o co m el e, o u i r a u m a m i ssa , po i s a s l ei tu ra s d a I grej a era m cel ebra d a s em l a ti m . “Po r i sso h a vi a o co n h eci m en to po pu l a r d o s ben zed ei ro s q u e d a va m a bên çã o à s pesso a s q u e n ã o ti n h a m a cesso à I grej a e n em a o s co n h eci m en to s m éd i co s, a l ém d e serem l id era n ça s rel i gi o sa s d e u m l o ca l , u m a referên ci a ", escl a rece Al m ei d a .

Fotografia: Geane Amaral

de orações, as imagens de santos se misturam com as fotos dos devotos

outrariar

142 religião

As velas são acesas pelas pessoas que frequentam, geralmente com intenções pe

Fotografia: Geane Amaral

Arte: Freepik

outrariar

ssoais

Tra zen d o pa ra o n o sso en ten d i m en to , a s ben zeçõ es sã o a s bênçã o s q u e o pa d re co n ced e, m a s co m o n a épo ca n ã o era po ssível co m el es, h a vi a m o s ben zed ei ro s. D i go h a vi a m po rq u e h o j e o a cesso a h o spita i s, i grej a s, está l o go a l i se co m pa ra d o a u m a épo ca em q u e n ã o ti n h a m esses recu rso s sej a pa ra d o en ça físi ca o u espi ri tu a l , o q u e n ã o q u er d i zer q u e a ca bo u . Essa m a n i festa çã o co n ti n u a presen te n a ci d a d e e n o ca m po , po rém d e fo rm a m en o r.

Al m ei d a exp l i ca , a i n d a , q u e so m en te em 1 9 6 2 o cen á ri o ca tó l i co co m eço u a m u d a r, co m a rea l i za çã o d o Co n cíl i o Va ti ca n o I I , q u e refo rm u l o u a l gu n s h á b i to s, p o ssi b i l i ta n d o a s m i ssa s serem cel eb ra d a s n a l ín gu a d e ca d a p a ís, a l ém d e l eva r o s p a d res p a ra m a i s p erto d o s fi éi s.

Po rém , a I grej a n ã o reco n h ece o s b en zed ei ro s p o rq u e tra ta d e u m a cu ltu ra p o p u l a r.

A exem pl o d o q u e fo i d i to , co m a d o n a D i n a n ã o é d i feren te. Ca tó l ica d e cri a çã o , n a sa l a d e o ra çõ es en co n tra m o s i m a gen s d e J esu s Cri sto , N o ssa Sen h o ra Apa reci d a , Sã o J o rge, a l ém d e vel a s co m i n ten çõ es q u e a s pesso a s l eva m , m u i ta s vezes a co m pa n h a d a s d e foto s peq u en a s pa ra serem l em bra d o s em su a s o ra çõ es. Co m pl eta n d o o espa ço h á a j a rra d ’á gu a ben zi d a e o a gra d á vel perfu m e d e a l fa zem a q u e el a u sa pa ra traça r o si n a l d a cru z em n o ssa fro n te e n a s n o ssa s m ã o s.

N o m o m en to d a bên çã o el a n o s ped e q u e d escru zem o s o s bra ço s, a s pern a s, a ba i xem o s a ca beça e co m eça co m a s o ra çõ es, em especi a l a d e N o sso Sen h o r J esu s Cri sto e D i vi n o Espíri to Sa n to – su a s preferi d a s – tra ça o si n a l d a cru z e rea l i za a prá ti ca .Ta n to el a q u a n to d o n a J o a n a ben zem co n tra o m a u o l h a d o , a i n vej a , o q u ebra n to , a espi n h el a ca íd a – sín d ro m e rel a ci o n a d a co m a n o rm a l i d a d e d o a pên d i ce xi fo i d e o u espi n h el a – en fi m , co n tra to d o m a l q u e po d e a co m eter n o sso co rpo o u a l m a .

N esse ri tu a l fei to d i a ri a m en te a 5 9 a n o s d o n a D i n a j á tra n sm i ti u o q u e sa be a o u tra s pesso a s: “j á pa ssei pa ra três pesso a s [a to d e ben zer] , en si n o pra to d o s q u e ped em o ra çõ es, eu pa sso co m o m a i o r pra zer, e tem gen te q u e a i n d a m e xi n ga ‘a h a sen h o ra fi ca en si n a n d o o q u e sa be pa ra o s o u tro s?’, d a í eu fa l ei , eu n ã o vo u esta r n o m u n d o to d a a vi d a ! ”, pl a n ta n d o a ssi m a s sem en tes pa ra q u e essa cu l tu ra co n ti n u e en tre n ó s.

I n ê z M a ri a fre q u e n ta a ca s a d e l a h á 1 7 a n o s , l e va va o s fi l h o s d e s d e p e q u e n i n o s p a ra d o n a D i n a d a r a b ê n çã o e ga ra n te “e l a j á s e to rn o u d a fa m íl i a p o rq u e o ca ri n h o q u e te m o s p o r e l a é co m o s e fo s s e d e a vó co m o s n e to s , p o r i s s o va m o s l á a té h o j e , ta n to p a ra e l a m e b e n ze r, q u a n to o s m e u s fi l h o s ”. E a i n d a co m p l e m e n ta q u e a p ro c u ro u i n i c i a l m e n te p a ra q u e e l e s fi ca s s e m p ro te gi d o s co n tra e s p i n h e l a ca íd a e mau olhado.

Aci m a d e tu d o , pa ra i r a u m a ben zed ei ra o u ben zed o r receber u m a bên çã o , é preci so ter fé, “ca rrega r co n si go o sen ti m en to d e d esej o e n ecessi d a d e d a q u el a bên çã o”, a fi rm a Pa u l o Al m ei d a . M esm o q u e h o j e ten h a m o s a cesso rá pi d o a o s m éd i co s e a i grej a s – i n d epen d e d e rel i gi ã o – é preci so ter o sen ti m en to d e perten ça e i d en ti fi ca çã o q u a n to a essa cu l tu ra po pu l a r, q u e é l i n d a d e vi ven ci a r e i m po rta n te retra ta r.

143

144

outrariar

outrariar

145

146

outrariar

colaboradores

outrariar

colaboradores: