Olhares sobre a america hispanica

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OLHARES SOBRE A AMÉRICA HISPÂNICA

OLHARES SOBRE A AMÉRICA HISPÂNICA

Ana Heloisa Molina Edméia Ribeiro Richard Gonçalves André (org.)

realização:

patrocínio:

978-85-7846-282-6

Coleção História na Comunidade – volume 9 9 788578 462826


OLHARES SOBRE A AMÉRICA HISPÂNICA

Coleção História na Comunidade volume 9


Reitora Profa. Dra. Berenice Quinzani Jordão Vice-Reitor Prof. Dr. Ludoviko Carnascialli dos Santos Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Prof. Dr. Amauri Alcindo Alfieri Pró-Reitor de Extensão Prof. Dr. Sergio de Mello Arruda Pró-Reitora de Graduação Profa. Dra. Angela Maria de Sousa Lima Diretora do Centro de Letras e Ciências Humanas Profa. Dra. Mirian Donat Chefe do Departamento de História Profa. Dra. Angelita Marques Visalli Coordenador do LEDI Organizador da Coleção História na Comunidade Prof. Dr. Alberto Gawryszewski


Ana Heloísa Molina Edméia Ribeiro Richard Gonçalves André (Org.)

OLHARES SOBRE A AMÉRICA HISPÂNICA

Coleção História na Comunidade volume 9

Universidade Estadual de Londrina Londrina • 2014


Uma publicação do Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem (LEDI), do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina Copyright © dos autores Capa e editoração: Humanidades Comunicação Geral Imagem da capa: Imagem da contracapa:

Tiragem: 1000 exemplares Distribuição gratuita. Venda proibida.

Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) O45 Olhares sobre a América hispânica / organizadores : Edméia Ribeiro, Ana Heloisa Molina, Richard Gonçalves André. – Londrina : UEL, 2014. – (História na comunidade ; v.9) 90 p. : il.

Vários autores. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7846-282-6

1. América espanhola. 2. Arte e história. 3. Fotografia. 4. Imagem. 5. México – História – Revolução – 1910-1920. 6. Mulheres. I. Ribeiro, Edméia. II. Molina, Ana Heloisa. III. André, Richard Gonçalves. IV. Universidade Estadual de Londrina. Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem na História. CDU 946+972

Impresso no Brasil / Printed in Brazil Feito depósito legal na Biblioteca Nacional


SUMÁRIO

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Apresentação

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Introdução

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Pintura Mural Mexicana: povo e paisagem na aula de História

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A Revolução Mexicana (1910-1920): a prova de fogo da fotografia revolucionária

Ana Heloisa Molina; Natalia Germano Gejão Diaz

Barthon Favatto Jr.; Richard Gonçalves André

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Mulheres do Oitocentos: concepções, ideologias e discursos sobre o feminino na Espanha e América Hispânica Edméia Ribeiro

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Álbum de Imagens

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Referências Bibliográficas


Olhares sobre a América Hispânica

APRESENTAÇÃO

A publicação deste nono livro, da coleção História na Comunidade, é a continuidade da realização de um desejo: dar transparência às atividades científicas produzidas pelos professores da Universidade Estadual de Londrina (UEL), em especial do Departamento de História, que participam do Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem (LEDI). É possibilitar um diálogo entre o saber científico e a comunidade. Em agosto de 2006, foi criado no Departamento de História da UEL, na forma de projeto integrado (pesquisa/extensão), o LEDI. Em sete anos de existência, este tem desenvolvido diversas atividades relevantes. Entre elas, podemos apontar: a realização do ENEIMAGEM (Encontro Nacional de Estudos da Imagem, 2007/9/11/13); a publicação da revista semestral Domínios da Imagem; exposições e cursos de extensão. Em 2008, o LEDI teve aprovado seu projeto junto ao PROEXT/2008- Programa de Extensão Universitária (ProExt Cultura), um programa dos Ministérios da Cultura e da Educação, realizado com a colaboração da Fundação de Apoio à Universidade Federal de São João Del Rei (FAUF), o que possibilitou o início da coleção História na Comunidade, a realização de exposições e produção de vídeos. Em 2008 tivemos a grata notícia da aprovação de nosso projeto junto ao Conselho Nacional Científico Nacional (CNPq) no edital Difusão científica. É com este que daremos a continuidade à coleção História na Comunidade, às exposições e à produção de vídeos. Para este projeto partimos da afirmação contida nas Diretrizes Curriculares para o Ensino da História na Educação Básica, que diz que as imagens, livros, jornais, fotografias, filmes 6


Apresentação

etc. são documentos que podem ser transformados em materiais didáticos de grande valia na constituição do saber histórico. Os documentos possibilitam a reflexão e a construção de conceitos sobre o passado e permitem a formulação de questões sobre os conceitos já constituídos. Compreendemos a imagem como importante instrumento/documento para a formulação do conhecimento histórico. Na realidade, ela pode ser a mediadora desse conhecimento. Assim, o projeto proposto atua em duas frentes: primeira, proporcionar ao aluno um novo olhar sobre as imagens, não como meras ilustrações, mas ricas de conceitos e interpretações; segunda, ajudar o professor a trabalhar com a imagem como instrumento de ensino, como fruto de uma criação humana repleta de significados. Este livro foi concebido como mais um instrumento nas mãos dos professores na tarefa de dialogar com os alunos. Organizado por três componentes do LEDI, é composto por três artigos, escritos por cinco autores, todos professores atuais do Departamento de História. O primeiro artigo foi escrito pelas professoras Ana Heloísa Molina e Natalia Germano Gejão Diaz e apresentam reflexões importantes sobre a pintura mural mexicana. A preocupação das autoras, ligadas ao ensino de História, foi propor um olhar histórico-científico na sala de aula a partir de três obras produzidas por Diego Rivera. O segundo capítulo, escrito pelos professores Barthon Favatto Suzano Junior e Richard Gonçalves André, apresenta como fotografias, no caso de duas importantes personagens da Revolução Mexicana, foram usadas como componente de criação de um imaginário sobre a relação de ambos e o ato político. O terceiro e último capítulo, escrito pela professora Edméia Ribeiro, relaciona os discursos construídos sobre as mulheres no mundo hispânico e de como estas foram pensadas a partir de imagens e imaginários. Na parte final do livro há um “Álbum de imagens”, as mesmas que compuseram a exposição proposta pelos autores. 7


Olhares sobre a América Hispânica

Espero que este livro, da coleção História na Comunidade (composta por nove livros), contribua para o debate e o ensino de História, bem como, especialmente, possa ajudar no resgate de uma importante fonte de pesquisa: as fotografias familiares. Este material pode ser copiado, no todo ou em parte, devendo ser nomeada sua fonte. O download dos textos poderá ser realizado pela página do LEDI (http://www.uel.br/cch/ his/ledi/), bem como dos vídeos produzidos e das imagens que compõem a exposição. Alberto Gawryszewski Coordenador do LEDI

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INTRODUÇÃO Ana Heloísa Molina Edméia Ribeiro Richard Gonçalves André

A América Hispânica tem sido palco, nos últimos cinco séculos, de uma série de movimentos sociais, políticos, econômicos, culturais e étnicos. Conflitos, revoluções, restaurações, migrações, entre outros aspectos, coloriram a região de diferentes matizes, o que tem sido explorado pela historiografia de formas diferentes. No entanto, não se pode esquecer que as variadas facetas de sua história inspiraram também o olhar de pintores, fotógrafos, diretores de cinema e quadrinistas. Eles criaram e criam imagens que não apenas representam o que viram a partir de subjetividades materializadas por intermédio de pincéis e cliques, câmeras e nanquins, como também auxiliam na criação de imaginários, isto é, objetos dados a ver e que podem influenciar sociedades inteiras. Portanto, essas Américas são compostas de atores históricos no interior do jogo social, mas também de percepções, ideias e olhares que não podem ser negligenciados. Esta coletânea é inspirada justamente nos olhares sobre a América Hispânica, buscando refletir sobre ela a partir de sua dimensão imagética: sejam imagens materiais, como pinturas e fotografias, sejam imagens mentais (que constituem o elemento de coesão dos imaginários), que não deixam de ser objeto da História. Tendo em vista essas considerações, Ana Heloísa Molina e Natalia Germano Gejão Diaz refletem sobre a pintura mural 9


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mexicana e seus elementos, povo e paisagem na aula de História. São apresentados os principais muralistas mexicanos, propondose um exercício de leitura visual e possibilidades de uso em sala de aula a partir de três obras produzidas por Diego Rivera. Dando continuidade ao livro, Barthon Favatto Suzano Junior e Richard Gonçalves André analisam fotografias ligadas às principais figuras da Revolução Mexicana, como Francisco Villa e Emiliano Zapata, buscando compreender suas interfaces com a criação de um imaginário revolucionário mexicano. Por fim, Edméia Ribeiro analisa as concepções, as ideologias e os discursos tecidos sobre as mulheres na Espanha e na América Hispânica, ressaltando que, assim como as Américas, as mulheres também são pensadas a partir de imagens e imaginários. Espera-se que este livro, parte da coleção “História na Comunidade”, lançada pelo Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem (LEDI), contribua aos interessados em dois sentidos. Por um lado, lançando reflexões acadêmicas sobre o objeto em foco, inserindo-se, de certa forma, na historiografia pertinente. Por outro, e não menos importante, constituindo material voltado para professores e alunos da Educação Básica. Duas facetas, afinal, de um fenômeno interligado relacionado à pesquisa e ao ensino. Trata-se, portanto, de um livro não apenas sobre olhares, mas que também oferece olhares (destinados a outros olhares, num círculo infinito de significação) sobre a América Hispânica. Deseja-se a todos ótima leitura.

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Pintura Mural Mexicana: povo e paisagem na aula de História Ana Heloisa Molina Natalia Germano Gejão Diaz

Em meio à sociedade onde as imagens estão cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas, onde a comunicação é feita através delas, o entretenimento lança mão de recursos imagéticos para atrair jovens e crianças, poderes políticos as utilizam para legitimar valores e ideologias, percebemos a necessidade de, no campo historiográfico, refletir sobre a presença destas nas pesquisas e, principalmente, no ensino de História. A reflexão parte do objetivo de superar a tradição que tem as imagens como mera ilustração a textos escritos, expandindo o olhar e as reconhecendo como objetos mediadores da produção do conhecimento histórico escolar. [...] torna-se necessário que o professor inclua, como parte constitutiva do processo de ensino/aprendizagem, a presença de outros mediadores culturais, como os objetos da cultura material, visual ou simbólica, que ancorados nos procedimentos de produção do conhecimento histórico possibilitarão a construção do conhecimento pelos alunos, tonando possível “imaginar”, reconstruir o não vivido-diretamente, por meio de variada fontes documentais. (SIMAN, 2004, p.88)

O “mundo como texto”, ou seja, a primazia da palavra como forma de comunicação, vem perdendo espaço para o “mundo como imagem” (FABRIS, 2007). Hoje historiadores e pesquisadores de diversas áreas, como a Publicidade, as 11


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Artes, Geografia, Sociologia, Antropologia, dentre outras, também buscam refletir sobre a existência humana através das visualidades. Para tanto, uma grande atenção tem sido dada ao legado visual deixado pelos homens, suas formas de expressão e comunicação mediadas pelas imagens. No entanto, mesmo com a presença marcante das imagens no cotidiano das sociedades e com os constantes contatos que estas têm tomado com a comunicação visual, os sujeitos ainda não estão plenamente habilitados a decodificá-las além das mensagens óbvias que elas transmitem. Outro consenso que se apresenta, portanto, é o da necessidade de os indivíduos serem educados para interagirem com as imagens de forma consciente e poderem extrair e compreender suas mensagens mais subjetivas. (GEJÃO, 2010, p.86).

Um caminho a se seguir é o da análise e reflexão sobre os processos de produção das imagens, as apropriações que são feitas e as formas que tomam enquanto produtos culturais, percorrendo, dessa forma, o circuito de produção, circulação e consumo das imagens. Além disso, ao se estudar a visualidade de uma época, ao se observar os conjuntos de imagens, em diferentes suportes, produzidas por uma sociedade, em um período específico, é possível conhecer seus sistemas de significação, compartilhar suas experiências não verbais, suas relações sociais e de poder e as formas como representam seus valores, suas vivências, seus desejos e intenções. A visualidade que marca uma época é detentora de historicidade, e pode tornar-se, um objeto de investigação da pesquisa histórica e do ensino de História. Neste sentido, seria possível reconhecer o potencial cognitivo das imagens (MENESES, 2003). Portanto, além da atenção que é dada ao processo de produção, circulação e recepção de imagens, é importante 12


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entendê-las como elementos que participam das relações sociais, e, assim, possuem uma ação, provocam efeitos, produzem e sustentam formas de sociabilidades, legitimam propostas de organização e atuação do poder. Assim se completaria o circuito social da imagem – produção, circulação, apropriação e ação. O que percebemos ainda, principalmente no ensino de História é que a imagem continua sendo considerada como mera ilustração, uma forma de confirmar o conhecimento produzido por outras fontes, geralmente a fonte escrita, e também como um elemento apenas de caráter estético. Em nossa proposta, a imagem será tomada como “testemunha ocular” do passado, ou seja, como evidência que permita reconstruir “de forma mais vívida” os gostos, valores e idéias estéticas de sociedades passadas (BURKE, 2004). Primeiramente, é preciso ter em mente que ao observar uma imagem não é possível simplesmente explicá-la, mas sim falar sobre as observações, as sensações produzidas no leitor a partir da leitura que dela foi feita (BAXANDALL apud MOLINA, 2010, p.102). A leitura da imagem é polissêmica, pois, é carregada do repertório cultural, emocional e sígnico do leitor. Essa característica deve ser considerada também no trabalho com imagens no ensino de História. Os alunos farão leituras diversas das imagens estudadas e o professor deverá mediar essa leitura oferecendo subsídios e orientações para que o conhecimento histórico escolar seja produzido. As imagens comunicam mensagens, narram histórias a partir de um lugar, provocando reações diversas e impactando emoções, promovendo sentidos e organizando significados em resposta ao olhar devolvido por aquelas imagens. (MOLINA, 2010, p.103)

Nesse texto, tomamos a pintura muralista mexicana como fonte de estudo nas aulas de história, por entender que a pintura pode ser explorada como documento histórico, ao 13


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narrar histórias, elencar pistas e indícios de realidades passadas e proporcionar elementos de representação e comunicação. Apresenta dados explícitos e/ou implícitos sobre um autor, uma época, sobre técnicas e estilos, sobre temas sócio-culturais diversos, sobre movimentos artísticos, enfim, sobre a complexa e contraditória sociedade registrada em tintas, lápis e tela. Portanto, seu uso em sala de aula pode e deve superar a mera motivação e/ou ilustração. Na análise de uma obra de arte podemos estudar seus aspectos materiais e técnicos, como estado de conservação, autoria e autenticidade, tamanho, formato, composição, luz, sombras, temática e estilo. Também buscamos identificar as relações da obra com dada situação histórico-cultural. Em relação à autoria, é importante considerar que a pintura apresenta a visão de mundo do artista, que está inserida no interior de um contexto maior, ou seja, é importante verificar as relações pessoais do autor, seu circulo social, seu estilo de vida, hábitos, origem étnica e econômica, seu estilo artístico, informações que garantem uma melhor compreensão do quadro. Há, portanto, uma estreita relação da pintura com a sociedade da época em que foi produzida. Informações sobre o formato, tamanho e composição (figuras, efeitos de luz e sombra) da obra podem sugerir as finalidades da mesma, as intenções promovidas por aquela representação, e proporciona ao aluno uma sensação de proximidade e sensibilização pelo impacto visual gerado no circuito quadro/leitor. Indagar se a pintura faz parte de um estilo artístico é essencial, pois ao ser associada a um período ou movimento específico a gama de informações e de significações da obra se amplia e permite uma melhor compreensão da mesma. Nesse caso, devemos considerar que uma observação mais acurada da pintura implica na abordagem centrada na compreensão da 14


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visualidade como uma das dimensões da própria historicidade (não segregada aos estilos e escolas). Concordamos com Pelegrini (2006, p. 2-3) que nos alerta acerca do conteúdo objetivo da obra de arte e sua compreensão para a história cultural de outros países. Faz-se necessário, enveredar pelo conteúdo objetivo da obra, analisar sua intencionalidade plástica e a carga subjetiva de suas formulações. Para tanto, deve-se observar os registros pictóricos como documentos que suscitam a compreensão de determinados contextos e memórias históricas, viabilizando estudos acerca das articulações entre essa produção e o seu tempo, entre as percepções visuais e suas formas de representações sócioculturais (PELEGRINI, 2004). Portanto, o estudo das artes plásticas pode contribuir para retomada de parte da história cultural dos países, uma vez que a própria história cultural “tem como principal objetivo identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma realidade social é construída, pensada, dada a ler” (CHARTIER, 1990).

É nesse circuito de leitura que propomos uma aproximação com o movimento muralista mexicano, e em especial, a seleção de algumas obras produzidas por Diego Rivera. Movimento muralista mexicano O movimento muralista mexicano teve início na segunda década do século XX em meio a um clima de instabilidade política devido às intensas transformações sociais provocadas pela Revolução Mexicana (1910-1920). Em sua arte, de caráter público e de proporções monumentais, os muralistas buscavam retomar o passado histórico do México (figura 01), apresentavam a diversidade étnica e cultural do país, em uma tentativa esperançosa de reconstrução da história e da identidade de um povo renegadas por anos de dominação colonial e de controle político e econômico de uma aristocracia republicana. 15


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Figura 1. Mural A grande cidade de Tenochtitlan (1945-52) de Diego Rivera. Palácio Nacional da Cidade do México.

O México anterior à Revolução estava submetido a um Estado oligárquico, baseado em uma economia primária exportadora, com a maioria da população sujeita a uma vida em que os proventos não cobriam as necessidades básicas. Camponeses foram transformados em trabalhadores rurais e os indígenas foram expropriados de suas terras, cabendo a eles, talvez, uma única forma de reação: a guerrilha e o conflito contra as forças de opressão. A Revolução Mexicana, iniciada em 1910, colocou fim ao regime de Porfírio Diaz, e por dez anos movimentou diferentes setores sociais do México em disputas pelo poder. Durante o processo revolucionário por diversas vezes a cadeira presidencial ficou vaga e foi ocupada por líderes regionais que acabavam por fazer prevalecer seus interesses e não os do povo. A luta pela reforma agrária, defendida principalmente por Emiliano Zapata (1879-1919) pode ser considerada a questão fundamental da Revolução, porém em poucos momentos, ações efetivas foram realizadas nesse sentido por aqueles que assumiram o poder. A posse de Álvaro Obregón (1880-1928) no cargo de presidente, em 1920, iniciou um período de esperança e otimismo pelo 16


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cumprimento dos tratados estabelecidos durante o processo revolucionário. Foi nesse contexto de expectativas positivas que nasceu o movimento muralista. A revolução representou e ainda representa um dos movimentos populares de maior comoção na América Latina e no mundo. As várias lideranças, grupos envolvidos, classes sociais, os desejos, esperanças e a violência que a caracterizam deixaram impactos na sociedade mexicana e transbordaram para o meio artístico do país. Seu caráter antiburguês, popular, campesino e nacionalista será apropriado pelos muralistas em suas obras monumentais. A pintura mural mexicana poder ser vista como um dos maiores exemplos da relação entre arte e sociedade, pois foi proposta como uma arte de utilidade pública, uma propaganda ideológica a serviço do povo. Seus artistas possuem a consciência de estarem conectados à sociedade e, portanto, suas obras assumem o ponto de vista das massas. (QUINSANI, 2010, p.2) Tecnicamente, os murais se definiam por pinturas com dimensões monumentais que tomavam como suporte material as paredes de prédios públicos, sobre as quais se aplicava a técnica do afresco, por vezes, optavam pela produção de grandes painéis montados em exposições permanentes. Nessa perspectiva, os murais ou painéis apresentavam a vantagem de se integrarem aos projetos arquitetônicos explorando o caráter plano das paredes. O afresco, por sua vez, pressupunha a aplicação de técnica de pintura sobre paredes e tetos, através de demãos de tinta sobre o revestimento úmido (fresco), o que impunha ao artista a necessidade de ser ágil e extremamente habilidoso. (PELEGRINI, 2006) Esse movimento teve início em 1920, ano da posse do presidente Álvaro Obregón, antigo líder regional que buscou consolidar a Revolução colocando em prática propostas firmadas no programa revolucionário, em especial a reforma agrária. Em 17


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seu governo o Estado assumiu importante papel na construção de uma economia moderna, sua ideologia foi marcada por um nacionalismo revolucionário e as políticas educacionais do filósofo e revolucionário José Vasconcelos foi essencial nesse sentido. Vasconcelos foi nomeado secretário de Educação Pública e fez da pintura mural um dos pilares de seu programa político e cultural. Empreendeu um amplo programa iconográfico que tendia a representar paisagens da história mexicana e incluía os costumes e festividades indígenas, retratando, assim, a história do México desde os povos originários até a Revolução de 1910. Vasconcelos impulsionou a pintura de murais em prédios públicos não impondo padrões estéticos e ideológicos, o que possibilitou uma variedade de recortes históricos representados, como a conquista espanhola, costumes indígenas, a questão agrária, o desenvolvimento industrial do país, entre outros. A mensagem visual que a Secretaria de Educação Pública quis retomar, relacionava-se com as idéias que o governo pós revolucionário queria transmitir sobre o passado da nação. “No caso do muralismo, os usos do passado se relacionam com um programa destinado à ressignificar a história nacional mexicana.” (BELEJ, 2014, 255) Pelegrini complementa tal assertiva: Todavia, a intenção do grupo era produzir obras que não pertencessem a uma única pessoa ou a colecionadores, mas pudessem ser acessíveis a muitos observadores, longe dos espaços reservados aos segmentos privilegiados. Eles idealizaram a confecção de murais em edifícios públicos, nas escolas e repartições oficiais e definiram também alguns elementos e propósitos fundamentais para o muralismo, tais como: 1- a intervenção social e política através da arte; 2- a popularização da arte; 3- a transmissão de mensagens de otimismo e solidariedade em relação à sociedade e à humanidade; 4- a tentativa de conciliar a mensagem política à linguagem simples e didática; 5-

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a valorização dos signos culturais e religiosos do povo mexicano. (PELEGRINI, 2006, p.4-5)

Os murais ainda hoje podem ser encontrados por todo o México, em lugares variados, em palácios, prédios ministeriais, escolas, museus, câmara legislativa, enfim, em lugares que vão desde escadas escuras e mal projetadas (figura 02) a grandiosas fachadas de modernos edifícios (figura 03). Essa arte revolucionária influenciou vários países da América Latina, e durante um tempo, principalmente na década de 1930, também se fez presente em países como Inglaterra e Estados Unidos.

Figura 2. Mural de José Clemente Orozco. Colégio de Santo Ildefonso, México. (1923-1924)

Figura 3. Mural de David Alfaro Siqueiros intitulado El Pueblo a la universidad y la universidad al Pueblo. (1952)

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Dentre os principais artistas muralistas podemos citar Diego Rivera (1886-1957), José Clemente Orozco (1883-1949) e David Alfaro Siqueiros (1896-1974), que fizeram parte da primeira geração marcada pelo reflexo ideológico do governo e eram chamados de “Los três Grandes”. Suas obras pretendiam emanar do povo para o povo, revisitando a história précolombiana mexicana, passando pelo período revolucionário e projetando-se em um ideal de novo México. O indígena tem um papel central nessas obras (figura 04), sua luta pela terra ao longo da história é reconhecida e incorporada ao processo revolucionário. As representações dos valores culturais indígenas consistem em um discurso contestatório às correntes racistas que durante séculos definiram o índio como um fator de atraso e falta de civilização. Na arte muralista a figura do indígena é tida como símbolo da imagem e identidade latino-americana.

Figura 4. A Criação (1922) Mural de Diego Rivera. Anfiteatro Bolívar da Escola Nacional Preparatória, México.

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Diego Rivera na sala de aula de História A trajetória do pintor Diego Rivera é extremamente complexa e dinâmica para o seu tempo. Apontaremos as informações biográficas essenciais desse artista, pois, devido às dimensões desse texto não são possíveis de serem aprofundadas. Nascido em 1886 na cidade de Guanajuato, Diego María de la Concepción Juan Nepomuceno Estanislao de la Rivera y Barrientos Acosta y Rodríguez, faleceu na Cidade do México em 1957. Iniciou sua formação artística na Academia San Pedro Alvez, na Cidade do México, no entanto, definiu e enriqueceu seu estilo artístico durante sua estadia na Europa, no período de 1907 a 1921. Teve contato com vários pintores da época, principalmente vanguardistas como Pablo Picasso e Salvador Dalí, que influenciaram a sua obra, mas, Rivera deixará o cubismo retornando ao figurativo, na intenção de didatizar a história mexicana em seus murais. Assim como os outros muralistas, considerava a pintura de cavalete burguesa, pois, na maior parte dos casos as telas ficavam confinadas em coleções particulares. Dentro deste conceito, realizou gigantescos murais que contavam a historia política e social do México, mostrando a vida e o trabalho do povo mexicano, seus heróis, a terra, as lutas contra as injustiças, suas inspirações e aspirações em seu cotidiano. Assumidamente defensor dos ideais da Revolução Mexicana e do comunismo, considerava a arte como um instrumento de conscientização política e difusora de ideais socialistas como podemos observar no excerto abaixo: “Quero ser um propagandista do comunismo, e quero sê-lo em tudo que eu possa pensar, falar e escrever, e em tudo que eu possa pintar. Quero usar a minha arte como uma arma.” (Diego Rivera, The Revolutionary Spirit in Modern Art, 1932, p. 64)

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Selecionamos para um exercício visual três obras desse artista: os quadros Fazendo tortillas (1926) e La Molendera (1924) e o mural A civilização Huasteca (1950) no intuito de perceber os elementos da cultura mexicana ali representados e o diálogo entre as obras desse artista em diferentes temporalidades.

Figuras 5 e 6. Fazendo tortilhas (1926) e La molendera (1924). Diego Rivera

A serenidade das mulheres amassando tortilhas é conferida pela simplicidade das formas e colorido da pintura, enquanto a molendera possui cores mais fortes, em uma cartela de azuis e marrons, mas, ressaltada pela iluminação em branco na vestimenta de algodão com a incidência da luz a direita que proporciona a força e ao mesmo tempo a suavidade necessárias na composição da tela. Executadas em um período onde Rivera iniciava as pinturas em afrescos para os grandes murais, a influência dessa técnica verifica-se na manipulação sutil das cores quentes e brilhantes, ou melancólicas e sóbrias, proporcionando a sensação de nostalgia e intimidade. 22


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A importância dos quadros reside nas firmes convicções de Rivera a respeito da dignidade humana do povo simples mexicano, na manutenção das tradições que cercam o cultivo e a manipulação de alimentos feitos a base de milho e a valorização das raízes culturais astecas perceptíveis em muitas manifestações populares. O exercício de contraposição dos dois quadros (figuras 05 e 06) com o mural A civilização Huasteca de 1950 (figura 07), nos permite verificar a importância do milho aos mexicanos, sua forma de plantio e a presença de deuses e deusas de culturas antigas presentes nas representações. Os murais do Palácio Nacional, que medem 474 m2, intitulado O Épico do Povo Mexicano na sua Luta para Liberdade e Independência onde se encontra o mural A civilização Huasteca são impressionantes. A base do mural aparenta ser de pedra com elementos decorativos e da cultura asteca que remetem ao fortalecimento das raízes de milho, à fertilidade, à abundância e prosperidade da terra e da plantação. À direita, temos signos da fartura da colheita, e a esquerda, referências da espera e da esperança na benevolência dos deuses.

Figura 7. A civilização Huasteca (1950). Diego Rivera

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No detalhe abaixo (figura 08) vemos ao fundo uma paisagem de chinampas (lote de pequena extensão em um lago construído por sobreposição de uma camada de pedra, outra de juncos e outra de terra, onde legumes e flores são cultivados; no passado era o sistema de cultivo da área lacustre do vale do México, mas agora se emprega apenas em poucos lugares, como Xochimilco ) um sistema original de cultivo dos astecas. À esquerda vemos a deusa do milho Chicomecoatl, principal padroeira da vegetação e, por extensão, deusa também da fertilidade que tem em suas mãos, espigas. Podemos atentar também para os detalhes da paisagem montanhosa ao fundo e as referências a região dos lagos no canto superior direito, o que remete a origem da civilização asteca no lago Texcoco.

Figura 8. Detalhe superior. A civilização Huasteca (1950). Diego Rivera

Abaixo percebemos no detalhe inferior do mural (figura 09), na parte da frente do lado direito, agricultores no plantio de milho com uma coa (instrumento agrícola, parecido com uma enxada, usada para abrir buracos no solo e consiste em uma lança larga envolta em uma ponta de metal que pode assumir a forma de uma pá ou espátula, ou uma parte reta e uma curva). 24


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A coa é um instrumento pré-hispânico utilizado para plantar ou amontoar a terra. Ao lado esquerdo, no detalhe, temos um verdadeiro tratado da cozinha e culinária mexicanas a base de milho. A partir de moagem na metade, as tortilhas cozidas na chapa, o descasque de espigas, a trituração do milho, o cozinhar do mingau em panelas de barro e os tamales embrulhados (prato composto por massa de farinha de milho recheada com carne, frango, chilli e outros ingredientes envoltos em folhas de bananeira ou sabugo de milho e cozido no vapor ou cozidos).

Figura 9. Detalhe inferior. A civilização Huasteca (1950). Diego Rivera

Consideramos que o conjunto das imagens selecionadas proporciona várias possibilidades de uso na aula de História, como: a) elemento motivador para iniciar as discussões sobre a civilização asteca; b) as considerações sobre o uso da pintura como evidência história, devidamente contextualizada na relação tema/autor; c) a análise do muralismo mexicano como movimento artístico, no caso, representado por Diego Rivera, e as relações entre arte e política peculiares a esse movimento e àquele momento histórico; d) a presença de elementos populares em conjunto com as referências históricas proporcionadas por 25


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essas imagens; e) possibilidade de diálogo com outras fontes, por exemplo, os Códices dos conquistadores espanhóis que relatam o cotidiano e as festas dos povos nativos. Dessa forma, os elementos povo e paisagem poderiam também ser contrapostos com outros artistas, pintores, literatos em um exercício de intertextualidade entre documentos históricos, ressaltando as especificidades da Revolução Mexicana, seus lideres e os grupos sociais envolvidos.1 Considerações finais Pensamos que o uso da imagem na sala de aula de História como ilustração já tenha sido superado, o que na prática se mostra ainda como algo distante. Dessa forma, ao propor o uso de pinturas murais produzidas por artistas mexicanos para o estudo de História da América consideramos outras perspectivas: a necessidade de reflexões mais aprofundadas sobre a imagem enquanto documento histórico, seus aportes teóricos e metodológicos no interior da historiografia e a viabilidade dessa fonte como mediadora na relação ensino e aprendizagem, como também, promotora de organização do conhecimento histórico escolar. Não é nossa intenção esgotar as possibilidades aqui apresentadas com o exercício visual realizado a partir da seleção do mural A civilização Huasteca de Diego Rivera, mas, considerar a riqueza da experiência de sensibilização dos olhares dos alunos acerca da história e da cultura latino-americana. O muralismo mexicano oferece diversos recortes temáticos para o estudo da sociedade mexicana no início do século XX, seja pelo viés da Revolução Mexicana, seja pela produção profícua Por exemplo, contrapor referências de cinema, como o filme, e os seus cartazes de propaganda, Viva Zapata (1952) de Elias Kazan, bem como as diversas fotografias produzidas no período, como as de Tina Modotti. 1

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Pintura Mural Mexicana: povo e paisagem na aula de História

dos pintores muralistas em suas especificidades e estilos, e nesse interior as linhas de representação adotada como o industrialismo, os personagens do comunismo, o universo mitológico, os sonhos e pesadelos sociais, a questão religiosa, entre outros. Os caminhos possíveis são inúmeros, e cabe ao professorpesquisador se apropriar das ferramentas teóricas metodológicas disponíveis e adequar à realidade de sua sala de aula. Acreditamos assim, que com esse viés de abordagem o professor de história estimule os alunos a serem mais atentos às visualidades presentes em seu cotidiano e em outros contextos históricos estudados.

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A Revolução Mexicana (1910-1920): a prova de fogo da fotografia revolucionária Barthon Favatto Jr. Richard Gonçalves André

Fotografia e revolução, se não sinônimas, são palavras primas. Ambas as invenções, filhas da contemporaneidade, e contemporâneas entre si, surgiram no decorrer do século XIX e provocaram cada qual à sua maneira significativos impactos e mudanças no modo de vida de homens e mulheres. A fotografia surgiu ainda no século XIX como mais uma das maravilhas técnicas resultantes da Revolução Industrial (KOSSOY, 2001). A partir de então, tornou-se possível fixar imagens em superfícies quimicamente sensibilizadas, sejam placas de metal no caso do daguerreótipo, sejam negativos de vidro que poderiam ser convertidos em positivos, o papel fotográfico (MACHADO, 1984). Atualmente, na era digital, a imagem é captada utilizando sensores em câmeras digitais, processo que permanece mecânica e oticamente o mesmo. No entanto, assim como outros grandes engenhos do período, como por exemplo, o avião, ainda hoje uma atribuição autoral para a invenção do dispositivo fotográfico é imprecisa, suscitando polêmicas de inúmeras ordens. Logo, se franceses e brasileiros atribuem a Alberto Santos Dumont a invenção do primeiro aeroplano, enquanto norte-americanos a reivindicam aos irmãos Wilbur e Orville Wright, algo similar, porém, ainda mais intenso, ocorre com a primeira máquina fotográfica. Afinal, sua aparição 29


Olhares sobre a América Hispânica

foi concomitante em inúmeros países, como o próprio Brasil (KOSSOY, 2006). Por sua vez, as revoluções contemporâneas podem ser entendidas como movimentos de fundo sociopolítico que, de uma maneira ou de outra, provocaram profundas mudanças nas regiões e sociedades em que ocorrem (FERNANDES, 1984). Em geral, movidas pela insatisfação popular e inicialmente organizadas a partir das reivindicações das camadas sociais subalternas, desde o século XVIII e em diversas partes do mundo as revoluções contemporâneas derrubaram poderes até então instituídos, como os de reis e rainhas, conquistaram e garantiram direitos, como o de cidadania, e, sobretudo, comprovaram que quando bem articulado e munido por interesses legítimos o povo possui um grande poder em suas mãos. Não por acaso, uma reflexão sobre a proximidade entre a fotografia e as revoluções contemporâneas remete à ideia de que o fotógrafo é em si um observador e um agente revolucionário. Um rebelde cuja arma é uma máquina industrial não letal, porém não menos inofensiva aos poderes instituídos. Afinal, de seus olhos e a partir de seus cliques revoluções foram representadas, cenas revolucionárias imortalizadas, e ideias e imagens – isto é, o imaginário1 – que temos ou fazemos da cada revolução constituídas. Ou seja, nas linhas de frente, ou mesmo no escurinho dos ateliês, a sensibilidade do olhar e a perícia técnica dos fotógrafos tornam-se as perspectivas pelas quais se pode enxergar esses fenômenos sociopolíticos. Logo, os olhos Imaginário é um conceito perpassado de múltiplos sentidos de acordo com os campos do saber e os autores em questão. Entretanto, neste capítulo, partindo das proposições de Bronislaw Baczko (1985), ele é definido como o conjunto de imagens físicas (disponíveis em suportes como fotografias, pinturas e filmes) ou mesmo mentais (como concepções, que podem partir ou não da iconografia) que representam determinados fenômenos, tais como regimes políticos ou movimentos sociais. O imaginário permite que algo seja visto ou percebido de determinada maneira. Segundo Baczko, para que os constructos imaginários possam se perpetuar, é necessário que toquem no que denomina “comunidade de imaginação”, ou seja, que sejam aceitos como pertinentes e legítimos por grupos no interior do jogo social. 1

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A Revolução Mexicana (1910-1920): a prova de fogo da fotografia revolucionária

de quem ali não pode estar. Não é coincidência que a ensaísta norte-americana Susan Sontag (1981) tenha comparado câmeras a instrumentos mortais como armas de fogo e automóveis, na medida em que as máquinas fotográficas permitiriam que o fotógrafo exercesse uma relação de poder, “capturando” a imagem de outrem, utilizando-a como formas de contestação ou mesmo de manutenção das situações sociais. Essa característica é um traço do fotógrafo latinoamericano do século XX. Isso porque a frequência e a duração das instabilidades sociopolíticas na América Latina, bem como a força das revoluções em resposta a essas instabilidades produziram não somente uma espécie de obsessão na vida e no modo de pensar dos povos latino-americanos, como também na vida, no modo de pensar e no trabalho de nossos fotógrafos. Assim, os “olhos dos nossos olhos” aspiraram à renúncia de uma posição de meros espectadores para colocarem suas técnicas de registro, suas sensibilidades artísticas e o seu labor criativo a serviço de certas causas. Neste capítulo, a partir da seleção e sugestão de algumas fotografias que marcaram “época” na História da América Latina no século XX, pretende-se analisar como tais imagens e seus respectivos fotógrafos construíram e consolidaram visões e ideias profundas e duradouras sobre o campo do político, tocando os imaginários sobre os movimentos sociais e embates políticos da Revolução Mexicana. Espera-se que os leitores possam visualizar estratégias de instrumentalização dessas fotografias em situações de pesquisa e ensino, a fim de contribuir para com o enriquecimento do processo ensino-aprendizagem a partir da fotografia, entendida ao mesmo tempo como fonte e objeto. Mais que simples retratos da então realidade vivida naqueles dias intempestivos no México, as fotografias selecionadas e que povoam as páginas seguintes carregam signos técnicos, artísticos e políticos cujos detalhes são reveladores do complexo potencial 31


Olhares sobre a América Hispânica

da arte fotográfica de, para além de retratar o mundo tal como ele se apresenta, criá-lo ou recriá-lo ao seu próprio sabor. Afinal, em termos metodológicos, a fotografia implica dois cortes sobre o “real”. Em primeiro lugar, o fotógrafo enquadra algum espaço em detrimento de outro, o que em si é um ato de significação. Um indivíduo pode ficar fora da cena ou ser incluído, remetendo às intenções do autor da imagem. Um pequeno grupo pode ser enquadrado de forma a tornar-se uma multidão na foto, mesmo que fosse composto por algumas pessoas num espaço quase vazio. Ao mesmo tempo, o segundo corte diz respeito ao tempo: a fotografia é sempre um fragmento estático de um universo fluido (DUBOIS, 1993). Não se pode “clicar” qualquer momento, mas aquele “instante decisivo”, utilizando a expressão do fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson (2004), em que a cena encontraria seu clímax. Uma figura representativa pode ser clicada bocejando ou em pose heroica, demandando pela sensibilidade do fotógrafo no sentido de perceber as frações do tempo que se esvaem num piscar de olhos. Isso para não falar de outros artifícios disponíveis ao autor, como perspectivas, ângulos, disposição de objetos, associação de elementos, utilização de linhas e cores, procedimentos fundamentais na criação do signo fotográfico. Como mediadores e fios condutores da prazerosa viagem pelo tempo-espaço, tais como detetives que ao feitio de um Sherlock Holmes vasculham nas brumas e pistas de certa cena o “elementar”, e que quase sempre não é tão “elementar” assim à pureza não treinada dos olhos de Watson, cabe a nós, pesquisadores e professores da área de História, refletirmos sobre os usos, quando pertinentes, dessa magia que constitui a fotografia, de forma geral, e a fotografia mexicana da revolução, em particular. Desnudando-a em seu contexto revolucionário, e mesmo fora dele. Enfim, que olhares puros também se façam rebeldes!

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A Revolução Mexicana (1910-1920): a prova de fogo da fotografia revolucionária

Cores e camadas da Revolução Mexicana O século XX foi marcado pela eclosão de inúmeras revoluções em diversas partes do mundo. Da Revolução Russa de 1917, que erigiu a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), o primeiro país sob um regime autoproclamado socialista, à Queda do Muro de Berlim, derrubado na noite de 9 de novembro de 1989, o “breve século XX” – tal como o definiu o historiador Eric Hobsbawm (1995) – foi cenário do nascimento, do desenrolar e do desfecho – quase sempre não tão glorioso – de incontáveis sublevações no campo do político arquitetadas. Contudo, foi a América Latina – especificamente, o México – o cenário da primeira revolução do século XX. É sobre essa revolução que nos debruçaremos. Para além do pioneirismo, é preciso assinalar que a Revolução Mexicana (1910-1920) possuiu outras características marcantes. A primeira delas diz respeito ao caráter complexo do fenômeno revolucionário. O historiador Carlos Alberto Sampaio Barbosa (2010, p. 17) aponta que a complexidade do processo mexicano se esboçou desde o início nas profundas diferenças regionais, sociais e culturais entre os distintos movimentos que dela participaram, caracterizando uma enorme pluralidade no modo como cada grupo entendeu, relacionou-se e conduziu a luta revolucionária, bem como na maneira com que cada um deles edificou sua lista de prioridades combativas e suas reivindicações. Nesse sentido, é possível afirmar que a Revolução Mexicana não foi e não deve ser compreendida como uma mobilização e uma luta matizadas por coloração única, onipresente. Em verdade, nela foram impressos e matizados um sem número de tons que retrataram com fidelidade a diversidade de feições, trajes e bandeiras do povo mexicano: “[...] eram rostos da mais diferente tez, chapéus texanos, grandes, pequenos, alguns vestiam uniforme, outros trajavam terno e gravata, e os demais, 33


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as tradicionais mantas brancas dos camponeses [...]” (BARBOSA, 2006, p. 117). No horizonte plural de reivindicações apresentadas pelos distintos grupos revolucionários, uma se fez marcante e universal entre as camadas populares: o direito ao acesso e à liberdade do cultivo da terra. A questão da reforma agrária, portanto, foi articulada desde o início como elo entre os distintos movimentos, permitindo certa unidade na pluralidade e, acima de tudo, contribuindo para o desenrolar da luta revolucionária no México. Até mesmo as facções urbanas e operárias envolvidas na luta, como os anarquistas reunidos pelo Partido Liberal Mexicano (PLM), capitaneados pelos irmãos Ricardo e Enrique Flores Magón, manifestaram apoio à legitimidade da luta pela terra ao declararem nas páginas do jornal “Regeneración” que “[...] o Partido Liberal Mexicano toma parte na atual insurreição com o deliberado e firme propósito de expropriar a terra e os insumos de trabalho para entregá-los ao povo [...]” (MANIFIESTO, 1911 apud SOUSA, 2012, p. 63). Outra característica marcante do processo mexicano referese ao fato de que, dada a pluralidade dos distintos movimentos que dela participaram, bem como do jogo de poder, ou de cadeiras daí resultante, a Revolução Mexicana acabou retalhada pela emergência de inúmeras e distintas fases. Camadas que, tal como numa montagem fotográfica, uma vez isoladas evidenciam as nuances do todo (ou da imagem total, acabada, imortalizada no papel). Novamente, Barbosa (2010, p. 18) considera que, frente à complexidade demarcada pela compreensão processual dessas fases, a luta revolucionária no México pode ser condensada em três etapas combativas. A primeira etapa seria de mobilização de massas (19101914), em que respaldadas pelo apoio popular as elites mexicanas se fragmentaram e lutaram entre si. É a fase denominada “maderista” do processo. Ou seja, aquela marcada pela ascensão 34


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e queda do governo de Francisco Ignacio Madero, cujo mandato presidencial durou de 1911 a 1913. Em 20 de novembro de 1910, Madero foi responsável por arquitetar e lançar o Plano de San Luis Potosí, que desencadeou a revolução ao convocar os mexicanos a se levantarem em armas contra a ditatura de Porfírio Díaz. A ditadura instaurada por Díaz no México, também conhecida como pax porfiriana, ou Porfiriato, durou cerca de trinta e cinco anos (1876-1911)2 e tornou patente as contradições então vividas pelo país. Isso porque, se por um lado o Porfiriato foi responsável por alavancar o crescimento econômico, abrindo as portas do México à iniciativa do capital estrangeiro e ao progresso técnico-científico, por outro, também consolidou a concentração de terras e aprofundou a violência e a desigualdade social, principalmente no campo (AGUILLAR CAMÍN; MEYER, 2000). Exemplo marcante disso foi o aumento no período da atuação e da violência praticada pelos Rurales, a guarda montada responsável por pacificar os conflitos no campo e que passou durante o Porfiriato a sufocar com deliberada brutalidade os descontentamentos e sublevações nas haciendas mexicanas. Isto é, as fazendas ou latifúndios. A segunda etapa, ou camada da Revolução Mexicana, é conhecida como fase popular (1914-1915). Apesar de menos duradoura, é considerada a mais fecunda e marcante de todo o processo revolucionário. Nela, a população – em especial, o campesinato –, compreendendo a fragmentação política que limitava a atuação das classes dominantes, passa a conduzir com maior liberdade suas iniciativas, impondo suas reivindicações e ressaltando a importância da luta pela terra (BARBOSA, 2010, p. 18). Trata-se da fase em que se tornam proeminentes e decisivas as lideranças de Francisco Villa (Pancho Villa)3 e Emiliano Zapata, Nesse tempo, Porfírio Díaz só não esteve no poder por quatro anos (1880-1884) quando o México foi governado pelo General Manuel González. 3 No México e em outros países de língua espanhola, Pancho (ou Panchito) é um diminutivo carinhoso do nome Francisco. Equivalente ao nosso Chico. 2

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sobre o quais voltaremos a tratar, imprimindo uma aura popular e não raro romanesca à Revolução Mexicana. A radicalização característica nessa fase pode ser condensada pelo número de baixas. Acredita-se que, ao longo de toda a luta revolucionária, que durou quase uma década, um milhão de mexicanos morreram. E boa parte dessas mortes concentradas na referida etapa. É também do período o episódio que coroou o auge da luta revolucionária: a entrada triunfal do Exército Convencionista na capital federal, a Cidade do México, com Villa e Zapata à frente de cinquenta mil homens. O episódio ocorreu em 6 de dezembro de 1914 e foi retratado em fotografia. Certamente, uma das mais emblemáticas da história latino-americana do século XX. Por fim, porém não menos importante, segue-se a terceira e última etapa da luta revolucionária no México. Intitulada de fase de depuração-conformação, essa etapa congrega os eventos políticos ocorridos naquele país entre os anos de 1915 e 1920. O título, bem sugestivo por sinal, refere-se a uma característica que não foi exclusiva da Revolução Mexicana, mas que se tornou comum e emblemática em algumas revoluções latino-americanas do século XX, que é a de depuração da luta revolucionária em seu estágio final, de esgotamento da Guerra Civil, coroada pela consequente ascensão-conformação no poder dos representantes e dos interesses representativos de um extrato social específico. No caso mexicano, tratou-se da cooptação do processo por uma burguesia política majoritariamente progressista que, em face da radicalização apresentada no período anterior e diante do enfraquecimento dos exércitos camponeses, aproveitou para encabeçar a elaboração, a redação e a ratificação de uma nova carta constitucional para o país. Aprovada às vésperas da eclosão da revolução na Rússia, no dia 31 de janeiro, a Constituição de 1917 se apresentou como uma bem-sucedida tentativa da burguesia mexicana de pôr fim à sangrenta luta armada e à instabilidade política que ameaçavam 36


A Revolução Mexicana (1910-1920): a prova de fogo da fotografia revolucionária

o país com uma possível invasão estrangeira – possivelmente, orquestrada pelos Estados Unidos, parceiro comercial, mas antigo inimigo da Guerra Mexicano-Americana (1846-1848), e interessado em defender a qualquer custo o capital de suas empresas no México. Apesar de progressista e avançada para a época, e de incorporar em alguns de seus artigos garantias a antigas reivindicações populares, como, por exemplo, a secularização dos bens da Igreja Católica, a soberania mexicana sobre as riquezas do solo e do subsolo, e a proteção da pequena propriedade e das terras comunais, as garantias sociais da Carta tiveram pouca, ou, em alguns casos, nenhuma repercussão prática no mandato do então empossado presidente Venustiano Carranza (1917-1920), bem como nos governos seguintes (BARBOSA, 2010, p. 92; AGUILLAR CAMÍN; MEYER, 2000, p. 88-89). Ainda em 1917, dois anos antes de ser assassinado numa emboscada arquitetada pelo General Jesús Guajardo, em carta aberta o próprio Zapata denunciou a falta de comprometimento federal com o cumprimento de uma das principais garantias da nova Constituição, a reforma agrária: As haciendas estão sendo cedidas ou arrendadas aos generais favoritos; os antigos latifúndios, substituídos em muitos casos por latifundiários modernos que usam dragonas, quepes e pistolas nos cintos; os povoados estão sendo burlados em suas esperanças. (AGUILLAR CAMÍN; MEYER, 2000, p. 89).

Esse fim dramático, digno de um roteiro de uma telenovela mexicana produzida, como diriam alguns, não significou, contudo, que a luta popular no México foi vã. Sem ela, os mexicanos não teriam conquistado importantes direitos civis, tais como a igualdade entre homens e mulheres perante a lei; a proibição da pena de morte e o acesso à educação laica, democrática, e, sobretudo, gratuita. Garantias que, mesmo que introduzidas de maneira paulatina, vagarosa até, permitiram a refundação do 37


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México e sua inserção no século XX como uma grande, plural, porquanto multicolorida democracia – mesmo que resguardadas limitações políticas e sociais que, ainda hoje, apresentam-se como entraves ao pleno exercício da democracia naquele país. Limitações essas que não são excepcionais do caso mexicano, mas presentes e permanentes em toda a América Latina. A produção fotográfica e os fotógrafos da Revolução Mexicana A Revolução Mexicana não se apresentou somente como a primeira revolução a inaugurar o século XX. Ela também se caracterizou pelo pioneirismo e amplitude da cobertura fotográfica. Pode-se afirmar, inclusive, que a Revolução Mexicana foi a primeira revolução do mundo a receber especial atenção dos fotógrafos. Isso porque, afora as condições e inovações técnicas que permitiram essa ampla cobertura, a luta insurrecional no México obteve enorme repercussão nas imprensas nacional e internacional. Neste último caso, da latino-americana, da estadunidense, e, inclusive, da brasileira (BARBOSA, 2007, p. 35). Ainda segundo Barbosa (2007, p. 35), não é exagero afirmar que, em termos de proporcionalidade, e no tocante à cobertura fotográfica e importância histórica, a Revolução Mexicana representou para o fotojornalismo da primeira metade do século XX o que a Revolução Cubana (1956-1959) expressou para o da segunda metade do mesmo século. Assim, ambas as revoluções contam com uma valorosa gama de registros e representações fotográficas que, direta ou indiretamente, contribuíram não somente para com os estudos sobre tais processos revolucionários como também para com a edificação nos imaginários artístico, político e popular de sólidas e – por vezes – bem acabadas representações sobre os mesmos. Desse 38


A Revolução Mexicana (1910-1920): a prova de fogo da fotografia revolucionária

modo, e como se verá adiante, não poucos foram os casos de duplicação e apropriação dessas imagens revolucionárias pela literatura, pelas artes plásticas e, principalmente, pelo cinema, coroando ainda na atualidade o significativo poder simbólico dessas fotografias. No caso mexicano, a cobertura sobre a revolução contou com os trabalhos desenvolvidos por inúmeras agências fotográficas. Cabe destacar o papel delas na difusão de imagens ao longo do século XX. Tratam-se de empresas às quais estão ligados diferentes profissionais, dentre eles jornalistas e fotógrafos (incluindo-se fotojornalistas). Suas produções, por sua vez, são distribuídas para a imprensa nacional e internacional por intermédio das agências, contribuindo, portanto, com a difusão e o impacto das fotografias na construção dos imaginários (FREUND, 1995). No caso em foco, uma das mais notórias foi a Agencia Fotográfica Mexicana (posteriormente, Agencia Mexicana de Información Fotográfica) que, fundada pelos fotógrafos Agustín Casasola4, Miguel Casasola, Hugo Brehme e outros, em 1911, tornou-se responsável pela composição de boa parte do acervo fotográfico sobre a Revolução Mexicana. Mas, além dela, também se destacaram as atuações das concorrentes International and Underwood e Sonora News Company, ambas fundadas e mantidas pelo estadunidense Frank Davis, e da breve Compañia Periodística Nacional, do mexicano Ezequiel Álvarez Tostado (BARBOSA, 2007). Em geral, o arquivo fotográfico sobre a Revolução Mexicana se caracteriza pela abrangência temporal da cobertura – afinal, a própria revolução se processou e depurou na média duração (19101920) – e pela riqueza e diversidade temático-visuais. Ou seja, neste último caso, pela variedade de cenas, fatos, personagens Agustín Víctor Casasola nasceu em 28 de julho de 1874 na Cidade do México. Órfão aos seis anos, ao longo da adolescência trabalhou em oficinas tipográficas e de encadernação. Foi responsável por fundar a primeira agência fotográfica da América Latina (BARBOSA, 2006; 2007). 4

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e circunstâncias registradas/representadas. O acervo Casasola5, por exemplo, abarca fotografias que exploram desde temáticas recorrentes do conflito, tais como a luta e o movimento armado, a cenas pertinentes às esferas do político, do social, do religioso e do cultural. Trazendo para o primeiro plano fotográfico, e para aquém do simples registro factual, as personagens imersas e condutoras do processo revolucionário, bem como as atmosferas social, política e cultural silenciosamente presentes em cada uma das imagens e que as contextualizava. Por essa razão, a fotografia sobre a Revolução Mexicana – especialmente, sob a chancela dos empreendimentos dos Casasola – notabilizouse por estabelecer uma ruptura no padrão de composição foto jornalística da época, que até então privilegiava a objetividade (o realismo e a reprodução fiel dos acontecimentos) em detrimento das chamadas meras “curiosidades” contextuais (BARBOSA, 2006, p. 49). A fotografia da Revolução Mexicana transfigura-se, portanto, como câmara clara6 do processo histórico. Nela, delineiam-se camponeses, indígenas e operários, o velho e o novo, o passado e o então presente representado, líderes e subalternos, a tradição e a modernidade, homens e mulheres, crianças e velhos. Todos adquirem rostos, contornos, fisionomia e, sobretudo, ante a rigidez tecnológica da época, sublinhada pela predominância do preto e branco nas fotos, as cores que matizam e retratam com a inigualável fidelidade de uma licença poética o sem número de tons da diversidade de feições, trajes e bandeiras do ser mexicano em plena convulsão revolucionária. O arquivo da família Casasola, fundadora da Agencia Fotográfica Mexicana (posteriormente, Agencia Mexicana de Información Fotográfica), foi comprado em 1976 pelo governo mexicano e disponibilizado na então recém-criada Fototeca de Pachuca, órgão vinculado ao Instituto Nacional de História e Antropologia (INAH). 6 Para Roland Barthes (2010) há dois processos óticos de reprodução da imagem: a câmara escura, cuja reprodução é mecânica e sem interferência humana, e a câmara clara, em que a imagem é retrabalhada pela mão humana e onde ocorre a intervenção subjetiva do observador (o fotógrafo). Sem a última, a primeira limitar-se-ia a um simples registro. 5

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A Revolução Mexicana (1910-1920): a prova de fogo da fotografia revolucionária

Se a verdadeira arte de fotografar é aquela que, para além do mero registro, revela a presença do “ser” no produto final mesmo quando de sua ausência na cena; e se, nas palavras do escritor mexicano Octavio Paz (1992, p. 123), a “Revolução Mexicana é um fato que irrompe em nossa história como uma verdadeira revelação do nosso ser”; logo, a produção fotográfica sobre a Revolução Mexicana cumpriu de maneira irrepreensível sua missão. Fotografias da Revolução Mexicana Considerando o contexto histórico de produção dessas imagens, bem como os meios de produção e circulação das mesmas, apresentaremos e comentaremos duas fotos emblemáticas da Revolução Mexicana. A primeira fotografia apresenta o líder revolucionário Emiliano Zapata e a outra se encontra temporalmente circunscrita à etapa mais fecunda do processo revolucionário: a fase popular. Esta última, assim como a trajetória de liderança de Zapata, são tópicos recorrentes nas aulas e nos livros didáticos de História do Ensino Básico quando o assunto é Revolução Mexicana. Isso porque, dado o objetivo prático de formação dos educandos em conhecimentos básicos e instrumentais em Humanidades, trata-se de assuntos que condensam e expõem o verdadeiro sentido histórico da Revolução Mexicana, sua razão de ser: a luta do povo mexicano por direitos igualitários de acesso à terra e de exploração de seus recursos e riquezas. É também, como abordado, na fase popular que as camadas populares ascendem como protagonistas do processo histórico, impondo seus anseios e reivindicações. Daí, nossa sugestão na ênfase do trabalho com as referidas imagens. A imagem 1, intitulada Emiliano Zapata, é de autoria do fotógrafo Hugo Brehme e datada de 1911. A foto imortalizou a imagem de Emiliano Zapata mundo afora como liderança 41


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do campesinato do Sul do México. Nascido numa família de agricultores do estado sulista de Morelos, em 8 de agosto de 1879, Emiliano Zapata Salazar tornou-se conhecido fora de sua região após a eclosão da revolução, quando passou a liderar o Ejército Libertador do Sul (posteriormente, Movimento Zapatista). No entanto, o que poucos sabem é que, justamente quando posou para a foto, Zapata em nada se assemelhava com um verdadeiro campesino do Sul, ou mesmo, um típico líder ou combatente zapatista. Durante o desenrolar da revolução, a projeção nacional da atuação de Zapata no Sul do México adquiriu contornos equivalentes a de Pancho Villa no Norte do país. E, consequentemente, nos quatro primeiros anos da Revolução Mexicana sua imagem foi veiculada de maneira intencional e injusta na imprensa mexicana como a de um bandoleiro, isto é, ao ladrão que atua em bandos pelo interior aterrorizando os produtores rurais. Uma tentativa que, motivada por questões políticas ou mesmo ignorância dos jornalistas, objetivava estabelecer no imaginário popular a associação entre a imagem do líder sulista à de Villa, reconhecido ladrão de gado. Foi dessa associação, e, também, em conformação dialógica com a imagem histórica do líder dos hunos, que a imprensa mexicana conferiu a Zapata o apelido de “Átila do Sul”. A fotografia de Brehme foi sacada quando as tropas zapatistas tomaram a cidade de Cuernavaca, capital do Estado de Morelos. E, provavelmente, foi “tirada” no pátio do Hotel Monteczuma, então quartel-geral dos zapatistas na cidade. O que foi um verdadeiro feito do fotógrafo, já que, quando comparado a outros ícones e movimentos rebeldes da Revolução Mexicana, o líder zapatista e seus homens foram os menos fotografados. E isso por uma razão de natureza discriminatória: majoritariamente camponesa e indígena, a fileira zapatista não era encarada pela imprensa e pelos fotógrafos mexicanos com a mesma seriedade 42


A Revolução Mexicana (1910-1920): a prova de fogo da fotografia revolucionária

e prestígio dos movimentos liderados pelos homens brancos provenientes de classes mais abastadas (BARBOSA, 2007, p. 77). A foto também é singular, pois retrata outro Zapata, que não o combatente do dia a dia. Trata-se de uma reconstrução imagética. No caso, uma auto-reconstrução, onde se nota que Zapata posou para a lente de Brehme. E, com isso, imagina-se que houve um preparo por parte do líder revolucionário, ocorrendo certa “negociação” de sentido entre fotografado e fotógrafo. Barthes (2010) ressalta que, diante de uma câmera, aquele que é representado não permanece natural, construindo, antes, uma autoimagem por meio da pose. É notório entre os estudiosos da trajetória de Zapata o zelo do líder com a autoimagem. Ele gostava de boas roupas. Principalmente, como preparativo para um evento político ou encontro amoroso. No entanto, dificilmente no cotidiano da batalha usaria uma vestimenta tão limpa e apurada. Sobretudo, alguns acessórios que pouco remetiam à sua realidade de combatente sulista.

Imagem 1. BREHME, Hugo. Emiliano Zapata, c. 1911. Acervo da COL SINAFO-FN-INAH.

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Ao analisar a foto, Barbosa (2006, p. 100 e 101) afirma que a maneira como se apresentou diante da câmara do fotógrafo responde a um desejo de Zapata em também construir uma imagem de líder revolucionário de um exército, legitimando a sua luta. Ou seja, de passar uma imagem não de líder rebelde, de uma milícia temporária e irregular, mas de comando de um exército bem organizado, disciplinado e, sobretudo, hierarquizado – tal como um exército legalista. Para isso, mune-se com carabina, cananas (cinturão para levar cartuchos de balas, geralmente colocadas entrecruzadas sobre o peito) e sabre. Percebe-se, então, na fotografia, um esforço de construção de uma pose viril: Zapata encontra-se com a mão esquerda no sabre e, com a mão direita, empunha a arma de fogo. O olhar do líder revolucionário se direciona para fora do enquadramento, e não para a câmera em si, remetendo à ideia de naturalidade (apesar de toda construção cênica) do momento retratado. Revela-se, nesse sentido, a perícia técnica do fotógrafo Brehme, que estrutura a foto de acordo com as convenções de composição de retrato existentes no período. Analisando as sutilezas da foto, sabe-se que, mesmo num conflito dominado pelo uso de armas de fogo, como o mexicano, à época o uso militar de espadas naquele país estava restrito aos oficiais do exército nacional. Também chama a atenção na imagem o uso de uma faixa banda de general sob uma das cananas. Torne-se evidente, então, o intento de Zapata. Pois a adoção de tais elementos sugere, ao mesmo tempo, a vitória sobre o inimigo – uma vez que era comum na tática rebelde a apropriação de armas e apetrechos do exército legalista após uma batalha vitoriosa – e uma admiração por ele. Barbosa (2006, p. 101) também realça a preocupação de Zapata em não omitir sua origem sulista. Claro que ao posar para Brehme o líder revolucionário não veste roupas típicas dos camponeses da região: manta branca e sandálias de huaraches. Afinal, sua origem em seu meio social é outra. Advém de 44


A Revolução Mexicana (1910-1920): a prova de fogo da fotografia revolucionária

lideranças comunitárias. O próprio Zapata, antes da revolução, possuía outro ofício que não o trabalho duro na lavoura: era tratador de cavalos. Mesmo assim, sua origem social e sua trajetória de ofício não obliteram a liderança que exerceu junto à população campesina de Morelos. Era também um homem do campo e continuava inserido e representando sua tradição comunitária. Daí a opção de Zapata por posar com sombreiro de feltro, charro (roupa de vaqueiro com adereços bordados), botas de montaria e revólver – típicos acessórios de cavaleiros do Sul do México. Destaca-se do mesmo modo a presença na cena de homens subordinados à Zapata, o que não se trata de um acidente de composição. Dois deles sentados e com os rostos visíveis, embora em posição periférica quando comparada à do líder. É enfática a origem deles. A tez mais escura, característica dos mestiços e indígenas sulistas evidenciam a raiz campesina. Outra questão interessante dessa fotografia diz respeito à reapropriação. É recorrente nas artes que uma imagem seja apropriada e trabalhada por outros artistas de maneira a resultar na produção de outra obra, que preserva ou não as características da original. No século XX, isso foi recorrente na arte cinematográfica. Diante do desafio de produção de um filme, novela ou série de época, inúmeros diretores recorreram às fotografias do período a ser retratado pela trama a fim de entender e reproduzir modos e costumes, além de padrões estéticos e materiais. E no caso dos filmes e documentários que retratam a Revolução Mexicana não foi diferente. Logo, cabe-nos sublinhar que se a fotografia de Brehme imortalizou uma imagem de Zapata para o mundo e para a posterioridade, a massificação dessa representação ganhou impulso graças à sétima arte dos estúdios hollywoodianos. Em especial, ao filme “Viva Zapata!” (1952), escrito por John Steinbeck e dirigido por Elia Kazan. No longa-metragem de Kazan, fotografias da Revolução Mexicana – em maioria, as produzidas pela agência dos Casasola 45


Olhares sobre a América Hispânica

– foram utilizadas como modelos a fim de criar nas cenas atmosferas mais fiéis possíveis às do México revolucionário. Portanto, se há a possibilidade do trabalho em sala de aula com o filme de Kazan, é possível identificar nas cenas de batalhas, nas paisagens e nas personagens uma notável semelhança, e fidelidade até, com as fotografias da Revolução Mexicana. Aliás, deve-se recordar que a própria construção cinematográfica é baseada na organização sequencial de um sem número de fotos em que cada conjunto articula formando cenas. Segundo Arlindo Machado (1984), o cinema “resolveria” a questão do tempo da fotografia, tornando a estaticidade num fluxo contínuo, ainda que os filmes sejam marcados, como ressalta o historiador Marcos Napolitano (2011), por cortes relacionados aos planos e sequências.

Imagem 2. KAZAN, Elia (Direção). Cena do filme “Viva Zapata!”, 1952.

Para a historiadora Andréa Helena Puydinger de Fazio (2011, p. 38 e 39), que pesquisou a construção e organização imagética do filme de Kazan, na cena em que Zapata (interpretado pelo ator Marlon Brando) se dirige à casa dos Espejos a fim 46


A Revolução Mexicana (1910-1920): a prova de fogo da fotografia revolucionária

de cortejar Josefa (Jean Peters), ele está vestido tal como na fotografia de Brehme (charro, botas de montaria, cananas e sabre), excetuando apenas o uso do sombreiro de feltro na cabeça e a faixa de banda de general (vide imagem 2, um dos fragmentos do filme). Assim, a reapropriação da foto de Brehme por essa e outras cenas do filme de Kazan certamente estimulou no imaginário popular da sociedade de consumo do século XX a edificação de uma representação imagética mais “charmosa” e “heroica” de Zapata. Como se sabe, imagem que está restrita a um determinado instante: aquele imortalizado na fotografia. A imagem 3 merece atenção especial. E, como no caso da imagem 1, também foi apropriada no já citado filme de Kazan, consagrando uma das cenas áureas do longa-metragem. E, no caso da foto em si, como registro histórico de um momento único da Revolução Mexicana, lembrando que a fotografia sempre demanda por uma situação concreta, um aqui e agora presente para ser tecida em seus fios de sombras e luzes (BARTHES, 2010; KOSSOY, 2002). Sob o título “Villa en la silla presidencial” (“Villa na cadeira presidencial”), a foto datada de 6 de dezembro de 1914 também pertence ao acervo dos Casasola. Nela, vê-se claramente Pancho Villa – o líder popular do Norte – sentado na cadeira presidencial e ao lado Zapata, que segura um sombreiro repousado sobre uma das pernas. Ambos, na ocasião, chefes maiores do chamado Exército Convencionista. Uma imagem que expressa o vigor da união, mesmo que temporária, de regiões e mexicanos distintos. Os dois “méxicos” reunidos numa mesma sala – o do Norte e do Sul – “celebrando” o triunfo da luta do povo. O ápice da fase popular. Parece significativo o fato da imagem em foco ser composta a partir de certo padrão de retratos de família no período, em que os patriarcas geralmente se encontram ao centro da composição, cercados pelo restante dos familiares. Entretanto, no caso, os dois líderes do movimento revolucionário mexicano ocupam o 47


Olhares sobre a América Hispânica

ponto focal da foto7, envoltos por seguidores dos mais diferentes matizes. O fotógrafo anônimo parece ter lançado mão não apenas de uma convenção fotográfica disponível no contexto histórico, mas também de um traço sedutor no imaginário das sociedades latino-americanas do período: a família, ligada não apenas pela consanguinidade, mas também por relações de fidelidade. O poder desta fotografia de Villa, Zapata e seus acólitos talvez seja sugerir a possibilidade de coesão quase familiar num México até então cindido pelas diferenças socioeconômicas, culturais, regionais e étnicas.

Imagem 3. Fotógrafo anônimo. Villa en la silla presidencial, c. 1914. Acervo da COL SINAFO-FN-INAH.

Naquele dia 6 de dezembro de 1914, Zapata e Villa adentraram triunfantes com cerca de cinquenta mil homens na Cidade do México. Foram recebidos com estranhamento por muitos olhares citadinos, que viam nos rostos e no comportamento Segundo Roberto Araújo (2008), explicando elementos de composição fotográfica, o chamado ponto focal constitui o elemento principal da imagem, podendo ou não estar situado no centro do enquadramento. 7

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A Revolução Mexicana (1910-1920): a prova de fogo da fotografia revolucionária

daquelas pessoas – especialmente, nos zapatistas – a áspera virtuosidade dos hábitos do homem do campo. Era o encontro não somente do Norte com o Sul, mas do rural com o urbano. Após circularem pelas ruas e visitarem alguns pontos da capital, Zapata, Villa e alguns de seus homens se dirigiram ao palácio presidencial. Já que alguns dias antes, em 4 de dezembro, haviam celebrado em Xochimilco (localidade ao sul da cidade e uma de suas portas de entrada) um pacto de aliança contra os Constitucionalistas. Reza a lenda que, após sentar na cadeira presidencial, Villa convidou Zapata para que fizesse o mesmo. Mas o líder do Sul declinou o convite do jocoso aliado do Norte alegando que, cada vez que um homem bom nela sentava, ao se levantar já havia se transformado em mau. De certo, trata-se apenas de uma das numerosas alegorias criadas no imaginário popular sobre a Revolução Mexicana e seus líderes. Contudo, devemos recordar que mesmo a fantasia deixa um rastro de veracidade. E a foto em questão é um emblema desse rastro. Ao enfatizar a suposta resposta de Zapata a Villa, a lenda popular evidencia o abismo entre as personalidades dos dois líderes. De um lado, o descontraído Villa. De outro, o cerimonioso Zapata. Um abismo pulsante na foto pelo notável contraste entre as expressões dos rostos dos dois revolucionários. Enquanto Villa sorri, satisfeito8, nota-se Zapata pouco a vontade; o primeiro com sua farda e quepe militar, o último com roupa tradicional segurando o sombreiro. A imagem evidencia assim a liderança de duas personalidades bem distintivas, que carregam para a sala presidencial na Cidade do México o legado de um país até então historicamente dividido. Portanto, de raízes, comportamentos e modos de encarar as mais adversas situações de maneiras O riso constitui, aliás, elemento incomum nas convenções de composição de retratos no período. Desta forma, mesmo se baseando em certos procedimentos composicionais, a fotografia em questão revela certo indício de transgressão, o que é emblemático num contexto histórico de movimentos sociais e transição política. 8

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Olhares sobre a América Hispânica

diferentes. É como se, nas palavras de Aguillar Camín e Meyer (2000, p. 68), “o coração agrário radical do zapatismo, com sua carga indígena e colonial e sua marca do Velho México, pouco ou nada tinha a dizer ao Norte laico empreendedor, branco, pecuarista, consumidor de trigo [...]”, mas que ali estava, naquela sala, ao lado de seus irmãos nortistas celebrando o triunfo sobre o inimigo comum. Ao descrever Villa, o jornalista estadunidense John Reed – testemunha ocular dos eventos que abalaram o México no início da revolução – utilizou as seguintes palavras: Villa era filho de peões ignorantes. Nunca frequentou a escola. Não possuía o mais leve conceito do complexo que era a civilização, e quando, por fim, voltou a ela, era um homem maduro, de uma extraordinária sagacidade natural, que se encontrava em pleno século XX com a ingênua simplicidade de um selvagem. (REED, 1968, p. 111 e 112)

Naturalmente, a descrição do escritor carrega um teor romanceado sobre a personalidade de Villa. Mas também enfatiza um traço marcante do líder: a sagacidade natural. Natural de Chihuahua, antes da eclosão da Revolução Mexicana, o nortista atuara como bandoleiro e meeiro de uma hacienda. Fugitivo pelos seus crimes – inclusive, por homicídio – Villa era filho de um México pecuarista, duro, de povoações isoladas e de comunidades sem hierarquias, e, sobretudo, disposto a defender a cavalo e no rifle o pouco que possuía (AGUILLAR CAMÍN; MEYER, 2000). Um México longínquo das sociedades agrárias, rurais e católicas do Sul. Considerações finais Como visto ao longo do capítulo, os movimentos sociais não podem ser desvinculados do corpo de imagens que os 50


A Revolução Mexicana (1910-1920): a prova de fogo da fotografia revolucionária

perpassa. Os sujeitos envolvidos com a Revolução Mexicana, fossem revolucionários ou fotógrafos, não apenas criaram ícones de acordo com determinadas perspectivas no jogo sociopolítico, como também as compartilharam nacional e internacionalmente. As fotografias auxiliaram, nesse sentido, a consolidar imaginários não somente acerca dos indivíduos, como Zapata e Villa, mas também em torno das revoluções e sociedades em que atuaram. Assim, pode-se dizer que os movimentos sociais são feitos, ao mesmo tempo, de sangue e suor, bem como de cliques e imagens. Não é coincidência que Serge Gruzinski (2006) afirme que as guerras ocorrem também em nível imagético. Essas imagens foram tecidas num México matizado por diferenças sociais, políticas, econômicas, culturais e regionais, do qual emergiram diversos projetos revolucionários e propostas sociais. As etapas do movimento social, como visto, estenderamse desde os embates entre a elite porfirista e a burguesia, passando pelas ações populares e chegando à fase de consolidação da revolução. Entretanto, apesar da complexidade inerente a esses “méxicos”, certos personagens parecem ter capitaneado a atenção da população nacional e imprimindo no processo suas marcantes diferenças individuais. As lentes de fotógrafos como Brehme e outros anônimos, apesar da importância e difusão de suas imagens, auxiliaram na construção de “guerrilheiros heroicos” (título, aliás, de uma das célebres fotografias de Ernesto Guevara, ícone da Revolução Cubana), como aquela de Zapata galante, posando admirado por seus acólitos. E também na representação de um México aparentemente unido por uma relação familiar, mas ainda matizado pelas diferenças, como na imagem do carrancudo Zapata ao lado do alegre e quase bonachão Villa posando diante das lentes do fotógrafo. Ambos cercados, também, pelos companheiros de armas. À guisa de conclusão, a última fotografia aqui apresentada e analisada traz à tona rostos da mais diferente tez. Gente que, 51


Olhares sobre a América Hispânica

provavelmente, jamais estivera naquela sala ou entrado naquele palácio. Adultos e crianças. Alegres e tristes. Chapéus de inúmeros formatos. Alguns típicos dos nortistas, como os texanos; outros, tradicionais sombreiros de feltro. Homens vestidos como militares e homens vestidos como camponeses. Outros tantos de terno e gravata. Um verdadeiro painel do povo mexicano que não deixa espaço para a visualização do fundo (BARBOSA, 2006, p. 117). A expressão concreta e o registro histórico de um México colorido que, salvaguardadas as proporções e acontecimentos posteriores, finalmente se encontrara naquela sala, na foto e na sua Revolução. Também uma revolução em cores e camadas.

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Mulheres do Oitocentos: concepções, ideologias e discursos sobre o feminino na Espanha e América Hispânica Edméia Ribeiro

Introdução Nunca se falou tanto das mulheres como no século XIX. [...] o assunto está em todo o lado: nos catecismos, nos códigos, nos livros de boa conduta, nas obras de filosofia, de medicina, de teologia, e, evidentemente, na literatura. Alguma vez se legislou tanto, se dogmatizou tanto, se sonhou tanto sobre as mulheres? [...] Qual é então essa força que supera as ideologias e exclui a mulher do registro dos factos? [...] É a das imagens. A mulher aqui é imaginária. Ídolo, ela fascina o século (MICHAUD, 1991).

Neste capítulo, refletiremos sobre discursos e concepções sobre o papel e espaço feminino, próprios do século XIX, de concepção masculina, presentes na literatura e imagens (espanholas). Os discursos sobre a mulher que surgem no século XIX versam sobre sua beleza física e moral e sua imprescindibilidade para a espécie humana. A literatura e as artes plásticas deleitaram-se por longo tempo com a imagem da mulher como objeto, tomada como tema por excelência. Transformadas em símbolos, lembram Michelle Perrot e Geneviève Fraisse, constituíram-se em “[...] musas das belas-artes, ilustrações, personagens de romance e gravuras de moda, reflexo ou espelho do outro, [como] dizem os filósofos”(1991). O positivismo, tratando do aspecto social e moral da mulher, também se utilizou da figura feminina para simbolizar e disseminar um sistema de 53


Olhares sobre a América Hispânica

interpretação de mundo, justificado pelo seu caráter altruísta. A existência feminina vincula-se ao outro, eleva-se como mãe, esposa e filha e representa aquela que desperta e desenvolve sentimentos generosos nos homens. No oitocentos, novas práticas e valores morais apareceram como importantes e definidores dos padrões dos comportamentos e sociabilidade. Se em séculos anteriores o “poder” da mulher estava muito mais assentado em sua herança, seu dote – o que relegava à segundo plano a exigência da virgindade feminina e até mesmo a fidelidade da mulher, uma vez que os casamentos eram feitos via acordos comerciais (FRANCO, 1993, p. 119-121) – no oitocentos, com a nova composição social e familiar burguesa – é nova também a forma de constituição da fortuna e bens das famílias – outras formas de relação social e constituição familiar surgiram. Passou-se a conjugar amor e matrimônio. Advieram daí novas exigências e padrões de comportamentos e uma nova configuração de moralidade para preservar as fortunas e heranças familiares. Acirraram, dessa forma, as diferenças entre homens e mulheres em relação às práticas, experiências e funções sociais. De acordo com Pedro Voltes e Maria José, a desigualdade entre os sexos – que já existia antes do século XIX – sofreu uma defesa mais rígida a partir dos avanços da modernidade e do surgimento da burguesia enquanto uma classe mais ativa politicamente. Para eles, os costumes das mulheres na Renascença, mesmo com uma tonalidade severa, ainda contemplavam práticas e ações contraventoras(JOSÉ; VOLTES, 1986). A diferença sexual e a virtude feminina eram necessidades estipuladas pela Igreja Católica, tal qual dogma religioso. Mas a honra ficava entre o abstrato e o concreto.1 Abundavam violações sexuais, gestações fora do matrimônio, casa de senhoras. Alguns acreditavam que o sexo não era pecado (a despeito dos processos inquisitoriais) e outros que, para ser um bom cristão, era necessário praticá-lo (desde que não fosse contra a natureza). Dessa forma vivia-se entre o rigor cristão e a crença nas práticas pagãs, o que significava que as mulheres ainda encontravam certa abertura e espaço naquela sociedade (VOLTES;JOSÉ, 1986, p.75-78). 1

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Mulheres do Oitocentos: concepções, ideologias e discursos sobre o feminino na Espanha e América Hispânica

Na Espanha – baluarte do catolicismo, símbolo e berço da tradição e moral religiosa – a contextualização de uma nova ordem pública e privada começou a ser traçada no século anterior. Mesmo com a dinastia bourbônica no poder – reformada –, a consideração sobre a mulher não variou em seus pressupostos ideológicos segundo Margarita Ortega López. Fez eco a concepção de Rousseau, na qual defendia o pertencimento da mulher ao âmbito doméstico, assinalava e associava-as aos valores que vinham do coração, do sentimento, como sensibilidade, paciência, humildade e amor. Segundo a autora, nem mesmo mentes ilustradas como a deste pensador escaparam das tradições multisseculares que determinavam os espaços e ações femininas (ORTEGA LOPES, 1988, p.21-22). No século seguinte, com o início da sociedade contemporânea, marcada pelas revoluções liberais e pelo capitalismo, as contradições sociais e a diferença entre os sexos foram acirradas, demonstram Ana Maria Aguado Hicón e Maria Dolores Ramos. Neste momento, não só o religioso passou a determinar o lugar e a função da mulher, mas também o político. A constituição de uma sociedade liberal, que proclamava os direitos universais do homem como liberdade, igualdade e cidadania não atingiu a todos da mesma forma. As mulheres foram excluídas de tais direitos, ficando evidentes as contradições dessa nova sociedade no tocante aos avanços legais e realidade social. Para essas autoras, essa nova configuração social, a burguesa, primou pela divisão sexual e social do trabalho e a definição dos espaços e funções específicas do homem e da mulher (AGUADO HICÓN, 1994, p.321-323). Durante todo o século XIX, a linha entre o público e o privado, entre homens e mulheres, entre política e família, fez-se muito mais rígida (HUNT, 1989, apud AGUADO HICÓN, 1994, p. 3232)) e a família se converteu em importante fronteira desses espaços duais. Tudo isto representou a criação de um modelo de família e 55


Olhares sobre a América Hispânica

mulher ideal, dando lugar a uma cultura do amor em função dessa estrutura bipolar. O casamento deixou de constituir uma moeda de troca para tornar-se o feito absoluto do amor romântico e desejo entre duas pessoas, e a virgindade feminina, signo de uma conduta moral cristã e honrada. Elevada moral e socialmente, a mulher passou a significar o pilar e centro das novas famílias, e amor, cuidado, educação, honra, entre outros se configuraram em atributos que davam sentido à existência feminina. Concepções, discursos, ideologias a partir da literatura As concepções e discursos – masculinos – que pautaram esse novo paradigma social feminino foram desenvolvidos, compostos e representados de diversas formas e em uma gama de veículos. Esses novos modelos e padrões de comportamento para as mulheres que aparecem em tons pedagógicos, em forma de pronunciamento religioso, nas intimidações médicas e em outras configurações, fizeram-se verdade no seio das sociedades, tocaram e produziram grande impacto nos imaginários sociais, conformando condutas, práticas, visões de mundo e vivências. Pode-se destacar a literatura como meio de difundir esses valores incipientes e criar representações de indivíduos ideais. Segundo Stéphane Michaud, “a literatura participa desse peso que domina o imaginário social” (MICHAUD, 1991, p. 149). Nela, encontra-se uma multiplicidade de romances e publicações direcionadas às mulheres, que possuem em seu cerne um caráter pedagógico. Apresentam exemplos de personagens virtuosas e degeneradas, ou seja, imagens de mulheres que se constituíram em modelos e contra-modelos nesta nova conjuntura social, política e econômica das nações. Embora surgido no século XVI – portanto, três séculos antes –, um dos grandes exemplos refere-se ao livro do Frei Luis 56


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de Leon, La perfecta casada, publicado em 1583, que expõe o modelo cristão e de virtudes da mulher católica (JOSÉ; VOLTES, 1986,).2 Jean Franco relata que esta obra traduz o ideal católico de família, ancorada na unidade econômica e aliança para a reprodução (FRANCO, 1993, p. 120). Carolyn Richmond também faz referência a ela, apresentando la perfecta casada como uma mulher “[...] fiel y dócil compañera del esposo y madre de sus hijos [que] dedica toda su vida a producir la felicidad doméstica dentro del hogar”(RICHMOND, 1988, p. 345). Analisando o romance La Regenta, de Leopoldo Alas “Clarín”3, Richmond estuda a representação feminina e demonstra a galeria de tipos femininos encontrados nos escritos deste literato: “[...] la beata, la esposa déspota y mandona, la literata, la coqueta, la adúltera, la poliándrica...[...]”, ou seja, personagens boas, más, mais e menos chamativas e até as de “pouca inteligência”, como define a autora. Ressalta que, em Clarín, a diferença entre os sexos baseia-se na fisiologia e que a mulher normal, nas palavras dele, é “[...] aquella cuya existencia gira en torno al hombre” ”(RICHMOND, 1988, p. 342-345). Em outro estudo, Jean Franco expõe sua análise a respeito do romance La Quijotita y su prima, do escritor e periodista mexicano José Joaquín Fernández de Lizardi, publicado em 1818. Salienta que esta obra veio a público num período em que os intelectuais esforçavam-se por reclassificar a posição das mulheres dentro da sociedade, através do discurso da importância da mulher-mãe como geradora de novos indivíduos, assim como defensora da vida privada, “refúgio da agitada Curioso notar que, ainda no século XX, entre os anos de 1938 e 1968, uma editora espanhola – laica – publicou nove edições desta obra (JOSÉ; VOLTES, 1986, p. 72). 3 Publicação feita em dois volumes, entre os anos de 1884 e 1885. Embora se constitua em obra editada na década seguinte a que apresenta este estudo, a intenção, ao referenciá-la aqui, é mostrar como a literatura pode configurar em uma forma de manipular os imaginários sociais e disseminar modelos e padrões de comportamento para os indivíduos. 2

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Olhares sobre a América Hispânica

vida política”(FRANCO, 1993).4 Argumentavam que a grande preocupação e estratégia para essa transformação estava na educação das mulheres. A perspectiva liberal representativa dessa classe de pensadores movia-os a acreditar que a educação necessitaria deslocar-se do campo religioso para o laico, no sentido de criar uma nova geração de mulheres patrióticas – e consequentemente homens, uma vez que eram elas que geravam e educavam –, de ética no trabalho e fé no progresso. Além de enfocarem a família e a educação da mãe, esses intelectuais progressistas defendiam o desenvolvimento da imprensa como meio de divulgação dessa nova ordem social e divisão dos papéis.” (FRANCO, 1993, p. 115-117) As mulheres, neste cenário, “[...] participaban en este discurso sobre todo como lectoras pasivas: como recipientes de la literatura didáctica, que se dirigia a ellas como alumnas, a las que había que enseñarles, o como mentes que habría que modificar [...].”(FRANCO, 1993, p. 117). Além da imprensa e da literatura romântica, outros meios e formas seguiam ensinando as mulheres e condenando hábitos, costumes e tipos fora dos padrões estabelecidos, como os calendários – diferentes para homens e mulheres – e as revistas femininas.5 Entre os romances de caráter didático estava La Quijotita y su prima, um tipo de literatura que parecia “falar com as leitoras”, segundo Franco, pois apresentava o ideal da nova família e criava paradigmas femininos – através de personagens boas, obedientes, malvadas e outras. Debilidade física e maternidade, convenientemente, matizavam este romance. Esta Para Jean Franco, neste momento o cuidado com a educação das crianças transformou-se em função dessa nova perspectiva social. Estas, que até então eram amamentadas e educadas por amas, passaram a ser criadas desde o nascimento pelas mães, instruídas, para garantir o bem-estar e futuro da nação” (FRANCO, 1993, p. 116). 5 Nos calendários para mulheres incluíam-se poemas, contos, conselhos, artigos sobre modas e ciência, além dos dias das festas religiosas; entre as revistas femininas figuravam El Semanario de las Señoritas Mejicanas (1841-1842) e El Panorama de las Señoritas (1842) (FRANCO, 1993, p. 125-126). 4

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literatura, com o propósito de educar as leitoras, tinha como função divulgar uma nova cultura e abolir os costumes da velha família aristocrática. Mas o mundo hispânico não foi o único a investir numa produção literária com caráter e função educativa. Bridget Hill apresentou um estudo, em forma de antologia, composto por trechos selecionados de escritores que versaram sobre modelos, comportamentos e funções femininas no século XVIII inglês. Demonstrou que este território produziu uma literatura – representadas por homens mas não somente por eles – que trazia como objeto a educação feminina e cujo conteúdo consistia em guia de conduta e comportamento feminino para jovens e senhoras. Versava sobre deveres e responsabilidades para com seus pais e futuros maridos. Hill demonstrou que tais escritores constituíam-se em defensores de um modelo perfeito de mulher, cujas produções, além de orientar, colocavam regras para a etiqueta feminina e, principalmente, estabeleciam uma moralidade sexual ortodoxa e padrões rígidos de costumes. O vocabulário referente a esta moralidade baseava-se na modéstia, passividade, discrição, complacência, submissão, delicadeza e, o mais importante e valorizado de todos, a virgindade, símbolo da inocência e valor moral (HILL, 1987, p.17-28). Considerando o exposto acima, depreende-se que, além de representar materialmente a conjuntura política e social da época em que foi produzida, a literatura possui também, em parte, uma função educativa, que representa e dissemina concepções, ideias e valores de um determinado tempo histórico; pode marcar, delimitar e conduzir práticas e comportamentos de indivíduos – homens e mulheres. Além da literatura, o século XIX está repleto de narrações, argumentos e concepções que ajudaram a compor e consolidar um modelo ideal de mulher, baseado na biologia como sustentáculo para o discurso da diferença social. A exposição e manifestação 59


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de uma dupla moral sexual acabaram por transformar beleza e maternidade como referência feminina. Assim, determinado o “modelo ideal”, a função social da mulher ficou caracterizada e relegada à sua exterioridade e natureza emocional, afetiva e altruísta. Assim ela foi apresentada, em 1847, por Anastasio Chinchilla, no Discurso de apertura de la Academia de Medicina y Cirurgía de Valencia: “[...] Debilidad de la mujer por sú carácter físico, gran poder sobre el hombre, influencia en la sociedad por su carácter moral [...]”. (AGUADO HICÓN, 1994, p.329). A noção de sensibilidade física feminina marcou fortemente os discursos de cientistas, médicos, religiosos, políticos e outros formadores de opinião. Nas primeiras décadas do século XIX, Franz Joseph Gall empregou a frenologia – teoria de estudo do cérebro – para demonstrar e comprovar a inferioridade do cérebro feminino, preceito habilmente utilizado para justificar a suposta diferença da capacidade intelectual entre os sexos e a educação desigual para homens e mulheres. Concepción Arenal, em 1869, questionou o resultado de tal estudo em seu livro La mujer del porvenir, argüindo que ¿Cómo las mujeres vencerán esta resistencia natural, cuando para vencerla no ven objeto; cuando se les dice que no la pueden ni la deben vencer, y cuando tienen para ello hasta imposibilidad material?[...] Y decimos grande, porque la mujer no aparece privada de ninguna de las faculdades el hombre: como él, reflexiona, compara, calcula, medita, prevé, recuerda, observa, etc. La diferencia está en la intensidad de esas funciones del alma y en los objetos a que se aplican. Su esfera de acción es más limitada, pero no vemos que en ella revele inferioridad. [...] Ni el estudio de la fisiología del cerebro ni la observación de lo que pasa en el mundo autorizan para afirmar resueltamente que la inferioridad intelectual de la mujer sea orgánica, porque no existe donde los dos sexos están igualmente sin educar, ni empieza en las clases educadas, sino donde empieza la diferencia de la educación.”(ARENAL, 1869, apud AGUADO HICÓN, 1994, p. 33-338)

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Refletindo sobre a problemática das incapacidades femininas e desigualdade social, o panamenho Justo Arosemena, em seus Apuntamientos para la introducción a las ciencias morales y políticas, em 1840, expressou suas noções sobre a inaptidão para a razão. Arosemena ressalta o lugar e a importância da mulher dizendo que [...] la sensibilidad de las mujeres parece mayor que las dos hombres, su salud es más delicada, y generalmente son inferiores en la fuerza del cuerpo, en el grado de instrucción, en las facultades intelectuales y en la firmeza del alma. [...] la mujer vale más para la familia y el hombre es más propio para los negocios del Estado (DEVÉS-VALDÉS, 1997, p.222-223).

Mas a formulação da noção de inferioridade intelectual feminina já ocupava as páginas das composições literárias do século anterior. Para a maioria dos escritores, de acordo com Hill, as mulheres apresentavam diferentes e inferiores capacidades intelectuais, crença que justificava projetos educacionais distintos para homens e mulheres. Em seu relato é flagrante o sentido utilitário da educação que cabia às mesmas no quesito educação, At the beginning of the century a suitable education for the daughters of the middle and upper classes consisted of essentially useful accomplishments – cooking, sewing, embroidery, spinning, housewifery – all of which would later enable her as wife and mother to run the household economically and efficiently, and to entertain elegantly (HILL, 1987, p. 45).6

“No começo do século, uma educação adequada às moças das classes médias e altas, constituía-se, essencialmente, de realizações úteis – tais como cozinhar, costurar, bordar, dançar, cuidar da casa – todas as quais, posteriormente, permitiriam que as moças, no futuro, fossem donas de casa e mães econômicas e eficientes, que entretêm com elegância.” – tradução de Guilherme Donadio. 6

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Embora a concepção da inaptidão feminina fizesse um forte eco naquele momento, algumas práticas – socialmente aceitas e até mesmo dignificadas – conflitavam com o discurso da incapacidade da mulher para atos que desafiavam a ideia da sua debilidade física/biológica e intelectual. Trata-se da participação ativa de mulheres nos processos de invasão ou emancipação territorial, vivenciados tanto na Espanha como na América. Vários exemplos colocam as mulheres no campo de batalhas, como este referente à invasão napoleônica na Espanha, no início do século XIX. [...] y las mujeres, dando agua y vino, excitaban a todos a que no dejasen un francés vivo. Ánimo, les decían, que el cielo nos asiste [...]. En el ataque de 16 de junio doscientos dragones franceses pudieron penetrar en la ciudad, y fueron rechazados y muertos por el pueblo: cinco de ellos que iban a escaparse [...] son embestidos por un tropel de mugeres (sic) valientes, y perecen a sus manos [...] (AGUADO HICÓN, 1994, p. 340-341).

Alguns anos à frente, esta mesma situação, em que a mulher surge ativa no cenário de revoltas políticas, mais uma vez coloca em xeque a incapacidade física feminina. En los distintos proyectos nacionales que lucharon por realizarse en la sociedad española en la edad contemporánea encontramos también este símbolo: la mujer sin nombre de la batalla de Arrigorriaga, una de las leyendas en las que se apoyó la defensa nacionalista de la secular independencia de los vascos, La Ben Plantada catalana, elaboración literaria de Eugeni d’Ors, o Augustina de Aragón, figura simbólica basada en la actuación de una mujer en la Guerra de la Independencia [...]. (AGUADO HICÓN, 1994, p. 338).

Se no cenário público as mulheres, em alguns momentos, estiveram em evidência – efêmera – pela contribuição prática nos assuntos nacionais, no âmbito simbólico, desde o século 62


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XVIII, no tocante a esta questão, já figuravam nos discursos e nas representações iconográficas e plásticas. Utilizada como símbolo da pátria, a alegoria feminina foi empregada por identificar-se à função maternal, servindo como instrumento de coesão da comunidade nacional ao mesmo tempo em que servia ao propósito de reforçar o papel tradicional feminino (AGUADO HICÓN, 1994, p. 338). Na historiografia encontram-se alguns autores que refletiram sobre a personificação feminina de entidades políticas nacionais ou para representar ideais democráticos. Encontra-se em José Murilo de Carvalho um estudo que tematiza a batalha pelo imaginário republicano no Brasil. O autor mostra que entre os símbolos utilizados para dar sentido àquela nova ideologia política, estava a mulher associada ao surgimento de um novo imaginário sobre a nação. Enquanto a Monarquia era associada à figura do rei, masculina, que representava a própria nação, a simbologia feminina marcou o imaginário republicano. Essa associação teve início na França, lugar onde primeiro apareceu e se apropriou de uma figura alegórica de mulher para representar a República (Figura 1). Fazia referência à sua veia maternal, sua função protetora, sinônimo de segurança e solidez.

Figura 1. Eugène Delacroix – Liberdade guiando o povo (1830)

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Para Maurice Agulhon, a utilização da simbologia feminina na França pode constituir-se em um fato “cultural”, explicado pela convergência de uma mentalidade antiga – a “deusa da liberdade” presente nos imaginários – com um cenário mais recente, que cultuava a feminilidade em bustos e estátuas. De qualquer forma, ressalta que imagem e ideia se conectam porque “as representações visuais têm [...] correspondência com as grandes opções ideológicas” (AGULHON, 1998, p. 117).7 Para Maria Lígia Prado, a aceitação de mulheres nas lutas pelas emancipações da América Hispânica também está fundamentada no reconhecimento da mulher como representação da família e, consequentemente, da nação. Se na prática as lutas tiravam-na do espaço do lar, por outro, colocavam-na num cenário social como fundadoras, mães da Pátria (PRADO, 1999, p. 46-51). Então, mesmo sendo um espaço masculino, mesmo sendo a guerra algo que remetia às capacidades do homem, era um espaço que possibilitava a inserção feminina por aquilo que as mulheres representavam, que era amor, fidelidade, paixão, caridade, desprendimento material, altruísmo, fermento para o surgimento e crescimento de uma nação. O positivismo como concepção – masculina – de mundo também contribuiu para a elaboração e disseminação de noções e conceitos sobre relação entre simbologia feminina e a nação. A mulher, segundo os preceitos positivistas, constituía-se em zeladora do altruísmo humano, procurando fora de si os motivos para sua existência. O amor materno consistiu no símbolo máximo desta particularidade ao subordinar a existência feminina à existência de outro indivíduo. Como demonstrou Neste artigo o autor também comenta a figura de Mariana como um emblema da república. República representava a ideia de liberdade, diferente de monarquia, que vinculava ao poder absolutista. Monarquia é representada pelo rei, figura masculina e castradora da liberdade. Na França, atribuir a república à simbologia feminina – representação de liberdade – foi uma decisão da Convenção Nacional de Setembro de 1792.” (AGULHON, 1998, p. 113). 7

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Teixeira Mendes, coube a ela, na condição de mãe, disciplinar a sociedade – uma vez que nascia pronta para o desprendimento, qualidades supremas do altruísmo. “É assim que a sociedade moderna, no meio de todas as vicissitudes revolucionárias, sustenta-se pelo sentimento, graças à solicitude materna, graças à ação moralizadora, santificadora da mulher.” (MENDES, 1931, p. 47). A representação positivista da mulher coloca-a em primeiro lugar na hierarquia social por constituir-se em elemento principal da ordem humana. Sua importância política fica traduzida pela dependência entre sociedade – ou país – e massa feminina e por serem tomadas como aquelas que formam os homens da nação (MENDES, 1931). Entre os discursos sobre a mulher presentes em diversos meios como a imprensa, livros, romances, biografias, revistas, calendários, entre outros, encontra-se também uma coleção produzida na Espanha intitulada Las mujeres españolas, portuguesas y americanas. Esta obra, publicada no decorrer da década de 1870, serviu-se da simbologia feminina através de textos e imagens (cromolitografias) para registrar aspectos da história espanhola e divulgar uma vertente histórica baseada num passado epopeico, de poder e glória desta nação. Apresentou e retratou espaços territoriais espanhóis e outros colonizados pela Espanha amparando-se na multiplicidade de significados que o signo feminino retém. Por outro lado, contribuiu para difundir concepções e normas de comportamento femininos, ao mesmo tempo em que justificava as desigualdades entre o sexos, a dupla moral sexual e delimitava o espaço social para homens e mulheres. Os autores e litógrafos, participantes da composição desta coleção, imbuídos de uma poética romântica, sofismaram com propriedade sobre beleza, graça e importância da mulher para a constituição e condução das novas sociedades. Esta particularidade chama a atenção por tratar-se de concepção 65


Olhares sobre a América Hispânica

editorial e colaborações exclusivamente masculinas, e também em função das concepções, normas e padrões que configuravam o feminino e remetiam ao espaço privado, doméstico, e não a âmbito público. Embora tratasse de uma publicação espanhola com o objetivo de enunciar questões nacionais deste país, esta coleção retratou, por meio de litografias e textos sobre mulheres, diversos espaços na América Hispânica. Os discursos presentes em Las mujeres... são apresentados pela forma escrita e imagética. Cada espaço territorial é retratado por um texto monográfico sobre a mulher daquele respectivo lugar e também por uma cromolitografia. Da mesma forma, em ambas as formas de apresentação elas são retratadas de forma idealizada. Aos diversos autores, imbuídos de uma poética romântica, agrada-lhes falar da beleza, da graça, da imprescindibilidade da mulher para a constituição e condução das sociedades. Nos vários artigos, os literatos, antes mesmo de apresentar as mulheres e seus respectivos costumes, abrem a discussão evidenciando as belezas naturais do lugar, contornos que a geografia oferece e a configuração política dos espaços representados. Neles também figuram os discursos sobre a tipologia das raças e miscigenação; no entanto, para esta questão, o destaque fica com as mulheres de ascendência espanhola, com similitude nos hábitos, trajes e aspectos morais. As narrativas textuais chamam a atenção para as semelhanças com a Espanha – a metrópole colonizadora – e a herança deixada. Quando os literatos apresentam mulheres que representam diversos espaços geográficos na América, buscam elementos em sua própria cultura para marcar pontos de encontro e desencontro entre as sociedades latino-americanas e as europeias – em especial, a espanhola. O sinal desta especificidade está no fato de que a Inglaterra e particularmente a França constituem-se em pontos de referência e ícones de civilização e 66


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bons costumes, sempre citados pelos diversos literatos na obra. Essas mulheres, na maioria dos textos, são divididas em duas categorias seguindo a definição de raça: mulher denominada índia, remanescente da população nativa, e mulher branca, de ascendência espanhola. A mestiça, embora não configure uma raça, também é representada. Já a negra, sequer é mencionada. Características diversas a até conflitantes são ressaltadas e, paulatinamente, ajudam a construir imagens de mulheres e símbolos femininos em vários espaços na América Hispânica. Entre costumes, hábitos e qualidades características das denominadas mulheres da sociedade, campesinas e as de los pueblos, quase todos os escritores ressaltam outra peculiaridade dessas mulheres da América, que é a inclinação para a vida política e os feitos heroicos voltados à pátria. Na maioria dos casos, os autores evidenciam positivamente esta qualidade das mulheres, demonstrando um vínculo maternal dessas personagens com o espaço territorial que representam. Esse envolvimento político em assuntos de ordem pública, no entanto, só é aceito porque remete aos atributos femininos socialmente aceitos que é o ato de maternar – cuidar, criar, educar. A coragem para defender seu espaço territorial é relacionada à sua verve protetora e cuidadosa. Num período em que as nações estavam se conformando, os predicados femininos, considerados como próprios de seu ser, tornam-se referências preciosas. Referências ao aspecto político, histórico, natural e às peculiaridades geográficas configuramse no outro aspecto que direciona a composição das exposições monográficas que apresentam diversos países da América hispânica. Tais discursos vão construindo as imagens dos espaços territoriais da América independente.

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Olhares sobre a América Hispânica

Concepções, discursos, ideologias a partir das litografias As cromolitografias que compõem a obra Las mujeres españolas, portuguesas y americanas possibilitam a reflexão sobre a relação da imagem com a história – e algum propósito para sua produção. Neste sentido, pode-se considerar que a imagem se inscreve na sensibilidade do momento em que surge, pois responde às demandas (situação política, social, cultural, ideológica) do período em que foi produzida. Expressa o imaginário de um tempo e espaço, num tempo e espaço. Assim vê Ana Cristina Teodoro da Silva, pois para ela as imagens contribuem para a constante reformulação dos imaginários e da memória histórica (SILVA, 2011) e para Alberto Manguel, “as imagens, assim como as histórias, nos informam” (MANGUEL, 2001, p.21). Néstor Canclini, a partir da perspectiva da sociologia da arte, marca a posição de que o artista é apenas o iniciador do sentido da obra. Entende que a arte pode contribuir para o conhecimento da sociedade e para definir seu contexto social, é preciso situá-la em seu ambiente, ou seja, entre outros aspectos, determinar o contexto ao qual se vincula, o caráter dessa vinculação e como produz um conhecimento efetivo (CANCLINI, 1979, p. 11-44). É nesse sentido que as análises das litografias são feitas, pois é possível construir, a partir delas, uma narrativa histórica. Trata-se de produções expressivas, marcantes e carregadas de potencial comunicativo, que dão visibilidade a uma noção de mundo além de possuírem uma função política e configuraremse em expressão artística. Chama a atenção os discursos sobre o feminino – além da primazia do político – que corroboram com as concepções respectivas ao fim do século XIX sobre mulheres, e contribuem para atingir os imaginários sociais no tocante aos modelos, padrões, condutas e espaços femininos. 68


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O olhar que se pode ter para as imagens de mulheres presentes na coleção Las mujeres españolas, portuguesas y americanas, situa-se entre a capacidade de comunicação das mesmas, naquele tempo e espaço, sua intencionalidade e funcionalidade. Pode-se procurar um sentido histórico para a sua produção e para perceber de que forma elas falam e representam os homens daquele momento (neste caso homens mesmo, no sentido generificado, pois as produções litográficas são todas masculinas). Nas cromolitografias sobre as mulheres americanas, sobressaem suntuosidade, luxo e fidalguia de mulheres – e consequentemente das repúblicas – descendentes dos colonizadores. A marca da presença e a semente da civilização espanhola em detrimento da miscigenação referenciam tais imagens. A história visual deste espaço, revelada pelas litografias remete o observador à descendência, civilização, trajes, costumes espanhóis mas também às concepções femininas presentes nos diversos discursos sobre as mulheres. Este pode ser o olhar para la señorita en traje de sociedad de confianza, que simboliza a República de Chile (lit.1). Beleza, delicadeza, luxo, ostentação e nobreza compõem esta litografia e conduzem o olhar e a concepção do observador da imagem. (Lit.1). Señorita en traje de sociedad de confianza – Coleção Las mujeres españolas, portuguesas y americanas.

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Olhares sobre a América Hispânica

Também é a suavidade, fragilidade, a formosura, assim como o luxo e a riqueza dos detalhes que marcam a República Argentina, na representação de Buenos Aires (lit.2) e para a Dama de Habana (lit.3).

(Lit.2). Republica Argentina (Buenos-Aires) e Dama de Habana – isla de Cuba. (Lit. 3). Coleção Las mujeres españolas, portuguesas y americanas

As representantes de la isla de Puerto Rico – Dama de la Capital (lit.4) e Señora de Guatemala (lit. 5), embora também reproduzam uma classe em destaque na sociedade, apresentam aspectos peculiares como a cor da pele – mais escura, suscitando a miscigenação – e um aspecto singelo, delicado e belo. As litografias difundem as informações através de uma multiplicidade de signos – cores, gestualidade, traços físicos, feições, espaços e lugares, atividades, entre outros. Cabe evidenciar, entretanto, o caráter subjetivo das litografias. Conquanto haja uma intencionalidade do pintor naquilo que quer comunicar e informar através da imagem produzida, são mesmo os olhos do destinatário, daquele que as observa e aprecia que empregam sentidos a ela. No entanto as imagens, não só 70


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corroboram com o discurso produzido sobre o feminino, assim como referenda, a partir da possibilidade da contemplação, o ideal de beleza, graça, delicadeza, altruísmo, generosidade, entre outros atributos que definem modelos e padrões e circunscrevem seu espaço de atuação.

(Lit. 4). Isla de Puerto Rico (Dama de la Capital) (Lit.5). Señora de Guatemala (Centro de America) Coleção Las mujeres españolas, portuguesas y americanas

Considerando as questões discutidas neste capítulo, embora este discurso sobre a mulher e o feminino tenha tido um destaque e tocado os imaginários sociais da época, é preciso ressaltar que se trata de uma construção discursiva e ideológica masculina. Observa-se que é no espaço público, lugar de excelência ocupado pelos homens, que as concepções, lugares, ideais, padrões sobre as mulheres vão, paulatinamente, se constituindo. A “condição” feminina vai se delineando através dos espaços e modelos estabelecidos para elas, por meio dos saberes médicos, dos discursos ideológicos, religiosos, jurídicos, políticos, das 71


Olhares sobre a América Hispânica

produções destinadas ou que versavam sobre o feminino como os livros, revistas, jornais, biografias, entre tantos outros veículos. É possível perceber, desta forma, que foram construídos discursos e imagens, a partir de meios e pressupostos masculinos, sobre o que é ou deveria ser a mulher.

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ÁLBUM DE IMAGENS América Hispânica: cotidiano e costumes A Exposição América Hispânica: Cotidiano e costumes configura-se num trabalho coletivo envolvendo professores/as e alunos/as do curso de História da UEL e reúne pôsteres com reproduções de fotografias e pinturas que retratam a cultura de nações colonizadas por espanhóis abrangendo países da América de língua hispânica. Serão contemplados os seguintes países: Argentina, Porto Rico, Venezuela, Costa Rica, México, Bolívia, República Dominicana, Chile, Uruguai e Haiti. Neste livro, optamos também por reproduzir as imagens da exposição, que podem ser apreciadas na sua versão colorida através do site http://www.uel.br/cch/his/ledi/ A proposta é divulgar as referências culturais e sociais desses países mostrando elementos comuns ligados aos costumes e espaços de sociabilidade como praças, quintais das casas, os mercados, as festas entre outros. Intenta-se com isso a sensibilização do olhar do público para esses povos culturalmente ricos e tão próximos a nós, a partir de costumes comuns construídos ao longo do dia, ao longo do tempo, que ganham novos significados no registro sensível de artistas e fotógrafos. Partimos da premissa de Agnes Heller que diz “A vida cotidiana é a vida do homem inteiro” e, assim, pensamos que no interior da vida cotidiana homens e mulheres desenvolvem todos os seus sentidos, capacidades, habilidades, como também exercitam seus sentimentos, paixões, ideias e pensamentos.

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Olhares sobre a América Hispânica

Em sua múltipla riqueza das atividades cotidianas, pretendemos apresentar em recortes temáticos não esgotáveis, em diferentes mídias, uma tapeçaria de acontecimentos, referências, atos simples e significativos, comuns à vida de todos os homens e todas as mulheres espalhados em diversos países da América Hispânica. Organização: Ana Heloisa Molina Edméia Ribeiro Richard Gonçalves André André Luiz Marcondes Pelegrinelli Giovana Maria Carvalho Leonardo Rosa Mantovani Lucas Moreira Germano Raquel de Medeiros Deliberador Vanessa Coutinho Rodrigues da Costa Vitor Hugo Irineu Santos

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Ă lbum de Imagens

Presente inesperado (s/d) Pedro Luiz Raota (1934-1986) Argentina

Domingo en la chacra o el almuerzo (1945-1971) Antonio Berni (1905-1981) Argentina

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Olhares sobre a América Hispânica

El santero Don Zolio (s/d) Rafael Tufiño (1922-2008) Porto Rico

Vendedor (s/d) Luis Álvarez de Lugo (1923-) Venezuela

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Álbum de Imagens

Cantata (1985) Armando Barrios (1920-1999) Venezuela

Músicos (s/d) Juan Plutarco Andújar (1931-1995) República Dominicana

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Olhares sobre a América Hispânica

Partida de fútbol (1919) Carmelo de Arzadun (1888-1968) Uruguai

Club Atlético Nueva Chicago (1937) Antonio Berni (1905-1981) Argentina

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Álbum de Imagens

Cocina (s/d) Jacques Engerrand Gourgues (1931-1996) Haiti

Vendedores de frutas (s/d) Jorge Gallardo Gómez (1924-2002) Costa Rica

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Olhares sobre a América Hispânica

Recreo (1924) Petrona Viera (1895-1960) Uruguai

Sem título (s/d) Pedro Luiz Raota (1934-1986) Argentina

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Ă lbum de Imagens

La taberna (1887) Cristobal Rojas (1858-1890) Venezuela

La Zamacueca (1873) Manuel Antonio Caro (1835-1903) Chile

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Olhares sobre a América Hispânica

Diablada (02/02/2008) Ivan Milo Oururo – Bolívia

La Calavera (29/10/2011) Patrick Chan Mérida – México

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Álbum de Imagens

Vendedoras de frutas de Orotina (1980) Jorge Gallardo Gómez (1924-2002) Costa Rica

Las Futbolistas (1922) Ángel Zarraga (1886-1946) México

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Sobre os autores

Ana Heloisa Molina Doutora em História pela UFPR, pós doutora em História Social pela UFF. Professora de Metodologia e Prática de Ensino de História. Departamento de História. Universidade Estadual de Londrina. Natalia Germano Gejão Diaz Mestre em História Social pela UEL. Professora de Metodologia e Prática de Ensino de História. Departamento de História. Universidade Estadual de Londrina. Barthon Favatto Jr. Mestre em História pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Richard Gonçalves André Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e professor adjunto da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Edméia Ribeiro Doutora em História pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

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OLHARES SOBRE A AMÉRICA HISPÂNICA

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Ana Heloisa Molina Edméia Ribeiro Richard Gonçalves André (org.)

realização:

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978-85-7846-282-6

Coleção História na Comunidade – volume 9 9 788578 462826


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