Qualificação lara barreira paisagem da favela e urbanização (re)pensando espaços publicos morro do a

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Mestrado Profissional em Arquitetura Paisagística Programa de Pós-Graduação em Urbanismo – PROURB Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

PAISAGEM DA FAVELA E URBANIZAÇÃO: (re)pensando os espaços públicos do Morro do Adeus Projeto de Qualificação a ser submetido ao Mestrado Profissional em Arquitetura Paisagística do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Mestranda:

Lara Barreira de Vasconcelos Orientador:

Cristovão Fernandes Duarte

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ÍNDICE

1. Resumo............................................................................................................................ 03 2. Introdução.......................................................................................................................04 3. Estrutura Teórica............................................................................................................. 07 4. Problematização e Apresentação do Estudo de Caso..................................................

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5. Objetivos......................................................................................................................... 25 6. Estrutura Metodológica................................................................................................. 26 7. Referências Bibliográficas.............................................................................................. 29

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1. RESUMO As favelas fazem parte da paisagem das cidades brasileiras por mais de cem anos. Após décadas de políticas remocionistas, apenas nas últimas duas décadas é que as políticas de urbanização de favelas se estabeleceram. Assumindo que a urbanização representa um grande avanço ideológico na possibilidade dotar esses espaços de infraestrutura sem destruir as redes de sociabilidade preexistentes e reconhecendo o direito de localização na cidade, esse trabalho pretende avançar em questões relativas aos projetos de urbanização, em particular investigar os espaços públicos na favela, e como intervir nesses espaços. A favela possui sua morfologia urbana própria que ainda possui espaços de convívio e locomoção na escala do corpo humano. A proposta da pesquisa é utilizar o Morro do Adeus como estudo de caso. Pretende-se aprofundar as questões relativas ao projeto no espaço público da favela através da análise da intervenção já realizada e da proposição subsequente de um ensaio projetual. Palavras chave: Urbanização de favelas, espaço público, projeto da paisagem urbana. 3


02.INTRODUÇÃO Ao longo da história das cidades brasileiras, a favela passou por diversas formas de intervenção, sendo a remoção a alternativa historicamente predominante, legitimada por uma cultura de estigmatização do espaço e do cidadão favelado por parte das classes sociais dominantes (SILVA; BARBOSA, 1959). Os anos 1990 marcou a mudança de postura do poder público, reconhecendo a favela como parte irreversivelmente integrante da paisagem urbana e iniciando uma política de urbanização dos espaços favelados. É inegável a importância dessa mudança de postura, levando em consideração o conceito de Direito à Cidade (Estatuto da Cidade, 2001). No caso da capital fluminense, desde o deslocamento das populações para os parques proletários na era de Vargas na década de 1940 até o Governo de Carlos Lacerda seguido da Ditadura Militar nas décadas de 1960 e 1970, a forma de intervenção nas favelas cariocas eram predominantemente a remoção. O período da ditadura foi marcado pela periferização da população de menor renda a partir da remoção das favelas nas áreas de interesse imobiliário e reassentamento da população nos conjuntos habitacionais financiados pelo BNH (Banco Nacional de Habtitação) que eram construídos nas franjas urbanas da cidade. As populações das favelas bem como os movimentos sociais fizeram fortes críticas as políticas autoritárias de remoções e periferização da moradia, passando a lutar pela urbanização dos espaços das favelas. Somente a partir do período de redemocratização a partir do fim da década de 1970 e década de 1980 que a manutenção das favelas em seu local e sua urbanização passam a ser consideradas como alternativas pelo poder público. Nesse sentido, merece destaque a contribuição metodológica e ideológica da atuação de Carlos Nelson Ferreira dos Santos que ainda no final da década 1970 escreveu sobre as favelas cariocas quebrando vários estigmas existentes. A urbanização de Braz de Pina (1979) encabeçada por ele contribuiu significativamente para a mudança de paradigmas de como o estado pode intervir na favela. Na década de 1980, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento (SMDS) passa a realizar diversas ações de mutirão nas favelas porem de forma pontual e fragmentada. Somente a partir da década de 1990 que é criada uma política pública que passa a encarar o desafio da inclusão das favelas de forma mais ampla e sistemática. Em 1992, o Plano Diretor do Rio de Janeiro cria lei especifica tratando a urbanização de favelas. Como desdobramento desse processo o Programa Favela-Bairro é lançado e viabilizado financeiramente por acordos com o BID (Bando Interamericano de Desenvolvimento). O programa Favela-Bairro representou um grande salto ideológico de como tratar as favelas dentro da cidade. As intervenções passaram a tratar não apenas habitações isoladas, como já havia sido feito e anos anteriores, mas incluíram o projeto de melhoria dos espaços públicos e infraestrutura urbana. Dentro do programa, que ocorreu entre 1995 e 2005, cerca de 90 favelas receberam melhorias. O programa Morar-Carioca lançado em 2008 foi anunciado como um programa ainda mais abrangente e que daria sequência a política de urbanização de favelas no Rio de Janeiro, porém jamais foi implementado da forma como foi planejado. O contexto político, econômico e a realização de mega-eventos na cidade do Rio de Janeiro acabou por dar prioridade a outras agendas. As ações realizadas em nome do programa foram pontuais e não incorporaram as metodologias de inclusão e participação social da forma 4


que haviam sido planejado. Para além disso, a agenda da cidade em preparativos para recepção dos megaeventos desconecta-se completamente das diretrizes de urbanização previstas no Plano Diretor e passa a legitimar novamente as práticas remocionistas, seja para valorização imobiliária, seja para implantação de infraestruturas esportivas e de transporte. Remoções essas que revisitaram características de décadas anteriores tanto no autoritarismo da forma como foram realizados como na marcada subserviência do estado aos interesses econômicos privados. Recentemente o PAC – favelas (Programa de Aceleração de Crescimento - favelas) lançado em 2008 realizou intervenções pontuais nos espaços das favelas do Complexo do Alemão, Rocinha, Manguinhos, Pavão-Pavãozinho/Cantagalo. Essas intervenções sofrem atualmente fortes críticas por não ter atuado nas prioridades apontadas pela população, como saneamento básico por exemplo. As críticas se fundam principalmente por essas intervenções terem executando somente obras de grande visibilidade como a implantação dos teleféricos (SILVA, 2015), por não ter havido participação da população e por ter sido implantado junto com a militarização da polícia (PINHEIRO,2015 e RODRIGUES, 2015). A instalação das UPP´s (Unidades de Polícia Pacificadora), com suas sedes implantadas sempre ao lado das estações do teleférico, tem uma relação bastante conflituosa com a população. Como esse breve histórico nos mostra, mesmo as favelas existindo no cenário urbano carioca desde o final do século XIX, apenas nos anos 1990, as favelas passam a ser reconhecidas e acolhidas por intervenções públicas para melhorias de infraestrutura de maneira mais sistemática. A parir dessa nova possibilidade de atuação do poder público em relação à favela, muitas ações têm sido realizadas no campo de urbanização na cidade do Rio de Janeiro. Passando pelas experiências iniciais de multirão ainda na década de 1980, pelo Programa Favela-Bairro ocorrido entre 1995 e 2005, as ações do PAC- Urbanização de Favelas iniciado em 2008 e o programa Morar Carioca lançado em 2010. Contudo, será que esses projetos urbanização dialogam com a lógica espacial e social intrínseca da favela? Mas o que seria essa lógica? E qual seria a importância de respeitá-la? Que pensamentos urbanísticos apoiam a natureza dessas intervenções? Bem, essas são questões bastante complexas que esse trabalho não busca responder por completo, mas apresentar o debate utilizando o estudo de caso da favela do Morro do Adeus situada no bairro do Complexo do Alemão na Zona Norte do Rio de Janeiro. O local passou recentemente por uma intervenção no contexto da instalação do teleférico do complexo do Alemão inaugurado em 2010 parte integrante das ações do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC). A investigação sobre intervenções do espaço público na favela é um tema que permanece na agenda de desafios do projeto e planejamento urbano das cidades, tanto no âmbito de avaliar os impactos de intervenções já realizadas nas últimas décadas, como no âmbito de pensar as novas intervenções no espaço que venham a proporcionar uma real melhoria na qualidade de vida da população e dos espaços urbanos. Entendendo que o acesso a espaços públicos de qualidade que proporcionem um ambiente saudável de trocas, interseções sociais e manifestações culturais fazem parte do Direito à Cidade de todos os habitantes da urbe, este trabalho busca contribuir na investigação teórica, projetual e metodológica no tema de urbanização de favelas, com foco nos espaços púbicos urbanos. 5


Figura 01: Diagrama produzido pela autora com base nas seguintes referências: 1. SILVA; BARBOSA, 2005; 2.Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 1997. ; 3. RIOONWATCH, 2016.

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3. ESTRUTURA TEÓRICA

O processo de industrialização nas cidades, iniciado no início século XIX, desencadeou uma série transformações no espaço. Em todo o mundo, grandes contingentes populacionais migram do campo para as cidades, e o mundo pouco a pouco foi deixando de ser agrário e se tornando em sua maior parte urbano. Novos tempos se anunciavam, são os tempos modernos, a era da máquina. As cidades que já existiam no mundo desde antiguidade, passando pelo medievo e período pré-industrial, passam por grandes transformações ocasionadas não apenas pelo seu vultoso crescimento populacional decorrente da migração campo-cidade, como também por um novo pensamento urbanístico fortemente influenciado pela tecnificação dos processos de produção, pelo surgimento do automóvel e por toda uma nova forma de pensar influenciada por elementos ideológicos desses “novos tempos”. Dessa forma, as cidades que eram antes pensadas e construídas na medida da escala humana, passam a ser projetadas e reformuladas de uma outra forma, em grande parte influenciada pelo surgimento do automóvel e pela analogia abstrata entre vida humana e o funcionamento de uma máquina. O funcionalismo do urbanismo moderno, que ganha grande repercussão mundial a partir dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna - CIAM, propõe assim a superação do tecido urbano tradicional. Pouco a pouco essas ideias passam a nortear as intervenções, as legislações urbanísticas e a construção de bairros e cidades e completamente novos em todo o mundo. Os resultados das transformações norteadas pelo urbanismo moderno passam a ser fortemente questionados por diversos teóricos na atualidade que apontam para a perda de características importantes no espaço público nessa busca indiscriminada da eliminação do tecido urbano tradicional e afirmação da lógica moderna. Dentre os autores que fazem essa crítica consideraremos nesse trabalho Jane Jacobs, Camillo Sitte, Milton Santos e Jan Gehl. Faremos também uma relação entre a crítica ao urbanismo moderno e a visão de Henri Lefebvre que aponta para a necessidade de recuperação do valor de uso do espaço urbano, e pela busca do Direito à Cidade. Jane Jacobs faz forte crítica ao urbanismo moderno em seu livro Morte e Vida das Grandes Cidades. Na citação a seguir a autora enfatiza a analogia entre máquina e cidade: A cidade dos sonhos de Le Corbusier teve enorme impacto em nossas cidades. Foi aclamada deliberadamente por arquitetos e acabou assimilada em inúmeros projetos, de conjuntos habitacionais de baixa renda a edifícios de escritórios. Além de tornar pelo menos os princípios superficiais da Cidade-Jardim superficialmente aplicáveis a cidades densamente povoadas, o sonho de Le Corbisier continha outras maravilhas. Ele procurou fazer do planejamento para automóveis um elemento essencial de seu projeto, e isso era uma ideia nova e empolgante nos anos 20 e início dos anos 30. Ele traçou grandes artérias de mão única para transito expresso. Reduziu o número de ruas, porque os cruzamentos são inimigos do tráfego. Propôs ruas subterrâneas para veículos pesados e transportes de mercadoria, e claro, como os planejadores da Cidade-Jardim, manteve os pedestres fora das ruas e dentro dos parques. A cidade dele era como um brinquedo mecânico maravilhoso. (JACOBS, 2009, p.23)

A crítica também está no afastamento da população das ruas e calçadas, consideradas por ela como os elementos onde ocorre a maior parte das trocas sociais. “As ruas e suas calçadas, principais locais públicos de uma cidade, são seus órgãos mais vitais. ” (JACOBS, 2009, p.29). Para autora a mistura e diversidade de usos na cidade contribui diretamente para ruas vivas e cheias de pessoas a todas as horas do dia realizando tro7


cas sociais favoráveis a uma cidade boa de se viver. A fachadas ativas, e formalmente diferentes, contribuiriam também para essa qualidade espacial, tanto estética como do ponto de vista de gerar diversidade. Nesse sentido, se contrapões ao funcionalismo dos conjuntos habitacionais modernos que em seu pondo de vista gera espaços monótonos e monofuncionais. Em países da América Latina, especialmente no Brasil, uma das consequências não planejadas do processo de industrialização nas cidades foi o surgimento e crescimento das favelas. Marca da segregação sócio-espacial e da desigualdade característica da sociedade industrial capitalista, as favelas cresceram e se instalam na paisagem das metrópoles brasileiras. O inchaço populacional característico do início do século XX ocasionado pela industrialização das cidades não foi acompanhado de políticas de provisão habitacional acessíveis e tampouco de urbanização que acompanhasse o rápido crescimento urbano. A porção do território urbano ocupado pelo tecido favelado nas cidades não é nada irrelevante, muito pelo contrário, todas as grandes metrópoles brasileiras possuem parte considerável de seu território ocupado por elas. As favelas surgem como uma alternativa possível de moradia a margem do mercado formal de habitação, autoconstruídas pelo grande contingente populacional que migra do campo para a cidade em busca de oportunidades geradas a partir da industrialização. Nesse sentido, as favelas se estabelecem completamente desvinculadas do planejamento urbano oficial, da legislação vigente e, portanto, das ideologias urbanísticas que os embasavam. Filhas “bastardas” da sociedade industrial, essas ocupações são negadas e estigmatizadas pela classe social detentora do poder, exatamente por serem não modernas. Segundo Silva e Barbosa (2005) a favela é entendida como “oposta aos anseios por uma cidade moderna, ordenada, civilizada e limpa. “ (Idem, p.30). A política dominante de remoção e a prática de incêndios criminosos ao longo da história atestam esse estigma, ainda não completamente superado na atualidade, apesar dos recentes e relevantes avanços refletidos nas políticas de urbanização de favelas (ex: Programa Favela-Bairro) e do marco regulatório do Estatuto da Cidade (2001). É inegável reconhecer os problemas de infraestrutura urbana que as favelas ainda enfrentam, mesmo após anos de luta nos movimentos sociais e no esforço diário de permanência e construção autônoma de suas moradias. Mas é necessário reconhecer também que, apesar de todas as precariedades e desafios ainda por serem enfrentados, foram nas favelas que se preservaram algumas das características importantes do tecido tradicional de cidade. As redes sociais de proximidade, o convívio no espaço público, a relação entre edificações e ruas, a escala humana, os usos diversos e misturados, todas essas características indicadas por J. Jacobs como virtudes da cidade tradicional que foram perdidas na cidade moderna quase sempre estão presentes no tecido das favelas. A pesquisadora Laura Bueno (2000), faz a comparação entre o traçado e a morfologia urbana medieval e das cidades coloniais brasileiras com a morfologia da favela, apontando para a necessidade de reconhecer o valor inclusive estético desses tecidos. A autora enfatiza a importância da urbanização respeitando e identidade e morfologia das favelas, a adaptação ao terreno natural, e melhorando as conduções de infraestrutura urbana. A forma urbana resultante das favelas urbanizadas é bastante semelhante – no traçado e largura das vias, vielas e becos, no desenho dos lotes, nos gabaritos e recuos das edificações, a apropriação dos elementos do sitio natural (declividade, existência de na-

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scentes e córregos) – à de certos trechos de origem medieval de cidades europeias. Há semelhanças nas soluções/ adaptações do tecido urbano. O mesmo se poderia dizer de nossas cidades coloniais. (BUENO, 2000, p.285) O reconhecimento do valor estético, arquitetônico e cultural dos assentamentos de favela, certamente, um argumento favorável á política de consolidar as áreas ocupadas por favelas mediante obras de urbanização. Ao observar-se um núcleo habitacional, devemos procurar pelos sinais dos valores que a comunidade atribui ao ambiente contruido.(...) (BUENO, 2000, p.283)

O pesquisador Cristovão Duarte (2006;2010) denomina de “crescimento aditivo” o processo de crescimento da favela, que se diferencia da cidade formal, por não haver um planejamento prévio e por dar origem a uma morfologia de tecido urbano distinto. O autor também chama atenção para semelhança entre o tecido urbano da favela com as cidades medievais e enfatiza as características de vitalidade dos espaços públicos resultantes dessa morfologia: (...) as favelas constituíram bairros autoconstruídos, como uma alternativa popular para o problema da habitação, reproduzindo, no espaço, a lógica estruturante do tecido urbano das cidades de crescimento aditivo. Sem qualquer plano de ocupação previamente elaborado, também, sem contar com os recursos tecnológicos da “cidade formal”, as favelas reeditam, do ponto de vista morfológico, os traçados urbanos irregulares que caracterizam as cidades medievais e islâmicas. Em que passe à precariedade dos suportes das construções, os conjuntos urbanísticos formados por esses assentamentos de baixa renda são inegavelmente dotados de unidade estética, permitindo neles reconhecer aquela articulação das partes entre si e com o todo, responsável pela continuidade do tecido urbano das cidades tradicionais. Nesses bairros populares, a população, forçada a se retirar da cidade que lhe fora negada, tenta também reconstruí-la (na medida do possível) sobre novas bases. (...) (DUARTE, 2006, p.118) A acessibilidade nas malhas urbanas das favelas deve, portanto, ser analisada vis-a-vis a generosa oferta de espaços adequados e seguros para as práticas sócio espaciais cotidianas, disto resultando a intensidade e a vitalidade verificadas nas formas de apropriação do espaço público pelos seus moradores. (...) (DUARTE, 2010, p.79)

Hoje o cenário que compõe da cidade contemporânea é caracterizado pela sobreposição de tecidos urbanos das diversas temporalidades e morfologias. No caso das cidades brasileiras, os centros históricos em sua maioria do período colonial representariam o tecido da cidade tradicional, juntamente com alguns bairros mais antigos. O tecido de cidade moderna se faz presente ao mesmo tempo nas intervenções de abertura de vias e espaços vazios no tecido tradicional, e nos bairros mais novos caracterizados pelas vias expressas, edifícios altos e soltos no lote e espaços funcionalmente fragmentados. No caso da Cidade do Rio de Janeiro, a Barra da Tijuca e Recreio seriam exemplos emblemáticos dessa cidade moderna. E ainda, compondo essa colcha de retalhos, o tecido da favela, que é temporalmente moderno, mas morfologicamente mais semelhante a cidade tradicional. No contexto da cidade contemporânea brasileira é preciso superar a ideia de que a cidade moderna representa tudo que há de melhor e que a favela representa tudo que deve ser completamente superado e substituído pela modernidade. Como já foi dito, o modelo de cidade moderna está em crise. Não se trata tampouco de um retorno ao passado, às cidades tradicionais, mas da construção de um caminho possível de cidade considerando lições aprendidas, a partir de uma perspectiva realista da vida cotidiana real das cidades. Jan Gehl em seu livro Cidades para Pessoas (2013) aponta para a necessidade das cidades contemporâneas recuperarem a escala humana, a cidade ao nível dos olhos, a qualidade do caminhar, do permanecer no espaço público, do encontro das 9


pessoas. Henri Lefebvre aponta para uma tendência de urbanização desurbanizada. Esse processo seria na visão do autor prover infraestrutura urbana a um lugar, mas destruir os elementos legíveis de cidade tradicional do lugar. A urbanização desurbanizada estaria relacionada ainda pela substituição da ideia do habitar pelo habitat: Toda a realidade urbana perceptível (legível) desapareceu: ruas, praças, monumentos, espaços para encontros. Nem mesmo o bar e o café deixaram de suscitar o ressentimento dos “conjuntistas”, o seu gosto pelo ascetismo, sua redução do habitar para o habitat. Foi preciso que fossem até o fim de sua destruição da realidade urbana sensível para que surgisse para que surgisse a exigência de uma restituição. (...) (LEFEBVRE, 2001, p. 27) (...) Até então “habitar” era participar de uma vida social, de uma comunidade, aldeia ou cidade. A vida urbana detinha, entre outras, essa qualidade, esse atributo. Ela deixava habitar, permitia que os citadinos cidadãos habitassem. (...) (LEFEBVRE, 2001, p. 23)

Dentre os desafios ainda em pauta da cidade contemporânea brasileira, sem dúvida, o tema da favela continua a ocupar uma posição de grande relevância. Esse trabalho busca, para além de reafirmar a importância da urbanização e ampliação da oferta de infraestrutura urbana, investigar no campo do projeto o caráter da intervenção urbanística. Nesse sentido, dialogando ainda com Laura Bueno e Cristovão Durarte, admite-se a importância de que a intervenção no espaço da favela deva reconhecer e tirar partido projetual das identidades e valores preexistentes impressos tanto na morfologia urbana, como nas apropriações nos espaços públicos: Uma política de urbanização de favelas que respeite ao máximo a forma do assentamento e as edificações é certamente melhor, sob diversos aspectos, do que políticas de remoção ou demolição e reconstrução total da ocupação. No caso brasileiro, as intervenções programadas em favelas devem visar, ao mesmo tempo melhorar as condições urbano-habitacionais e de seus moradores e resolver os conflitos entre a existência da favela e as necessidades do meio urbano, em especial, a eficiência dos sistemas de infra-estrutura em rede. (...). (BUENO, 2000, p.283) Estamos produzindo um novo urbanismo, mais viável e próximo do terceiro mundo. Ao invés do urbanismo americano, cartesiano, modernista, e até obrigados pela situação concreta a enfrentar, recuperamos os conceitos da Landscape Architecture, do urbanismo orgânico, do traçado da cidade medieval incorporando o padrão de infra-estrutura urbano contemporânea. (BUENO, 2000, p.291) (...) A solução para as favelas não está fora das favelas, mas no reconhecimento que a favela representa a reinvenção da própria cidade, entendida como lugar do encontro e da troca entre os diferentes. Uma cidade renascente, rejuvenescida descontraída e, incontestavelmente, alegre. Construída como resposta aos processos de exclusão social e segregação espacial, mas também como uma forma alternativa e clarividente de autoproteção com relação a rumos que tomava a grande cidade a sua volta. A um tempo, reflexo e espelho de uma sociedade desigual, a sócio diversidade presente nas favelas figura hoje como parte fundamental da solução para os problemas enfrentados pela cidade como um todo. (DUARTE, 2010, p.82)

O estudo de caso proposto para aprofundar essas questões referentes ao tema de urbanização de favelas será o Morro do Adeus, favela carioca situada na zona norte do Rio de Janeiro pertencente ao Complexo do Alemão. A abordagem proposta terá como foco a análise do espaço público da favela. O trabalho se apoiará nos conceitos de paisagem e de espaço propostos por Milton Santos em sua obra “A Natureza do Espaço”. Para Santos (2014) a paisagem seria a configuração material do território, o aspecto concreto (físico) resultante dos elementos naturais e artificiais. Essa configuração resulta por sua vez da interação de uma sociedade com a natureza e com ela mesma em 10


diversos tempos (transtemporal). A paisagem, portanto, é resultante desses diversos tempos, porém é objetivamente única no tempo presente. O espaço segundo Santos (2014) se diferencia conceitualmente da paisagem por acrescentar a essas formas-objetos a sociedade e suas relações. O espaço, portanto, abrange a configuração territorial mais os aspectos humanos e subjetivos. Essas relações entre homem -natureza e homem-homem estão por sua vez expressas de diversas maneiras na paisagem que é resultante dessas relações. Portanto, segundo o teórico “A paisagem é o conjunto formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza. Os espaços são nessas formas a vida que as anima.” (SANTOS, 2014, p.103) Nesse trabalho propõe-se uma análise situação atual do Morro do Adeus e uma posterior proposta projetual. Esses dois conceitos serão muito importantes para a metodologia proposta, pois para compreender a atual paisagem que configura o Morro do Adeus é necessário entender também como se dá a relação da sociedade com essa paisagem. Essas relações (sociedade- paisagem) podem envolver tanto as políticas públicas, como a relação cotidiana dos cidadãos com o lugar e suas representações imagéticas. Nesse sentido, a proposta projetual pretende também considerar o espaço em todos os seus aspectos (sociais e territoriais) para lançar uma proposta que seja condizente com a sociedade em que esta paisagem está inserida.

4. PROBLEMATIZAÇÃO E APRESENTAÇÃO DO ESTUDO DE CASO O Morro do Adeus é uma favela situada na zona Norte do Rio de Janeiro correspondente a Área de Planejamento 3 do Plano Diretor. Faz parte de um grupo de favelas que configura o complexo do Alemão, considerado também um bairro. Embora o morro do Adeus faça parte do complexo, ele não está conturbado com as demais favelas, como estão as demais favelas do complexo. O Morro do Adeus nesse sentido encontra-se em uma situação bastante peculiar, está rodeado em uma área industrial e de tecido habitacional da cidade considerada “formal”, ainda que esteja bastante próximo as demais favelas do complexo. O bairro está inserido dentro da APARU da Serra da Misericórdia (Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana) e possui em um dos lados da sua encosta uma vegetação nativa de mata atlântica relativamente preservada.

Figura 02: Foto Contexo do Morro do Adeus na Paisagem. Fonte: Disponivel em < http://www.guiadorio. net.br/2013/10/dicas-de-turismo-rio-de-janeiro-teleferico-complexo-do-alemao.html> Acesso em 22/10/2016

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CIDADE DO RIO DE JANEIRO

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ÁREA DE PLANEJAMENTO 03

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APARU - SERRA DA MISERICORDIA

COMPLEXO DO ALEMÃO

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MORRO DO ADEUS

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Complexo do Alemão 1 - Morro do Alemão 2 - Vila Ma nha 3 - Morro Palmeiras 4- Joaquim de Queiroz 5- Morro da Baiana 6 - Parque Alvorada 7- Nova Brasilia 8 - Itararé 9 - Mourão Filho 10 - Morro do Adeus

Rio de Janeiro Área de Planejamento 3 (AP3) APARU Serra da Misericordia

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Figura 03: Diagrama contextualização Complexo do Alemão e do Morro do Adeus, com a Cidade do Rio de Janeiro, AP3 correspondente a Zona norte da cidade e a APARU Serra da Misericórdia. Fonte: Produzido pela autora com base no mapa do IPP disponível em: <http://portalgeo.rio.rj.gov.br/mapa_digital_rio/?config=config/ipp/censo.xml> Acesso em 22/10/2016.

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A paisagem atual do Morro do Adeus é marcada pelos elementos naturais da topografia acidentada característica de morro e por uma vegetação de mata atlântica relativamente preservada em uma parte da encosta. A presença humana marca a paisagem em duas tipologias de espaço construído bem distintas, por um lado as pelas casas, ruas e comércios da favela; por outro pela intervenção do teleférico composta pela estação em si, pelos espaços públicos construídos a sua volta no topo do morro, pelas torres de sustentação dos cabos do teleférico e pelas vias de acesso à estação e às torres. Existe uma distinção clara e bem delimitada entre os espaços construídos pela comunidade e os espaços construídos pela intervenção do teleférico. A distinção se dá principalmente pela escala e morfologia do espaço construído, sendo os espaços populares mais próximos à escala humana e os novos espaços construídos em dimensões mais monumentais. Essa distinção entre escalas se dá pela dimensão das vias, e as distância entre elementos construídos.

Figura 04: Diagrama identificação paisagem atual Morro do Adeus. Fonte: Produzido pela autora a partir de fotografia prodizida pela autora.

Esse breve cenário é parte integrante dos elementos físicos que fazem parte da paisagem atual do Morro do Adeus. A entrevista com alguns moradores bem como a vivencia no local através da observação participativa permitiu que fosse possível investigar melhor como as pessoas vêem e usam esse ‘espaço’. Ao perguntar para os moradores o que poderia ser melhorado nos espaços públicos do Morro do Adeus, muito dos entrevistaram reivindicaram a construção de pracinhas, e mais espaços para as crianças brincarem. Esse fato muito chama a atenção já que foram construídas sete pracetas-mirante ao longo das vias de acesso à estação do teleférico do Adeus e apesar de não haver equipamentos específicos de parquinho infantil, o espaço é bem amplo para usufruto de crianças. O que faz com que esses moradores continuem reivindicando pracinhas, mesmo fisicamente as pracinhas já existindo? Essa aparente contradição nos leva a considerar que por algum motivo essa população, ou 13


parte relevante dela, não se reconhece nesses espaços. A observação do pouco uso desses espaços nas diversas visitas ao local endossa essa possibilidade. Ao perguntar para uma criança o porquê as pessoas não vão muito as pracinhas próximas ao teleférico, a criança respondeu sem pensar muito que achavam que aquelas pracinhas eram mais para as pessoas de fora que chegavam pelo teleférico para conhecer o local. A mesma menina havia me perguntado anteriormente se eu era “gringa” (pessoa estrangeira).

Figura 05: Diagrama identificação Espaços Construidos pela intervenção do PAC no Morro do Adeus. Fonte: Produzido pela autora a partir de imagem do Google Eath - 2015.

Outro aspecto interessante observado nessa aproximação com a população, foi que, ao caminhar pelo local na companhia de uma moradora, ela apontou ao longo do percurso vários espaços em que antes existiam casas de amigos e parentes. Descreveu que que alguns familiares costuma chorar ao passar naqueles lugares por recordar de seus antigos lares. Em alguns trechos da caminhada encontramos parte de casas semidestruídas, restando o piso e pedaços de parede ao relento. O local onde antes existiam casas se transformaram em espaços ocupados por vegetação selvagem (mato), pelas pracetas-mirante e pelas vias de acesso ao teleférico e às torres de sustentação dos cabos. Analisando comparativamente a imagem aérea do antes e depois da intervenção na mesma escala, é possível perceber a extensão do tecido urbano de casas que foi removido para a construção da intervenção. Estima-se aproximadamente 200 casas removidas. É importante perceber também que o tecido removido extrapola o que seria “estritamente necessário” para viabilizar a instalação da estação do teleférico e da principal via de acesso. O que leva concluir parcialmente que houveram mais remoções do que seria necessário pela justificativa da instalação da infraestrutura do teleférico. 14


Figura 06: Ortofotos Morro do Adeus antes e depois da intervenção (anos 2008-2015), estimando cerca de 200 casas removidas. Fonte: Mosaico de imagens do Google Eath ano 2008 modificada pela autora (ano 2008); Ortofoto fornecida pela prefeitura do Rio de Janeiro ano de 2015, modificada pela autora.

As famílias removidas, ainda segundo o relato dessa moradora, foram em parte realojadas em um conjunto habitacional construído na parte baixa do Morro do Adeus, em parte recebeu indenização e foram e se instalar em outras casas de favela dentro do complexo e, uma outra parte ainda, recebe aluguel social até hoje. Em uma outra visita houve o relato de uma moradora que descreveu que por estar viajando e ausente à sua casa no período das obras de intervenção, não teve seus direitos de moradora reconhecido e perdeu tudo: a casa, todos os eletrodomésticos e bens pessoais. Outro elemento importante para entender a nova dinâmica espacial estabelecida é perceber que a sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) fica ao lado na estação do teleférico não apenas no Morro do Adeus, mas em toas as estações do Complexo. Embora esse tema da UPP não tenha sido diretamente abordado nas entrevistas, no convívio e conversas informas por mais de uma vez foi perceptível que a relação entre policiais da UPP e população local não é amistosa. 15


Figura 07: Vias contruidas pela intervenção do PAC no Morro do Adeus. Fonte: Ortofoto modificada pela autora e fotos de arquivo pessoal

Figura 08: Pracetas-mirante contruidas pela intervenção do PAC no Morro do Adeus. Fonte: Ortofoto modificada pela autora e fotos de arquivo pessoal

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A partir dessas observações acerca do contato com os moradores e de como se configuram atualmente a paisagem e o espaço do Morro do Adeus foram elaboradas algumas hipóteses e reflexões na tentativa de compreender o porquê esses espaços públicos construídos pela intervenção do PAC-favelas são pouco utilizados e não reconhecidos pela população. 4.1. Hipótese 01: Produção de espaços monumentais não condizente a escala local A intervenção do PAC no local inclui tanto a construção da estação do teleférico, e das torres de sustentação dos cabos aéreos como construção de vias e espaços livres no entorno da estação (como as pracetas mirante), e da sede da UPP ao lado da estação. Observa-se que o resultado dessa intervenção produziu espaços monumentais e voltados à lógica dos visitantes de fora e dos carros, desconectados com a lógica da escala humana preexistentes no local. Duarte (2015) descreve a diferença entre as logicas espaciais entre a favela e a “cidade do asfalto”: As frequentes comparações entre as malhas viárias da cidade e da favela costumam acentuar a baixa acessibilidade da última, sobretudo em áreas de topografia acidentada. É certo que a precariedade da pavimentação, assim como a improvisação na solução dos acessos mais íngremes, contribuem para reduzir a sua eficiência. Contudo, se tivermos em conta o corpo humano como instrumento de mediação dos espaços, a acessibilidade intrínseca do traçado urbano da favela pode revelar-se bastante satisfatória, com espaços públicos construídos para as pessoas e não para carros. Tal distinção aparece tacitamente na conhecida oposição entre ‘favela’ e ‘asfalto’. Ao identificar a cidade com o asfalto, admitimos que suas ruas largas e bem pavimentadas destinam-se preponderantemente aos automóveis. Congestionamentos, poluição ambiental, atropelamentos e colisões tornaram-se fatos corriqueiros, incorporados ao cenário ‘progressista’ da cidade do asfalto. A acessibilidade das favelas deve, portanto, ser analisada frente à generosa oferta de espaços adequados e seguros para as práticas socioespaciais cotidianas. Uma espécie de ‘inteligência corporal coletiva’, que se traduz em competência urbanística pela racionalização dos recursos disponíveis, preside a interligação das vias na favela. As articulações entre ruas, moradias e quadras criam uma ‘sintaxe espacial’ perfeitamente legível, responsável pela estruturação do seu tecido urbano.(DUARTE, 2015. p.01)

Essa sintaxe espacial foi rompida a medida que a articulação entre os elementos casa, rua e quadras é desfeita, não existe mais proximidade e articulação entre os espaços que ficam soltos, distantes e visualmente desconectados da identidade e morfologia espacial preexistente. Segundo Jane Jacobs (2009) a colocação indiscriminada de espaços livres ainda que sejam supostamente de lazer pelos urbanistas é um grave erro. Não afirma que eles não devam existir, mas a crença de que eles são benéficos em qualquer situação é errônea. Argumenta que na maioria das vezes esses espaços se tornam desertos e mal cuidados com frequente ocorrência de atos violentos. Argumenta que o espaço mais adequado para as crianças brincarem é nas calçadas próximas de suas casas onde os adultos conhecidos podem supervisionar enquanto trocam ideias informalmente com seus vizinhos, onde o lazer surge entre uma atividade e outra sem necessidade do deslocamento. Segundo a autora, espaços de lazer devem ser colocados em lugares que já são bastante movimentados em várias horas do dia, para haver presença de pessoas vigilância e cuidado com aquele espaço.

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Figura 09 e 10: Imagens demostrando a escala monumental da intervenção do teleférico em relação a escala do espaço construído da favela do Morro do Adeus.

4.2. Hipótese 02: Memoria das remoções como impeditivo de criação de sentimento pertencimento O fato de a intervenção do teleférico ter removido extenso tecido urbano de casas onde residiam amigos e familiares dos atuais moradores, provou um sentimento de que o espaço que foi implantado no lugar dessas remoções não foi feito para aquela comunidade de pessoas que se encontram ligadas por essa rede invisível de laços afetivos. De fato, muitas famílias que antes residiam no morro do Adeus deixaram de residir, foram ‘removidas’. Nesse sentido, existe a possibilidade de a memória coletiva do espaço se ressentir, consciente ou inconscientemente, dessas remoções.

Figura 11: C pela interve

Figura 11: Ilustrações em quadrinhos acerca da instalação do teleférico no Morro da Providencia demostrando o caráter remocionista das instalações dos teleféricos nas favelas cariocas. Autoria: Rafael Dias Fonseca. Fonte: FONSECA, 2015.

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O fato de ter sido verificado que as remoções realizadas ultrapassam o que seria o “estritamente necessário” para implantar a estação do teleférico, aponta para a possibilidade de que nessa intervenção, apesar de ter sido realizada sob o discurso da urbanização, ainda seria uma ação fortemente influenciada pela mentalidade higienista e remocionista que marcou a maior parte da história das intervenções em favelas. No Brasil e no Rio de Janeiro ainda é muito presente no imaginário coletivo e nas políticas públicas a visão estigmatizada de que as favelas deveriam ser exterminadas e substituídas por conjuntos habitacionais dentro da lógica funcionalista e higienista urbanismo moderno. A ideia da urbanização defendida pelos movimentos sociais e legitimadas legalmente pelo Estatuo da Cidade (lei n 10.257 , 2001) se opõe a ideia da remoção reivindicando melhorias na infra-estrutura urbana nos próprios locais das favelas. Existe, nesse sentido, a possibilidade da melhoria habitacional dentro da favela, acompanhada da regularização fundiária, valorizando o investimento pessoal das famílias em suas casas, a identidade das famílias com suas residências e as redes de afetividades construída ao longo de anos. 4.3. Hipótese 03: Criação de espaços de controle policial como inibidor da espontaneidade no uso do espaço público. A instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) conjuntamente com as intervenções urbanas fazem parte de uma estratégia de estabelecimento de uma nova ordem de poder que busca se sobrepor a ordens de poder não oficiais. A omissão do poder público durante décadas, tornaram as favelas no Rio de Janeiro espaços onde o tráfico de drogas encontrou possibilidade de articulação, ainda que a maior parte dos moradores nada tenha haver com o tráfico estabelecido. No contexto de guerra ás drogas, as políticas urbanas aliam intervenção urbana a ações policiais que buscam exercer uma nova ordem de poder e controle no local. Dessa forma, os espaços resultantes das ações urbanizadoras, nesse contexto, se tornam espaços de “panóptico” potencialmente opressores em que a polícia quase nunca possui uma boa relação com a população. Em grande parte das vezes a visão da polícia está impregnada da visão estigmatizada de que qualquer morador favelado é potencialmente um bandido, envolvido com o tráfico, não sendo raro as situações de violação de direitos humanos, abuso do poder e assassinato de moradores inocentes por policiais. Na história da prática do urbanismo, a criação de espaços vazios em tecidos urbanos anteriormente densos com a finalidade (velada ou declarada) de geração de espaços de controle e poder bélico sob a justificativa da salubridade e beleza da cidade não é uma novidade: “O urbanismo de Hausmam, homem desse estado bonapartarista que erige sobre a sociedade afim de trata-la cinicamente (e não apenas como a arena) das lutas pelo poder, substitui as ruas tortuosas mais vivas por longas avenidas, os bairros sórdidos mais animados por bairros aburguesados. Se ele abre boulevards, se arranja espaços vazios, não é pela beleza das perspectivas. É para “penetrar Paris com as metralhadoras” (LEFEBVRE, 2001, p. 23)

Na citação acima, Lefebvre faz refletir sobre o autoritarismo que estava por traz do urbanismo haussmaniano da França bonapartarista, justificado pela beleza e progresso dos boulervards parisienses. Embora o celebre marco da gestão de Pereira Passos no início dos anos 1900 tenha sido o exemplo mais clássico da aplicação desse pensamen19


to urbanístico embelezador e higienista, não se pode considerar que essa forma agir e pensar a cidade tenha sido completamente superada. Principalmente quando se trata de projetos de urbanização de favelas, em que o Estado por décadas esteve omisso. Assistimos nessa última década a busca do Estado de disputar poder e se sobrepor a ordens de poder não oficiais nas favelas. Esse objetivo tem sido posto em prática, em garante parte, através da intervenção urbanística e de ações policiais justificadas pela “guerra contra as drogas.” A preconceituosa e desinformada associação entre violência e favela constitui um grande obstáculo na busca de soluções eficazes e duradouras para o problema. O longo aprendizado acumulado pela cidade demonstra o equívoco representado pela ideia de que para se acabar com o narcotráfico se faz necessário eliminar as favelas ou, ainda, que será possível combater a desigualdade social com a força policial e a construção de novos presídios de segurança máxima. Os moradores das favelas são, ao contrário, os maiores interessados no fim da violência, já que constituem o segmento da população mais diretamente atingido por suas conseqüências nefastas. Tal condição faz destas populações nossos principais aliados na luta contra a violência perpetrada não apenas pelo tráfico de drogas e armamentos, mas também e sobretudo, pelo próprio sistema econômico. (DUARTE, 2010, p.70)

Na Citação acima, Duarte (2010) aponta para uma provável relação entre a reedição das políticas remocionistas aliadas a políticas de controle policial ligadas a guerra ao tráfico a partir da reafirmação do imaginário preconceituoso e estigmatizado do ambiente e da população da favela. O autor sugere uma mudança de paradigma em relação ao enfrentamento da problemática da violência urbana. Aponta, nesse sentido, que a população da favela, em sua maioria desvinculada das atividades do tráfico, como possível e principal aliada para combate da violência urbana. Se o lucrativo mercado de drogas se instala no território das favelas (espaços preexistentes a essa lógica) certamente foi pela negação de direitos dessa população e ausência/omissão do estado para com esses espaços físicos e sociais. A insistência da ação do poder público com a lógica de negação de direitos tende a agravar a problemática. Nesse caso negando inclusive o direito primordial à vida de sujeitos condenados à pena de morte sem qualquer julgamento, produzindo uma condição anômala do constante estado de exceção já naturalizado nas favelas cariocas. Nesse sentido, a máxima do ditado popular de que “violência só gera mais violência” se faz presente na realidade comprovada. Faz-se necessário chamar a atenção que muitos desses óbitos de crianças e adultos, em grande parte negros, são arbitrários, não havendo nenhuma comprovação de ligação dessas pessoas com a atividade criminosa. Ainda que houvesse, a pena de morte é considerada inconstitucional no Estado de Direito brasileiro. A figura 12 a seguir ilustra a forma como no imaginário da população existe uma associação direta entre a instalação do teleférico no Complexo do Alemão com a violência policial criminosa a partir da inserção das UPP´s. A charge aborda o caso de uma criança de dez anos morta arbitrariamente na porta de sua casa a tiro de fuzil na cabeça por um policial militar em abril de 2015, após 100 dias seguidos e ininterruptos de tiroteios no Complexo. A alusão de caixões circulando como se fossem as cabines do teleférico que se direcionam à estação em forma de caveira deixa claro a ideia de que a violência policial, a instalação do teleférico e das Unidades de Polícia Pacificadora estão diretamente relacionados na percepção do espaço pelos moradores. A figura 13 demonstra a como a população entende o poder Estatal na favela, que não entra no sentido de prover direitos, mas sim para apontar a arma na cabeça da população. Pinheiro (2016, p.230), ressignificou ironicamente a sigla UPP para “Unidade de Porrada nos Pretos”. 20


Figura 12: Charge acerca da morte do menino Eduardo Ferreira. Autoria: Carlos Latuf. Fonte: <http://consciencia.net/hoje-o-eduardo-foi-morto-no-complexo-do-alemao/> acesso em: 23/10/2016 Figura 13: Charge acerca da repressão policial nas favelas e a estatização do jovem favelado. Autoria: Carlos Latuf. Fonte: <http://www.imparesonline.com.br/2013/09/seguranca-publica-ou-guerra-contra.html> acesso em: 23/10/2016

4.4. Hipótese 04: Intenção de tornar o Morro do Adeus um ponto turístico. No contexto da globalização, a cidade do Rio de Janeiro se insere em um cenário competitivo de disputa por investimentos e pela busca de afirmação e reafirmação da cidade como um dos principais destinos turísticos no âmbito nacional e internacional. Nesse sentido, a escolha da cidade como sede dos megaeventos Copa do Mundo e Olimpíadas acirrou ainda mais os processos de transformações urbanas voltadas para a produção de espaços que possam ser consumidos pelo público turístico. Nos últimos anos, o cenário da favela tem sido divulgado e vendido como cenário exótico e berço da rica diversidade cultural brasileira, sendo crescente os pacotes de passeios turísticos às favelas. A paisagem do Complexo do Alemão composta pelas casas nas encostas e por uma parte do maciço da Serra da Misericórdia ainda preservado, como pano de fundo, se torna bastante impressionante e atraente. É bastante provável que a construção do teleférico no Complexo do Alemão tenha tido a pretensão de promover o lugar como mais um importante ponto turístico da cidade. A manchete a seguir publicada em julho de 2015 pelo site de notícias da UOL aponta para a confirmação que o teleférico tinha sim o interesse em promover o turismo no local.

Figura 14: manchete UOL notícias. Charge acerca da morte do menino Eduardo Ferreira. Fonte: <http:// noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/07/05/deficitario-teleferico-no-alemao-rj-e-visto-com-desinteresse-apos-4-anos.htm#fotoNav=4> acesso em: 23/10/2016.

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Ainda que a imagem vendida e idealizada pelo turismo seja de uma possível troca cultural entre os visitantes e a população, a forma como a intervenção do PAC foi implantada é a negação dessa possibilidade. A intervenção realizada favorece uma forma de turismo que exotiza o espaço da favela e desrespeita a população. O visitante não entra em contato com o ambiente social da favela, ao contrário, de dentro de uma capsula fechada (cabine do teleférico) distanciada de 20 metros do chão o outsider avista as casas, devassando a intimidade das pessoas do alto. Todo o espaço de visitação (entorno das estações do teleférico) são espaços de extremo controle e coibição da população local pela UPP sediada na vizinhança imediata das estações de teleférico. Pinheiro (2016) pesquisador do instituto Raízes em Movimento e morador do Complexo atenta para um “turismo de zoológico humano” e nega que o teleférico tenha sido implantado para mobilidade favelada. Esse caráter da intervenção sinaliza para uma lógica de imposição de interesses externos ao lugar, não tento como princípio a melhoria da qualidade de vida local, mas sim a subordinação da lógica local a uma lógica externa e global de produtificação dos espaços. O fato de o Morro do Adeus ser a primeira parada do circuito de cinco estações, torna ainda mais provável essa hipótese. A lógica de construção do projeto implantado, em que várias casas foram removidas para dar lugar a vazios contemplativos compostos por pracetas-mirante valorizando as belas visuais do local, tornam ainda mais evidente essa lógica exógena. Esse caráter da intervenção sinaliza para uma lógica de imposição de interesses externos ao lugar, não tento como princípio a melhoria da qualidade de vida local, mas sim a subordinação da lógica local a uma lógica externa e global de produtificação dos espaços. O fato de o Morro do Adeus ser a primeira parada do circuito de cinco estações, torna ainda mais provável essa hipótese. A lógica de construção do projeto implantado, em que várias casas foram removidas para dar lugar a vazios contemplativos compostos por pracetas-mirante valorizando as belas visuais do local, tornam ainda mais evidente essa lógica exógena. Lefebvre chama a atenção para essa nova ordem urbana global a qual a cidade contemporânea pós industrial se submete em que a obra é substituída pelo produto, o valor de uso é substituído pelo valor de troca. “a cidade e a realidade urbana dependem do valor de uso. O valor de troca e a generalização da mercadoria pela industrialização tendem ao destruir, ao subordiná-las a si”.(LEFEBVRE, 2001, p. 14). O autor coloca ainda: Através das diversas tendências esboça-se uma estratégia global (isto é, um sistema unitário e urbanismo já total). Uns farão entrar para prática e concretizarão em ato a sociedade de consumo dirigida. Construirão não apenas centros comerciais como também centros de consumo privilegiados: a cidade renovada. Imporão, tornando-a legível, uma ideologia da felicidade através do consumo, a alegria através do urbanismo adaptado à sua nova missão. (...) Todas as condições se reúnem assim para que exista uma dominação perfeita para uma exploração apurada das pessoas, ao mesmo tempo como produtores, como consumidores de produtos, como consumidores de espaço. (LEFEBVRE, 2001, p. 33-33)

Pelo visto a lógica do espaço construído para ser consumido sobe os morros cariocas. Nesse caso o que está sendo vendido não é exatamente o Morro do Adeus ou o Complexo do Alemão, mas a cidade do Rio de Janeiro como um todo, dentro de uma estratégia orquestrada a várias outras ações que buscam promover turisticamente a cidade dita “maravilhosa”. Como a criança moradora em sua perspicácia juvenil percebeu, “essas praças foram construídas para as pessoas que chegam de fora, não para a gente”. 22


O objetivo de tornar as paradas do teleférico do Complexo do Alemão pontos turísticos da cidade nunca se consolidou devido os crescentes conflitos e tiroteios no local envolvendo facções criminosas e policiais, provando que as unidades policiais instaladas nada tiveram de pacificadoras. Uma intervenção que desse prioridade ao valor de uso do espaço seria, nesse caso, através de uma urbanização pensada a partir das necessidades locais, respeitando as preexistências, considerando e dialogando com morfologia espacial existente no local. 4.5. Hipótese 05: Geração de vazio de usos e consequente destruição da urbanidade. A remoção de todo o tecido urbano de casas e comércios no topo do Morro do Adeus para instalação da estação do teleférico e espaços livres em seu entorno provocou um enorme vazio de usos nessa porção de cota mais alta. Tornou o espaço monofuncional sem a diversidade de usos que existia anteriormente. Os usos do equipamento teleférico não são suficientes para dar vida ao local. Dentro da estação do teleférico atualmente funciona apenas um banco e banheiros públicos embora existam algumas salas vazias. O projeto inicial previa a construção também de uma biblioteca que jamais foi implantada. Vale esclarecer de forma sucinta nesse tópico o que viria a ser o conceito de urbanidade. Embora haja diferentes abordagens pelos autores, de uma forma geral, o termo urbanidade a maioria das vezes está relacionada a vitalidade urbana caracterizada por espaços públicos cheio de pessoas transitando e realizando trocas e interações sociais. Essa qualidade de urbanidade é mensurada e enfatizada pelos autores sob diferentes aspectos: o quão as pessoas se sentem seguras (Jacobs, 2009 ; Andrade, 2010), o quão se sentem acolhidas pela escala dos lugares (Gehl, 2012) , o quão se sentem à vontade e convidadas a interagir socialmente no espaço (Andrade, 2010; Jacobs; 2009) e o quão o espaço público é capaz de promover a convivência passiva ou ativa de pessoas de diversos interesses, idades e origens sociais (Holanda, 2010; Figueiredo, 2010). Segundo Jacobs, a diversidade de usos é uma das características mais essenciais para vitalidade urbana e qualidade do espaço: (...) Nas cidades precisamos de todos os tipos de diversidade, intrinsecamente combinados e mutuamente sustentados. Isso é necessário para que a vida urbana funcione adequada e construtivamente, de modo que a população das cidades possa preservar (e desenvolver ainda mais) a sociedade e a civilização. (...) (JACOBS, 2009, p.267) Para compreender as cidades, precisamos admitir de imediato, como fenômeno fundamental as combinações ou misturas de usos, não os usos separados.(...) (JACOBS, 2009, p.158)

Essa hipótese considera que a destruição dos usos urbanos no topo do Morro do Adeus combina duas ideologias e práticas urbanísticas que podem ter influenciado a intervenção. Uma seria ideologia remocionista (quanto mais remover/limpar melhor) já mencionada anteriormente nesse texto. Essa estaria relacionada a um outro pensamento urbanístico que no Brasil ganha grande importância a partir dos anos 1930, seria a teoria do urbanismo moderno, tendo um de seus teóricos o arquiteto francês Le Corbusier que influenciou e influencia até hoje a maior parte dos planos diretores das cidades e das escolas de arquitetura e urbanismo do país. Um dos principais e mais desastrosos pilares do movimento moderno de urbanismo é o zoneamento funcional que propõe a separação espacial entre lazer, habitação, circulação e usos comerciais e institucionais. 23


Duarte (2006) faz uma crítica ao zoneamento funcional, sobretudo à separação dos espaços de lazer dos outros espaços apontando para “impossibilidade de se pensar o tempo livre como uma entidade autônoma, desligada dos tempos da vida cotidiana” como ocorre no tecido da cidade tradicional (pré-industrial) que o pensamento moderno busca desconstruir. A monofuncionalidade do espaço resultante da intervenção em questão, aliadas a todos os outros fatores já mencionados tornam os espaços públicos livres construídos em torno da estação do teleférico do Morro do Adeus subutilizados e pouco reconhecidos pela população local. Nesse sentido, considera-se relevante considerar em projetos de urbanização de favelas a manutenção da diversidade de usos próximos e integrados aos espaços livres públicos. A recente paralisação do funcionamento do teleférico no dia quatorze de outubro de 2016 torna o espaço ainda mais vazio e obsoleto. O fechamento das estações ocorreu devido à falta de pagamento do Estado para o consorcio Rio Teleféricos desde abril e, até o presente momento, não há previsão de retorno. 4.6. Diretrizes iniciais de projeto a partir da problematização As hipóteses acima formuladas buscam lançar questões em relação ao contexto de urbanização de favelas hoje, refletidas na intervenção estudo de caso do Morro do Adeus. Através da análise do espaço e do contato com os moradores, lança-se a hipótese síntese de que a urbanização promovida pelo PAC no local ainda está fortemente ligada a uma ideologia higienista, de remoção e da valorização de espaços monumentais em detrimento da valorização e diálogo com a sintaxe e morfologia espacial da favela, atendendo a logicas exógenas ao lugar como o turismo e a visibilidade externa da mega infraestrutura implantada. Para além de reconhecer que é importante fortalecer e consolidar as políticas de urbanização de favelas é essencial observar que lógicas estão sendo impressas nessas intervenções, e em que medida essas intervenções estão contribuindo de fato para a melhoria da qualidade de vida dos moradores. Para alcançar o Direito a Cidade enunciado por Levebvre (2001), a cidade sobretudo os espaços públicos, devem ser o lugar do encontro dos diferentes, da festa.

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A intervenção de urbanização associado a criação vazios monumentais, monofuncionais e que ainda se tornam espaços de controle policial, muitas vezes vem a destruir a urbanidade preexistente e impedem que através da intervenção possa florescer a vida urbana nos espaços públicos da favela. Com base nessa análise inicial, apontamos para algumas diretrizes que deverão ser aprofundadas na dissertação-projeto em questão, como caminhos possíveis para o avanço do campo teórico projetual no tema de urbanização de favelas: 1. A intervenção deve dialogar com a lógica, escala e morfologia urbana da favela; 2. Os espaços livres públicos devem ter relação de proximidade e conexão a usos diversos e cotidianos; 3. Os espaços livres públicos devem promover a liberdade para manifestações culturais e trocas sociais, jamais devem se tornar espaços de controle da população; 4. A lógica da intervenção deve atender prioritariamente a necessidades endógenas do local, devendo ser respeitado valor de uso legitimo da população; 5. As intervenções devem prezar pela permanência da população e melhoria da qualidade de vida (e qualidade da habitação) no local, buscando a remoção zero. 6. As intervenções em favelas devem sempre vir no sentido de ampliar direitos, minimizar estigmas e melhorar a qualidade de vida da população. 7. Os usos diversos preexistentes, para além do uso habitacional, devem ser reconhecidos, mantidos, incentivados e incorporados à lógica da intervenção. (Como por exemplo: comércios, serviços, templos religiosos, etc) 8. Promover a continuidade do tecido urbano, respeitando a morfologia da paisagem favelada e inserindo, na escala local, espaços públicos de qualidade que possam promover o encontro e as práticas sócio-espaciais cotidianas.

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5. OBJETIVOS 5.1. Objetivo Geral: Contribuir na investigação metodológico-projetual no tema de urbanização de favelas, admitindo a importância de reconhecer e integrar os padrões morfológicos e dinâmicas culturais do espaço da favela. 5.2. Objetivos específicos: 1. Tendo o Morro do Adeus como estudo de caso, desenvolver um estudo sobre os espaços públicos do local, considerando o contato com a população no sentido de aliar a investigação empírica à reflexão teórica. 2. Analisar das intervenções já realizadas nos espaços públicos pelo PAC, como a população as reconhece, quais os reais ganhos ou perdas no tocante a qualidade de vida da população. 3. Avançar no reconhecimento das dinâmicas e padrões específicos de construção e sociabilidade das favelas, com a possibilidade de incorporação dessas dinâmicas ao projeto; 4. Desenvolver um ensaio projetual para o Morro do Adeus, considerando as reflexões teóricas e analíticas previamente investigadas e buscando construir estratégias para mitigação dos impactos negativos produzidos pela intervenção do PAC no local.

6.ESTRUTURA METODOLÓGICA Esse trabalho tem como proposta metodológica a interação direta entre conhecimento acadêmico e o trabalho e vivência em campo. Como ponto de partida da realização da dissertação-projeto, propõe-se a o aprofundamento do referencial teórico e metodológico bem como a busca de referências projetuais que dialogam com os conceitos e critérios lançados pelos autores investigados na estrutura teórica. A dissertação propõe aprofundar as reflexões teóricas através de duas abordagens: a) O aprofundamento na análise da intervenção recente realizada pelo PAC (Programa de Aceleração do crescimento) ocorridas entre os anos 2008 e 2010 acompanhadas da instalação do teleférico. B) Elaboração de um ensaio projetual no Morro do Adeus a partir da sua realidade atual, buscando ao máximo utilizar o projeto urbano também como ferramenta de construção teórica enlaçada à realidade. Nesse sentido, o trabalho se desenvolverá em oito etapas: 1. Revisão Bibliográfica e Pesquisa documental; 2. Análise do espaço resultante da intervenção do PAC; 3. Pesquisa de Campo; 4. Sistematização dos dados coletados; 5. Elaboração de propostas iniciais; 6. Apresentação à comunidade; 7. Elaboração de plano e ensaio projetual da dissertação; 8. Escrita e edição da dissertação-projeto. 26


Como estudo de caso, o Morro do Adeus foi escolhido para ser o objeto de análise e projeto que guiará as reflexões teórico-projetuais propostas com essa dissertação. Nesse sentido, faz-se necessário uma pesquisa documental desse espaço na cidade, através da busca de mapas e documentos ajudem a entender tanto a realidade espacial atual como as transformações que ocorreram ao longo do tempo, sobretudo na última década em que o poder público através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) realizou uma significativa intervenção acompanhada da instalação de uma estação de teleférico, remoção de várias unidades habitacionais e implantação de novas vias e alguns espaços livres públicos. Nessa etapa também está prevista a análise da legislação urbanística incidente na área tanto a nível federal (Estatuo da Cidade), como a nível municipal (Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro).

A pesquisa de campo, já iniciada, buscará através do contato com a população e com paisagem urbana compreender melhor a realidade atual e as demandas reais da população. Esse contato deverá ocorrer tanto através da observação participativa, como de conversas (entrevistas informais) com atores sociais comuns e figuras públicas locais. A partir desse contato, as análises e propostas iniciais deverão ser elaboradas e levadas para apresentação e debate com população local com o objetivo tanto de compartilhar os conhecimentos e dados coletados, como gerar ambiente de reflexão conjunta acerca do tema. Pretende-se gerar assim ambiente favorável a troca de saberes com o objetivo de incorporar a dissertação-projeto as questões debatidas coletivamente.

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Na primeira etapa do estudo de campo pretende-se realizar: 1. A observação participativa, em que a pesquisadora vivencia o local e observar suas relações; 2. Realização de entrevistas qualitativas informais; 3. Caminhadas pela favela do Adeus com moradores locais buscando apreender a relação de afeto/identidade que esses possuem ou não com os lugares e como interpretam as modificações realizadas pelas intervenções nos últimos anos; 4. Identificação do perfil sociocultural da população local; 5. Identificação de pessoas chave para realização de debate posterior (figuras públicas e população comum disposta a contribuir e participar da pesquisa) e, em última instância, 6. Legitimação da presença da pesquisadora no local e dos conhecimentos produzidos a partir dos vínculos de confiança e colaboração construídos a partir da convivência e troca de saberes. Nesse primeiro momento de pesquisa de campo também serão importantes o levantamento fotográfico, anotações em campo, compreensão da estrutura morfológica do lugar (topografia, vegetação, insolação, forma urbana etc), bem como aspectos da estrutura e dinâmica social dos moradores entre si e em sua relação com os espaços públicos existentes. A etapa inicial de observação participativa já foi iniciada pela pesquisadora acompanhada de seu orientador (DUARTE, C.F.) desde o mês de abril de 2016 até o momento atual. Nessa pre-pesquisa de campo verificou-se ambiente amigável e propicio para realização dessa pesquisa. Ao nos identificarmos como pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro e explicar brevemente os objetivos da pesquisa, alguns moradores já se disponibilizaram a colaborar e demostraram interesse em participar de futuras reuniões que abordassem o tema dos espaços públicos do Morro do Adeus. O segundo momento de pesquisa de campo será a apresentação das análises e propostas iniciais de projeto à comunidade do Morro do Adeus. Essa etapa consiste na realização de uma ou mais reuniões com os moradores. A apresentação das análises e propostas iniciais de projeto pretende gerar um debate construtivo e reflexivo a respeito dos espaços livres públicos do lugar onde vivem. Levando em consideração as questões levantadas nessa segunda etapa de pesquisa campo, pretende-se reelaborar as propostas iniciais incorporando o conhecimento construído coletivamente. Assim como a pesquisa de campo, a etapa de elaboração projetual ocorrerá também em dois momentos. Em um primeiro momento, a proposta levará em consideração tanto os conceitos e reflexões proporcionados pelo referencial teórico, como os dados levantados pela pesquisa documental e pesquisa. Após a reunião de apresentação da proposta inicial e debate com moradores, uma segunda etapa de projeto se inicia, levando em conta as novas informações coletadas a partir do debate que a proposta inicial fomentará. A partir de então se encaminhará a finalização textual e gráfica do trabalho objetivando concluir a dissertação projeto.

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Cronograma

2016

NOV

DEZ

1- Revisão Bibliográfica e Pesq. Documental 2- Análise da intervenção do PAC 3- Pesquisa de Campo 4- Sistematização de dados coletados 5- Elaboração de Proposta Inicial 6- Apresentação à comunidade 7- Reformulação de proposta 8- Finalização e edição da dissertação 9- Apresentação e defesa da dissertação

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JAN

FEV

2017

MAR

ABR


7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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