teste diagramação TCC2

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA FAUeD

LAIZA DA CUNHA ALEXANDRE Trabalho de Conclusão de Curso 2 Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Orientação: Claudia dos Reis e Cunha

UM NOVO OLHAR PARA O ABRIGO: proposta de uma Instituição de acolhimento para crianças e adolescentes em Uberlândia-MG.

Uberlândia, dezembro de 2015.

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DEDICATÓRIA

Lista de figuras

À todas as crianças que, em nossa sociedade, mais que esquecidas, são ignoradas.

- Figura 01: Planta baixa e vista das celas da casa de correção San Michele ......................................................................................................................... 11 - Figura 02: Distribuição das instituições segundo regiões ................ 13 - Figura 03: Distribuição dos abrigos pelas características do atendimento, segundo faixa etária .......................................................................... 13 - Figura 04: Motivos do ingresso de crianças e adolescentes em abrigos, segundo frequência ...................................................................................... 14 - Figura 05: Número de crianças em instituições no Brasil ................. 14 - Figura 06: Mapa de localização dos abrigos de Uberlândia-MG ..... 16 - Figura 07: Fachada principal do abrigo Carol ......................................... 17 - Figura 08: Localização da instituição ......................................................... 17 - Figura 09: Croqui planta de setorização .................................................. 18 - Figura 10: Núcleo Servos Maria de Nazaré ............................................. 18 - Figura 11: Croqui de implantação do Núcleo ............................................ 19 - Figura 12: Localização do Núcleo ................................................................. 19 - Figura 13: Croqui planta de setorização ................................................... 19 - Figura 14: Vista do pátio ................................................................................ 20 - Figura 15: Ala do dormitório .......................................................................... 20 - Figura 16: Diagrama de relações biunívocas entre comportamento espacial ....................................................................................................................... 23 - Figura 17: Brincadeiras em áreas externas ............................................ 24 - Figura 18 e 19: Ambientes convidativos a permanência ..................... 24 - Figura 20: Corredor utilizado como mural ................................................ 24 - Figura 21: Espaço de encontro acolhedor ................................................. 24 - Figura 22 e 23: Orfanato de Amsterdam ................................................. 25 - Figura 24: Planta de setorização ................................................................ 25 - Figura 25: Localização dos dormitórios por faixa etária .................. 25 - Figura 26: Análise público x privado .......................................................... 25 - Figura 27 e 28: Pátio interno ....................................................................... 26 - Figura 29 e 30: Cobertura e iluminação zenital ................................... 26 - Figura 31: Espaços para brincadeiras e descobertas ........................ 27 - Figura 32 e 33: Área de convivência que vira piscina quando chove ........................................................................................................................................ 27

- Figura 34, 35 e 36: Espelho e materiais adicionados à construção que despertam o interesse e a brincadeira ............................................... 27 - Figura 37: Casa de acolhimento de menores em Dinamarca .............. 27 - Figura 38: Representação das formas geométricas de casa e sótão .. ........................................................................................................................................ 28 - Figura 39: Implantação do lar ....................................................................... 28 - Figura 40 e 41: Setorização da planta do térreo e 1º pavimento ... 28 - Figura 42 e 43: Espaços convidativos e perceptivos ......................... 28 - Figura 44: Localização do terreno ............................................................. 32 - Figura 45: Análise insolação ......................................................................... 32 - Figura 46: Vista do terreno ......................................................................... 32 - Figura 47: Topografia e corte ..................................................................... 32 - Figura 48: Mapa de equipamentos próximos ao terreno .................. 33 - Figura 49: Mapa de proximidade ................................................................. 34 - Figura 50, 51 e 52: Vistas do terreno ..................................................... 35 - Figura 53, 54 e 55: Vistas do entorno imediato ao terreno ......... 35 - Figura 56: Fluxograma dos setores ........................................................... 37 - Figura 57: Fluxograma dos ambientes x setores ................................ 38 - Figura 58: Análise do terreno com proposições projetuais ............ 39 - Figura 59: Croqui primeiros estudos de implantação ......................... 39 - Figura 60, 61, 62 e 63: Croquis primeiros estudos de implantação.. 40 - Figura 64: Cortes AA e BB ........................................................................... 43 - Figura 65: Cortes CC e DD ............................................................................ 44 - Figura 66: Croqui espaços de transição .................................................. 45 - Figura 67: Croqui distribuição dos dormitórios por faixa etária .. 46 - Figura 68: Croqui espaço de convívio ......................................................... 46 - Figura 69 e 70: Croqui perspectivas do abrigo ....................................... 47 - Figura 71: Croqui paraça seca ...................................................................... 48 - Figura 72: Croqui brinquedoteca e teatro integrado a área verde.. 48 Lista de tabelas - Tabela 01: Espaços mínimos sugeridos .................................................... 31


- Figura 01: Planta baixa e vista das celas da casa de correção San Michele ......................................................................................................................... 11 - Figura 02: Distribuição das instituições segundo regiões ................ 13 - Figura 03: Distribuição dos abrigos pelas características do atendimento, segundo faixa etária .......................................................................... 13 - Figura 04: Motivos do ingresso de crianças e adolescentes em abrigos, segundo frequência ...................................................................................... 14 - Figura 05: Número de crianças em instituições no Brasil ................. 14 - Figura 06: Mapa de localização dos abrigos de Uberlândia-MG ..... 16 - Figura 07: Fachada principal do abrigo Carol ......................................... 17 - Figura 08: Localização da instituição ......................................................... 17 - Figura 09: Croqui planta de setorização .................................................. 18 - Figura 10: Núcleo Servos Maria de Nazaré ............................................. 18 - Figura 11: Croqui de implantação do Núcleo ............................................ 19 - Figura 12: Localização do Núcleo ................................................................. 19 - Figura 13: Croqui planta de setorização ................................................... 19 - Figura 14: Vista do pátio ................................................................................ 20 - Figura 15: Ala do dormitório .......................................................................... 20 - Figura 16: Diagrama de relações biunívocas entre comportamento espacial ....................................................................................................................... 23 - Figura 17: Brincadeiras em áreas externas ............................................ 24 - Figura 18 e 19: Ambientes convidativos a permanência ..................... 24 - Figura 20: Corredor utilizado como mural ................................................ 24 - Figura 21: Espaço de encontro acolhedor ................................................. 24 - Figura 22 e 23: Orfanato de Amsterdam ................................................. 25 - Figura 24: Planta de setorização ................................................................ 25 - Figura 25: Localização dos dormitórios por faixa etária .................. 25 - Figura 26: Análise público x privado .......................................................... 25 - Figura 27 e 28: Pátio interno ....................................................................... 26 - Figura 29 e 30: Cobertura e iluminação zenital ................................... 26 - Figura 31: Espaços para brincadeiras e descobertas ........................ 27 - Figura 32 e 33: Área de convivência que vira piscina quando chove ........................................................................................................................................ 27

“Garantir o direito à sobrevivência é fundamental, mas é só o primeiro passo. Ninguém quer apenas sobreviver”. (Pedro Demo, 2000, p. 20)


SUMÁRIO 1. Introdução e justificativa ....................................................................... 09 2. Panorama histórico: dos primeiros abrigos à instituição de

de acolhimento ............................................................................................ 09

2.1. Surgimento e derivações no tempo ............................................ 09

2.2. As modalidades dos serviços de acolhimento ....................... 12

2.3. Contexto atual de crianças e adolescentes em abrigos ... 12

2.4. Cenário de Uberlândia-MG .............................................................. 15 3. O espaço como elemento de formação identitária ....................... 21

3.1. Desenvolvimento ecológico e psicologia ambiental ............... 21

3.2. A ludicidade como instrumento pedagógico na concepção do espaço .............................................................................................. 23

3.3. Instituições referenciais ................................................................. 25 4. A cidade e a proposta ............................................................................. 29

4.1. Recomendações do Conselho dos direitos da criança e do

adolescente .......................................................................................... 29

4.2. O terreno e seu estudo de viabilidade ................................... 32

4.3. Definição do programa de necessidades .................................. 36

4.4. Processo projetual .......................................................................... 39 “Garantir o direito sobrevivência é fundamental, mas é só49 5. Considerações finais à................................................................................ o primeiro passo. Ninguém quer apenas sobreviver.” Pedro 6. Referências e fontes consultadas ....................... 51 Demo, 2000,bibliográficas p. 20.

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1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA

A orfandade, o abandono de menores, e sua exposição em situações de risco de vida e vunerabilidade social, são fatos ocorrentes desde a antiguidade. Diariamente, inúmeros bebês são deixados logo ao nascerem, sejam em maternidades, bueiros ou portas de casas. Já as queixas e denuncias de maus tratos são crescentes. Com o passar do tempo, surgiram políticas públicas e programas de proteção, porém, a problemática da institucionalização de crianças e adolescentes foi fundamentada na vigilância e repressão, demonstrando graves consequências no desenvolvimento psicológico, afetivo e cognitivo dos abrigados. Mais recentemente, no Brasil, os programas vêm sofrendo transformações norteadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990) e pela Lei Orgânica da Assistência Social- LOAS (1993). A partir do ECA, a proteção integral foi conquistada, a fim de proporcionar desenvolvimento físico, psicológico e social pleno. Dentre as diversas modalidades de atendimento, criou-se a medida de abrigamento, serviço que oferece acolhimento provisório para crianças e adolescentes de ambos os sexos afastados do convívio familiar por meio de medida protetiva de abrigo (ECA, 1990, Art. 101). Dessa forma, o Estado assume o papel da família na transmissão dos valores de cidadania, promovendo o direito à saude, educação, moradia e alimentação dos menores. Apesar disso, em sua maiora, “o ambiente e tal lógica de atendimento, ainda aceito socialmente, desqualifica os usuários e suas famílias; não respeita a individualidade, as potencialidades nem a história do usuário; não preserva os laços familiares e comunitários; revitimiza, ao invés de reparar; viola direitos, ao invés de proteger “ (Orientações técnicas: serviços de acolhimento para crianças e adolescentes, 2009, p. 04).

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A formação do ser humano está diretamente relacionada com o conhecimento que este obtém durante sua vida, sendo que nos primeiros anos é onde se constrói o seu caráter. O lar interfere em grande medida no desenvolvimento do indivíduo, que passa neste local a maior parte de seu tempo. Portanto, o objetivo deste trabalho é revisar e repensar os abrigos contemporâneos, observando os elementos do ambiente que interferem na adaptação, apropriação e identificação do local, para que estes abrigos, além da assistência às necessidades básicas, sejam lugares de qualidade propícios para a (re)construção de impressões e sentimentos originados no dia-a-dia de um lar livre de barreiras físicas e principalmente, sociais. Neste trabalho, nota-se também a oportunidade de discutir a temática da habitação contemporânea, pois a casa por integrar o primeiro grupo de edifícios, pode ser considerada o ponto de partida de todo o pensamento sobre o espaço construído. “A casa – lugar do indivíduo e obra primeira da referência existencial – reúne diretrizes igualmente válidas para o espaço público, que pode ser entendido como o lugar de uma comunidade” (FELIPPE, Maíra Longhinotti, 2010, p. 01).

2. PANORAMA HISTÓRICO: DOS PRIMEIROS ABRIGOS À INSTITUIÇÃO DE ACOLHIMENTO 2.1. Surgimento e derivações no tempo .............................................................. O conceito de família bem como o de infância sofreram mudanças com o tempo. No passado, a infância não era reconhecida tal como hoje, não havia práticas e estudos direcionados a esta idade. Eram apenas pessoas menores distinguidas dos adultos pelo seu tamanho. “Até por volta do século XII, a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la; é difícil acreditar que essa ausência se devesse à falta de habilidade ou de competência. Parece mais provável que a infância não tivesse lugar naquele mundo” (ARIÈS, 1973, p. 23).

Somente a partir do final do século XVII, considerou-se que a criança não estava pronta para entrar na vida adulta e que deveria enfim, seguir um regime especial. Porém, neste período a família não possuía o ofício de ensinar ou transmitir valores às crianças, nem mesmo afetiva. O abandono era uma prática comum no ocidente, especialmente em casos de pobreza ou doenças. O infanticídio (assassinato de recém-nascidos) e aborto eram praticados diariamente. “Mesmo que a lei determinasse que as crianças livres não poderiam tornar-se escravas, muitas das enjeitadas tinham esse final, assim como poderiam ser prostituídas, irem para a escola de gladiadores ou estropiadas – os membros eram quebrados e os olhos furados para servirem de mendigas e tornarem-se objetos de piedade com maior comoção” (MARCÍLIO, 1998, p. 24-25).

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Os primeiros locais de acolhimento para pobres, doentes e crianças expostas¹ ou rejeitadas nascem na Idade Média a partir das práticas caritativas da Igreja Católica que posteriormente passa por transições em diferentes períodos históricos. Segundo Ariès (1981), o sofrimento e a privação estavam associados à ideia de santificação, adquirindo um novo valor social.

mesmo espaço levando à alta taxa de mortalidade. Vale ressaltar que as Santas Casas³ já recolhiam as crianças antes mesmo da chegada das rodas. Já por volta do século XVIII, são construídos internatos, colégios internos, reformatórios, asilos e educandários seguindo moldes de claustros e penintenciárias.

“Sendo assim, os abrigos surgiram cumprindo uma dupla função amplamente apoiada no exercício do Cristianismo, tendo em vista que: a) possibilitavam aos cristãos ricos exercerem o amor ao próximo e b) evitavam o infanticídio, prática abominada nas sociedades cristãs.” (VENÂNCIO, 1999, p. 24).

“Esses internatos segregavam as crianças de acordo com o gênero e a etnia. Nos séculos XIX e XX, o apoio oferecido pelo Estado às crianças da população de baixa renda consistia prioritariamente no encaminhamento para instituições denominadas orfanatos, apesar de as crianças possuírem família” (RIZZINI & RIZZINI, 2004, p. 23).

Ainda no século XII, os hospitais medievais e mosteiros começaram a sofrer superlotação deixando sérias dificuldades para a manutenção dessas instituições. Como resultado, a incumbência dos doentes, pobres e desvalidos deixa de ser de responsabilidade religiosa e passa a ser da jurisdição secular dos municípios, ainda que a igreja continuasse dando assistência de forma conjunta. Contudo, os métodos educativos foram guiados pela Igreja até o século XX, caracterizados pela educação rígida e autoritária. As instituições criadas primeiramente em Roma, seguiam modelo de hospitais e de Rodas dos expostos², tornando-se modelo para o resto da Europa Católica e, por intermédio de Portugal, consolidaram-se no Brasil depois do século XVIII. A primeira roda criada no Brasil foi na cidade de Salvador em 1726, em sequência, na cidade do Rio de Janeiro em 1738, e por último do período colonial, na cidade de Recife em 1789. Essas edificações eram descritas por sua baixa condição de higiene decorrente da grande quantidade de crianças presentes no __________________________

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A partir desta nova preocupação do Estado, foi implantada uma série de políticas de atendimento e gerenciamento de associações que se movem em prol da defesa dos direitos da criança. Mas de acordo com Danielle Gomes (2011), o que se entende, é que cada governo faz as mudanças legais quanto ao nome da instituição, a função a que se destina, mas a estrutura física continua a mesma e a situação desumana e degradante desses espaços também, o que dá a certeza da ineficácia das alterações legais. No entanto, com o fim do regime militar, foi elaborado o Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 afim de reformular um sistema antes falido. Fica claro que seria preciso repensar o espaço arquitetônico de internação, para que o ambiente espelhasse a nova política, assim como qualificar todos os envolvidos no processo socioeducativo, para que soubessem a função primordial que desempenham naquele espaço: educar.

“Naquela época, as construções eram em forma de prédios enormes; longos corredores; quartos numerosos que reuniam muitas camas; não-identidade individualizada dos espaços” (MELLO, 2004, p. 139).

Ao iniciar esta nova etapa, os edifícios que antes eram adaptados para a assistência infanto-juvenil, agora são construídos para suas devidas finalidades. Os ambientes internos são separados por faixa etária, mas ainda não se tem separação entre aqueles criminosos dos demais abrigados. A planta baixa (Figura 01) possui formato retangular no qual as celas são voltadas para um pátio central, local onde se realizavam as atividades de trabalho, missa e alimentação. Os grandes corredores eram utilizados para um fácil monitoramento dos internos. Portanto, a arquitetura era usada como instrumento de disciplina para imposição de poder.

¹ Expostos era o termo dado às crianças abandonadas, deixadas expostas na porta de igrejas, ruas, ou mais comumente, na roda dos expostos. ² Mecanismo utilizado para acolher crianças de forma que não se podia identificar quem as abandonava. Rizzini (2008) descreve que essa roda era uma caixa redonda embutida nos muros das instituições, com uma abertura suficiente para caber um bebê, e esta girava num eixo. Assim o expositor, do lado de fora, colocava a criança pela abertura da roda e girava para que o bebê fosse retirado pelo lado de dentro.

sequência, o futuro da humanidade[...] A ideia era investir na infância, e através dela atuar na família, ensinando noções básicas de higiene e saúde” (Rizzini, 2008, p. 176).

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³ A Santa casa de misericórdia foi o primeiro estabelecimento implantado no Brasil por volta de 1730.

Figura 01: Planta baixa e vista das celas da casa de correção de San Michele. Fonte: http://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.131/3832

O estado assume responsabilidade pela assistência a infância abandonada na metade do século XX, onde a criança passa a ocupar uma posição primária diante da dimensão social que até então não existia. A prática do abandono ou os maus-tratos aos filhos torna-se atitude intolerável e digna a condenação uma vez que ela traz consequências indesejáveis para a sociedade. “Todo esforço deveria ser feito para que a criança não se tornasse uma pessoa cheia de vícios, inútil aos cofres da nação. Passa a significar a garantia da ordem ou da paz social, já que o homem passa a

ter nas mãos o poder de influenciar os destinos, e, por con-

“A proposta do ECA, com relação ao abrigamento de crianças, está pautada basicamente na reprodução de um cotidiano similar ao de um ambiente residencial, sem substituir ou imitar a família. Tudo isso, considerando a capacidade de abrigamento das unidades, o imóvel onde ela funciona, a possibilidade de um relacionamento contínuo entre abrigados e funcionários e o plano de trabalho, dirigido a cada criança ou adolescente, que, com base no resgate de sua história, procuraria encontrar alternativas para a reintegração familiar” (OLIVEIRA, 2006).

Desde a criação do ECA, o Brasil ainda passou por reformulações no Estatuto e na construção de novas leis e recomendações para as crianças e adolescentes. Resumidamente, pode-se dizer que a história do acolhimento vem sofrendo transformações até hoje, saíram pouco a pouco do poder religioso, passando por trabalhadores voluntários, até ser de responsabilidade do Estado, da sociedade civil e da comunidade. Os abrigos que antes foram uma medida de correção e prevenção social, hoje agem como mecanismos de proteção. Porém,

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os menores em instituições atuais ainda recebem da sociedade poucas expectativas sobre seu futuro, associadas ao desenvolvimento de sérios distúrbios de personalidade. Referente ao espaço físico, somente em 2009 através do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) foram elaboradas algumas padronizações a respeito da arquitetura e das dimensões dos abrigos. Entretanto, a maioria dos abrigos que hoje estão em funcionamento, são anteriores a 2009. Cada instituição tem uma tipologia diferenciada, são casas ou sobrados adaptados e raramente um espaço realmente constituído como abrigo, seguindo um planejamento de acordo com as demandas de seu funcionamento.

e Defesa da Convivência Familiar e Comunitária, tem o objetivo de oferecer acolhimento de caráter emergencial, com espaço adequado e profissionais preparados para receber a criança/adolescente em qualquer horário do dia ou da noite, diante da necessidade de acolhimento imediato e emergencial. Fazem parte desses casos crianças perdidas ou com internação hospitalar do único responsável por elas. A entidade acolhe crianças e adolescentes por curta duração, tempo suficiente para avaliar a situação (diagnóstico situacional) e encaminhá-los para seus familiares ou para outros serviços de acolhimento.

2.2. As modalidades dos serviços de acolhimento .........................................

3. Casa-lar: Serviço de Acolhimento provisório oferecido em unidades residenciais, nas quais pelo menos uma pessoa ou um casal trabalha como educador/cuidador residente – em uma casa que não é a sua – prestando cuidados a um grupo de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar por meio de medida protetiva de abrigo (Orientações Técnicas, 2009).

O acolhimento é, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 101, inciso VII, “medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade”. Para Fromer (2002), constitui uma “alternativa de salvaguardar a integridade física e psíquica da criança ou do adolescente”. A Secretaria de Direitos Humanos (SDH) define quatro modalidades de serviço de acolhimento com suas devidas recomendações: 1. Abrigo institucional: Serviço que oferece acolhimento, cuidado e espaço de desenvolvimento e socioeducação para grupos de crianças e adolescentes de zero a 18 anos incompletos, cujas famílias ou responsáveis encontrem-se temporariamente impossibilitados de cumprir estas funções. O abrigo oferece atendimento especializado e funciona como moradia provisória até que seja viabilizado o retorno à família de origem ou, na sua impossibilidade, o encaminhamento para família substituta. 2. Casa de passagem ou Casa transitória: Serviço proposto pelo Plano Nacional de Promoção, Proteção

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4. Repúblicas/pensionatos para adolescentes: Modalidade de acolhimento institucional, destinado ao atendimento de jovens entre 18 e 21 anos em situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social, com vínculos familiares rompidos ou extremamente fragilizados ou egressos dos serviços de acolhimento. 2.3. Contexto atual de crianças e adolescentes em abrigos .................... Toda criança e adolescente têm o direito de ser assistido, protegido e ter um lar, mesmo que provisório, até sua reinserção em sua família de origem ou família substituta. No entanto, observa-se que em consequência da prática atual, esse direito geralmente é acompanhado de traumas e sequelas, não somente nos usuários, mas também nos profissionais que os atendem. A entrada por si só, em

uma instituição de acolhimento, traz marcas a seus usuários. Ela pode representar o corte definitivo com sua família, traz a possibilidade de nunca mais pertencer a um grupo familiar, ou seja, nunca ser adotado. Além disso, ser alguém que vive em um abrigo, ainda é um forte estigma social. A sociedade, via de regra, julga que os abrigados são problemáticos ou criminosos. Em virtude deste distanciamento criado, eles começam a refletir sobre o que significou sua vida e o que representa sua família. Frequentemente, as más condições da estrutura física dos lares, o espaço carregado de histórias de violência, drogas e abandono, colaboram para que o ambiente na instituição, não seja o mais apropriado para os frequentadores. Estes espaços geralmente apresentam quase nenhuma tentativa de amenização dos danos emocionais. Em alguns casos, até pioram a saúde mental. Implantados em locais isolados, fora da vida urbana, sem interação com a sociedade e seu entorno. A maior parte dos espaços de acolhimento se estabelece em edificações projetadas para serem residências unifamiliares ou serviços, muitas destas cedidas e alugadas, não projetadas para este fim. Algumas estruturas remetem à instituições formais e fechadas, o que difere dos padrões estabelecidos pelo PNCFC que recomenda espaços semelhantes a residencias. Quanto aos espaços físicos, possuem ambientes que não atendem às reais necessidades das crianças e adolescentes. No geral, são ambientes pequenos, que possuem seus cômodos adaptados para cada função, muitas vezes de forma improvisada, tendo em vista a escassez de recursos da maioria das instituições. As insuficiências vão desde a inexistência de espaços para a realização das atividades pedagógicas, até a ausência de equipamentos culturais, esportivos e de lazer. De acordo com o Levantamento Nacional de Abrigos para Crianças e Adolescentes, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2003, foram avaliados todos os abrigos brasileiros que recebem subsídios do governo federal através da Rede de Serviços de Ação Continuada (Rede SAC). Em 2003 constatou-se cerca de 20 mil crianças em sua maioria, de 7 a 15 anos de idade, vivendo em

589 abrigos no país.

Figura 02: Distribuição das instituições segundo regiões. Figura 03: Distribuição dos abrigos da Rede SAC, segundo a natureza institucional. Fonte: IPEA/DISOC (2003), Levantamento Nacional de abrigos para Crianças e Adolescentes da Rede SAC.

Os principais motivos para o acolhimento estão relacionados à pobreza dos responsáveis, abandono e violência doméstica. Aproximadamente 70% dos abrigos, são instituições não governamentais e a maioria possui ligação com alguma organização religiosa. No sudeste, a maioria (56,4%) dos abrigos atendem no máximo 25 crianças e adolescentes. Quanto ao perfil dos usuários, a maioria são do sexo masculino e afro-descendentes sendo que aproximadamente 90% deles possuem família. Além disso, apesar dos lares serem caráter transi-

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tório, mais da metade das crianças e dos adolescentes institucionalizados residiam há mais de dois anos nos abrigos.

Já em 2014, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) a partir de inspeções anuais realizadas pelos promotores de Justiça da infância e juventude em todo o País, declarou que existem 36.032 acolhidos em abrigos e casas-lares no Brasil. Das 36 mil crianças recolhidas nestas instituições, somente 5.633 estão aptas a serem adotadas. Isso se dá porque a maioria dos abrigados ainda mantém vínculo com a família, ou seja, eles ainda possuem chance de voltar para casa, porém o tempo da família se restabelecer é muito lento perto do tempo das crianças. Segundo a lei, o tempo máximo de permanência em abrigo é até dois anos, o que na prática não acontece.

Figura 04: Motivos do ingresso de crianças e adolescentes em abrigos, segndo a frequência. Fonte: IPEA/DISOC (2003), Levantamento Nacional de abrigos para Crianças e Adolescentes da Rede SAC.

Segundo a pesquisa do IPEA, os abrigos considerados adequados em relação à configuração dos seus espaços externos (ausência de identificação institucional e proximidade a serviços) representam 58,4% do total, e quanto aos espaços internos, (existência de locais individuais para guarda de objetos pessoais das crianças e dos adolescentes e acessibilidade para pessoas com deficiência), representam uma parcela mínima de apenas 0,8% do total pesquisado. Ainda que passados 12 anos da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, na data desta pesquisa (2003) constatou-se que 71% das unidades não apresentavam espaço físico adequado para a consecução das propostas pedagógicas e ainda com características prisionais.

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Figura 05: Número de crianças em instituições no Brasil. Fonte: Censo Suas do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à fome; CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

2.4. O cenário de Uberlândia-MG ........................................................................... A proposta projetual apresentada neste trabalho tem como sítio o município de Uberlândia-MG, localizado a 18° 55’ 08” de latitude sul e longitude de 48° 16’ 37” oeste, na mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, no Estado de Minas Gerais. O município ocupa uma área de 4,1 mil quilômetros quadrados, sendo que 135,3 quilômetros quadrados estão em perímetro urbano. Segundo a estimativa de 2014, sua população é de 654.681 habitantes sendo a cidade mais populosa da região do Triângulo Mineiro. No que concerne ao histórico de abrigamento, no estado de Minas Gerais e em especial na cidade de Uberlândia pouco se tem informação. Sabe-se que em 1978, o casal Dr. José de Oliveira Campos e Shyrlene Soares Campos fundou com recursos próprios, a segunda creche para crianças carentes de Uberlândia, dando a possibilidade para suas mães trabalharem e assim, buscarem o sustento da família. Os anos passaram e juntamente com um grupo de voluntários, em 1981 fundaram o primeiro abrigo da cidade: o Núcleo Servos Maria de Nazaré, uma instituição espírita que se mantém em funcionamento até os dias de hoje. Os abrigos que vieram posteriormente também surgiram a partir do mesmo princípio: foram criados por iniciativa de pessoas da própria comunidade até conseguirem registro e apoio da prefeitura. De acordo com o Promotor de Justiça da Infância e da Juventude da Comarca de Uberlândia, Jadir Cirqueira de Souza, de 2012 para 2013, Uberlândia viveu um momento histórico chegando a registrar 208 crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional vivendo em 10 abrigos. Este número hoje é bem menos expressivo, com cerca de quase 70% das crianças reinseridas em suas famílias de origem, quando possível, ou encaminhadas para adoção por uma ação do Ministério Público e da Vara da Infância e da Juventude. Segundo dados disponibilizados pela Secretaria da Vara da Infância e Juventude através de entrevistas, a cidade de Uberlândia conta hoje com 6 Instituições de acolhimento que abrigam 42 crianças e adolescentes de 0 a 18 anos, sendo um abrigo específico para crianças especiais e o restante casas mistas sem especificação de idade ou sexo. São dis-

ponibilizadas 60 vagas no município, sendo 10 para cada abrigo.

Figura 06: Mapa de localização. Fonte: do autor, 2015

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Apesar de o município não sofrer atualmente com problemas em relação à superlotação das casas, estas ainda seguem o mesmo contexto do restante do Brasil. São abrigos alocados em edifícios adaptados de modo improvisado para seu uso, sem terem sido planejadas ou construídos para tal fim, tendo em visto que dependem de doações para manterem-se em operação. Todavia, os problemas não se restringem somente a isso, as áreas são mínimas, os espaços são tumultuados e com pouca ventilação e iluminação natural, faltam ambientes propícios para atividades de lazer e estudo, além da ausência de tentativas de minimização dos impactos morais através de ações projetuais. Se no abrigo se trabalha com situações de risco, sua função deve pensar possibilidades e encaminhamentos para superação destes, é nesse âmbito que se faz necessário uma nova proposta projetual para essas instituições. A seguir será apresentada a análise de dois abrigos da cidade segundo seu espaço físico e algumas percepções de convivência e funcionamento, identificadas após visitas aos locais.

A Instituição CAROL é uma entidade sem fins lucrativos que acolhe atualmente 8 crianças com capacidade para 10 pessoas entre 0 a 18 anos. Concebida para promover a guarda de crianças vítimas de abusos, maus-tratos e violência doméstica, a finalidade do abrigo é servir de lar temporário em um ambiente familiar, até que o acolhido esteja pronto para retornar a sua casa ou encontrar uma nova família. Situada à beira de uma das mais movimentadas avenidas da cidade, é localizada na Rua Bernardo Cupertino nº 44 do bairro Martins. Fundada em 12 de abril de 2008, trata-se de uma residência de pavimento único que foi totalmente reformada e adaptada para seu funcionamento.

CAROL - CAsa de AmpaRO infantiL

Figura 09: Localização da instituição. Fonte: Adaptação do Google earth, 2015.

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Figura 07: Mapa de localização dos abrigos de Uberlândia-MG. Fonte: do autor, 2015.

Figura 08: Fachada principal do abrigo Carol. Fonte: do autor, 2015.

A casa conta em seu programa com 5 quartos, sala de tv, sala de jantar, sala de estudos, cozinha, despensa, depósito de materias de limpeza, lavanderia, 2 salas administrativas, 6 banheiros, 2 closets, roupeiro, sala de atendimento psicológico e área de recreação. Nota-se aqui, que apesar de apresentar uma boa quantidade de cômodos, a falta de planejamento em relação a infra-estrutura torna o espaço precário e pouco funcional. A localização de cada ambiente é escolhida de forma aleatória e/ou pelo melhor espaço para cada atividade.

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Figura 10: Croqui planta de setorização. Fonte: do autor, 2015.

Os quartos posicionados em locais diferentes e espalhados pela casa são divididos em masculino e feminino contendo cerca de 4 a 5 camas cada um, o que torna o espaço pequeno para a quantidade de camas presentes. O acesso para um deles não acontece de forma direta, é necessário passar primeiramente por um quarto para depois chegar no outro atrapalhando a privacidade entre eles. Além disso, o roupeiro (antigo quarto adaptado para este fim) fica relativamente longe dos dormitórios e mais ainda dos banheiros. A despensa é outro cômodo disperso no conjunto da edificação, ele não tem proximidade à cozinha, diminuindo a praticidade das funções básicas desempenhadas diariamente. A sala de TV ainda que apresente ser espaçosa, contém pouco mobiliário. A única televisão da casa de apenas 20 polegadas fica em posição muito elevada se levada em consideração a altura dos principais usuários: as crianças. . A sala de estudos é um cômodo muito pequeno para a quantidade de atividades ali realizadas, ela funciona

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como mini biblioteca, área de informática com apenas 1 computador, sala de arquivos e equipamentos musicais e área para estudo. Então, além de ser muito apertada e acomodar somente 3 pessoas sentadas, ela deixa de ser um local propício para o estudo devido à grande circulação de pessoas no mesmo ambiente e se localizar em frente à sala de TV. Quanto a àrea de brinquedos situada no lado externo, não existe nenhuma proteção contra a chuva ou sol, o que limita muito os momentos dos os acolhidos de brincar, visto que é a única área disponível para isso. Conclui-se que essa edificação comporta todos os ambientes necessários para seu funcionamento, porém devido aos espaços serem adaptados, eles apresentam limitações além de baixo desempenho de habitabilidade, pouco apelo estético e dimensionamento inadequado. Outro ponto que chama bastante a atenção, é o fato de não existir mobiliário individual ou alguma área para cada utilizar individualmente e criar sua própria identidade a partir disso. O que atualmente existe é somente um armário com cadeado que serve exclusivamente para guardar as mochilas escolares.

sos departamentos que prestam assistência à população através da promoção dos direitos de bem estar de crianças, assim como a promoção social familiar. Dentre os departamentos, estão: Ambulatório Irmão Glacus (Atendimento médico gratuito com distribuição de medicamentos); 6 creches Recanto Maria de Nazaré que atendem em regime de semi-internato 220 crianças de 0 a 3 anos; Lactário para distribuição de 486 mamadeiras diárias e leite em pó; o espaço Tecelãs de Maria onde são promovidas aulas de artesanatos e confeitarias em geral para crianças e mães carentes; Marcenaria, local onde são reformados móveis recebidos de doações para uso da instituição ou venda no bazar; Biblioteca Humberto de Campos para empréstimo de livros espíritas, didáticos e literários; Espaço de evangelização espírita; e o Solar Maria de Nazaré: abrigo para crianças deficientes físicas, portadoras de paralisia cerebral, em caráter de guarda provisória.

Figura 13: Croqui de implantação do Núcleo. Fonte: Adaptação do Google earth, 2015.

O Solar Maria de Nazaré atualmente abriga 22 pessoas entre 6 a 36 anos. Ela é uma das poucas instituições projetadas para ser um abrigo. É composta por sala de dormitório, recepção, área de vídeo, 2 banheiros sendo um feminino e outro masculino, roupeiro, cozinha, despensa, depósito, sala de fisioterapia, sala para equipamentos da fisioterapia, sala de materiais esterilizados e depósito para doações.

Núcleo Servos Maria de Nazaré

Figura 11: Núcleo Servos Maria de Nazaré. Fonte: http://www.nucleoservosmariadenazare.com.br/nucleo.html

O Núcleo Servos Maria de Nazaré, reconhecido como Serviço de Utilidade Pública, localiza-se na Av. Dr. Arnaldo Godoy de Souza, nº 2275 do Bairro Cidade Jardim em Uberlândia – MG, local inadequado e perigoso para crianças por ter acesso direto à avenida de grande movimentação. Inaugurado em 1981, é uma instituição que possui diver-

Figura 12: Croqui de implantação do Núcleo. Fonte: do autor, 2015.

Figura 14: Croqui planta de setorização. Fonte: do autor, 2015.

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3. O ESPAÇO COMO ELEMENTO DE FORMAÇÃO IDENTITÁRIA

A fachada é composta por muros altos e portões fechados, impossibilitando a visão para dentro ou para fora da casa. O abrigo não se assemelha à uma residência e o muro é pintado com o nome da instituição em letras garrafais, o que é totalmente contra-indicado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O portão principal dá acesso a um grande pátio, local mais utilizado pelos acolhidos do lar, ele serve como estacionamento e área para banho de sol.

3.1. Desenvolvimento ecológico e psicologia ambiental .................................

Figura 16: Ala do dormitório. Fonte: http://www.integracaominas.com.br/noticias/ver_noticia/146-iniciativa_cidada

Figura 15: Vista do pátio. Fonte: http://www.pxb.net.br/embaixadores-pxb-kids-2010-2012/

Logo ao entrar no abrigo, encontra-se a área de dormir. Pode-se dizer que são duas grandes alas abertas com várias macas enfileiradas sem nenhuma divisória. A falta de privacidade sem dúvida é o grande problema deste local. A sala de vídeo não passa de um espaço identificado apenas pela troca de piso. É um ambiente totalmente inapropriado para assistir televisão, não existe mobiliário para sentar ou deitar, sendo necessário sentar-se no chão ou assistir na própria cadeira de rodas do usuário, que ao passar muito tempo torna-se desconfortável.

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A edificação é totalmente acessível a qualquer área, os banheiros são adaptados para os deficientes físicos, mas em contrapartida, não existe refeitório, copa ou qualquer outro lugar apropriado para a alimentação, os abrigados comem em cima de suas próprias camas. Áreas para lazer também são inexistentes, o projeto não conta com nenhum espaço de brinquedoteca, playground ou quadra. Os funcionários não possuem banheiro próprio, área para guardar pertences, nem estendal de roupa. No geral, verifica-se que o espaço físico não está estruturado de acordo com a legislação e não atende às necessidades das crianças e dos adolescentes. Embora se perceba certo cuidado, higienização e praticidade na divisão dos cômodos, o espaço físico é pouco colorido e com muros altos, sua estrutura arquitetônica assemelha a instituições formais e fechadas, o que difere dos padrões estabelecidos pelo PNCFC (Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária) que recomenda espaços similares aos residenciais.

O desenvolvimento humano acontece em um contexto elaborado, agitado, ativo e profundo, onde o recinto assume basicamente, duas funções. A primeira é de cenário ou campo para aplicação de condutas. A segunda é servir como possibilidade, condição e mecanismo para o desenvolvimento. Nessa lógica, uma trama de significados é gerada a partir de todos os elementos que compõem o ambiente. Essa trama estrutura um meio que captura e recorta a série de comportamentos dos sujeitos, tornando-se o intermediador do desenvolvimento a cada situação. Para Bronfenbrenner (1996), o ambiente é constituído de uma série de estruturas concêntricas interconectadas, que sofrem influências internas e externas. Esses sistemas ambientais compreendem: o comportamento dos indivíduos, inclusive o espacial; as interações sociais; a natureza dos vínculos; e a influência direta ou indireta dos contextos onde se habita e atua. A influência que o ambiente físico é capaz de causar no comportamento de cada um, no modo de se relacionar com grupos e na saúde física passa a ser estudado mais a fundo somente por volta da década de 1970. É quando a psicologia ambiental passa a abranger outras áreas como a arquitetura, a geografia, as ciências bio/ecológicas entre outras. Este estudo se faz importante por que está ligado a todo o meio onde o ser humano vive, sua residência, o meio ambiente, o entorno, a percepção de aglomeração, entre tantos outros (SANTOS, 2011). De acordo com Tuan (1980), a percepção e a experiência são feitas de maneira individual, pois cada pessoa pode vivenciar e experi-

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mentar o mesmo espaço de maneira diferente, tudo depende da cultura. A partir do momento que estes espaços passam a serem vivenciados, eles se tornam um ambiente, e quando há identidade, valor e experiência para o espaço ele se torna um lugar. Sendo assim, o estudo do “espaço” e do “lugar” se tornam importantes pois influenciam no cotidiano de cada um. “Apenas a arquitetura, entre todas as artes, é capaz de dar ao espaço seu pleno valor. Ela pode nos rodear de um vazio de três dimensões e o prazer que dela se consegue extrair é um dom que só a arquitetura pode nos dar. A pintura pode pintar o espaço, a poesia, como a de Shelley, pode sugerir a imagem, a música pode nos dar uma sensação análoga, mas a arquitetura tem a ver diretamente com o espaço, utiliza-o como um material e nos coloca no centro dele” (SCOTT, 1939 apud ZEVI, 1994).

O ser humano tende a desenvolver sentimentos negativos ou positivos em qualquer ambiente em que vivencia. Um espaço ganha identidade quando é reconhecido através da atribuição de um valor simbólico dado por quem o experiencia. O ambiente interage com o indivíduo e a ele proporciona identificação, segurança, equilíbrio e orientação; ou sentimentos adversos como não apropriação, medo, insegurança, desequilíbrio e desorientação (BLOWER, 2008). É através da percepção, que o indivíduo organiza e interpreta suas impressões sensoriais para atribuir significado a seu meio. Segundo Yunes (2004), tendo em vista a história pregressa das crianças e dos adolescentes abrigados, a institucionalização pode ou não constituir um risco para o desenvolvimento. Esta condição dependerá dos mecanismos através dos quais os processos de risco operarão seus efeitos negativos sobre eles, sendo o risco entendido como as condições ou variáveis que estão associadas a uma alta possibilidade de ocorrência de resultados negativos ou não desejáveis (Jessor, Van Den Boss, Vanderryn, Costa & Turbin, 1995). Por outro lado, inúmeros fatores de proteção podem operar neste momento. Os fatores de proteção correspondem às influências que modificam, melhoram ou alteram a resposta dos indivíduos a ambi-

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entes hostis que predispõem a conseqüências mal adaptativas (Hutz, Koller & Bandeira, 1996). Entretanto, deve-se compreender o conceito de fatores de proteção enfatizando-se uma abordagem de processos, através dos quais diferentes fatores interagem entre si e alteram a trajetória da pessoa, podendo produzir uma experiência estressora ou protetora em seus efeitos (Morais & Koller, 2004). O abrigo é um ambiente ecológico de extrema importância para crianças e adolescentes institucionalizados, é o local onde eles realizam um grande número de atividades, funções e interações, assim como é um ambiente com potencial para o desenvolvimento de relações recíprocas, de equilíbrio de poder e de afeto. Logo, o contexto ambiental onde a criança e o adolescente cresce e se desenvolve é crucial nas causas e manifestações dos problemas, especialmente, nas questões do desenvolvimento humano e do comportamento espacial.

operacionalização; b) as condições de conforto correspondem às relações entre o conforto ambiental (lumínico, térmico e acústico) e às respostas do comportamento a essas condições; c) os tipos de atividade relacionam as reações de comportamento; d) os aspectos socioeconômicos e culturais que influenciam o comportamento espacial.

“Pensar a instituição como um conjunto de práticas ou de relações sociais que se repetem e se legitimam e não como um estabelecimento, é, sem dúvida, o primeiro passo para se afirmar que a entrada na instituição – a internação – não significa apenas mudança de espaço e de ambiente físico, mas, principalmente, uma alteração possível nas pautas de relação” (Guirado, 1986, pág 44).

“Toda a atividade exige um determinado ambiente físico para a sua realização. Portanto, se considerarmos tanto a diversidade de atividades quanto a diversidade humana – diferenças nas habilidades, por exemplo – podemos entender que as características do ambiente podem dificultar ou facilitar a realização das atividades. [...] Quando um ambiente físico responde às necessidades dos usuários tanto em termos funcionais (físicos/cognitivos) quanto formais (psicológicos), certamente terá impacto positivo na realização das atividades” (Bins Ely, 2003).

Para EYNG (2008), a influência mútua (Figura 16) que um indivíduo recebe pode ser reunida em quatro grupos: a) o ambiente construído abrange as relações entre o comportamento e o ambiente físico, composto pelo projeto, a construção, o uso e a

Segundo Tuan (1983), quanto mais hostil o ambiente, maior a dependência da proteção do adulto, e quanto maior o grau de dependência do ser humano, maior a carência de proteção. O lar, sendo provisório ou permanente deve ser convidativo para o olhar infantil, para a criança, a visão é um sentido que atrai, antes de pegar e sentir os objetos ela é atraída pelo olhar. É função do arquiteto levar em conta os preceitos pedagógicos e adaptar o processo de projeto às necessidades espaciais das pessoas. O abrigo mesmo não sendo incumbido da educação formal, opera diretamente com indivíduos em fase de desenvolvimento que necessitam de incentivos para construção de relações, conhecimento e sentimento. Posto isso, as instituições carecem de projetos e ações educativas, e de organização do espaço físico para trabalhar com um ambiente rico de estímulos e desafios para que elas possam criar suas territorialidades e por fim, reconhecer o espaço como seu. Do mesmo modo, precisa oferecer assistência para o progresso cognitivo, motor e emocional das crianças e adolescentes. 3.2. A ludicidade como instrumento pedagógico na concepção do espaço.....................................................................................................................................

Figura 17: Diagrama de relações biunívocas entre comportamento espacial. Fonte: Adaptação de Ornstein (1995).

Toda pessoa pode nascer e se desenvolver como ser biológico e social, ser interativo e dinâmico. É nesse âmbito que a instituição acolhedora pode ser reconhecida como mediadora do desenvolvimento das crianças abrigadas, pois é esta quem gera as condições reais para se viver ali e promove oportunidades para desenvolver habilidades e competências decisivas para a formação de personalidade e sociabilidade própria. Ademais, o abrigo não se limita a um único ambiente, mas é o lugar que interconecta os diferentes ambientes vivenciados. Por isso, quanto maior for a abertura do abrigo para o ambiente externo, mais fácil e fluente será quebrar barreiras entre os diferentes contextos.

O significado de lúdico no dicionário está relacionado a jogos, brincadeiras e divertimento. Brincar é uma atividade que facilita o desenvolvimento físico, cognitivo, psicológico, estimula o desenvolvimento intelectual, possibilita as aprendizagens. Mas conceituar o termo não é tarefa fácil. Kishimoto (2003, p.15) salienta que é muito complexo definir jogo, brinquedo e brincadeira. Uma mesma conduta pode ser jogo ou não jogo em diferentes culturas, dependendo do significado a ela atribuído. O brincar é uma forte estratégia na formação da personalidade e na evolução da criança. A diversão é a ferramenta básica de educação na primeira infância: é se divertindo que ela aprende. Por meio da brincadeira e do jogo, a criança mostra seu estado cognitivo, visual, auditivo, tátil, motor, seu jeito de adquirir conhecimento e como se relaciona com as pessoas, eventos, coisas e símbolos. O brincar e

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o jogo reproduzem um cenário para o pensamento que propicia facilidade para aprendizagem, melhoras no raciocínio, habilidades, criatividade, maior compreensão do mundo e satisfaz vontades ao mesmo tempo. A integração destes termos cria oportunidades para superação de doenças, coordenação motoras e as dificuldades pessoais de cada um, além de fortalecer a solidariedade e a empatia. O brincar permite ainda, aprender a lidar com as emoções equilibrando as tensões provenientes de seu mundo cultural e do seu dia-a-dia. Toda pessoa precisa ter seu território, reconhecer um espaço como seu, assim, ela busca por um espaço seja em seu próprio quarto, no quintal ou na sala de aula. Mediante este reconhecimento, ela permitirá a própria segurança e desenvolvimento. Portanto, ela precisa de espaços internos e externos adequados e que incentivem as brincadeiras, os estudos, a percepção e a criatividade para ajudar em seu crescimento saudável.

Figura 18: Brincadeiras em áreas externas. Fonte: http://fabianosobreira.arq.br/2009/07/17/espaco-ludico/

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3.3. Instituições referenciais ................................................................................... - Orfanato municipal de Amsterdã / Aldo Van Eyck

tro grupos de crianças pequenas (0-2, 2-4, 5-6 e 7-10 anos) e mais quatro dos maiores (10-14, 15-20, ambos divididos por sexo).

Figura 19 e 20: Ambientes convidativos a permanência. Fonte: http://www.archdaily.com/570664/children-s-home; http://www.escritoriodearterio.com.br/blog/arquitetura/ Figura 23 e 24: Orfanato de Amsterdã. Fonte: http://www.archdaily.com.br/br/01-108938/classicos-da-arquitetura-amsterdam-orphanage-aldo-van-eyck

Figura 21: Corredor utilizado como mural. Figura 22: Espaço de encontro acolhedor. Fonte: http://www.quadrilha.com.br/blog/escolas-interativas; https://arcowebarquivos.s3.amazonaws.com/imagens/52/95/arq_35295.jpg-pequim.html

O Orfanato de Amsterdã projetado pelo arquiteto holandês Aldo van Eyck, foi construído em 1960 na periferia da cidade de Amsterdã. Está inserida em uma esquina sem desníveis marcantes favorecendo uma acessibilidade universal sem a necessidade de instalação de rampas para o acesso. O projeto para 125 crianças e adolescentes de 0 a 20 anos de idade foi resultado da articulação considerada entre indivíduo e grupo, espaço interior e exterior, grandes e pequenas áreas. A abordagem principal foi a de não restringir a vida dos usuários aos limites do orfanato, trazendo atividades cotidianas exercidas na cidade com outras crianças. Internamente, o prédio foi dividido por grupos de faixa etária, enquanto o espaço exterior foi modificado para atender às necessidades de todos. A proposta foi de criar um nó urbano descentralizado, com muitos pontos de interação dentro do plano. Van Eyck também utilizou o conceito de desenvolvimento não-hierárquico no orfanato, criando um edifício que quebrasse a hierarquia dos espaços. O programa é composto por quartos, banheiros, cozinha, lavanderia, ginásio, biblioteca, salão de festas, pátios, teatro e área administrativa. Foram estabelecidos oito grupos de crianças, divididos por faixa etária: qua-

Figura 25: Orfanato de Amsterdã. Fonte: Adaptado a partir do site Archdaily, 2015.

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Cada um dos grupos possuía suas necessidades funcionais e espaciais. Para tanto Van Eyck alocou cada grupo estrategicamente, procurando atender especificamente cada faixa etária. Mobiliário, equipamentos e serviços foram desenhados de acordo com o grupo a que se destinavam. Entretanto não as isolou do convívio com os outros grupos. A existência de um grupo depende da existência do outro, numa reciprocidade que se expressa principalmente nos espaços de transição. Estes espaços não são somente passagem entre lugares, mas sim um momento onde se tem contato simultâneo com as distinções e semelhanças dos espaços por ele conectados. O abrigo se desenvolve através da malha de uma pequena cidade com ruas, acessos múltiplos e seus vazios urbanos. Este partido simboliza o pensamento constante de van Eyck sobre o todo, que deve se comportar como a parte, e a parte, que deve ser como o todo: a cidade, como uma grande casa, e a casa, como uma pequena cidade, formando um todo complexo. Unidade para crianças de 2-4 e 4-6 anos 1- Vestiário 2- Casa de tijolo de brinquedo 3- secção inferior com banco circundante 4- modelagem em janela baixa 5- Armários e aquecedor 6- Cozinha aberta 7- Sala de estar 8- Lavanderia 9- Chuveiros 10- Banheiros 11- Caixa de areia com armadilhas de água 12- Sala de jogos coberta 13- Cabines de dormir

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Figura 26: Lozalização dos dormitórios por faixa etária; Figura 27: Análise público x privado, Fonte: Adaptado a partir do site Archdaily, 2015.

Figura 28: Planta baixa da unidade residencial; Fonte: Adaptado a partir do site Archdaily, 2015.

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O edifício é a sequência modulada de cubos unidos entre si por corredores segmentados. Os módulos consistem em quatro colunas nos cantos, e uma cobertura pré-fabricada em cúpula. O concreto também está presente no piso, e o tijolo reveste as fachadas em um jogo com panos de vidro. Os intervalos entre os blocos construídos constituem espaços de transição potencialmente destinados a pontos de encontro e convivência, com bancos, caixas de areia e pequenos espelhos para aguçar a curiosidade das crianças e promover sua interação com o entorno. A interligação entre essas áreas é feita através de espaços intermediários que articulam a transição entre eles através de uma simultaneidade entre as partes ligadas. Para criar esses ambientes, van Eyck abre totalmente algumas faces dos cubos ao exterior com portas envidraçadas, permitindo a diversidade de acessos. Além disso, esses cubos possuem aberturas em sua cobertura que permitem iluminação zenital, e reforçava a relação entre o interno e externo.

Figura 30: Pátio interno. Fonte: http://www.archdaily.com.br/br/01-108938/classicos-da-arquitetura-amsterdam-orphanage-aldo-van-eyck.

Figura 36 e 37: Espelhos e materiais adicionados à construção que despertam interesse e a brincadeira.. Fonte: http://archinters.blogspot.com.br/2014/11 Figura 33: Espaços para brincadeiras e descobertas. Fonte: http://archinters.blogspot.com.br/2014/11

Em suma, a análise desse projeto se fez importante por apresentar boas relações de edifício-cidade, escala entre pequenas e grandes estruturas, além de estímulos para a convivência mútua entre seus ocupantes. A disposição dos volumes juntamente com as “surpresas” criadas a cada pátio geraram espaços acolhedores. Para tanto, apesar da dimensão do todo, transparências e opacidades, terraços e jardins acontecem num mesmo lugar. Assim como, ao mesmo tempo, a cada passo, a percepção das partes se faz pela compreensão do todo e a percepção do individual se faz pela compreensão do coletivo, e vice-versa.

Figura 31 e 32: Cobertura e iluminação zenital. Fonte: http://www.archdaily.com.br/br/01-108938/classicos-da-arquitetura-amsterdam-orphanage-aldo-van-eyck.

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Figura 29: Pátio interno. Fonte: http://www.archdaily.com.br/br/01-108938/classicos-da-arquitetura-amsterdam-orphanage-aldo-van-eyck.

A arquitetura, a estrutura e os equipamentos do edifício foram todos concebidos com as crianças em mente. Piscinas e poços de areia foram adicionados em pátios. Materiais cintilantes e espelhos foram adicionados para pisos e paredes. Já o mobiliário varia em tamanho e função de acordo com cada área de aplicação, formando pequenos fortes.

Figura 34 e 35: Área de convivência que vira piscina quando chove. Fonte: http://archinters.blogspot.com.br/2014/11

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- Casa de acolhimento para menores em Dinamarca / CEBRA

Figura 41: Representação das formas geométricas de casa e sótão. Figura 42: Implantação do lar. Fonte: http://www.archdaily.com.br/ br/760562/casa-de-acolhimento-para-menores-cebra

Figura 38 e 39: Casa de acolhimento de menores em Dinamarca. Fonte: http://www.archdaily.com.br/br/760562/casa-de-acolhimento-para-menores-cebra

A casa de acolhimento para menores foi projetada pelo grupo de arquitetos CEBRA no ano de 2014 para a cidade Kerteminde na Dinamarca. O grande diferencial dessa proposta é a leitura feita sobre a típica casa tradicional juntamente com a construção contemporânea. O edifício combina o ambiente seguro da moradia com as novas idéias pedagógicas e concepções que respondem a existência e função de um lar para crianças e adolescentes e suas respectivas necessidades. O objetivo do lar é implantar um centro que promova as relações sociais em um sentido de comunidade, mas que ao mesmo tempo, atenda à necessidades individuais das crianças. Bem como, um lugar que promova sua própria identidade para que os usuários sintam-se confortáveis para dizerem que moram ali. O desenho dos prédios utiliza as formas básicas de uma casa como partido inicial: moradia com telhado de duas águas e sótão. Assim, o contorno destes elementos simplificados, juntamente com revestimentos de madeira e tijolinho de cerâmica, criaram uma aparência exterior familiar e acolhedora, integrando o edifício ao entorno residencial circundante. A implantação se dá em quatro blocos residenciais interconectados que totalizam 1500m² de área construída. Cada ala, apesar de seu alongamento horizontal, possui volumes independentes com dife-

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rentes cotas. A intenção era reduzir a escala com diferentes unidades autônomas para cada bloco. O programa conta com ambientes de uma casa comum: dormitórios, banheiros, cozinha, sala de estar, sala de jantar, área de serviço e estocagem. Ademais, possui sala para estudos, sala de cinema/teatro, playground, quadra e espaços flexíveis para os moradores. Cada grupo de idade possui seu próprio “espaço de bonificação” na edificação, livre para uso flexível de acordo com a vontade do mesmo. A idéia deste espaço é proporcionar aos residentes o sentimento de pertencimento, uma vez que ali, ele pode dar sua identidade e personalização. Os espaços bonificados se localizam nos sótãos, volumes que sobressaem na fachada com o desenho invertido de uma casa. Figura 40: Representação das formas geométricas de casa e sótão. Fonte: http://www.archdaily.com.br/br/760562/casa-de-acolhimento-para-menores-cebra

LEGENDA:

PAV. TÉRREO

Figura 43: Setorização da planta do térreo e pavimento superior. Fonte: Adaptado apartir do site DomusWeb, 2015.

PAV. SUPERIOR

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4. A CIDADE E A PROPOSTA

Um dos pontos fortes deste projeto, é a liberdade dada à variação espacial e à flexibilidade funcional da organização interior do edifício. Os sótãos dão aos usuários, a oportunidade de criar sua própria marca. Os tamanhos e orientações diferenciados, permitem uma ampla gama de usos de acordo com a necessidade, tais como, espaços para leitura, filmes, áreas de pintura e artesanato, salas para atos festivos, entre outros. A complexidade, variedade e articulação das formas, bem como os materiais utilizados, tornam os espaços perceptíveis, garantindo o interesse e ampliando a capacidade de uso, acomodação e apropriação.

4.1. Recomendações do Conselho dos direitos da criança e adolescente O presente capítulo visa mostrar as regulamentações, em nível nacional, que norteiam a organização e oferta dos Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes, no âmbito da política de Assistência Social. As orientações e parâmetros a serem apresentados têm justamente como objetivo estabelecer orientações metodológicas e diretrizes, assim como os aspectos físicos mínimos sugeridos para o funcionamento dos Abrigos Institucionais, assegurando um atendimento de qualidade para crianças, adolescentes e jovens, de forma transitória, porém reparadora Funcionamento O atendimento prestado deve ser personalizado e em pequenos grupos em um espaço tranquilo e acolhedor que favoreça o convívio familiar e comunitário, bem como a utilização dos equipamentos e serviços disponíveis na comunidade local. O número máximo de usuários por equipamento deve ser de: 20 crianças e adolescentes. Localização

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Figura 44: Relação interior x exterior. Fonte: http://www.domusweb.it/it/architettura/2014/11/28/the_children_s_ home.html

Figura 45, 46 e 47: Espaços convidativos e perceptivos. Fonte: http://www.domusweb.it/it/architettura/2014/11/28/the_children_s_ home.html

Deve estar inserido na comunidade, em áreas residenciais, sem distanciar-se excessivamente, do ponto de vista geográfico e sócio-econômico, da realidade de origem das crianças e adolescentes acolhidos.

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Espaços mínimos sugeridos

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Tabela 01: Espaços mínimos sugeridos. Fonte: Adaptação de Orientações técnicas: serviços de acolhimento para crianças e adolescentes, 2009.

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4.2. O terreno e seu estudo de viabilidade ...................................................... O terreno escolhido para implantação da instituição de acolhimento situa-se no bairro Segismundo Pereira, zona leste da cidade de Uberlândia-MG. O lote escolhido de 2.968,5m² e 2 esquinas, está inserido em uma quadra retangular entre a Avenida Dr. Misael Rodrigues e as Ruas Domingos de Freitas e Jerônima Lucas Barros. Os critérios para escolha do local foram guiados pela necessidade de apresentar acessibilidade urbana; inserção em um bairro residencial consolidado com boa infraestutura servida por redes públicas de água, esgoto e energia elétrica, coleta de lixo, telefones e transporte público municipal com pontos de ônibus; localização próxima a comércios e serviços importantes para o dia-a-dia de uma residência, tais como supermercados, vendas, padarias, açougues, assim como, proximidade a equipamentos públicos escolares, de lazer e saúde. O bairro predominantemente residencial não possui edifícios de grande dimensão, com um perfil mais horizontal, constitui-se de edificações térreas com variação para 2 pavimentos somente em alguns pontos. As principais ruas que contornam o bairro - Av. Segismundo Pereira, Av. João Naves de Ávila, Av. Anselmo Alves dos Santos e Rua João Balbino – fazem com que seja de fácil acesso a circulação por todo o local. Na centralidade desta região, ponto estratégico e de importância para o local, agrupam-se a parte comercial, de serviços e lazer estendendo-se da Praça do Centenário até a Rua Francisco Ribeiro.

Figura 48: Localização do terreno em Uberlândia-MG. Fonte: do autor, 2015.

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Figura 49: Localização do bairro Segismundo Pereira em Uberlândia-MG. Fonte: Adaptação do Google maps, 2015.

Figura 50: Análise insolação. Fonte: do autor, 2015.

Figura 52: Localização terreno. Fonte: do autor, 2015.

Figura 51: Vista do terreno a partir da R. Domingos de Freitas. Fonte: do autor, 2015.

Figura 53: Topografia e corte. Fonte: do autor, 2015.

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O bairro conta com cinco escolas públicas, sendo duas de educação infantil, duas de ensino fundamental (1º ao 5º ano) e uma de ensino fundamental e médio (6º ano ao 3º colegial), e conta com cinco praças, sendo a Praça do Centenário considerada um marco referencial para a região. Possui também equipamentos de lazer, como o Poliesportivo. Já nas proximidades do bairro estão localizados o Parque do Sabiá, o Terminal Santa Luzia, a Unidade de Atendimento Integrada (UAI) Pampulha e o Hospital Madrecor.

O lote faz parte da zona mista ZM, possui taxa de ocupação máxima de 60% e coeficiente de aproveitamento máximo igual a 3,00, e para edifícios de até dois pavimentos, afastamento frontal mínimo de 3 metros e lateral de 1,5. O terreno contém relevo suave, assim, a edificação pode dispensar o uso de degraus e escadas, que dificultam a acessibilidade de cadeirantes ou indivíduos com mobilidade reduzida. Seus lados são limitados por 2 ruas locais tranquilas em frente a Praça do Centenário, já pelos fundos limita-se a residências.

Terreno Bar/lanchonete Poliesportivo Escolas Hospital Igreja Restaurante Mercado Praça

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Figura 54: Mapa de equipamentos próximos ao terreno. Fonte: do autor, 2015.

Terreno

Escolas

Restaurante

Bar/lanchonete

Hospital

Mercado

Poliesportivo

Igreja

Praça Figura 55: Raio de proximidade dos equipamentos. Fonte: do autor, 2015.

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4.3. Definição do programa de necessidades ....................................................

Setor de serviço

O programa de necessidades do abrigo juntamente com o projeto arquitetônico devem proporcionar às crianças e adolescentes que se encontram em situação de rua, órfãos, abandonados ou afastados da família por determinação judicial, uma alternativa de moradia em caráter temporário, que garanta o acolhimento afetivo e material adequados, além de atender às necessidades básicas de saúde, educação, lazer, alimentação, vestuário, deve possibilitar o acesso aos recursos comunitários. Tendo em vista o cenário de 20 crianças/adolescentes, 1 coordenador, 2 profissionais de equipe técnica, 2 cuidadores e 2 auxiliares de cuidadores, os ambientes da Instituição de acolhimento podem ser subdivididos em 4 setores básicos:

Cozinha Despensa D.M.L. Área de serviço Estendal de roupa Banheiro funcionários Estacionamento para funcionários / visitas e veículo do abrigo

• • • •

Setor Setor Setor Setor

administrativo de Serviço íntimo social

A partir das orientações técnicas estabelecidas pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA - para os espaços mínimos sugeridos, o programa é criado adaptado para atender com qualidade e praticidade as funções do abrigo. Setor administrativo

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Figura 56, 57 e 58: Vistas do terreno. Fonte: do autor, 2015.

Figura 59, 60 e 61: Vistas do entorno imediato ao terreno. Fonte: Adaptação do Google earth, 2015.

Recepção Secretaria Coordenação Assistente social Psicológo Banheiro funcionários Copa funcionários 2 Sala de fisioterapia/ primeiros socorros

Setor íntimo 4 -

unidades residenciais composta de: sala de estar/tv cozinha de apoio 2 quartos com capacidade de 3 leitos cada área de estudo no quarto banheiros

1 unidade de descanço para funcionários composta de: - quarto - banheiro Setor Social Refeitório Sala de teatro/cinema Brinquedoteca Área livre (jardim, pomar / horta, parque de areia com brinquedos, arquibanca) Pátio coberto Praça seca Área de jogos / conversa ao ar livre

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Figura 62: Fluxograma dos setores. Fonte: do autor, 2015.

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Figura 63: Fluxograma dos ambientes x setores. Fonte: do autor, 2015.

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4.4. Processo projetual .............................................................................................

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se que embora o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 tenha trazido grandes melhorias e importantes avanços no atendimento às crianças e adolescentes acolhidos, ainda é necessário avançar no sentido de sua efetivação. A legislação contemplou a perspectiva do desenvolvimento da criança e do adolescente, mas a sociedade ainda está carregada de estigmas e preconceitos referentes aos sujeitos considerados “abrigados” e ainda não legitima essa prática tida como inovadora e humanizada. Nesse sentido, as instituições de acolhimento ainda são um grande desafio. O abrigo é um lugar de diagnóstico e encaminhamento. É um espaço facilitador, mediador do crescimento da criança e do adolescente. Se no abrigo se trabalha com situações de risco, consideramos que é sua função pensar possibilidades e encaminhamentos para superação destas. A instituição deve ser entendida como possibilidade, lugar de pertencimento, de vinculação, de afetividade e, sobretudo, de instrumentalização para conhecer e, a partir daí, construir possibilidade de pertencimento e inclusão de seus atendidos. É nesse sentido que este trabalho visa (re)pensar os abrigos contemporâneos para potencializar a qualidade de vida dos abrigados.

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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTES CONSULTADAS • ARIÈS, P. L’enfant et la vie familiale sous l’Ancien Régime. Paris: Seuil, 1973 • BINS ELY, Vera Helena Moro. Ergonomia + Arquitetura: buscando um melhor desempenho do ambiente físico. In: 3° Congresso internacional de ergonomia e usabilidade de interfaces humano-tecnologia: produtos, programas, informação, ambiente construído. Anais do 3° Ergodesign. Rio de Janeiro, RJ: Ed. LEUI/PUC-Rio, 2003. • BLOWER, H. C. S. O Lugar do Ambiente na Educação Infantil: Estudo de Caso na Creche Doutor Paulo Niemeyer. Dissertação de Mestrado. PROARQ/FAU/UFRJ: Rio de Janeiro, 2008. • BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes. Brasília, Junho de 2009. • BRONFENBRENNER, Urie. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas, 1996. 267 p. (Original de 1979). • Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal nº 8.069 de 13/07/90, 1990. • EYNG, Alyne; Abrigo ou lar? Um olhar arquitetônico sobre os abrigos de permanência continuada para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. 2008. Tese de mestrado em Arquitetura e Urbanismo – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. • FARINA, Modesto. Psicodinâmica das cores em comunicação. 4.ed. São Paulo: Edgard Blücher Ltda, 1990. 231p.

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• FROMER, Lígia. O abrigo: uma interface no atendimento à criança e ao adolescente vítimas de violência intrafamiliar. In FERRARI, Dalka C. A. & VECINA, Tereza C.C. (orgs.). O fim do silêncio na violência familiar: teoria e prática. 3 ed. São Paulo: Ágora, 2002, p.311-315.

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• GUIRADO, Marlene. Instituição e relações afetivas. São Paulo: Summus ed., 1986. p. 213. • GOMES, Danielle. Arquitetura socioeducativa. Arquitextos, São Paulo, Vitruvius, Abr. 2011. Disponível em: http://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.131/3832. Acesso em: 07 maio 2015. • Hutz, C., Koller, S.H. & Bandeira, D.R. (1996). Resiliência e vulnerabilidade em crianças em situação de risco. Coletâneas da ANPEPP, 1, 79-86. • Jessor, R., Van Den Boss, J., Vanderryn, J., Costa, F. & Turbin, M. (1995). Protective factors in adolescent problem behavior: moderator effects and developmental change. Developmental Psychology, 31, 923-933. • JOHNSTON, Norman. Forms of Constraint – A History of Prison Architecture. Chicago, Univers, 2006. • KISHIMOTO, T. M. (Org.) Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 7ª ed. São Paulo. Cortez, 2003. • MARCÍLIO, M. L. História social da criança abandonada. São Paulo: Hucitec, 1998. • MELLO, Simone Gueresi de. O ambiente físico no qual vivem crianças e adolescentes em situação de abrigo. In: SILVA, E.R.A. (Coord). O direito a

convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: IPEA/ CONANDA, 2004, P.135 A 168. • Morais, N.A., Koller, S.H. (2004). Abordagem ecológica do desenvolvimento humano, psicologia positiva e resiliência: ênfase na saúde. In: Koller, S.H. (Ed.), Ecologia do desenvolvimento humano: pesquisa e intervenções no Brasil (pp.91-107). São Paulo: Casa do Psicólogo. • Notícia do Conselho Nacional do Ministério Público. Publicado em 08 Agosto 2013. Disponível em: http://www.cnmp.mp.br/portal/noticia/3702-cnmp-divulga-dados-sobre-acolhimento-de-criancas-e-adolescentes. Acesso em: 21 maio 2015.

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• OLIVEIRA, R. C. A história começa a ser revelada: panorama atual do abrigamento no Brasil. Abrigo: comunidade de acolhida e socioeducação. São Paulo: Instituto Camargo Corrêa, 2006 (coletânea abrigar: 1). • ORNSTEIN, Sheila; ROMÉRO, Marcelo de Andrade; BRUNA, G. Ambiente construído & comportamento: a avaliação pós-ocupação e a qualidade ambiental. São Paulo: Ed. Nobel, 1995. 212 p. • DEMO, P. Educação pelo avesso – assistência como direito e como problema. São Paulo, Cortez, 2000. • RIZZINI, I. O século Perdido: raízes históricas das Políticas para infância no Brasil. 2.ed. ver. São Paulo: Cortez, 2008. • RIZZINI, I.; RIZZINI, I.. A institucionalização de crianças no Brasil: percurso histórico e desafios do presente. v. 1. Rio de Janeiro: PUC – Rio / São Paulo: Loyola, 2004. 94p. • SANTOS, E. L. Psicologia Ambiental: concepções e métodos de trabalho. 2011. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Psicologia) - Centro Universitário Jorge Amado, Salvador. • TUAN, Y. F. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. Tradução de Lívia de Oliveira. São Paulo: DIFEL, 1983. 250 p. • VENÂNCIO, R. P. Famílias abandonadas. Campinas, SP: Papirus, 1999. • Yunes, M.A., Miranda, A.T. & Cuello, S.S. (2004). Um olhar ecológico para os riscos e as oportunidades de desenvolvimento de crianças e adolescentes institucionalizados. In: Koller, S.H. (Ed.), Ecologia do desenvolvimento humano: Pesquisa e intervenções no Brasil (pp.197-218). São Paulo: Casa do Psicólogo.

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ANEXOS

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01. CROQUIS DO PROCESSO PROJETUAL 1ª ETAPA...........................................

Figura: Cortes AA e BB. Fonte: do autor, 2015.

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Figura: Implantação e térreo do abrigo. Fonte: do autor, 2015.

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Figura: Espaço de convívio. Fonte: do autor, 2015.

Figura: Cortes CC e DD. Fonte: do autor, 2015.

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Figura: Croqui espaços de transição. Fonte: do autor, 2015.

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Figura: Croqui perspectivas do abrigo. Fonte: do autor, 2015.

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Figura: Croqui brinquedoteca e teatro integrado a รกrea verde . Fonte: do autor, 2015.

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