Col belas & feras 001 herança da paixão & inocencia

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Herança da Paixão Lynne Graham Aristandros Xenakis é como um leão pronto para dar o bote. Elegante, sombrio e muito poderoso, ele sentirá em breve o sabor da vingança… Ella precisa cuidar da sobrinha orfã, mas a guarda do bebê pertence à Aristandros, seu ex-noivo. Por isso, não tem escolha além de se submeter às exigências dele e tornar-se sua amante. Inocente, Ella não é nada como as mulheres interesseiras e ambiciosas com as quais Aristandros está acostumado. Ela acreditava que seria questão de tempo até Aristandros se cansar desse jogo de sedução, mas estava profundamente enganada.

Inocência Kate Walker Anos atrás, Jessica Marshall se apaixonara pelo sensual grego Angelos Rousakis. Contudo, sua tentativa desastrosa de atraí-lo fez com que Angelos perdesse tudo. Sete anos mais tarde, ele volta determinado a possuir tudo o que é seu por direito… incluindo Jessica! Completamente seduzida, ela não sabe se Angelos está em busca de prazer… ou de vingança!


Lynne Graham Kate Walker

HERANÇA DA PAIXÃO & INOCÊNCIA

Tradução Ligia Chabú Gracinda Vasconcelos

2015


SUMÁRIO

Herança da paixão Inocência


Lynne Graham

HERANÇA DA PAIXÃO

Tradução Ligia Chabú


Sobre a autora De ascendência escocesa e irlandesa, Lynne Graham morou toda a vida no norte da Irlanda. Ela cresceu em uma vila à beira-mar e agora reside em uma casa de campo cercada por bosques em um terreno bem reservado. Lynne conheceu o marido aos 14 anos, mas só se casaram depois que ela se formou na Universidade de Edimburgo. Aos 15, escreveu seu primeiro livro, rejeitado por todas as editoras que o receberam. Após o fracasso inicial, Lynne somente voltou ao mundo literário durante a licença-maternidade. Depois de muitas tentativas, vendeu uma história, e seu maior prazer foi ver o livro à venda. Um dos maiores sonhos de Lynne era formar uma família grande. Hoje, ela tem cinco filhos. O mais velho é único biológico, enquanto os outros quatro são adotados: dois do Sri Lanka e dois da Guatemala. Lynne ainda possui dois animais de estimação. Thomas, um gato preto enorme e carinhoso que caça coelhos, e cadelinha Daisy, uma adorável e esperta terrier branca que adora ser perseguida por Thomas. À noite, os dois dormem juntos na frente do forno. Lynne adora jardinagem e cozinhar. Ela coleciona qualquer coisa, de brinquedos antigos a rochas. E é completamente louca por qualquer coisa relacionada ao Natal.


PRÓLOGO

– UMA CRIANÇA encantadora – comentou Drakon Xenakis, parado junto à janela, observando a pequena garotinha brincando no jardim exuberante da propriedade de seu neto. – Ela me lembra alguém. Não sei quem... Aristandros velou seus brilhantes olhos escuros, seu rosto bonito e inescrutável. Não disse nada, embora tivesse feito a conexão genética na primeira olhada. Na sua opinião, impossível não a fazer: aquele cabelo loiro, tão claro que ficava entre branco e prateado, os olhos azuis brilhantes e a boquinha rosada eram como uma miniatura de outra pessoa. Sim, o destino tinha colocado uma arma imensamente potente em suas mãos, e ele não hesitaria em usá-la para obter o que queria. Fracassos ou prêmios de consolação não eram aceitáveis para Aristandros. Sem sombra de dúvida, triunfaria... e vencer frequentemente significava violar regras. – Mas as garotinhas precisam de mães – continuou Drakon, sua postura impressionantemente ereta, apesar de seus 82 anos. – E você é especializado em... – Lindas modelos – complementou Aristandros, consciente de que o homem mais velho poderia ter um ponto de vista mais moralista e um termo mais crítico para as mulheres que entretinham seu neto no quarto. – Timon, todavia, deixou-me a filha dele para que eu a criasse, e tenho a firme intenção de enfrentar esse desafio. – Timon era um amigo de infância e um primo, não seu irmão – apontou seu avô numa voz perturbada. – Você está disposto a desistir das lindas mulheres e das festas infindáveis pelo bem de uma criança que não é sua? – Tenho um staff grande, bem treinado e confiável. Não acho que o impacto de Calliope na minha vida será tão catastrófico. – Aristandros nunca tinha sacrificado nada por ninguém, nem podia se imaginar fazendo isso. Todavia, mesmo que não concordasse com o ponto de vista de seu avô, respeitava-o e permitiria que Drakon desse uma opinião. De qualquer forma, poucos homens tinham mais direito de falar francamente sobre responsabilidade familiar do que Drakon Xenakis. O nome da família era, há muito tempo, sinônimo de disfunção e escândalos explosivos. Drakon se culpava porque todos os seus filhos haviam se tornado adultos fracassados, com casamentos destruídos, vícios e casos extraconjugais. O pai de Aristandros provara ser


o pior de todos, e sua mãe, a herdeira de uma empresa de navegação, possuíra as mesmas características de irresponsabilidade e amor à boa vida do marido. – Se você pensa assim, entende a responsabilidade que está assumindo. Uma criança que já perdeu ambos os pais precisará muito da sua atenção para se sentir segura. Você é viciado em trabalho, exatamente como eu fui, Aristandros. É brilhante em fazer dinheiro, mas não somos bons pais – pronunciou Drakon, sua preocupação evidente. – Você precisa encontrar uma esposa disposta a ser mãe de Callie. – Casamento realmente não é meu estilo – replicou Aristandros. – O incidente ao qual se refere aconteceu há 7 anos – apontou Drakon, observando as expressões bronzeadas do neto se fecharem com aquele lembrete. Aristandros deu de ombros. – Foi apenas uma breve paixão da qual logo me recuperei. Mas ele foi tomado por uma onda familiar de raiva. Ella. Tinha apenas de pensar naquele nome para sentir raiva. Há sete anos, Aristandros havia oferecido um prêmio para a única mulher que quisera, a única mulher que ainda não podia esquecer. Jurara na ocasião que um dia se vingaria pelo que ela lhe fizera. O noivado que nunca foi... uma rejeição impensada. Entretanto, de algumas maneiras, Ella não tinha lhe feito um favor? A decepção precoce e o senso de humilhação que ela infligira tinham assegurado que Ari nunca mais baixasse a guarda com outra mulher. Em vez disso, concentrara-se em apreciar os frutos de sua fabulosa riqueza, enquanto se tornava cada vez mais duro e mais ambicioso. Seu sucesso meteórico o transformara num bilionário, e alvo de muito medo e inveja no mundo dos negócios. O discurso franco de Drakon era uma experiência rara para Aristandros, cujos instintos agressivos haviam lhe trazido superioridade e influência sobre outras pessoas. Logo Ella também teria de destruir todos os princípios nobres e preconceitos e obedecer a seus comandos. Ele estava ansioso por isso. Na verdade, mal podia esperar pelo momento que Ella percebesse que ele estava em poder do que essa mulher mais queria. Aquele primeiro gosto da vingança prometia ser muito doce.


CAPÍTULO 1

ELLA ESTAVA sentada como uma estátua na bonita sala de espera. Envolvida em seus pensamentos estressantes, não notou os olhares de admiração que recebeu dos homens que passavam. De qualquer forma, estava acostumada a ignorar a atenção que sua beleza física chamava. Seu cabelo muito loiro, naquela tonalidade rara que era vista mais frequentemente em crianças, fazia com que cabeças se virassem, assim como seus olhos azuis brilhantes e sua figura delgada e esbelta. Suas mãos se torciam no colo, traindo sua tensão. – Dra. Smithson? – chamou a recepcionista. – O sr. Barnes vai recebê-la agora. Ella se levantou. Sob seu exterior calmo, um senso de injustiça lhe contraía o estômago. Suas preces não tinham sido atendidas, e o bom senso ainda estava sendo ignorado. Podia apenas se admirar que pessoas de seu próprio sangue a tivessem colocado numa posição tão cruel. Quando aquilo acabaria? Quando sua família decidiria que ela já pagara um preço bem alto pela decisão que tomara há sete anos? Começava a acreditar que somente a morte acertaria aquela conta pendente. Sr. Barnes, o advogado que consultara duas semanas atrás... Um homem alto e magro com cerca de 40 anos, e a reputação de ser o melhor em assuntos relacionados à custódia de crianças... apertou-lhe a mão agora e a convidou para se sentar. – Consultei os especialistas desta área da lei, e lamento não poder lhe dar a resposta que quer – disse ele com precisão. – Quando você doou óvulos para sua irmã ser capaz de ter uma criança, assinou um contrato no qual abria mão de todos os direitos maternais sobre o bebê, consequentemente... – Sim. Mas o fato de minha irmã e o marido dela estarem mortos agora certamente muda esta situação, não? – interrompeu Ella, tentando manter o controle. – Mas não necessariamente em seu favor – replicou Simon Barnes. – Como mencionei antes, a mulher que carrega o bebê até o nascimento é a mãe legal. Então, apesar de você ser a mãe biológica, não pode alegar ser a mãe da criança. Ademais, não teve nenhum contato com a garotinha desde que ela nasceu, o que não ajuda seu caso. – Eu sei. – Ella ainda achava difícil acreditar que sua irmã, Susie, a cortara de sua vida assim que a filha havia chegado ao mundo, não permitindo a Ella nem mesmo ter uma fotografia, muito menos fazer uma visita pessoal. – Mas ainda sou legalmente a tia de Callie.


– Sim, mas o fato de não ter sido nomeada como guardiã nos testamentos de seu cunhado e de sua irmã prejudica o seu caso – relembrou-a o advogado. – O advogado deles irá testemunhar que a única pessoa que os pais falecidos de Callie estavam preparados para nomear era Aristandros Xenakis. Não esqueça que ele também tem um laço sanguíneo com a criança. – Pelo amor de Deus. Aristandros era apenas primo do pai dela, não um tio ou nada assim! – Primo e amigo de uma vida inteira, que aceitou a responsabilidade pela criança antes do acidente que matou sua irmã e seu cunhado. Não preciso acrescentar que você não pode ter esperança de lutar pela custódia com Aristandros. Ele é um homem extremamente rico e poderoso. A criança também é grega, como ele. – Mas ele também é um homem solteiro com uma péssima reputação de mulherengo! – protestou Ella ferozmente. – Não é a figura do pai ideal para uma garotinha! – Devo apontar que você também é solteira, e que qualquer juiz questionaria por que sua família não está preparada para apoiá-la. Ella enrubesceu com o lembrete humilhante de que estava sozinha e sem apoio. – Lamento, mas minha família não fará nada que possa ofender Aristandros Xenakis. Meu padrasto e meus dois meios-irmãos têm conexões profissionais com ele. O advogado suspirou. – Meu palpite é que a lei irá, no máximo, permitir que você visite a criança, e uma tentativa de lutar pela custódia destruirá qualquer boa vontade em relação a tais visitas. Ella lutou para conter as lágrimas que queimavam nos seus olhos em face das más notícias. – Está me dizendo que não há nada que eu possa fazer? – Acredito que, nas suas circunstâncias, o melhor seria tentar uma aproximação pessoal com Aristandros Xenakis. Explicar a situação e perguntar se ele lhe permitirá ter contato com a criança. Ella tremeu com o conselho de Simon Barnes. Aristandros tinha Callie. Aristandros, que desprezava Ella. Que possível esperança poderia ter de que ele a ouvisse? – Algum dia você pagará por isso – jurara Aristandros há sete anos, quando Ella tinha apenas 21 anos, e estava no meio da faculdade de Medicina. – Não leve para este lado – suplicara-lhe ela. – Tente entender. – Não. Você que entenda o que fez comigo – dissera Aristandros, os olhos escuros e gelados. – Eu a tratei com honra e respeito. E, em troca, você me insultou, embaraçando a mim e à minha família. Arrasada, Ella deixou o escritório do advogado e foi para o espaçoso apartamento que havia comprado juntamente com sua amiga, Lily. Sua amiga, que era cirurgiã, ainda estava trabalhando quando Ella chegou. As duas tinham se conhecido na faculdade de Medicina e se tornado amigas, inicialmente reunindo recursos, como o apartamento e um carro, enquanto ofereciam apoio uma à outra nos momentos estressantes. Ella trabalhava muitas horas e lhe restava pouca energia para imprimir sua personalidade em seu lar. Ainda não escolhera a decoração para seu quarto. Uma pilha de livros perto da cama e um piano em um canto da sala de estar testemunhavam como ela gostava de passar seu tempo livre. Antes que pudesse perder a coragem, telefonou para a matriz de Xenakis Shipping, no Reino Unido, para marcar um horário com Aristandros. Um funcionário prometeu lhe retornar a ligação, e Ella sabia que seria investigada, uma vez que não era cliente. Imaginou se ele a receberia. Talvez por curiosidade? Seu estômago se contraiu com a perspectiva de revê-lo.


Mal podia recordar-se da garota que tinha sido há sete anos, quando partira o coração por causa de Aristandros Xenakis. Jovem, inexperiente e ingênua, sentira-se muito mais vulnerável do que gostaria. Sua forte convicção do que queria havia assegurado que se agarrasse à sua crença, mas viver com aquela decisão provara-se muito mais difícil do que antecipara. Além disso, nunca mais conhecera outro homem, e começava a acreditar que nunca conheceria alguém com quem quisesse se casar. Esta era outra razão pela qual tinha concordado em doar óvulos para sua irmã infértil? Susie, dois anos mais velha, havia sofrido uma menopausa prematura com menos de 30 anos, e sua única esperança de maternidade seria por meio de óvulos doados. Susie voara da Grécia para Londres, onde Ella trabalhava como médica num pronto-socorro movimentado, para pedir ajuda da irmã. Ella ficara tocada quando Susie lhe fizera o pedido. Na verdade, antes daquele encontro, Susie fora uma irmã tão distante e tão crítica quanto o restante da família. Era bom sentir-se necessária, melhor ainda ouvir que um bebê nascido de seus óvulos seria muito mais precioso para Susie do que um bebê nascido com a ajuda de um doador anônimo. É claro, também era muito mais provável que a criança se parecesse com Susie se os óvulos fossem de sua irmã. Ella não hesitara em concordar com o pedido da irmã. Susie tinha se casado com o primo de Ari, Timon, e tinha um casamento sólido. Ella acreditara que uma criança nascida do jovem casal teria uma vida feliz e segura. Enquanto se submetia aos exames e tratamento para doação de óvulos, também havia participado de sessões de aconselhamento e assinado um acordo alegando que nunca poderia reivindicar a criança. – Você não está raciocinando com clareza. – Lily tinha argumentado na época. – Este não é um processo tão racional. E quanto às repercussões emocionais? Como vai se sentir quando a criança nascer? Será a mãe biológica, mas não terá nenhum direito sobre a criança. Sua irmã invejosa vai sentir que a criança é mais sua do que dela? Ella recusara-se a aceitar qualquer resultado negativo daquilo. Susie costumava falar da tia maravilhosa que Ella seria para a criança. Todavia, Susie tinha rejeitado a irmã desde o dia que Callie nascera. Na verdade, lhe telefonara para pedir que ela não fosse visitá-la no hospital, enquanto também exigia que Ella deixasse sua família em paz. Ella ficara muito magoada, mas tentara entender que Susie se sentia ameaçada pelo fato de o recémnascido ser muito parecido com a mãe biológica. Escrevera para a irmã num esforço de tranquilizá-la, mas as cartas tinham sido ignoradas. Desesperada, havia procurado Timon quando ele estava em Londres, a negócios. Timon admitiu que a esposa sentia-se insegura sobre o papel de Ella na concepção da filha deles. Ella rezara para que a passagem do tempo suavizasse as preocupações de Susie, mas, 17 meses após o nascimento de Callie, Timon e Susie tinham morrido num horrível acidente de carro. E, pior, isso acontecera quase duas semanas antes que alguém desse a notícia a Ella, de modo que nem mesmo pôde comparecer ao funeral. Quando Ella finalmente descobrira que sua irmã estava morta, sentira-se terrivelmente sozinha... e não pela primeira vez nos anos recentes. Seu pai havia falecido logo após seu nascimento, portanto, nunca o conhecera, e Jane, sua mãe, se casara com Theo Sardelos seis anos depois. Ella nunca se dera bem com o padrasto, que era um homem de negócios grego. Theo gostava de mulheres para serem vistas, não ouvidas, e ficara furioso com a enteada, quando Ella se recusara a casar com Aristandros Xenakis. Jane era emocionalmente fraca, e não se opunha ao marido ditador, de modo que não fizera sentido buscar o apoio da mãe. Os meios-irmãos de Ella tinham ficado do lado do pai, e Susie recusarase a se envolver.


Ella sentou-se ao piano e ergueu a tampa. Frequentemente se refugiava na música quando estava à mercê de suas emoções, e começou a tocar uma música quando o telefone soou. Levantando-se para atender, parou no meio do quarto ao perceber que estava falando com um dos funcionários pessoais de Aristandros. Não tentou protestar quando foi requisitada a viajar para Southampton na semana seguinte, a fim de encontrá-lo a bordo de seu novo iate Hellenic Lady. Estava simplesmente aliviada por ele ter concordado com um encontro. Todavia, Ella não podia imaginar ver Aristandros Xenakis novamente, e quando Lily retornou do trabalho, aconselhou-a: – Que sentido faz aborrecer-se mais com isso? – perguntou Lily, seu rosto vivaz estranhamente sério sob o cabelo castanho encaracolado. – Eu gostaria apenas de ver Callie. – Pare de mentir para si mesma. Você quer muito mais do que isso. Quer ser mãe, e quais são suas chances de Aristandros concordar? Uma expressão sofrida estampou-se nas feições delicadas de Ella. – Bem, por que não? Como ele planeja continuar seus exageros em divertimentos com um bebê de 18 meses? – Ele pagará pessoas para cuidar da menina. É um homem muito rico – relembrou-a Lily. – E a primeira pergunta que provavelmente vai lhe fazer é o que você tem a ver com os assuntos dele. Ella empalideceu. Seu usual otimismo a persuadira a negligenciar certas realidades, como as atitudes inflexíveis e provável hostilidade de Ari em relação a ela. – Alguém precisa cuidar dos interesses de Callie. – Quem tinha mais direito do que os pais dela? Mas você está questionando a decisão deles de que a criança deveria ir para Aristandros. Desculpe, estou representando o papel do oponente aqui – murmurou Lily. – Susie estava impressionada pela riqueza de Xenakis – confidenciou Ella. – Mas dinheiro não deveria ser o único fator importante quando se trata de uma criança. – É DO tamanho de um navio! – exclamou o motorista de táxi, enquanto se inclinava sobre a janela aberta do veículo para olhar a imensa extensão e os deques elevados do espetacular iate branco Hellenic Lady. – Realmente gigantesco – concordou Ella ofegante, pagando a corrida e descendo no cais. Então secou as mãos úmidas na calça do conjunto marrom elegante que normalmente usava para entrevistas. Um jovem de terno se aproximou. – Dra. Smithson? – perguntou ele, a expressão curiosa. – Sou Philip. Trabalho para o sr. Xenakis. Por favor, acompanhe-me. Philip agiu como um guia turístico, contando-lhe que Hellenic Lady era uma embarcação nova, construída na Alemanha conforme as especificações exatas de Aristandros, e prestes a fazer sua primeira viagem para o Caribe. Enquanto andavam, vários membros da tripulação os cumprimentaram. Philip a conduziu para um elevador enquanto lhe contava sobre submarinos e helicópteros a bordo. Ella não se mostrou deslumbrada até que as portas se abriram no saguão do andar de cima, e ficou boquiaberta ao ver a opulência do espaço e a vista panorâmica e espetacular das janelas.


– Sr. Xenakis estará com você em alguns minutos – informou Philip, conduzindo-a para um deque sombreado, mobiliado com assentos lindamente estofados. Ella sentou-se e tentou relaxar. Um comissário de bordo lhe ofereceu refrescos, e ela pediu uma xícara de chá, porque queria ocupar as mãos com alguma coisa para disfarçar seu nervosismo. Sua mente estava rebelde, resgatando lembranças perturbadoras. Naquele momento, a última coisa que queria era recordar-se de como se apaixonara loucamente por Aristandros quando o conhecera. Havia passado o Natal na Grécia com sua mãe e o padrasto, e, no espaço de um mês frenético, perdera seu coração. Mas o que era tão surpreendente?, perguntou-se agora, tentando desconectar aquele evento com qualquer mística perigosa. Afinal, Aristandros tinha tudo: uma aparência espetacular, uma inteligência afiada e todos os privilégios da riqueza. Ella era uma estudante dedicada na época, sempre absorta em livros, enquanto as outras garotas apreciavam uma vida social e experimentavam os altos e baixos das relações com o sexo oposto. No espaço de um mês, Ella jogara seu bom senso pela janela e vivera para o som da voz de Ari, para a visão magnífica dele. Nada mais importava: não os avisos de sua família sobre a reputação de Aristandros de amar e abandonar as mulheres, nem mesmo seus estudos ou a carreira para a qual existira até aquele ponto. E então, no pior momento possível, seu cérebro tinha voltado a funcionar, fazendo-a ver que loucura era visualizar um futuro com um homem que supunha que o mundo girava ao seu redor. Quando seu chá foi servido, Ella olhou para cima e viu Aristandros parado a alguns metros de distância. Sua garganta se fechou. O chá caiu no pires com o tremor de sua mão. Ella não conseguia engolir, não conseguia respirar. Num terno preto, perfeito para seu corpo esbelto e poderoso, cabelo cor de ébano ondulando com a brisa, e olhos escuros brilhando como ouro no sol, Aristandros era um homem devastadoramente bonito. No momento que ele andou ao longo do deque na sua direção... o epítome da graça masculina, combinada com a energia sexual... ela tornou-se imediatamente consciente de uma reação mais vergonhosa. Um calor pulsou em sua pélvis, e seu rosto enrubesceu. – Ella – murmurou Aristandros quando a moça se levantou para cumprimentá-lo, observando as feições delicadas perfeitas... os olhos muito azuis, a boca rosada e convidativa. Mesmo usando uma maquiagem leve e com o espetacular cabelo loiro preso para trás, estava deslumbrante. Ella era uma mulher naturalmente linda, que passava por espelhos sem uma única olhadinha. A falta de vaidade fora a primeira coisa que ele tinha notado sobre ela e admirado. Aristandros capturou uma das mãos na sua. O súbito contato a pegou de surpresa, e ela ergueu a cabeça, encontrando seus olhos dourados e penetrantes. Subitamente, seu coração estava disparado, interferindo com seu desejo de exibir um exterior composto e confiante. Sentia-se perturbada, o aroma almiscarado de Ari familiar o bastante para deixar seus sentidos em turbilhão. Seus seios incharam dentro do sutiã, os mamilos enrijecendo. Vergonha e desprezo por sua fraqueza a envolveram. – Obrigada por ter concordado em me ver – disse Ella apressadamente. – Humildade não combina com você, Ella. – Eu só estava tentando ser educada! – Você está muito tensa – observou Aristandros, o tom de voz sedoso. Estudou a boca gloriosa de Ella, desceu os olhos para a doce curva dos seios cobertos por um tecido de algodão branco. Ele a vestiria com rendas e sedas mais finas. Seu sexo pulsou quando essa imagem foi despertada em sua mente.


Confrontando o brilho perceptivo nos olhos dourados dele, Ella tremeu em seu interior. Numa tentativa de distraí-lo, removeu a mão e murmurou: – Gosto de seu iate. Aristandros deu um sorriso sardônico. – Não, você não gosta. Acredita que é outro exemplo de meus hábitos de consumo excessivo, e acha que eu deveria ter gastado o dinheiro escavando em algum lugar na África. Ella enrubesceu. – Eu era terrivelmente meticulosa aos 21 anos, não era? Hoje em dia, não tenho a mente tão estreita. – O fundo financeiro Xenakis, o qual estabeleci, contribui muito para quem merece caridade – confirmou ele. – Você me aprovaria agora. Ella empalideceu, porque o encontro não estava progredindo como esperava. Cada palavra de Aristandros parecia fazer alusão ao passado que ela queria deixar enterrado. – Nenhum de nós é a mesma pessoa que naquela época. Aristandros inclinou a cabeça de forma arrogante, nem concordando nem discordando, e convidou-a a sentar-se novamente. Café foi servido para ele. – Fiquei surpreso por você não ter comparecido ao funeral de sua irmã – admitiu ele. Ella pôs seu chá sobre a mesa. – Eu não soube do acidente até algum tempo depois que aconteceu. Ele arqueou as sobrancelhas. – Ninguém na sua família a contatou? – De minha família imediata, não. Minha tia, irmã da minha mãe, me contou depois do evento. Foi estranho, porque ela presumiu que eu já soubesse – explicou Ella. – Obviamente, a notícia foi um choque para mim. Timon e Susie eram tão jovens. Foi uma perda devastadora para a filha deles. – E você está preocupada com Calliope? – Tenho certeza de que todos em ambas as famílias estão preocupados com ela. Aristandros a estudou friamente, então riu. – Lidar com pacientes finalmente lhe ensinou a arte do tato? – zombou. – Duvido que alguém esteja tão preocupado quanto você parece estar. – Há algo que preciso lhe explicar sobre Callie... – Acha que não sei que você é a mãe biológica dela? – O sotaque grego era carregado agora. – É claro que sei disso. Ella ergueu o queixo. – Suponho que Timon lhe contou. – Naturalmente. Fiquei surpreso. Afinal, você um dia me disse que não queria filhos. – Aos 21 anos, eu não queria, e, quando doei meus óvulos, não considerei Callie minha filha quando ela nasceu. Era filha de Susie e Timon. – Quanto altruísmo de sua parte – ironizou ele. – Apesar desta declaração, você está aqui. – Sim – reconheceu Ella. – Eu gostaria muito de ver minha sobrinha. – Você veio de tão longe para me pedir isso? Uma única visita a Callie e então vai partir sem olhar para trás? – perguntou Aristandros com um olhar de descrença. Ella não sabia como responder àquilo. Temia ser honesta e revelar a profundidade de seu desejo de se tornar uma parte mais importante da vida de Callie. – Se isso for a única coisa que está preparado para me permitir. Alguma coisa é melhor que nada.


Olhos brilhantes a encararam. – Você quer tão pouco? Capturada pelo poder dos olhos inteligentes de Aristandros, Ella descobriu que não ousaria mentirlhe e sabia que qualquer forma de evasão seria usada contra ela. – Acho que você sabe que quero mais. – Quão desesperadamente você quer ter acesso a Callie? – perguntou ele. – Muito desesperadamente – admitiu ela. – Não creio que algum dia quis tanto alguma coisa. Aristandros deu uma gargalhada que a deixou perplexa. – Entretanto, ela poderia ter sido nossa filha. Em vez disso, você possibilitou que meu primo e melhor amigo fosse o pai, e deixou sua irmã dar à luz uma menina que é geneticamente metade sua. Já lhe ocorreu que posso achar, em particular, esse arranjo ofensivo? Ella sentiu a cor esvair-se de seu rosto. – Não, lamento que essa possibilidade não me tenha ocorrido, e apenas espero que você não se sinta dessa forma, agora que é o guardião de Callie. – Eu superei. Não sou do tipo sentimental, e nunca colocaria os pais de uma criança contra ela – declarou ele. – O que preciso saber agora é quão longe você está preparada para ir a fim de obter o que quer? O quanto vai se sacrificar? – Está dizendo que tenho a possibilidade de manter um relacionamento com minha sobrinha? – pressionou Ella, perguntando-se por que ele estava falando em sacrifícios. Um sorriso lento curvou os lábios da boca esculpida. – Se você me der prazer, o céu é o limite, glikia mou.


CAPÍTULO 2

ELLA NÃO tinha se esquecido do termo carinhoso que ele costumava usar para chamá-la. Não esquecera com quem estava lidando: um homem muito rico e perigoso, cujo ego ela ferira uma vez. – Não tenho certeza se entendo o que você quer dizer. – Inteligência nunca lhe faltou – replicou Aristandros friamente. – Se você quer ver Callie, só poderá fazer isso nos meus termos. Ella se levantou e andou rapidamente para o parapeito do iate, querendo que a brisa do mar esfriasse seu rosto. – Eu sei... Se eu não aceitasse isso, não estaria aqui. – Meus termos são rígidos – declarou Aristandros. – Você quer Callie. Eu quero você, e Callie precisa de uma mulher para cuidar dela. Se somarmos tais necessidades, chegaremos a um acordo que servirá a nós três. Eu quero você. Essa era quase a única frase que ela absorveu no início. Estava chocada. Ele ainda a achava atraente... depois de sete anos? No primeiro instante, Ella ficou tentada a lhe dizer que nunca o esquecera. Mas então lembrou que ser desejada por Aristandros não a tornava especial. Sabia sobre a vida amorosa cheia de energia dele. Sabia que, enquanto podia ser famoso por seu vigor na cama, de acordo com a imprensa, fora da mesma, os relacionamentos de Aristandros eram de curta duração. Desde a última vez que tinham se encontrado, inúmeras modelos, atrizes e socialites haviam compartilhado o estilo de vida sofisticado de Ari Xenakis antes que fossem dispensadas e substituídas. Ele se entediava muito facilmente. Na verdade, nada que Ella havia lido sobre a reputação de mulherengo de Aristandros já lhe dera razão para se arrepender por não ter se casado com ele, que teria partido seu coração, exatamente como seu padrasto infiel destruíra sua mãe com suas diversões extraconjugais. Após vinte anos de casamento, não restava um pingo de autoestima em Jane Sardelos. – Está sugerindo que, se eu fizer sexo com você, irá permitir que eu veja Callie? – perguntou ela num tom incrédulo. – Não sou tão rude assim, glikia mou – respondeu ele. – Nem tão facilmente satisfeito. Estou até mesmo preparado para lhe oferecer algo que nunca ofereci para uma mulher antes. Quero que você vá morar comigo...


– Morar com você? – ecoou Ella, atônita. – Morar e viajar comigo como minha amante. De que outra maneira poderia cuidar de sua sobrinha? É claro, haveria condições – continuou ele suavemente. – Você não poderia trabalhar fora. Viver comigo e cuidar de Callie seriam ocupações de período integral. – Você não mudou nada – disse Ella, mesmo enquanto seu coração se alegrava com a ideia de poder cuidar de Callie. – Continua esperando ter prioridade em tudo que faz. Aristandros lançou um olhar de desafio. – Por que não? Conheço muitas mulheres que ficariam encantadas em fazer de meus interesses suas prioridades na vida. Por que eu consideraria aceitar um compromisso menor de sua parte? – Mas você não pode envolver uma criança num acordo como este! – exclamou Ella, furiosa. – Seria imoral e inescrupuloso. – Não sofro de escrúpulos morais. Sou um homem prático, que não planeja casar-se para dar uma mãe a Callie. Portanto, se você quer ser mãe substituta dela, tem de fazer como eu quero. Ele estava lhe oferecendo o que ela mais queria ao preço de abandonar tudo pelo que lutara tão arduamente para conseguir. Era uma chantagem e uma vingança com o uso de uma arma potente. – Após sete anos, como podemos não ter nenhum relacionamento se vamos morar juntos? E eu... Uma amante? Isso é loucura. Aristandros ergueu o corpo grande e poderoso do assento e andou em direção a ela como uma pantera prestes a atacar. Seus olhos intensos e brilhantes se fixaram na boca rosada de Ella. – Isso não é um problema para mim. Eu a acho incrivelmente atraente. – E isso é tudo que você precisa? Luxúria? – disse Ella entre dentes cerrados, a expressão de desgosto. – Luxúria é tudo com que precisamos nos preocupar, glikia mou. – Ele ergueu uma das mãos e deixou os dedos lhe traçarem a curva do decote. Com olhos azuis lançando chamas de raiva, ela virou a cabeça numa rejeição violenta ao toque. – Vamos manter isso de um jeito simples. Eu quero você em minha cama todas as noites. – Nunca! – exclamou Ella, furiosa. – É claro, não posso forçá-la a aceitar o acordo – concedeu ele, parando à frente dela e encarando-a com firme resolução. – Mas sou um homem teimoso e determinado. Esperei muito tempo por este dia. Muitas mulheres ficariam lisonjeadas pelo meu interesse contínuo. – Luxúria não é um interesse! – Ella praticamente gritou. – Isso tudo é porque o rejeitei há sete anos, porque nunca dormi com você. Intimidando-a com sua proximidade, Aristandros ficou imóvel, os olhos duros como granito. – Permiti que me rejeitasse porque estava preparado para esperar por você. Desta vez, não estou preparado para isso. Com o coração loucamente disparado no peito, Ella cerrou os punhos. – Não acredito que você tem a coragem de tentar isso comigo. Ele fechou as mãos sobre os punhos delicados para prendê-la. Então abaixou a cabeça arrogante, a respiração quente na testa de Ella enquanto murmurava com voz rouca: – Mas sempre tive coragem numa luta, koukla mou. Lutar pelo que quero é um traço natural da minha personalidade. Se o prêmio é alto o bastante, arriscarei tudo para vencer. Eu não seria um verdadeiro Xenakis se ocasionalmente não navegasse muito perto do sol. Ele estava tão perto que ela nem podia respirar. Aristandros abaixou a cabeça para clamar seus lábios, então a beijou com irresistível paixão. Extraordinariamente familiar, aquele beijo era tudo que ela se


empenhara em esquecer. Por um momento infinito, perdeu-se no calor da boca sedenta de Ari, tremendo pelo incrível erotismo com que a língua dele brincava com a sua. Subitamente, seu corpo parecia queimar de desejo. Mas as lembranças a fizeram negar aquelas sensações vergonhosas, enquanto se afastava de modo tão abrupto e defensivo que o pegou de surpresa. – Não – disse Ella, jogando a cabeça para trás, algumas mechas do cabelo claro soltando-se do penteado para roçar-lhe as faces. Um sorriso estampou-se no rosto bonito de Aristandros. Ele não tentou esconder seu triunfo. – Este “não” está muito perto de se tornar um convite a seus lábios. – Você não pode me comprar com Callie. Não estou à venda, e não posso me sentir tentada. – Mesmo enquanto falava, Ella rezou para que tivesse forças para manter aquelas declarações. – Então todos sairemos perdendo, e talvez a criança mais ainda. Duvido que qualquer outra mulher ofereça a Callie toda a afeição genuína que você poderia dar – pronunciou Aristandros. – Embora muitas delas, sem dúvida, tentarão me convencer do contrário. A última colocação foi como uma facada diretamente no coração de Ella. O mero pensamento de mulheres interesseiras querendo o papel de mãe de Callie apenas para impressionar o guardião bilionário a feria imensuravelmente. – Você está sendo cruel – disse ela. – Eu não teria acreditado que pudesse ser tanto. Impassível, Aristandros a estudou. – A escolha é sua. – Não há uma escolha! – É uma escolha que você não gosta. Mas sinta-se grata por ter uma escolha a fazer. Eu poderia ter lhe negado ver Callie e fechado a porta diante de seu rosto. Um calafrio a percorreu. Era como um golpe frio de realidade se fazendo presente, uma vez que o que ele dizia era verdade. Nas circunstâncias, qualquer escolha era um luxo. Além disso, o que acontecesse a seguir seria decisão sua. Ella o estudou por um momento. Ele era poderoso. Com as opções e ofertas que cruzavam o caminho de Aristandros todos os dias, por que ainda estava interessado nela? Seria pelo fato de que não entregara seu corpo a ele? E uma vez que fizesse isso, perderia seu poder de atraí-lo? – Suponhamos que eu diga sim – murmurou ela baixinho. – Seu interesse não duraria mais do que cinco minutos. O que acontece com Callie então? Passo uma semana ao lado da menina, então desapareço novamente? – Não será assim. Era sempre assim com Aristandros. Seus casos amorosos duravam muito pouco. – O que sei sobre ser amante? Mal posso ser considerada do tipo decorativo. Um sorriso divertido curvou os lábios esculpidos dele. – Existe um tipo? Sou flexível e muito aberto a novas experiências. Irritada, Ella voltou para sua cadeira e se sentou com as costas rigidamente eretas. – Caso eu concordasse, quais seriam as regras? – Seu objetivo principal seria me dar prazer – declarou ele. – É claro, não haveria nenhum outro homem em sua vida. Você sempre estaria disponível para mim. – O tipo de mulher para qualquer hora e qualquer lugar? Esta é uma fantasia masculina, Aristandros, não um objetivo alcançável para uma mulher normal nos dias atuais – protestou Ella.


– Você é esperta o bastante para realizar esta minha fantasia. Foque todo o entusiasmo que tem pela sua carreira em mim e descobrirá que não sou ingrato. Dê-me o que quero e terá tudo o que quiser – prometeu ele com segurança. – Callie – ela murmurou o nome com fraqueza, porque englobava muita coisa e mexia profundamente com suas emoções. A criança que nunca vira, mas que queria amar como filha, não como sobrinha. Aristandros podia exercer um poder quase ilimitado sobre ambas, mas Ella precisava lembrar que também tinha o poder de fazer uma grande diferença na vida de Callie. E ansiava por amar a garotinha, que perdera os pais tão cedo. – Quanto tempo tenho para decidir? Aristandros lhe deu um olhar punitivo. – É agora ou nunca. O acordo tem de ser feito hoje. – Mas isso é absurdo! Você está me pedindo para desistir da minha carreira em medicina. Tem ideia do que ser médica significa para mim? – Uma ideia muito boa. Afinal, você uma vez escolheu sua carreira acima de mim – replicou ele, os olhos perigosos. – Essa não foi a única razão pela qual o rejeitei. Fiz isso por nós dois... Teríamos sido infelizes! – declarou Ella, perdendo o controle de suas emoções. – E deixe-me informá-lo de algo que não é negociável sob nenhuma circunstância... Se eu concordar, não vou tolerar infidelidade. Emoções fortes levaram cor ao rosto de Ella e um brilho intenso aos olhos. Era um vislumbre da jovem apaixonada de quem ele se lembrava, que costumava colocar muita energia em tudo que era importante, mas que o dispensara sem olhar para trás. – Não estou lhe pedindo em casamento desta vez. Portanto, não vou fazer nenhuma promessa – respondeu Aristandros ao desafio. – Também devo avisá-la de que, independentemente do que acontecer entre nós, eu não abrirei mão da custódia de Callie. Timon confiou em mim para criar a filha dele, e cumprirei este dever. Diversas respostas vieram à mente de Ella, mas conteve-as, percebendo que não seria sábio desafiá-lo naquele momento. Podia apostar que Aristandros não sabia nada sobre crianças, uma vez que era filho único, criado como um miniadulto por pais que não tinham tempo ou interesse por ele. Entretanto, sabia que ele não faria nada para prejudicar a criança sob seus cuidados. Para sua própria paz mental, precisava acreditar que, se criasse elos fortes com Callie, Aristandros reconheceria o perigo de uma separação de tais elos e faria concessões. – Ella, é hora da decisão, glikia mou – murmurou ele, impaciente. Ella visualizou a criança imaginária e estudou as feições determinadas de Aristandros. Apesar de desgostar daqueles métodos arrogantes, ainda o achava maravilhoso, e isso era uma vantagem, não? Mas como seria ter um relacionamento sexual sem emoção com ele, particularmente quando era inexperiente nesse aspecto? Forçou-se a se concentrar em Callie, e reprimiu todos os sentimentos egoístas, como orgulho ferido, fúria e humilhação. Se ganhasse o direito de cuidar de Callie, aprenderia a lidar com o resto? – Tudo bem – disse ela, erguendo o queixo. – Mas você terá de me dar tempo para cumprir aviso prévio no trabalho.


– TERMINOU? – PERGUNTOU o dr. Marlow da porta do consultório, enquanto Ella erguia uma caixa de papelão da mesa. A sala parecia vazia. – Sim. Tirei a maior parte das minhas coisas ontem. – Quando seu colega estendeu as mãos, Ella lhe entregou a caixa, então aproveitou a oportunidade para fazer uma última checagem nas gavetas. Finalmente, endireitou o corpo. – Pode pedir para a faxineira procurar uma pequena fotografia? Era de meu pai, e eu gostava muito. Quebrei o porta-retratos no mês passado e removi a fotografia, e agora parece ter desaparecido. – Tentaremos encontrar – prometeu o homem alto e loiro, os olhos azuis preocupados. – Você parece exausta. – Tive tantas coisas para organizar. – Ella não comentou sobre o estresse emocional por ter se demitido do emprego que amava. Todos os seus longos anos de trabalho tinham sido invalidados. Sentiria muita falta de seus colegas e de seu trabalho. Não veria mais o progresso físico de seus pacientes, ou os benefícios da clínica de prevenção ao câncer de seios que ajudara a desenvolver. Já se sentia perdida sem a estrutura de sua rotina agitada e exigente. Tudo havia acontecido tão rapidamente, uma vez que usara as férias acumuladas para diminuir o tempo de aviso prévio. – Não posso dizer que aprovo o que está fazendo, porque você era muito valiosa em nossa equipe – observou Alister enquanto a acompanhava até o carro. – Mas admiro seu comprometimento com sua sobrinha, e sei que sua perda será o ganho dela. Mantenha contato, Ella. Ella dirigiu para casa, pensando que o apartamento espaçoso logo não seria mais seu lar. Lily ia comprar sua parte no apartamento. Ella teria preferido não vender, mas sentiu que era injusto com Lily, que estava relutante em arriscar uma nova pessoa para dividir a casa. É claro que Lily lhe ofereceria uma cama se ela precisasse, mas não seria o mesmo que ser dona do apartamento. Quanto tempo levaria até que Aristandros se cansasse dela? Provavelmente poucas semanas. A novidade para ele não duraria. Então, o que Ella faria sem emprego e sem um lar para onde retornar? O dinheiro que receberia pela metade do apartamento não seria suficiente para comprar outra propriedade, e teria de voltar para o aluguel. Mas quando Aristandros a dispensasse, sua maior preocupação seria Callie, e se teria ou não permissão de manter um relacionamento com a garotinha. Não contara a ninguém sobre o relacionamento íntimo que manteria com o magnata grego. Apenas dissera que ia ajudar a cuidar da sobrinha órfã, que atualmente estava vivendo na Grécia. Lily, todavia, desconfiou da explicação. – Você realmente quer tanto Callie a ponto de desistir de tudo que lhe importa? – perguntou mais tarde, quando jantavam num restaurante para uma noite de despedida. – Se quer tanto uma criança, poderia ter um filho. – Mas quero estar com Callie... – E com o bilionário sexy? Enrubescendo, Ella afastou o prato. – Aristandros é o guardião de Callie e uma parte não negociável da vida da menina. – Mas você sente algo por ele, não é? – insistiu sua amiga. – Não sei de onde você tirou essa ideia. – Oh, talvez quando notei que você só comprava jornais e revistas para poder ler notícias sobre ele. – Eu estava curiosa, porque o conheci anos atrás, e Susie era casada com o primo dele – defendeu-se Ella. Sua amiga ainda a estudava.


– Foi naquele Natal que passou na Grécia, antes de seus pais começassem a tratá-la com desprezo, que você conheceu Aristandros Xenakis, não foi? Mais defensiva do que nunca, Ella deu de ombros. – Meu padrasto nunca permitiu que perdêssemos a chance de nos socializar com a família bilionária dos Xenakis. Suspeito que nos conhecemos quando crianças, mas não me recordo. Aristandros é quatro anos mais velho que eu. – Sinto que há uma história aí que você não está me contando – confessou Lily. – Na época, achei que seu coração estava partido. Ella fez uma careta enquanto tentava reprimir as memórias das noites que passara em claro e dos dias em que somente o trabalho aliviava sua sensação de solidão e perda. Mas tinha aceitado tais consequências ao perceber que não poderia se casar com o homem por quem se apaixonara. De qualquer forma, ele não se esforçara nem um pouco para que ela mudasse de ideia. Na verdade, seu coração se partia mais cada vez que uma mulher nova entrava na vida de Ari. Mas tudo isso era passado agora, lembrou-se agradecida. Seus piores temores em relação a Aristandros haviam sido confirmados. Ela tomara a decisão certa e nunca duvidara disso. Na manhã seguinte, todavia, seria apanhada às 9h, e não tinha ideia do que aconteceria a seguir. Eles ficariam em Londres por muito tempo? Ela encontraria Callie amanhã? Deitada na cama aquela noite, observando as sombras brincarem nas paredes vazias, recordou-se do Natal em Atenas, quando estava de férias da faculdade de medicina. O tempo pareceu voltar enquanto era levada para o passado... SUSIE A apanhara no aeroporto. Sua irmã era solteira na época, e parecia muito bem-humorada enquanto contava sobre a boate exclusiva a que levaria Ella naquela noite. – Acabei as provas finais, e estou realmente cansada – disse Ella. – Prefiro ir para a cama. – Não pode fazer isso – protestou Susie. – Consegui um convite especialmente para você. Ari Xenakis e todos os amigos dele estarão lá. Susie, com sua determinação em se socializar com os ricos e famosos e aparecer nas colunas de fofoca, era a favorita do padrasto delas. Theo Sardelos gostava de mulheres ornamentadas e frívolas. A natureza séria de Ella, seu desgosto por pretensão o deixavam desconfortável. Pela segurança da paz noturna, Ella acompanhou Susie. A boate estava barulhenta e congestionada, deixando-a entediada. Tinha ouvido histórias terríveis sobre Ari Xenakis. Ele dispensara a última namorada por mensagem de texto, e os pais da garota tiveram de viajar ao exterior a fim de impedir que a filha o seguisse. Enquanto as histórias dele eram comentadas ao redor da mesa, Ella registrou, perplexa, que todas as garotas ansiavam por sair com Ari, apesar da evidente rudeza dele. Quando ele foi apontado na pista de dança, ela descobriu outra razão pela qual Ari Xenakis era tão popular, além da riqueza. Era maravilhoso, com cabelo preto, grandes olhos dourados e um corpo de atleta. Se uma das pessoas que estava à mesa de Ella não tivesse desmaiado, provavelmente ele nunca a teria notado. Lethia, conhecida de uma das amigas de Susie, teve uma convulsão. Ella ficou chocada pela maneira como todos abandonaram a garota se debatendo na lateral da pista de dança. Quando Ella foi ajudá-la, Susie ficou furiosa. – Não se envolva! – disse, tentando arrastar a irmã de volta para mesa. – Nós mal a conhecemos. Ignorando-a, Ella ajeitou a posição de Lethia, deixando-a o mais confortável possível enquanto a convulsão seguia seu curso. As outras garotas alegaram não saber nada sobre a saúde de Lethia. Ella


teve de mexer na bolsa da garota para descobrir que Lethia parecia ser epilética, e estava tomando um remédio para isso. – Você precisa de ajuda com ela? – perguntou alguém em inglês. Virando a cabeça, Ella encontrou Aristandros agachado ao seu lado, as feições bonitas surpreendentemente sérias. – Ela é epilética e precisa ir para um hospital, porque está inconsciente por mais de cinco minutos. Aristandros chamou uma ambulância, sua frieza se provando útil naquele momento de crise. Também contatou a família de Lethia, que confirmou que a garota era mesmo epilética. – Por que ninguém mais quis ajudar? – questionou Ella, enquanto eles esperavam a ambulância. – Suponho que a maioria das pessoas assumiu que o ataque era relacionado a drogas, e não quis nenhum envolvimento – explicou Aristandros. – Ninguém parecia saber que Lethia sofre de epilepsia. Suponho que ela não queria que as pessoas descobrissem – murmurou Ella, os olhos azuis compassivos. – Você falou em inglês comigo. Como sabia que eu era inglesa? Com um brilho divertido nos olhos escuros, Aristandros lhe deu um sorriso que tirou o fôlego de Ella. – Eu já tinha perguntado quem você era antes que Lethia desmaiasse. Ella enrubesceu, porque estivera convencida de que ele não a notaria. As outras garotas estavam exóticas em suas roupas sensuais e sofisticadas, enquanto ela vestia uma simples saia preta com blusa azul. – Por que você se aproximou? – Eu não podia tirar os olhos de você – confessou Ari. – Lethia foi apenas uma desculpa. – Você dispensa mulheres por mensagem de texto, então as chama de perseguidoras. Não estou interessada. – Ella trocou para o idioma grego, que falava fluentemente. – Não há nada mais excitante do que um desafio, glikia mou – respondeu Aristandros com voz rouca, os cílios pretos muito longos baixando...


CAPÍTULO 3

ÀS 9H da manhã seguinte, Ella entrou numa limusine prateada e observou suas malas sendo carregadas. Com o cabelo preso num nó na nuca, estava vestida numa saia cinza e blusa de riscas finas. Tinha consciência de que não parecia uma amante e se orgulhava desse fato. Se Aristandros queria desperdiçar seu tempo tentando transformá-la numa mulher sedutora que se vestia para impressionar na hora de ir para a cama, então tinha nas mãos um daqueles desafios que alegava adorar. Ella apertou a bolsa no colo. Sexo era apenas sexo, e é claro que lidaria com aquilo. Tecnicamente, sabia muito sobre os homens. Com certeza, não era a mulher mais sexy do mundo... Afinal, vivera anos como se o sexo não existisse. Celibato somente a perturbara uma vez, e isso quando tinha namorado Aristandros. Sentiu o rosto esquentando ao recordar-se dos beijos ardentes dele no iate. Sempre detestara a sensação de não estar no controle. Aristandros, por outro lado, adoraria colocá-la naquela condição e alimentar seu ego ainda mais. Quando a limusine parou no meio-fio, Ella desceu e observou o prédio diante de si, surpresa, vendo o logotipo dos escritórios de advocacia. Andou para a recepção, onde foi imediatamente conduzida até uma sala. Aristandros virou-se da janela para estudá-la. – O que estou fazendo aqui? – questionou Ella antes que ele pudesse falar. Como sempre, ele estava magnífico, a figura grande e poderosa vestindo um terno elegante. Mas muito mais que isso, exalava uma aura de poder e autoconfiança. Olhos dourados se estreitaram focando o rosto dela, então desceram para os seios numa apreciação que era ousada e muito masculina. – Tenho um acordo legal aqui, redigido por meu advogado – informou-a Aristandros. – Quero que você assine para que não haja mal-entendidos entre nós no futuro. Ella irritou-se. – Por que só estou sabendo disso agora? Pelo amor de Deus, já me demiti do emprego e concordei em vender meu apartamento! – Sim – concordou ele, sem se desculpar. – Você planejou isso dessa forma? Esperou que eu ficasse sem nada, de modo que tivesse menor probabilidade de argumentar seus termos?


– O que adoro sobre você é sua falta de ilusão a meu respeito, glikia mou – replicou ele com ironia. – Espera que eu seja o patife que sou. Ella lutou para controlar sua raiva crescente. Sem dúvida, tinha sido ingênua em não se preparar para as táticas que ele poderia usar a seu favor. Na verdade, não lhe ocorrera que Aristandros considerasse necessário fazê-la assinar um documento legal, principalmente porque o acordo deles era de natureza íntima. – Você realmente discutiu nosso futuro relacionamento com seu advogado? – Sempre tento antecipar a possibilidade de problemas. E uma mulher tão determinada quanto você pode muito bem me causar problemas se quiser – disse Aristandros. – Mas você discutiu o fato de que quer que eu seja sua amante! – exclamou ela em tom condenatório. – Não será um segredo quando morar comigo e for vista constantemente a meu lado. Não vou fingir que você é apenas uma babá. A indiferença de Aristandros em relação aos sentimentos dela a enfurecia. – Você realmente não se importa sobre como me sinto com tudo isso, não é? – Eu deveria? – Ele arqueou uma sobrancelha cor de ébano. – O quanto se importou quando tive de contar aos meus amigos e à minha família que você não ia, afinal de contas, se tornar minha esposa? A resposta foi como um golpe físico para Ella, fazendo-a empalidecer ao recordar-se da culpa que sofrera naquela noite, há sete anos. – Fiquei muito chateada com aquilo. Mas não tive culpa se você decidiu presumir que o fato de eu o amar significasse que eu desistiria da medicina e me casaria com você! – acusou ela. – Não houve malícia da minha parte. Embora eu não quisesse me casar, gostava muito de você, e a última coisa que queria era magoá-lo de qualquer maneira. Os olhos de Aristandros se tornaram quase pretos de desprezo, e o maxilar enrijeceu. – Você não me magoou. Não sou tão sensível, glikia mou. Contudo, a raiva e o desejo de vingança, sete anos depois, davam a Ella uma mensagem muito diferente. Aristandros sempre gostava de exibir uma força indomável, sugerindo que não se tornava vulnerável facilmente. Todavia, agora parecia que a rejeição dela o ferira mais do que queria admitir. – Tanto faz – replicou Ella. – Isso ainda não é desculpa para contar ao advogado sobre possíveis problemas de um relacionamento íntimo! Nada é sagrado? – Certamente, não sexo – disse ele. – Precisa entender que este não é um acordo de concubinato, e você não será minha parceira nesse sentido, portanto, não poderá exigir nada de mim no futuro. – Oh, estou entendendo agora! – exclamou ela furiosa. – Você está protegendo sua riqueza, mesmo sabendo muito bem que não tenho interesse no seu dinheiro! Meu Deus, se dinheiro fosse importante para mim, eu teria me casado com você quando tive a chance! – Aqui. – Sem mais discussão, Aristandros pegou o documento de cima da mesa e o estendeu. – Leia e assine. Sentindo as pernas trêmulas, Ella se sentou na poltrona mais próxima. Era um contrato longo e complexo. Tentando se acalmar, digeriu os termos. Logo estava tão horrorizada, que uma onda de náusea a assolou. Aristandros tinha reduzido o relacionamento iminente deles num acordo frio, repleto de exigências e impedimentos. Em retorno pelo privilégio de cuidar de Callie e ser totalmente sustentada por ele, Ella deveria darlhe prazer na cama todas as vezes que ele desejasse, esforçando-se para corresponder às suas


expectativas em tudo que viesse a fazer. Deveria morar, se vestir e viajar de acordo com as vontades dele. Em adição, tinha de aceitar que a “vida privada” de Aristandros não era de sua conta, e qualquer interferência nesta questão seria considerada quebra do contrato. Ella teve de cerrar os dentes para conter uma explosão de raiva. As condições do que somente poderia ser chamado “serviço” dela eram inacreditavelmente detalhadas e humilhantes. Como qualquer homem ousaria discutir assuntos tão confidenciais com seu advogado? Como ele tivera coragem de ditar termos tão cruéis e desavergonhados? – Isso... é ultrajante! – disse Ella. – Por que não me põe numa coleira e se refere a mim como um bichinho de estimação? – Quero que a descrição do trabalho fique clara antes que você assuma o papel. Sou honesto sobre o que quero e espero de você. Não poderá dizer que não foi avisada. Enquanto continuava lendo, Ella ficou cada vez mais tensa. Ele estava até mesmo pondo restrições no seu contato com Callie... Ela não teria direito de sair com Callie sem permissão e a companhia de um segurança. Deveria sempre respeitar a posição de Aristandros como único guardião legal da menina e obedecer às suas instruções. Qualquer tentativa de luta pela custódia ou de exercer direitos sobre a criança resultaria em acesso negado a Callie. Ella tremeu com a ameaça brutal e olhou para Aristandros, estudando-lhe a expressão. Aquilo era sério. Ele não queria uma amante, e certamente não uma parceira... Queria uma escrava, com a missão de agradá-lo. – Até este momento – murmurou Ella, tremendo –, eu não tinha percebido o quanto você me odeia. – Não seja ridícula. – Se eu não puder nem mesmo discutir com você, não serei capaz de respirar! – Espero desacordos ocasionais – disse Aristandros. – Mas não aceitarei contínua hostilidade, que possa diminuir meu conforto. Ella não respondeu. O acordo redigido era um pesadelo humilhante. Sentia-se como se suas asas estivessem sendo cortadas e jamais seria livre novamente. Aristandros estava determinado a possuir seu corpo e sua alma, e controlar cada passo seu. – Perdemos tempo o bastante discutindo isso. Assine – ordenou ele friamente. – Não tenho direito a falar com meu advogado antes de assinar? Nem mesmo terminei de ler. – É claro que pode consultar seu advogado, mas isso levará mais algumas semanas, e você terá de esperar mais tempo para conhecer Callie – apontou ele. – Estou começando a entender por que você é tão rico. Sabe que botões apertar, como pressionar. – É claro. – Aristandros abriu as mãos bronzeadas num movimento flexível. – Eu a quero, e estou programado para lutar por você. – Você joga muito baixo – sussurrou Ella, abaixando a cabeça para ler, ainda chocada pela extensão de controle que ele pretendia exercer. Passou os olhos pelos detalhes financeiros, vendo o valor exorbitante da mesada que Aristandros estava lhe oferecendo, e o “pacote de benefícios” ainda mais generoso como prêmio de consolação no fim do relacionamento. Como poderia lutar contra ele? Tudo que lhe importava naquele momento era a promessa de ver Callie e assegurar que a menina recebesse o amor e a segurança que precisava para crescer. Não poderia perder esta oportunidade. – Você vai assinar? – Se eu assinar agora, quando verei Callie? – Amanhã. Ella suspirou e se levantou para pôr o documento sobre a mesa.


– Vou assinar. Aristandros chamou dois advogados e suas assinaturas foram testemunhadas. Ela não conseguiu olhar para nenhum dos homens, tamanha sua humilhação. Era difícil acreditar que o mesmo homem um dia a tratara com respeito e cortesia. O fato de Ella tê-lo rejeitado obviamente o fizera odiá-la. – E agora? – perguntou Ella quando estavam sozinhos de novo. – Isto... – Longos dedos seguraram seu rosto, inclinando-lhe a boca, e subitamente Aristandros a estava beijando, enviando uma reação explosiva ao corpo dela. Sem poder conter um tremor, Ella pressionou-se contra o peito sólido, impelida pela sensibilidade de seus seios e pela pulsação entre as pernas. Queria, precisava mais daquela conexão. Ele fechou uma das mãos sobre o seu quadril, puxando-a para si, e Ella deixou escapar um gemido baixo quando sentiu a força da ereção masculina mesmo através das roupas. Aristandros ergueu a cabeça e sorriu como um verdadeiro predador. – Congelada por fora, ardente por dentro, koukla mou. Quantos outros homens houve? – Alguns – mentiu Ella com hesitação, determinada a esconder o fato de que somente ele era capaz de lhe extrair aquela resposta louca. – Sou uma mulher apaixonada. Um músculo saltou do maxilar dele. Os olhos se tornaram gelados. – Evidentemente. Mas, de agora em diante, toda essa paixão é minha. Entendeu? Brincando de mulher fatal, Ella ergueu cílios longos e sedosos e deu-lhe um olhar significativo. – É claro. Houve um momento de silêncio enquanto Ella reunia coragem. – Vai me contar como Callie é? Aristandros pareceu surpreso com o pedido. – Ela é um bebê. O que se pode dizer sobre um bebê? Callie é bonita. – Ele hesitou. – É uma criança tranquila, boa... Você mal percebe a presença dela na casa. Ella baixou os cílios para esconder sua preocupação com aquela descrição. Um bebê de um ano e meio deveria ser ativo e extrovertido, e não tranquilo e invisível. Evidentemente, sua sobrinha ainda estava sofrendo os efeitos de perder os pais. – Você tem um relacionamento próximo com ela? – É claro que sim. – Aristandros franziu o cenho. – Agora, se isso é tudo, a limusine está esperando. Você tem um compromisso. – Onde? – Vou levá-la à inauguração de uma galeria esta noite. Você vai precisar de roupas. – Eu tenho roupas. – Não que combinem com meu estilo de vida – contradisse ele. – Vejo você mais tarde. Pegando sua cópia do contrato, Ella voltou para o carro, ainda abalada pelo encontro. O chofer a levou para uma loja de grife. Sua chegada tinha sido claramente pré-arranjada. Foi recebida à porta e conduzida ao vestuário, onde alguém tirou todas as suas medidas. Dentro de minutos, uma seleção de trajes foi levada para que experimentasse. – E para o evento desta noite – murmurou a vendedora, balançando um elegante vestido preto diante de Ella –, o sr. Xenakis gosta deste em particular. Ella respirou fundo para não falar que aquele não era seu estilo. Na verdade, era difícil acreditar que Aristandros estivesse tão interessado nos seus trajes. Abandonara o trabalho por algumas horas, a fim de considerar a aparência dela? Um homem que se excitava tanto com o corpo feminino que até mesmo


escolher roupas se tornava um prelúdio para o sexo? Ella focou seus pensamentos ansiosos em Callie e experimentou as roupas sem comentários, sendo tolerante até com a absurda coleção de lingerie de seda e renda. O novo guarda-roupa era apenas um suporte para capacitá-la a representar um papel, disse a si mesma. Infelizmente, a perspectiva de vestir uma lingerie provocante para beneficiar Aristandros quase a deixou em pânico. De súbito, desejou que não tivesse alegado ter um nível de experiência que não possuía. Em seguida, o chofer a levou a um salão de beleza. Ella não fez objeções. Na verdade, era bom ter alguém cuidando de seu cabelo e de suas unhas, e o processo de ser maquiada por um profissional a intrigou. Cores e técnicas que nunca sonhara em experimentar foram aplicadas. Não era de admirar que Aristandros a chamara de koukla mou... Minha boneca. Ella agora era a boneca dele, para ser manipulada da forma que lhe proporcionasse prazer. Num estacionamento subsolo, ela desceu da limusine e foi conduzida a um elevador. Aristandros morava numa cobertura de três níveis, que dava vista para o Hyde Park. Uma grande extensão de espaço luxuoso parecia sair de todas as direções do imponente hall de entrada. Ella e suas sacolas foram levadas diretamente para o quarto principal. Uma piscina brilhava além das portas do pátio, ao lado de um terraço ensolarado e de um magnífico jardim coberto. Uma criada, que lhe falou em grego, mostrou-lhe o closet onde as roupas deveriam ser guardadas, antes de levá-la ao opulento banheiro de mármore. Ella descobriu que não podia tirar a atenção da cama gigantesca que ocupava um lugar central no quarto. Sexo com Aristandros, pensou com o coração disparado... Algo com que sonhara há sete anos, agora era uma ameaça. Todavia, se a prática levava à perfeição, ele devia ser melhor na cama do que a maioria dos homens. A criada pendurou o vestido preto enquanto Ella selecionava um conjunto de lingerie azul-turquesa e foi para o chuveiro. Quando vestiu aqueles itens, parou diante do espelho, notando que as roupas de baixo se colavam aos seus seios e às curvas de seus quadris, sem mencionar partes mais pessoais. Naquele exato momento, a porta se abriu sem aviso. Arfando, ela pegou uma toalha para cobrir o corpo e arregalou os olhos azuis. Aristandros estava parado à porta, parecendo mais másculo do que nunca. Já tendo descartado paletó, gravata e sapatos, e com a camisa parcialmente aberta, revelando o peito poderoso, exalava sensualidade. – Deveria ter trancado a porta se não queria companhia – provocou ele, vendo-a agarrar a toalha contra os seios. – Para uma mulher que esteve com alguns homens, você é muito tímida. O orgulho a fez erguer a cabeça, o cabelo quase branco de tão loiro emoldurando-lhe o rosto. – Não sou nem um pouco tímida! – Derrube essa toalha e prove isso – aconselhou ele preguiçosamente. Ella não hesitou. Soltou a toalha, deixando-a cair aos seus pés. Sabia que era tolice, mas se sentia mais nua e ciente na lingerie sofisticada do que teria se sentido em suas próprias roupas de baixo. Aristandros olhou, não tentando esconder sua apreciação. – Vale a pena despi-la, glikia mou. Ella arfou, sabendo que seus mamilos tinham se arrepiado e estavam visíveis sob a renda. Sua boca secou quando ele deu um passo à frente e segurou-a pelos quadris, erguendo-a sobre a pedra de mármore da pia, como se ela não pesasse nada. – O que você está fazendo? – demandou Ella.


– Apreciando você – respondeu Aristandros com voz rouca, inalando-lhe o aroma da pele quando se inclinou. Seu sabonete, sua mulher, no lugar onde ela pertencia. Pressionou a língua quente no pescoço delicado, onde uma pequena pulsação batia freneticamente. Com a ponta da língua, provocou-a. Deslizou as mãos dos ombros delgados para descer o sutiã e liberar os seios do confinamento. – Você é perfeita. – Ele moldou um dos seios na mão e provocou-o com os lábios. Surpresa, Ella sentiu-se indefesa, mentalmente despreparada para um desafio sexual antes que a noite caísse. Seus mamilos estavam insuportavelmente sensíveis. Inclinou a cabeça para trás e gemeu em resposta às carícias. Estava em chamas antes que Aristandros abaixasse a cabeça para explorar o centro da feminilidade. Seu corpo traidor quase delirava de desejo. Ele entreabriu os lábios internos e tocou-a com os dedos, enquanto beijava a boca ardentemente. Ella tremia inteira. Num ritmo vagaroso, ele circulou o ponto mais sensível, brincando com a pele delicada. Sem forças para impedir aquilo, Ella entregou-se à maestria erótica. Logo chegou ao estágio onde poderia ter chorado de frustração e lhe suplicado de joelhos por satisfação. Uma risada divertida saiu dos lábios da Aristandros quando ela o puxou para mais perto com mãos frenéticas, procurando pelo consolo temporário de contato físico que a posição deles lhe negava. – Respire fundo, khriso mou – disse Aristandros. – Temos a inauguração de uma galeria para ir, e preciso de um banho... – Inauguração de uma galeria? – Com grande dificuldade, Ella controlou o desejo sexual que ele lhe despertara e retornou à razão. Era como sair do coma e entrar num mundo novo. Não podia acreditar que Aristandros a seduzira no banheiro, e agora queria ir para o banho, enquanto ela ainda o abraçava. Tirou as mãos dele como se tivesse sido queimada. – É claro. – Não temos tempo. – Aristandros a desceu da pedra de mármore. – Não quero que você seja como um prato rápido. Quero saboreá-la como uma festa e apreciar cada nuance. – Um prato rápido – repetiu Ella com desprezo. Ele a estudou longamente. – Você me quer. Chegará um momento que nem mesmo se importará como eu a tomo... Apenas querendo que eu faça isso. – Nunca – jurou ela. – Prefiro morrer! Um sorriso presunçoso brincou na linda boca. – Conheço as mulheres. Nunca me engano. – Você se enganou uma vez – relembrou-o Ella antes que pudesse pensar. Os olhos escuros esfriaram no rosto de Aristandros. – Não ouse. Um nó se formou no estômago de Ella. Arrependida das palavras impulsivas, ela voltou para o quarto. Por um segundo, recordou-se do momento alegre quando ele lhe pedira em casamento. Sua felicidade havia se transformado em horror um instante depois, quando Aristandros anunciara publicamente os planos deles, dizendo que ela desistiria da medicina a fim de ser esposa e mãe. Minutos depois, eles estavam engajados numa disputa na qual se tornara claro o quanto Aristandros podia ser inflexível. Não havia meio termo para ele. Era tudo ou nada. O rompimento da relação parecera cruel e injusto para Ella. Pelo menos desta vez, pensou, sabia o que esperar se o contrariasse. Não haveria uma segunda chance para acertar a situação...


CAPÍTULO 4

– EU QUASE esqueci – observou Aristandros, entrando numa sala imponente que saía do hall e deixando Ella à porta. Ella observou-o erguer uma pequena caixa da mesa e franziu o cenho. – Venha aqui – chamou ele com sua impaciência usual. – Você não pode ir sem joias. – Não tenho nenhuma. – Vou iniciar a sua coleção, glikia mou. – Aristandros tirou um colar de diamantes de sua caixa de veludo quando ela se aproximou, com as pernas rígidas. – Vire-se. – Não quero isso! – Apesar de tolerar as roupas, um rio de diamantes ia bastante contra seus princípios. – Mas é meu desejo que você o use – declarou ele, dedos determinados se curvando sobre os ombros dela para virá-la. Ella tremeu quando as pontas dos dedos de Aristandros roçaram sua nuca. Ele a girou de frente e, com satisfação, estudou a joia circulando o pescoço dela. Ella ficou surpresa pela multidão na inauguração da galeria. Nunca sonhara que pudesse ver tantas pessoas bem-vestidas e celebridades reunidas num só lugar. Assim como nunca tinha recebido tanta atenção pessoal. No momento em que entrou no salão ao lado de Aristandros, todas as mulheres pareceram olhar na direção deles, sussurrando comentários. Enquanto Ari discutia uma escultura com seu criador, Ella percorreu o longo espaço. Admirava uma pintura encantadora de uma praia quando foi abordada por uma ruiva alta, cujo corpo perfeito era adornado por um minúsculo vestido de seda branca. – Então, você é a minha substituta! – disse a mulher, os olhos verdes acusadores e furiosos. – Quem é você? Quando exatamente Aristandros a conheceu? Ella sabia quem era a linda ruiva. Chamava-se Milly, uma modelo famosa, e provavelmente a amante mais recente de Aristandros. Ella não disse nada, uma vez que viu lágrimas nos olhos da outra mulher. – Você não vai receber nenhum aviso de que acabou. Um dia está com ele e o mundo lhe pertence, e no dia seguinte está sozinha, e não há nada que possa fazer sobre isso. Ele não atenderá mais seus telefonemas – disse Milly. – Todas as portas se fecharão na sua cara. – Deve haver opções muito mais seguras e recompensadoras para uma mulher tão jovem e linda como você – murmurou Ella. – Não dê a ele a satisfação de saber que você se importa.


Milly a estudou em confusão. – Está sendo gentil comigo? Você não tem ciúme? – Não – declarou Ella com inata dignidade. – Não sou do tipo ciumenta. Tarde demais, ela viu a atenção da ruiva ser desviada. – Milly – cumprimentou Aristandros a outra mulher educadamente, vindo por trás de Ella. – Você não tem ciúme? – perguntou ele quando Milly desapareceu rapidamente no meio da multidão, enervada pelo olhar gelado do ex-namorado. – É claro que não – replicou Ella, pensando nos sete anos que passara lendo sobre as incontáveis mulheres na vida de Aristandros. Familiaridade, estava convencida, tinha trazido tolerância e bom senso ao seu modo de encarar as coisas. Para todo lugar que Aristandros ia, era alvo da ambição das mulheres. Aquele era um fato da vida, e enquanto ele permanecesse rico e lindo, essa situação não mudaria. Fitando-a com ironia, Aristandros a conduziu de volta para a paisagem da praia. – Isso me lembra Lykos... A praia abaixo da casa – comentou ele, inclinando a cabeça imperiosa para o dono da galeria a poucos metros de distância. – Nós vamos levar este. Aristandros tinha herdado a ilha grega de Lykos do lado materno de sua família. Uma vez Ella fizera um piquenique lá com ele e, de repente, os anos voltaram em sua cabeça, fazendo-a lembrar-se de como a brisa bagunçara seu cabelo enquanto eles comiam. Agasalhada para a temperatura de inverno, ouvira com interesse enquanto Aristandros falava sobre os planos de revitalizar a economia precária da ilha e impedir que a população empobrecesse ainda mais. O senso de responsabilidade dele pela pequena comunidade de Lykos a impressionara muito. – Onde você vai pendurar a paisagem da praia? – perguntou Aristandros quando eles saíram da galeria. – Onde eu vou pendurá-la? – murmurou ela, confusa. – Está dizendo que comprou o quadro para mim? – Por que não? – Porque não quero que me compre presentes. Você está gastando dinheiro comigo de um modo absurdo! – disse Ella irritada enquanto eles atravessavam a rua até a limusine prateada. Barreiras de seguranças impediam que os membros da imprensa se aproximassem demais. Com a coluna rígida, Ella piscou enquanto fotos eram tiradas e jornalistas faziam perguntas a Aristandros. A maior curiosidade era sobre a identidade da nova companheira dele. Todavia, Aristandros os ignorou gloriosamente, entrando na limusine a seu lado. – É claro que vou lhe comprar coisas. Acostume-se com isso. – Só estou aqui por causa de Callie. Contato com ela é a única recompensa que quero – proclamou Ella, mexendo nervosamente no colar de diamantes para dar ênfase a seu ponto. Ele estreitou os olhos. – Nenhum homem quer ouvir que seu único atrativo é um bebê de 18 meses, khriso mou. Ella ergueu a cabeça. – Mesmo se isso for verdade? – Mas não é verdade. É uma mentira da qual deveria se envergonhar – disse Aristandros com um sorriso zombeteiro. – Você me quer tanto agora quanto me queria há sete anos. Não faça dessa criança sua desculpa. Ella perdeu a cor.


– Não é uma desculpa. Posso ocasionalmente achá-lo... atraente, mas eu não teria feito nada a esse respeito. – Então o fato de que nós nos gostamos e nos desejamos no passado não significou nada para você? – Não seja ridículo... É claro que significou! – protestou Ella. – Mas você queria que eu fosse alguém que eu não poderia ser. Aristandros fechou uma das mãos sobre a dela para forçá-la a virar-se e encará-lo. – Eu só queria que você fosse uma mulher, não uma feminista fanática. – Eu nunca fui fanática – retrucou ela com raiva. – Fui sensata. Queríamos coisas totalmente diferentes da vida. Não poderia ter dado certo. – Sem dúvida, o tempo dirá. – Ele liberou-lhe a mão. O silêncio que se seguiu durante o retorno deles para a cobertura a deixou nervosa. Compartilhar uma cama em breve com Aristandros já seria difícil o bastante sem aquele clima tenso entre os dois. – Se o quadro será meu, vou pendurá-lo aqui em algum lugar – disse Ella abruptamente, tentando amenizar a atmosfera. – Porque não tenho outro lugar para morar no momento. Aristandros lhe deu um pequeno sorriso, como se estivesse satisfeito pela obediência. – Você mora onde moro agora. Um tremor involuntário a percorreu com a ideia de ter sua alma independente destruída. O grego alto e poderoso fechou as mãos sobre seus ombros para virá-la de frente para ele, os olhos dourados encarando-a. – Não lute com o inevitável, glikia mou. Abrace estas mudanças em sua vida. Você pode até mesmo descobrir que as aprecia. – Nunca – jurou ela veementemente. – Ouço palavras de sua boca com as quais nenhuma outra mulher jamais ousou me confrontar – murmurou ele em tom sedoso. – Você é verdadeiramente única. Reconhecendo o triunfo de Aristandros na posição em que ele a colocara, Ella fechou os olhos com força. Então, quando ele lhe cobriu a boca com um beijo ardente, sua única arma foi a raiva. Mas mesmo enquanto usava ambas as mãos para empurrar o peito sólido, pensou melhor na sua ação. Tinha feito um acordo com o demônio, e agora era a hora do pagamento. Enquanto Aristandros a beijava, Ella permaneceu imóvel como uma estátua, sem corresponder. Mas ele brincou com sua boca, suavemente no começo, então de modo ardente e sedento, até que conseguiu derreter sua resistência, e a resposta sensual fez seu corpo traidor tremer numa onda poderosa de desejo. Com um gemido de aprovação, Aristandros a ergueu nos braços e carregou-a para o quarto principal. O coração dela batia violentamente, tornando-a ofegante. Quando ele a colocou no chão, Ella tirou os sapatos. Um gemido baixinho escapou de sua garganta no momento que o zíper de seu vestido foi aberto. A boca sensual era como fogo em sua pele. O deslizar da língua entre seus lábios entreabertos era um afrodisíaco indescritível. Por um instante, foi abalada pela consciência que o desejava tanto quanto precisava de ar para respirar. A culpa a dominou por um momento, enquanto entendia que era mais fraca do que acreditara ser. – Pare com isso – disse Aristandros, observando-lhe a expressão perturbada. – Parar com o quê? – De nutrir os pensamentos que estão transformando-a numa múmia egípcia. Ella enrubesceu.


– Na verdade, não pense em nada – continuou ele. – Isso é sexo. Você não precisa estudar o ato sob um microscópio. Seja espontânea... e natural. – Natural? – exclamou Ella. – Esta é a coisa menos natural que já fiz! – Somente porque você está lutando contra tudo que a faço sentir. O fato de ele reconhecer sua luta interna a surpreendeu, porque não lhe ocorrera que Aristandros poderia entendê-la. Impaciente, ele a impulsionou para a cama. – Isto é sexo – repetiu com um desprendimento que ia contra todos os instintos de Ella. Mas se quisesse que o acordo deles funcionasse, refletiu, teria de parar de julgá-lo e esperar mais do que ele provavelmente jamais lhe daria. – Quantos homens você disse que foram? – perguntou Aristandros, observando-a cobrir-se com o lençol até que somente os ombros pudessem ser vistos. Ella sentou-se, as feições delicadas se tornando defensivas. – Eu não disse! Um silêncio se estendeu. Com um sorriso sardônico, Aristandros se despiu devagar, com movimentos graciosos, atraindo a atenção de Ella, independentemente do quanto tentasse evitar aquele lado do quarto. Desde os ombros muito largos até o lindo torso definido, era a perfeição masculina esculpida. Ela também não pôde evitar notar que ele estava excitado, e seu coração disparou com a visão. – Menos de cinquenta? – perguntou Aristandros casualmente. Ella lhe enviou um olhar perplexo. – Definitivamente menos que cinquenta – decidiu ele por si mesmo. – Não é da sua conta! Pare de fazer um drama sobre isso. – Saia daí de baixo do lençol. Numa série de movimentos violentos, Ella jogou o lençol de lado, e reclinou-se contra os travesseiros numa pose exagerada, com a coluna arqueada e o peito aberto. – Satisfeito? Aristandros fixou o olhar nos seios volumosos cobertos pelo sutiã azul-turquesa. – Ainda não. Tire tudo, glikia mou. Os olhos azuis se arregalaram. – Tudo? Ele assentiu com uma inclinação da cabeça. Por um segundo, Ella ficou rígida em rejeição, então se levantou. Com uma postura desafiadora, removeu as peças íntimas. Olhos escuros percorreram sua pele clara e suas curvas delgadas. Aristandros aproximou-se e envolveu-a nos braços. – Já sinto como se tivesse esperado uma vida inteira por você! – murmurou ele, clamando-lhe a boca de maneira possessiva, mesmo enquanto as mãos fortes lhe moldavam os seios arredondados e provocavam os mamilos rijos. O corpo de Ella ganhou vida quase imediatamente. Ondas de desejo lhe percorreram os seios e a pélvis, acordando cada célula de seu ser. Beijá-lo subitamente se tornou uma necessidade feroz, enquanto os lábios másculos e a língua de Aristandros executavam uma exploração erótica na sua boca. Mãos fortes tocando seu corpo sensível a fizeram pressionar o corpo contra o torso musculoso. Ele a deitou na cama e cobriu-a com o corpo poderoso. Em segundos, Ella estava tomada por um desejo


ardente que somente conhecera uma vez. Por vontade própria, seus quadris se ergueram e suas pernas se abriram, pedindo um contato ainda mais íntimo. Aristandros ergueu a cabeça para fitá-la. – Você vai aproveitar muito mais quando abrir mão do seu autocontrole rígido. – Não zombe de mim. – Não estou fazendo isso. Quero que esta seja uma noite inesquecível. O corpo de Ella estava em chamas, agindo por vontade própria, incapaz de obedecer aos comandos da mente. Tremia, tomada por um desejo avassalador e indescritível. Num gesto instintivo, entrelaçou as mãos no cabelo de Ari, puxando-lhe a cabeça para que pudesse encontrar-lhe a boca novamente. Ele lhe deu um olhar de surpresa. – Você fala muito – disse Ella. Com uma risada rouca e deliciosa, Aristandros a beijou com pura paixão. O desejo crescente e desesperado acabou com quaisquer defesas de Ella. – Se thelo... Eu a quero – sussurrou ele, estudando-a com apreciação. – Quando você responde assim, me enlouquece, khriso mou. Ela contorceu-se e gemeu quando ele explorou o centro íntimo entre as suas pernas. Ondas poderosas de prazer a percorreram quando Ari provocou o pequeno botão abaixo de seus pelos claros. Toda resistência desapareceu. Seu ser inteiro estava centrado no desejo pulsante que ele lhe despertava... Um desejo que se tornou cada vez mais forte, até que o corpo de Ella explodiu num clímax espetacular... Uma explosão que começou no baixo-ventre e, de modo lento e maravilhoso, espalhou-se por todo o seu corpo. Ainda estava inundada pela sensação abençoada e pela intensidade da experiência quando Aristandros deslizou entre suas pernas e posicionou as mãos sob seus quadris para erguê-los. O pênis ereto e poderoso provocou a abertura úmida, fazendo-a arfar. Ele tentou penetrá-la, mas, por um instante, o corpo delicado pareceu resistir à invasão. Com um gemido estrangulado, Aristandros posicionou-se de joelhos a fim de facilitar sua entrada, e a pele úmida finalmente cedeu para acomodálo. Ella gritou com o súbito prazer da penetração. Seu coração estava bombeando violentamente enquanto ele se movia, renovando-lhe a excitação e enlouquecendo-a mais uma vez. Nunca tinha sentido nada tão incrível. Impressionada pela intensidade explosiva de prazer que a envolvera minutos atrás, estava mais preparada quando aconteceu de novo, antes que Ari alcançasse a própria liberação. Depois da experiência magnífica, Ella sentiu-se chocada quando uma fraqueza física drenou suas respostas extravagantes. – Meu sonho antigo tornou-se realidade – murmurou Aristandros, estendido na cama como um gato no calor do sol. Então, virou-se para ela e beijou-lhe a testa, estudando-a com satisfação. – Uma mulher de múltiplos orgasmos que deixa minha cama em chamas, khriso mou. Ella estava envergonhada por ter sido tão responsiva. Não podia negar que sexo com Aristandros provara ser uma atividade extremamente prazerosa. Todavia, justo ou não, detestava-o pelo fato de ele ter lhe proporcionado tanto prazer. Afinal de contas, havia planejado apenas tolerar o sexo com ele, não deixá-lo com a impressão de que era um amante maravilhoso. – E tão linda – observou Aristandros, acariciando-lhe o cabelo loiro que cascateava sobre os ombros. – Mas muito imaginativa com relação à verdade. Ela enrubesceu. Afastando-se um pouco, perguntou: – Isso significa...?


– Você me disse que já teve diversos amantes. Mas não acho que houve nem mesmo um. – Bem, você está errado – replicou ela, furiosa. Aristandros capturou-lhe a mão quando ela tentou escapar para o outro lado da cama. – Nunca dormi com uma virgem antes, mas você parecia uma. Afrontada pela intimidade daquele comentário, Ella retirou sua mão da dele. – Bem que você gostaria, não? – provocou, o rosto corado. – Você é grego até a alma. Dorme com inúmeras mulheres, mas não quer uma que aprecie a mesma liberdade. Na verdade, sua maior fantasia hipócrita é uma virgem! – Não fale assim comigo – avisou ele, o tom de voz sério e gelado. – Se miso... Odeio você – retrucou Ella. Levantando-se, refugiou-se no banheiro. Tremia inteira, e seus olhos estavam marejados com lágrimas contidas. Aristandros se tornara seu primeiro amante, mas ela preferia cortar a própria língua a admitir tal fato para ele. Não queria lhe dar essa satisfação... O conhecimento de que não tivera intimidade com nenhum homem desde que ele tinha saído de sua vida há sete anos, dizendo-lhe que ela se arrependeria por rejeitá-lo enquanto vivesse. Ella conhecera outros homens, mas, infelizmente, nenhum deles lhe causara o mesmo efeito que Aristandros Xenakis. Tendo amado Ari e o perdido, estivera determinada a não se contentar com menos. E suas expectativas altas asseguraram que permanecesse solteira e sozinha. Reconhecer o quanto havia traído seus próprios ideais doía. Ari a fazia sentir-se vulnerável e ameaçada. Ela tomou um banho, ainda abalada pelo fato de ele ter notado sua inexperiência. Após anos de atividades atléticas e o processo de doação de óvulos que resultara na gravidez de sua irmã, estivera confiante de que ele não teria razão para adivinhar a verdade. Seu orgulho lhe negava qualquer direito à verdade. Estava enrolada numa toalha quando uma batida soou à porta. Ella abriu. – O que foi agora? – Qual é o problema com você? – demandou Aristandros. – Somos bons juntos. Amanhã você vai conhecer Callie. O que há de errado? O som do nome de sua sobrinha, o lembrete do acordo deles, a acalmou. – Nada errado. Foi um longo dia, e acho que estou cansada – murmurou ela, passando por ele e indo para o quarto. No closet, selecionou uma camisola de alcinhas e voltou para a cama, censurando-se pela perda de controle. Estava sendo tola. Ser antagônica em relação a Aristandros era pura insanidade. Ofendido, ele se vingaria, e Ella teria mais a perder. Não era necessária a ele e muito menos insubstituível. Diversas mulheres ficariam felizes em assumir o papel de amante, e nenhuma delas o insultaria. Aristandros não estava acostumado com esse tipo de tratamento e não toleraria. Muito cedo na manhã seguinte, ainda meio adormecida, ela o ouviu tomando banho e deixando o quarto. Uma criada a acordou algumas horas depois, e disse que Aristandros a esperava para o café da manhã. Ciente de que encontraria Callie em algumas horas, Ella saltou da cama com entusiasmo e se aprontou. Ofegante e tensa, entrou na elegante e moderna sala de jantar. – Bom dia – sussurrou, cada célula do seu ser pulsando quando Aristandros largou o jornal e levantou-se em toda sua altura e postura de comando. Ter feito sexo com ele aumentara incrivelmente sua consciência do poder daquele corpo másculo. Podia sentir um calor a envolvendo mesmo antes de encontrar os olhos dourados e brilhantes. Ele a


estudou com expressão inescrutável. Por alguma razão, Ella recordou-se do primeiro encontro amoroso deles, há sete anos, quando Aristandros chegara a sua casa, sem aviso, numa manhã, acordando a família inteira, porque queria levá-la para passear de iate. O padrasto de Ella tinha demonstrado exagerada alegria, enquanto seus meios-irmãos gêmeos haviam ficado divididos entre aprovar ou desaprovar que o bilionário Xenakis, com uma má reputação, tivesse interesse em uma das irmãs deles. Apenas sua mãe tivera reservas. Ella não se dera conta de quão rico, poderoso e famoso Aristandros era, até que viu o modo como outras pessoas o tratavam. Estava surpresa por seu apetite agora, e tomou um bom café da manhã antes de perguntar: – Callie está vindo para cá? – Não. Ela estará nos esperando no Hellenic Lady, com a babá. Vamos navegar para a Grécia – informou-a Aristandros. Como o resto de sua família, Aristandros sentia-se o homem mais feliz do mundo quando estava num barco. Susie costumava reclamar muito sobre o amor de Timon pela água, uma opinião que Ella não compartilhara. – Espero que ela goste de mim – murmurou Ella antes que pudesse evitar a admissão de sua insegurança. – É claro que vai gostar. – Ele lhe deu um olhar demorado, repleto de apreciação masculina. Ella enrubesceu e mexeu seu café. – Callie também teve muita sorte por eu deixá-la sair da cama esta manhã – murmurou Aristandros com voz rouca. Então descansou uma das mãos bronzeadas na coxa dela, convidando-a a encará-lo. – Eu queria mantê-la acordada a noite inteira. Moderação não é meu estilo, koukla mou. Muito consciente do desejo intenso nos olhos dourados, Ella se descobriu inclinando-se para frente a fim de encontrar-lhe os lábios. Não poderia ter explicado o que a impulsionou a fazer aquele movimento corajoso. Mas o beijo espontâneo foi indescritivelmente doce e inebriante, enviando energia vibrante para todas as suas terminações nervosas. Um momento depois, as mãos de Aristandros estavam em seu cabelo, puxando-a para si, antes que ele a tirasse da cadeira diretamente para seus braços. Excitação a percorreu como fogo enquanto ele a carregava de volta para o quarto.


CAPÍTULO 5

ELLA ESTAVA tão nervosa que seu coração parecia querer saltar do peito no momento em que viu Callie no salão de recepção do iate Xenakis. No primeiro olhar, reconheceu o quanto sua filha biológica se parecia com ela, com o cabelo loiro prateado e olhos azuis em formato amendoado. Perguntou-se com tristeza se, ironicamente, aquela semelhança pronunciada, tinha despertado a insegurança em Susie sobre seu papel como mãe de Callie. A menininha virou-se do brinquedo com o qual estava entretida e focou a atenção não em Ella, mas em Aristandros. Todavia, em vez de correr para cumprimentar o grego alto, como seria esperado, Callie acenou-lhe e sorriu. Aristandros acenou de volta. – Ela sempre sorri quando me vê – comentou Aristandros, evidentemente contente com o estilo de seu cumprimento. Ella aproximou-se de sua sobrinha e ajoelhou-se, o coração batendo descompassado enquanto estudava a criança, cujos olhos muito azuis revelavam curiosidade. Uma mãozinha tímida foi estendida para tocar o cabelo igualmente loiro de Ella, então a menina removeu a mão rapidamente. Reconhecendo o medo de Callie pelo desconhecido, Ella começou a conversar para se apresentar, e, dentro de minutos, tinha esquecido totalmente a presença de Aristandros e da babá grega parada do outro lado do vasto salão. Quando se recordou da presença deles, olhou para trás, mas Aristandros havia desaparecido. Logo descobriu que Callie se animava quando ouvia música e adorava dançar. A garotinha riu encantada quando Ella participou da dança infantil, e a atmosfera tornou-se mais relaxada. Quando refrescos foram servidos, Ella sentou-se para conhecer a jovem babá de sua sobrinha, Kasma, e descobriu mais sobre a rotina da criança. Enquanto as duas mulheres conversavam, Ella fez um chapéu de guardanapo para divertir Callie, que estava ficando entediada. Callie finalmente concordou em se sentar no colo de Ella para comer uma fruta. O peso quente e sólido da criança em seu colo momentaneamente levou lágrimas de felicidade aos seus olhos. Aquele era um momento que nunca imaginara que experimentaria. Naquele instante, todos os sacrifícios que fizera pareceram ter valido a pena. Kasma tinha muitas coisas interessantes para lhe contar. A jovem respeitava muito Aristandros para criticar seu empregador. Mesmo assim, o que Ella descobriu, através de questões sutis, logo a convenceu


de que Aristandros não possuía habilidades parentais e, provavelmente, não tinha interesse em admitir tal deficiência. Mas então Callie logo adormeceu em seus braços, e Ella seguiu Kasma para uma cabine no deque inferior, decorada como um quarto de bebê, e colocou sua sobrinha no berço para uma soneca. Desejosa por se refrescar, algo que não tivera a chance de fazer mais cedo naquele dia depois da partida apressada deles da cobertura de Londres, Ella retornou para a cabine principal, onde tomou uma ducha no fabuloso banheiro de mármore da suíte. Não pôde deixar de sorrir ao reviver a tarde que acabara de passar. As horas pareciam ter voado enquanto estivera com Callie. Uma comissária de bordo apareceu para lhe dizer que Aristandros a esperava no salão. Ella terminou de secar o cabelo, o corpo formigando em sintonia com seus pensamentos, porque não podia esquecer-se do amor erótico e excitante com Aristandros no início do dia, ou da liberação abençoada que experimentara mais uma vez nos braços dele. – Uma mudança de planos... Voaremos para Paris em uma hora – anunciou Aristandros quando ela se juntou a ele. – Paris? – Involuntariamente, ela estudou-lhe as feições bonitas. Mesmo num terno formal e gravata de seda escura, Ari emanava tanta sexualidade e energia que sua boca se secou completamente. – Por quê? – Alguns amigos estão dando uma festa, e estou ansioso para exibi-la. – Mas Callie está na cama e exausta. Acabou de voar da Grécia – relembrou-o Ella desconfortavelmente. – Ela pode dormir durante o voo. – Aristandros deu de ombros, ignorando o protesto. – Crianças são muito resistentes. Devo ter viajado muito ao redor do mundo com meus pais na idade dela. Como você se deu com Callie? – Nós nos demos muito bem, mas levará tempo para que ela se apegue a mim. – Ainda assim, você será uma mãe melhor do que Susie foi – previu Aristandros com ironia. Perplexidade e irritação com a crítica a fizeram defender sua irmã falecida. – Por que está dizendo isso, pelo amor de Deus? Manuseando um arquivo de negócios, Aristandros ergueu uma sobrancelha cor de ébano e olhou para cima novamente. – Não tenho medo da verdade, e morte não torna alguém santo. Você nunca deveria ter doado óvulos à sua irmã para que ela engravidasse. Susie não foi capaz de lidar com isso. Uma doadora anônima teria sido uma opção muito mais segura. – Sobre o que está falando? – exigiu Ella saber. Aristandros lhe enviou um olhar impaciente. – Não me diga que nunca percebeu que, na opinião de Susie, você era a irmãzinha inimiga? Brilhava mais do que ela em beleza e inteligência, e aumentou seus pecados atraindo meu interesse. – Isso é completamente absurdo! – Não é. Susie tentou me conquistar muito antes de olhar para Timon, mas não mordi a isca. Ella estava abalada por uma informação que nunca lhe passara pela cabeça antes. Susie se sentira atraída por Aristandros? Tal possibilidade jamais lhe ocorrera. – Isso é verdade? Aristandros franziu o cenho.


– Por que eu mentiria sobre isso? Não fiquei satisfeito quando Susie começou a namorar Timon, mas ele se apaixonou perdidamente por sua irmã. Ella empalideceu, as maçãs do rosto tornando-se mais proeminentes sob a pele clara. Subitamente, coisas que não havia compreendido, mas que lhe deram uma sensação de desconforto, estavam sendo explicadas... As constantes reclamações de sua irmã sobre a inabilidade de Ari ser fiel durante o período que Ella o namorara, as acusações contínuas de que Ella não apreciava sua sorte o bastante. – Independentemente do que sua irmã fez, Timon a perdoou, porque a amava. Mas quando você possibilitou que eles tivessem um bebê juntos, e Susie rejeitou a criança, Timon não pôde aceitar. Ella arfou em perplexidade. – Susie rejeitou Callie? Como? – Deixou a filha na mão de empregados. Mesmo insistindo que não poderia viver sem o bebê, rejeitou Callie após o nascimento. Timon estava arrasado. Consultou médicos e psicólogos para a esposa, mas Susie se recusou a ir às consultas. E, finalmente, Timon começou a falar sobre divorciar-se e pedir a custódia de Callie. O casamento estava no fim quando eles faleceram. Triste e abalada pela nova descoberta, Ella sentou-se pesadamente numa cadeira. – Eu não tinha ideia de que a situação era tão séria. Se eu soubesse, se Susie tivesse me recebido depois do nascimento de Callie, talvez eu pudesse... – Você era a última pessoa que poderia tê-la ajudado. Susie tinha inveja de você. – É perfeitamente possível que Susie estivesse sofrendo de severa depressão pós-parto. Minha família não tentou ajudá-la? – perguntou Ella. – Não acho que eles reconheceram a extensão do problema, ou que queriam se envolver, uma vez que viram que o casamento de Susie estava em grave crise – replicou Aristandros, sem rodeios. Ella sabia que em tais circunstâncias seu padrasto ditador teria dito à esposa que cuidasse da própria vida, e sua mãe não teria coragem de desafiá-lo, mesmo se discordasse. Ella sentia-se insuportavelmente triste. Susie sofrera de depressão? Todavia, nem mesmo Timon tinha sido capaz de persuadi-la a procurar ajuda profissional. A pobre Callie experimentara uma vida insegura desde o momento que havia nascido. Ella agora entendia por que a garotinha era muito quieta e pouco ativa para sua idade. – Quanto tempo você passa com Callie? – perguntou para Aristandros. Ele arqueou as sobrancelhas, como se estivesse surpreso pela pergunta. – Eu a vejo todos os dias que estamos sob o mesmo teto. – Mas você brinca com ela? Conversa? Segura-a? Aristandros retraiu-se com as perguntas diretas. – Não sou o tipo de homem que sabe demonstrar afeição. É por isso que você está aqui. Com um suspiro, Ella se levantou. – Não quero ofendê-lo, mas preciso ser franca. No momento, tudo que você parece fazer é acenar para Callie da porta do quarto dela uma ou duas vezes ao dia. Aristandros ergueu as mãos em objeção ao tom de censura. – É um pequeno jogo que fazemos. Que mal há nisso? Ella estava prestes a perder a paciência. Ele não era tão obtuso. Não podia acreditar que era um ótimo pai com um aceno de longa distância. – Callie precisa ser tocada. Precisa que conversem com ela e brinquem em sua companhia. A razão pela qual não correu para cumprimentá-lo hoje é porque se acostumou a vê-lo a distância. E é assim que você gosta disso, não é? Ser pai sem tocar. Mas Callie precisa de contato real com você...


– O que devo fazer com um bebê? – questionou ele, claramente ofendido pela crítica. – Sou um homem muito ocupado, e estou dando o melhor de mim. – Sei que está. Você só precisa de certo direcionamento – murmurou Ella, de repente imaginando se o relacionamento dele com os pais disfuncionais também tinha sido baseado em acenos a partir da porta do quarto. – E então você seria brilhante, porque sempre faz muito bem tudo a que se determina. Os olhos escuros brilharam, enquanto um sorriso lento e charmoso curvava a boca esculpida. – Me elogiar não vai adiantar, glikia mou. – Vai pensar melhor sobre voar para Paris... pelo bem de Callie? – pressionou Ella suavemente. – Você não faz bem o papel da mulher doce e submissa. Mortificada pelo tom irrisório que a informava de que ele entendera perfeitamente sua tentativa de impor seu modo de pensar, Ella endireitou a coluna, mesmo enquanto enrubescia. – Eu estava tentando ser cuidadosa. – Não gosto disso. Não combina com você – declarou Aristandros sem rodeios. – No primeiro dia que encontrou Callie, preciso lembrá-la de que tomo todas as decisões em relação à criança? Ella empalideceu com o lembrete. Encontrou olhos frios avisando que ele não tinha intenção de permitir que sua autoridade fosse contestada, fazendo-a lembrar quem estava no controle, e que ela entrava num território perigoso do qual talvez não conseguisse sair. Era óbvio que Aristandros pretendia fazê-la cumprir, ao pé da letra, o contrato que assinara. Ella havia prometido não interferir na criação de Callie. Subitamente percebia o quanto seria difícil cuidar da filha enquanto seguia as regras. – Primeiro nós nesta questão, não a criança. Não permita que Callie se coloque no nosso caminho e cause discórdia – ordenou Aristandros com ênfase. Ella queria lhe dizer o quão egoísta e irracional ele estava sendo, mas acabara de ser avisada que não ousasse. Aristandros Xenakis tinha passado 32 anos de sua vida fazendo exatamente o que queria, o tempo todo. Poderia tentar guiá-lo, mas ele nunca lhe daria a liderança. Quem era ela para pensar que poderia mudá-lo? O clima tenso e gelado fez os pelos dos braços se arrepiarem, então, virou-se para partir. – Aonde você vai? Ela parou, apreensiva. – Eu... preciso decidir o que vou vestir esta noite. – Não há necessidade, uma vez que você ainda não tem um guarda-roupa apropriado. Meu staff irá organizar uma seleção de vestidos e enviar para minha casa de Paris, e sua criada fará sua mala. Há muito pouco que você precisa fazer agora. Ella virou-se. – Às vezes, você me assusta... – E no instante que vociferou essa admissão, arrependeu-se, mas lá estava: a mais completa verdade. Aristandros pôs o arquivo de lado e levantou-se. – Eu não quero isso. Ella comprimiu os lábios trêmulos. – Não posso evitar a maneira como me sinto. – Você é uma das mulheres mais fortes que já conheci. Mas ele a estava transformando numa covarde, porque, se ela falasse o que pensava, perderia muito, pensou amargamente. Aristandros fechou uma das mãos sobre a sua e puxou-a mais perto. Com um movimento imperioso da cabeça, entrelaçou os dedos de ambos.


– Se isso é tão importante, tentarei me esforçar mais com Callie. – Estranhamente, ele hesitou, a boca generosa e sensual se comprimindo. – Mas não sei como fazer isso. Não tive uma infância convencional. Ella estava ciente que mesmo aquela pequena admissão de ignorância era um grande passo para ele, e que qualquer tipo de mudança sincera da parte de Aristandros deveria ser apreciado e encorajado, mas ainda se sentia tão tensa e abalada que sua mão tremia na dele. – Eu sei – disse com sentimento, o coração apertado pela infância cruelmente problemática de Aristandros, a qual, graças aos pais dele, tinha sido muito bem documentada pela mídia. – Minha primeira lembrança é de meu pai gritando com minha mãe quando eu quase me afoguei numa piscina. Eles estavam bêbados ou drogados... – Os ombros largos se movimentaram, as feições fortes endureceram. – Estavam tão ocupados com a briga que me deixaram no terraço e se esqueceram de mim. Eu sei o que não se deve fazer se você tem um filho. – Sim, é claro que sabe – concordou Ella. – Quando você é criança, é assustador ver adultos brigando e descontrolados. A primeira vez que vi Theo bater na minha mãe, pensei que o mundo fosse acabar... – Ao perceber o que revelara sem querer, Ella ficou apavorada por seu descuido e silenciou. – Repita isso – pediu Aristandros, os olhos se estreitando, revelando sua perplexidade. – A primeira vez que você viu seu padrasto bater na sua mãe? Como pudera deixar aquilo escapar? – Não quero falar sobre o assunto. Eu realmente não pretendia lhe contar isso! Aristandros levou uma das mãos ao queixo dela e ergueu-o, forçando-a a encará-lo. – Mas agora que contou, não há como voltar atrás ou negar. Theo Sardelos tem o hábito de bater em sua mãe? Ella estava muito pálida e repleta de vergonha, uma vez que nunca fora capaz de superar aquela sórdida realidade. – Não acho que violência acontece tanto agora quanto no passado... Pelo menos, espero que não – confessou, tremendo. – Mas faz tanto tempo que não falo com eles, que realmente não tenho ideia. – Ele alguma vez bateu em você? – perguntou Aristandros. – Não, somente em minha mãe. Foi pena que ele não tivesse um tipo de acordo legal redigido previamente, como o seu, antes que eles se casassem, embora não tenho certeza se minha mãe teria assinado se soubesse o que a esperava! – Sobre o que está falando? – questionou Aristandros. – Bem, era por isso que ela apanhava... porque protestava quando ele não passava a noite em casa. Theo estava sempre com outra mulher – explicou Ella com rancor. – Acho que teve casos com todas as secretárias, assim como com as melhores amigas de mamãe. Como você, Theo é fortemente atraído pelo sexo oposto e é um mulherengo incorrigível. Olhos brilhantes a fitaram com frieza e hostilidade. – Nunca machuquei uma mulher na minha vida, ou jamais machucaria. – Não insinuei que machucaria. Não é por isso que você me assusta – confessou Ella. – Assusta-me porque é tão frio, tão duro e determinado a vencer cada batalha. É tudo do seu jeito e somente do seu jeito. E tentar não temer as consequências disso é um constante desafio. – Não quero que você se sinta dessa maneira, mas não posso mudar quem sou. – Aristandros deu um suspiro exasperado. – O fato de você me comparar a Theo Sardelos é revelador. Enxerga-nos como personalidades parecidas, uma comparação que rejeito completamente. Mas estou chocado pelo que


acabei de descobrir. Mal posso acreditar que não tenha me dito uma palavra do que estava acontecendo em sua casa, há sete anos. – Era um assunto particular. Cresci com uma mãe que fez a mim e aos meus irmãos jurarmos silêncio. Crescemos sentindo vergonha e escondendo essa situação. Essa violência jamais era discutida. Todos tentavam fingir que não acontecia. – Mesmo seus irmãos? – perguntou Aristandros com incredulidade crescente. – Susie também nunca mencionou isso para Timon. – Susie ignorava a situação, e os gêmeos ainda eram muito jovens quando saí de casa para ir à faculdade. Não sei como estão as coisas agora. Sempre desejei que aquilo parasse, mas suspeito que o pensamento desejoso fosse em vão – murmurou ela com sofrimento. – Agora, podemos mudar de assunto, por favor? Indiferente ao apelo, Aristandros fixou os olhos nela. – Você acha que posso ser como seu padrasto, não é? Esta foi uma das razões pelas quais não quis se casar comigo. – Não quero mais discutir isso – disse Ella baixinho, então se virou e simplesmente saiu do salão. Estava tremendo muito e amaldiçoando a si mesma. De jeito nenhum lhe contaria a verdade. É claro que vira similaridades entre ele e o padrasto. Mas, com Aristandros, não tinha sido violência que temera, mas sim viver com um parceiro infiel. Amara-o muito para encarar essa perspectiva. Ella estava supervisionando a criada fazer sua mala quando Aristandros entrou na cabine. Com o movimento casual de uma das mãos, ele dispensou a criada, enquanto tirava a gravata com a outra. – Você guarda muitos segredos de mim, moli mou – murmurou ele friamente. – Não gosto da ideia. Vou lhe dizer agora... Isso tem de mudar. Ella arqueou a sobrancelha. – Simplesmente assim? Olhos dourados e inflexíveis a desafiaram. – Simplesmente assim. Não tente me manter fora de sua vida. – Ari... Ameaças não criam o tipo de atmosfera que encoraja confiança e confidências – apontou ela, o rubor no rosto acentuando o brilho nos olhos cor de safira. Aristandros removeu o paletó. – Quando você pretendia me contar que não tem contato com sua família há anos? Ella ficou tensa. – Eu já lhe contei isso quando admiti que ninguém me avisou sobre a morte de Susie e Timon. Houve uma briga horrível na noite que falei que não me casaria com você. Não os vejo desde então. Aristandros franziu o cenho. – A separação começou naquela época? – Sim. Na opinião de Theo, era meu dever me casar com você pelo bem da família. Ele ficou furioso. Meus irmãos também acharam que eu era insana por dizer não. Ficaram do seu lado, não do meu, porque você é muito rico e uma conexão que proporciona lucros – continuou ela amargamente. – Se isso tivesse acontecido alguns séculos atrás, eles teriam me trancado num convento e me deixado lá pelo resto da vida! – Eu não sabia que sua família tinha reagido assim. Timon mencionou que você não voltou mais para casa, mas presumi que isso se devia ao fato de estar muito ocupada com sua formação em medicina –


admitiu ele. – Agora que está comigo e com Callie, eles não podem continuar se comportando como se você não existisse. – Não acredite nisso. Não me dou bem com Theo, nunca me dei. – Você não precisa se relacionar com ele ou com ninguém que desgoste agora – informou-a Aristandros preguiçosamente. – Meu círculo social é muito seletivo. Ella tentou não pensar na raiva de seu padrasto se ele subitamente se descobrisse excluído do círculo social de Xenakis, e reprimiu um tremor. Observou Ari remover a camisa para revelar a musculatura poderosa do peito e o estômago reto e firme. Ele realmente tinha um corpo magnífico, teve de reconhecer, enquanto seus mamilos enrijeciam sob o sutiã. Uma pulsação entre as coxas a deixou tensa. Estava recordando-se do calor da pele dele quando o tocara, do tormento que aquela língua lhe provocava, aquele corpo sólido contra o seu. As palmas de suas mãos formigavam. O coração batia descompassado. Aristandros a estudou com expressão sardônica, obviamente percebendo sua reação. – Não – sussurrou ele. – Não temos tempo. O prazer é muito mais doce quando adiado, glikia mou. Envergonhada por ter demonstrado sua reação tão abertamente, ela censurou a si mesma em silêncio. Achava-o tão irresistível assim? Como seu corpo poderia traí-la a ponto de lhe ferir o orgulho? Era tão desesperada por sexo que mal podia esperar que Ari a tocasse novamente? A experiência de seu prazer físico poderia tê-la mudado tanto, deixando-a tão desejosa? Reprimiu um tremor interno de desgosto. O que estava lhe acontecendo? De repente, sentia-se como uma adolescente sofrendo de uma paixão embaraçosa que tinha saído do controle. CALLIE COMEÇOU a chorar no aeroporto. Cansada e acordada rudemente de seu sono, a garotinha não estava no humor de encontrar-se em lugares estranhos, cercada por rostos e vozes desconhecidos. No momento que o avião particular Xenakis decolou, Callie chorava com toda força de seus pulmões. Sem uma palavra, Ella foi ajudar Kasma, que parecia esgotada, uma vez que Callie continuava soluçando, apesar de seus esforços para acalmá-la. – Que pesadelo! O sr. Xenakis está sendo perturbado – disse a jovem babá para Ella, parecendo se sentir culpada. – Isso nunca deveria acontecer. Ella logo descobriu que não havia uma solução mágica capaz de acalmar uma criança exausta e muito nervosa, que estava apenas expressando seu desgosto por ter sua rotina destruída. Embora Callie pudesse ser distraída por alguns minutos, logo começava a chorar de novo. Ella levou-a para o compartimento interno, sentou-se na cama e embalou-a, enquanto cantava para a menininha. Miraculosamente, aquilo pareceu acalmá-la, mas então Callie protestava ferozmente cada vez que Ella tentava deitá-la na cama. Ella passou a viagem toda com a criança nos braços. – Devolva-a para a babá – instruiu Aristandros quando eles estavam prestes a ir para as limusines que os aguardavam em Paris. Callie foi tirada de seus braços enquanto tentava agarrá-la, um processo que causou o retorno dos soluços. Ella achou muito difícil partir. – Bem, não acho que precisamos nos preocupar com o processo de criar elos – observou Aristandros com total falta de compaixão. – Você claramente tem grandes habilidades maternais. Só faz um dia, e Callie já está apegada a você. – Ela está triste.


– Uma das lições de vida é que Callie não pode ter você sempre que quiser – declarou ele. – Pelo restante da tarde, você estará completamente ocupada. Na verdade, Ella mal teve tempo de respirar na magnífica casa de Paris antes que uma seleção de vestidos espetaculares chegasse para que escolhesse um. Um grupo de pessoas de um salão de beleza veio a seguir, a fim de aprontá-la para a festa. Desta vez, Ella foi menos tolerante, enquanto suportava o “banho de beleza”. Talvez, porque preferisse passar seu tempo com Callie, agitou-se e reclamou o tempo todo enquanto faziam suas unhas, seu cabelo e sua maquiagem, deixando-a num nível de perfeição que ela jamais teria alcançado sozinha. Uma criada ajudou-a com o maravilhoso vestido azul, e Ella estudou seu reflexo. Seu cabelo loiro prateado cascateava sedosamente ao redor dos ombros, o vestido perfeito para uma figura alta e delgada. Reconhecer que nunca estivera tão bonita antes não teve impacto sobre sua frustração pela perspectiva de ter de passar por aquela longa rotina toda vez que aparecesse em público. Aristandros entrou no quarto. – Quero que você use este conjunto. Muito ciente da avaliação dele, Ella abriu a tampa da caixa de joias que Ari pôs sobre a cama. Ao olhar para o conjunto de colar e brincos de diamantes com safiras, arfou. – Meu Deus... Estou impressionada. – Assim deveria estar. É um conjunto da família. Ella ficou tensa. – Então eu não deveria usar. – As joias estão apodrecendo no cofre há décadas. Alguém deve usá-las – decretou Aristandros num tom de voz que não dava espaço para protesto. Sentindo-se mais como uma boneca ornada por outros, Ella colocou as joias. – Quero dar uma olhada em Callie antes de irmos – disse ela, mal se olhando no espelho para ver o incrível efeito do colar e brincos. – Você tem cinco minutos. Ella ficou arrasada ao descobrir que Callie ainda estava acordada e chorando sem parar. Também havia rejeitado a comida que Kasma tentara lhe dar. Ella ergueu a garotinha do berço e a examinou. Logo descobriu que Callie estava com febre e que tinha dois gânglios linfáticos no pescoço. – O que houve? – perguntou Aristandros de trás dela, alguns minutos depois. – Acho que Callie está com amidalite. É provavelmente viral, portanto antibióticos não vão resolver. Aristandros virou-se para seu assistente, que o acompanhara até lá, e o instruiu a chamar um médico. Ella mordiscou o lábio. Não queria deixar Callie naquele estado. Aristandros lhe deu um olhar sardônico, fazendo-a erguer o queixo ao reconhecer um desafio direto. Rapidamente, Ella anotou o número de seu celular e entregou a Kasma, pedindo-lhe que lhe telefonasse para mantê-la informada. Então apertou a mãozinha de Callie e partiu com lágrimas nos olhos. – Ela não está seriamente doente, está? – perguntou Aristandros. – Não, é claro que não. Callie ficará boa. – Então, lembre-se de que você é médica e pare de reagir exageradamente – disse ele. – Estamos indo a uma festa. – Eu preferia ficar aqui – admitiu Ella, imaginando como ele estava planejando fazê-la se sentir culpada também. Seu desejo de confortar Callie não tinha nada a ver com o fato de ser médica.


– Mas outro médico irá examiná-la. Ela estará nas mãos de profissionais competentes. Se houver alguma causa para preocupação, seremos informados – apontou Aristandros. Sentindo que estava criando um estresse desnecessário, Ella respirou profundamente e viu seu reflexo num espelho gigante, enquanto desciam a escadaria em espiral até o hall. Mal reconhecia a si mesma com aquelas joias brilhando no pescoço e nas orelhas, e no vestido glorioso reluzindo nas luzes suaves. Aristandros fechou uma das mãos sobre a sua. – Você está deslumbrante, moli mou.


CAPÍTULO 6

A FESTA era no apartamento de Thierry Ferrand, um banqueiro internacional e um dos melhores amigos de Aristandros. Thierry e sua esposa, Gabrielle, moravam na exclusiva avenida Montaigne, perto de Champs-Elysées, onde uma multidão de paparazzi esperava na rua, para tirar fotos dos convidados que chegavam. Desta vez, Ella imitou Aristandros, mantendo a cabeça alta e agindo como se a imprensa fosse invisível. O apartamento dos Ferrand tinha sido transformado, com incrível extravagância, num cenário marroquino para a festa. As paredes coloridas de tendas, lanternas penduradas e a fonte do hall coberta com pétalas de rosas aromáticas fizeram os olhos de Ella se arregalarem. Aristandros ancorou-a a seu lado e apresentou-a aos anfitriões. Ella gostou imediatamente de Gabrielle, uma morena vibrante, com um sorriso contagioso. – Acredito que você é médica? – observou Thierry Ferrand. – Sim, porém não pratico mais – replicou Ella sem maiores explicações. Gabrielle a estudou surpresa. – Mas por que não? – Ella planeja se devotar à minha casa e à sobrinha, Callie – adiantou-se Aristandros. – Não é fácil ficar ociosa – observou Gabrielle. – Sou advogada, e, depois que minha licença maternidade acabou, eu estava pronta para voltar ao trabalho correndo! – Você tem filhos? – perguntou Ella. Gabrielle não precisou de mais encorajamento para separar Ella de Aristandros e levá-la ao andar de cima, a fim de mostrar-lhe sua adorável filha de dez meses, que dormia tranquilamente no berço. As duas mulheres conversaram. – Você é tão natural, não o estilo usual das companhias de Ari – comentou Gabrielle com curiosidade evidente. – Diversas ex-namoradas dele estão aqui hoje, e são todas gananciosas. Eu não deveria ter roubado você. Não se pode deixar Ari sozinho por um momento. As mulheres realmente enlouquecem por ele. Ella deu de ombros, ainda furiosa com Ari e sua insensibilidade pela doença de Callie, forçando-a a vir àquela festa. Naquele momento, não se importava com as mulheres que o rodeavam. – Ari sabe muito bem cuidar de si mesmo – respondeu suavemente.


Seu celular tocou antes que ela se juntasse a Aristandros, e Ella permaneceu no hall, onde era mais silencioso para poder falar com Kasma. Callie ainda estava chorando, com sede, mas se recusando a beber líquido por causa da dor de garganta. Além disso, a febre alta permanecia uma fonte de preocupação. Quando Ella guardou o telefone, percebeu que Aristandros a observava. Ele a chamou com um gesto imperioso que não aceitava recusa. Com os lábios comprimidos, ela sentiu-se como um cãozinho obediente tendo sua coleira puxada. Indiferente ao seu humor, Aristandros traçou-lhe o lábio inferior. – Você parece uma rainha esta noite. Os olhos azuis brilharam. – Digna de seu investimento? – Somente o tempo dirá – respondeu ele. – Mas você é definitivamente um troféu. Todos os homens na sala a notaram. – Estou radiante – zombou Ella num tom entediado. Um brilho de apreciação iluminou os olhos escuros de Ari, e um sorriso sensual curvou-lhe a boca. – Não agora, porém, ficará mais tarde. Pretendo aproveitar o máximo do fato de que você é minha, khriso mou. Com a equipe de segurança dele agindo como um filtro protetor, um constante fluxo de pessoas tentava se aproximar de Aristandros. Alguns eram amigos, outros estavam interessados em discutir oportunidades de negócios, mas a maioria queria tirar vantagem da oportunidade de conhecer um dos homens mais ricos do mundo. Ella, observando a reação das outras mulheres em relação a ele, ficou impressionada ao perceber como elas flertavam abertamente. Aristandros apresentou-a para várias pessoas. – Vamos dançar – disse ele, pegando-lhe a mão, enquanto a conduzia para a pista de dança. Aquela era a primeira vez em mais de uma hora que Aristandros reconhecia sua existência. Estavam chegando à pista quando o celular de Ella vibrou em sua bolsa de mão. Pegando-o, apesar do olhar de censura de Aristandros, ela o deixou e retornou para o hall, a fim de falar com Kasma. Descobriu que o médico tinha ido lá, confirmado o diagnóstico de amidalite e prescrito o tratamento. A medicação estava finalmente baixando a temperatura de Callie e aliviando a dor de garganta. Com o coração mais leve, Ella foi à procura de Aristandros, debatendo se ele merecia ou não saber da boa notícia. Gabrielle a parou para conversar, e Ella estava finalmente seguindo para a pista de dança quando seu celular tocou novamente. Ficou perplexa quando pôs o telefone na orelha e ouviu uma vez o que teria jurado nunca mais ouvir. – Ella... É você? – Jane Sardelos estava exigindo saber. – Sua amiga, Lily, deu-me seu número. – Mamãe? – murmurou Ella, a boca seca pelo choque, andando para a janela e olhando para as luzes de Paris. – Onde você está? – Em Paris. – Com ele? Soube que há uma foto sua num jornal britânico com Aristandros Xenakis. Não pude acreditar que era você, até que foi confirmado. O que está fazendo com ele? – perguntou sua mãe fervorosamente. – Estou morando com ele e ajudando-o a cuidar de Callie – admitiu Ella com relutância.


– Você enlouqueceu? Não se casou com ele quando recebeu a proposta, mas sete anos depois está feliz em ser a prostituta de Ari? Com aquela palavra horrível, Ella começou a transpirar. – Não é assim, mãe... – É claro que é. Não poderia ser de outra maneira com um Xenakis no papel de líder. Estamos todos desgostosos e embaraçados por seu comportamento. O que acha que isso faz com nossa posição aos olhos da família e dos amigos? Como pôde ser tão egoísta? Como foi capaz de nos envergonhar dessa maneira? – A moral não é a mesma para as mulheres desde a Idade Média – protestou Ella. – Estou vivendo um relacionamento com Aristandros. Isso não significa que me tornei prostituta. – Seu padrasto diz que, por sua causa, não poderemos mais visitar Callie agora! – reclamou Jane Sardelos com um soluço. – Ele fala que, se fizermos isso, parecerá que concordamos com essa situação. Ella estava pálida. – Isso é mentira e irracional. Você é avó de Callie, e seu direito de vê-la não deve ser influenciado por meu relacionamento com Ari. – Uma imagem vale mil palavras, Ella – disse sua mãe amargamente. – No mês passado, Ari Xenakis estava com outra mulher, uma de uma lista muito longa de mulheres. Agora, com certeza, você está usando um vestido caríssimo e uma fortuna em diamantes ao redor do pescoço, que jamais teria condições de comprar. Então, diga-me... Se isso não faz de você uma prostituta, o que faz? O telefone ficou mudo, negando a Ella a chance de se defender. Uma pequena voz em sua mente questionou o que mais poderia ter dito quando era claro que sua mãe não estava preparada para ouvir. Atordoada, com as acusações zangadas de sua mãe ainda soando em seus ouvidos, Ella guardou o celular na bolsa. Uma prostituta... Uma palavra que nunca ouvira sair da boca de sua mãe antes. Mas sabia quem teria vociferado a palavra horrível primeiro: seu padrasto. Theo teria gritado e esbravejado até que a esposa estivesse aborrecida o bastante para ligar para a filha e passar a opinião da família pessoalmente. Não seria a primeira vez que Theo usava a esposa como porta-voz. Gabrielle Ferrand a abordou com uma expressão preocupada no rosto adorável. – Acho melhor você ir resgatar Ari antes que aconteça uma briga por causa dele. Distraída depois do telefonema perturbador, Ella a seguiu e viu Aristandros sentado preguiçosamente num sofá. Três lindas mulheres o cercavam. Estavam todas em cima dele, rindo, dando-lhe olhares insinuantes e leves toques, sinalizando convites sexuais. Ella se sentiu nauseada com a cena, e esperou que Aristandros se defendesse sozinho. Se existisse um homem nascido para cuidar de si mesmo, sem ajuda de ninguém, era Aristandros. Mas ele não fez nenhum movimento para rejeitar os avanços das mulheres, e quando uma delas se levantou, ele a acompanhou para a pista de dança. – Ele ficou sozinho quase a noite inteira – murmurou Gabrielle freneticamente. – Não está acostumado a ser negligenciado. – Está dizendo que eu o negligenciei? – questionou Ella, enquanto observava Aristandros e uma ruiva sexy dançarem salsa com considerável destreza e prazer. Vê-lo sorrir e conectar-se tão intimamente a outra mulher causou-lhe uma dor imensurável. Havia uma enorme quantidade de flertes acontecendo. Ela permaneceu ali, olhando a cena, atormentada por mais dor do que imaginava ser possível. – Eu não pretendia ser crítica – disse Gabrielle sem graça.


– Não se preocupe com isso. Ari tem mais carisma do que merece. As mulheres sempre o desculpam quando ele se comporta mal – comentou Ella, tendo visto aquilo acontecer em muitas ocasiões sete anos antes. – Mas eu não. Infelizmente, Aristandros estava apenas sendo ele mesmo... Um mulherengo assumido se divertindo. Ella, todavia, não podia suportar ver aquela cena acontecendo diante de seus olhos, particularmente quando a condenação de sua mãe não lhe saía da cabeça. Certamente uma mulher com o rótulo de “prostituta” ficaria parada ali e aceitaria o comportamento de Ari? – Não posso ficar, Gabrielle. Você avisa Ari que fui embora? Mas não se apresse para fazer isso – aconselhou, virando-se e indo em direção à porta da frente. – Não faça isso, Ella. Gosto muito de você, e ele ficará furioso com sua partida – protestou a outra mulher. – Ari está apenas flertando, isso não significa nada para ele. Mulheres desse tipo o abordam todos os dias. Mas você é diferente. Está usando as safiras Xenakis e tem um cérebro. Ella olhou para trás, vendo Aristandros e a ruiva. Sentiu-se doente de raiva e mágoa, e a profundidade de sua reação a assustou. A mão que afastou o cabelo úmido da testa estava tremendo. Desceu o elevador para o saguão do edifício e pediu que o porteiro lhe chamasse um táxi. Câmeras piscaram quando ela partiu sozinha, sem a mesma elegância da chegada. Mas então reconhecia que estava fugindo de seus próprios sentimentos tanto quanto estava dando as costas a uma cena de humilhação pública. Sentia-se apavorada por sua sensibilidade exacerbada e emoções poderosas que a dominavam. Por que deveria lhe importar tanto o que Aristandros fazia? Não era capaz de desligar suas respostas emocionais a ele? Naquele momento, não se importava com o acordo que havia assinado. Recusava-se a agir como uma prostituta comprada, que era obrigada a aceitar qualquer comportamento imoral da parte de Ari. Uma partida digna da festa era a única opção com a qual podia lidar. De volta à casa, foi para o quarto do bebê. Callie estava dormindo pacificamente, enquanto Kasma também dormia no quarto ao lado, com a porta aberta. Ella olhou para a garotinha com um misto de alívio, amor e sofrimento. Lembrou que Callie tinha se virado bem antes de conhecê-la, e que não sentiria sua falta. Além disso, com Ella longe, a menina poderia receber a visita da avó. Sua criada ajudou-a a remover o vestido e as safiras. Ella vestiu jeans e camiseta e guardou na mala os poucos itens pessoais que havia levado de Londres. Então uma batida forte à porta reverberou na casa inteira, e ela enrijeceu. – Ella! Ella tremeu ao ouvir o som áspero de seu nome nos lábios de Aristandros. – Estou no quarto... Aristandros preencheu a entrada da porta, as feições fortes desafiando-a. – O que pensa que está fazendo? Ella ergueu o queixo e o encarou. – O que você estava fazendo? Se acha que vou ficar de braços cruzados enquanto você flerta com outras mulheres na minha frente, está muito enganado! – Você não pode me abandonar num lugar público! – exclamou ele em tom de condenação. – Nunca. – Rasgue o acordo. Estou indo embora, portanto, suas regras não têm mais valor. Aristandros a olhou com zombaria. – Está cheia de si agora. Não tem permissão para fugir quando as coisas esquentam para você.


– Nunca fugi de nada na vida! – gritou ela, perdendo o controle de seu temperamento, normalmente calmo. – Você foge de tudo que a aborrece. – Não estou aborrecida! – gritou Ella praticamente. – Esta não é a Ella calma e sensata que conheço. – Mas você não me conhece. Uma sobrancelha cor de ébano se arqueou. – Não? – Não, você não me conhece – repetiu ela. Aristandros a estudou. – Tenho de confessar que eu não esperava uma reação tão histérica. – Quem você está chamando de histérica? – demandou Ella, furiosa. – E por que o uso desta palavra, “esperar”? Está sugerindo que deliberadamente escolheu flertar com outra mulher para provocar uma reação minha? Olhando-a fixamente, Aristandros abriu as mãos num gesto gracioso que nem confirmava nem negava. – Eu faria algo tão calculado? – Sim! – acusou ela. – Faria se isso o divertisse, porque é cruel e gosta de manipular as pessoas. – Eu poderia simplesmente ter lhe dito que você estava se comportando mal – murmurou ele. – Não é educado ficar atendendo telefonemas quando se está acompanhada. Ultrajada pela censura de seu próprio comportamento, Ella o olhou com incredulidade. – Como ousa me dizer que eu estava me comportando mal? – É a verdade. Seu comportamento foi horrível esta noite. Entrou num estado de mau humor e não saiu dele. – Isso é ridículo! – É? Você não queria deixar Callie. – E daí se sou humana e cuidadosa? O que é mais do que qualquer um poderia dizer de sua atitude esta noite. Não deu a mínima para Callie estar doente – condenou Ella com fervor. – Então por que me certifiquei de falar com o médico que a atendeu? Por que liguei para Kasma a fim de saber notícias depois disso? Ella cerrou os dentes, enquanto lhe dava um olhar que teria feito um homem mais fraco tremer. – Eu não sabia que você tinha falado com o médico... Não mencionou isso. – Posso não ter agido de modo dramático e emotivo como você, mas isso não significa que também não me preocupei com Callie esta noite. Ella respirou profundamente. – Peço desculpas se o julguei erroneamente nesta questão. – Julgou – replicou ele, esfregando sal numa ferida já aberta. – Mas eu não estava de mau humor mais cedo. Estava irritada com você – admitiu com raiva. – Não sou tão insensível para não entender sua mensagem, mas foi infantilidade sua demonstrar seu humor em público. – Aristandros lhe ofereceu um olhar zangado. – Sou um homem que valoriza a discrição, mas, esta noite, você fez uma cena para as colunas de fofoca. Faça isso mais uma vez e a mandarei de volta para Londres. Ella o encarou com puro ódio.


– Não precisa fazer isso. Estou indo embora. Mas você é bom em virar o jogo. Não disse uma palavra sobre seu comportamento inadequado, exceto implicando que estava dando sinais encorajadores para outras mulheres apenas para me irritar. Aristandros deu uma gargalhada, o som inesperado quebrando a atmosfera tensa do cômodo. – Não para irritar você. – Não me importo nem um pouco com o que você faz – declarou Ella, fechando a mala. – Mentirosa – desafiou-a ele. – Para uma mulher que alega não ser ciumenta, você ficou louca de ciúme esta noite. Ella enrijeceu, enviou-lhe um olhar fulminante e pôs a mala no chão. Estava tão furiosa que queria atirar objetos nele. Como Aristandros ousava acusá-la de sentir ciúme? Como ousava ter o poder de adivinhar sentimentos que ela não admitia nem para si mesma? Enquanto saía do quarto de maneira intempestiva, ele a seguiu e lhe tirou a mala da mão. – O que pensa que está fazendo? – protestou ela. – Impedindo-a de fazer algo muito estúpido, moli mou – disse Aristandros, abrindo a porta do closet e jogando a mala lá dentro. – Não sou nenhuma prostituta que vai aceitar qualquer coisa de você! – exclamou ela, adrenalina correndo por suas veias e impossibilitando-a de raciocinar com clareza. – Não estou interessada no seu dinheiro ou no que você pode comprar para mim. Isso não me impressiona. Nada que me ofereça poderia me persuadir a tolerar como você me tratou esta noite! – Mesmo se eu admitir que a única mulher que quero é você? – murmurou ele, inclinando-se elegantemente contra a porta para fechá-la. – Sim, fiz uma experiência esta noite, eu queria uma reação. – Uma experiência? – repetiu Ella com total incredulidade. – Uma experiência inofensiva. Somente uma mulher muito possessiva ficaria tão inflamada de me ver dançando com outra mulher. As mãos delgadas de Ella se fecharam com força. Tantas emoções borbulhavam em seu interior que se sentia quase violenta, e incrivelmente vulnerável ao mesmo tempo. – Mas isso foi tudo que fiz – continuou Aristandros com firmeza. – Nada mais. A crua verdade da declaração a abalou até o âmago. Então ele tinha dançado com outra mulher, sorrido e rido... Grande coisa! Interações sociais desse tipo eram normais em festas. O que a fizera reagir de forma tão exagerada? Por que sentia como se a raiva estivesse prestes a explodir, e incapaz de contê-la? Ari quisera uma reação e ela lhe dera. Somente uma mulher muito possessiva... E apesar de todas as suas negações, Ella era possessiva, não? Violentamente possessiva, com sentimentos e respostas nascidos de anos vendo fotografias de Ari com outras mulheres e lendo sobre os casos dele. Lily havia sugerido que aquela obsessão não era saudável, e tinha razão, pois aquilo desencadeara um ciúme que Ella nem mesmo reconhecera. – Talvez eu tenha reagido de modo exagerado – admitiu com dificuldade, porque não era fácil abrir mão de seu orgulho. Por um momento, analisou o sentimento que a consumira e quase a persuadira a desistir do que mais queria. Tinha verdadeiramente pensado em sacrificar Callie por causa de um ciúme tolo? Estava apavorada com seu comportamento. Um silêncio tenso se estendeu. Ella estudou o perfil clássico de Ari, seu nível de nervosismo muito alto. Ele flertara de propósito para ver-lhe a reação, e a teria torturado para conseguir um pedido de desculpas. Ela o detestava, não apenas


pela atitude de Aristandros, mas pelo fato de ele ter apreciado causar-lhe uma sensação de medo. De súbito, não queria mais analisar os motivos que a tinham feito perder seu bom senso. – Os últimos dias... Todas as mudanças em minha vida... têm sido muito estressantes – admitiu ela, a voz baixa e tensa, porque seu orgulho estava ferido. – É claro – concordou Aristandros tão instantaneamente com a falsa desculpa que a pegou de surpresa. Ela estava parada ao lado de um espelho, e olhou para o reflexo. A ilusão de perfeição havia desaparecido agora, substituída por um cabelo emaranhado, rímel borrado, batom e camiseta comprados num concerto de rock. – Às vezes, vou longe demais – admitiu Aristandros, o rosto totalmente inexpressivo. – Mas nunca mais me deixe sozinho num lugar público. Ella assentiu em concordância, sentindo um nó na garganta. Temia começar a chorar e dar vazão às suas emoções a qualquer momento. Lutava para restabelecer sua inteligência e controle. Ari se aproximou antes que ela pudesse erguer qualquer barreira. A sensualidade inebriante da boca sensual encontrou a sua num beijo ardente. Ella mergulhou no beijo como alguém que estava se afogando e precisava de ar. Desejo espalhou-se por todo o seu corpo numa corrente de reação. Entrelaçou as mãos no cabelo preto. Podia sentir a paixão do corpo poderoso contra o seu, e nem mesmo as roupas entre eles disfarçavam a rigidez da ereção masculina. O conhecimento do desejo de Ari impossibilitou-a de resistir ao próprio desejo potente. O gosto único de Aristandros a deixou zonza e ofegante. Ele segurou-a pelos quadris e a sentou na beira da cama, onde lhe removeu o jeans. – Não sei dançar salsa daquele jeito. – Ella se ouviu dizendo abruptamente. – Como a ruiva... – Posso cuidar disso – declarou Aristandros, erguendo-lhe a camiseta e enterrando o rosto no vale entre os seios, enquanto a livrava das pequenas peças de renda e seda que ainda o separavam das curvas delgadas. O peito de Ella movimentava-se rapidamente com a respiração ofegante. Estava muito ciente de cada movimento dele. Os pelos despontando no maxilar roçando contra seus seios a fizeram tremer. – Eu quero você – admitiu ela num sussurro rouco. Cílios pretos exuberantes se ergueram dos olhos dourados. – Eu morri e fui para o paraíso – disse Aristandros suavemente. – Pensei que nunca ouviria essas palavras de seus lábios. – Nós só estamos juntos há dois dias! – protestou Ella. – Desde quando tive paciência? – Longos dedos deslizaram entre suas pernas delgadas com movimentos tão eróticos, que Ella não pôde conter um pequeno grito. Inclinou a cabeça contra os travesseiros e arqueou a coluna, entregando-se às carícias torturantes. Gemeu alto quando Ari usou a boca para provocar-lhe os mamilos sensíveis. Havia uma dor doce se construindo em seu baixo-ventre enquanto seus músculos internos ficavam tensos e seus quadris se contorciam num padrão rítmico contra o lençol. Queria, precisava dele. Aristandros a virou de bruços, e, então, ergueu-a sobre os joelhos. Por um breve segundo, Ella não entendeu o que ele pretendia, mas, um instante depois, Ari a penetrou. Choque e excitação selvagem a envolveram numa onda gigantesca. Cada investida poderosa parecia enviar uma nova carga de eletricidade ao seu corpo. O prazer erótico do domínio viril a deixou


em chamas, enquanto ela flexionava os quadris, encorajando-o. A tensão crescente que Ella vinha controlando há horas explodiu num orgasmo que inundou seu corpo em êxtase e drenou sua energia. – Melhor? – perguntou Aristandros com voz rouca, aninhando-a nos braços fortes após o ato de amor, quando ela honestamente sentiu que nunca mais poderia se mover. – Ainda flutuando – sussurrou Ella antes que pudesse pensar. Ele inclinou-se sobre ela, estudando-a. – Então, por que lutar contra mim? Ella descansou a cabeça contra o ombro largo, deleitando-se na conexão íntima dos corpos e no glorioso aroma familiar da pele dele. – Gosto de um desafio? Com as feições incrivelmente bonitas e tensas, Aristandros fechou os braços ao seu redor e olhou-a com ironia. – Pare com isso agora, hara mou. Deixar-me zangado é uma ideia muito ruim. Ella trilhou os dedos na linda boca esculpida. – Isso o torna mais humano. Independentemente de quanto eu tentasse, jamais poderia ser dócil e submissa. – Não é isso que quero também. Seja natural, seja você mesma... O jeito que costumava ser, sem ao menos tentar. Ella empalideceu e virou a cabeça de lado, sabendo que não havia como voltar a ser a mulher de quem ele se lembrava. Era isso que Ari queria dela... O impossível? Que o tempo voltasse? Como poderia ter 21 anos novamente e estar apaixonada pela primeira vez na vida? Só de pensar em se sentir tão vulnerável de novo a fez tremer de medo por dentro. Amar Ari mais uma vez seria um ingresso para o sofrimento. – Se você parar de procurar problemas, logo descobrirá que pode apreciar o que temos – entoou Aristandros com convicção. – Iremos navegar de volta para a Grécia amanhã. Mas Ella já estava se recordando das semanas quando tinha 21 anos e estava loucamente apaixonada. Na época, todos a avisaram que Ari Xenakis logo perderia o interesse nela. O apetite de Ari por mulheres bonitas assegurava-lhe a reputação de partir corações. Ella, todavia, estivera ridiculamente feliz durante aquele período. O fato de que ele pudesse estar considerando um futuro ao seu lado não lhe ocorrera. Simplesmente adorara estar com Ari e tinha vivido o presente. Ele costumava levá-la para passear de barco, para jantar fora, raramente convidando outras pessoas para acompanhá-los. Não iam a muitas festas juntos, e, quando iam, não permaneciam muito tempo. Conversavam muito e apreciavam a companhia um do outro em todos os momentos. Apesar de ser difícil acreditar nisso agora, ela pensara que havia encontrado sua alma gêmea. Na segunda vez que eles quase tinham feito amor e Ella pusera um fim nas carícias antes que fosse tarde demais, ele rira e não tentara mais persuadi-la a completar o ato. Quando Ari a convidara para o aniversário de 65 anos do avô, ela ficara radiante, porque sabia como Drakon era próximo do neto, e se sentira honrada em ser convidada para conhecê-lo. Agora, mais velha e mais sábia, permanecia deitada na escuridão, revivendo a última noite com tristeza. – Eu amo você – declarara Aristandros, e ela respondera com as mesmas palavras. E, embora ele a tivesse acusado de mentirosa mais tarde, Ella realmente havia sido sincera. – Quero estar com você. Vai se casar comigo? – perguntou ele.


E o coração de Ella disparou violentamente, uma vez que nunca lhe ocorrera que ele pudesse propor casamento naquele momento. De qualquer forma, tinha presumido que eles ficariam noivos, e que Ari a visitaria em Londres, e que se casariam quando ela tivesse completado seu treinamento em medicina. Mas então ele se levantou para fazer um discurso em honra do aniversário do avô, e anunciou o noivado deles... Juntamente com a notícia de que Ella abandonaria a medicina. A súbita realidade havia destruído a felicidade de Ella. Após uma discussão violenta, Ari terminara o relacionamento, e minutos depois, retirara o anúncio que acabara de fazer. Sua família, totalmente envergonhada, a levara para casa, incapaz de acreditar ou de aceitar que recusara se casar com um Xenakis. Aristandros a levou de volta para o presente aninhando-a contra o corpo forte e musculoso. Ella o fitou, estudando os olhos dourados e ardentes. Aquele homem, reconheceu com o coração se acelerando, já tivera o poder de lhe causar um ciúme amargo e fazê-la agir de maneira irracional. Ele era perigoso, uma verdadeira ameaça à sua paz mental. – Uma vez não é o bastante – sussurrou Ari com voz sexy. – Ainda quero você, moli mou. E alguma parte muito primitiva de Ella exultou-se com o conhecimento de que exercia tanta atração sexual sobre ele. Naquele instante, com o coração bombeando e seu corpo traidor tremendo em antecipação, era uma escrava da promessa de prazer que ele lhe fazia, e não tinha tempo para agonizar sobre como outras pessoas rotulariam sua posição na vida de Ari Xenakis.


CAPÍTULO 7

DEZ DIAS depois, Hellenic Lady chegou a Atenas. Ella ainda estava na cama da cabine principal do iate, lendo jornais britânicos, e descobrindo que era citada em diversos deles. Era uma experiência extraordinária ver-se aparecer pela primeira vez na coluna de celebridades. No seu caso, todavia, a fama era emprestada por sua associação com Aristandros. Era descrita como “A nova companheira deslumbrante de Aristandros Xenakis”, “A tia sexy de Calliope”, e “A ovelha negra da família”. Sua fascinação somente desapareceu quando chegou a ler um parágrafo sugerindo que, por ser uma criança promíscua, sua família tinha fechado as portas para ela. Aristandros entrou na cabine, vestido num terno escuro que realçava o corpo alto e poderoso. Diziam que ele eletrificava um cômodo quando entrava, e Ella certamente não era imune a tal efeito. Enrijeceu contra os travesseiros, os olhos azuis arregalados no seu rosto delicado. – Estive trabalhando por quatro horas. Basta uma olhada para você... – Aristandros andou até a lateral da cama, desviando de brinquedos no chão, que revelavam a visita de Callie mais cedo naquela manhã. – ... e quero ir direto para esta cama. O corpo dela formigou, o coração disparou no ato. Era apenas sexo, e repetia isso a si mesma regularmente. Mas ainda quase não podia resistir à vontade de despi-lo cada vez que o via. Com um som impaciente, Ari lhe tirou a pilha de jornais do colo. – Não aprendeu ainda? Você nunca deve ler sua publicidade – disse ele, jogando os jornais do chão. – Apreciei a linha sobre minha nova companheira deslumbrante, mas não aquela que fala da garota promíscua. Alguém a confundiu com sua irmã Susie, e um pedido de desculpas oficial vai sair impresso esta semana. Ella arqueou a sobrancelha. – Está dizendo que você reclamou? Aristandros deu de ombros e removeu o paletó, colocando-o sobre a poltrona perto da parede e tirando os sapatos. Olhos ardentes a fitaram quando ele endireitou o corpo alto. – Ainda estou convencido de que você só foi uma garota promíscua comigo. – Bem, você está errado. – Você fala muito e age pouco. Na cama, não sabe como fazer nada até que eu faça primeiro.


Enrubescendo violentamente, Ella lhe enviou um olhar furioso. – Suponho que você acha isso engraçado? – Não, acho muito interessante. Enquanto a maioria das mulheres prefere minimizar o número de amantes que tiveram, você quer aumentar – murmurou ele sedosamente. – Por que você está se despindo? – perguntou Ella de modo abrupto, finalmente notando o fato. – E, apesar de seu passado, você ainda tem a mente pura como neve. Eu não a corrompi de nenhuma maneira? – zombou Aristandros, removendo a cueca numa manobra que logo deixou óbvio o motivo pelo qual estava se despindo. – Oh... – Com um calor sensual percorrendo seu corpo delgado, Ella recostou-se contra os travesseiros de uma maneira quase convidativa. – Oh – provocou Ari, inclinando o corpo para a frente com clara intenção. Quando os dedos delicados encontraram a excitação rígida, ele emitiu um gemido rouco de prazer. – Oh, sim, você é o melhor intervalo do mundo, khriso mou. Por um instante, aquilo a fez hesitar, mas, na verdade, achou a espontaneidade sexual de Ari tão poderosa e irresistível quanto o considerava. A boca sensual na sua era como fogo, criando uma chama que nunca fora extinta. A dança erótica de línguas fez seu corpo tremer. Aristandros removeu-lhe a camisola e tomou um de seus mamilos nos lábios. Ella deleitou-se de prazer enquanto aquela boca experiente viajava de um seio ao outro, provocandoa até fazê-la gemer. Com uma massagem impaciente do indicador, ele sondou o doce centro da feminilidade, até posicioná-la embaixo de si com uma urgência que a excitou ainda mais. Então a preencheu e começou os movimentos num ritmo deliciosamente frenético, pressionando-lhe os joelhos contra o colchão para ganhar uma penetração ainda mais profunda. Ella sentiu como se tivesse subido às estrelas, e um prazer mágico a consumiu. Ouviu seu próprio grito no momento em que as ondas de êxtase convulsionaram seu corpo inteiro. No poder daquele fogo sensual, era indefesa e impotente em sua resposta. Ari investiu uma última vez com um grito desinibido de satisfação. Por incontáveis minutos, ela permaneceu deitada sob ele, saboreando o peso do corpo másculo, as batidas fortes do coração e a respiração ofegante de Aristandros. Naquele instante, sentiu-se como sempre se sentia, dominada pelo nível de prazer que lhe embotava a mente. Mas não tão dominada ao ponto de não apreciar o roçar dos lábios dele contra sua testa, e os braços poderosos ao seu redor no que quase parecia um abraço carinhoso. Adorava o que Ari fazia na cama com ela, mas adorava ainda mais a proximidade após o ato, e nunca mexia um único músculo para não quebrar a conexão antes que ele fizesse isso. Foi um choque quando Aristandros ficou tenso, praguejou em grego e afastou-se num movimento violento que falava mais de rejeição do que de qualquer outra coisa. Olhos duros encontraram a expressão interrogativa no rosto de Ella, antes que ele socasse a cabeceira de madeira com o punho cerrado, fazendo-a recuar em pura consternação. – O que houve? – perguntou ela, atordoada. – Esqueci de usar um preservativo – respondeu ele, furioso. – Oh, meu Deus! – Foi tudo que Ella pôde murmurar naquele momento insuportavelmente tenso. Não tinha começado a tomar pílulas anticoncepcionais ainda, e lhe avisara que outras precauções deveriam ser tomadas durante as primeiras semanas que eles estivessem juntos. Até agora, ele havia seguido a regra com cuidado, sem deixar margem para erro. Aristandros saiu da cama como um tigre furioso e virou-se para olhá-la.


– Isso é tudo que você tem a dizer? – demandou friamente. – Eu não quero uma criança. Um arrepio gelado a percorreu, e ela perguntou-se por que aquela declaração lhe causava tanta dor, quando também queria evitar o trauma de uma concepção não planejada. Estava freneticamente calculando as datas na cabeça, o que era difícil, uma vez que as mudanças recentes em sua rotina tinham desregulado seu ciclo menstrual. – Lamento, mas provavelmente não foi o melhor momento para negligenciar as precauções – admitiu com tristeza. – Posso estar no meu período mais fértil agora. – Não posso acreditar que esqueci! – continuou ele, como se ela não tivesse falado. – Nunca sou descuidado. – Talvez um de nós seja infértil – observou Ella. – Você ficaria surpreso o quanto isso é comum. Aristandros lhe deu um olhar ultrajado e comprimiu os lábios, como se a sugestão de que ele pudesse não ser capaz de engravidar uma mulher fosse um insulto à sua masculinidade. Ella permaneceu onde estava até que ele tomou banho e partiu. Estava chocada, mas também sentia que acabara de receber um aviso muito necessário. Pelos últimos dez dias, estava com Aristandros quase de maneira ininterrupta. Ele acordava antes das 6h da manhã para trabalhar com seu staff pessoal. Às 8h, juntava-se a Ella e Callie para o café da manhã. Se Ari ainda não tinha alcançado o estágio de ficar totalmente relaxado e brincar com a garotinha, pelo menos não estava mais tão rígido na presença da criança e desenvolvera a habilidade de conversar com ela e conhecê-la melhor. A vida no iate luxuoso era excessivamente confortável e fácil. A tripulação atendia a cada necessidade deles, e, com frequência, até mesmo antes que Ella requisitasse alguma coisa. Era servida, mimada e encorajada a não fazer nada mais importante do que ir ao salão de beleza no deque inferior. Um estilo de vida que não lhe parecia natural, mas dava-lhe a oportunidade de passar um tempo de qualidade com Callie. O elo entre Ella e sua filha biológica já era profundo e forte. Embora nunca tivesse escolhido fazer travessuras numa piscina por si mesma, estava feliz em fazer isso quando o propósito era ensinar Callie a nadar, e, nas ocasiões que Aristandros se juntava a elas, se provaram ser as mais divertidas. “Navegar de volta para Grécia”, como Aristandros colocara, era mais um cruzeiro de lazer do que uma viagem somente para alcançar um destino. O Hellenic Lady havia atracado em diversas ilhas. Aristandros a levara para passear em Creta e jantar em Corfu. Depois disso, tinham andado por ruas estreitas da velha cidade de mãos dadas. E quem pegara as mãos dele? Ella levou as palmas frias contra o rosto, sentindo-se mortificada. Como pudera iniciar um gesto tão tolo? Romance não tinha nada a ver com o relacionamento deles. Era amante de Ari... A mulher que atualmente satisfazia sua libido exacerbada, não sua namorada, sua noiva ou sua esposa. E, exatamente como ele quisera, ela estava sempre disponível sexualmente, e não porque temia as consequências de violar o contrato que assinara! Na verdade, o desejo constante que a atormentava não tinha nada a ver com obrigações contratuais. Não podia manter as mãos longe de Ari, na cama ou fora dela. A necessidade de tocar, de fazer contato, era como uma febre, uma terrível tentação contra a qual lutava dia e noite. Estava apavorada pelo quanto já se tornara apegada a Aristandros. Todavia, nada poderia ter delineado mais claramente o abismo entre os dois do que a reação dele à possibilidade de uma gravidez de Ella. De alguma maneira, Aristandros a fizera sentir-se como um caso de uma única noite, uma estranha que mal conhecia, um corpo feminino no qual não tinha mais


interesse uma vez que saciasse seu desejo sexual. Se ela concebesse, ele veria isso como um desastre, e Ella só podia esperar que aquilo não acontecesse. Saindo do banho com uma toalha ao seu redor, estava voltando para a cabine quando Aristandros entrou. – Mencionei que vai acontecer uma reunião social na minha casa de Atenas esta noite? Não? – continuou ele preguiçosamente quando ela lançou um olhar confuso. – Tenho alguns negócios para fechar com investidores e você agirá como minha anfitriã. – Obrigada pelo aviso de última hora! – murmurou Ella. – Pelo menos você não precisa se preocupar em marcar hora num salão de beleza – disse Aristandros com ironia. ELES SAÍRAM do iate e pegaram um avião direto para a propriedade. A mansão na Grécia era cercada por campos de oliva e vinhedos, com uma vista magnífica das montanhas. Ella ficou surpresa pelo cenário rural, uma vez que, quando o conhecera, Aristandros e o avô moravam numa grande casa urbana em Atenas. – Drakon ainda prefere viver na cidade, mas eu gosto de escapar dos arranha-céus e do trânsito no fim do dia, e aqui estou a menos de meia hora do aeroporto – explicou Aristandros. – Passo muito tempo na ilha agora. Posso trabalhar em casa, e é um lugar muito privado. – Aqui é muito lindo também – comentou Ella, perguntando-se quantas diferentes propriedades Ari possuía ao redor do mundo, e se até mesmo ele saberia a resposta sem ter de pensar sobre isso. – As pérolas ficam bonitas em você. Com a observação, Ella tocou o magnífico colar em seu pescoço com os dedos trêmulos. Combinava com os brincos de pérola que usava, e provavelmente valiam uma fortuna. Um relógio adornado com diamantes também circulava seu pulso. Não tinha ideia de quanto valeria sua coleção crescente de joias, uma vez que nada tão vulgar como preço era mencionado quando Aristandros insistia em lhe comprar um presente. Na semana anterior, um joalheiro imponente havia voado para o iate com uma seleção magnífica de pedras preciosas para a avaliação privada de Ari. Ele se decidira pelas pérolas, as quais pareciam ter pertencido a um marajá italiano. Ella já tinha resolvido que, quando se separasse de Aristandros, deixaria todos os presentes não solicitados para trás. Presumivelmente, Aristandros estava acostumado a recompensar as mulheres de sua cama com presentes generosos. Mas as joias gloriosas a faziam se sentir mais uma peça de troféu do que nunca, e temerosa de merecer o rótulo ofensivo que sua mãe mencionara: prostituta. Era assim que as outras pessoas a enxergavam também? Como uma prostituta cara, ganhando uma rica recompensa por dar prazer ao amante magnata na cama? Ela encolheu-se com a suspeita de que houvesse descido tão baixo. Ironicamente, nos momentos em que estava vestida como rainha, adornada com joias fabulosas, sua autoestima, um dia saudável, tornava-se a mais baixa possível. Temia ser apenas um acessório de Ari, como um carro novo... E, assim como ele dirigia os carros mais caros do mundo, não sonharia em exibir uma mulher sem uma aparência espetacular, coberta de joias, para combinar com sua riqueza. O serviço de bufê organizara comidas e drinques para a recepção. A casa era imaculada, com design bem moderno, e era perfeita para promover grandes entretenimentos. Com um vestido de seda cor de ameixa até a altura dos joelhos, Ella juntou-se a Aristandros no terraço externo, onde drinques estavam sendo servidos enquanto os primeiros convidados chegavam. Não demorou muito para que ela sentisse


seu rosto vermelho. Apesar de todos serem educados, estava brutalmente óbvio que era o foco de grande curiosidade. Ironicamente, a chegada do avô de Ari, Drakon, causou-lhe o maior embaraço de todos. – Ella – murmurou o homem mais velho, beijando-lhe o rosto num cumprimento charmoso. – É rude admitir que, enquanto estou encantado em revê-la, lamento que nosso encontro seja nestas circunstâncias? Aristandros respondeu por ela: – Sim, é rude, além de desnecessário, Drakon. Que circunstâncias? Os olhos perspicazes do grego mais velho fitaram o neto com desafio. – Não finja ser obtuso, Ari – aconselhou ele secamente. Sentindo-se mortificada e ansiosa para escapar de mais discussões, Ella apressou-se em direção a Callie, que estava correndo ao longo da sala para cumprimentá-la. Sorrindo quando a garotinha se atirou contra seu corpo, Ella a abraçou. Callie, adorável num pequeno vestido azul, estava uma linda figura, e já era notavelmente mais confiante e comunicativa do que quando Ella a conhecera. Callie expressou um desejo pelo coelhinho de pelúcia que carregava para todo lugar, e Ella a levava de volta para Kasma, a fim de perguntar onde estava o coelho, quando ouviu vozes em tom alto vindo de uma sala que saía do hall. Comportando-se como se nada desagradável estivesse acontecendo, a jovem babá pegou Callie no colo e carregou-a para o andar de cima, a fim de procurar o coelhinho. – Se Callie é de Ella como você diz – Drakon Xenakis estava falando em grego –, dê-lhe a criança e deixe as duas partirem! – Não estou preparado para deixar nenhuma das duas partir – respondeu Aristandros baixinho, sua calma um contraste marcante com a raiva do avô. – Redigi um acordo muito compreensível que beneficia a Ella e a mim... – Um acordo legal? Foi para isso que eu o criei? Para corromper uma jovem que somente quer acesso à própria filha? É disso que você precisa para satisfazer seus apetites agora, Ari? Se tivesse um pingo de decência, se casaria com ela, uma vez que lhe destruiu a reputação! – A época em que as mulheres precisavam ser puras como a neve já passou há muito tempo, Drakon. Felizmente, vivo num mundo com práticas sexuais muito mais modernas – retorquiu Aristandros com ironia. – Acredite ou não, Ella está feliz comigo... – Ela merece mais do que as vadias interesseiras com as quais você costuma se associar, e você a está tratando pior do que todas elas! A única coisa que vejo neste cenário é vingança, Ari... Algo feio e indigno de sua pessoa. Com uma onda de náusea e o sangue correndo frio, Ella afastou-se da porta aberta antes que fosse pega ouvindo escondida. A opinião de Drakon a atingiu como um golpe físico, porque ele conhecia muito bem o neto. Ela havia sido muito rápida em descartar a ideia de que Aristandros estava agindo por vingança. Certamente preferira acreditar ser a femme fatale que ele nunca esquecera. Mas quão provável era esta interpretação? Não era mais provável que Ari estivesse se vingando por sua rejeição todos aqueles anos atrás? Ele a fizera desistir de sua carreira, de seu lar e de seus princípios, obrigandoa a ser sua prisioneira de luxo. Não, Aristandros não a obrigara a nada... Ela havia feito as escolhas necessárias para estar com Callie, a filha de seu coração, e, para ser justa, Ari cumprira suas promessas. Mesmo assim, vingança parecia a melhor explicação para o interesse contínuo de Ari. Por que outro motivo um homem que possuía as mulheres mais lindas do mundo se acomodaria com uma médica


não sofisticada e inexperiente, que não se sentia à vontade naquele estilo de vida festivo? Ele não teria sacrificado seus desejos e preferências pelo bem de Callie. Na verdade, o mais provável era que Callie tivesse sido usada como uma arma para pressionar a mãe biológica. Tendo adquirido a criança, também adquirira os meios perfeitos de fazer Ella obedecer a ele, exatamente o que fizera. No estado abalado em que se encontrava agora, era o momento errado para Ella rever a família pela primeira vez em sete anos. Seu padrasto, um homem grande de cabelos grisalhos, estava em pé no terraço com um drinque na mão. Sua mãe, uma mulher magra de cabelo liso, estava ao lado dele. Atrás do casal, dois jovens altos de pele bronzeada, seus meios-irmãos, tinham se tornado adultos. Ella empalideceu quando Theo Sardelos a olhou diretamente, enquanto sua mãe, o rosto repleto de sofrimento, virava a cabeça para evitar ver sua única filha sobrevivente. Seus meios-irmãos gêmeos a fitaram com total hostilidade. Ella estava furiosa por Aristandros convidar sua família sem lhe contar nada. Ciente de que não era a única pessoa a notar que eles a tratavam com indiferença, forçou-se a cumprimentar seu padrasto com um gesto de cabeça, antes de voltar-se para sua mãe. – Gostaria de vir comigo para ver Callie? – Não, ela não gostaria. – Theo Sardelos olhou para a enteada com profundo desgosto enquanto respondia pela esposa, um hábito controlador que Ella lembrava-se com repugnância. – Sua presença aqui torna isso impossível. Ella não respondeu. Conhecia Theo o bastante para saber que ele saborearia cada oportunidade para embaraçá-la diante da audiência. Embora fosse necessária uma boa dose de coragem, sorriu e continuou andando, chamando um garçom para lhe pedir que servisse os convidados que tinham acabado de chegar. Kasma levou Callie novamente para baixo, que, agora com seu coelhinho debaixo do braço, correu para se colocar ao lado de Ella. Foi preciso grande esforço para que Ella continuasse agindo como anfitriã, conversando e sorrindo como se nada tivesse acontecido. De vez em quando, abaixava-se para tocar o cabelo de Callie, para se lembrar do que havia ganhado e do motivo pelo qual fizera um acordo com o inimigo. Seus pensamentos eram tumultuados. Aristandros apenas dissera a verdade para o avô: ela estava feliz com ele. Isso significava que ainda era prostituta de coração? Compartilhar a cama de Ari era mais um prazer do que uma punição. O que isso dizia sobre sua pessoa? Vergonha e confusão a assolaram, preenchendo-a com remorso. Lily lhe enviara uma mensagem de texto naquele dia: Você é a nova companheira dele por acidente ou intencionalmente? Ella ainda não sabia como responder àquela pergunta. Enquanto a ideia original tinha sido de Ari, era como se ela, de alguma maneira, tivesse se rendido, usando Callie como uma desculpa para fazer isso. Quando Aristandros a tocava, seu corpo ficava em chamas. O que havia começado com o propósito de ser um sacrifício tornara-se um prazer. Se fosse uma vítima da vingança, era uma vítima disposta, e tal realidade a chocava. Com as feições frias e a postura elegante, Aristandros se aproximou. Nada em sua expressão revelava aborrecimento pela recente discussão que tivera com o avô. O coração de Ella disparou, a boca secando quando ele descansou uma das mãos na base de sua coluna e sussurrou: – Por que você não está com sua família?


CAPÍTULO 8

ELLA O fitou com incredulidade. – Por que os convidou quando sabe que existe um desentendimento entre nós todos? – perguntou ela baixinho, furiosa por Ari ter lhe armado um confronto como aquele, sabendo que a família a vinha rejeitando por anos. – Pensei que o convite ajudaria... Até mesmo pensei que você pudesse ficar feliz em vê-los – respondeu Aristandros, o semblante sério. – Foi um erro grave. Você não devia ter interferido. Minha família não quer proximidade comigo – confidenciou Ella amargamente. – Na verdade, Theo proíbe todos de se aproximarem de Callie enquanto eu estiver aqui. Aristandros a olhou com perplexidade, então praguejou. – Isso é um absurdo, khriso mou. Ele não pode insultá-la debaixo do meu teto. Qualquer um que fizer isso não é bem-vindo aqui. – Não há muito que você possa fazer sobre isso. Theo é um homem muito teimoso. Ignore-o, como estou fazendo, e talvez com o tempo, ele supere sua ira. Você não deveria tê-los convidado. – Ella mordiscou o lábio inferior, enquanto absorvia a expressão raivosa brilhando nos olhos dourados. Naquele momento, Callie puxou o vestido de Ella e descansou contra sua perna, enquanto o cansaço a dominava. – Sardelos aborreceu você – reclamou Aristandros. – Não vou tolerar essa ofensa. – Fique fora disso, não é problema seu – sussurrou Ella em tom frenético, e abaixou-se para erguer Callie nos braços. – Se você interferir mais, vai causar problemas infinitos e ressentimentos. Vou levar Callie para dormir. Prometa-me que vai cuidar de seus assuntos? Aristandros lhe enviou um olhar sardônico. – Você é assunto meu. Se eles a insultam, insultam a mim, uma vez que você está aqui porque desejo, e não vou tolerar nenhum tipo de desrespeito. Ancorando Callie em um de seus quadris e mantendo-a ali com um braço firme, Ella colocou a outra mão sobre o peito de Ari. – Ninguém está desrespeitando você. – Tentou tranquilizá-lo. – Por favor, não se envolva... Por favor. Não brinque com fogo.


Com esse apelo final, partiu com Callie. Kasma se ofereceu para subir com o bebê, mas Ella recusou. No humor que estava, sentir os bracinhos de Callie a seu redor era confortante. A última coisa que precisava era que Aristandros piorasse uma situação já delicada. Sabia como sua mãe sofria calada cada vez que Theo perdia o controle. Quando estava no corredor e olhou para baixo, viu os convidados do sexo masculino reunidos no hall, entrando no escritório de Ari, onde aconteceria a reunião dos investidores. A visão a preencheu de alívio. Com negócios em jogo, Aristandros certamente não desperdiçaria sua energia pensando em qualquer outra coisa. – Sapatos – murmurou Callie, sentindo-se importante enquanto Ella removia as sandálias. – Meias. – Muito bem. – Ella aplaudiu, virando o rostinho de Callie para beijá-lo. – Meu Deus, ela está falando agora... Ella quase desmaiou de susto e virou-se para ver a outra mulher à porta. – Mamãe? – Theo foi para a reunião, e pedi que uma criada me trouxesse para cima – explicou Jane Sardelos num tom apressado. – Ele ficaria furioso se soubesse que estou aqui com você. – Ele fica furioso com muita facilidade. Por que não o deixa? – perguntou Ella, revelando sua incompreensão quanto àquilo. – Ele é meu marido e me ama. Tem sido um bom pai e provedor. Você não entende – disse sua mãe, exatamente como costumava falar durante a adolescência de Ella. – Deixe-me ver minha neta... É a sua imagem perfeita. Ella notou que Callie não mostrou sinal de reconhecer a avó. – Você não a visita muito, verdade? – Susie foi muito difícil após o nascimento do bebê – murmurou Jane, sentando-se ao lado do berço e olhando para a garotinha com expressão suave. – Ela não queria meu conselho, nem de ninguém, e era óbvio que o casamento com Timon estava se dissolvendo e Susie não se importava. Vi Calliope algumas vezes quando ela era muito pequena, mas Susie não queria ser perturbada com visitas. – Acho que Susie teve depressão pós-parto – comentou Ella gentilmente. – Mas se recusou a consultar um médico. – Jane meneou a cabeça com tristeza. – Eu fiz o que pude, mas sua irmã sempre foi muito teimosa, e infelizmente acabou pagando o preço por isso. Mas não quero que você pague também. – Não vamos falar sobre mim – interrompeu Ella rapidamente. – Metade do mundo está falando de você desde que veio morar com Ari Xenakis. Ele pode querê-la hoje, Ella, mas não há garantias do dia seguinte, muito menos de um futuro mais distante. Eu não devia ter insultado você com aquela palavra, mas fiquei muito aborrecida ao descobrir que estava vivendo com Ari. – Não posso discutir Aristandros com você. Sou adulta e fiz uma escolha. Não espero que concorde com isso, mas não faz sentido discutir o assunto também, porque nada vai mudar. Mamãe, faz sete anos que não nos vemos – relembrou-a Ella com sofrimento. – Não vamos desperdiçar este momento. – Um momento é realmente tudo que temos – reconheceu Jane, envolvendo a filha num abraço, as mãos trêmulas traindo seu estado de nervos. – Senti tanto sua falta, particularmente depois que Susie faleceu. Mas Theo está ultrajado pela situação. Diz que, por causa do seu caso muito público, ele está ridicularizado. Ella retribuiu o abraço da mãe com afeição.


– Pelo amor de Deus, ele sempre exagera... É apenas meu padrasto. – Você embaraçou a família inteira – soou uma outra voz condenatória da porta. Ella focou no seu meio-irmão, Dmitri, enquanto sua mãe se afastava. – Pare de criar desculpas para seu pai – disse Ella. – Ele sempre encontrou defeito em tudo que fiz, porque eu o enfrentava. Não gosta de mim e nunca vai gostar. – Mamãe... Em alguns minutos, papai irá procurá-la. Você precisa descer. – Tendo dado o aviso, Dmitri virou-se de costas para Ella, que estava furiosa pelo comportamento ridículo dele. – Você ainda mora em casa? – perguntou para seu irmão. Observando sua mãe empalidecer de medo que o marido descobrisse a desobediência a seus comandos, Ella voltou aos anos que não queria recordar. Anos marcados por violência e discórdia, e pelas tentativas patéticas de Jane para fazer a família parecer normal. – Não. Há muitos anos. Stavros e eu temos um apartamento. – Então não posso lhe pedir que cuide de mamãe esta noite – observou Ella. Imediatamente entendendo o significado daquilo, Dmitri enrubesceu e se apressou para tirar a mãe do quarto. Estava desesperado para evitar conflito com o pai, como Ella estivera um dia. Ela jamais esqueceria a tensão de viver na casa de Sardelos, onde todos tinham de se reprimir o tempo todo para evitar aborrecer Theo. Enquanto o conflito inicial no casamento havia começado por causa da infidelidade de seu padrasto, ele logo encontrara diversas razões para perder o controle. – Vou tentar telefonar para você – prometeu Jane sobre o ombro. – A qualquer hora, por qualquer razão. Sempre estarei aqui para você – respondeu Ella com a voz embargada pela emoção. Até que visse sua mãe novamente, não se permitira reconhecer o quanto sentira falta da presença dela em sua vida. Ella esperou que Callie dormisse, então desceu e voltou para a espaçosa sala de estar. Descobriu que era o centro das atenções, e lembrou-se de como as pessoas eram curiosas sobre Aristandros... Seu estilo de vida, suas posses, suas mulheres, sua família... Tudo material para as colunas de fofocas de jornais e revistas. Tentando esquivar-se, com tato, das perguntas mais íntimas, conversou com diversas mulheres. Os homens voltaram em pequenos grupos para suas parceiras, e os convidados começaram a partir. Drakon Xenakis fez questão de se despedir de Ella com carinho. Seu padrasto, encostado contra uma parede, simplesmente inclinou a cabeça na direção da esposa num sinal categórico de que queria ir embora. Mesmo com uma única olhada, ela pôde dizer que Theo estava incendiado de raiva, o rosto vermelho, a boca comprimida numa linha agressiva. Então sua família inteira partiu sem uma palavra para ninguém. Ella seguiu Aristandros para o escritório que conectava com a sala de conferências. – O que você falou para meu padrasto? – exigiu saber. Os assistentes pessoais de Ari pararam incrédulos, e ela enrubesceu, desejando que tivesse exercido mais autocontrole e esperado até que eles estivessem a sós. Com o semblante impassível, Aristandros inclinou-se contra a mesa atrás de si e estreitou os olhos. – Não se dirija a mim neste tom – disse com firmeza. Ella ficou mortificada quando, somente então, ele dispensou seu staff com um gesto autoritário significativo de mão. – Desculpe – murmurou ela. – Eu devia ter esperado um momento. – Tudo que peço é que se lembre de suas boas maneiras.


– Eu estava preocupada... Vi Theo saindo em completa fúria. O que aconteceu? – pressionou, andando ansiosamente na frente dele. – Informei Sardelos e seus irmãos que eles não são bem-vindos aqui se não podem tratá-la com respeito. Ella lhe atirou um olhar apavorado. – Não preciso que você lute minhas batalhas por mim! – Eu os convidei, e esta é minha casa. O comportamento deles foi inaceitável – declarou Aristandros. – Nunca vi meu padrasto tão irado, e não é de admirar. Você o humilhou na frente dos filhos, e ele vai me culpar por isso também – lamentou-se Ella. – Eu poderia matá-lo por interferir em algo que não lhe diz respeito. – Defendo você e se comporta como se eu tivesse agido errado? – questionou ele, com expressão de raiva. – Deixou seu padrasto intimidá-la por tanto tempo que perdeu a noção das coisas. Ele precisa reconhecer seus limites através de alguém que não pode influenciar ou controlar. Ella virou-se de costas para Aristandros, preocupada com as consequências da reprimenda merecida que Theo recebera. Seu padrasto beneficiava-se grandemente de sua associação com a família Xenakis. A súbita perda de tal conexão não somente o humilharia, mas também prejudicaria seus negócios. Queria gritar com Aristandros por ter agido assim, mas sabia que ele não poderia compreender que Jane Sardelos pagaria pelos pecados do marido. – Você interferiu, convidando-os para vir aqui quando sabia da séria discórdia entre nós – acusou ela. – Pelo amor de Deus, minha mãe me ligou em Paris para me dizer que eles achavam que eu estava agindo como sua prostituta! Aristandros ficou rígido. – Prostituta? – Ninguém tem a ilusão que sou eu quem paga pelas roupas caras e joias! – disse Ella amargamente. – Como espera que as pessoas me vejam? Com olhos brilhantes parcialmente ocultados por cílios longos e sedosos, Aristandros a estudou. – Esta não é uma questão que parei para considerar. Ella arqueou uma sobrancelha. – Não? Bem, você considerou tudo o mais relacionado à imagem. Por que outro motivo fui arrumada como uma boneca elegante? Mas Aristandros não estava ouvindo. Franzia o cenho numa expressão interrogativa. – Então foi por isso que você me deixou sozinho na festa em Paris... Ella inclinou a cabeça, afastando o cabelo claro do rosto com a mão impaciente. – Aquele telefonema pode ter me deixado mais sensível do que eu já estava. – Porém, mais uma vez, isso enfatiza o quão pouco você me ouve, khriso mou. A tensão intimidadora na atmosfera fez soar alarmes dentro da cabeça de Ella. Ciente da raiva renovada de Ari, mas sem entender por que, piscou confusa. – Não sei se estou entendendo. – Você deveria ter me contado sobre o telefonema que a perturbou – explicou Aristandros. – E não ouse dizer que não era da minha conta, porque seu comportamento naquela noite falou por você! Não gosto que guarde segredos de mim. Isso é desonesto. Ella deu um suspiro exasperado. Não podia acreditar no que estava ouvindo.


– Como tem coragem de dizer isso? – retrucou. – Talvez haja muitas coisas a seu respeito de que não gosto: um homem que usa advogados para me chantagear em um acordo indefensável onde ele faça o que quiser, enquanto eu faço apenas o que ele quiser. É isso que está chamando de relacionamento? Não é de admirar que nenhum deles tenha durado mais de cinco minutos! Em que bases você acha que eu lhe daria minha confiança? – Pare agora, antes que esta discussão saia de proporção – avisou Aristandros duramente. Mas Ella estava tremendo de emoção, e não poderia conter o que sentia. Seus olhos azuis fuzilavam. – Acha que posso confiar num homem que uma vez disse que me amava e queria se casar comigo, mas que me dispensou menos de uma hora depois? E por quê? Porque eu não podia ser a esposa perfeita que tinha em mente. Porque tive a audácia de querer mais do que seu amor e seu dinheiro. Você teria desistido de seu trabalho e da arte de ganhar dinheiro para se casar comigo? Aristandros perdeu a cor sob a pele bronzeada. Todavia, olhou-a com firmeza, previsivelmente não cedendo em nada. – Não iremos ter esta conversa – declarou. – Não estou pedindo permissão, e não estou tendo uma conversa. Talvez não tenha notado ainda, mas estou gritando com você! – exclamou ela, inflamada pela resistência dele ao seu ataque verbal. – Stamates... Basta! – disse Aristandros friamente. – Eu o detesto. Até mesmo seu avô acha que você está me tratando mal. Sim, além de não ter bons modos, ouço atrás das portas também! – confessou ela furiosa, lágrimas queimando seus olhos, sentindo a raiva a consumindo. – Definitivamente não sou a mulher perfeita que você pensa. É melhor rezar para que eu não seja fértil! E com aquela declaração final, Ella saiu e passou pelo staff de Ari, que evitou olhá-la e tentou fingir que estava tudo normal. Ela subiu a escada quase correndo, contendo o nó na garganta, e foi para a suíte principal... A quarta desde que tinha ido viver com ele. Ella raramente chorava. Um filme triste ou um livro poderiam levar lágrimas aos seus olhos, mas era preciso muito para que realmente chorasse. Agora, atirou-se na cama e soluçou como criança. Estava preocupada com sua mãe, indo para casa sozinha com um homem irado e violento, que gostava de usála como saco de pancada. Porém, mais do que tudo, estava arrasada pela briga que acabara de ter com Aristandros. Tinha começado com uma pequena discussão, então crescido até romper a frágil paz que eles haviam estabelecido, destruindo os elos que, de alguma maneira, tinham conseguido construir. Agora não havia como esconder-se das verdades feias, porém reveladoras, como o medo de Ari de que ela pudesse ter concebido uma criança que ele não queria. Por que estava chateada com a briga? Pelo menos, tinha falado tudo que pensava. Confiara em Aristandros há sete anos, e o que ganhara com isso? Um coração partido e a rejeição da família. Ari, todavia, enriquecera ainda mais e aproveitara a vida com diversas mulheres promíscuas. Ella socou o colchão com o punho cerrado. Ainda estava tão furiosa que queria gritar. Detestava-o, realmente detestava-o! Mas estava quase na hora da refeição noturna de Callie, e adorava a rotina de pôr a filhinha para dormir. Levantando-se, gemeu ao ver seus olhos inchados e maquiagem borrada. Não tendo mais acesso ao salão de beleza e possuindo pouca maquiagem, fez o possível para disfarçar os efeitos do choro descontrolado.


CALLIE FOI um consolo encantador naquela noite. Ella brincou com a filha no banho, secou o pequeno corpo e aninhou-a em seus braços enquanto lia uma história. A criança murmurava sons alegres quando Aristandros apareceu à porta do quarto de bebê. – Quero jantar fora esta noite – anunciou ele. – Não me importo se eu nunca mais comer – mentiu Ella, pois, na verdade, estava faminta, mas não o deixaria fingir que nada tinha acontecido, mesmo se suspeitasse que seria melhor não tocar no assunto do que arriscar uma nova discussão. Callie escorregou de seu colo e aproximou-se descalça de Ari, erguendo os bracinhos e exigindo ser erguida. Possivelmente aliviado que alguém parecia apreciar sua presença, Aristandros abaixou-se e pegou-a no colo, como se viesse fazendo isso há anos. Mas, na verdade, nunca fizera aquilo antes, e Ella observou, disfarçadamente, enquanto Callie explorava o cabelo de Ari, dava-lhe beijos molhados no rosto, e puxava a gravata antes de acomodar-se contente, tentando roubar uma das abotoaduras de ouro de Aristandros. Callie ergueu um dos pés. – Meias – disse ela. – Você não está usando nenhuma – apontou Aristandros. Callie fez um biquinho. – Sapatos. – Você também não está usando sapatos. – Callie está tentando impressioná-lo com as novas palavras que aprendeu, não tendo uma conversa – explicou Ella. – Isso é mais interessante do que conversa – observou Aristandros, tirando os olhos do rosto sorridente de Callie e os focando em Ella. – Você está de mau humor de novo. – Não estou de mau humor – negou Ella. – Simplesmente não posso pensar em nada para lhe dizer. – Existe uma diferença? – Ari atravessou o quarto e abaixou Callie gentilmente para o colo da mãe. Quando os olhos dele se conectaram, ela teve ciência da incrível masculinidade, e sua boca secou. – Vou sair – murmurou ele casualmente. Ella quase o chamou de volta para dizer que também iria, afinal de contas. Vê-lo sair sozinho não lhe agradava de forma alguma. Nenhuma mulher em seu juízo perfeito encorajaria Aristandros a sair sozinho, mas nenhuma mulher com seu orgulho o acompanharia após o dia que tinha passado e as palavras que haviam trocado, reconheceu com tristeza. Depois que Callie dormiu, ela desceu e comeu uma refeição leve, enquanto olhava para o relógio, imaginando quanto tempo ele ficaria fora e com quem estava. Atenas era uma cidade alegre, com muitas boates. Decidindo ir dormir mais cedo, foi tomar um banho, então telefonou para Lily e finalmente contou tudo que tinha acontecido para sua amiga. – Ele é um cretino! – exclamou Lily com desgosto. Ella tremeu, não gostando de ouvir aquilo. – Às vezes ele é... muito desafiador. – Não acredito no que estou ouvindo. Você está dando desculpas para ele? – Não é desculpa – protestou Ella desconfortável. – Ella... Em todos os anos de nossa amizade, nunca entendi sua indiferença aos homens. Agora, finalmente entendo. Você é insanamente apaixonada por Ari Xenakis... e quero dizer insanamente, porque, pelo que parece, ele já está enlouquecendo você!


– É claro que não sou apaixonada por ele – retrucou Ella. – Não temos absolutamente nada em comum. Ele é frio, egoísta e arrogante, e eu nunca poderia gostar de um homem assim! – Por outro lado – acrescentou Aristandros, entrando no quarto sem aviso e fazendo-a derrubar o telefone com o susto –, sou muito rico, muito inteligente e muito bom na cama... Uma combinação que parece mantê-la bem entretida, khriso mou. Desajeitada, Ella pegou o telefone do chão. – Tudo bem... Eu ouvi – admitiu Lily. – Acho que você encontrou seu parceiro, Ella. Ella desligou o telefone e olhou para Aristandros. Ele a fitava com um desejo tão ardente que seus mamilos enrijeceram sob a camisola, tornando-se desconfortavelmente sensíveis. Fechou os olhos e se aninhou debaixo dos lençóis, muito consciente da presença de Ari, e ficando rígida quando o colchão cedeu sob o peso dele. – Se thelo... Eu quero você – murmurou ele com voz rouca e a tomou em seus braços. – Pensei que você ficaria fora por metade da noite – respondeu Ella, imóvel contra o corpo quente e poderoso. – Não quando você está na minha cama me esperando, moli mou. – Eu não estava esperando você! Afastando o cabelo loiro e sedoso, Ari pressionou a boca no pescoço delicado, fazendo-a tremer com o roçar erótico dos lábios contra sua pele. – É claro que estava. Acha que não sei quando uma mulher me quer? – Arrogante. Rindo, Aristandros removeu a camisola dela, sem receber ou mesmo parecer precisar da ajuda dela, provando que era mais do que capaz de lidar com aquela crítica. Mordiscou a pele sensível atrás da orelha de Ella, enquanto as mãos fortes provocavam-lhe os mamilos e o interior das coxas. Ela cerrou os dentes e arfou, esforçando-se para resistir à tentação, até que Ari provocou o pequeno botão feminino, e subitamente a excitação era mais do que podia suportar. Girou num movimento violento, beijando-o com paixão, ardendo por ele, ardendo de vergonha ao mesmo tempo. Aristandros entreabriu-lhe os lábios internos, deixando-a ofegante de desejo. Então a posicionou sobre seu corpo rígido e deslizou seu membro ereto com um gemido gutural de prazer. – Contanto que saiba que continuo detestando você – murmurou Ella tremendo, lutando para não se perder totalmente no prazer que ele lhe despertara. – Adoro o jeito como me detesta – replicou ele, segurando-lhe os quadris para controlar o ritmo, então erguendo-se para tocar-lhe os seios e os mamilos. Ella estava atordoada de excitação, e era impossível raciocinar. As ondas de puro deleite começaram na sua pélvis e lentamente se espalharam em círculos, até que ela explodiu num clímax espetacular. Gritou, inclinando a cabeça para trás, enquanto os tremores do êxtase a envolviam. Aristandros rolou-a para a cama e a aninhou em seus braços. – Amanhã estaremos em Lykos, e não acho que vou deixá-la sair da cama por uma semana. Você me deixa insaciável, khriso mou. Quando seu cérebro voltou a funcionar, Ella detestou a si mesma por se render à paixão. – Não retiro uma palavra do que falei. – Que temperamento você tem – disse Aristandros, obviamente despreocupado com aquilo. Com o corpo ainda pulsando pelo incrível clímax, Ella afastou-se dele e foi para a outra ponta da cama.


– Não. – Aristandros puxou-a de volta com mãos que não davam espaço para argumento, colocandoa em contato com seu corpo novamente. – Você colhe o que planta, e não terminei ainda. – Eu terminei! – Mas enquanto ela falava, seu celular tocou. – Ignore – instruiu Aristandros. – Já passa da meia-noite. Ella estava acostumada a interpretar telefonemas de madrugada como emergências, e desvencilhouse dele, pegou seu celular sobre o criado-mudo e atendeu. Um instante depois, levantou-se e acendeu o abajur. Embora não pudesse entender o que sua mãe estava dizendo, podia ouvi-la chorando, e sabia que alguma coisa estava muito errada. – Acalme-se, não posso entender o que está falando. O que houve? Ele bateu em você? Ella sentiu Ari se aproximando. – Você ainda está na casa, mamãe? Onde está Theo? Ouça, não volte para lá de jeito nenhum – avisou. – Fique onde está que irei buscá-la. Não, é claro que não tem problema. Não seja tola, mamãe. Tudo que me importo é com você. – Desligando o telefone, virou-se para Aristandros. – Preciso de um carro. Aristandros já estava falando ao telefone fixo da casa. – Sardelos atacou sua mãe? O que aconteceu? – O que sempre acontece – respondeu Ella com um suspiro. – Theo toma alguns drinques, a culpa por tudo que dá errado na vida dele e bate nela. Ele está na cama. Minha mãe está no parque do outro lado da rua. Por que está se vestindo? – Vou com você. Ella já tinha posto uma calça. – Não é uma boa ideia. As feições bonitas de Ari estavam sérias. – Não vou deixá-la lidar com isso sozinha. Seu padrasto deixou minha casa furioso esta noite, e foi culpa minha. – Você não tem culpa de nada. Theo é o carrasco na história. Eu lhe aviso, mamãe não vai reportá-lo à polícia. Já tentei persuadi-la a denunciá-lo um milhão de vezes, mas não adianta, então ele sempre se livra. Minha mãe é como uma viciada... Não consegue abandoná-lo. – Você pretende chamar seus irmãos? – Farei o que mamãe quiser que eu faça. Afinal, ela ligou para mim, em vez de para um de seus filhos. Vinte minutos depois, Ella se aproximou do banco do parque, onde sua mãe estava sentada, os ombros caídos, a cabeça baixa, de modo que, mesmo com a luz da rua, não era possível ver-lhe o rosto. Quando Ella conseguiu vê-la, teve de conter um grito de horror. O rosto de sua mãe estava inchado, um olho quase fechado pelo hematoma. Jane Sardelos estava quase irreconhecível. O lábio estava cortado e inchado, e ela segurava um dos braços como se estivesse com dor. – O que houve com seu braço? – perguntou Ella. – Vamos entrar no carro primeiro – disse Aristandros. – Você o trouxe? – arfou Jane em horror. – Não pude persuadi-lo a ficar. – Ella ajudou sua mãe a se levantar e a conduziu em direção a limusine. Uma vez que estavam seguros no banco de trás, examinou o braço de sua mãe e percebeu que o pulso estava seriamente quebrado. – Precisamos ir para o hospital. – Não para o hospital... Vou para um hotel ou algo assim.


– Você não tem escolha – interrompeu Ella. – Acho que seu pulso vai precisar de cirurgia, e quanto antes melhor. Quer que eu ligue para os rapazes? Jane meneou a cabeça com veemência. – Não faz sentido aborrecê-los também. Aristandros arqueou uma sobrancelha, mas não fez comentários. Durante o trajeto para o hospital e na chegada subsequente, Ella estava surpresa com quanta gentileza ele tratava Jane, que nunca tinha sido uma de suas maiores fãs. Sentiu-se divertida quando o charme natural de Ari começou a fazer sua mãe relaxar. Foi uma noite muito longa. Depois que radiografias foram tiradas, Jane foi examinada, e Ella estava apavorada pelos ferimentos que via no corpo da mãe. Era óbvio que os ataques de seu padrasto haviam se tornado ainda mais violentos durante os anos. A cirurgia do pulso foi imediatamente marcada. A polícia chegou logo, e Ella preparou-se para os esforços usuais de sua mãe em proteger o marido de prisão e condenação. Aristandros pediu para falar com Jane em particular, e Ella saiu do quarto, curiosa com o motivo dele, mas tão sonolenta que ficou grata pela chance de andar ao redor e acordar um pouco. Ao retornar, ficou chocada com a descoberta de que sua mãe finalmente estava disposta a dar declarações verdadeiras dos eventos e processar Theo. Também parecia mais forte, mais firme e com menos medo. Enquanto Jane estava na sala de operação, Aristandros deu uma série de telefonemas. – Sobre o que você conversou com mamãe? – perguntou Ella. – Jane quer um recomeço, e apontei que não pode ter isso sem processar Sardelos pela violência física, porque somente isso o fará deixá-la em paz. Também apontei que ela poderia morrer durante uma das agressões dele. Convidei-a para nos acompanhar a Lykos enquanto se recupera, mas Jane quer ficar com seus irmãos até que se sinta melhor. Liguei para eles. Devem chegar aqui em breve. Ella ficou desapontada que Jane não iria para a ilha, mas sabia que sua mãe apreciaria mais ficar com os filhos por algumas semanas. Estava impressionada por Aristandros ter triunfado numa questão que ela fracassara tantas vezes. Seu padrasto finalmente iria enfrentar a corte, uma imensa fonte de alívio para Ella. Mas talvez não fosse tão estranho, concedeu. Jane sempre fora mais facilmente impressionada por homens fortes do que por mulheres fortes, e a intervenção e conselho de Ari haviam sido apreciados e respeitados. Eles permaneceram no hospital até que Jane saiu da sala de operação e recobrou a consciência no quarto. A cirurgia foi longa e complicada, mas bem-sucedida. Ella adormeceu na limusine, e acordou somente quando Aristandros a colocou na cama. – Você foi maravilhoso hoje com mamãe – murmurou sonolenta. – Eu não esperava isso. – Nem sempre sou o imbecil que você gosta de pensar que sou – respondeu ele. Relaxando no colchão confortável, Ella estudou-lhe o rosto bonito. – Não sou tola – disse. – A essência de uma pessoa nunca muda.


CAPÍTULO 9

A ILHA de Lykos tinha sofrido algumas mudanças desde que Ella a visitara, sete anos antes. Aristandros ampliara o porto para acomodar seus iates. Os barcos de pesca pareciam brinquedos coloridos ao lado do Hellenic Lady. A cidadezinha da ilha, composta por casas brancas, adornadas com a tradicional pintura azul, estendiam-se em fileiras alinhadas atrás do porto. A igreja de casamento, com sua torre de sinos ornamental, era localizada na praça principal arborizada, e um moinho de vento em desuso, mas ainda assim charmoso, pontuava a estrada sinuosa que levava à extremidade da ilha e à casa dos Xenakis. Além da cidade, montanhas verdes eram salpicadas com ciprestes e campos de oliva, e mais construções do que ela se recordava. – Da última vez que estivemos aqui, você disse que queria se casar numa igreja exatamente como esta – comentou Aristandros. – Eu disse? – Parada contra o parapeito enquanto o iate atracava no cais, Ella ainda sofria pela perda de sono da noite anterior. Aquele lembrete quase a fez engasgar com o café que estava bebendo para acordar. – Não me lembro disso. – Eu apreciava o fato de você ser espontânea e falar o que lhe vinha na cabeça. Meus pais se casaram aqui, na igreja de Ayia Sophia, com a qual minha mãe também ficou encantada. – Lykos originalmente pertencia à família de sua mãe, não é? – Sim. Ela foi filha única e um grande desapontamento para a família, que ansiava por um filho homem. – Lembro-me da foto de sua mãe na casa. Ela era maravilhosa. – Ela ainda mantém o troféu de ser a mulher mais vaidosa que já conheci – murmurou Ari com um meneio da cabeça orgulhosa. – De muitas maneiras, teve sorte de falecer jovem. Não teria lidado bem com o envelhecimento. Ella pensou que era triste que Aristandros pudesse ser tão desapegado da memória da mãe, um hábito que provavelmente adquirira para se proteger quando era menino, ignorado por pais irresponsáveis que tinham se recusado a crescer e se comportar como adultos. Muito parecidos para se suportarem, o casal se divorciara quando Ari tinha 5 anos. Embora Doris Xenakis houvesse crescido com grande beleza e riqueza, ambos os atributos tinham sido apenas meios para um fim para a jovem obcecada por seu sonho de se tornar uma atriz famosa.


Enquanto Doris perseguia infindáveis papéis como atriz, e dava festas constantes para entreter celebridades influentes, Aristandros fora seriamente negligenciado. Tinha sido removido de casa por assistentes sociais duas vezes, para sua própria segurança. Doris finalmente morrera de overdose de drogas aos 30 anos, e era apenas lembrada no mundo do cinema por ter estrelado um dos piores filmes já produzidos. O pai de Ari, Achilles Xenakis, um jogador inveterado, mulherengo e alcoólatra, havia tido diversas parceiras e frequentara centros de reabilitação depois de uma interminável sucessão de escândalos sexuais e financeiros. Achilles morrera batendo sua lancha. Órfão, Aristandros tinha ido morar com Drakon aos 14 anos. Ella, Callie e Aristandros subiram em um dos carros que esperavam no porto, enquanto a bagagem era carregada em outro. Ella olhou para o mar azul-turquesa, lavando a praia branca que circulava mais da metade da ilha, e apreciando o isolamento do lugar, perguntou: – Você está tentando manter os turistas longe? – Por que eu iria querer compartilhar o paraíso? – Seria a maneira mais fácil de revitalizar a economia e persuadir os jovens a permanecerem aqui. Um pequeno desenvolvimento exclusivo perto da cidade não interferiria na sua privacidade. – Lembre-me de mantê-la afastada do conselho da cidade. Eles a elegeriam imediatamente – disse Ari. – Nos anos recentes, fiz diversos negócios para criar empregos, e a população está atualmente prosperando... sem o comércio turista e seus problemas inevitáveis. Ella lhe deu um sorriso ensolarado. – Tenho certeza de que você sabe o que funciona melhor em seu reinado. – Não me refiro à ilha como meu reinado – retrucou Aristandros. – Eu não quis ser controversa. Ele alisou-lhe a coxa, um olhar reprovador. – Mentirosa. Você sempre gosta de ser do contra, moli mou. – Concordância constante e admiração são ruins para você. Muitas pessoas se comportam como se cada decisão sua fosse um ato de puro brilhantismo. – Geralmente é – disse Aristandros. – É como ganho tanto dinheiro. Involuntariamente, Ella sorriu, pois a autoconfiança dele era imensa e sempre ousada. Estudou a grande casa erguida como um navio isolado na montanha salpicada de ciprestes. A propriedade, projetada pela mãe falecida dele, dava vista para um vale estreito, onde águas claras refletiam o céu. – Tenho um projeto para você enquanto estiver aqui – disse Ari, cumprimentando o staff alinhado no hall, enquanto Ella seguia Callie, que corria em direção à escada o mais rapidamente que seus pequenos pés permitiam. – Reforme a casa e a renove. Ela sempre me lembra um cenário de filme. A tela do cinema era, sem dúvida, o que tinha inspirado a mãe dele na escolha opulenta da decoração dos móveis, dos pisos de mármore e das colunas gregas teatrais. Ella estava impressionada por Ari ainda não ter mandado renovar a casa, o que a fez pensar se ele era mais sentimental do que estava disposto a admitir. O retrato de Doris ainda adornava uma das paredes, juntamente com muitas fotos dela com celebridades. Aristandros não se parecia nada com a mãe loira, de olhos castanhos. Todavia, parecia-se com o bonito pai. Em termos de atrativos, contudo, superava os pais, decidiu Ella, estudando-o. Enquanto Ari possuía a aparência física de Achilles, havia herdado a inteligência aguçada e perspicácia do avô. Estar perto de Aristandros todos os dias a deixara mais ciente do que nunca de que ele era um homem inteligente, desafiador, intrigante e extravagantemente lindo.


Enrubescendo quando Ari notou seu olhar demorado, Ella apressou-se para o terraço e pensou se Lily estaria certa. Seria possível que nunca tivesse deixado de amar Aristandros? Nunca se comportara normalmente em relação aos homens depois daquela primeira desilusão? Essa suspeita a apavorou, porque gostava de pensar que era sensata. O tipo de mulher que podia continuar alimentando uma paixão secreta por um mulherengo notório a fazia se sentir tola, fraca e certamente insana. – Em três semanas, iremos a um grande evento beneficente patrocinado pela fundação Xenakis – anunciou Aristandros. – O traje é formal. Ella reprimiu um suspiro. – Onde será? – Em Atenas, numa Casa de Ópera. Ella instalou Callie no quarto de bebê, o qual a garotinha claramente via como um lar. Callie andou até uma cesta de brinquedos e sorriu enquanto removia seus favoritos, revelando satisfação ao redescobri-los. Depois que Callie dormiu, Ella foi jantar no terraço com Aristandros. – Sabe, estou com você somente há duas semanas e esta será a sexta cama diferente em que dormi – comentou. Aristandros deu de ombros. – Mudanças são estimulantes. – Sei que você não quer ouvir isso... Ele ergueu uma das mãos para silenciá-la. – Então não fale – avisou secamente. – Isso não é justo com Callie. Ela precisa de um lar mais estável. – Eu normalmente não a levo para viajar ao redor do mundo como fiz nas últimas semanas – admitiu ele. – No geral, Callie está baseada aqui na ilha. Culpa a envolveu quando Ella entendeu o problema. – Callie está viajando porque estou em cena agora, e você sabe que quero ficar com ela? – Enquanto quero ficar com você. É uma situação perfeita – murmurou ele. – Seja prática. Ella brincou com a deliciosa entrada de frutos do mar, seu apetite desaparecendo. Seja prática... Lembre-se do acordo que assinou, lembre-se de quem dá as ordens aqui, quem decide sobre Callie. Mas o estilo de vida dele não era adequado para uma criancinha, refletiu. Mais do que qualquer coisa, Callie precisava de estabilidade e rotina para crescer, sem mencionar pessoas ao seu redor. Com expressão reflexiva, Aristandros deu um gole no vinho. – Tenho uma viagem de negócios na próxima semana. Deixarei você aqui. – Ótimo. – Ella sabia que estava merecendo um prêmio de consolação, mas, ironicamente, descobriuse imaginando se a súbita disposição de Ari em deixá-la para trás poderia estar relacionada com o fato de estar se cansando dela. Por que não? Duas semanas era um período razoável para Aristandros ficar com uma mulher. E, se ele estivesse perdendo o interesse, como ela lidaria com isso? Reprimindo aquele pensamento triste da cabeça, telefonou para sua mãe, que ainda estava no hospital, depois do jantar. Jane parecia tranquila. Stavros e Dmitri se encontravam no hospital e contaram que o pai deles tinha sido preso. Livre do medo da violência do marido, Jane decidira fazer terapia. – Mamãe está lidando com tudo isso melhor do que pensei – comentou Ella com Aristandros quando ele saiu do banheiro, uma toalha enrolada na cintura, e água ainda pingando do cabelo no peito


poderoso. Não acrescentaria que Jane achava que o julgara erroneamente há sete anos, subestimando o potencial de Ari para confiança. Aos olhos de sua mãe, Aristandros havia subitamente se transformado num cavaleiro de armadura brilhante, digno do prêmio mais alto. – Agora Jane poderá recomeçar com liberdade. Sardelos sugou toda a energia dela – declarou ele seriamente. Num vestido de noite verde brilhante, Ella tremeu. – Eu era apenas uma criança quando eles se casaram, mas ainda lembro como ela era diferente antes de conhecê-lo... Extrovertida e cheia de vida. Theo a transformou num capacho. – Nada de que alguém poderia acusar você. Ella o estudou com desejo correndo nas veias. Sentia-se como uma adolescente... uma adolescente apaixonada, que ficava excitada cada vez que ele a olhava. – Às vezes, você me deixa louca de raiva. Um sorriso malicioso brincou na boca bonita de Ari, fazendo o coração de Ella disparar. – Você me deixa louco de um jeito muito diferente, khriso mou. Pela primeira vez, Ella tomou a iniciativa, atravessando o quarto para pressionar-se sobre o corpo másculo, deleitando-se pela conexão física, com uma ousadia que nem imaginava possuir. A mera ereção de Aristandros a excitava. Ela entreabriu os lábios e permitiu-se ser beijada longa e eroticamente até que estivesse se contorcendo de desejo. Desprendeu a toalha e o olhou, enquanto traçava a incrível extensão do sexo viril. – Você não sabe agir como mulher devassa – brincou Ari com voz rouca. – Ainda está enrubescendo. – É claro que vou enrubescer se você continuar fazendo esse tipo de comentário. – Então tire meu fôlego, moli mou. E ela fez isso, ajoelhando-se graciosamente aos pés dele para usar mãos e boca na tarefa que determinara para si mesma. Utilizou o conhecimento da mente masculina e sua consciência infinitamente mais íntima do que dava prazer a Ari. Ondas de prazer começaram a fazer o corpo poderoso tremer. Ele aguentou as provocações por muito pouco tempo. Totalmente ofegante, logo a ergueu e a impulsionou para a cama sem cerimônia. – Você me excita absurdamente! – sussurrou ele, cobrindo-lhe o corpo com o seu e tomando-lhe a boca num beijo ardente. Amou-a com um poder alucinante. Depois, ela relaxou nos braços fortes, seu corpo magicamente indolente e pacífico após a liberação explosiva. Aristandros afastou-lhe o cabelo do rosto carinhosamente. Ella beijou o ombro largo, inalando o aroma único e maravilhoso que conhecia tão bem. Certo ou errado não pareciam mais tão bem definidos, pensou. Em algum nível, não podia mais conter o que estava sentindo, e nem mesmo tinha certeza se fazia sentido resistir enquanto morasse com ele e Callie. Sexualmente, achava-o irresistível, mas seu sentimento era mais profundo. Era possessiva em relação a Ari, e importava-se com ele como nunca se importara com ninguém. Entretanto, não era mais o jovem por quem ela se apaixonara um dia. Aqueles sete anos o modificaram. Aristandros era mais duro, mais cínico e contido, disposto a tudo para conseguir o que queria. Era tão errado sentir-se especial porque ele chegara a extremos para tê-la de volta em sua vida? Nas primeiras horas da manhã seguinte, Ella acordou sentindo uma cólica familiar na parte baixa do estômago. Um momento depois, levantou-se e foi para o banheiro a fim de checar suas suspeitas. Não


estava grávida, e desta vez, começaria a tomar pílulas anticoncepcionais. Após a higiene matinal, voltou para a cama. Aristandros ainda dormia. Espalhado na cama, com os cílios longos tocando as maçãs do rosto, pelos despontando no maxilar e a boca esculpida relaxada, estava maravilhoso. Ela tremeu ao imaginar como ele reagiria a uma gravidez inconveniente. Aristandros gostava de controlar tudo, e ela não o teria deixado exercer controle e influência naquela questão. Estava grata que não tinha acontecido. – Humm... – Ele mudou de posição e a encontrou, uma das mãos deslizando para o estômago de Ella, então subindo para lhe tocar os seios com contentamento. – Ella... – Eu não estou grávida – disse Ella, ansiosa para dar a boa notícia. Cílios pretos se ergueram para revelar os olhos dourados. Ari estava instantaneamente acordado, como se tivesse recebido um balde de água fria. – Tem certeza? – Absoluta. As feições fortes ficaram tensas. – Eu teria cuidado de você. Não precisava ter se preocupado com isso. – Você tem problemas suficientes, sem este em particular. – Você ainda não quer filhos? – Eu não disse isso. – Apenas não quer filhos comigo? – Com a expressão sardônica, Aristandros a liberou e saiu da cama. – Preciso de um banho. Ella estava confusa pelo comportamento dele. – Presumi que você consideraria uma gravidez um desastre, e que me pediria para fazer um aborto. Deixou bem claro que não queria filhos. Numa postura altamente máscula, Ari a estudou da porta do banheiro, então deu de ombros. – Mas então pensei no assunto e decidi que podia viver com isso. Callie provavelmente apreciaria um irmãozinho ou uma irmãzinha – murmurou ele. – Eu nunca teria sugerido um aborto. O motivo principal pelo qual meu pai se divorciou de minha mãe foi porque ela tentou me abortar. Esse tipo de conhecimento faz enxergar gravidez acidental por um ângulo diferente. Chocada pelo conteúdo daquele discurso, Ella assentiu. – Suponho que sim. Então tentou pôr seus pensamentos em ordem. Toda vez que achava que tinha entendido Aristandros, ele a confundia novamente. Quando pensaria ouvi-lo dizendo que Callie apreciaria um irmãozinho ou irmãzinha? E que não gostava da ideia de aborto? Decidi que podia viver com isso... Podia viver com Ella, tendo um bebê dele? Bem, ainda estava aliviada por não precisar enfrentar aquele desafio. Engolindo em seco, Ella voltou para a cama. Durante os últimos anos, a mera visão de um bebê em roupas pequeninas lhe causava um nó na garganta e um desejo poderoso, mas jamais teria admitido algo tão pessoal. Na verdade, seu desejo de ver e abraçar sua filha biológica quase lhe partira o coração por 18 meses. Mas agora, ciente de sua incrível sorte por ter uma criança adorável e saudável como Callie em sua vida, não esperava nada mais da Mãe Natureza.


ELLA ANDOU ao redor do moderno edifício da clínica médica que Aristandros tinha fundado nos arredores da cidade. Era um sonho dos médicos rurais, mas, aparentemente, dois médicos já tinham entrado e saído, entediados com a falta de vida social na pequena ilha e da inconveniência de precisar pegar uma balsa para visitar amigos e família. Atualmente, a posição estava vaga. Tendo checado o número de pacientes, Ella descobriu que só havia trabalho suficiente para um médico de meio período, e ela gostaria muito de candidatar-se à vaga. – Nós ficaríamos honrados em ter você aqui – disse Yannis Mitropoulos, o prefeito da cidade, tendo a abordado e lhe oferecido um passeio após vê-la espiando o interior da clínica por uma janela. – Infelizmente, não estou procurando emprego no momento – respondeu Ella com tristeza. Se estivesse, aceitaria o emprego em cinco minutos. Aristandros havia devotado dois dias para lhe mostrar a ilha e lhe apresentado muitos locais. Mas não lhe oferecera uma visita à clínica médica que tinha construído ou admitira que Lykos precisava de um médico. Ella descobrira aquilo sozinha quando levara Callie à cidade. Enquanto saboreava um drinque gelado na taverna com vista para o porto pitoresco, descobrira-se cercada de pessoas esperançosas à procura de conselhos médicos imediatos. Aristandros, todavia, aparentemente não tinha consciência de manter a única médica da ilha confinada em casa e à cama. Apesar daquela verdade, durante as últimas três semanas, Ella estava feliz vivendo em Lykos. Aristandros viajara sozinho a negócios duas vezes, e ela ficara impressionada ao descobrir o quanto sentia a falta dele. Ari era, todavia, surpreendentemente sexy e divertido durante os telefonemas noturnos, admitiu com um sorriso. Ella tinha aceitado o fato de que o amava. Provavelmente o amava muito mais do que há sete anos, o que era irônico, uma vez que Ari vinha se comportando tão mal desta vez. Mas, no passado, havia esperado perfeição, uma alma gêmea que compartilhasse seus pensamentos e convicções, e não lhe fizesse exigências estranhas. Agora, suas expectativas eram mais realistas e, de qualquer forma, sabia que os dois eram opostos, pelo simples fato de ela ser uma mulher moderna, e ele um machista antiquado. Embora sentisse que Aristandros era egoísta e irracional em não lhe permitir exercer a medicina, começava a suspeitar que o fato de ser o centro do mundo dela era algo que Ari valorizava mais do que tudo no relacionamento deles. Era possessivo, e não parecia disposto a compartilhá-la. Ella conseguira adotar dois cachorros abandonados desde que chegara a Lykos. Um, Whistler, viralata peludo, tinha sido ferido por um anzol e levado para ser tratado, porque não havia veterinário na ilha. Ella cuidara da pequena cadela, e se oferecera a ficar com o animal enquanto se recuperasse. O segundo cachorro havia chegado baseado na crença de que “todos sabiam que os ingleses amavam cães”. Bunny, nomeado inapropriadamente por Callie, era um dinamarquês com patas enormes, acusado de entrar nas balsas sem ser convidado. Ambos os cães eram brilhantes com Callie. Aristandros ficara perplexo com a súbita adição de dois cachorros na casa, mas se adaptara maravilhosamente bem depois de reclamar um pouco, e acabou admitindo que sua mãe detestava cachorros, por isso ele nunca pudera ter um. Ella sentiu que Ari estava tocado pelo entusiasmo de Callie em relação aos cães. A visão dos três brincando na praia era incrivelmente especial. É claro que Aristandros estava aprendendo a amar Callie, o que era gostoso de observar. Por exemplo, ele tentava ensiná-la a falar “dedos” e Callie continuamente respondia com “meias” ou “sapatos”. Via o prazer dele quando sua filha corria para cumprimentá-lo e abraçava seus joelhos. A afeição inocente da garotinha tirava-o de sua concha de cinismo e o tornava mais paciente e calmo. Quando o celular de Ari foi encontrado dentro de um vaso de flores, ele insistiu que, de alguma


maneira, o colocara ali, quando todos na casa sabiam que Callie estava sempre tentando pôr as mãos no telefone, porque as cores piscando lhe atraíam a atenção. Ella já não se importava mais que Aristandros a obrigara a assinar um contrato absurdo. Estava mais feliz com ele do que jamais sonhara que poderia ser. O piano que ganhara de presente tinha sido o mais precioso até agora, possibilitando que tocasse todos os dias num instrumento maravilhoso, e já estava ansiosa para ensinar Callie. Mas o piano era apenas um entre os inúmeros presentes fabulosos com os quais Ari a surpreendia. Havia ganhado bolsas de grife, perfumes, roupas e uma fantástica escultura de uma dançarina esbelta que Aristandros dissera que o fazia se lembrar dela, elogiando-a com esse comentário. Aristandros estava agora acostumado a vê-la sem maquiagem e vestida em jeans e camiseta, e nada disso parecia diminuir o desejo dele. Sua mãe e seus irmãos gêmeos a haviam visitado, e Ari levara Stavros e Dmitri, que não eram as companhias mais interessantes do mundo, para pescar e navegar, mesmo sem ser requisitado. Ella ficara grata, uma vez que agora sua família aceitava o relacionamento deles, o que tornava a vida muito mais leve. Ele também se provara compreensivo pela alegria de Ella ao receber uma carta enviada por Lily de Alister Marlow. Como requisitado, Alister havia mandado procurar a fotografia do pai de Ella, a qual fora encontrada atrás de um móvel. Ari se mostrou compassivo ao saber que ela não se lembrava do pai, que tinha perdido quando era apenas um bebê. Ele também era médico. – Foi por isso que você estudou medicina? – questionara Aristandros. – Não. Eu queria ser médica desde muito pequena, e, conforme cresci, fiquei cada vez mais certa de que era isso que queria. Adorava a ideia de curar os corpos das pessoas e resolver seus problemas. Mas com relação à falta de comprometimento em relacionamentos, que Ella via como o maior problema de Ari, convenceu-se de que tinha uma solução. Se a vida sexual deles era boa, Ari não teria motivo para traí-la... Porém, detestava-se por pensar assim e por sua disposição em aceitar aqueles limites. O orgulho lhe dizia que merecia mais, mas o cérebro argumentava que possuía mais do que poderia esperar de Aristandros Xenakis em termos de atração, atenção e tempo. Até mesmo os jornais estavam falando sobre a vida tranquila dele ultimamente. Em homenagem à ópera beneficente naquela noite, Ella havia comprado um vestido magnífico em Atenas e prometido usar as safiras. Aristandros voara de helicóptero na noite anterior, e ela seria apanhada no fim daquela tarde. Os especialistas do salão de beleza que trabalhavam no Hellenic Lady foram à casa fazer as honras, e Ella estava admirando seu cabelo no espelho quando Ianthe, a governanta, chegou ao quarto para lhe dizer que Yannis Mitropoulos tinha telefonado para saber se ela podia ir ver a filha dele, que estava grávida e passando mal. Ella não perdeu tempo. Dirigiu para o centro médico da cidade, levando Ianthe consigo. Grigoria, uma jovem que seria mãe pela primeira vez, estava grávida de gêmeos de quase oito meses. O marido estava no exército e longe de casa. Grigoria estava quase histérica. Ella a examinou e descobriu que a pressão da moça estava muito alta, e as mãos e os pés inchados. A condição era mais complexa pelo fato de Grigoria ser diabética. Ella disse a Yannis que eles precisavam de uma ambulância aérea, pois provavelmente a filha dele estava sofrendo de pré-eclâmpsia e precisava de tratamento hospitalar urgente. Era uma condição perigosa, que só seria curada pelo nascimento dos bebês. Ela ligou para o hospital para avisá-los e para pedir conselho do ginecologista de plantão. – Você irá comigo? – suplicou Grigoria, apertando o braço de Ella freneticamente.


– Eu ficaria muito grato se você fosse – acrescentou Yannis, lágrimas nos olhos enquanto a conduzia para um canto e começava a lhe contar a história triste de como sua esposa falecida tinha passado um dia pela mesma experiência, possivelmente pela mesma razão, e morrido logo depois de dar à luz Grigoria. O estado mental de Grigoria não melhorou por aquela lembrança inoportuna da morte da mãe. Ianthe lembrou Ella do compromisso da ópera, e o lembrete a fez hesitar. Como poderia estar em dois lugares ao mesmo tempo, uma vez que ambos os destinos eram na cidade? Determinada a ficar com Grigoria, instruiu a governanta a enviar seu vestido de noite e joias para casa de Ari em Atenas, onde poderia se arrumar para a noite, depois que deixasse o hospital. O voo na ambulância para Atenas foi tenso. Grigoria estava sofrendo com a dor e passando muito mal. Chegar ao hospital foi um grande alívio. Ella, preocupada com a condição de sua paciente, não pensou em seu compromisso social até que as gêmeas de Grigoria, duas menininhas, nasceram bem, por cesariana. Tranquilizada por saber que a mãe estava recebendo o melhor tratamento possível, Ella percebeu que nem mesmo tentara contatar Aristandros para lhe dizer onde estava. Nervosa pela sua falta de consideração em relação ao evento noturno, o qual ele deixara claro que era importante, enviou-lhe uma mensagem de texto, pedindo desculpas. Não perdeu tempo explicando o que tinha acontecido, mas prometeu chegar durante o intervalo da ópera. Mais tempo precioso foi desperdiçado enquanto esperava um táxi disponível. Contatou Ianthe para checar se o vestido tinha sido entregue. Tranquilizada a esse respeito, começou a se preocupar sobre como Aristandros reagiria à sua aparição pouco antes que a noite terminasse. Sentiu um nó na garganta. Ari não lhe respondera a mensagem de texto, o que sugeria que estava furioso. Ela não poderia culpálo, uma vez que ele sempre era meticuloso em contatá-la em situações similares. Além disso, dizer-lhe que simplesmente tinha esquecido a ópera por causa de uma emergência médica não iria agradá-lo nem um pouco. No momento que o táxi parou diante da imponente propriedade, Ella estava muito atrasada e tensa. Tocou a campainha e, após alguns momentos, a governanta apareceu, o olhar espantado avisando a Ella que sua chegada era inesperada. Ella passou pela outra mulher com um pedido de desculpas e subiu a escada, onde presumia que seu vestido a esperava. Não havia sinal do mesmo na suíte principal, e ela parou quando viu peças de roupas femininas descartadas pelo chão. Franziu o cenho com a visão de um conjunto de lingerie preto, perguntando-se a quem aquilo pertencia. O mistério foi imediatamente solucionado quando a porta do banheiro se abriu e uma loira deslumbrante apareceu, usando uma toalha. Era difícil dizer qual das duas ficou mais desconcertada pelo encontro inesperado. – Quem é você? O que está fazendo aqui? – Ella ouviu a si mesma perguntando. Grandes olhos verdes a desafiaram. – Uma vez que eu estava aqui primeiro, poderia lhe fazer a mesma pergunta. E, mesmo enquanto abria a boca para falar novamente, podia sentir seu estômago se contorcendo e a transpiração escorrendo pela testa. Era a única mulher do mundo estúpida o bastante para perguntar a uma linda mulher seminua o que estava fazendo no quarto do amante? Afinal, a resposta era muito óbvia. Esforçando-se para salvar um pouco de dignidade, Ella voltou para a porta. Descobriu que era horrivelmente difícil tirar seus olhos atônitos da loira na toalha. Uma curiosidade revoltante a fazia olhar e comparar. Era mais velha que a mulher, menos excitante no departamento de curvas, embora


sua pele fosse perfeita. Rejeitando aqueles pensamentos doentios, virou-se e desceu a escada com tanta velocidade que quase caiu. – Dra. Smithson. – A governanta começou ansiosamente, mas Ella já estava abrindo a porta, desesperada para fugir da cena humilhante. – Desculpe-me, eu não sabia que você viria. – Tudo bem – disse Ella, não querendo embaraçar a governanta, que obviamente tinha uma boa ideia do que Ella encontrara no andar de cima. Portanto, partiu, correndo em direção à rua, enquanto um vento forte a impulsionava por trás. Sentia-se atordoada, não sabia o que estava fazendo ou para onde estava indo. Choque havia varrido seus pensamentos da mente. Aristandros tinha outra mulher. Bem, Ella, o que você esperava? Que ele se tornasse fiel só porque está ao seu lado? E Aristandros não tinha prometido fidelidade. Na verdade, deixara bem claro que não lhe prometeria isso no acordo deles. Pelo que sabia, ele tinha uma variedade incrível de mulheres à disposição, bastando um simples telefonema para tê-las em sua cama. Aristandros havia ido a seu escritório em Atenas naquele dia, acabado o trabalho durante a tarde, então ido para casa... e para cama... com a loira deslumbrante. A cama fora arrumada novamente. Então a loira era prestativa. Imaginou a governanta de Ari lhe contando o que acontecera e tremeu. Vendo um ônibus passar na estrada, Ella correu para o ponto e fez sinal. Não importava para onde o ônibus estava indo, contanto que saísse dali sem ser vista. Seu celular vibrou na bolsa, e ela o pegou e desligou, recusando-se até mesmo a ver a mensagem. Não estava em condições de lidar com Aristandros. Era uma noite quente e úmida. Ella sentia calor e a pele pegajosa, embora seus dentes ameaçassem bater em choque. Subiu no ônibus e sentou-se atrás, seu corpo balançando com as curvas do veículo. Por que estava tão chocada quando Aristandros fizera apenas o que lhe era natural? Uma garota tão linda também. Se um homem tivesse sempre gostado da diversidade e excitação de outras parceiras sexuais, era improvável que mudasse. E, sem dúvida, se ela lhe perguntasse, Ari seria honesto sobre aquilo. Então tremeu com o pensamento daquela honestidade. Qualquer admissão de infidelidade a cortaria como uma faca e deixaria cicatrizes, perseguindo-a para sempre. Mas as imagens já atormentadoras não eram mais confortantes, reconheceu com tristeza, pois a ideia de Ari nos braços de outra mulher era o pior pesadelo e sempre tinha sido. Agora que finalmente acontecera, estava abalada pela dor que experimentava. Mas a extensão daquela dor não era sua própria culpa, uma punição autoinduzida? Que mulher em seu juízo perfeito se apaixonaria por Aristandros Xenakis, esperando um final feliz? Incontáveis mulheres tinham tentado e fracassado. Entretanto, ainda o amava loucamente. Na verdade, uma semana atrás, enquanto observava Ari construindo um castelo de areia com Callie, questionara se tinha cometido um erro ao recusar a proposta de casamento dele há sete anos. Talvez, apesar das probabilidades contra, tivessem encontrado a felicidade juntos. Soubera que, apesar de amar sua carreira e os desafios que a acompanhavam, exercer a medicina nunca lhe trouxera a felicidade pura que vivenciava ao lado dele. O rosto estava molhado pelas lágrimas ao descer na estação rodoviária. O que estava planejando... fugindo e deixando Callie para trás? Esta opção era totalmente fora de questão. Ari já não a acusara de fugir quando algo a aborrecia? Ella arrepiou-se com essa lembrança. Mas o que estava fazendo agora? Não podia desistir de Callie. Não podia! Independentemente do que tivesse de suportar, de jeito nenhum poderia desistir da garotinha que amava. Ao mesmo tempo, contudo, necessitava de algumas


horas para se recompor antes de ter de enfrentar Aristandros novamente. Decidiu que a melhor opção era encontrar um hotel para a noite. Andou quilômetros antes que encontrasse um pequeno estabelecimento numa rua tranquila. Registrando-se, ficou ciente da curiosidade velada da recepcionista, e quando viu seu reflexo no banheiro da suíte do hotel, fez uma careta de horror. Seu rímel havia escorrido, e os olhos estavam manchados e inchados pelo choro, o cabelo totalmente emaranhado. Tomou um banho e decidiu religar o celular. Não podia desaparecer por muito tempo. Também deixara Aristandros esperando-a na ópera. Embora fosse o mínimo que ele merecia, devia estar furioso. Seu telefone tocou segundos após ser ligado. – Onde você se meteu? – perguntou Aristandros. – Desculpe-me por não ter ido à ópera, mas eu precisava de espaço esta noite. – Não! – Foi um grito. – Nenhum espaço é permitido. Onde você está? – Num pequeno hotel, não em um que você conheça. Realmente preciso ficar sozinha um tempo – suplicou Ella, perguntando-se como poderia encará-lo, como poderia conviver com ele, sabendo da infidelidade. – Você não tem permissão para me abandonar sob nenhuma circunstância – disse ele, furioso. – Não irei tolerar isso. – Não estou abandonando você – disse Ella as palavras com um nó fechando sua garganta. – Ella... Desligou o telefone antes que seu turbulento estado emocional a fizesse revelar mais do que deveria. Mas Ari logo descobriria, através de seu staff, que Ella encontrara a loira vadia. Não... Não devia chamar a outra mulher de vadia somente por dormir com Ari. Afinal de contas, ele não era casado. Ainda era livre aos olhos do mundo. Chorando, Ella deitou o corpo trêmulo na cama. Como sempre temera, seu amor por Aristandros estava destruindo suas forças e sua autoestima, quando a única pessoa em quem devia estar pensando era Callie, que dormia em seu berço, abençoadamente inconsciente dos problemas que os adultos poderiam criar em seus relacionamentos. Mas Ella reconheceu naquele momento que tinha de encontrar uma solução para aquele problema, porque Aristandros provavelmente não faria tal esforço. Mais de uma hora depois, teve um sobressalto ao ouvir uma batida à porta. Espiando pelo olho mágico, não pôde ver nada além de uma forma masculina muito grande, e abriu a porta até onde a corrente permitia.


CAPÍTULO 10

– ABRA A porta, Ella – ordenou Aristandros. Ella estava abalada por ele tê-la achado tão rapidamente. Fechou a porta para soltar a corrente e a abriu novamente. – Como descobriu que eu estava aqui? Com tensão palpável, Aristandros a encarou, os olhos medindo-a de cima a baixo. – Tenho dispositivos de rastreamento em seu celular e em seu relógio, então foi uma questão de ligar o equipamento de vigilância para localizá-la... Ella arfou em perplexidade. – Dispositivos de rastreamento? – repetiu. – Uma precaução caso você fosse sequestrada, um procedimento padrão de segurança – proclamou ele casualmente. – Sou um homem muito rico, e é possível que você seja alvo de alguém por causa de sua conexão comigo. – Você instalou dispositivos de rastreamento em mim? – condenou Ella, irada, ainda não podendo acreditar. – E nunca me falou uma palavra sobre isso? – Eu não queria deixá-la nervosa ou com medo. Mas não vou me desculpar por isso também – acrescentou Aristandros num tom agressivo. – Eu precisava ter certeza de sua segurança. Meu trabalho é proteger você. – Um dispositivo de rastreamento – murmurou Ella, tremendo. – Como se eu fosse uma posse... Um carro roubado ou algo assim. – Você é muito mais importante do que isso para mim. Não pensei que fosse tanto, até que desapareceu esta noite. E, deixe-me dizer, você me deixou enlouquecido num espaço de poucas horas. Pálida e triste, Ella suspirou. – Verdade? – Por que não me telefonou do hospital? Poderia ter me informado do ocorrido, não saído numa ambulância como se eu não existisse! – disse ele, as feições fortes rígidas sob a pele bronzeada. – Ianthe saiu e eu não consegui localizá-la, portanto não tinha ideia de que uma emergência acontecera. Todo o staff sabia que você tinha ido a algum lugar com Ianthe. Eu estava preocupado com você...


– Por quê? O que poderia ter me acontecido na ilha? – Ella mal podia acreditar que estava conseguindo manter a calma. Ari a olhou como se aquela fosse uma pergunta estúpida. – Você poderia ter sofrido um acidente. Eu soube que algo muito errado havia acontecido quando você não chegou à ópera, porque é geralmente muito confiável. – Oh... – E então Yannis telefonou depois que você saiu do hospital para dizer o quanto foi maravilhosa com a filha dele, e comecei a entender o que tinha acontecido. Mas você nunca chegou à casa de Drakon, porque ele verificou. – A casa de Drakon? Por que eu teria chegado lá? – perguntou Ella, confusa. – Foi para onde você enviou seu vestido. – Ianthe organizou isso. – Ella hesitou. – Pensei que tivesse sido enviado para a sua propriedade fora de Atenas. – Ianthe sabia que eu tinha diversos hóspedes lá esta semana, então não poderia enviar sua roupa para lá. – Hóspedes? – ecoou Ella com fraqueza. – Fiquei sabendo que você encontrou uma delas – apontou Aristandros com ênfase. Subitamente a atmosfera estava tão pesada que poderia ter sido cortada com uma faca. Ella estava imóvel, a postura muito ereta. – É assim que você chama a jovem que encontrei... De hóspede? – Então você chegou à pior conclusão possível – afirmou ele, a boca sensual comprimida numa linha de desaprovação. – Eda é minha sobrinha, filha da irmã mais nova de meu pai. Com o nível de estresse cada vez maior, Ella arqueou as sobrancelhas. – Está dizendo que Eda é a garota que encontrei? E que é parente sua? Se isso é verdade, por que ela estava na suíte principal? – Não tenho ideia. Os pais dela a deixaram na propriedade enquanto foram à ópera, porque Eda recusou-se a ir. Ela é rebelde e bastante mimada. Talvez estivesse experimentando as instalações ou apenas explorando enquanto tinha a casa inteira para si mesma. Como posso saber? Ella estava mentalmente analisando a explicação para ver se combinava com o que vira. – Você pode perguntar a ela amanhã, quando a encontrar. – Eu vou encontrá-la? – Vou dar uma festa na ilha para os meus parentes amanhã. Enquanto Ella começava a pensar que interpretara erroneamente a presença da garota na casa, suas pernas adormeceram e sua cabeça girou. Aquela fraqueza física era uma resposta de seu corpo à onda de alívio poderosa que a envolveu. – Oh, meu Deus. Eu pensei... Aristandros pegou-lhe as mãos e a puxou para mais perto. Os olhos dourados estavam repletos de desaprovação. – Sim, você imediatamente presumiu que eu a estava traindo com uma garota de 16 anos. – Ela só tem 16 anos? – Ella apertou-lhe as mãos para permanecer reta, enquanto reconhecia que a garota parecia realmente muito jovem. – Prefiro mulheres mais maduras, khriso mou. Embora isso me faça questionar por que estou com você, uma vez que reage como uma adolescente impulsiva em vez de a adulta inteligente que sei que é.


Com os olhos inundados de lágrimas, Ella piscou repetidamente enquanto olhava para as mãos unidas de ambos. – Havia lingerie jogada no chão do quarto, enquanto ela usava apenas uma toalha. Realmente pensei que você tivesse dormido com ela... – Não. – O maxilar dele retesou-se. – A propósito, não dormi com mais ninguém desde que você voltou para minha vida. Ella estava tão aliviada pela admissão que um soluço escapou de sua garganta. – Mas aquele acordo dizia... – Era apenas eu agindo como um gorila e batendo no peito para assegurar que você me respeitasse – admitiu Aristandros, apertando-lhe as mãos com força. – Eu gostaria de ir para casa agora. Sei que é tarde, mas o helicóptero está esperando no aeroporto, e quero muito voltar à ilha esta noite. – Tudo bem. – A voz de Ella era baixa e ofegante, enquanto assentia em confirmação. A terrível tensão e o medo desapareceram aos poucos. Não havia outra mulher na vida de Ari. Ele não estivera com outra mulher desde que eles estavam juntos novamente. Ela o condenara quando ele era inocente. Seu mundo tinha horizontes e possibilidades mais uma vez, mas estava quase com medo de aceitar o fato. – Você está realmente abalada – observou Aristandros, pendurando-lhe a bolsa no ombro e guiandoa para fora do quarto. – Eu deveria estar gritando com você por pensar o pior de mim, e me fazer passar uma noite de frustração e preocupação. – Sinto muito – murmurou Ella no elevador, e queria inclinar-se sobre o corpo forte, mas não se permitiria agir com fraqueza. – Você nunca vai confiar em mim, vai? Por que tenho a impressão de que estou pagando pelos pecados de seu pai? Ella abaixou a cabeça quando entrou na limusine esperando do lado de fora. Tinha tirado conclusões precipitadas. Fungou uma vez, depois outra. Aristandros a envolveu nos braços. – Não seja tola. Você não tem por que chorar. – Talvez seja tolice, e entendi tudo errado, mas, honestamente, pensei que você tivesse dormido com ela, e fiquei arrasada – confessou Ella trêmula. – E eu não sabia o que faria porque não podia abandonar Callie para fugir de você... Não podia! Ele a afastou de seu corpo para fitá-la. – Esta é uma preocupação que você nunca mais precisará ter. – O que você quer dizer? – Gosto muito de Callie para usá-la a fim de controlar você. E tinha razão, eu não deveria ter incluído a criança no nosso acordo. Isso foi imperdoável. – As feições bonitas estavam sérias e tensas. – Qualquer coisa que aconteça entre nós, irei compartilhar a custódia de Callie com você. Vocês duas se amam, e eu a vi florescer sob seus cuidados. Jamais tentarei separá-la de sua filha, e ambas sempre terão meu suporte financeiro. Ella estava atônita pela promessa e pela convicção com que ele falava. – Por que está dizendo isso agora? Por que mudou de ideia depois de me forçar a assinar aquele contrato injusto? – Reconheço que fiz tudo errado do começo ao fim, usando Callie como isca para forçá-la a um contrato inescrupuloso. Drakon estava certo, e não sabia a metade do que impus a você. Pior de tudo,


eu estava consciente de meu erro mesmo enquanto agia. Entretanto, ainda fui em frente – contou ele com tristeza, virando-se de perfil, a boca comprimida. – Por que, então? Era tudo uma vingança? – pressionou ela, desesperada para entender o que o motivara. Um longo silêncio se seguiu. A limusine já estava estacionando no aeroporto. – Ari? Eu preciso saber. – Eu disse a mim mesmo que era puramente vingança, mas não era. A verdade geralmente é a resposta mais simples... e a resposta simples é que eu a queria, e aquele acordo garantia que você não fugiria novamente. Eu precisava dessa proteção antes de me permitir um envolvimento novamente – disse ele num sussurro emocionado. – Mas agora entendo que não quero mantê-la somente porque tenho a custódia legal de sua filha. – Então, se eu quiser partir e retornar para minha vida em Londres, você irá me deixar ir e levar Callie comigo? – Perder vocês duas vai me matar, mas não vou voltar atrás na minha palavra – declarou Aristandros com ênfase quando a porta de Ella foi aberta pelo motorista. Cercados pela equipe de segurança de Ari, eles andaram ao longo do aeroporto em silêncio. Eu a queria. Três pequenas palavras que faziam toda a diferença, e que soavam repetidamente na cabeça de Ella, como um mantra de esperança. Apesar de todas as outras opções que Aristandros tivera, tinha retornado ao passado e a chantageado para ficar com ele. Pela primeira vez, ela registrou que havia sido e ainda era mais importante para Aristandros Xenakis do que sonhara. Ele não queria perdê-la, assim como não queria perder Callie, mas estava disposto a deixá-las livres se esta fosse a decisão de Ella. Enquanto eles esperavam no salão VIP, Ella estava consciente de que Ari a observava. Sabia que ele esperava uma resposta sua. Removera a única ameaça que poderia forçá-la a lhe obedecer. Ela não precisava mais ficar com Ari apenas pela segurança de Callie. Chantagem, Aristandros descobrira, tinha suas desvantagens. Eles caminhavam em direção ao helicóptero quando Ella abruptamente pegou a mão dele. – Quero ficar com você – declarou. Naquele exato instante, Aristandros virou-se e tomou-a nos braços, beijando-a com uma paixão ardente e roubando-lhe o fôlego. Depois disso, teve praticamente de carregá-la para o helicóptero. Ela não podia ter duvidado do nível de satisfação que Ari sentiu com a notícia, especialmente quando ele lhe deu um sorriso de parar o coração e segurou sua mão durante o voo inteiro. O barulho do motor era tão alto que não houve chance de mais conversa até que chegaram a Lykos. Ella tirou os sapatos dentro de casa e foi direto para o quarto de Callie. Quando olhou para o berço e viu sua filha dormindo pacificamente, notou Aristandros do outro lado do móvel. – Realmente estraguei tudo esta noite... O evento da ópera... Sei que era importante. Perdoe-me por não ter ido. Aristandros lhe deu um olhar divertido. – Você me deixou plantado lá. Mas estou acostumado a você me embaraçar diante de minha família. Ella piscou. – Sua... família? – Sim. Quase todos estavam presentes no evento beneficente, e eu pretendia apresentá-la a eles. – Verdade? – perguntou Ella, enquanto o seguia para fora do quarto de bebê. – Por que você queria me apresentar?


– Porque tenho muita esperança que se case comigo, mas não seria tão estúpido de anunciar um noivado sem antes discutir o assunto com você – explicou ele suavemente. Os olhos azuis e brilhantes se arregalaram. – Está me pedindo em casamento novamente? – Um mulher educada não teria falado a última palavra – murmurou Ari, conduzindo-a para o terraço, onde havia uma garrafa de champanhe e taças sobre a mesa. – Vamos comemorar ou não? Ella tremeu. – Sou loucamente apaixonada por você, e, exatamente como da última vez, quero muito, muito estar ao seu lado para sempre. Mas também passei grande parte da minha vida treinando para ser médica. – E você pode continuar sendo médica. – Aristandros franziu o cenho quando ela o olhou em choque. – Eu estava sendo egoísta, o que detesto admitir... É tão natural para mim em relação a você. Minha mãe era tão obcecada com o mundo do cinema que nunca teve tempo ou energia para ficar comigo, muito menos com meu pai. Não quero um casamento assim. Uma vez me ressenti de sua carreira médica, porque você a escolheu, desistindo de mim. O rosto adorável de Ella estava pensativo na luz do luar. – Não, acho que usei a medicina como uma desculpa, porque tinha Theo como um terrível exemplo de mulherengo, e tive medo de ser machucada. Deveria ter confiado mais em você. – Não tivemos tempo juntos o bastante. – Aristandros ergueu sua mão e deslizou um anel de noivado no dedo. – É o mesmo diamante que eu planejava lhe dar há sete anos, mas mandei restaurálo. – É glorioso. – Ella observou a pedra brilhar como uma luz estelar em sua mão, e uma profunda sensação de felicidade começou a iluminar tudo. – Nós éramos muito jovens na época – admitiu ele. – Se fôssemos mais maduros, teríamos tentado assumir um compromisso e encontrado uma maneira satisfatória de viver juntos. Em vez disso, perdi a cabeça, porque você me fez sentir tolo, o que foi muito superficial. – Você realmente partiu meu coração – confessou Ella, pronta para ser totalmente franca, agora que tinha um futuro seguro pelo qual poderia esperar. – Não podia acreditar que você tivesse me amado um dia. – Eu a amei tanto que nunca encontrei ninguém para substituí-la. Com você, achei que poderia quebrar a tradição Xenakis de casamentos fracassados. Acreditei que casando ainda jovem me traria muito mais felicidade do que, por exemplo, a vida que levei desde então. – Os ricos olhos dourados estavam repletos de arrependimento. – Mas caí no primeiro desafio. Ella rodeou-lhe o pescoço com os braços, entrelaçando os dedos no cabelo sedoso da nuca. Desejou que o tivesse compreendido melhor há sete anos, e reconhecido que o passado problemático de Ari o fizera buscar um estilo de vida mais estável com uma mulher do que uma sucessão delas. – Você era “tudo ou nada” sobre todas as coisas, então simplesmente desapareceu da minha vida. – Você também desapareceu da minha vida – relembrou-a Ari. – Eu era muito orgulhoso para procurá-la, embora tenha pensado em fazer isso quando estava em Londres, pelo menos cinquenta vezes. – Nunca houve ninguém mais para mim. Nunca deixei de amá-lo, apesar de não ter percebido isso até recentemente. – Eu me apaixonei no nosso primeiro encontro. Você ficou ensopada com os espirros do mar e riu. Todas as outras garotas que eu conhecia teriam tido um acesso de raiva.


– Não sou vaidosa, mas sou muito ciumenta – avisou-o ela, saboreando a facilidade com que ele podia falar do passado e se lembrar de um pequeno incidente, da mesma forma que havia lembrado seu comentário sobre a igreja de Lykos. A ideia de que Ari a amava estava se tornando mais real e mais acreditável a cada segundo. Ella sorriu, e logo descobriu que nem poderia parar de sorrir. – Saí com muitas mulheres, mas não me diverti o bastante para querer fazer isso de novo, agape mou – confessou Aristandros com sinceridade. – Eu queria uma segunda chance com você. Queria ouvi-la dizer que me julgou erroneamente. Mas, quando descobri que sua mãe apanhava de Theo, cheguei mais perto de entender por que você tinha dificuldade de confiar em mim. Quando fez aquela cena de ciúme depois da festa de Ferrand, fiquei radiante, porque isso provou que ainda tinha sentimentos por mim. – Então, o que você quer agora? – Tudo que quero é mais do que já temos. Sou muito feliz ao seu lado. Para ser franco, fiquei desapontado quando você não estava grávida. Quero que tenhamos um bebê juntos. Ella deu um suspiro feliz e sorriu. – Quão breve podemos começar a tentar? Aristandros riu. – Esta noite seria breve demais? Os olhos azuis de Ella brilhavam tanto quanto o céu noturno acima. – Não. Estou disponível a qualquer momento que você quiser. – Devo avisá-la que eu a quero com muita frequência, latria mou. – Aristandros inclinou a cabeça para pressionar sua boca na dela e beijá-la lentamente, até obter a resposta apaixonada que tanto adorava. – É um esforço viajar a negócios quando tenho você em minha cama. – Não quero que vá a lugar algum agora – confessou Ella, as mãos curvando-se nas lapelas do paletó dele com a mera menção de uma separação. – Quero você inteirinho para mim. Vamos nos casar na ilha? – Sim. E logo – anunciou ele. – Falando como um homem que um dia foi noivo por aproximadamente cinco minutos, não acredito em noivados longos. – Nem eu – concordou Ella fervorosamente, enquanto pensava num vestido de casamento e em Callie como dama de honra, sem mencionar providenciar um bebê para fazer companhia a ela. Estava tão feliz com as perspectivas daquelas maravilhas que sentiu como se seu coração estivesse flutuando. CATORZE MESES depois, Ella observou Kasma colocar o filho deles, Nikolos, no berço. E três meses mais tarde, Nikolos já revelava os traços de caráter Xenakis. Era muito impaciente e gritava se não fosse alimentado imediatamente quando tinha fome. Adorava uma audiência e admiradoras do sexo feminino, deleitando-se com a atenção delas. Era avançado em tamanho e desenvolvimento para sua idade. Provavelmente seria alto como o pai, e, sem dúvida, já herdara o sorriso carismático de Ari. Naqueles dias, Drakon Xenakis passou mais tempo em Lykos do que em Atenas. Estava encantado pela vida familiar de seu neto com Ella, Callie e o novo bebê, o que não tinha conseguido com sua esposa falecida e filhos, mas que tanto apreciava. A casa tinha sido totalmente reformada sob a direção de Ella, e agora parecia muito mais um lar. Não fora fácil viver na casa enquanto todo o trabalho era feito, particularmente com Ella grávida, mas com a


ajuda de sua mãe e dos empregados, tudo dera certo. Jane se divorciara. Theo ainda estava na prisão, cumprindo pena por sua última agressão à esposa, enquanto Jane vivia num apartamento na cidade e apreciava um saudável círculo de amigas com quem compartilhava interesses. Pelo menos uma vez por mês visitava a filha, e, se Ella estava viajando com Aristandros, Jane cuidava da casa por alguns dias. Todavia, Ari estava viajando menos e trabalhava mais em casa, enquanto Ella exercia sua profissão de médica por meio período na clínica, e participava dos trabalhos beneficentes da Fundação Xenakis. Assim como Aristandros fazia o possível para que os negócios raramente os separassem, Ella era igualmente cuidadosa para que seu trabalho não roubasse grande parte de seu tempo e energia, e, após um ano, sentiu que tinha conseguido o equilíbrio perfeito. Não podendo ter a mãe em casa todos os dias, Callie atualmente frequentava um jardim da infância diversas manhãs por semana. Naquele inverno, a família inteira iria se mudar para a propriedade de Atenas, a fim de capacitar Ella a fazer um curso de pediatria no hospital. Ella estava abençoadamente feliz. Seu casamento tinha sido um conto de fadas com o qual sempre sonhara. Embora já estivesse grávida na época, sua barriga ainda não aparecia. Lily fora sua madrinha, e, no momento, estava se candidatando a um emprego de cirurgiã num hospital da Grécia, após conhecer um grego no casamento de Ella. Ella ficara surpresa ao engravidar tão rapidamente, enquanto Ari tinha uma fé inabalável em sua própria virilidade. Callie estava numa idade em que um irmãozinho era uma fonte de satisfação e precisava ser dissuadida de tratar Nikolos como um boneco vivo. Ella e Aristandros haviam adotado Callie formalmente, e, embora fossem cuidadosos em lhe contar apenas o que ela podia compreender sobre as condições de seu nascimento, a garotinha os considerava como mãe e pai. Quando Ella ouviu o barulho do helicóptero sobre sua cabeça, sorriu e foi para o terraço vê-lo aterrissar. Forte, bronzeado e maravilhoso num terno elegante, Aristandros se aproximou. – Como foi em Nova York? – perguntou ela. – Uma agitação frenética. Estou feliz de estar em casa com minha linda esposa e meus filhos. – Callie correu em direção a ele, tagarelando em sua excitação, e Ari a pegou no colo e a abraçou com uma facilidade que não fora capaz um ano antes. Então pausou ao lado de Ella e abaixou a cabeça para beijála. Desejo percorreu o corpo dela, espalhando-se para os lugares mais privados. – Gosto do vestido – murmurou ele. – Papai está falando como um urso. – Callie riu, descendo para o chão e correndo novamente. Ella girou, de modo que Aristandros percebesse o efeito total do vestido vermelho e curto girando ao redor de suas pernas delgadas. – Feliz aniversário de casamento – disse ela. – Qual é o programa para esta noite? – Jantar no iate, e passaremos a noite a bordo, de modo que possamos ter muito tempo privado, sem interrupções – contou Ella alegremente. Sua franqueza levou um sorriso divertido aos lábios esculpidos de Ari. – Você sabe como me fazer feliz. – Espero que sim. Amo muito você – confidenciou ela, envolvendo-o com os braços. – E amo o jeito que você me ama tanto quanto eu amo. – Aristandros fitou-lhe os olhos brilhantes. – Quero que saiba que este foi o ano mais feliz da minha vida, agapi mou.


Ella sabia que aquela era uma admissão preciosa, e quase chorou de emoção. Durante o jantar no Hellenic Lady, eles conversaram sobre as ocorrências dos três dias em que ficaram separados, e ele lhe deu um anel de safira com o nome do filho deles gravado. De mãos dadas, foram para a cabine, que estava adornada com flores frescas, para compartilhar uma noite juntos, e uma manhã sem serem perturbados pelo choro do bebê ou pelas demandas de atenção de uma garotinha. Mas aquele silêncio raro causou uma sensação estranha em ambos e, após um rápido café da manhã, voltaram de lancha e passaram o resto do dia na praia como uma família...


Kate Walker

INOCÊNCIA

Tradução Gracinda Vasconcelos


Sobre a autora Kate Walker nasceu em Nottinghamshire, Inglaterra, e cresceu em um lar onde livros tinham uma importância vital. Mesmo antes de saber escrever, já criava histórias. Porém, todos diziam que Kate não conseguiria se sustentar apenas como autora de romances, por isso, ela se tornou bibliotecária. Kate conheceu o marido na Universidade de Gales, onde ele também era aluno. Casaram-se e mudaram-se para Lincolnshire. Lá, Kate trabalhou em uma biblioteca infantil até o nascimento de seu primeiro filho. Depois de três anos de dedicação integral à família, ela estava pronta para um novo desafio. Nesse momento, reencontrou um antigo amor: a escrita. Apesar de seus dois romances iniciais terem sido recusados, a terceira tentativa foi bem-sucedida. Kate jamais se esqueceu de como se sentiu ao receber a carta de aceitação. Contudo, o momento em que ela realmente percebeu que havia se tornado uma autora foi quando recebeu o exemplar de seu primeiro livro, desde então, considera este o melhor presente de Natal de todos os tempos. Todos perguntam a Kate se ela é uma pessoa romântica, ao que ela responde que se ser romântica é importar-se com alguém o suficiente para fazer um esforço extra pela pessoa amada, então, sim, ela é uma romântica. Kate adora receber mensagens de suas leitoras. Você pode entrar em contato com ela através do site kate-walker.com ou do e-mail kate@kate-walker.com.


CAPÍTULO 1

A CHUVA torrencial açoitava o para-brisa do carro, obscurecendo a estrada e ocultando o sinal fixado na parede baixa de pedra, mas Angelos Rousakis não precisava de ajuda ou orientação para chegar ao lugar que estava procurando. A alameda rural que conduzia ao Solar não mudara nada desde a última vez em que a viu, e suas mãos já se preparavam para girar o volante e contornar a curva antes mesmo de ele avistar o portão. O aguaceiro selvagem significava que teria de virar a curva acentuada e íngreme em baixa velocidade, mas isso não o preocupava. Esperara muito por aquele momento, planejara-o por tanto tempo, que alguns minutos a mais não fariam diferença. A verdade era que estava desfrutando a expectativa, quase tanto quanto esperava colocar seu plano em ação. Quando a mansão cor-de-areia entrou em seu raio de visão, o sentimento de satisfação que o acompanhava desde que deixara Atenas se aprofundou e escureceu só de pensar no que estava por vir. No interior daquela casa, Jessica Marshall agia como a senhora do Solar, alheia ao fato de que seus dias naquela função estavam contados. Na verdade, já haviam findado. Num espaço muito curto de tempo, a realidade da situação se abateria sobre ela e, quando o mundo desmoronasse a seu redor, estaria lá para ver a reação dela. Esse pensamento era algo que tornava suportável a longa e tediosa viagem do aeroporto até ali, até mesmo com aquele tempo apavorante. – ACHO QUE agora estamos prontos – disse Jessica suavemente, parando o mordomo do padrasto no momento em que ele se preparava para deixar a sala, após ter anunciado o último convidado. – Já pediu para que trouxessem os carros para a frente da casa, Peters? Ele hesitou parecendo um pouco preocupado. – Há algum problema? – ela acrescentou, os olhos azuis se estreitando ligeiramente. – Problema nenhum, senhorita – explicou o velho. – Só acho que é melhor esperar um pouco... até todos terem chegado. – Esperar? Jessica deslizou a mão sobre os sedosos cabelos castanhos enquanto olhava ao redor da sala, lutando para se recordar da lista de convidados. Não conseguia lembrar se alguém estava faltando.


– Mas todos estão aqui, não estão? Novamente viu aquele estranho lampejo perturbador que cruzou a face de Peters e sumiu em segundos. Mas ela percebeu e sentiu um estranho desconforto, um pressentimento de que algo estava acontecendo. Algo que a deixava nervosa e preocupada. – Nem todos, senhorita. – Mas quem...? Jessica olhou ao redor carrancuda enquanto contava os convidados. Os presentes eram todos idosos, como a maioria dos amigos do seu padrasto, e não conseguia se lembrar da pessoa que estava faltando na lista de convidados para o funeral de Marty. – Não consigo me lembrar de ninguém... – Tem um último... – Peters hesitou, pensando no jeito certo para descrever a pessoa. – Uma pessoa que me pediu que esperasse – concluiu desajeitado. – Quem pediu? – O sr. Simeon Hilton. O advogado do padrasto dela. Então essa pessoa, fosse quem fosse, era conhecida de Simeon Hilton. Mas por que Simeon não lhe falara nada sobre ele, ou ela, quando discutiram os últimos preparativos? – Vou perguntar... – começou Jessica quando o som do possante motor de um carro cortou suas palavras. No momento seguinte, o veículo estacionou, à frente da janela da grande sacada. – Parece que nosso convidado perdido chegou – ela disse a Peters, que também prestava atenção ao recém-chegado. – Sugiro que vá recebê-lo e o faça entrar. Em seguida, podemos ir para a igreja. Não conseguia lembrar quem era a pessoa que estava faltando, disse a si mesma, alisando as indisciplinadas mechas de cabelos que haviam se soltado e caído mais uma vez ao redor de sua face. O recém-chegado devia ser alguém importante o bastante para Simeon ter pedido a Peters para não começarem sem ele. Mas por que o advogado não lhe dissera nada sobre essa pessoa, quando revisaram os detalhes do funeral? Havia pedido a ele que a lembrasse, caso tivesse esquecido alguém. O rangido da enorme porta se abrindo reverberou pelo vestíbulo e em seguida ouviu-se o murmúrio de vozes. Vozes masculinas. Então o recém-chegado misterioso era um homem. Uma pequena parte do problema estava resolvida. Havia algo no tom da voz que respondia ao cumprimento de Peters. Isso a irritou, incendiando-lhe os nervos que de repente pareciam contraídos. Algo enervantemente familiar que lhe atingiu os sentidos e a lembrou de... De quê? De algo fora de alcance, ao qual não podia se focalizar ou se agarrar. O som da tormenta lá fora confundia as palavras, tornando-as totalmente incompreensíveis, de modo que, por mais que tentasse, não podia compreendê-las. Mas ouviu o suficiente para lhe suscitar uma lembrança que julgava enterrada para sempre. Uma lembrança que fez seu coração disparar e dificultou-lhe a respiração, enquanto lutava com o aperto no estômago numa resposta irracional. Não havia nenhuma chance de a visita ser ele, repreendeu-se. E não havia nenhuma razão para se apavorar. A tensão da última semana a estava consumindo. O choque do súbito e devastador ataque de coração que levara Marty. A noite longa e aflitiva em que ele permaneceu em coma. Pelo menos não sofrera e não viveu muito após o primeiro ataque, mas mesmo assim foram horas muito estressantes e exaustivas. Não era surpresa que isso estivesse começando a esgotá-la.


Peters retornou. Como tantas outras vezes, o homem fez uma pausa na entrada e clareou a garganta. – O sr. Angelos Rousakis... – anunciou num tom formal e o som do nome, que ela nem mesmo se permitia pensar, golpeou-a, fazendo sua mente entrar em choque. Angelos Rousakis. Não! Não podia ser! Aquilo era um pesadelo. Ou isso ou seus pensamentos confusos estavam embaralhando seu cérebro de tal forma que ouviu o nome que estava em sua mente em vez de... Entretanto a visão do homem que surgiu junto à entrada, tomando o lugar de Peters, que se afastou para o lado, aniquilou sua capacidade de pensar. Permaneceu imóvel, recusando-se a acreditar no que estava vendo. Não havia nenhuma razão para ele estar ali. Nenhuma razão para ter voltado à propriedade da qual partira há quase sete anos, sacudindo a poeira dos pés e jurando jamais voltar. Contudo não havia como negar as evidências. O porte alto e atlético era muito poderoso, muito sólido para ser fruto de sua imaginação. Angelos tinha a cabeça erguida com um ar arrogante, e os olhos escuros e ardentes varriam a sala como se estivessem à procura de algo. Ou alguém. A pontada de culpa e ansiedade foi tão forte que, instintivamente, Jessica se encolheu, não ousando dar um passo para não chamar atenção. Mas pareceu que o movimento foi o suficiente para atrair o olhar de Angelos, que virou a cabeça em sua direção, focalizando-se em sua face pálida. Naquele momento, sentiu-se como um pequeno rato do campo descoberto por um falcão. Era como se os sete anos, desde que o vira pela última vez, evaporassem de uma hora para outra. E voltasse a ter 18 anos, sofrendo com o mais profundo embaraço da sua vida e ouvindo uma voz fria e zombeteira declarando: “Não se iluda, criança. Não tenho nenhum interesse em você. Não me envolvo com menininhas.” Depois daquela noite apavorante, ficara feliz ao saber que ele havia partido e esperava jamais tornar a vê-lo. Então que tipo de sina maligna trouxera o homem, que ela apelidara de Anjo Negro, de volta a sua vida naquele momento terrível? Entretanto, não havia como ignorá-lo. Angelos a estava fitando diretamente, a cabeça inclinada para um lado como se esperando que ela fizesse o primeiro movimento. Era óbvio que no papel da única parente de Marty, mesmo que o parentesco fosse apenas por afinidade, teria a obrigação de cumprimentar todos que chegavam, como fizera durante a última hora. De alguma forma, conseguiu dar alguns passos à frente, endireitando as costas e a cabeça, de forma que a fraqueza ameaçadora em suas pernas não fosse visível enquanto cruzava o velho tapete em tons dourados. Angelos não desviou o olhar dela um momento sequer. Os olhos escuros, fixos em sua face, queimavam-lhe a pele onde pousavam. O que aquele homem estava fazendo ali? E por que resolvera voltar no pior momento possível? “Não volte!” Na escuridão da sua mente, Jessica ouviu a própria voz em um eco das palavras que lhe dissera. “Não volte nunca mais. Jamais quero vê-lo novamente.” “Não se preocupe, meu bem”, foi a resposta dele. “Um gosto do inferno é o suficiente na vida de qualquer homem. Não serei tolo o bastante de me arriscar outra vez.” E ali estava ele, alto, moreno e grandioso como a vida. Os anos haviam preenchido seu físico magro, conferindo-lhe uma imagem de poder que parecia ocupar toda a entrada, na qual se encontrava de pé, impedindo que a luz penetrasse no corredor.


Por um súbito e terrível momento, Jessica teve a impressão de que ele também impediria sua passagem. Acabando com qualquer possibilidade de fuga, tornando-a prisioneira naquela sala. Seu coração quase saiu pela boca, batendo tão acelerado que se tornava difícil respirar, e, por um instante, a visão daquela face marcante e fortemente esculpida obscureceu diante dos seus olhos, quase sumindo numa espiral de névoa. Não era a primeira vez naquela manhã que desejava ardentemente que Chris estivesse ali. Mas o noivo tinha uma importante e inadiável reunião de negócios em Londres. Assim se vira privada do conforto e do apoio de tê-lo a seu lado naquele dia de provação. Se soubesse ou ao menos sonhasse que Angelos Rousakis ressurgiria do lugar escuro em que devia estar rastejando há sete anos, teria implorado a Chris que ficasse. Mas como poderia imaginar que o passado vergonhoso voltaria a assombrá-la daquele modo? Por que teria voltado? Por que estava ali? Sempre temera que um dia isso acontecesse. A promessa de vingança contida naqueles olhos escuros ficou mais evidente, quando ele lançou um último olhar de desprezo em sua direção. Um olhar que assombrara seus sonhos durante muito tempo. Contudo, a realidade veio à tona, e Jessica sacudiu a cabeça ligeiramente, sentindo a neblina clarear e o pânico sumir. Peters anunciara Angelos Rousakis tal como a todos os outros que vieram assistir ao funeral. E isso significava que deveria ser tratado como qualquer convidado naquele dia. Conseguiria administrar aquela situação, mesmo que não fosse capaz de respirar direito até ele deixar a casa, a Inglaterra e a sua vida novamente. – Sr. Rousakis... – disse, forçando-se a soar tranquila e indiferente, de modo que ninguém percebesse que os dois haviam se conhecido no passado e que a hostilidade selvagem que agora ardia entre ambos não pudesse ser notada pelo seu tom de voz. – Obrigada por vir. Forçou-se a estender a mão também. Os últimos resquícios do treinamento que a mãe lhe incutira a fizeram agir daquela maneira. Cortesia com os convidados era algo que Andrea jamais dispensou e não podia ir contra as regras que lhe foram ensinadas. Mas foi tudo que conseguiu fazer para não vacilar, quando o calor da pele de Angelos chamuscou a palma da sua mão, provocando-lhe um turbilhão de sensações ao longo do corpo. – Srta. Marshall... Visto assim tão de perto, parecia ainda mais imponente, mais devastador do que no momento em que entrou naquela sala. Mesmo sobre os saltos dos elegantes sapatos que usava, ainda era vários centímetros mais baixa que ele, precisando inclinar a cabeça para trás para fitá-lo nos olhos. A pele bronzeada parecia quase impossivelmente vibrante e viva em contraste com a palidez do começo da primavera do restante dos convidados. Trajava preto, como todos os outros na sala, mas se destacava dos demais. As roupas de excelente qualidade não eram peças que o cavalariço, que ela conhecera tempos atrás, teria condições de comprar. O sobretudo preto e longo era usado solto sobre uma camisa preta e um terno preto bem cortado que pendia dos ombros largos, produzindo o efeito dramático de um capote usado por um herói vingador. O aguaceiro ensurdecedor do lado de fora saturara o tecido, fazendo-o parecer ainda mais escuro, até mais macio e lustroso. Pingos da mesma tempestade se espalhavam pela seda escura daqueles cabelos, reluzindo como diamantes sobre as mechas limpas nas quais se agarravam. A umidade se impregnava nos cílios espessos que orlavam aqueles olhos cor de ébano. – Meus pêsames – ele disse.


Pareceu a mais cortês das respostas, pelo menos na superfície, mas havia uma selvageria oculta em seu tom de voz que a deixou tensa, fazendo seu estômago se contrair em uma onda de pânico. Soou quase como se Angelos estivesse se forçando a falar. Mas quando Jessica o fitou, tudo que viu foi uma civilidade tranquila, o aspecto atraente de uma máscara pública que escondia qualquer verdade no interior de sua mente. Contudo, seus olhos espelhavam sentimentos, e o que ela viu na escuridão daquele olhar a fez tremer por dentro. Suas próprias recordações de culpa acrescentaram uma camada de intranquilidade extra à tensão que já a dominava. – Creio que o sr. Hilton o avisou sobre a morte do meu padrasto. – Sim. Telefonou-me assim que soube. Na ocasião eu estava fora a negócios, ou teria vindo antes. Angelos sabia o que ela estava fazendo. O meio-sorriso lânguido que lhe curvava os cantos da boca deixava isso bem claro. Sabia que ela estava tentando sondar as razões que o trouxeram de volta, tentando descobrir a explicação velada para o seu súbito e inesperado aparecimento. Porque devia haver uma. Não viria até ali inesperadamente apenas para lhe dar os pêsames pela morte do padrasto. Respeito teria sido a última coisa que aquele homem sentiria por Marty. Ódio era a única emoção existente entre os dois. Um ódio que o seu próprio comportamento tolo e ações irrefletidas haviam alimentado, até que o ponto de ruptura foi alcançado e as explosões resultantes quase o destruiu. Não, corrigiu-se depressa. Angelos não fora afetado. Pelo menos não emocionalmente como ela. Partira dali livre, sem nenhuma cicatriz. E a deixara sozinha para recolher os pedaços da vida que ela conhecera. Financeiramente, fora bem diferente. Nesse aspecto, ele tinha toda razão para odiá-la, tanto quanto odiava Marty ou mais. Ela fora a razão que o fizera perder o emprego, o motivo que o fizera partir. – Não entendo... – começou Jessica, mas naquele exato momento Peters se aproximou, pigarreando como sempre fazia para chamar atenção ao fato de que tinha algo a dizer. – O agente funerário está pronto, srta. Marshall. Se quiser conduzir as... – Mas eu... – Jessica não pôde se conter. Seus olhos se dirigiram a Angelos Rousakis, parado junto à entrada. Ficara completamente desequilibrada pela súbita e inesperada chegada daquele homem e estava insegura de como devia proceder. Era como se de repente o chão tivesse sumido sob seus pés. Nada parecia no mesmo lugar como antes e o senso de equilíbrio desaparecera. Em seu lugar se instalara um terrível sentimento de apreensão. – Você... – tentou novamente, mas enquanto falava ele se moveu com uma graça controlada, deixando a porta aberta diante dela. – Você tem coisas para resolver – ele disse num tom suave. – Conversaremos mais tarde. – Fale! – Por um momento ela o fitou furiosa, a língua coçando para mandá-lo partir naquele instante e nunca mais voltar. Mas, quase de imediato, a recordação de que ele fora convidado pelo advogado de Marty silenciou-lhe as palavras. O controle habitual retornou, os dentes se fecharam para conter o que estava a ponto de dizer e, em vez disso, Jessica assentiu com um frio e desdenhoso aceno de cabeça, os olhos fitando diretamente além dele, para a porta aberta, onde o carro funerário e os outros veículos aguardavam. – Mais tarde – foi tudo que conseguiu dizer quando avançou com a cabeça erguida e a boca fechada em uma linha determinada. – Mais tarde – repetiu Angelos Rousakis, quando ela passou rapidamente por ele. – Oh, sim, conversaremos mais tarde, srta. Marshall.


Deixaria que Jessica tivesse seu momento de triunfo, a convicção de que era a dona da situação por enquanto. Sentia-se satisfeito apenas por ter voltado e poder assisti-la desempenhando o papel de senhora do Solar, rainha de tudo, por um pouco mais de tempo. Afinal, o que era mesmo que os ingleses diziam sobre maior é o tombo...? E a pequena srta. Marshall levaria um grande tombo muito em breve. Não tão pequena, acrescentou o lado masculino da sua natureza. Jessica Marshall crescera desde que a vira pela última vez, pelo menos fisicamente. A jovem adorável se transformara em uma mulher linda e sensual. Mais alta, mais esbelta, o corpo arredondara nos lugares certos, somando curvas suaves aos seios e quadris que fizeram o pulso dele bater mais forte ao imaginar o que estaria por baixo daquelas roupas. A face perdera o arredondamento lânguido da mocidade, as altas maçãs do rosto ficaram mais fortes, mais nitidamente definidas no oval leve da sua face e o azul-cinzento dos olhos parecia mais claro que antes, em contraste com o castanho brilhante dos cabelos e o matiz rosa-escuro do batom. Apenas durante um segundo a lembrança de como seria sentir o gosto daquela boca, ter aqueles lábios sob os seus, o apunhalou com uma agudeza erótica. Mas a lembrança do que acontecera foi suficiente para lançar um balde de água fria sobre qualquer chama que poderia ter flamejado em sua mente. Uma coisa que não mudara em Jessica Marshall era o olhar frio e desdenhoso que lançava a qualquer um que considerava desprezível. Aquela expressão de “quem é este lixo embaixo dos meus pés?” ainda continuava no mesmo lugar de antes, só que dessa vez ganhara um peso extra de poder, como resultado da maturidade alcançada nos sete anos que haviam se passado, sete anos fazendo tudo a seu modo. Bem, isso iria acabar. Logo ela descobriria por que ele voltara e, então, a rainha de gelo lutaria para manter a calma fria quando tudo ao seu redor se tornasse mais quente que o inferno. As outras pessoas na sala se moveram, seguindo-a. Lá fora, a chuva diminuiu. O primeiro de uma fila de carros pretos e lustrosos deu partida. Por ora, a srta. Jessica teria de esperar. Ele teria um funeral para ir. O funeral do pai que jamais conheceu. O pai que Jessica Marshall lhe roubara.


CAPÍTULO 2

– PRECISO FALAR com você. – Simeon Hilton tocou o cotovelo de Jessica para chamar sua atenção. – É importante. – Mas tem de ser agora? – Ela lançou um olhar rápido ao redor da sala, que se encontrava quase vazia e exalou um pequeno suspiro de alívio. A provação do dia estava chegando ao fim. Mais alguns minutos e esperava poder se livrar dos elegantes sapatos que a estavam incomodando há horas, colocar os pés para cima e talvez desfrutar de uma xícara de chá. – Não pode esperar? – Receio que não. É sobre o testamento do sr. Marty. O advogado parecia nervoso. Mal a encarava e trocava os pés desajeitadamente enquanto falava, deixando-a apreensiva. – Há algo errado? – Prefiro lhe falar em particular. Um aceno da mão de Simeon indicava que os últimos dos poucos convidados restantes por fim estavam deixando a casa. No entanto Angelos Rousakis não se encontrava entre eles, Jessica irritou-se ao perceber. Estava de pé, junto a uma janela num canto distante, observando a chuva que voltara a descarregar sua fúria sobre a terra. A simples visão daquele homem provocou-lhe um calafrio na espinha, o mesmo que sentira durante toda a cerimônia na igreja e no cemitério, quando precisou lutar para conter as lágrimas, à medida que o caixão era baixado. Era um calafrio que nada tinha a ver com o vento frio que substituíra a chuva durante algum tempo. E sim ver com o terrível sentimento de apreensão que a fazia tremer toda vez que o observava. Ainda não fazia ideia do que estava fazendo ali e, por certo, Angelos não estava com pressa de esclarecer. Jessica tentou se convencer que por alguma razão desconhecida, Angelos se sentira na obrigação de prestar os últimos cumprimentos ao homem que certa vez, por pouco tempo, fora seu patrão. Mas não importava o quanto tentasse, o argumento não a convencia. Angelos não era o tipo de homem que se sentia obrigado a fazer qualquer coisa. Mesmo ainda muito jovem, já detinha o controle da sua vida e não se curvava a ninguém quando se tratava de tomar decisões. E agora, aos 30 anos, era óbvio que


conseguira seu lugar no mundo e parecia tão diferente do homem que ela conhecera que não podia imaginá-lo concedendo qualquer coisa a qualquer um. Isso significava que estava ali por questões pessoais e determinado a não deixá-la saber que questões eram essas, até se sentir preparado. – Dê-me apenas cinco minutos, Simeon... Mais uma volta pela sala, mais apertos de mão e despedidas preencheram o tempo que Jessica pedira, e logo todos haviam partido. Todos com exceção do advogado, que estava ocupado falando ao telefone, e Angelos, que continuava impassível, exatamente onde se encontrava antes, mãos enfiadas nos bolsos das calças, as pernas longas ligeiramente afastadas e a atenção voltada para a paisagem além da janela. Vendo-o daquela maneira, qualquer um pensaria que era o dono do Solar, pensou irritada. Parado no canto como se fosse senhor de tudo, quando realmente era... O que ele era? A pergunta a fez paralisar. Seus passos já relutantes hesitaram à medida que se lembrava de quão pouco sabia sobre Angelos Rousakis. E sobre aquele Angelos que aparecera ali aquela tarde muito menos. Onde vivia, o que fazia, se havia prosperado na vida. Oh, quanto a isso não parecia haver dúvida. Mas não conhecia a história dele, seu estilo de vida. Teria voltado para a Grécia quando partira dali...? O pensamento morreu em sua mente quando Angelos virou a cabeça lentamente e seus olhares se encontraram. Conseguira evitar aquilo durante todo o dia e agora sabia por que. Ser encarada por aquele olhar fixo a fazia se sentir como uma borboleta, capturada e presa em uma tábua, incapaz de se movimentar. A expressão de Angelos era tranquila, até mesmo insípida, mas por trás dos pesados cílios, algo que ela não podia entender ou explicar queimava. – Srta. Marshall... – O tom também era tranquilo, a cabeça inclinada de modo cortês, mas sua expressão era um enigma. – Tem uma vista espetacular – ela o ouviu continuar com um sentimento forte de descrença. – Não me lembro de tê-la visto da última vez que estive aqui. – As coisas... mudam... – contornou Jessica, a língua se enroscando nas palavras. De repente, ela percebeu o que vinha evitando o dia todo. Ao evitar qualquer contato com Angelos durante toda tarde também conseguira evitar olhá-lo, olhálo de verdade. Observá-lo assim de perto. E, agindo dessa maneira, sabia que estava tentando negar o impacto poderoso que aquele homem causava em seus sentidos. Ele tinha um apelo másculo e primitivo que a arrebatara há algum tempo, quando tinha apenas 18 anos, acabando de terminar os estudos e totalmente ingênua. E aquele apelo ainda existia, intensificado, concentrado, aumentado pelos sete anos de maturidade, sete anos de sucesso, ao que tudo indicava. Fora essa constatação que a levara a se esquivar durante toda tarde, evitando qualquer contato com ele, que a fez reconhecer a verdade mais cedo. As recordações amargas do passado, a apreensão sobre os motivos que o trouxeram de volta, até mesmo o fato de estar noiva, nada podia se colocar entre ela e o fato de que Angelos Rousakis era o homem mais sensual que já conhecera. – Éramos pessoas diferentes – ela disse na defensiva, esperando esconder a confusão em seu interior. Ele podia mostrar todos os sinais de ter prosperado, desde que o vira pela última vez, mas isso não alterava o fato de que ela lhe custara o emprego e a única casa. A dignidade exigia que ela reconhecesse tal fato, mas ao ver Angelos erguer uma sobrancelha com um ar sardônico, as palavras se enroscaram em sua língua.


– Éramos? – Sim. Totalmente diferentes. Então, talvez queira explicar o que está fazendo aqui. O que você quer? – O que eu quero? – Angelos deu uma olhada ao redor, pensativo, fingindo considerar a pergunta. – Bem, uma casa como esta, para começar. Sempre a achei maravilhosa quando trabalhei aqui e isso antes de vê-la por dentro. – A casa não está à venda. – Não para pessoas como eu, não é? – As palavras soaram rastejantes e mortais como uma cobra. – Não é, Jessica? O Solar só pode pertencer a algum inglês que tenha sangue nobre e aristocrático correndo nas veias? Não para um moleque de rua grego que apenas serve para cuidar da sua égua purosangue e limpar a lama das suas botas quando você volta de um passeio ao redor da propriedade? – Eu nunca disse isso... – vociferou Jessica, horrorizada por ele achar que ela seria capaz de tal pensamento. – Eu... Mas Angelos não a deixou terminar. – Ou ficou decepcionada? – Decepcionada? – Pensou que eu ia dizer que a queria? Que foi por isso que voltei... Porque não consegui esquecê-la? Que no momento em que a beijei anos atrás, fiquei louco por você? E agora que estou rico e que seu padrasto já não pode se colocar entre nós, vim reivindicá-la? – Não! Nunca! De modo algum! – Não consigo pensar em nada que eu queira menos! O sorriso breve de Angelos a atingiu em cheio. Frio, melancólico, um gesto de triunfo, sem um rastro de calor. Não havia o mínimo vislumbre de luz na profundidade daqueles olhos escuros. De alguma maneira, Jessica sabia que tinha caído na armadilha que ele armara para capturá-la. – Não acha que soaria mais sincero se tivesse dito que está noiva? Por um momento, a pergunta lhe confundiu a mente. Como ele sabia...? Oh, é claro, a aliança em seu dedo. Mas Angelos queria deixar claro que acreditava que Chris deveria ocupar uma posição proeminente nos pensamentos da noiva. Deveria ter refutado a sugestão daquele homem com um furioso: “Não estou interessada em ninguém além do meu noivo!” O nome de Chris deveria ter sido o primeiro a sair dos seus lábios. Essa era a armadilha em que esperara que ela caísse. O simples pensamento causou-lhe um arrepio na espinha. – Então me diga, onde está o seu noivo? Acho que deveria estar aqui para apoiá-la neste momento. Jessica enrijeceu ao ouvir a nota de condenação na voz grave. Mais uma vez desejou que Chris estivesse ali para refutar a opinião do outro homem. – Ele teve uma reunião urgente de negócios. Caso contrário, estaria aqui. E não sairia do meu lado nem por um momento sequer. – Para protegê-la das atenções não desejadas de um ex-empregado que não conhece o seu lugar? – acrescentou Angelos num tom cínico. – Bem, de qualquer maneira, não é por esse motivo que voltei. Jessica suspeitou que era a deixa certa para lhe perguntar o que estava fazendo ali, mas não tinha a menor intenção de aproveitá-la. Para ser franca, já não estava mais interessada nos motivos que o trouxeram. Tudo o que queria era que partisse, que levasse consigo os incômodos sentimentos de desespero e intranquilidade que lhe despertara ao entrar em sua vida outra vez. Com um esforço, voltou a adotar a cortesia fria de antes.


– Bem, receio que devo lhe pedir para partir. Todos já se foram... – ela indicou a sala vazia. – E você deve ir. Mais uma vez aqueles olhos escuros pareciam queimá-la. Angelos desviou o olhar para a porta aberta, antes de voltar a encará-la. – Acho que não – disse num tom firme, que deixava claro que não toleraria qualquer argumento. – Não há nenhuma chance de eu ir a lugar algum. – Mas... Jessica olhou ao redor, procurando Peters, mas o mordomo havia desaparecido. O modo como os pés e as poderosas pernas de Angelos pareciam firmemente plantadas no chão a fez lembrar-se de uma árvore dominante que não seria desarraigada facilmente. – Sr. Rousakis, tenho de lhe pedir que se retire. – Srta. Marshall, não está mais em posição de me dizer o que devo fazer. – Eu... – Sr. Rousakis... – era a voz de Simeon Hilton e, quando ela se virou, deparou com o advogado. – Desculpe, eu não estava aqui quando chegou. Suponho que tenha feito uma boa viagem. Para a consternação total de Jessica, Simeon estava estendendo a mão para o grego com um sorriso nos lábios. – O sr. Rousakis estava de partida... – ela informou, mas sua força e confiança começaram a se dissipar. Esquecera-se de que Simeon dissera a Peters para esperar Angelos. Lá fora, a chuva cessara, mas a passagem de uma nuvem escura pelo sol fraco a fez tremer, tomada por uma súbita incerteza. Algo estava acontecendo. – Podemos começar? – Para seu horror, Simeon reportava-se a Angelos, não a ela. Havia mais que um simples vínculo entre os dois homens. A abordagem do advogado era respeitosa e profissional. – Tenho todos os documentos na biblioteca. – Mas... – De alguma forma, Jessica encontrou forças para falar, embora o medo e a apreensão crescente estivessem ameaçando fechar sua garganta. – Mas este é um assunto particular entre mim e você, Simeon. – Era um engano, soube Jessica no instante em que acabou de falar. Podia perceber isso na face de Simeon e nos olhos frios de Angelos, que de alguma forma estava envolvido naquele assunto. – O que está acontecendo? – Sugiro que se junte a nós na biblioteca – declarou Angelos num tom arrogante. – Descobrirá tudo lá. E, sem lhe lançar um segundo olhar, virou-se e deixou a sala com Simeon a seu lado, os passos largos e longos ecoando no recinto. Jessica permaneceu de pé, fitando-os totalmente atordoada. Era como se Angelos fosse o dono do Solar, pensou ansiosa, quando todos sabiam que ela era a parente viva mais próxima de Marty. Forçando as pernas a se mover, apressou-se para alcançá-los. – Acho que quer falar comigo sobre meu... sobre Marty – ela disse ao passar pela porta da biblioteca atrás deles. Sua chegada ruidosa fez Angelos olhar para a bandeja sobre uma mesa perto da larga janela, onde ele se serviu de um copo de água. – E isso não tem nada a ver com o sr. Rousakis. – Agora tem – o tom de Angelos era sereno, mas tão preciso quanto uma bofetada na face, o que fez com que Jessica se virasse bruscamente para fitá-lo. Definitivamente, ela parecia sacudida, notou satisfeito ao ver os olhos azuis se arregalarem. Pareciam duas enormes piscinas sobre as faces pálidas e, embora Jessica tentasse disfarçar a preocupação, podia


perceber a ansiedade que lhe toldava o olhar. Os cabelos castanhos macios e brilhosos haviam se soltado das presilhas que os prendiam, caindo-lhe ao redor da face. Parecia uma mulher real, não a rainha de gelo que o cumprimentara na entrada e que há pouco tentara mandá-lo embora da casa. Mas sabia que aquela imagem não passava de uma ilusão. A máscara da senhora do Solar poderia tê-la abandonado temporariamente, mas logo estaria de volta. Contudo, tinha notícias para ela que quebrariam sua convicção sobre o modo de vida que levava, o papel a que fora destinada e os planos que fizera. Teria prazer em destruí-los, um a um. – A presença do sr. Rousakis é necessária – disse o advogado num tom cauteloso ao ver o olhar que Jessica lhe dirigiu. – E pode explicar por quê? – Gostaria de tomar uma bebida? – perguntou Angelos, erguendo uma garrafa de vinho da bandeja. O olhar que ela lhe lançou poderia transformá-lo em pó. Pelo menos era isso que ela desejava. – Preciso de uma? – rebateu Jessica. Ao ouvir a pergunta furiosa, Angelos sentiu a boca se curvar em um sorriso. Ela não aparentava mais do que um pequeno e elegante gato rosnando e salivando para um intruso mal recebido em seu território. – Seria mais fácil se estivesse relaxada. E, para enfatizar seu ponto de vista, ele se acomodou em uma das confortáveis cadeiras de couro escuro e esticou as pernas, cruzando os tornozelos. Tomando um prolongado gole da água, se permitiu outro pequeno sorriso por trás do copo. – Você gostaria... – começou o advogado, mas Angelos sacudiu a cabeça com força. Sabia que não havia nenhuma possibilidade da srta. Jessica acreditar em qualquer coisa que ele dissesse. Precisaria dos fatos legais soletrados por alguém em quem ela confiava. Portanto, teria de ser Simeon Hilton. Além do mais, queria sua atenção livre para ver a reação dela, quando a verdade fosse revelada. – Você tem os documentos... – Com um aceno de mão, ele indicou as pastas de papéis que Simeon havia colocado sobre a grande escrivaninha. – É melhor explicar tudo. Diga à srta. Marshall em que posição ela se encontra. Jessica não fazia a menor ideia do motivo daquelas palavras a afetarem tanto. Não havia nada no tom de Angelos para deixá-la nervosa. O modo como falou soou casual e sociável como se estivesse conversando com amigos. Nada para se preocupar. Entretanto era justamente o fato de não haver nada para se preocupar no tom daquele homem que fez os sinos de alarme repicarem em sua mente, deixando-lhe os nervos em alerta. De um intruso, um estranho que viera sem ser convidado ao funeral do seu padrasto, Angelos havia se transformado lenta, mas seguramente em alguém confiante e bastante à vontade para o seu gosto. Desde o momento em que entrara naquela casa, agira do seu modo, sem se importar com o que ela dissesse ou fizesse. Fora uma figura sombria e alerta no cemitério e um observador silencioso na recepção. Parecia quase um... A palavra se desvaneceu em sua mente quando Simeon se sentou à escrivaninha e folheou os papéis, pegando um e colocando-o sobre o tampo da mesa. O advogado clareou a garganta. – Sobre o seu padrasto Marty...


Apesar de sua determinação de não se sentar, Jessica puxou uma cadeira e se acomodou. Algo no modo como Simeon falava, o jeito como a observava por cima dos óculos de leitura a fez perder as forças nas pernas. Ou se sentava ou corria o risco de cair, e com os olhos escuros e frios de Angelos encarando-a daquela maneira, estava determinada a não deixar que isso acontecesse. – Marty deixou tudo em ordem – ela disse. – Organizou tudo de acordo com a sua vontade. – Por que Simeon não estava assentindo com a cabeça? Por que não sorria e dizia que sim, que tudo estava certo? – Fomos ao seu escritório dois anos atrás quando fiz vinte e três anos e ele disse que queria deixar tudo para mim. Isso não é legal? O choque em sua voz devia-se mais à lembrança de como se sentira naquele dia, agravado agora pela preocupação e incerteza sobre o que estava acontecendo. Na verdade, jamais acreditara no fato de que Marty deixaria tudo para ela. Sempre foram muito próximos. O segundo marido da sua mãe fora o único pai que ela conhecera, e o afeto entre os dois crescera após a morte de Andrea em um acidente de trem. É claro que ele estivera ao seu lado sete anos atrás, fazendo tudo que podia para salvá-la das repercussões da tolice que ela cometeu. Jessica desviou o olhar para o homem silencioso na outra cadeira e tremeu, lembrando de que fizera a Angelos Rousakis. Acreditava que devia haver outra pessoa com mais direitos do que ela, parentes distantes, amigos, instituições de caridade, para quem ele deixasse a sua fortuna. Entretanto Marty lhe assegurara que não havia mais ninguém. Fora filho único de filhos únicos, não tinha primos e nenhum descendente. Sua primeira esposa, Marie, que morrera de câncer aos 35 anos, nunca pôde ter filhos. O padrasto sabia o quanto ela amava aquela casa e a propriedade. E sabia que cuidaria da propriedade do modo como ele gostaria. Manteria a fazenda funcionando, seria uma senhoria justa com os arrendatários e sempre adorara cavalos. Sentindo-se muito feliz e sabendo que jamais poderia lhe agradecer, resolveu aprender tudo que podia sobre a fazenda para ser capaz de controlar tudo quando chegasse a hora. O pensamento de que poderia dar seguimento aos desejos do padrasto fora o único consolo, quando o súbito ataque cardíaco o levou. – Sim, isso era bastante legal – assegurou Simeon. – Mas... – Mas? – A última palavra a fez enrijecer. Endireitando-se na cadeira, franziu as sobrancelhas e focalizou a atenção no advogado. – Aconteceu algo? Marty mudou o testamento? Simeon meneou a cabeça em negativa. – Deixou tudo da mesma forma que estava. Esse é o problema. – O problema? Simeon, explique-se melhor. Não está fazendo sentido. Marty deixou tudo para mim. Qual é este problema? – O problema é que, por ocasião da morte de Marty, ele não possuía nada para deixar, nem para você nem para qualquer pessoa. – Não? – Jessica lutou, tentando entender o que Simeon queria dizer. Suas palavras soavam como se viessem de um longo túnel, chegando distorcidas em sua cabeça. E o problema foi se agravando pela consciência dolorosa do modo como Angelos continuava em silêncio, observando tudo. – O que está querendo dizer? – Que nos últimos... dezoito meses... Marty começou a jogar.


– Ele sempre gostou de corrida de cavalos! – exclamou Jessica. – Era o seu único passatempo. Ele... – Sua voz falhou quando percebeu a expressão na face de Simeon. – Não era apenas um passatempo, Jessica – informou o advogado. – Começou a apostar mais do que devia. No princípio ganhou e suponho que isso o tenha impelido a apostar cada vez mais. Depois, porém, começou a perder e apostou mais ainda para tentar recuperar o prejuízo. – Oh, Deus! – Jessica sabia que algo estava aborrecendo o padrasto. Marty havia mudado, perdido peso, recomeçara a fumar, quando havia feito uma promessa de parar há alguns anos. Tentara fazê-lo falar, mas ele sempre se esquivara do assunto, dizendo-lhe que ela estava se preocupando sem necessidade. E tinha de admitir que com o seu romance com Chris e a excitação com a proximidade do casamento, descuidou-se e não viu o que deveria ter visto. – A situação é muito ruim? – A pior. Ele perdeu tudo e teria sido despejado, teria de deixar Manorfield se alguém não tivesse aparecido e ficado de fiador. – Quem? – Jessica estremeceu ao ouvir o modo como sua voz soou desagradável. – Quem ficou de fiador? – Eu. – A resposta veio de Angelos. O sombrio e terrível sentimento de inevitabilidade que a dominara desde que Simeon começara a história se aprofundou, comprimindo seu pescoço e ameaçando estrangulá-la. De fato, não podia haver outra resposta possível. Nenhuma outra razão para ele estar ali e para Simeon tratá-lo com tanta cortesia e respeito. Jessica precisou se esforçar para virar a cabeça e encará-lo. Temia pelo que veria na face dele, o triunfo em seus olhos. No entanto tudo que pôde ver foi uma sombra opaca, nenhuma feição, nenhum detalhe visível, nada. O sol de fim de tarde vencera as nuvens escuras, transformando-o em uma silhueta escura de encontro à janela com suas enormes vidraças e cortinas. – O que você fez? – Assumi as dívidas de Marty. – A declaração a apunhalou como uma espada brutal, cortando tudo em que ela acreditava e esperava tornar realidade. – Tirei os credores do encalço dele, permitindo-lhe um espaço para respirar. – Assumiu as dívidas? Mas você não pode... Como... – Não devia viver no passado, princesa – disse Angelos num tom suave. Em seguida, ergueu-se e se dirigiu à mesa para reencher o copo. – As pessoas mudam. Não sou mais o cavalariço com quem você podia se divertir. Na realidade nunca fui. – O quê...? – começou Jessica, mas ele a ignorou. – Sou mais do que capaz de resgatar as dívidas do seu padrasto e salvá-lo da ruína umas três vezes se eu quiser. – Faz isso soar como se lhe tivesse feito um favor, mas não acredito. Você não é esse tipo de filantropo. Deve haver algum interesse por trás disso. – Oh, sim. Posso lhe assegurar que consegui tudo que queria e muito mais. Por fim, Jessica pôde ver a face de Angelos banhada pela luz que se infiltrava pela janela, e o que viu fez seu coração acelerar. Outra vez sentiu dificuldade em respirar, enquanto observou a expressão severa e aqueles olhos frios. – E... isso... isso...


– Significa que está sobrando, princesa. – A mão longa que segurava o copo gesticulou em um arco, abrangendo o piso de madeira polido, a enorme lareira de mármore, as poltronas de couro e as estantes de livros nas paredes. E então, gesticulou novamente, alargando o movimento o bastante para envolver toda a casa e as milhas e milhas de terra que faziam parte da propriedade. – Desejei Manorfield desde a primeira vez em que a vi, sete anos atrás. E fiquei determinado a não desistir enquanto não fosse minha. O jogo e as dívidas de Marty apenas puseram o Solar em minhas mãos. – Não acredito. Se tivesse adquirido Manorfield, viria para cá imediatamente. Marty vivia aqui. Ainda administrava a propriedade. – Porque eu permiti. Porque era do meu interesse. Marty era um homem velho, não ia jogá-lo nas ruas, mesmo sabendo que ficaria feliz em me tratar desse modo. E, além do mais, sabia gerir a fazenda, controlar tudo. Isso também me interessava. Então permiti que ficasse. – Angelos fez uma pausa, tomou um gole de água, sem tirar os olhos dela. – Se ele tivesse vivido muito mais tempo, eu o teria deixado ficar. Mas essa concessão era só para Marty e terminou com a sua morte. Manorfield agora é toda minha. O testamento que seu padrasto fez não tem nenhuma validade. Não há nada para você herdar, como pode ver. Ele não podia deixar nada, porque nada possuía. Jessica sentiu os membros tremerem e ficou grata pelo fato de estar sentada. – Diga à srta. Marshall em que posição ela se encontra... As palavras circulavam em sua cabeça, ganhando um terrível significado extra a cada repetição. Sabia agora com um sentimento medonho de inevitabilidade o que estava por vir. E sabia que nada podia fazer para evitar. A única atitude a tomar era continuar sentada e tentar controlar as reações enquanto esperava o machado cair sobre sua cabeça. Angelos não tinha pressa, e Jessica sabia que ele parecia desfrutar cada momento daquela situação. – A verdade é, minha querida Jessica, que você não pode herdar Manorfield ou qualquer parte da propriedade porque sou dono de tudo. A casa, as fazendas... É tudo meu. E não lhe restou nada. Nem mesmo uma casa para morar. Porque o Solar é meu e pretendo viver aqui de agora em diante. – Não! Jessica continuou sentada, sacudindo a cabeça, lutando, desejando, esperando que se negasse a declaração arrogante de Angelos poderia transformá-la em um pesadelo, algo irreal. Aquilo não podia estar acontecendo... não podia. Entretanto quando olhou para Simeon à procura de ajuda, percebeu que não a obteria. Tudo que Angelos dissera era verdade. E agora ela sabia por que a chegada daquele homem lhe provocara tanto desconforto. Por que sentiu no momento em que ele pisou ali, que viera para fazer algo terrível, algo que destruiria sua paz de espírito. O homem que apelidara de Anjo Negro estava de volta e já começara a virar sua vida de cabeça para baixo.


CAPÍTULO 3

JESSICA SUSPIROU profundamente, virou para o outro lado, o que parecia ser a milionésima vez naquela noite, e enterrou a face nos travesseiros. – Oh, isso foi horrível! – disse em voz alta, enquanto lutava para emergir do sonho tenebroso e insistente que a envolvia. – Horrível! De repente, despertou completamente, e a lembrança total do que havia acontecido a atingiu com violência. Não fora apenas um sonho ruim... um pesadelo. Era real. Erguendo-se, sentou-se na cama, afastou os cabelos do rosto e fitou a parede oposta, forçando a mente a repassar tudo que havia acontecido na tarde anterior. Imaginara que o dia seria bastante difícil por ter de dizer adeus a Marty, porém mal havia superado a provação do funeral, e a granada emocional da notícia de Angelos explodiu em sua cabeça. Angelos... O nome a fez lembrar que em algum lugar daquela casa, Angelos passara sua primeira noite como proprietário de Manorfield. Não fazia a menor ideia de onde ele dormira. Deitara-se cedo, exausta e angustiada, deixando-o escolher o quarto que quisesse. Não havia dúvida de que Peters ou Trish Henderson, a empregada, se certificariam de que o novo patrão dispusesse de lençóis limpos, toalhas e todos os confortos necessários. Parecia que sempre que aquele homem surgia em sua vida trazia caos e destruição. A notícia que lhe dera no dia anterior significava que tudo com que sonhara para o futuro lhe fora arrebatado. Então, quando pensou que nada poderia ficar pior, percebeu que estava enganada. Os olhos de Jessica nublaram ao se recordar de como Simeon lera os longos e complicados detalhes sobre o quanto exatamente Marty conseguira ficar devendo nos dois últimos loucos anos de sua vida. O montante das dívidas era assustador. Como pudera apostar quantias tão altas? O resultado é que ela ficara sem nada. Angelos não havia exagerado ao declarar que agora era dono de tudo. Jessica agradeceu a Deus por conservar suas roupas, porque não possuía mais nada. E Angelos se mudara para o Solar. Colocara o carro na garagem e, assim que Simeon partiu, se estabeleceu como o novo senhor da propriedade, sem hesitar um momento sequer.


Foi quando ela achou que já presenciara o suficiente. Sentiu necessidade de escapar e se refugiar em seu quarto. Lá, pelo menos, estaria protegida da presença opressiva do Anjo Negro. Mas por quanto tempo? Empurrando o edredom para o lado, forçou-se a deixar a cama e caminhar até a janela. Normalmente, o gramado liso e comprido que revestia o caminho da casa até o lago, margeado por uma vegetação luxuriante, melhorava seu ânimo. Mas naquela manhã tudo parecia cinzento. A cena calma, bonita, já não a fazia experimentar o costumeiro sentimento de felicidade. Em vez disso, só acrescentou outra pontada forte em seu coração já dolorido. Tivera inúmeras perdas nos últimos anos. Primeiro a mãe, depois Marty e agora Manorfield. Não possuía mais um lugar para viver. Angelos, por certo, a quereria fora dali o mais breve possível. Afinal, ficara bem claro que boa parte do prazer cruel que ele sentira ao fazê-la saber que adquirira a propriedade fora acentuado pelo fato de tê-la tirado dela. E, agindo desse modo, conseguira se vingar do modo como ela o tratara sete anos antes. Não, não enfatizaria o passado. Pensaria em coisas boas, mais positivas. E havia muitas em sua vida. Em primeiro lugar, Chris estava voltando naquele dia. Iria encontrá-lo para o almoço. O simples pensamento a animou. Endireitando os ombros, sentiu que poderia enfrentar o dia. Enfrentar Angelos. A última coisa que queria era que ele pensasse que ela estava se escondendo amuada ou, até pior, com medo de encará-lo. Ia olhá-lo de frente. Podia ter voltado e destruído a sua vida, roubando-lhe tudo que ela julgara fazer parte do seu futuro, mas era apenas dinheiro, só propriedades. Tinha outros motivos para olhar para frente. Iria se casar dentro um mês. E, então, partiria dali o mais breve possível, deixando o Anjo Negro para trás. Decidiu vestir-se e descer para enfrentá-lo de cabeça erguida. Com os ombros enquadrados, mandíbula contraída, Jessica se dirigiu ao banheiro para tomar uma ducha. ANGELOS SE encontrava no estúdio que fora de Marty. Jessica o avistou pela porta aberta quando descia a longa escadaria em curva que conduzia ao corredor. Ele estava sentado à grande escrivaninha de carvalho, com uma pilha de documentos na frente e a cabeça curvada sobre um papel. Um terrível gosto azedo encheu a boca de Jessica ao ver aquele usurpador no lugar onde tão frequentemente vira o seu padrasto. Apesar de Angelos erguer a cabeça e esboçar algum tipo de cumprimento ao vê-la caminhar além da porta, ela o ignorou de propósito. Mantendo os olhos fixos à frente, mãos nos bolsos da calça bege que usava, combinando com uma blusa verde de seda, se dirigiu à cozinha para tomar uma xícara de café. Precisaria de uma dose forte de cafeína no corpo antes de ser capaz de encará-lo. Sem isso, reconhecia que teria dificuldade de falar cara a cara com aquele homem. Então, pegou a chaleira, encheu-a de água e a colocou sobre o fogão. – Café – disse Angelos, alcançando uma xícara em um armário. – Posso tomar um pouco? A voz grave e baixa a fez saltar. Sabia que já devia esperá-lo, mas, mesmo assim, todos os nervos se contraíram ao sentir a presença máscula. Jessica se esforçou para soar tranquila quando respondeu.


– Não devia se mover tão furtivamente atrás de mim quando eu estiver na cozinha. Tem sorte de eu não ter derrubado a xícara. – Isso não teria importância Não podia ver, mas podia imaginar que ele não fazia a mínima ideia do valor da porcelana que ela tinha em mãos. Seus dedos apertaram a asa do utensílio, lutando contra a vontade que sentiu de arremessá-la na cabeça do arrogante. No entanto, em vez disso, virou-se lenta e relutantemente. Sua pele já estava arrepiada, e o conhecimento do fato de que ele se encontrava tão próximo fez aquela sensibilidade ardente piorar. Ele possuía a intimidante destreza de parecer preencher o recinto. Era como se sua presença se expandisse ocupando todo o espaço, dominando-o, exaurindo todo o oxigênio da atmosfera e deixando-a ofegante. Durante a noite tentara se convencer que aquilo não passava de fruto da sua imaginação, que ele não podia ser tão grande, tão poderoso. Entretanto agora, de pé diante dela, com o elegante terno sobre uma camisa de manga comprida cor de café e uma calça marrom-escuro, parecia tudo aquilo e muito mais. Certa vez o considerara devastador, totalmente destrutivo a sua paz de espírito. Sabia tão pouco na ocasião! O homem em que ele se transformara era cem mil vezes mais perigoso. – É apenas uma xícara. – E você pode dispor de muitas outras, é claro. O olhar que Angelos lhe devolveu foi de total exasperação. – Não acho que seja necessário um espalhafato por causa de uma xícara. – Bem, era o que você diria, não é? Ou esperava que eu reparasse a perda monetariamente, já que agora é o senhor de Manorfield e de tudo o que está aqui dentro? Dessa vez os olhos escuros de Angelos exibiram um brilho frio de raiva. – Não seja tão estúpida, Jessica. E deixe de tentar provocar uma discussão. Ainda é muito cedo. – Então preciso marcar um horário para discutir com você? Bem, talvez possa me dizer a hora certa, porque temos muito a conversar. – Não seja ridícula. Não precisa ser desse modo. – Não? – desdenhou Jessica. – Pelo que pude perceber, é exatamente assim que tem de ser. Afinal, você se mudou e roubou tudo... – Não roubei nada! – declarou Angelos com ênfase. – Tenho tudo legalizado. – Oh, sim, perfeitamente legalizado. Oferecendo somas ultrajantes de dinheiro a um homem que não estava em condições de recusar. – Seu padrasto agradeceu a minha ajuda. – Oh, posso apostar que sim! Considerando que o encurralou, não lhe dando nenhuma chance de escapar. Você arrumou um modo de conseguir o que sempre desejou, por um preço que podia pagar. Nunca ligou a mínima para as pessoas que pisoteia, para as pessoas que Marty realmente queria que herdassem a propriedade. – Você? – ele perguntou rápido e afiado como um estilete. Jessica precisou lutar contra o tremor de angústia que sentiu. De alguma forma, conseguira transformar o movimento involuntário de mão que se ergueu entre eles em um gesto nervoso, defensivo, que repudiava a pergunta dele. – As pessoas que importavam para Marty. – O que teria dito que fizera a fisionomia de Angelos mudar tanto, transformando o gelo glacial dos seus olhos em uma chama de pura selvageria, um ódio


ardente que a fez recuar um passo, para longe da zona de perigo? – Você apenas usou sua riqueza para arrebatar esta propriedade o mais barato possível... – Não sabe o que isso me custou – ele rosnou entre dentes. – Eu tinha uma vaga ideia do quanto valia esta propriedade. – Não estou falando de dinheiro. – E sobre o que mais poderia estar falando? O que eu gostaria de saber é onde conseguiu dinheiro. – Onde diabos um cavalariço conseguiu o dinheiro para adquirir a propriedade do seu padrasto? – questionou Angelos num tom cínico, a boca bonita torcida com desprezo. – Por certo, não acredita que tenha sido adquirida de modo legal. – Eu não disse isso. – Não precisa dizer nada. – Angelos deu às palavras uma suavidade perigosa, que fez os pelos minúsculos da pele de Jessica se arrepiarem. – Está escrito em sua face, em seus olhos. Mas não precisa se preocupar, minha querida Jessica. Todo euro que ganhei, todo centavo que paguei por Manorfield foi ganho com honestidade. Nunca fui um cavalariço pobretão, talvez a verdade seja essa. – O quê? Naquele momento, a chaleira ferveu, o apito soou alto no silêncio atordoado que se seguiu à pergunta. Jessica estava tão concentrada na discussão, no homem a sua frente, que acabou girando em círculo, para tentar cessar o som apavorante, antes que percebesse totalmente o que estava acontecendo. – Você estava fazendo café – informou Angelos quando ela simplesmente permaneceu parada, sem saber o que fazer. A verdade era que já não sentia mais vontade de beber nada. Tantos sentimentos e emoções formaram um bolo em sua garganta, dando-lhe a impressão de que sufocaria. Parada com a chaleira nas mãos, a mente turva com as recordações, os pensamentos girando, se recusando a obedecer qualquer ordem coerente. Angelos deu um passo à frente e tirou-lhe a chaleira dos dedos que a apertavam. – Pouquíssimo leite, nenhum açúcar – ele disse, falando num modo casual que fez a mente dela girar outra vez. – O quê? – Não é assim que gosta do seu café? – Ele havia colocado a chaleira novamente sobre o fogão e abriu o armário, obviamente à procura de pó de café. – Estou certo, não é? – Você ainda se lembra? – Claro. Angelos estava de costas para ela, vertendo uma colher do pó escuro em um pote de vidro, de maneira que Jessica não podia ver a expressão de sua face ou supor o que estava se passando em sua mente. O tom de voz sem qualquer emoção não ajudava em nada. – Lembro-me de muita coisa sobre você. O modo como dava bom dia a todos os cavalos, quando entrava nos estábulos e roubava as cenouras deles para comer... O modo como jogava os cabelos para trás. Você era muito bonita. – Bonita! – Ela riu. – Ora, vamos! Você sabe que não era isso que pretendia dizer. – Por que não? Angelos se virou enquanto falava e a intensidade direta e ardente do seu olhar queimou a face de Jessica, parecendo destruir uma camada de células, fazendo-a sentir-se esfolada e desesperadamente exposta.


– Por que eu diria tal coisa se não fosse verdade? – Mas você dizia que... – Ela recordou as palavras dele em sua mente e o tom de ódio e desdém com que foram proferidas. “Não se iluda, criança. Não tenho nenhum interesse em você... Não me envolvo com menininhas.” E como pano de fundo a risadinha condescendente de Lucille, a moça pela qual estava interessado. – Lembro muito bem o que eu disse, mas isso não significa que era cego ou tolo. Você possuía os atributos, esperando para florescerem. E isso aconteceu. – Poupe-me da sua lisonja! Houve um tempo em que Jessica sonhara em ouvir aquilo. Desejava que Angelos virasse aquela cabeça bonita em sua direção e a notasse. Se tivesse lhe dito tal coisa, ela teria repetido aquelas palavras inúmeras vezes em sua mente. Se ele tivesse lhe sorrido, teria guardado o gesto dentro do coração. Mas aquilo não significava nada. Ele estava sendo apenas cortês. Nunca tivera interesse nela como mulher. Então por que devia começar a ser diferente agora? – Não é lisonja – declarou Angelos, colocando o bule sobre a grande mesa central da cozinha. Então, alcançou a xícara que Jessica ainda segurava e ela o encarou confusa. O breve roçar daquela mão forte contra a sua a deixou trêmula. E o pequeno movimento ao seu redor fez flutuar o perfume do corpo másculo para lhe atormentar as narinas. – Por que não deveria elogiá-la? Você se tornou uma bela mulher. Era uma jovem adorável, mas agora está muito mais atraente. Você floresceu. Jessica hesitou, tentando encontrar um modo de responder ao elogio, um que não a expusesse a mais perigo do que já se encontrava cercada. Não seria humana se não tivesse sentido prazer ao ouvir as palavras corteses, particularmente vindas de um homem com um apelo sexual incandescente. No entanto, suspeitou que a intenção era exatamente essa e ficou preocupada de estar sendo manipulada. De repente, lhe veio à mente a incômoda e desconcertante imagem de si mesma como uma pequena marionete descuidada, dançando como ele queria. Afinal, não fora isso que ele fizera com Marty, manipulando o pobre velho até ele fazer exatamente o que queria? – Como soube que Marty precisava de apoio financeiro... Que estava jogando demais? Jessica lançou a pergunta mais para se defender do caminho preocupante que seus pensamentos haviam tomado e pela necessidade de dizer qualquer coisa. – Foi fácil descobrir o que eu queria saber. Observei o que estava acontecendo em Manorfield desde que fui embora. – É mesmo? Ficou nos observando? Ou enviou alguém para espionar... – Não precisei fazer nada disso. Para seu alívio, Angelos voltou a se concentrar no café, o olhar escuro e penetrante fixo na ação de verter a bebida. Jessica não era capaz de desviar os olhos daquelas mãos, os dedos fortes e bronzeados seguravam a asa, enquanto outros descansavam ligeiramente sobre a tampa do bule. A simples lembrança do breve contato, minutos antes, fez sua boca encher de água. Angelos terminou de verter o café, acrescentou leite e alcançou uma colher para mexer. – Nunca perdi o contato com Marty desde que parti. – Mantinha contato com ele? – ela carranqueou em descrença. – Não exatamente. – Havia um tom estranho e perturbador na resposta de Angelos. Um que Jessica não foi capaz de interpretar ou entender, mas que acrescentou um novo desconforto à incômoda


confusão de emoções com as quais vinha lutando. – Não até os últimos dois anos. Mas sempre soube o que Marty e você estavam fazendo. – Sua espionagem me incluía? Algo sórdido rastejou sobre a pele de Jessica ao pensar que Angelos parecia totalmente desinteressado pela raiva e o desgosto que ela sentia. – Como acha que soube que estava comprometida? O pensamento de que ela se casaria com outra pessoa e o marido dela se tornaria proprietário de Manorfield o impulsionara a agir. Foi quando entrara em contato com padrasto dela novamente, tentando marcar um encontro. Todavia Marty, é claro, se mostrou inflexível, recusando qualquer sugestão de contato. Teimoso, o velho devolvia todas as suas cartas e não atendia os telefonemas. – Eu... Eu pensei que tivesse visto a aliança em meu dedo. – Oh, não. Eu soube muito antes. Aquela tinha sido sua maior preocupação, além do fato de querer ver como era a Jessica Marshall de 25 anos e a cara do seu noivo, saber que tipo de homem era o tal Chris Atkinson. – Existe uma palavra para o que você andou fazendo... – A voz de Jessica assumiu o tom de desafio outra vez. Era aquele sotaque inglês que ele sempre detestara, porque expressava a opinião dela sobre ele. – Chamamos isso de espionagem. E, na Inglaterra, espionar é crime! Um crime que poderia tê-lo levado à prisão. – Espionar a mais de mil milhas de distância, na Grécia? Quando você nem estava ciente do fato? Acho que não. Não consigo imaginar nenhum advogado tentando fazer tal acusação. O olhar que Jessica lhe devolveu quase o fez rir. Mas assim que o lampejo momentâneo de diversão desapareceu, a raiva voltou a dominar seu humor. Mas raiva não era o modo certo para lidar com aquela situação. Não se quisesse levar seu plano a cabo da maneira que pretendia. Raiva apenas afastaria Lady Jessica mais e mais, quando na verdade tudo que queria era tê-la o mais perto possível. Fisicamente pelo menos. Aquela era a segunda parte do plano que traçara em sua mente. Um plano que havia mudado e se adaptado ligeiramente desde a sua chegada ao Solar. A princípio, tinha apenas a intenção de reivindicar Manorfield e toda a propriedade que ela julgava que herdaria. Reivindicar o que era seu e desfrutar sua vingança ao vê-la perder a riqueza e o status. Mas no espaço entre uma batida do coração e a próxima, seu plano mudara. Porque, no momento em que pusera os olhos em Jessica Marshall após aqueles sete longos anos e vira a beldade em que ela se transformara, soube de imediato que Manorfield não seria o bastante. Queria a mulher também. Sempre a desejara, mesmo quando ela não passava de uma garotinha recém-saída do colegial. Jamais esquecera o único momento em que tivera aquela silhueta esbelta nos braços, a boca suave roçando a sua enquanto a apertava contra o corpo. Desejou ir mais adiante, porém... E agora a queria com mais intensidade. A moça de gelo que o cumprimentara com frio e desdém mexera com sua libido como nenhuma outra mulher conseguira durante todos aqueles anos. E agora, a visão de Jessica parada à sua frente, sob a tênue luz de uma manhã de primavera, que fazia as mechas dos seus cabelos brilharem, provocou-lhe uma violenta necessidade de eliminar o ar distante naqueles olhos azuis e substituí-lo por outro bem diferente.


As faces delicadas estavam coradas com indignação, a mesma indignação que fazia seus seios arfarem sob a blusa de seda clara. O movimento rápido e irregular o fez sentir um calor na parte mais íntima de seus desejos, o que o excitou em segundos. Bastaria alcançá-la, tomá-la nos braços e beijá-la até ambos se embriagarem de tanto desejo que perderiam suas identidades. Apenas saberiam que um era um homem e outro uma mulher. Entretanto isso não seria o suficiente. Queria mais. Queria ouvi-la ofegar de paixão. E para conseguir tal coisa, teria de esperar. Agir com sangue frio. Manorfield era sua, e isso era uma necessidade saciada. Mas não ficaria satisfeito até possuir Jessica Marshall também.


CAPÍTULO 4

– ENTÃO, QUER o café ou não? As palavras trouxeram Jessica de volta à realidade, fazendo-a piscar com força ao perceber que nos últimos segundos estivera perdida em pensamentos. Apenas por um momento o mundo parecia ter mudado, parado, o tempo congelado. Em um momento ficara brava, na defensiva, intimidada pelo fato de Angelos ter declarado abertamente que a estivera espionando. No momento seguinte simplesmente ficara ciente. Ciente de que algo havia mudado. Que um humor novo e muito diferente parecia tê-los alcançado, envolvendo-a em uma aura de fumaça perfumada e morna que nublou sua visão. Tinha a pele arrepiada, a respiração ofegante e, através da neblina que girava ao seu redor, a única coisa que podia ver eram os olhos do homem a sua frente. O olhar profundo, escuro e intencional que a focalizava e a prendia como se estivesse hipnotizada, incapaz de se mover. A raiva, o desprezo frio que sentira alguns momentos antes se dissipara e em seu lugar havia algo mais profundo e mais obscuro, algo que parecia ter aprisionado seu coração em uma mão cruel que o apertava e não sabia se era pânico que a golpeava ou uma excitação ardente que a golpeava. – Ou também vai considerar isso um crime? Assédio talvez? Não contém veneno – acrescentou zombeteiro, quando ela contemplou a xícara que lhe era oferecida. – Ou drogas. Eu não poderia discutir com você se estivesse morta ou inconsciente. Aquilo fora um sorriso? Jessica não tinha certeza. Apenas percebera uma minúscula curvatura nos lábios sensuais, mas teria jurado que havia uma luz lânguida na escuridão daqueles olhos escuros, como se pesadas nuvens de tempestade tivessem sido tocadas pelo sol, erguendo-se ligeiramente para permitir a passagem do calor. – Temos algo para discutir? – Muitas coisas, e você sabe disso. – O que, por exemplo? Relutante, ela pegou a xícara de café das mãos dele. Não porque não quisesse a bebida, mas porque temia o toque daqueles dedos contra os seus, o tremor que deixava suas pernas instáveis. – Seria mais fácil se fôssemos para um algum lugar mais confortável, a sala de estar ou o jardim de inverno?


As palavras serenas arrepiaram os pelos da nuca de Jessica. Soaram como na noite anterior, quando ele sugerira que ela sentasse, pouco antes de lhe dar as notícias que destruíram seus sonhos, o futuro que ela acreditara que teria. – Acho que não precisamos de conforto – ela disse num tom frio. – Não vou a lugar algum e não sairei daqui até você me dizer que assunto quer discutir comigo. O olhar que Angelos lhe lançou era mais de resignação do que aborrecimento ou impaciência. – Sobre o seu futuro. Temos de discutir o que vai acontecer. É claro, ela já devia esperar por aquilo, mas mesmo assim teve a súbita sensação do inevitável, como uma punhalada em seu coração. Angelos era o dono de Manorfield e tudo que havia ali, especialmente o Solar. Ia querer viver ali agora, fazer do lugar a sua casa, assumir sua posição como já havia começado, usando o estúdio de Marty a menos de 24 horas de sua chegada. E, com ele ali, não havia lugar para ela. – Está tudo bem – replicou formal através dos lábios rijos e insensíveis como madeira, que ela lutava para impedi-los de tremer. – Não vou dificultar as coisas para você. Sei que me quer longe daqui. – Eu? – Bem, é óbvio... Esta é a sua... sua casa agora... e você não vai querer que eu viva aqui. Mas se pudesse me dar um dia ou dois... até eu arrumar outro lugar... – Sua voz falhou, reduzindo-se a um simples murmúrio ao vê-lo sacudir a cabeça em uma negativa inflexível. – Não. – Não? Nem apenas 24 horas? – A cabeça de Jessica girava em pânico só de pensar. Para onde iria? O que faria? Mas o que mais poderia esperar? Afinal, não fora a responsável por fazê-lo ficar sem um lar anos atrás? – E...? – ela começou, mas Angelos fez um gesto, silenciando-a. – Seja o que for que pensa de mim, não sou tão insensível a ponto de jogá-la na rua na manhã seguinte ao funeral do seu padrasto. – Ele sorveu um gole de café, fazendo careta quando o provou. – Eu disse que precisávamos conversar e se não quiser se sentar em outro lugar eu quero. Este café está esfriando rápido demais e gostaria de poder relaxar e desfrutá-lo. Não havia nenhuma chance de Jessica relaxar. Afinal, seu futuro estava em jogo, disse a si mesma, quando Angelos começou a deixar a cozinha. Mas não havia outra opção a não ser segui-lo. Ele a conduziu pelo corredor, através da grande sala de estar e entrou no enorme jardim de inverno vitoriano. Em contraste com o aguaceiro do dia anterior, o recinto se encontrava banhado pela luz suave do sol, fazendo a visão através das janelas parecer ainda mais deslumbrante que o habitual. Longos gramados verdes se estendiam a partir da casa, atravessavam a luxuriante vegetação, até onde as águas serenas do lago refletiam o brilho do sol. Era a visão panorâmica favorita de Jessica. Uma das coisas das quais sentiria mais falta, reconheceu com o coração partido. Quando deixasse Manorfield jamais a veria novamente. – Gostaria de se sentar? Angelos estava de pé atrás dela. Quase podia sentir o calor do seu corpo másculo. O perfume fresco de limão que sentira antes inundou suas narinas, e Jessica precisou lutar contra a necessidade de inalar profundamente para absorvê-lo mais. – Estou bem de pé, obrigada. Com extrema concentração, manteve os olhos fixos na paisagem, até sentir a vista embaralhar os matizes.


– Não me sinto bem falando com você de costas para mim. – Com um movimento súbito, Angelos deu uma volta e se posicionou entre ela e a janela, o físico alto bloqueava sua visão. – Não tenho obrigação de fazer isso, Jessica. Estou tentando ser justo. – Justo? Chama de justiça tirar a minha casa, o meu... Ouça, vamos parar com essa conversa e ser mais objetivos. Quando quer que eu saia daqui? – Eu disse que queria? A pergunta era clara e deliberadamente provocativa e ela não se preocupou em respondê-la, dirigindo-lhe apenas um olhar exasperado. – Quanto tempo eu tenho? – De quanto tempo precisa? – Quer parar de me atormentar? Ambos sabemos que você não queria dizer isso... – Por que diabos acha que eu não quis dizer isso? – Angelos pousou a xícara de café com força no batente da janela, alheio ao fato de o líquido marrom espirrar sobre a pintura branca. – O que teria a ganhar me comportando desse modo? A nota de sinceridade na voz dele a chocou, fazendo-a olhar diretamente para aqueles olhos escuros que se prenderam ao azul dos seus. O que estava acontecendo ali? Seria de fato possível que ele estivesse sendo amável? – Eu... posso ficar? – Até encontrar um lugar para viver. – Está falando sério? – Choque e descrença quase a impediam de pronunciar as palavras. – A casa é grande, princesa. Você poderia viver em uma ala e eu na outra e, provavelmente, poderemos passar até uma semana sem nos vermos. Acho que posso aguentar sua presença pelo menos durante algum tempo. A menos que... – A menos que o quê? Jessica não sabia se era pelo fato de Angelos ter usado o termo “princesa” ou o tom triunfante e possessivo em sua voz que deu nova vida às chamas de raiva que a inesperada concessão permitiu diminuir brevemente. Mas algo a afligiu, a alertou para não se enganar, que as coisas não podiam ser tão fáceis assim. Estava falando do Anjo Negro. O homem que um dia jurara que a faria viver para lamentar o modo como havia se comportado e que agora estava de volta, com intenção de cumprir tal promessa. – Você trabalha? – perguntou Angelos de repente, desconcertando-a totalmente com a mudança abrupta de assunto. – Costumava trabalhar com Marty na propriedade. Ele estava me treinando... – A voz tremeu e morreu, incapaz de completar a frase. Lembrou-se dos anos de trabalho com o padrasto, aprendendo, planejando, sonhando com o dia que poderia provar a Marty que era capaz de assumir a administração da propriedade e fazer um bom trabalho. – Então o que fará para se manter... para pagar acomodações? Seu noivo a sustentará? Angelos conseguira mais uma vez, advertiu-se Jessica, usando o pretexto para pousar a xícara de café intacta no batente da janela como desculpa para desviar o olhar daquele frio escrutínio e esconder o embaraço. Como ele conseguia fazer aquilo? Como era capaz de controlar os pensamentos dela, fazendo-a concentrar-se exclusivamente nele? Apenas no aqui e agora, distraindo-a a ponto de fazê-la perder a


capacidade de pensar em qualquer outra coisa? Até mesmo em Chris. Até no homem com quem iria se casar dentro de um mês. E então, quando ela se encontrava desnorteada e seus pensamentos se desviavam para caminhos inteiramente diferentes, ele a fazia lembrar-se do noivo. Um banho de água fria que a deixava com um terrível sentimento de culpa e vergonha. – Claro que sim! Nós vamos nos casar. A declaração saiu em tom alto e exasperado. Não conseguiu evitar pensar no quanto Chris era impulsionado por dinheiro, como seu pequeno negócio lutava para se firmar, como seu limite se encontrava totalmente descoberto. E o último verão, com suas chuvas torrenciais que causaram enchentes, agravara muito os seus problemas. – Então você não precisa que eu lhe ofereça um emprego? – Bem – Jessica meneou a cabeça incapaz de acreditar no que estava ouvindo. – Por que você me ofereceria um emprego? – O que você acha? Ele não se moveu um centímetro. Mesmo assim, ela sentiu como se seu espaço tivesse sido invadido. O calor que aquele homem emanava e seu perfume, sua aura, pareciam envolvê-la. A essência masculina penetrava-lhe nos pulmões, ressecando sua garganta e fazendo seus lábios se contraírem como um convite tácito. Foi quando viu aqueles olhos negros e brilhantes se focalizarem em sua boca que Jessica soube que estava em apuros. – Eu não posso... – murmurou. Mas as palavras morreram em sua garganta, quando Angelos ergueu a cabeça e a fitou diretamente nos olhos. – Não quero que vá embora. Foi o fato de acreditar naquelas palavras que a fez lutar para respirar. – Angelos... – Não, Jessica... – Ele calou seus protestos com a mesma facilidade com que teria se livrado de um inseto que o importunava. – Não tente fingir que não sabe do que estou falando. Ambos sabemos que existe algo mal resolvido entre nós. Coisas que jamais chegamos a dizer... Um desejo que jamais ousamos saciar. – Mas... Ele não a estava tocando. No entanto, Jessica sentia todos os nervos de seu corpo vibrando. Não a estava beijando. Sua boca, porém, sentia o toque macio dos lábios masculinos e o calor de sua respiração. Quase podia sentir seu gosto. Haviam se beijado apenas uma vez, muito tempo atrás. Ainda assim, naquele instante, era como se tivesse acontecido no dia anterior... uma hora antes... há um segundo. Tinha a garganta tão seca, que mal podia engolir e o coração parecia querer sair do peito. Inspirou profundamente, antes de tentar forçar as palavras a saírem de sua boca. – Achei que não gostasse de se envolver com menininhas. A mão forte a alcançou, tocando-lhe a face. O contato era tão superficial, tão leve e ainda assim roubou-lhe toda cor. – Tenho duas coisas a lhe dizer – ele murmurou. – Em primeiro lugar, você não é mais uma criança. Ambos sabemos disso. E, em segundo lugar, definitivamente não estou brincando.


– Então... então preciso lembrá-lo de que estou noiva e prestes a me casar. – E preciso lhe dizer que não ligo a mínima para isso. E você? Nenhuma mulher que olhava para um homem daquele modo podia estar pensando ao mesmo tempo no noivo, convenceu-se Angelos. Mas sabia que Jessica estava assustada demais para admitir tal coisa. Agora sabia por que evitara beijá-la quando se sentira tentado momentos antes. Porque imaginara que o desejo de reagir quando ambos estavam irritados seria um erro. Queria que Jessica soubesse que ele era o homem que a estava abraçando, beijando, o homem que ela queria beijar. E ela queria. Não importava o quanto protestasse, o quanto o menosprezasse, estava escrito em seus olhos, em sua face, em cada polegada da linguagem do seu corpo. – É óbvio que me importo! – ela respondeu furiosa. – Estou comprometida. – Ela sacudiu a mão na face dele, com os dedos abertos de modo a exibir nitidamente o anel em seu dedo anular. Um anel simples com apenas um diamante minúsculo, reparou Angelos. Uma pedra vil, insignificante, não o tipo de anel que ele daria à mulher que amava e com quem queria se casar. Isso se um dia conhecesse uma mulher que o fizesse passar o resto da vida a seu lado. No momento, havia várias, bonitas, sensuais, muitas mulheres disponíveis no mundo para pensar em se amarrar. Mulheres como a que tinha a sua frente. As quais poderia desfrutar enquanto a paixão ardesse e depois abandoná-las, com o coração livre. – Comprometida e de casamento marcado – repetiu Jessica com ênfase. – E se isso não significa nada para você, significa muito para mim. Ao encará-la, Angelos percebeu um brilho de indignação queimando nos olhos azuis. O queixo erguido em desafio revelava o que ela tentava esconder. Mas também notou o tremor lânguido nos lábios macios e cheios, o modo como pestanejava e desviava o olhar. – Mas isso significa tanto assim para você? – Claro... – começou furiosa, mas as palavras morreram quando ele lhe segurou a mão que se agitava de modo selvagem entre eles. – Claro – repetiu Angelos, expressando todo o ceticismo que sentia nas palavras. – Sabemos que está comprometida com Chris aqui... – disse, pegando-lhe a mão e levando-a aos lábios, onde beijou o dedo anular que ostentava o anel de noivado. – E talvez esteja comprometida aqui... – Dessa vez ele roçou os lábios em sua testa, deslizando pela pele lisa, tocando-a, acariciando-a, provando-a. O sabor da carne tenra fez sua língua formigar e uma onda quente de desejo o invadiu. Sentiu a luxúria tomar seu corpo ao ver como Jessica fechou os olhos por um breve momento e os forçou a abrir novamente. O esforço que ela estava fazendo fez seu físico esbelto tremer e ele pôde perceber o modo como ela balançava, aproximando-se e recuando, lutando para se conter. – Mas está comprometida aqui? – perguntou tocando-lhe o tórax, próximo ao coração, e sentiu o tremor em resposta que ela não pôde evitar, embora os dedos dele só estivessem sobre o tecido da blusa, não estabelecendo um contato direto com sua pele. – Está verdadeiramente comprometida? Angelos esperou que Jessica reagisse, esbofeteando sua mão ou face. Mesmo assim valeria a pena, disse a si mesmo. Mas ficou desapontado quando ouviu apenas o ruído da respiração dela assobiar nitidamente entre os dentes comprimidos e ela fechar a boca para não proferir o que estava a ponto de dizer. – Nada a comentar, princesa?


A boca sensual se contraiu para reprimir o sorriso que quase apareceu em seus lábios ao ver o olhar fulminante que ela lhe lançou. Furiosa, Jessica tentou livrar o pulso, mas suas ações eram impotentes contra a força daquele homem. – Vamos fazer um teste – ele murmurou, baixando a cabeça devagar, os olhos negros fixos nos dela. Poderia esbofetear aquele rosto, disse Jessica a si mesma. Sentia-se tentada. Seus dedos formigavam de vontade e talvez com um golpe rápido acertasse a face arrogante e triunfante de Angelos. Mas sabia que era isso que ele estava esperando e então decidiu não fazer. Esperava que ela se apavorasse, que lutasse. E agindo dessa forma, revelaria o quanto ele a estava afetando. E preferiria morrer a admitir isso. Então, o deixaria beijá-la porque era esse obviamente o plano dele. Ficaria imóvel, bem imóvel. Deixá-lo-ia fazer o que quisesse. E permaneceria totalmente indiferente. E quando o beijo terminasse, esfregaria as costas da mão na boca para limpar, sorriria e lhe diria fria e calmamente: Viu? É por este motivo que estou comprometida com Chris. Porque não existe outro homem para mim. E assim se deixou ficar imóvel e controlada. Forçou as pernas a permanecerem no lugar. O calafrio que percorreu todos os seus nervos deveria tê-la advertido. Mas estava determinada a não deixar que nada pudesse debilitar a resolução que tinha em mente. Então o repeliu, forçando-se a se concentrar em como poderia mostrar ao Anjo Negro o quão pouco ele significava para ela. E incrementaria sua vingança pessoal dizendo-lhe: Angelos, não se iluda. Não me envolvo com homens mais velhos... No entanto quando a boca morna roçou a sua, as palavras que havia planejado, a voz com a qual as diria, a altivez que adotaria, tudo se evaporou em uma densa neblina, à medida que sua mente parou de funcionar e a parte sensual e puramente feminina do seu cérebro assumiu o controle. A gentileza era inesperada, assim como o modo sereno e suave como ele tocou-lhe a boca. Imaginara que Angelos usaria aquele beijo para estampar seu poder sobre ela, para lhe mostrar como um homem de verdade beijava, o tipo de homem que ela encontraria nele e, evidentemente, não em Chris. Mas aquele homem não estava tomando nada. Em vez disso estava dando, provocando, atraindo. Ele a estava estimulando, despertando-a, avivando um desejo que jamais poderia julgar sentir. – Jessica... A última vez em que o beijara, quando praticamente se atirara em seus braços, exigindo sua atenção, querendo que ele a abraçasse, não passava de uma adolescente, pouco mais que uma criança. Conhecia poucos homens e nenhum deles intimamente. Havia se comportado como uma criança, beijado como uma criança, tomando-lhe desajeitadamente a boca. Dessa vez era diferente. Agora, a carícia era lenta e sedutora, os lábios de Angelos movendo-se sobre os seus, a língua explorando-os, forçando-os a se entreabrir para ele. Sua boca tinha o sabor do café que havia ingerido e o seu próprio gosto que continha uma essência da qual ela jamais se saciaria. E, dessa vez, Jessica se viu correspondendo com paixão. Correspondia ao seu beijo como mulher, adulta e sexualmente madura. Seu coração batia descompassado, a pulsação latejava em sua cabeça e orelhas e bem no fundo dela algo estava florescendo, algo que jamais vivenciara antes. Um desejo tão intenso e poderoso que não havia modo de contê-lo. – Angelos... Quando a ouviu suspirar seu nome, ele deu um passo instintivo adiante, movendo-se cegamente, porque havia fechado os olhos ao encostar os lábios nos dela e Jessica fizera o mesmo, para desfrutar melhor as sensações que a envolviam. Mas precisava se aproximar para experimentar um pouco mais,


sentir o calor daquele corpo másculo de encontro ao seu, sentir aqueles braços fortes se fecharem ao seu redor como não acontecera naquela noite, tempos atrás, quando tomara a iniciativa de beijá-lo e ele hesitou surpreso, repelindo-a em seguida. Agora não havia hesitação ou restrição. Dessa vez, quando deu um passo à frente, braços musculosos e poderosos a envolveram e puxaram. Os seios se esmagaram de encontro à parede dura do tórax largo de Angelos, os quadris contra a pelve, de forma que pôde sentir o calor e rigidez da sua ereção, pressionando a suavidade do seu ventre. Quando isso acontecera, sete anos atrás, ficara assustada e soubera que ele havia mentido ao lhe dizer não que não tinha interesse nela. Mas ao mesmo tempo, ingênua e inocente, sem saber o que significava ser de fato desejada por um homem maduro, lutara para não se apavorar e se afastar. Dessa vez, queria se aproximar mais, desfrutar das sensações que inflamavam seu corpo. As mãos fortes de Angelos acariciaram suas costas, os ombros, a cintura, a curva dos quadris, puxando-a de encontro ao corpo. Ao mesmo tempo, ele aprofundou a intimidade do beijo, explorando o interior macio e úmido de sua boca. Entretanto a fome que aquele homem lhe despertou, a palpitação ardente em suas entranhas exigia mais. Muito mais. Abrindo os braços, enlaçou-o pelo pescoço, baixando-lhe a cabeça em sua direção, enquanto os dedos penetraram na seda preta daqueles cabelos. Um sorriso se formou sob a pressão dos lábios de Angelos, e Jessica ouviu o gemido primitivo que ele deixou escapar e a pressão quente daquelas mãos fortes se tornar mais intensa. Entretanto ela ainda queria mais, precisava de mais. Queria... Seus pensamentos foram despedaçados quando o som da campainha quebrou o silêncio da manhã. O coração de Jessica disparou, sua mente se sacudiu chocada e, apenas por um momento, soube pela respiração de Angelos, sua tranquilidade súbita e total, que também ouvira o som e o modo como aquilo havia mudado o seu humor abruptamente. Mas apenas por um momento. Um segundo depois, ele encolhera os ombros descartando a interrupção não desejada com um movimento de cabeça. Cuidadosa e deliberadamente, pressionou a boca de novo, exigindo retribuição da parte dela. – Deixe tocar – ele murmurou. – Temos coisas mais importantes para considerar – dizendo isso, beijou-a, dessa vez com mais paixão. Jessica queria obedecer. Queria continuar beijando-o. Desejava segui-lo, mergulhar de volta naquele torpor que a deixou cega, surda e alheia a qualquer outra coisa, querendo apenas sentir aquela boca na sua, as mãos fortes a acariciando, o corpo másculo excitado pressionando-a. Mas, ter voltado à realidade, mesmo sendo apenas por um segundo, fez alguma coisa importunar seus pensamentos e uma minúscula voz de advertência lhe dizia que havia algo errado. Algo sobre o qual deveria refletir. Contudo, quando a língua de Angelos atiçou seus lábios novamente e a mão ousada localizou as zonas erógenas do seu corpo, ela não conseguiu pensar em mais nada. A verdade era que não queria pensar, só queria... A campainha voltou a tocar, mais insistente dessa vez. A realidade fria fragmentou a neblina sensual que a envolvia. Enrijecendo nos braços de Angelos, afastou-se e o empurrou, mas ele não a libertou, em vez disso apertou-a com mais força. – Deixe-me. Eu disse deixe-me... Tenho de... – Deixe tocar – ele ordenou, mas a luta frenética de Jessica o fizera afrouxar o aperto. – Não posso... tenho de... Angelos... não!


Um último puxão e conseguiu se livrar. Tropeçando em uma cadeira, quase caiu, mas se equilibrou desajeitadamente. – Deixe tocar – ele repetiu, num tom áspero e sonoro, mas ela não conseguiu ouvi-lo. – Tenho de atender. Sem ousar encará-lo, receosa pela raiva e a fúria que veria em sua face, Jessica girou nos calcanhares, em direção à porta. Ao se aproximar da pesada porta de madeira, parou para conferir sua aparência. Com movimentos apressados, fez algumas tentativas frenéticas de melhorar o aspecto dos cabelos, alisando-os com a mão. O homem do lado de fora estava prestes a tocar novamente, quando a porta se abriu. Era um sujeito de estatura mediana, com vastos cabelos, que a olhou surpreso. O cérebro de Jessica parecia ter saído de foco e ela mal podia vê-lo, entretanto tinha o sentimento terrível de que devia... – Jess? – a voz era confusa, interrogativa. – Você está bem? E foi o som do seu nome que a trouxe de volta ao mundo real, parecendo atingir-lhe a face como um balde de água fria, arrastando-a para longe do delírio sensual em que estava envolvida. Só uma pessoa no mundo a chamava de Jess, apesar de seus constantes protestos de que preferia a versão completa do seu nome. – Chris... – proferiu em meio a um suspiro. – Sinto muito... Eu... Santo Deus, não! Como podia admitir que momentos depois de ter aberto a porta nem o reconhecera? Como Angelos conseguira embaralhar seu cérebro tão completamente com um beijo que nem fora capaz de reconhecer o próprio noivo? – Eu... eu estava ocupada e não ouvi a campainha... – balbuciou, odiando ter de mentir, odiando Angelos por tê-la deixado naquela situação. Odiando o modo como de repente sentia como se o noivo fosse um estranho para ela, alguém que ela não conhecia, que não pertencia ao seu mundo. Sentiu-se culpada por ter permitido que Angelos a beijasse. E aquilo não havia significado nada para ele. Deixara isso bem claro desde o início... “Vamos fazer um teste”, ele dissera, desafiando a afirmação dela de que amava o noivo. E pensar que estava tão confiante que poderia passar por qualquer teste que ele exigisse. Em vez disso, caíra nas mãos dele como uma ameixa madura pronta para ser colhida. Angelos havia preparado sua armadilha com cuidado e não escondeu isso, mas ela fora capturada como uma tola ingênua e desatenta. Sentia-se suja, corrompida, culpada. Mais uma vez parecia que a influência maligna do Anjo Negro se propagara para invadir seu mundo e destruir tudo de bom que havia nele.


CAPÍTULO 5

O SOL já havia desaparecido no horizonte quando Jessica por fim voltou para casa. De volta ao Solar, forçou-se a corrigir o pensamento com uma pontada dolorosa no coração. Aquela casa já não era mais sua e jamais voltaria a ser. Como poderia chamá-la de casa?, desejou saber ao cruzar o piso de madeira polido do corredor, deixando a grande porta de carvalho bater com um estrondo ressonante. Pouco se importava que o barulho perturbasse Angelos ou que o distraísse dos planos que estava fazendo para gerir a propriedade no futuro. O som pesado, ecoante e quase sepulcral combinava com seu humor azedo e as profundidades da sua nova falta de esperança. Não imaginara que o dia pudesse ser pior, mas estava enganada. Na realidade, piorava a cada momento que passava e agora não tinha ideia de que caminho tomar ou onde acabaria parando. O futuro se estendia a sua frente como um túnel longo e escuro, sem nenhuma perspectiva de luz no final. – Você demorou. Jessica já esperava que Angelos viesse se queixar do barulho, mas não imaginou que ele aparecesse junto à entrada da biblioteca, com sua silhueta bronzeada e poderosa de encontro à luz, repreendendoa pela demora. E, o que era pior, num tom crítico e reprovador como se fosse seu pai. Mais que um pai, refletiu. Marty jamais falara com ela naquele tom. – Para ser precisa, estive fora o dia todo e isso não é da sua conta. Se o seu intuito fora aborrecê-lo, não teve êxito. Não podia ver a expressão na face sombreada de Angelos, mas sua voz parecia tranquila quando ele respondeu. – Não sabia se planejava voltar para o jantar ou não, então pedi à sra. Henderson que guardasse algo para você comer. Já jantou? – Estou bem, obrigada. Jessica se forçou a dizer aquilo, entretanto a verdade era que não comia nada desde a noite anterior, percebeu numa onda de choque. Deixara a casa sem o desjejum e depois, do jeito como as coisas se desenrolaram, não sentira vontade de colocar nada na boca. Angelos havia trocado de roupa. Não usava mais o traje casual daquela manhã. Agora vestia uma camisa branca, calça comprida preta e um casaco que se ajustava com perfeição a sua constituição forte.


A indumentária mais formal pegou-a de surpresa, fazendo-a desejar saber se ele estava esperando alguém e, nesse caso, quem? – O namorado não veio com você? Angelos apoiou um dos ombros contra o batente da porta enquanto falava, relaxando para conversar e do mesmo modo, obviamente, determinado a não deixá-la sozinha como ela desejava. – Noivo – corrigiu Jessica automaticamente, lutando contra o suspiro de pesar que quase deixou escapar. O terrível sentimento de traição era muito recente, muito doloroso para permitir que ela revelasse algo ao Anjo Negro. – E, não, ele não veio comigo. Pensei que não seria apropriado trazê-lo aqui sem a sua permissão. Afinal, a casa é sua. – Você não precisa da minha permissão. Eu teria curiosidade em conhecê-lo. A ênfase deliberada na palavra curiosidade repercutiu na mente de Jessica, mas quando ela se virou para encará-lo, a expressão de Angelos parecia insípida e pouco reveladora. – Acho que isso não acontecerá por um bom tempo. Não o convidarei para vir aqui. – E vai se casar em breve. Quanto tempo falta para o casamento? – Um mês. Jessica precisou forçar as palavras a saírem. O casamento era esperado exatamente para dali a um mês. Estava tão entusiasmada, tão feliz quando o planejara! O futuro parecia luminoso, cheio de promessas. Agora simplesmente parecia como se tivesse empilhado dominós para o destino vir e derrubá-los. Primeiro Marty, depois Manorfield e agora... – O sr. Atkinson não era o que eu esperava. – Ficou me espionando, é? Aquilo era um brado de indignação, pelo menos rezou para que ele entendesse dessa maneira. A verdade era que odiava se lembrar daqueles olhos escuros, olhos sábios, observando a saudação desajeitada que ela retribuiu a Chris, o esforço que fizera para recuperar a compostura, depois do beijo que haviam trocado e que lhe derretera o cérebro. Podia imaginar a satisfação que ele sentiu ao vê-la embaraçada, tropeçando nas palavras. “Mas está noiva aqui...?”, foram as palavras de Angelos, tocando-a no coração. E isso fora antes de têla beijado. O que teria lido na sua face, nos seus olhos, que o fez pensar algo diferente? – Não fiquei espionando. – Angelos demorou e a nota lânguida de divertimento em sua voz a feriu com escárnio deliberado. – As janelas laterais do jardim de inverno dão vista para o pátio. Não pude deixar de ver. – E o que você esperava? – Não a figura de um pai de meia-idade, sem dúvida! – Ele não tem a figura de um pai! E não é de meia-idade! Ele é... ele é... – Jessica não foi capaz de concluir. A lembrança da face de Chris e suas palavras amargas destruíram sua habilidade de pensar, de falar. – Ele é o quê? – desafiou Angelos, não deixando dúvida de que percebera a hesitação em sua voz e estava mirando diretamente na fenda de sua armadura emocional que ele acreditava ter descoberto. Se ao menos ele soubesse. Se ao menos percebesse que não havia necessidade de atacar. – Ele não é como você! – ela vociferou, não se preocupando se evitava a verdade ou proferia uma mentira. Só sabia que estava farta de Angelos, de suas perguntas e do seu cinismo.


Exausta, tudo que queria era subir e se recolher no recesso sacrossanto do seu quarto. Embora não fosse mais o refúgio que imaginava ser. Nem era mais seu. Pertencia a Angelos e, a despeito da oferta que lhe fizera aquela manhã, não achava de fato que ele estivesse preparado para deixá-la ficar mais tempo do que o necessário para encontrar outro lugar para viver. E, depois do que acontecera, isso seria muito mais difícil do que havia imaginado. Entretanto Angelos se moveu ao lhe fazer aquela última pergunta, de forma que agora se encontrava entre ela e a grande escadaria que conduzia ao andar superior. Para escapar, teria de passar por ele e, naquele momento, o homem parecia tão atraente e perigoso quanto um tigre faminto, esperando sua presa se aproximar o suficiente. – Na realidade, ele é exatamente o oposto... Ele é... – Jessica não conseguia pensar no que dizer, como se as palavras estivessem enroscadas em um nó na base da sua garganta, ameaçando sufocá-la. Ele é amável, honesto e totalmente correto, era o que deveria ter sido capaz de dizer! Era o que devia ter jogado na cara de Angelos naquela manhã e teria acreditado estar dizendo a verdade. No entanto aquela tarde lhe mostrara que tudo aquilo não passava de mentira. Que o amor que acreditara que Chris lhe devotava não passava de um estratagema cinicamente calculado para conseguir o que queria, usando-a como pretexto. – Preciso de uma bebida. Com a cabeça baixa, lágrimas amargas inundando seus olhos, Jessica passou pela figura alerta de Angelos, dirigindo-se à sala de estar e cruzando o recinto até o gabinete repleto com uma seleção dos vinhos favoritos de Marty. Havia uma garrafa aberta. Ela encheu um copo e o levou aos lábios, ao mesmo tempo em que Angelos apareceu na entrada. Ao se lembrar da sua posição atual naquela casa, a realidade lhe deu outro tapa duro na face. – Oh, sinto muito... – O sarcasmo do tom acabou com toda justificativa que havia nas palavras. – Suponho que deveria ter pedido permissão... Angelos encolheu os ombros diante da declaração desafiante de Jessica. – Fique à vontade. Era o vinho do seu padrasto. – Posso pagar se quiser. – Oh, agora está sendo ridícula! Como lhe disse esta manhã, pode ficar aqui o tempo que for necessário até resolver sua vida. O que suponho que será quando se tornar a sra. Christopher Atkinson. Jessica murmurou um som inarticulado que Angelos poderia interpretar como quisesse. Mas outro pensamento causou-lhe certo desconforto. – Como descobriu o nome dele? – Mexi meus pauzinhos para descobrir. Além do mais, acha que Peters ou a sra. Henderson não me puseram a par de todos os detalhes sobre o seu futuro marido? Deram-me a entender que ele é considerado um excelente partido. A observação fez Jessica tomar outro prolongado gole de vinho. Toda a propriedade de Manorfield e as aldeias aguardavam pelo casamento e Marty convidara tantas pessoas quanto possível para comparecer ao evento. Embora agora fosse forçada a considerar como ele planejava pagar tudo aquilo. Talvez imaginasse que o dinheiro de Angelos seria o suficiente. Ou talvez esperasse conseguir dinheiro através de outras fontes. Parecia que o padrasto não apostava apenas em cavalos. – É por isso que eu... – Ela não foi capaz de concluir a frase.


Para tanto teria de mentir. E não podia admitir que o casamento não se realizaria mais. Que todos os seus planos haviam sido construídos com base em uma mentira. Então comprimiu os lábios ao redor do copo, pretendendo beber um pouco mais de vinho. – É por isso que está se casando com ele – concluiu Angelos. – Não, você está se casando com Chris porque ele é o oposto de mim. Ouvi-lo dizer aquilo num tom de cinismo fez Jessica tremer por dentro. De repente, aquelas palavras, declaradas em um momento de raiva, para fazê-lo calar-se, pareciam voltar para ela com um timbre mais afiado. Recordando tudo que gostava em Chris, não pôde deixar de compará-lo com Angelos e imaginar... Impossível... Era ridículo. Não era verdade. Não desperdiçaria nem mais um momento pensando nisso. – Bem, não ia querer que eu dissesse que me apaixonei por Chris porque ele é igual a você, não é? – Não acharia difícil de acreditar. A arrogância ultrajante da declaração a fez suspirar irritada. – Oh, seu porco vaidoso! De fato pensa que toda mulher que encontra acha que o sol não brilha sem você? Não acredita que possa haver uma mulher em algum lugar que não o ache sexy? – Você? – Sim, eu! Não entende que eu... O que foi? – ela exigiu quando Angelos meneou a cabeça, rejeitando o que ela estava dizendo. – Jamais acreditarei quando afirma não haver nada entre nós. Não depois do modo como se atirou em meus braços. – Eu era jovem! E um bocado estúpida. – E o que aconteceu esta manhã? – O que aconteceu esta manhã... – Os dedos de Jessica se encresparam ao redor do copo, enquanto ela lutava contra o impulso de lançar o conteúdo na face triunfante de Angelos. – Foi um erro... um grande erro. Não significou nada. – Nada? Perdoe-me se não acredito em você. – Não significou nada, nada. Como poderia significar qualquer coisa se eu o detesto, se faz minha pele fervilhar de raiva quando me toca? – O que é isso, Jessica? Toda essa raiva, toda essa fúria, apenas porque não herdou Manorfield. Tudo isso porque não conseguiu o que estava pretendendo. – Não é por causa disso. Angelos a estava fazendo se sentir gananciosa e mercenária, como se só o dinheiro e a casa importassem para ela. – Tenho certeza de que não vai entender, mas com Marty encontrei uma família, um lugar ao qual pertencia. – Oh, entendo... mais do que você pensa. – Então deveria entender que não é apenas porque você possui a casa, é porque você tem tudo... tudo. E eu fiquei sem nada. – Tem o seu noivo, a vida que planeja viver com ele. Ainda lhe restou isso. Creio que o “oposto de mim” não ficaria feliz em ser descrito como nada. – Ele não dá a mínima para isso! – Com raiva e ferida, precisando desabafar, Jessica não prestou atenção ao que estava dizendo. Na verdade, nem sabia que palavras proferiria até escapulirem de seus


lábios bem alto, parecendo crepitar e reluzir na escuridão entre os dois. – Ele está pouco se importando! Aliás, nem virá mais aqui a partir de amanhã! Em vez disso, vai... vai... Ao ouvir de repente o que estava revelando ao Anjo Negro, que já lhe tomara coisas demais, congelou, incapaz de prosseguir. – Ele vai o quê, Jessica? – perguntou Angelos quando o silêncio pesou entre ambos. Entretanto ela não pôde responder. Suas cordas vocais pareciam presas, não conseguia abrir a boca ou engolir, sequer emitir um único som. – Jessica... – A voz de Angelos continha uma nota baixa de advertência. Então, quando ela permaneceu calada, ele foi até um interruptor e acendeu a luz, revelando a palidez da pele feminina. – Conte-me. – Não! Uma vez mais Jessica sacudiu a cabeça, obstinada, evitando encará-lo. – Conte-me, eu... Angelos falou num tom totalmente autocrático, inteiramente seguro de que seria obedecido. Bem, ele podia lhe dar a ordem que quisesse. Todos podiam correr para obedecê-lo, providenciar tudo que quisesse, mas ela não. Não lhe revelaria nada. Nunca. Aquele homem já lhe tomara coisas demais. – Jessica... Para seu horror, a voz dele soou próxima. Muito próxima. Angelos se movera tão sorrateiramente que ela não o ouvira e, agora estava ali, alto, moreno e poderoso. Pelo canto do olho podia ver o preto sedoso do seu casaco, o algodão branco imaculado da camisa, o cinto de couro ao redor da cintura estreita. Após deixar Chris, caminhara quilômetros sem rumo. Perambulara por horas pelas colinas, pelos bosques, só retornando quando estava cansada demais para continuar. Suas roupas exibiam sinais inconfundíveis de todas as horas que havia ficado fora. Os sapatos enlameados, a blusa amassada e a calça comprida com manchas de umidade. – Onde estará seu noivo, amanhã? – A voz de Angelos soava tão suave como ela nunca ouvira antes. Parecia uma pessoa completamente diferente, alguém que ela não conhecia. – O que aconteceu? O que a transtornou? E, enquanto falava, o Anjo Negro se aproximou e a tocou com tanta suavidade, que, se não fosse pelo calor daquela palma sobre a manga da sua camisa, mal saberia que ele estava lá. – Conte-me... Você tem de desabafar com alguém. Se Angelos não a tivesse tocado, teria ficado firme. Poderia conter seus sentimentos, manter as emoções sob controle. E, então, poderia ter se virado e lhe dito que não queria dizer nada, que aquele assunto não era da conta dele. Poderia até ter deixado a sala, com a cabeça erguida e a dignidade intacta. Mas ele tocou. E a gentileza, juntamente com a suavidade daquela voz, minou seu autocontrole. – Chris... Chris não é mais meu noivo – confessou Jessica, a voz tremendo um pouco enquanto ela forçava as palavras a saírem. E enquanto falava, ergueu a cabeça e encarou aqueles olhos escuros, onde podia se ver refletida, ridiculamente pequena e perdida em um mundo desconhecido. – Ele desmanchou o noivado? Não por causa do... – Não. Não contei nada a ele sobre o que aconteceu – cortou Jessica, antes que ele pudesse dizer algo mais sobre o modo como a havia beijado e como ela correspondera. Só de pensar naquilo, sentiu-se


confusa, como se tivesse queimado um fusível em sua mente e não pudesse mais pensar direito. – Isso teria sido mais fácil. Mas foi muito pior. A pressão do aperto em seu braço aumentou por um momento, então aliviou mais uma vez. – Como? E, naquele momento, embora ainda estivesse contemplando a face de Angelos, não era o seu olhar escuro que se prendia ao dela, mas os olhos azul-cinzentos de Chris que via diante de si. O olhar frio que uma vez julgara sereno, até mesmo suave, mas que naquele dia o vira ficar mais frio e mais distante a cada palavra que dissera. No final pareciam os olhos de um estranho. – Ele desmanchou nosso noivado... Jessica sabia ter dito aquilo antes e esperou algum tipo de comentário seco sobre o fato, mas Angelos simplesmente assentiu com a cabeça e aguardou, sem deixar de fitá-la nos olhos. E, de alguma forma, foi aquele silêncio e quietude que lhe deram coragem de respirar fundo e continuar. – Ele... ele disse que ouviu rumores que algo estava acontecendo... A aldeia está zumbindo com sua chegada e Chris queria saber quem era você e por que estava aqui. Aparentemente, as pessoas não falam em outra coisa. – Ela deu um meio sorriso e observou a boca sensual de Angelos se curvar em resposta. Mas mesmo assim ele permaneceu calado, apenas esperando que ela continuasse. – É claro que tive de contar sobre o testamento de Marty... e o jogo... Como ele perdeu tudo e você o ajudou. – A cada momento se tornava mais difícil falar. Em sua mente, Jessica podia ver como a face de Chris havia mudado, o modo como toda a luz se esvaíra dos olhos e seu corpo inteiro enrijecera. – Ele quis saber o que isso significava para nós... para mim. E quando descobriu que eu não herdaria mais nada, que não haveria mais dinheiro, casa... Foi quando... – Ele estava se casando com você apenas pelo seu dinheiro. Aquilo fora uma declaração cruel, não uma pergunta, mas ainda assim Jessica se viu assentindo com a cabeça, as palavras começaram a sair de repente de modo desenfreado, porque agora tinha de acabar de contar a história. Por mais vil e sórdida que pudesse parecer. – Os negócios dele não vinham bem há algum tempo. Eu sabia que ele estava com dificuldades, mas não tinha noção da gravidade. Ou do quanto estava endividado. – Outro riso trêmulo escapou de seus lábios. – Parece que essa é a história da minha vida agora. Primeiro Marty, depois Chr... – Dizer o nome do ex-noivo estava além das suas forças e a voz falhou. – Acho... – murmurou após respirar fundo – ... que, aparentemente, a única atração que ele sentia por mim era o fato de eu ser a enteada e provável herdeira de Marty. E até isso acontecer, estava certo de que, uma vez casados, Marty não deixaria os negócios de meu marido afundarem. Era por isso que tinha pressa em se casar. Precisava colocar uma aliança no meu dedo antes que os credores o pressionassem. E pensei que ele mal pudesse esperar para se casar comigo. Que estivesse desesperado para me ter a seu lado, na sua cam... – A humilhação a impediu de finalizar as palavras. Entretanto parecia que Angelos não precisava ouvir aquilo. A mente fria e clara havia avaliado a situação, chegando a uma conclusão amarga com precisão intuitiva. – Ele tinha outra mulher. – Sim. As viagens para Londres, aquelas que não podiam ser adiadas... Ele tinha uma amante lá. Disse que ela era uma mulher como eu jamais seria, que a procurava por sexo e a mim por dinheiro. As lágrimas que Jessica lutara para conter durante todo o dia e parte da noite, agora rolavam por sua face.


Angelos blasfemou em grego, tirou-lhe o copo de vinho dos dedos trêmulos e o pousou sobre a mesa de centro. Em seguida, tomou-a nos braços, puxando-a de encontro ao peito. – Não chore – ele murmurou. – Ele não merece. Não merece uma única lágrima dos seus olhos. – Eu sei... Mas acho... acho que ele nem mesmo me queria... para fazer sexo. Disse que a amante... As palavras morreram em sua boca, quando Angelos se moveu, afastou-a do aconchego do seu tórax, segurando-a de modo que ela pudesse fitá-lo diretamente nos olhos – Esse homem é um rato inútil. Até pior, é um tolo. Um tolo mentiroso. – A veemência inesperada provocou um sorriso involuntário nos lábios de Jessica, que cambaleou enfraquecida quando percebeu a chama de sinceridade nos olhos escuros de Angelos. – É um tolo que não reconhece uma bela mulher quando a vê. – Obrigada pelo elogio... – ela começou, mas ele a silenciou com um meneio autocrático de cabeça. – Não é um elogio. Sabe o que sinto por você. Já lhe disse que não é mais uma menininha. – Os dedos longos e fortes limparam-lhe as lágrimas do rosto, apagando as marcas que lhe deixaram na pele. – Nada de chorar por um homem que não a merece. – Ele me traiu. – Então, fique com raiva dele. Angelos acariciou seu rosto com o dedo polegar, deixando um rastro de fogo por onde passou. Jessica sentia como se estivesse se afogando na profundidade daqueles olhos escuros, perdendo a noção do ambiente ao seu redor. O silêncio da noite além das janelas, o fato de estarem só os dois na casa, isolados, sozinhos, fez parecer como se estivessem suspensos em alguma pequena bolha de tempo, longe de todo o resto do mundo. – Não dizem que viver bem é a melhor vingança? – Você tem razão. – Então viva bem e o esqueça. Jessica tentou outro sorriso, dessa vez com mais sucesso. – Obrigada. Num gesto impulsivo, inclinou-se à frente e o beijou na face, inalando o perfume cítrico, o aroma morno, ligeiramente almiscarado daquela pele. Sob seus lábios, o roçar lânguido da barba áspera de Angelos a fez dar boas-vindas àquela masculinidade básica. Seu coração disparou. Chris jamais a fizera se sentir daquela maneira, percebeu atordoada. Nunca fora capaz de deixá-la tão intensamente atenta ao fato de ser mulher, com apenas um olhar ou um toque. Mas Angelos conseguira tal feito naquela manhã. Beijara-a, fazendo-a descobrir uma nova e inteira sensualidade que jamais experimentara. Tudo que sabia era que ele era um homem e que tudo nele invocava o que havia de mais feminino nela. Era como se estivesse adormecida durante todo aquele tempo, como a Branca de Neve, e Angelos a tivesse despertado com um beijo. Naquela manhã, fora pega de surpresa, disse a si mesma. Angelos tivera uma reação inesperada quando ela ainda se encontrava desorientada com tudo que havia acontecido. Um vendaval parecia ter varrido seu senso de realidade e correspondera ao beijo de um modo como jamais acontecera antes. Em qualquer outra circunstância. Entretanto ali estava ela em outro tempo, em outras circunstâncias, e aquilo acontecendo outra vez.


E a coisa mais perturbadora era que sabia pela quietude total e súbita de Angelos, o modo como sua respiração mudou, se aprofundando e assumindo um estágio que se assemelhava à palpitação irregular do pulso dela, que ele sentia o mesmo em relação a ela. Estava totalmente atento a sua feminilidade como ela à masculinidade dele. Bastaria apenas virar a cabeça para encará-lo e ler aquilo em seus olhos. A pergunta era: teria coragem de fazer tal coisa? Porque, se fizesse, teria de responder a outra pergunta ainda mais difícil. Que atitude tomar?


CAPÍTULO 6

– JESSICA... Se ainda restasse alguma dúvida de que Angelos estava sentindo o mesmo que ela, o tom da voz rouca com que ele proferiu o seu nome a teria dizimado. Na língua daquele homem, seu nome era uma mistura de emoções, um som de resposta sensual, de encorajamento e interesse, mas também continha uma nota de advertência, uma sugestão de que era preciso tomar cuidado. Jamais estivera tão atenta ao modo bastante peculiar com que Angelos falava o seu nome e a melodia alegre e incomum que seu sotaque imprimia ao som. E se antes sentiu que estavam isolados e sós, agora era como se o mundo tivesse se fechado ao redor de ambos, até se tornarem as únicas pessoas existentes sobre a face da terra, em um ambiente desprovido de suas bases. Feito para um homem e uma mulher e a mais primitiva, a mais básica e a mais essencial relação que poderia existir entre os dois. Desejo. Apetite. Sexo. A luxúria pairava no ar como o calor de uma fogueira sem chamas, precisando apenas de um pouco mais de gravetos, um sopro de vento para irromper em um inferno ardente de paixão. – Jessica, tem certeza de que sabe o que está fazendo? O que está provocando? Faça isso apenas se... – Angelos pausou abruptamente, quando, incapaz de resistir à tentação, beijou-a novamente. Ela tivera apenas um breve gosto da pele de Angelos, o cheiro do seu corpo, e mesmo assim já se sentia viciada. Precisava do sabor daqueles lábios nos seus. A fragrância pessoal daquela boca fazia seu coração bater acelerado. Seu sangue pulsava, aquecendo todos os seus sentidos. Dessa vez o simples contato daqueles lábios de encontro aos seus não era suficiente. Deixando a língua deslizar, percorreu a face máscula, deleitando-se na abrasividade lânguida daqueles pelos roçando sua língua sensível. E, de repente, percebeu que Angelos estava certo, muito certo quando lhe dissera que viver bem era a melhor vingança. Chegara em casa se sentindo ferida e devastada, sem esperanças para o futuro. Mas no momento em que ele a tomara nos braços, tudo havia mudado. Era como se estivesse usando óculos escuros e de repente os tirasse, vendo a vida por um novo prisma, um foco mais límpido, mais claro. E o que viu era tão excitante e estimulante que a fez desejar alcançá-lo. Fora noiva de Chris por seis meses e naqueles seis meses ele jamais a fizera se sentir daquela maneira.


– O que estou provocando? – ela quis saber, murmurando as palavras de encontro à mandíbula máscula. – Você sabe... – Sei? Angelos a impediu de continuar falando, quando lhe capturou a boca mais uma vez, esmagando-lhe os lábios sob os seus, com uma impetuosidade que obliterou os pensamentos de Jessica e a fez flutuar. O mundo pareceu balançar ao seu redor, o que a fez agarrar-se aos ombros largos de Angelos em busca de apoio. Um movimento que a aproximou ainda mais daquele peito viril, dos quadris e coxas rijos, enquanto ele lhe explorava a boca, contundindo seus lábios com a força da sua paixão. – Isto... – ele disse quando, afinal, a necessidade o forçou a erguer a cabeça para respirar. – Isto é o que está provocando e você sabe muito bem. Aquilo e muito mais, Jessica teve de admitir, mesmo que apenas na privacidade dos seus pensamentos. Porque a verdade era que, envolta por aqueles braços, não podia ter dúvidas sobre o que mais havia provocado. A evidência morna da masculinidade de Angelos pressionada de encontro ao ventre fazia seus nervos tremerem, deixando-a apreensiva. Apreensiva porque o poder da investida de Angelos em sua boca revelava a força da paixão que ela havia libertado e o reconhecimento dessa força fez sua mente se dividir com dois sentimentos contrastantes. Uma parte de si ficou feliz, algo vital e feminino dentro dela exultou ao pensar que ali havia um homem que a desejava pelo que ela era. Um homem que a desejava como mulher, sem se importar com o que ela poderia lhe proporcionar financeiramente. Angelos Rousakis não tinha necessidade de tal coisa. Era autossuficiente, rico e, naquele momento, aquele homem a desejava. Entretanto ao mesmo tempo se sentia preocupada com o reconhecimento do fato de que jamais ter vivenciado algo parecido ou conhecido uma pessoa assim. Os poucos relacionamentos que tivera na juventude foram passageiros e sem compromisso. Até mesmo seu noivado com Chris, percebia agora, fora um romance brando, não sentiam uma paixão verdadeira um pelo outro. Entretanto aquilo, reconheceu ao mesmo tempo em que Angelos tomava-lhe a boca mais uma vez, aquilo era outra coisa completamente diferente. Seu coração disparava, o corpo tremia. Era como se tivesse sido lançada em um oceano tempestuoso e bravio, com ondas altas e espumantes que a erguiam com a mesma facilidade que a arremessavam, com fúria, no abismo escuro e profundo. Viu-se totalmente despreparada diante da força daqueles sentimentos, tão ingênua e inocente quanto era, quando vira Angelos pela primeira vez, anos atrás, apaixonando-se tão perdidamente que seu mundo virara de cabeça para baixo. E a verdade era que estava pouco se importando. Pela primeira vez em muitos anos se sentia viva de verdade. Viva de um modo como seu relacionamento com Chris jamais a fizera sentir. E o mais importante, se sentia mulher, queimando com o verdadeiro ardor do desejo feminino. E com esse pensamento, Jessica permitiu que Angelos avançasse, aprofundasse o beijo. Deixou-se derreter contra os contornos esguios e harmônicos daquele físico vigoroso, adorando o calor e o cheiro da pele masculina que a envolviam de modo abrangente. – Sim – sussurrou por fim quando teve uma chance de falar. – Você tem razão. Era isto que eu estava provocando. – E isto... – As palavras foram proferidas de encontro à curva do pescoço dele, quando ela deslizou os lábios, espalhando beijos ardentes que iam desde as linhas fortes de sua mandíbula à área sensível revelada pelo colarinho da camisa aberta.


– Jessica... As mãos de Angelos rodearam sua cintura, então de repente a libertaram. Mas no instante em que lutava contra um sentimento de amarga decepção, Jessica percebeu que ele a libertou para poder tocá-la em outros lugares, acariciando seus braços, as nádegas, puxando-a de encontro ao calor do seu desejo. Um desejo abrasador que ela também sentia se aprofundar na região entre as coxas. Um desejo que a deixou impaciente, ansiosa. Quando ele puxou-lhe a blusa, removendo-a do cós da calça comprida, Jessica não fez nenhum movimento para se afastar. Em vez disso se aconchegou ainda mais, depositando beijos rápidos e encorajadores ao longo da clavícula exposta de Angelos. O toque das mãos hábeis sobre sua pele nua a fez ofegar e suspirar, combinando seu prazer e a descrença de que aquilo tudo pudesse estar acontecendo. Seria possível que aquele homem devastador de fato a queria? Precisava saber como seria ser possuída por ele. Nem que fosse por apenas uma noite. Uma noite que curaria as feridas causadas pela rejeição dolorosa de Chris. Depois disso, deixaria o destino seguir seu curso. – Acho que podemos ficar um pouco mais confortáveis... Enquanto falava, Angelos a ergueu do chão e a levou para o grande sofá de veludo que se encontrava encostado à parede. Arrumando as almofadas, curvou-se sobre ela, suas mãos já ocupadas com os botões da blusa feminina, abrindo o tecido de forma a expor a carne macia dos seios sob o sutiã cor-de-rosa de Jessica. Jogando a cabeça para trás, ela fechou os olhos, para melhor sentir as sensações provocadas por aquela boca experiente que lhe beijava a curva suave do pescoço. Por um momento, Angelos não se preocupou em remover-lhe o sutiã, mas passou a língua sobre um dos seios, puxando e umedecendo o tecido até a seda macia aderir à pele sensível. No momento seguinte, ela sufocou um gemido de prazer, quando a boca de Angelos se fechou completamente ao redor do mamilo, provocando-o a princípio e depois sugando-o até senti-lo enrijecer. – Angelos... Se Jessica pensara que as sensações inebriantes, provocadas pelas carícias através da sua roupa, foram intensas, agora livre do sutiã, sentia-se prestes a desmaiar de tanto prazer, quando a mesma atenção foi dedicada a sua pele desnuda, provocando-lhe ondas de puro deleite que traçavam um caminho de fogo, desde aquele foco minúsculo até o ponto mais íntimo entre suas pernas, onde agora ardia, ansiando por ser possuída. Como se percebesse sua necessidade, Angelos deslizou a mão afagando-a, acariciando-a até parar diante da barreira que era o fecho da calça. Por um momento, Jessica prendeu o fôlego, esperando que ele continuasse. Mas, da mesma maneira como fizera com os seios, agora a sujeitava a mais encantadora tortura da espera, acariciando-a por sobre a roupa, tocando-a de modo que o calor da palma larga da mão masculina a queimou através do algodão, aumentando o desejo que já pulsava em suas entranhas em chamas. – Angelos! Era um grito de protesto, de fome, de necessidade. Queria mais, mais... Precisava ser tocada mais intimamente. E mesmo quando arqueou os quadris em direção àqueles dedos fortes, não foi o bastante. O prazer daquele toque estava embotado pelas dobras de tecido e ela queria mais. Precisava daquele homem dentro de si e apenas isso a satisfaria. Seus corpos não estavam próximos o suficiente. Angelos continuava vestido, frustrando a necessidade de Jessica de tocá-lo, de experimentar a sensação de pele na pele, de sentir aquele corpo nu sobre o seu.


Não possuía a mesma habilidade que ele com os botões, mas após alguns minutos de peleja, conseguiu abri-los. Ajoelhando-se, ele a livrou da calça comprida e da calcinha cor-de-rosa ao mesmo tempo. Com a boca seguiu o caminho da roupa, torturando sua pele exposta ao longo das curvas e contornos das coxas femininas, até os dedos do pé. Depois, fazendo o caminho inverso, deteve-se nos pelos escuros do seu desejo entre as pernas, o que a fez gemer e segurar-lhe a cabeça, encorajando-o. – É isto o que está provocando... Atendendo aos apelos de Jessica, Angelos beijou-a na intimidade. Com a ponta dos polegares, afastou as dobras carnudas, sobre a fenda escondida, fazendo-a prender o lábio inferior entre os dentes para impedir de incitar, suplicar, implorar que ele a possuísse. Ansiava pelo prazer que sabia que a esperava além do horizonte, ainda fora de alcance. E queria já. Mas ao mesmo tempo desejava prolongar o maravilhoso suplício da espera, até sua totalidade, a fim de experimentar tudo que aquele homem pudesse lhe proporcionar. Saber como era ser mulher nas mãos de um mestre na arte do amor. E foi quando os dedos fortes de Angelos acariciaram o ponto mais íntimo da sua feminilidade, que Jessica descobriu o verdadeiro significado da palavra prazer. Incapaz de fazer outra coisa, a não ser responder com paixão, afastou as pernas, abandonando seu autocontrole. Movido pela paixão, Angelos baixou a cabeça e com a língua circundou e friccionou o botão escondido, já sensível pelo toque dos seus dedos, até fazê-la estremecer num espasmo de satisfação total. – Angelos! – O nome soou como um gemido de abandono. Todos os pensamentos que sua língua podia expressar se esvaíram em ondas de puro êxtase. – Oh, céus! Você tem razão... – ela ofegou, experimentando outro espasmo de êxtase, antes que pudesse continuar: – Sim! Viver bem é a melhor vingança... e isto é viver bem... No entanto, enquanto falava, Jessica sentiu a mudança no humor de Angelos, o enrijecimento súbito do corpo ao seu lado. As palavras morreram em sua garganta enquanto percebia a mudança terrível na atmosfera, a destruição súbita da paixão ardente. – Ochi! – Angelos sentou-se e depois se ergueu. Jessica arriscou um olhar à fisionomia perigosamente furiosa e desviou a vista, enterrando a face em uma almofada. – Não! De modo algum! Não vou bancar o substituto de homem nenhum! – Substituto... – Angelos, por favor... – Não vai me usar para se vingar do seu ex-noivo! – Angelos, não... Jamais tive essa... – Ela tentou se sentar, mas as almofadas, macias demais, lhe dificultaram o movimento e Angelos já se dirigia à porta. – Por favor... Ele saiu, batendo a porta ruidosamente atrás de si. – Angelos... – Mesmo sabendo que ele não podia mais ouvi-la, ou não lhe daria ouvidos se pudesse, Jessica ainda tentou alcançá-lo. Mas tropeçou sobre a confusão de roupas que a fizeram se lembrar de que estava nua e impossibilitada de correr atrás dele daquele jeito. Após pelejar para vestir a calcinha e a calça comprida, ouviu a porta da frente bater com um estrondo, como se Angelos a tivesse aberto com tamanha força que revelava toda a sua irritação. – Espere! Jessica percebeu que era inútil, mas mesmo assim precisava tentar. – Angelos! – ela gritou, mas bem no fundo sabia que já era tarde.


Esse medo se confirmou quando alcançou o corredor, pôs a mão na maçaneta e ouviu o possante motor do carro roncando, enquanto ele deixava o pátio rumo à estrada, em alta velocidade. Mesmo assim Jessica abriu a porta, tropeçando na escuridão da noite. – Não é o que está pensando... Por favor... Não é nada disso... – suplicou desesperada, sabendo que só restavam as corujas nas árvores ou talvez um morcego circulando pelo ar para ouvi-la. Desolada, viu as luzes traseiras do carro sumirem em uma curva até desaparecerem do alcance da sua visão.


CAPÍTULO 7

O RELÓGIO de pêndulo que se encontrava no corredor soava mais uma hora, enquanto Jessica vagueava inquieta pela biblioteca, espiando mais uma vez pela janela na esperança de algum sinal do retorno de Angelos. Os ouvidos aguçados tentando captar o som do motor de seu carro, os olhos procurando, ávidos, o brilho dos faróis em meio à luz rósea do alvorecer sem, no entanto, lograr êxito. Seguira exatamente a mesma rotina alguns minutos antes e em nada resultara. Era inútil tentar outra vez. Ainda assim, não conseguia se conter. Fora assim durante toda a noite. Desde o momento em que Angelos saíra em disparada pela porta, viu-se incapaz de se acalmar ou se concentrar no que quer que fosse. Caminhava de um lado para outro do corredor, meio esperançosa meio temerosa de escutar o som do motor do carro. Angelos tinha de voltar para que pudesse explicar que não quisera dizer o que ele entendeu. Porém, a julgar pelo humor com que partira, temia confrontá-lo e ver a fúria estampada nos olhos negros. Desconfiava que, não importava o quanto se esforçasse, Angelos jamais acreditaria nela. Contudo, tinha de tentar. Já havia visto aquele brilho no olhar – a fúria negra, o total desdém, a absoluta rejeição de tudo que se relacionasse a ela – na noite terrível em que Marty os encontrara juntos. Naquela época, bem mais jovem e ingênua, não conseguira lidar com a situação. Em vez disso, reagira guiada pelo medo e dor causados pela rejeição de Angelos e o agredira impulsivamente. Ficara enfeitiçada desde o primeiro momento em que o viu no estábulo. Nada, nos poucos relacionamentos que tivera com alguns rapazes, a havia preparado para o impacto causado pela atração física que sentira por aquele homem adulto, moreno, perigoso e extremamente sexy. Seguira-o como um filhotinho. Tentara flertar e, sendo tão desajeitada ao fazê-lo, corava e gaguejava durante as conversas que tinha com ele. Havia comprado até mesmo ingressos para um show, alegando que os ganhara, e o convidara para acompanhá-la. Angelos dera a desculpa de que precisava trabalhar, porém naquela noite ela o viu voltando do pub com Lucille, uma das criadas. Ele levou a jovem para seu apartamento, onde Jessica podia imaginar o “trabalho” que fariam. Consumida pela humilhação e pelos ciúmes, decidiu mostrar-lhe do que era capaz. Conseguiu a cópia da chave do apartamento de Angelos, foi até lá quando sabia que ele estaria ausente, trajando apenas uma lingerie novinha em folha sob um roupão. A espera foi longa e enervante


até ouvir os passos pesados e firmes subirem a escada. E então, quando ele adentrou a sala, Jessica deu um passo à frente, postando-se sob um dos raios da lua que refletiam no aposento e abriu o roupão. A reação de Angelos não foi nem um pouco estimulante. – Saia daqui, Jessica! – ele ordenara. – Deixe-me em paz! Todavia aquilo era impossível. Tendo se preparado para chegar até aquele ponto, não recuaria. A não ser que não tivesse outra escolha. Sendo assim, atirou-se nos braços fortes e pressionou os lábios contra os dele, tentando provar ser tão mulher quanto Lucille. E, por uma fração de segundo, ele correspondeu. No entanto, logo em seguida, Angelos afastou os lábios e a segurou pelos braços, empurrando-a. – Não se iluda, criança – disparou num tom de voz repleto de desdém. – Não tenho nenhum interesse em você. Não me envolvo com menininhas. Podia rever toda cena em sua mente. A forma como a luz se acendeu de maneira tão inesperada, revelando um quadro desesperador. Ela, envolta nos braços fortes de Angelos, os cabelos em desalinho e o batom mal aplicado borrando sua face inteira. Os únicos trajes eram o conjunto de calça e sutiã de renda branca, cujas alças lhe escorregavam pelos ombros. Ainda podia ouvir a voz chocada do padrasto. A fúria refletida nas palavras, quando Marty gritou: – Que diabos está acontecendo aqui? Por um segundo, a mente de Jessica experimentou um branco causado pelo pânico. Porém, no momento seguinte, reagiu com medo e desespero. Batendo com força contra o peito de Angelos, lutou, frenética, contorcendo-se para se afastar. – Não queria... – ela começou, balbuciando as palavras. – Eu não queria... ele me forçou. Ao ouvir aquelas palavras, ele a soltou, afastando-a como se o contato entre ambos lhe fosse asqueroso. Jessica cambaleou pela sala, tropeçando contra o braço de uma cadeira. Um dos cantos do móvel se chocou contra a coxa exposta, fazendo-a sentir-se zonza de dor e os olhos, ainda enevoados pelo desconforto causado pela pancada avistaram o soco que o padrasto desferia contra o queixo de Angelos. – Suma daqui e não volte nunca mais... Jessica tentou convencer a si mesma de que Angelos tinha menos a perder do que ela. Como homem e mais velho, seria capaz de se livrar daquele incidente, dar as costas aos acontecimentos – e a ela – e partir sem sequer uma mácula em seu cavalgar arrogante. Possuía pele muito espessa e o orgulho demasiado forte para sentir as alfinetadas causadas pelas insignificantes flechadas que ela e Marty haviam lançado contra ele. Agora, mais velha e experiente, possuía outra forma de pensar. Fora estúpida, imatura e totalmente egoísta. Pensara apenas em si mesma e em salvar a reputação sem nunca parar para pensar nas possíveis consequências para Angelos. Poderia ter feito algo para salvá-lo, como contar a Marty a verdade para que ele pudesse lhe oferecer o emprego de volta. Podia apostar que Angelos não aceitaria, mas ao menos teria reparado o próprio erro. Entretanto ainda estava em tempo. Mesmo sabendo que Angelos construiu uma vida de sucesso após ser demitido por Marty, ainda se sentia responsável por ele ter sido expulso dali sem direito a nada. E agora, sabia como era se sentir daquela forma. Independentemente do fato de ele ouvi-la ou não, dessa vez ficaria e o encararia. No passado, permitira que Marty a envolvesse em seu casaco e a carregasse de volta para a casa principal, onde, após


se certificar de que Angelos não lhe faria mais nenhum mal, dera-lhe um gole de conhaque e ficou ao seu lado até que adormecesse. Quando acordou, foi informada de que Angelos partira de Manorfield para sempre e que não tinha motivos para se preocupar. Sentindo-se fraca e dilacerada pela rejeição que ainda lhe queimava a alma, aceitara o fato de bom grado. Contudo, agora, não podia permitir que uma explicação como aquela a satisfizesse. Angelos voltara planejando vingança e, dessa vez, teria de encará-lo. Não poderia fugir de novo. Mais uma vez percorreu o mesmo caminho até a janela e olhou para fora. O alvorecer estava em seu apogeu. Não iria mais espreitar pela janela, disse a si mesma. Toda a espera do mundo não traria Angelos de volta mais cedo, portanto era inútil continuar ali, fitando o brilhante alvorecer. Além disso, a última coisa que desejava era que ele retornasse e a surpreendesse esperando. Deixando escapar um longo suspiro, voltou à biblioteca e se aninhou no sofá em frente à ampla lareira. O couro era velho e desgastado. Portanto, estava longe de ser um dos lugares mais confortáveis para sentar. Mas não havia como se acalmar na sala de visitas, não com aquele sofá que guardava tantas recordações, lembrando-a de como perdera todo o controle e sanidade ao se entregar à maestria sensual daquele homem. Bastaria olhar para ele para lembrar a sensação de estar no círculo protetor dos braços fortes, experimentar o toque sensual e os beijos inebriantes. O simples brilho dos olhos negros seria suficiente para suscitar o desejo selvagem que experimentou em resposta às carícias ousadas de Angelos. Se tivesse algum senso de autoestima, subiria a escada naquele instante e tentaria se manter no andar de cima. Um banho e uma troca de roupa talvez lhe restabelecesse o ânimo e lhe desse forças para encarar Angelos quando ele retornasse. Sim, por certo retornaria. Enfrentara muitos problemas para colocar as mãos naquele lugar. Não havia a menor possibilidade de ele abandoná-lo por um simples rompante. Um bocejo alto a tomou de surpresa, fazendo-a piscar várias vezes para tentar burlar a onda de cansaço que a envolvia, mas os olhos se fecharam antes que pudesse completar o pensamento. O OBJETIVO fora dirigir o mais rápido possível e pelo maior número de quilômetros para que pudesse dissipar a raiva cega em seu íntimo e se acalmar o suficiente para poder pensar. Ao menos aquele fora o plano, disse Angelos a si mesmo, enquanto manobrava o carro através dos portões principais e perfazia o caminho em direção à casa sob a luz da manhã. Mas a verdade era que, longe de se dissipar, a fúria havia se compactado em uma massa fria e profunda que lhe ocupava o coração. E o fato de saber que o modo como Jessica se comportara o fizera abandonar a casa que lhe pertencia como tinha feito anos atrás, só serviu para piorar seu humor, fazendo-o decidir que daquela vez ela não levaria a melhor. No presente, era ele a dar as cartas, que pretendia jogar contra Jessica tão logo adentrasse a casa. Dessa vez, seria ela a se descobrir expulsa de um lar. Aquele fora seu objetivo durante todo aquele tempo e apenas um mero lapso mental o distraíra de tal propósito por um breve tempo. Mas agora chega, ele resolveu, enquanto parava o carro do lado de fora da casa. Dessa vez, Lady Jessica estaria fora dali mesmo antes de saber o que acontecera. Ficaria agradecido por vê-la pelas costas para sempre.


A porta que batera com força atrás de si na noite anterior encontrava-se destrancada e entreaberta, fazendo-o franzir o cenho de preocupação. Teria Jessica partido, deixando a casa aberta e exposta a possíveis assaltos? O interior se encontrava silencioso e, por certo, vazio. Os passos de Angelos ecoavam no chão de madeira. – Jessica? Não obteve resposta. Então ela teria feito as malas e partido? O pensamento devia agradá-lo e satisfazer a obscura ambição que acalentara, mas em vez disso produziu apenas o desprazer que sentia aumentar por ser desprovido da satisfação que planejara ter. Satisfação em vários níveis, lembrou Angelos irritado. Mesmo horas depois que a fúria selvagem pôs um fim abrupto à satisfação sexual pela qual todos seus sentidos ansiavam, o corpo ainda se encontrava dolorido pela frustração. Cada nervo retesado gritava e protestava pelo modo como refreara a explosão sensual que os assolara. Se Jessica houvesse partido, isso o frustraria de vários modos, usurpando-lhe a oportunidade de demonstrar seu poder sobre ela, de provar ter a melhor cartada e de utilizá-la como munição. – Jessica? – chamou Angelos mais alto desta vez, porém sem obter resposta. O nome pareceu rodopiar pelo ar, perturbando a tranquila e silenciosa atmosfera da evidente casa vazia. Xingando com fúria selvagem em grego, estava quase se encaminhando ao andar superior para o tão esperado banho, quando um som inesperado o deteve. Tão suave e inaudível que não o teria captado se não estivesse de ouvidos apurados. Angelos congelou com o pé sobre o primeiro degrau da escada, tentando discernir o som que lhe atraíra a atenção. E lá estava ele de novo, fraco e quase imperceptível. Um som diminuto, apenas um suspiro ou o som de respiração vindo da porta entreaberta da biblioteca. De pronto, Angelos mudou de direção, afastando-se da escada e cruzando o corredor. – Jessica? A princípio pensou ter se equivocado. O aposento parecia vazio, pois se encontrava tão calmo e silencioso quanto o resto da casa. Mas então o som se repetiu, levando-o a cruzar o aposento para espiar por sobre o encosto alto do sofá. Os olhos negros se estreitaram quando divisaram a figura de uma mulher deitada. O corpo esparramado meio para dentro e meio para fora do estofado, como se tivesse se jogado ali, quando o sono a assolou, não lhe dando tempo de se colocar em uma posição confortável. Os membros, relaxados pelo sono, se encontravam estirados. Diabos! Tudo nela parecia relaxado pelo sono. Os claros e algumas vezes gélidos olhos azuis estavam fechados e os cílios longos pousados em dois semicírculos negros sobre as maçãs do rosto que se encontravam ligeiramente coradas pelo calor. A mesma face ainda marcada pelos rastros das lágrimas que derramara pelo cafajeste do noivo. A raiva ainda lhe queimava no íntimo ante a lembrança de como Jessica o tentara substituir por ele, usando os beijos e os carinhos que recebia para apagar a memória do outro... Diabos, não! Não queria relembrar aquilo. Os cabelos castanho-avermelhados se encontravam em desalinho pelo que parecia ter sido um sono agitado e se espalhavam sobre as almofadas. Vários cachos entrelaçados pousados sobre a face, moviamse a cada expiração de Jessica. Os lábios vermelhos carnudos se encontravam ligeiramente entreabertos, permitindo um vislumbre dos dentes brancos e, quando ela deixou escapar mais um suave suspiro, foi a boca de Angelos a se encher de água ante a lembrança do sabor daqueles lábios. Aquela recordação causou-lhe um efeito direto na virilha, provocando-lhe uma ereção instantânea e a onda de sensualidade o fez apertar os dedos contra o encosto do sofá, enquanto lutava por controle.


Não o ajudava o fato de que daquele ponto lhe era possível vislumbrar a forma como a seda verde da blusa que Jessica ainda trajava se encontrava mal abotoada, como se ela a tivesse vestido às pressas. A forma como um dos botões se encontrava ligado à casa errada, deixava a blusa aberta do pescoço ao colo, expondo a pele alva dos seios firmes e deixando claro que não estava usando sutiã. A lingerie de renda devia ter sido descartada em algum lugar. Talvez no outro aposento, onde ele a havia atirado para um canto no afã da excitação. – Droga! Sacudindo a cabeça de forma vigorosa, Angelos se forçou a voltar ao abismo mental em que se encontrava antes de mergulhar de cabeça nas ondas quentes de sensualidade que se formaram sobre ele, fazendo-o perder a racionalidade. Aquilo não era o que desejava. Acordaria Jessica, iria dizer que não existia lugar para ela no Solar e que seria melhor que fizesse as malas e tomasse seu rumo. Não se importava nem um pouco se teria algum lugar onde se abrigar. Como se sentindo a presença de Angelos, ela suspirou e se mexeu no sofá. O movimento lhe fez chegar às narinas a fragrância da pele de Jessica. Inspirá-la fez soar o alerta vermelho nos sentidos masculinos. Não a desejava ali. As palavras o atingiram como um soco no estômago. Quem diabos estava tentando enganar? Era o mais longe da verdade que podia chegar. A verdade era que a desejava com toda a força de seu ser. Sempre a cobiçara, desde o instante em que pousara os olhos na adolescente que apareceu no estábulo, onde ele havia conseguido um emprego temporário. Uma ocupação de mais baixo escalão para que pudesse conhecer o homem que acabara de descobrir ser seu pai. Desejara Jessica naquele exato momento e teve de se esforçar para não lhe demonstrar o sentimento. Os instantes em que Jessica se jogara em seus braços, macia, esperançosa e trajando apenas uma diminuta roupa íntima de renda foram como o inferno na terra, quando teve de lutar contra o anseio de possuí-la. No entanto, naquela época, existiam razões pelas quais não podia ceder à chama ardente da paixão. E que não mais existiam. Se ainda desejava Jessica, poderia tê-la. Se ainda a desejava! Ah! A risada rouca quebrou o silêncio, fazendo a mulher deitada no sofá se agitar no sono. Claro que ainda a desejava. Não quisera outra coisa desde o instante em que adentrara naquela sala repleta de enlutados de meia-idade e a viu entre eles, vibrante e resplandecente na bela mulher que se tornara. Naquele instante soube que possuir apenas Manorfield não seria o suficiente. Desejava possuir a propriedade, e lhe custara anos de planejamento e trabalho para consegui-la. Porém, no fundo do coração e nas partes masculinas mais instintivas, sabia que aquilo nunca seria suficiente. Não se satisfaria sem que tivesse a senhora de Solar em sua cama e a mantivesse lá até se saciar. Até que aplacasse a frustração e o desejo faminto que sentira desde que se conheceram e nos anos que se seguiram até aquele momento. – Quem? – Jessica se remexeu, desconfortável, lutando contra as profundezas do sono, como se algum som houvesse penetrado no silêncio de sua mente e começasse a despertá-la. – Angelos? – Bem aqui, agape mou. As palavras arrastadas permeadas de cinismo a sobressaltaram, despertando-a de qualquer sonolência remanescente. Os olhos de Jessica se arregalaram, fitando o olhar escuro e sombrio como um céu da meia-noite sem estrelas.


– Você voltou! – Esta é a minha casa. Para onde mais deveria ir? – A lembrança da diferente posição que ocupavam no mundo e da súbita mudança de status, foi como uma bofetada na face de Jessica. Precisava sentar-se de modo decente. De repente, sentia-se demasiado vulnerável deitada ali, enquanto a figura dominante de Angelos se recostava no espaldar do sofá. Os olhos negros estavam enevoados e irritadiços pela falta de sono, o queixo másculo escurecido devido aos pelos da barba que começavam a crescer. Ainda era o homem mais letalmente dominador que jamais conhecera. Pairando sobre ela, parecia demasiado grande e forte demais para a paz de espírito de Jessica. Contudo, os membros inferiores se encontravam tensos pelo tempo que passara em posições desconfortáveis no sofá, e Jessica teve de empregar toda a força para que eles lhe obedecessem. Durante todo o tempo, Angelos se limitava a observá-la com aquele olhar distante e misterioso, cuja impassibilidade parecia um laser contra a sensibilidade da pele da face feminina, queimando-a sob a superfície. Incomodada pelo patente escrutínio, Jessica mudou de posição no sofá. Ciente de que tinha de melhorar a própria aparência de imediato e domar os cabelos revoltos, passou as mãos sobre eles e os dedos se entrelaçaram dolorosamente nos anéis. Em seguida, tentou alisar a roupa amarrotada. Puxar a blusa para baixo só piorou as coisas, pois só então se deu conta da forma como alguns botões haviam sido fechados em casas erradas na pressa em se compor na noite anterior, a bainha caindo irregular em torno da cintura e o decote amplamente aberto. Mas não podia se dar ao luxo de tentar ajustá-la, já que não poderia fazer isso sem abri-la por completo, expondo ainda mais a intimidade de seu corpo ao obscuro escrutínio do olhar de Angelos. Ainda mais quando o movimento dos seios e a fricção do tecido da blusa contra os mamilos lhe traziam à lembrança a forma como se vestira apressada para correr atrás dele na noite anterior. Além disso, havia outro fato ainda mais perturbador que era a falta de forças para desviar a vista do hipnótico poder que o olhar dele exercia. Em vez disso, permanecia, como um coelho encarando o brilho no olhar de seu predador. – Voltar para a Grécia? Não se atreveria a admitir que, em algum momento durante a longa noite, temera que Angelos fizesse exatamente aquilo. Que tivesse desaparecido de sua vida para sempre e que nunca mais o veria. Mas aquilo lhe ocorrera nas horas sombrias que precederam o lento alvorecer, quando se encontrava sentada, sozinha, na casa silenciosa, encarando a mudança drástica que sua vida havia sofrido nos últimos dias e imaginando para onde iria. – E deixá-la de posse do Solar? – indagou Angelos com um leve traço de humor no tom de voz que a chocou. – Acho que não. Não se livrará de mim tão facilmente, kyria. – Isso nunca me passou pela cabeça! – rebateu Jessica, ciente de estar sendo sincera. Pelo contrário, dedicara os pensamentos ao retorno de Angelos. Ao momento que ele entraria por aquela porta e que seria forçada a encará-lo outra vez. Aquela imagem havia sobrepujado qualquer outro pensamento e fora tudo que conseguira fixar na mente. – Devo admitir que fiquei surpreso por ainda encontrá-la aqui – afirmou Angelos, desconcertando-a mais uma vez. Teria pensado que ela fizera as malas e partira enquanto estava fora? Que sumira na noite sem olhar para trás? Muito bem, para ser honesto, chegara a considerar tal hipótese uma ou duas vezes. Mas a certeza de que tinha de vê-lo mais uma vez, mesmo que apenas para explicar que ele interpretara de maneira errada a reação que tivera horas antes, a havia deixado paralisada onde se encontrava ou caminhando de um lado para o outro da biblioteca, esperando por um sinal do maldito retorno de Angelos.


– Poderia lhe responder com as mesmas palavras que utilizou há pouco. – A raiva contida em seu íntimo emprestou às palavras uma intensidade que não pretendia. – Para onde mais poderia ter ido? Como você mesmo disse, esta é sua casa agora, e não sou bem-vinda aqui. Mas, acredite, se houvesse qualquer outro lugar para onde eu pudesse ir, já estaria longe daqui. Sequer conseguiria ver meu rastro! Teria partido ontem mesmo se pudesse, mas as coisas... Jessica vacilou, perdendo a linha de pensamento quando um lampejo de lembrança fez sua cabeça rodar. De fato havia se esquecido de Chris e da forma espantosa como a tratara. Esquecera-se de suas mentiras e traição – a outra mulher com quem se relacionava durante todo o tempo em que foram noivos. No dia anterior, encontrava-se despedaçada, devastada e incapaz de qualquer pensamento lógico. Ainda assim, de alguma forma durante a noite algo – ou alguém – dissipara todos aqueles pensamentos e preocupações, substituindo-o por outros. Pensamentos e preocupações sobre ele. Zonza, Jessica meneou a cabeça, incapaz de acreditar nos próprios devaneios. O que estaria acontecendo com ela? Há poucos dias acreditava amar Chris o suficiente para se casar com ele – passar o resto de sua vida com aquele homem. Sempre soubera que era o tipo de amor construído no respeito mútuo, mas acreditara ser amor. E no momento... – Não? – questionou Angelos, interpretando o menear da cabeça de Jessica de maneira equivocada. – Não o quê? Não partirá agora ou não ficará? – Não ficaria se tivesse escolha. Sei que quer me ver fora daqui... de sua vida. Sei... A frase lhe morreu nos lábios, pois agora foi Angelos a menear a cabeça em negativa com tanta determinação que a fez congelar. – Se pensa assim, então não sabe nada. A noite passada não lhe disse algo? Não percebeu o que significou? – Oh, sei o que significou. – Os dedos agitados de Jessica se entrelaçaram nos cabelos mais uma vez e, em seguida, tentou ajeitar a blusa, colocando a bainha para dentro do cós da calça. Mas toda vez que conseguia prender um dos lados o outro se soltava, até que desistiu com um profundo suspiro de exasperação. – Significou que me deseja. Que... para ser objetiva, pois objetividade é a única coisa que parece entender... queria me possuir. Fazer sexo comigo e só. – Não... – retrucou Angelos, em tom obscuro e baixo. No entanto, descobrindo a língua livre das amarras que os pesarosos últimos dias lhe impuseram, Jessica ignorou a objeção e continuou. – Portanto, em minha opinião, isso o iguala todos os outros homens... a Chris. – Não! – A negativa soou furiosa, atingindo-a na cabeça como um iceberg e lhe cortando o discurso. Ou aquela foi a impressão que estava dando, percebeu Jessica. Não iria permitir que Angelos percebesse que ficara chocada com a lembrança de que ele não era como Chris. Ao menos a desejava, mesmo que apenas sexualmente. O ex-noivo sempre lhe mentira. Nunca a quisera, nem mesmo na cama. – Não se atreva a dizer que sou como aquele cafajeste com quem estava noiva. Sequer pense em me comparar com ele. Não sou parecido com... – Não é parecido com quem? – A dor cáustica que lhe devorava o coração emprestou um cinismo ácido ao tom de Jessica, que expressava seu total ceticismo melhor do que qualquer palavra. – Está afirmando que se tivéssemos... se eu tivesse permitido... se tivéssemos dormido juntos ontem, seria mais do que uma simples noite de sexo? Que quando eu acordasse pela manhã ainda estaria lá? Que não se divertiria e escapuliria logo em seguida...


– Sim! – A força da única palavra e a veemência com que foi pronunciada, aliadas à determinação estampada na face de Angelos a fez estacar no meio da frase outra vez. – Sim – ele repetiu ainda mais enfático. – E não. Sim para o fato de que ainda estaria lá pela manhã. E não. Não teria partido antes que acordasse. Não, não teria... escap... Inesperadamente, a usual pronúncia perfeita de Angelos o abandonouou e a pequena falha, de repente, fê-lo parecer mais humano e falível e forçando-a a prestar redobrada atenção ao que ele dizia enquanto as palavras lhe penetravam a mente. – Escapulido – completou Jessica em tom suave, não querendo distraí-lo e desesperada por saber o que ele diria a seguir. Descobriu-se prendendo a respiração e forçou-se a libertá-la, expelindo um suspiro sem se importar que Angelos ouvisse. – Não a teria simplesmente possuído... – A carranca na expressão masculina falava mais do que as palavras sobre como ele se sentia com a acusação que lhe fora feita. – E partido pela manhã. – Não? – Não – afirmou Angelos em tom sincero. O orgulho empertigando seus ombros e empinando-lhe a cabeça brilhava nas profundezas dos olhos negros e estava estampado na tensão da mandíbula. Sentiase insultado e ultrajado com a acusação de Jessica. – E por que não? – ela quis saber. – Por que não? Por que quero mais do que uma noite com você. O que existe entre nós não se expurgará em algumas horas. – Não? O tremor estava se intensificando. Pensara que ele teria desaparecido de sua vida para sempre e se agarrou à crença de que Angelos não a desejava por perto, o que a levou a pensar que a queria fora dali. Porém, naquele momento, ele estava dizendo que ainda a desejava mais do que jamais sonhara. – Oh, Jessica... – O tom de Angelos era quase gentil, enquanto dava um passo à frente em direção a ela. Erguendo uma das mãos, permitiu que a parte posterior dos dedos longos lhe traçasse o contorno da face delicada, da têmpora, passando pela maçã do rosto à linha fina do queixo e, em seguida, percorrendo o desenho dos lábios trêmulos. Jessica percebeu como os olhos negros se tornaram ainda mais escuros e profundos, enquanto ele a observava tremer em resposta. – Duvida disso? Pode encontrar alguma razão para que não estivesse falando a verdade? Era óbvio que Jessica não poderia. Olhando-o nos olhos, como estava, não conseguia ver nada além da sinceridade e a total convicção naquilo que ele dizia. Não sabia o que aquilo significava, apenas que, por enquanto, por aquele dia, Angelos estava sendo sincero. Mas, não conseguia encontrar palavras para responder. Tudo que conseguiu foi tremer em um silêncio atordoado, a língua parecendo congelada dentro da boca. Aquilo pareceu o suficiente. Um pequeno sorriso curvou os lábios sensuais de Angelos por um breve momento. Se tivesse piscado, não o teria visto. Mas ela percebeu bem o modo como todos os seus sentidos reagiram à suave receptividade da face masculina. Todas as terminações nervosas tiritando em resposta instantânea. O coração batendo acelerado e a pulsação irregular tornavam óbvio o quanto aquilo significava. E isso a alertou para a intensidade dos próprios sentimentos. Tão profundos que as ondas de sensualidade estavam quase se fechando sobre sua cabeça, usurpando-a do mundo que conhecia e de todo o senso de realidade que possuía. Por ora, naquele instante, havia apenas Angelos e a magia que ele conjurava em torno dela.


Aquele homem a desejava por mais de uma noite. O que existe entre nós não se expurgará em algumas horas... Um fio de esperança se acendeu no coração de Jessica, aquecendo e abrandando a dor que a dilacerara nos últimos dias. – Angelos... – ela começou, com voz trêmula. Entretanto, ele dispensou-lhe as palavras com um arrogante agitar de mão e, em seguida, se afastou, sentando com uma perna de cada lado do grosso braço de couro de uma cadeira próxima. Um dos pés pousado sobre o assento e o outro no chão. Os braços cruzados sobre o peito. – Então talvez seja melhor conversarmos sobre aquele emprego que estou lhe oferecendo.


CAPÍTULO 8

AQUELE EMPREGO? Então talvez seja melhor conversarmos sobre aquele emprego que estou lhe oferecendo. As palavras dançavam na mente de Jessica, fazendo-a sentir o mundo rodar a sua volta com tamanha violência que a fez se apoiar ao espaldar do sofá para não cair. Se Angelos lhe tivesse desferido uma bofetada na face, duvidava que tivesse tido o mesmo efeito do repentino afastamento e das palavras frias que acabara de lhe atirar. Estaria ouvindo bem? Que parte do que escutara era a certa? Teria imaginado a frase repleta de sensualidade quando Angelos afirmou que o que havia entre eles não poderia ser expurgado em algumas horas? Ou a brusca declaração de homem de negócios quando ele sugerira que conversassem sobre o emprego que estava lhe oferecendo? Teria sido fruto de sua imaginação? Não saberia responder e a expressão orgulhosa e enigmática com que Angelos a fitava não a ajudava em nada. – Está me oferecendo um emprego? – Já ofereci... lembra-se? Ontem, antes de sair para encontrar seu noivo. Jessica se recordava de ele ter mencionado algo sobre um emprego e dito que não queria que partisse. Mas, em seguida, Angelos havia se aproximado dizendo que não estava jogando daquela vez e a beijara. Daquele momento em diante nada mais lhe fora registrado na mente, além do desejo ardente que nunca antes experimentara. O único sentimento constante em sua vida nos funestos últimos dias. A única coisa que permanecera intacta quando a herança, a crença no tipo de homem que era o padrasto e, finalmente, a confiança no homem com o qual iria se casar haviam sido totalmente destruídas, virando-lhe a vida de cabeça para baixo. – Não discutimos os detalhes – conseguiu dizer por fim. – O que tem em mente? – Pensei em lhe oferecer um cargo na propriedade. Angelos se ergueu e se espreguiçou vagarosamente. O movimento flexionou os ombros largos e retesou o tecido da camisa contra os músculos proeminentes do peito. A boca de Jessica ressecou ante a


lembrança do calor daquele corpo. Agradeceu pelo fato de Angelos lhe virar as costas e se encaminhar à ampla janela para observar o vento que agitava as árvores. Daquela forma, não precisaria se preocupar com a onda de calor que lhe ruborizava a face ante às lembranças sensuais. – Pelo que sei, se tornou uma perita sobre a propriedade. – Marty estava me ensinando... Haveria algo que aquele homem não soubesse?, perguntou-se Jessica, incapaz de desviar o olhar da figura alta e poderosa, perto da janela. Os ombros largos e as pernas ligeiramente apartadas, com os pés plantados firmemente no chão polido da biblioteca. Vira-o naquela mesma posição no dia em que Angelos chegou e pensara que aquele homem parecia um Lorde depois de tudo que havia passado. Se soubesse que não estava longe da verdade! Se Marty lhe tivesse dado um indício do que estava acontecendo, talvez estivesse mais preparada, tivesse procurado algum tipo de emprego para lhe garantir o sustento no futuro e, daquela forma, não ter de ficar à mercê do que Angelos estivesse planejando para ela. – E gostou do que aprendeu? – Oh, sim... estava achando fascinante. Tínhamos grandes planos para o North Copse e para as fazendas, em Felpersham. Pretendíamos modernizar seus... A voz de Jessica falhou, enquanto o observava anuir com um gesto de cabeça. Um fio de esperança se abrigou em seu coração, fazendo-a ofegar. Seria possível? Estaria sonhando ou Angelos estaria sendo gentil? Seria possível que ele estivesse planejando lhe oferecer um cargo que lhe possibilitasse administrar Manorfield como Marty sonhara que ela um dia faria? A mente de Jessica era um turbilhão, mas não saberia dizer se pela esperança de continuar em Manorfield ou pelo simples pensamento de trabalhar com Angelos. – Tenho planos para Felpersham também. Jessica lutava por controle. Se ao menos ele se virasse para que pudesse ler algo na expressão de sua face! Após alguns dias imersa numa gangorra emocional, ora escalando uma montanha de esperança, ora descendo o precipício da decepção, sentia-se incapaz de imaginar o que estava por vir ou se preparar para o desapontamento. – Tem? Ótimo. Quer dizer... que planos? – Mas eles não lhe dirão respeito. Angelos se voltou enquanto falava e a fez desejar que não o tivesse feito, pois daquela forma, Jessica foi capaz de ler seu destino nos olhos negros e na linha tensa dos lábios dele. Estremeceu, sentindo a mão do medo se estender e lhe torcer o coração. No mesmo instante, percebeu que a possibilidade de Angelos estar sendo gentil não passava de uma quimera. Não havia traços de gentileza em sua face. Nenhum sinal de receptividade. O que quer que tivesse planejado para ela, nada tinha a ver com o futuro brilhante com o qual se iludira por alguns instantes.. – Não? – ela conseguiu perguntar, impondo-se um esforço sobre-humano para manter o tom de voz firme. – Não – replicou Angelos, meneando a cabeça em negativa. – Esses assuntos não são pertinentes a cavalariços. Cavalariços. Mais uma vez as palavras fugiram dos lábios de Jessica.


Deveria ter percebido o que estava acontecendo. Sabia o tipo de homem que Angelos era e o motivo pelo qual estava ali. Voltara para tomar Manorfield, pois daquela forma seria ele a rir por último. Conseguiria sua vingança sobre ela por ter sido expulso do emprego da primeira vez em que estivera ali. Contudo, por alguns meros minutos, fora tola o suficiente para fantasiar. Pelo fato de Angelos lhe ter dito que a desejava muito, permitiu-se sonhar. Entretanto tudo que significava era que a desejava como mulher e não que lhe devotasse qualquer sentimento mais profundo ou que iria ajudá-la. Não queria dizer que havia esquecido o que acontecera entre eles no passado. Ao contrário. Saber que ela estava a sua mercê, sem ninguém para ajudá-la e nenhum lugar para onde ir, dera-lhe a oportunidade perfeita para a vingança mais completa. – O que isso tem a ver com o emprego que está me oferecendo? O sorriso de Angelos era lento e cruel. O brilho perverso nos olhos negros lhe fazia o estômago revirar. – Não é óbvio? – Para mim, não – disparou Jessica, determinada a fazê-lo verbalizar o que pretendia fazer com ela. Teria de admitir em voz alta o plano que tinha em mente. Iria lidar com aquela situação da forma mais digna e controlada possível. – Talvez não se importe em explicar. Um microscópico esboço de sorriso se estampou em seu rosto e, quando desapareceu, Jessica pôde perceber o quanto o gesto havia aquecido a atmosfera. – Sempre a senhora do Solar – afirmou Angelos com voz arrastada, encaminhando-se à mesa, onde ainda se encontravam as bebidas da noite do funeral. Abrindo uma garrafa de água mineral, serviu-se de um copo, concentrando-se no que fazia, como se estivesse planejando o que dizer. Mas Jessica não se iludia. Um homem como ele sabia exatamente o que estava prestes a fazer. A pequena pausa era apenas para causar efeito e lhe aumentar o nervosismo. – Ofereci-lhe um emprego... – estacou Angelos, erguendo o copo e sorvendo o conteúdo, enquanto os olhos negros se fixavam nos dela, transfixando-a com uma força tão poderosa que Jessica se viu incapaz de sequer engolir. Saber o que ele estava prestes a dizer não lhe diminuía a apreensão da descoberta. – Manterei minha palavra. Mas não estou certo de que irá gostar do que vou lhe oferecer. Acho que só exista um cargo disponível na propriedade no momento. Acha! Pois sim! Exclamou Jessica em seu íntimo. Se dissesse que lamentava, não poderia ser mais hipócrita. – E qual é? – O único cargo disponível é o de cavalariço, para ser preciso. Jessica esperava por aquilo. No momento em que ele proferiu aquela palavra, percebera onde Angelos queria chegar. Queria obter a vingança tão sonhada, mudando a posição em que se encontravam anos antes. Naquela época era a senhora do Solar. A adorada e, tinha de admitir, mimada enteada de Marty, que tanto quisera ter filhos. E Angelos era ajudante no estábulo, encarregado de preparar os animais para quando ela quisesse cavalgar. No presente, ele era o homem no comando e ela... E o que mais a magoava era o fato de que Angelos devia saber como ela se sentiria quando percebesse seu intento. E aquilo aumentaria o doce sabor da vingança.


Charlie. Seu belo Charlie. O maravilhoso garanhão árabe que Marty lhe comprara em seu 21º aniversário. O cavalo que adorava. Porém a venda fora feita no nome do padrasto. O garanhão constava na lista de propriedades de Manorfield e nunca fora transferido para seu nome. Portanto, à luz da lei, seu amado cavalo era propriedade de Angelos. Pertencia ao sanguinário Anjo Negro. Suspeitava de que ele estivesse ciente daquilo e o utilizaria para apertar os nós da corda com que a mantinha atada de maneira cruel. O homem de coração frio, calculista, conspirador... – Seu bastardo! Para surpresa de Jessica, a resposta que recebeu foi outro sorriso. Dessa vez, mais aberto e definitivo, porém desprovido de calor como o outro. – Se deseja me insultar, princesa, ao menos utilize algum termo que eu ache ofensivo. Sou um bastardo e sei muito bem. Soube disso mesmo antes de aprender a andar. Cedo o bastante para saber o que a palavra significava e pensar sobre o outro bastardo em minha vida. O pai havia seduzido minha mãe, abandonado-a grávida e voltado para casa para se casar com a mulher da qual estava noivo. Jessica não ignorava aquilo. A descoberta de que tinham algo em comum a tomou de assalto por alguns instantes. Porém, ante o olhar estampado na face dela, Angelos meneou a cabeça, reprovador. – Nem tente isso, princesa... não me diga que sente muito por mim, na esperança de que me torne um pouco mais generoso. Não funcionará. – Nunca tentaria isso – ela rebateu. – Eu deveria saber que aconteceria. Que não teria um cargo para me oferecer. Ao menos um que eu pudesse considerar aceitável. Esse não me interessa. – Não? – Os lábios de Angelos se curvaram com cinismo enquanto anuía. – Achei que essa seria sua resposta. Portanto, tenho outra ideia para você. – Outro cargo? Jessica mordiscou com força o lábio inferior, pensando na resposta que dera à primeira oferta. Seria possível que Angelos a estivesse testando para ver como iria reagir em seu modo de “senhora do Solar” a um emprego que julgava inferior ao seu status? Por certo sua resposta o havia levado a concluir que era assim que ela se sentia. Afinal, Angelos tinha a capacidade de interpretá-la de maneira errada. – E qual seria? – ela inquiriu, enquanto Angelos fazia outra pausa para tomar água. – Angelos! – Não quero apressar as coisas – ele replicou ao ver que ela perdia a paciência. – Afinal, não é todo dia que faço isso. – Faz o quê? – Outra pausa para mais um gole de água, antes de pousar o copo na mesa. – Faz o quê? – Pedir a alguém para ser minha sócia. Se Angelos lhe tivesse desferido uma bofetada não a surpreenderia mais ou lhe faria a cabeça rodar mais violentamente. Deveria saber que aquilo era uma brincadeira cínica. Nunca tivera outro emprego para lhe oferecer. Quisera apenas atormentá-la com a possibilidade de torná-la um cavalariço como ele fora um dia. – Oh, essa é boa! – Jessica imitou uma risada cínica, afastando-se para colocar o máximo de distância entre eles. Não podia descartar a possibilidade de Angelos querer beijá-la para provar que havia, como costumava dizer, negócios pendentes entre ambos. Afinal, por certo pensava que podia subjugá-la com um beijo, deixá-la ofegante e ainda mais disposta a aceitar a proposta indecente que acabara de lhe fazer. Por fim, seria capaz de retirar a oferta da sociedade, escarnecendo dela por ter sido tola o suficiente para acreditar em tal proposta. Portanto, era melhor deixar claro que não acreditava que ele


falava sério, já que não havia a possibilidade de Angelos desejá-la como sócia por um instante sequer. Fazia aquilo apenas para atormentá-la com a possibilidade de ter sua vida de volta.


CAPÍTULO 9

– MUITO ENGRAÇADO, Angelos – disse por fim, com o tom de voz mais duro e afiado do que pretendia. – Já fez sua piada e espero que tenha se divertido. Não pensou que eu ia cair nela, pensou? – Não estou brincando – retrucou Angelos em tom calmo, porém firme e aparentemente sincero, o que a fez sentir o chão sumir sob os pés e ela se amparar no espaldar de uma cadeira. – Ora, vamos! Não tente me convencer que está falando sério sobre essa falsa proposta! – O que a faz pensar que não estou sendo sincero? O tom de Angelos a fazia sentir-se como uma idiota por não crer que a proposta fora genuína. De modo que Jessica suspirou fundo e se forçou a observá-lo por alguns instantes, tentando detectar algum traço de humor ou cinismo nos olhos negros. Entretanto não conseguiu divisar nada daquilo. Tudo o que vislumbrava era uma expressão sincera e aberta que depunha a favor da possível sinceridade de Angelos. Contudo, por mais que pensasse, parecia-lhe impossível que tal oferta fosse genuína. – Não foi uma proposta séria! – insistiu Jessica, desesperada. – Que tipo de relacionamento está sugerindo? – Tenho de colocar Manorfield no século XXI. Para tanto, preciso da colaboração das pessoas daqui: os aldeões... e os arrendatários das fazendas. São todos tradicionalistas, pessoas que vivem há anos onde suas famílias habitaram por séculos. Costumam agir como sempre o fizeram, lidando com as pessoas de sempre. Até então, foram Marty e seus antepassados. Mas agora tudo mudou. – Sim – murmurou Jessica, amarga. – Você representa a mudança. Apareceu em nossas vidas e tomou posse de Manorfield e agora nada será como antes. – Não como antes, mas talvez... bem próximo. – Como assim? Angelos a fitou com uma mistura de exasperação e impaciência, como se ela tivesse a obrigação de saber o que ele pretendia dizer. – Se mesclarmos o novo com o velho. Marty perdeu as rédeas nos últimos anos. Dedicava-se ao jogo e afundou em dívidas que não o deixavam se concentrar em mais nada. Os negócios em Manorfield estão indo por água abaixo rapidamente. Precisamos de trabalho duro, dinheiro e tempo para recuperá-


la. Tenho capital, tempo. Desde que disponha da lealdade de meus empregados e a confiança de meus arrendatários, conseguirei fazê-la crescer. – Mas... – começou Jessica quando ele fez uma pausa para respirar, pois era óbvio que existiria um “mas” e, no momento, podia ver o que estava por vir. – Mas eles não têm confiança em mim. Veem-me como um estranho, vindo do nada, e que usurpou a linhagem da família que tinha a propriedade como herança. – Eu... – Jessica deixou escapar a palavra como um suspiro. – Você – ele afirmou, categórico. – É você que eles esperavam herdar os bens de Marty. Pode não ter o sangue de seu padrasto, mas sob o ponto de vista deles é quem tem o direito moral à propriedade. – Então essa estratégia... – Seria a solução. Com você ao meu lado, conseguiria estabelecer uma ligação com a tradição que esperam seguir. Com meu capital e seu conhecimento poderíamos reerguer Manorfield, fazê-la render e ser lucrativa outra vez. Deus! Ela estava quase tentada a aceitar. Angelos fazia parecer maravilhoso, se fosse possível. E com ele à frente dos negócios não tinha dúvidas de que seria. Sempre amara aquele lugar e lhe partiria o coração ter de deixá-lo. Se ao menos... – Essa sociedade – começou Jessica – seria apenas um acordo de negócios... – Parou de modo abrupto, incapaz de continuar ao perceber Angelos menear a cabeça em negativa. – Não apenas negócios – ele replicou. – Mas também prazer. – Prazer? – ela indagou, tomada de surpresa. – Que prazer? Mais uma vez Angelos a fitou, cético. – Que outro se não o sexual, agape mou? Será ao mesmo tempo uma sociedade de negócios e sexo. Dessa forma, uniríamos o útil ao agradável. – Está me pedindo para que seja sua amante! A amargura que lhe atingiu a alma ante a constatação de que, por alguns instantes, fora tola o suficiente para pensar que ele estava lhe oferecendo uma sociedade honesta, fez a voz de Jessica tremer de desgosto. – Que mais? – disparou Angelos. – Por certo não pensou que me ajoelharia diante de você e pediria para se casar comigo, não? – A imagem daquele homem imponente e forte ajoelhado diante dela a fez estremecer e ofegar. – Não estou à procura de uma esposa, mas uma amante me seria conveniente. – Nunca! Nem em sonho! A resposta saiu demasiado afiada e nervosa até mesmo para seus próprios ouvidos e temeu que Angelos lhe reconhecesse o desespero. – Deveria ao menos fazer a cortesia de ser honesta – ele revidou. – Estou lhe oferecendo a chance de permanecer em Manorfield e não consegue sequer responder com sinceridade? – Eu... – começou Jessica, percebendo que não conseguiria encará-lo e, portanto, fitou o chão. – Pequena mentirosa. – O tom era suave e sensual. – Sabe que o que há entre nós é especial. Algo que muitos sequer experimentam em suas vidas. – Eu... – Jessica tentou argumentar, porém não encontrava as palavras. – Está negando a si mesma e a mim se tentar fingir que isso não existe. – Não estou fingindo! – Não? – Pela primeira vez desde que haviam começado aquele diálogo, Angelos abandonou o tom frio e controlado que até então o mantivera aparentemente relaxado do outro lado do aposento.


Moveu-se tão rápido que ela sequer o viu se aproximar, até que sentiu a mão forte segurá-la pelo braço e girá-la para que o encarasse. – Então acho que precisa que refresquem sua memória. Necessita de algo que a transforme dessa gata bravia que está na minha frente na amante ardente que ofegava em meus braços ontem à noite? A mulher capaz de esquecer tudo e todos quando está comigo porque quando estamos juntos não tem necessidade de mais ninguém? – Eu... – Jessica lutou, impotente, para se desvencilhar não só das mãos fortes, mas também do tenebroso desespero por saber em seu íntimo que Angelos tinha razão. Mesmo sabendo a verdade, não conseguiu evitar que o tolo coração se iludisse pelas palavras sedutoras que aqueles lábios sensuais proferiam como um botão de flor desabrochando ao sol. Ele não a amava, não alegava nada além de um devastador desejo carnal. Ainda assim, tocava a parte carente de Jessica, que desejava ardentemente ser desejada por alguém. Angelos estava certo sobre o que acontecia quando estavam juntos. O mundo parecia evaporar numa névoa espessa através da qual não podia enxergar nada além do Anjo Negro. A fragrância masculina a envolvia a cada inspiração. O calor do corpo forte a trespassava, aquecendolhe o sangue e acelerando o pulso. Sabia que seus lábios estavam preparados para ser arrebatados, mesmo antes de Angelos inclinar a face e tomar posse deles. E ela se perdeu, mergulhando no beijo possessivo e sentindo as ondas de pura sensualidade a engolfarem outra vez, roubando-lhe toda a resistência. Nunca seria capaz de resistir à química que os unia. Aquela era a razão de sua existência. A racionalidade talvez gritasse para lutar contra o que parecia ser o caminho mais curto para a desilusão, porém, o instinto feminino primitivo ansiava por se entregar àquela força elementar. – Sim – murmurou Angelos contra seus lábios. Suas respirações misturadas. O sabor daquele homem, um afrodisíaco. – Era a essa mulher que me referi... e que quero. – Sim... Não havia como voltar atrás na afirmação. Angelos devia saber como se sentia, reconhecer a própria vitória ao percebê-la derretida em seus braços fortes. E quando a mão experiente se fechou em concha sobre um dos seios macios e firmes, Jessica emitiu um gemido gutural e o pressionou com força contra o toque excitante. E de repente o calor e a paixão cessaram. O magnetismo que a envolvia desapareceu e ele não estava mais lá. Angelos a havia beijado mais uma vez e a afastado em seguida, dirigindo-se ao lado oposto do aposento, de forma que mais uma vez o sofá se interpusesse entre os dois. A repentina corrente de ar frio contra seu corpo aquecido lhe causou um choque, deixando-a trêmula. E fora do círculo protetor dos braços fortes, sentiu-se só. – Agora vai me dizer a verdade? – A determinação no tom a atingiu como balas de um revólver, enquanto lutava para clarear a mente. – Admitirá que o que existe entre nós é mais forte que nossos próprios sentidos? Jessica tentou articular algum som que se assemelhasse a uma concordância. Sentia todo o corpo dolorido pela frustração, e o coração batia tão acelerado que a fazia suspeitar que fosse explodir. Podia ver o desafio estampado na cabeça erguida e no brilho dos olhos negros. Tarde demais, lembrou o motivo pelo qual o ficara esperando até a madrugada. Desejava se desculpar pelo que


acontecera entre eles anos atrás. Mas aquele homem não merecia nenhuma concessão. Preferia morrer a se desculpar com ele. – Por certo, maior que nossos sentidos – conseguiu dizer Jessica por fim. – É verdade. – O som da voz, áspera e rouca, o fez franzir o cenho. Estendendo a mão, ele pegou o copo de água que pousara sobre a mesa e lhe ofereceu. – Quer beber? Está parecendo um tanto acalorada. Acalorada pela vergonha, pensou Jessica em seu íntimo, pela raiva produzida pelas palavras de Angelos. Mas, tinha de admitir, também pela ânsia da paixão suscitada pelos beijos ardentes e as carícias ousadas. No entanto aquilo fora há instantes. No momento, todo aquele calor havia evaporado e o que restou lhe fazia o sangue correr frio nas veias. A raiva e a amargura da traição. Era aquilo que lhe dava forças e a fazia esboçar um sorriso tenso e que qualquer tolo perceberia não ser sincero. – Obrigada – ela agradeceu, pegando o copo com cuidado para não tocar a mão de Angelos. Temia que o contato fosse mais do que podia suportar. Tomou um gole, agradecida pelo efeito da água fresca descendo por sua garganta ressequida. – Então, já se decidiu? O que diz de minha proposta? – Sim, decidi-me. – Jessica exultou em perceber a própria voz voltar a um tom calmo e o detalhe não passou despercebido a Angelos, já que a leve tensão que lhe contraía os ombros pareceu se abrandar. – Tenho uma resposta para sua proposta – afirmou, dando alguns passos vagarosos em direção a ele enquanto falava. Precisava fazer aquilo da forma correta. Não havia espaço para erros. Angelos a fitava com determinação, o que deixava claro que não sabia o que estava por vir. Podia até mesmo divisar um brilho de triunfo nos olhos negros. Deixou que ele saboreasse a suposta vitória por mais alguns instantes enquanto parava para tomar fôlego, e girava o copo nas mãos. Quando se posicionou de modo correto, fitou-o diretamente nos olhos e sorriu. – Esta é a minha resposta... – Com um movimento rápido, ergueu o corpo e jogou o conteúdo na face masculina e arrogante, sentindo-se deleitada ao vê-lo piscar várias vezes ante o choque da água gelada que escorria pelos cabelos e lhe ensopava a camisa. – Isso é o que penso de sua proposta! – declarou Jessica veemente. – Jamais serei sua amante... prefiro ficar com o cargo de cavalariço. Por alguns instantes, o brilho letal de raiva nos olhos negros a amedrontou a ponto de se preparar para correr caso ele esboçasse qualquer reação. Mas Angelos limitou-se a piscar com força para dispersar a água dos olhos; depois, passou as costas das mãos sobre a face e, para sua surpresa, sorriu. Um frio, seco e implacável sorriso. – Foi o que pensei – retrucou em tom cínico, tirando-lhe o fôlego com a total falta de emoção na voz. – De alguma forma, achei que essa fosse a sua resposta. E assim está bem para mim. E enquanto Jessica ainda tentava digerir a resposta que fora o oposto da que esperava e abria e fechava os lábios sem emitir som algum, ele girou nos calcanhares e se dirigiu à porta. Havia quase alcançado o hall quando parou e se voltou, fitando-a por sobre o ombro molhado. – O emprego é seu. Pode começar amanhã.


CAPÍTULO 10

JESSICA DERRUBOU o último feixe de palha suja dentro do carrinho de mão e pousou o grande forcado sobre ele. Empertigando-se, esfregou as mãos sobre a face e deixou escapar um suspiro. – Agora é com você, Saracen – ela disse, dando palmadinhas leves na lateral do pescoço do grande cavalo baio e segurando o carrinho de mão outra vez. – Tudo limpo e organizado de novo. Uma vez no estábulo principal, fechou cuidadosamente a porta da baia de Saracen e se espreguiçou, abrandando a tensão dos músculos não acostumados ao trabalho pesado. Sentia-se exausta. Bem, ao menos iria dormir a noite inteira, tentou se animar. Fazia três dias que trabalhava nos estábulos e não conseguia ter uma noite de sono decente desde que Angelos voltara a sua vida, apesar do conforto de seu quarto. – Maldição! – resmungou, enquanto empurrava o carrinho em direção ao lado oposto do estábulo e através da porta aberta que dava para o pátio. Quando ele lhe deu aquela função, esperava que insistisse para que ela ocupasse o pavimento sobre o estábulo também. Afinal, aquela seria uma vingança perfeita. Uma virada total de jogo, forçando-a a viver no diminuto apartamento que ele ocupara sete anos antes quando aceitara o emprego em Manorfield. Não esperava outra coisa depois de ter se recusado a lhe servir de amante e jogado um copo de água em seu rosto. Sendo assim, surpreendeu-se quando Angelos lhe disse que poderia continuar ocupando o mesmo quarto na casa, ao menos até que a reforma do apartamento sobre o estábulo fosse finalizada. – Aquele lugar não serve sequer como casa de cachorro – ele comentou quando Jessica o procurou para conversar sobre quais seriam suas atividades e o salário. – Precisa ser derrubado e erguido outra vez. – Esteve lá? Jessica estava de fato atordoada. A recordação do que lá ocorrera entre eles a fez sentir um arrepio na espinha. O que teria se passado na cabeça de Angelos quando visitou o lugar? Teria se lembrado da cena grotesca em que ela trajava apenas lingerie de renda e sapatos de salto alto? Na época julgara-se tão sofisticada e sexy naqueles trajes. Mas agora lhe parecia ridícula e a milhas de distância da mulher que pretendia parecer.


– Fui até lá outro dia. – Percebendo-lhe a expressão e notando a forma como mordiscava o lábio inferior, Angelos riu, cínico. – Não foi uma visita nostálgica se é o que está pensando. Fui verificá-lo quando estava fazendo uma inspeção em toda a propriedade. Foi quando constatei que estava em péssimas condições. – Você teve de ocupá-lo. Pensei que me forçaria a fazer o mesmo. – Foi uma decisão de Marty, não posso fazê-la pagar por isso. Não tem condições de ser ocupado. – Ninguém o fez desde sua partida – retrucou Jessica, tentando não lembrar como tivera de lutar para não se recordar dos diminutos e sombrios aposentos cada vez que entrava no estábulo. Poderia ter lhe pedido desculpas por sua atitude, reprovou-a a própria consciência. Apesar do atenuante do pânico que sentira, havia se portado de maneira abjeta. Angelos, porém, que aparecera ali depois de tanto tempo, atropelando tudo e todos, apossando-se de tudo, não merecia um pedido de desculpas, não após sete anos. E depois da indecente proposta que lhe fizera... Tal oferta era uma das razões de sua insônia. O momento em que ele lhe declarara que poderiam ser amantes lhe vinha à mente todas as noites quando se deitava e fechava os olhos. Dessa forma, era forçada a encarar a verdade. O fato de quase ter dito sim. Bastaria que Angelos a deixasse permanecer por mais tempo nos braços fortes e a beijasse um pouco mais. E, consequentemente, estaria desfrutando de uma vida luxuosa em vez de ficar se preocupando com as contas no final do mês. – Não! – Irritada, chutou um feixe de palha que se chocou com a parede oposta e ricocheteou de volta. Tremia ao simples pensamento de manter um relacionamento sexual com Angelos. Não era mais a adolescente com os hormônios em ebulição que sonhava com o homem mais belo que já conhecera. Queria mais de um relacionamento do que apenas o ardente afã sexual, embora tivesse de admitir que o efeito que aquele homem provocava em seu corpo era difícil de ignorar. Essa era mais uma razão pela qual não conseguia conciliar o sono. O simples fato de estar no Solar em companhia dele, vê-lo todos os dias, absorto no trabalho em sua determinação de fazer de Manorfield um sucesso outra vez, perturbava-lhe a paz de espírito. Chamara-lhe a atenção a frequência com que Angelos aparecia nos estábulos. Porém, no final do dia, quando no santuário de seu quarto, mesmo quando conseguia dormir, os sonhos eram povoados pela imagem poderosa, morena, e extremamente sexy do homem que, em seu íntimo, apelidara de Anjo Negro. Atrás dela, um dos cavalos relinchou. Voltando-se, Jessica avistou a familiar cabeça cinza se projetar de uma das baias. De imediato, a expressão da face se suavizou e ela deu um passo à frente, sorrindo. – Charlie... – Com um gesto suave, acariciou o pescoço curvado do querido garanhão, recebendo em troca os ruídos prazerosos do animal. – Eu sei, Charlie. Você é só meu – brincou Jessica, enfiando a mão no bolso, onde guardava pedaços de maçã para lhe dar. – Mas como posso provar? De acordo com a lei, tudo que Marty possuía agora pertence a Angelos. Havia se certificado daquilo. Chegara até mesmo a pedir a Simeon Hilton que passasse um pente fino na documentação à procura de alguma brecha que a fizesse continuar de posse da propriedade, mas fora em vão. Tudo ali pertencia a Angelos. – Ao menos enquanto estiver nesse emprego poderei tomar conta de você. – Foi por isso que aceitou este cargo... A voz masculina encorpada, sexy e dolorosamente familiar soou da porta que levava ao pátio, fazendo o coração de Jessica disparar.


– Não percebi que estava aí, senhor – ela disse, enfatizando a última palavra de modo que ficasse claro não se tratar de uma cortesia. – Estava muito distraída com seu belo amigo. E então Angelos já estava ao lado dela, deixando-a tensa com a descarga elétrica que aquela proximidade produzia em cada célula viva de seu corpo. O que piorou quando ele esticou a mão para dar pancadinhas firmes no lombo do garanhão e esbarrou no seu braço. – É um belo animal. – O formal homem de negócios dos últimos dias havia desaparecido e no lugar dele estava alguém que Jessica não via desde que haviam trocado de posição. A camiseta clara que Angelos trajava contrastava com a pele morena e deixava expostos os braços longos e musculosos. Jessica não pôde evitar a lembrança de como se deleitava com a visão dos membros fortes carregando os feixes de palha como ela acabara de fazer. Naquela época, considerava-o um homem rude e sexy que nunca poderia imaginar como um imaculado homem de negócios trajado com camisa social e gravata de seda. Oh, a quem estava tentando enganar? Ainda se sentia daquela mesma forma. Nada do que acontecera havia mudado o que sentia por ele. Aquele homem tinha a capacidade de reduzi-la à condição de uma ingênua adolescente só pelo fato de existir. De soslaio, percebeu que a camiseta terminava em uma calça jeans desbotada que lhe escorregava mais abaixo nos quadris e se colava como uma segunda pele às coxas musculosas. A fragrância da pele quente lhe inundava as narinas. Não se atrevia a encará-lo, porém as feições belas e marcantes estavam impregnadas em sua memória de uma forma que nunca poderiam ser apagadas. – Então ele de fato é seu. Aquilo venceu a determinação de Jessica em não encará-lo. – Você... ouviu? – Sim. – Angelos mantinha a atenção no garanhão enquanto falava, deslizando as mãos pelo flanco brilhoso. Quando Charlie moveu o focinho em direção ao novo ocupante do estábulo, ele deixou que lhe fucinhasse a palma da mão. Algo naquele sorriso tocou fundo o coração de Jessica, fazendo-a lembrar de... Prendeu a respiração ao perceber que era em Marty que pensava. Talvez fosse a prova viva do amor do padrasto, materializada na figura do belo animal a sua frente que a fizera ligar dois homens tão diferentes fisicamente. – Embora eu já soubesse – continuou Angelos. – Sabia? A mente de Jessica se encontrava em turbilhão e os olhos marejados de lágrimas que as lembranças fizeram brotar. – Esse animal não tem o estilo de seu padrasto. Saracen, sim. É forte, confiável e sólido. Este aqui... como é o nome dele? Charlie? É o tipo de cavalo que Marty compraria para alguém que amava em uma ocasião especial. Qual foi? Aniversário. – Quando fiz 21 anos. Aquela voz estrangulada seria a dela? Onde Angelos pretendia chegar? Usaria aquilo como outra arma em sua guerra psicológica contra ela? Iria tripudiar sobre o fato de ela não ter nenhuma documentação a provar que o garanhão lhe pertencia? – Pedirei para que Simeon resolva isso. – O quê? As palavras não faziam sentido. Não sabia a que ele estava se referindo.


– Bem, é óbvio que seu cavalo não fazia parte da propriedade. Falarei com Simeon para legalizar sua posse sobre Charlie. – Você acreditou em mim. Aceitou o fato de Charlie ser meu. – Claro que sim. Por que não o faria? Uma alegria imensa a invadiu, trasbordando-lhe o coração e lhe dominando os pensamentos. Após os terríveis últimos dias, durante os quais pensara que tudo e todos que amava lhe haviam sido usurpados, a notícia inesperada lhe inundou a mente como um facho de luz brilhante. Sob a influência daquele sentimento e não pensando nas possíveis consequências, atirou-se ao pescoço de Angelos num gesto espontâneo e o abraçou com força. – Oh, obrigada! Obrigada! – A imediata tensão do corpo másculo a devia ter alertado, mas o estado de euforia de Jessica não permitiu. – Não poderia ter feito algo que me deixasse mais feliz. Tomado de assalto pelo rompante, Angelos esticou os braços para segurá-la e equilibrar a ambos. Aquela fora sua intenção inicial, mas no instante em que os braços fortes a envolveram, soube que seus planos haviam mudado e ampará-la passou a ser a última coisa que tinha em mente. – Jessica... Quando os lábios macios se inclinaram em direção ao rosto másculo, Angelos girou a cabeça de forma que as bocas se encontrassem, quentes, firmes e instantaneamente responsivas. Antes mesmo de beijá-la, sentiu o corpo curvilíneo se moldar ao dele. Era como se o presente se evaporasse na onda de calor que o engolfou, fazendo-o recuar no tempo para o momento em que estivera naquele mesmo estábulo, guardando os cavalos nas baias antes de subir a escada do pequeno apartamento e a encontrara esperando por ele. A imagem estava impregnada em sua memória, pois estivera no apartamento dias antes. Durante a inspeção, a visão de Jessica naquela noite lhe voltava, inexorável, à mente. A figura esguia e ainda em desenvolvimento trajada apenas com a lingerie de renda que a fizera parecer demasiado jovem. Ridícula, impossível e perigosamente jovem. Tentara de todas as formas manter distância, mas Jessica ignorara qualquer alerta para se manter fora do caminho dele. – Não pensa em mim como mulher? – ela indagara. – Sou uma mulher real e lhe provarei isso. E então se jogara em seus braços e Angelos se viu perdido. Toda a determinação de se conter, de afastá-la, evaporou e por alguns instantes foi incapaz de se afastar. Da mesma forma que naquele instante, enquanto lhe tomava os lábios em um beijo profundo. Sentia o coração bater descompassado e uma onda de desejo sexual o envolveu, quente e imperiosa, fazendo-lhe o sangue fluir apressado e enrijecê-lo. Sabia que Jessica podia sentir o mesmo pelo modo como o corpo macio se colava ao dele, a boca faminta correspondia ao beijo, as mãos delicadas se enterravam em seus cabelos, enquanto o puxava em direção a ela e aprofundava cada vez mais o beijo com ousadia. O corpo que no momento acariciava pertencia a uma mulher adulta e não mais a uma adolescente que mal saíra da infância. Não havia por que se conter.


CAPÍTULO 11

AINDA SEGURANDO-A firme contra o corpo excitado e a boca exigindo a dela, Angelos deu um coice na porta aberta, soltando um gemido de satisfação quando ouviu o som da fechadura isolando-os da claridade do pátio e do resto do mundo. No momento seguinte, carregava Jessica para longe das baias ocupadas em direção aos fundos do estábulo, onde pilhas de palha recém-lavada se encontravam armazenadas. Uma manta de cavalo limpa estava pendurada na parede e ele a puxou, segurando-a em uma das mãos, enquanto a outra ainda conservava Jessica colada ao próprio corpo. Não que Jessica precisasse daquilo, pois se encontrava grudada a ele com uma das mãos ainda enterradas nos cabelos negros e macios e a outra espalmada contra as costas largas. E quando a necessidade de estender a manta sobre o chão o fez afrouxar a força com que a segurava, ela deslizou a mão por dentro da camiseta larga, acariciando-lhe a pele das costas com dedos ávidos. O contato o fez emitir um gemido de prazer, os olhos semicerrados, fazendo-o quase tropeçar no desnivelado chão de pedra. – Jessica, agape mou... tome cuidado, assim nos fará ca... Ela riu contra os lábios quentes e outra onda de erotismo lhe embotou os sentidos. – Não é isso que deseja... que ambos desejamos? – Sabe que sim, mas não desse jeito, deixe-me... De alguma forma, Angelos conseguiu estender a manta por sobre a palha dourada. No momento, uma das mãos ávidas de Jessica subia por sua espinha e a outra brincava, atormentadora, em torno do cós da calça jeans. Percebeu quando ela sentiu o calor e rigidez da ereção, pela forma como se sobressaltou por uma fração de segundo e, em seguida, ofegou. Por um momento, parecia que o coração de Angelos havia parado, esperando, como há sete anos, que a mulher em seus braços se retesasse em pânico e o empurrasse. Todavia se precisava de alguma prova de que aquela mulher não era a menina que não soubera lidar com a própria sensualidade anos antes, bastou sentir a forma como Jessica relaxou outra vez, o sorriso que esboçou e a ousadia das mãos, que recomeçaram a acariciá-lo com intimidade, deslizando pelo zíper da calça jeans. Não. Aquela não era a adolescente ingênua que conhecera.


Aquela Jessica era toda mulher e, por instantes, Angelos fechou os olhos e elevou uma prece aos céus em agradecimento. E de repente Jessica estava caindo sobre a manta estendida, puxando-o consigo. E quando caíram sobre a cama improvisada, com as curvas do corpo perfeito sob o dele, os seios firmes colidindo com o peito musculoso e os quadris absorvendo-lhe o calor e a rigidez, Angelos soube que aquilo só poderia ter um desfecho possível e era o mesmo com que sonhara todos aqueles anos. – Desta vez terminaremos isso – ele murmurou, contra a curva do pescoço delicado, sentindo-lhe a pulsação frenética. – Será minha. Nada nem ninguém irá se interpor entre nós. Jessica sentiu o coração disparar com o som as palavras proferidas em tom rouco e possessivo. Angelos não poderia ter dito nada mais adequado para fazer a alma se elevar e afastar os temores. As palavras lhe embotaram a mente como o mais potente dos vinhos, somando-se ao delírio do desejo que já se apossara dela e elevando-a em espiral ao ápice do apetite sexual. Se pensara ter conhecido a excitação e o prazer erótico dias atrás, aquilo não era nada comparado à paixão ardente que a consumia enquanto oferecia mais uma vez os lábios aos beijos ousados. Só percebeu que Angelos havia lhe arrancado a blusa, desabotoado-lhe o sutiã e tirado a própria camiseta quando sentiu o calor da pele masculina e a abrasão do peito musculoso contra os seios, fazendo-a gemer de prazer e pressionar o corpo ainda mais contra o dele no intuito de intensificar a excitação de ambos. As mãos delicadas, guiadas pela urgência, lutavam com a fivela do cinto e Jessica deixou escapar um resfolego de frustração quando não conseguiu abri-la. A risada suave de Angelos ecoou em seus ouvidos, quando, de maneira gentil, pousou os dedos nos dela. – Permita-me, kardia mou... – dizendo isso, tomou-lhe os lábios mais uma vez, enquanto terminava a tarefa com eficiência e se livrava da calça jeans. A palha seca sob a manta rangeu quando ele se postou ao lado de Jessica, depositando uma trilha de beijos pelo pescoço delicado, passando pelo colo até o ponto em que os mamilos róseos túrgidos pareciam suplicar a atenção dos lábios quentes e da língua experiente. Enquanto isso, as mãos fortes a livravam da calça jeans que ainda trajava, levando junto a roupa de baixo e atirando-a na pilha de roupas descartadas ao lado deles. Em seguida, deslizou uma das mãos entre as coxas macias, deixando escapar expressões ousadas em sua língua natal quando encontrou o calor e a umidade exacerbada da intimidade de Jessica, a prova de como ardia de desejo por ele. – Está pronta... – Sim... Foi tudo que Jessica conseguiu balbuciar. Se ele a tocasse outra vez, perderia o controle e toda a capacidade de articular o que quer que fosse. Mas havia algo que precisava dizer para torná-lo ciente de que era ele o único homem que desejava. Estava pronta para recebê-lo, e a ninguém mais. – Sim, Angelos... sim. Estou pronta para você – murmurou-lhe ao ouvido. – É você que desejo... só você e mais ninguém. Quero que me possua agora. Faça-me sua porque sou só sua... A declaração urgente terminou em um grito de prazer quando Angelos ergueu o corpo musculoso e com uma das pernas apartou as dela, postando o quadril entre as coxas macias. O brilho da paixão queimando nos olhos negros, Jessica sustentou-lhe o olhar com toda a sinceridade e coragem que pôde reunir.


– Penetre-me, Angelos – ela suplicou, arqueando o corpo em direção à rigidez masculina, excitandoo, convidando-o. – Penetre-me, am... A palavra final foi interrompida, transformando-se em um som alto e prazeroso quando ele a obedeceu e se enterrou na intimidade quente e pulsante com um movimento lento e preciso. Jessica inclinou a cabeça para trás. As mãos se fechando em torno dos ombros largos, enquanto se entregava à inebriante sensação de estar sendo preenchida por aquele homem. Absorveu o gemido de prazer de Angelos em sua boca e o encorajou com um leve movimento de quadril – Jessica... agape mou... sentir você é maravilhoso! – O mesmo digo eu, querido... – ela retrucou, deslizando, em seguida, a ponta da língua pelo contorno da orelha de Angelos. Aquele era um novo homem. Como ela nunca vira. Cujos lábios suavizavam quando a beijavam, os olhos estavam repletos de algo brilhante que intensificava a escuridão das pupilas dilatadas e as palavras sussurradas eram roucas e íntimas e destinadas somente a ela. – Angelos... Mais uma vez Jessica pressionou os lábios contra os dele e ergueu os quadris para engolfar todo o comprimento dele. – Jessica... Dessa vez o nome foi pronunciado como um gemido de entrega e quando ele o fez, Jessica percebeulhe a expressão mudar de forma dramática. Todos os músculos se encontravam retesados, a boca firme e a mandíbula contraída e o brilho suave dos olhos negros, tudo substituído pelo calor do desejo. As próximas arremetidas foram intensas e poderosas, erguendo-a e a levando consigo para um mundo onde apenas os sentidos importavam, somente os corpos e a tempestade de prazer que se criava entre os dois. Os primeiros sinais do clímax cresciam dentro dela, intensificando-se a cada movimento que faziam. Angelos também parecia estar perdendo o controle. A respiração se tornando mais pesada, enquanto murmurava-lhe o nome indefinidamente. O som do próprio nome ecoando nos ouvidos em tom rouco de prazer, e o fato de ser ela a fazer com que aquele homem poderoso perdesse o controle por completo, foi o estímulo final para que Jessica se perdesse no doce esquecimento do êxtase. Através das calorosas nuvens de deleite que lhe embotavam a mente, sentiu Angelos alcançar o próprio clímax. O corpo musculoso se retesou mais uma vez, arremetendo com força, tremendo em total satisfação e, por fim, desabando sobre ela. A cabeça descansou sobre os seios firmes e os lábios depositaram um último beijo na pele macia de Jessica. Bem mais tarde, quando os batimentos do coração de Angelos arrefeceram, a respiração voltou ao normal e o suor que lhes cobria os corpos secou, Jessica abriu os olhos e tornou a fechá-los, incapaz de encarar a realidade do que acabara de acontecer. Temendo fitá-lo nos olhos e descobrir o que ele estava pensando e não saber que caminho seguiriam a partir dali, retrocedeu para a escuridão das pálpebras cerradas sem, no entanto, conseguir conter um leve tremor ante o frio que lhe percorreu a espinha. – Desculpe-me. Por um aterrorizante segundo, imaginou que Angelos estivesse se desculpando por terem feito amor. Ele, no entanto, interpretou seu tremor como uma reação genuína de frio e estendeu a mão para pegar


a camiseta, colocando-a sobre o corpo desnudo de Jessica e, tomando-a nos braços, descansou o queixo sobre sua cabeça. – Só uma coisa, princesa – começou Angelos e o tom autoritário a fez retesar o corpo. – Nunca mais me chame de senhor. O sentimento de alívio foi tão imediato que a deixou sem saber se ria ou chorava. Estivera esperando algum comentário de arrependimento e a brincadeira a tirou do prumo. – Eu disse isso? – indagou, vasculhando a mente à procura dos momentos que haviam precedido a tempestade de paixão que lhe usurpou o pensamento lógico. – Sim... e em tom de insulto. Se vamos ser amantes, palavras como essa não poderão fazer parte de nosso vocabulário. – Nesse caso, prometo nunca mais... Jessica não sabia como manter a voz em tom neutro quando seu coração parecia querer explodir dentro do peito. As palavras de Angelos tinham um sentido ambíguo que a deixavam sem saber como interpretá-las. A palavra “amantes” denotava um estado temporário. Fora o que Angelos lhe oferecera como alternativa ao trabalho no estábulo. No entanto, para ser realista, tinha de admitir que aquela proposta fora motivada por motivos profissionais. Estaria preparada para encarar uma relação passageira? A resposta que lhe veio à mente a fez estremecer no íntimo. Amantes eram motivados pela luxúria, e a sociedade que ele lhe propusera por questões financeiras. O que seria pior aceitar? O mais terrível era que, naquele instante, estava inclinada a aceitar as duas coisas, se aquilo significasse passar mais tempo ao lado de Angelos. Pensando nas palavras que dissera no afã da paixão, sentiu o rubor se espalhar pela própria face, ao pensar no que as palavras impensadas haviam revelado. Agradeceu aos céus pelo fato de não ter terminado aquela frase. “Penetre-me”, ela dissera. Se continuasse teria dito: “Ame-me.” Entretanto sabia que aquelas não eram as palavras que Angelos desejava ouvir. Não era amor que queria dela. No entanto era amor o que sentia, concluiu Jessica. De maneira tola, louca e perigosa se apaixonara perdidamente por aquele homem. Ou talvez o tivesse amado desde o primeiro momento em que pousara o olhar no Anjo Negro. Talvez fosse aquele o motivo pelo qual fora estúpida o suficiente para pensar que pudesse ser feliz com Chris. Aos 18 anos apaixonara-se por ele e, após ter sido tratada com indiferença, o instinto de autopreservação a fizera escolher um homem tão diferente do Anjo Negro quanto possível. Mas a partir do momento em que Angelos retornou a sua vida, não seria capaz de olhar para qualquer outro homem, quanto mais se casar com alguém que não fosse ele. Ao lado dela, a palha rangeu mais uma vez, quando Angelos se mexeu, passando as mãos pela massa de cabelos negros. – Tenho de ir... – Olhava em volta, esticando a mão para as roupas descartadas. A expressão ansiosa lhe dizia que ele queria sair dali. – Ir para onde? – Lembrei-me do que vim lhe dizer... – Num gesto instintivo, Jessica apertou a camiseta, desejando colá-la ao corpo e, assim, mantê-lo junto a si. Mas Angelos já estava de pé e outra vez teve a impressão


de que ao sair daquele estábulo a paixão que acabaram de compartilhar lhe sairia da mente. – Tenho de viajar para a Grécia. Há negócios urgentes para resolver. Mas era muito distante, pensou ela. – Voltará? Angelos estacou, com a metade do zíper da calça abotoado. Virando a cabeça, fitou-a diretamente nos olhos como a lhe perpassar a alma. – Não sei. Diga-me você. Voltarei? Quer que eu volte? Teria de pedir? A pergunta veio de imediato à mente de Jessica. Porém, se tinha alguma dúvida, a sensação aterrorizante que a envolvia ao simples pensamento de se separar dele, respondeu-lhe o questionamento. – Oh, sim. Por favor, volte. O olhar que Angelos lhe retribuiu era estranho e insondável. Os olhos negros enevoados e opacos, como se estivesse avaliando os prós e contras de uma escala invisível. – Tenho uma ideia melhor. Por que não vem comigo? – Você... A resposta era sim. Mil vezes sim, porém a mente lhe dizia para não segui-lo como um cachorro sem dono. Não era mais uma adolescente. – Acabei de começar nesse novo emprego e não sei se posso me ausentar tão cedo. – Para surpresa de Jessica a boca sensual se curvou num leve sorriso. – E se eu falar com seu patrão? Estou certo de que posso persuadi-lo a lhe dar uns dias de folga. – Mas não estará trabalhando? Disse-me que tinha negócios urgentes. – Tenho, mas não tomarão todo o meu tempo. Vou dispor de algum tempo livre para relaxar. Para relaxar e ter alguém disponível para fazer sexo, completou Jessica para si mesma. Porém havia chegado até aquele ponto, admitindo no íntimo que aceitaria o que ele lhe oferecesse sem almejar nada além daquilo. – Bem, se acha que pode persuadir meu patrão... – Considere-o persuadido. Portanto, comece a fazer as malas. Era como uma promoção, refletiu Jessica, forçando-se a se erguer e vestir. De cavalariço à amante no espaço de uma manhã. O problema era que não conseguia transpor a fronteira dos negócios para o amor com a mesma facilidade que Angelos. Além disso, não existia promoção que a levasse ao patamar que almejava – ao coração dele.


CAPÍTULO 12

JESSICA SE afastou da água e atravessou a areia, dirigindo-se de volta à Vila comprida e pintada de branco situada em um pequeno desfiladeiro de frente para o oceano. O sol da tarde começava a se esconder no horizonte longínquo. Em breve, Angelos estaria em casa e o tempo deles juntos, o tempo de relaxar, como ele havia dissera, começaria como em todas as noites desde que chegaram à Grécia. Para Jessica, aquela era a parte favorita do dia. O tempo em que, por algumas horas, Angelos se livrava de todas as preocupações da Rousakis International e se tornava apenas o homem que amava. O amor que se atrevia a admitir apenas no recesso da mente tornava-se cada vez menos assustador. Em Manorfield a ideia de amá-lo parecia aterrorizadora, perigosa, sem esperança e um possível futuro. Porém ali, à luz do sol brilhante da ilha paradisíaca em Dodecaneso, tudo era menos tenso, mais suave e fácil. Naquele lugar, após um dia vagando pelas praias ou simplesmente relaxando à beira da piscina, podia quase se convencer de que estava em plenas férias e que seu relacionamento com Angelos – quente e apaixonado, porém fundamentalmente descompromissado – não passava de um romance de viagem, o qual aproveitaria o máximo possível. A longevidade daquele relacionamento era a mesma de uma paixão de viagem, admitiu Jessica para si, enquanto escalava o pequeno caminho íngreme. Sabia que o interesse de Angelos era puramente sexual. Passavam a maior parte do tempo juntos na cama ou se recuperando das sessões alucinantes de sexo que os deixava exaustos. Porém, ele nunca mencionara outros tipos de sentimentos ou dera algum sinal de transformar o relacionamento em algo mais sério. E seria tola se exigisse mais. Decidira satisfazer-se com o que tinha e estava determinada a fazê-lo, embora se tornasse cada vez mais difícil a cada dia que passava. Angelos estava atrasado. Não havia sinal do helicóptero circundando a Vila. Absorta nos próprios pensamentos, Jessica sorriu, meneando a cabeça quando adentrou os aposentos refrigerados da Vila. Fazia uma semana que chegara ali com Angelos e já havia se acostumado às rotinas que no início lhe eram estranhas. Tais como o barulho do helicóptero que transportava Angelos para onde quisesse ir. Por certo, era o transporte mais prático para alguém que morava em uma ilha. Porém o fato que mais lhe custou a se


ajustar era aquela ilha pertencer a Angelos, bem como o jato particular que os levara a Atenas e o helicóptero que se encontrava no aeroporto para transferi-los para a ilha. Ao final, sentira-se como uma princesa de um conto de fadas, que precisava apenas pedir e Angelos – como amante generoso que era – realizar-lhe-ia o desejo. Não pediria nada, lembrou a si mesma, recordando o momento, dois dias após a chegada na ilha, quando havia tomado aquela decisão. Angelos chegara a Atenas com um calhamaço de correspondência que lhe haviam enviado de Manorfield. Dentre as quais estavam algumas endereçadas a ela e que a fizeram ofegar e empalidecer ao lê-las. – Algo errado? – indagara Angelos, percebendo-lhe a reação. – Jessica, fale comigo... – ordenou, quando a viu hesitar. – Apenas algumas contas... remanescentes do casamento – explicou Jessica, relutante, percebendo pela expressão da face máscula que ele sabia que não era apenas aquilo e esperava que continuasse. – Contas altas? – O suficiente. – Sabia que a voz falseou, pois pensava na quantidade de dinheiro que Marty fizera questão de gastar com ela, enquanto Manorfield ia à falência. – Se eu soubesse em que Marty estava envolvido, teria optado por preparativos mais modestos. Mas ele insistia e, mesmo cancelando o casamento, ainda há contas a ser pagas... O quê? – Jessica estacou, fitando atordoada a mão forte estendida em sua direção. – Dê as contas para mim – ele ordenou. – Eu as quitarei. – Não... não posso... – Claro que pode – interrompeu-lhe o protesto com um agitar de mão. – Tem condições de pagá-las? É óbvio que não – continuou Angelos, enquanto voltava a olhar aos números assustadores, destacados em vermelho. – Deixe-as comigo. – Não. Angelos deixou escapar um suspiro exasperado. – Não seja tão estupidamente teimosa. Pagarei as contas. Por que não? Paguei todo o resto. A revelação a tirou do prumo e fez os olhos azuis se dilatarem. – Você... quando... por quê? Angelos deu de ombros num gesto casual. – Elas chegaram para Marty, portanto faziam parte do espólio. – Mais uma vez, ele estendeu a mão. – Pagarei estas também. – Mas nunca poderei ressarci-lo. O franzir de seu cenho era frio e assustador e provocou um tremor de apreensão ao longo da espinha de Jessica. – Estou pedindo para que me pague? O que foi? – ele indagou, ante a hesitação de Jessica. – Ainda tem alguma ligação com seu ex-noivo? – Não! Como pode pensar uma coisa dessas? Sequer tinha dedicado um só de seus pensamentos a Chris nos últimos dias. Angelos o apagara por completo de sua memória. Era como se ele nunca tivesse existido. – Então, dê-me as contas. Vale a pena pagá-las e saber que está livre de qualquer ligação com ele. A sutil ameaça implícita na frase não lhe deixou alternativa senão entregar as notas. Não fazê-lo implicaria na suspeita de Angelos de que existisse alguma razão para justificar sua recusa.


Mas onde estaria Angelos naquele momento? Jessica saiu do chuveiro, onde se livrara dos vestígios da areia e da água do mar e esticou a mão para pegar a enorme toalha felpuda. Em seguida, enrolou-se nela e colocou outra sobre os cabelos molhados antes de se dirigir ao quarto para se vestir para a noite. Gostava daquele ritual antes do jantar. Agradava-lhe a ideia de Angelos poder contar com uma parceira estilosa e receptiva. E quando sentia uma pontada de desconforto pelo fato de estar parecendo uma concubina à moda antiga, perfumando-se e se preparando para o amante, afastava-o, determinada a não deixar o pensamento criar raízes. Escolhera aquele caminho. Voltou o olhar para a cama king size que dividia com Angelos desde que chegara à ilha e sorriu. Fizera a própria cama e teria que se deitar nela. Após vestir um conjunto de lingerie de renda branca e passar alguns minutos secando os cabelos, Jessica cruzou o quarto em direção aos amplos armários embutidos ao longo da parede. A mala cheia de roupas que trouxera da Inglaterra ocupava apenas uma pequena parte deles, porém toda vez que Angelos voltava de Atenas ou de onde quer que fosse, sempre lhe trazia ao menos um presente. Perfumes, joias e algumas vezes, roupas. Dessa forma, quando abria as portas do armário deparava com uma variedade de modelos de estilistas famosos, o tipo de coisa que nunca pudera ostentar nem mesmo quando Marty estava vivo. Suspirando, Jessica esticou a mão e retirou um vestido longo de corte elegante, porém simples, que lhe realçava a cor. A seda azul-turquesa lhe valorizava o bronzeado adquirido nos últimos dias e o fino material expunha o contorno dos seios firmes, colando-se a cada curva de seu corpo antes de cair em pregas suaves que rodopiavam em torno dos tornozelos quando se movia. Havia atribuído aquele traje deslumbrante, como todos os outros presentes caros que Angelos lhe dera, a um sentimento profundo. Pensava ser um traço do verdadeiro amor. Entretanto não passava de uma fantasia. Tinha de encarar a realidade. Iludir-se seria abrir o coração para uma decepção. O cabide onde o vestido estava pendurado enganchou em alguma coisa e Jessica teve de puxá-lo. O movimento deslocou outro cabide, deixando cair um dos ternos de Angelos – o mesmo que ele havia usado para trabalhar no dia anterior. – Droga! Atirando o vestido turquesa na cama, agachou-se para pegar o terno e, ao fazê-lo, ouviu o barulho de um baque no chão quando algo caiu de um dos bolsos. Jessica se ajoelhou para apanhar e prendeu a respiração ao perceber uma caneta e envelopes endereçados a Rousakis International aos cuidados de Angelos numa letra que lhe era dolorosamente familiar. – O que é isso? Erguendo-se, fitou os envelopes brancos compridos com estampas e selos do correio próximo a Manorfield. E se duvidava daquela evidência, o nome do remetente estava escrito de forma clara. Chris Atkinson. Por um longo instante Jessica se limitou a olhar o envelope, sem acreditar no que estava vendo. Por que estaria o ex-noivo escrevendo para Angelos? E uma das datas de postagem era anterior ao funeral de Marty. Antes de Angelos ter chegado à Inglaterra. E antes de Chris haver rompido o noivado.


A visão de Jessica embaçou e as mãos tremeram, enquanto tentava puxar uma das cartas do envelope. As palavras rodopiavam na sua mente enquanto tentava captar o sentido delas. Caro sr. Rousakis... recebi sua carta escrita no dia 23... obrigado pelo cheque... Por que receberia Chris um cheque de...? – Que diabos está fazendo? A voz de Angelos, carregada de fúria, soou atrás dela, fazendo-a girar para descobri-lo parado à soleira da porta. A face tão fechada quanto um dia de tempestade, os olhos negros brilhando com uma fúria contida que se refletia no tom de voz. Trajava o terno cinza que colocara de manhã, a gravata afrouxada no colarinho e os primeiros botões da camisa abertos revelavam todo o longo pescoço e os cabelos negros do peito musculoso. O helicóptero devia ter pousado enquanto Jessica secava os cabelos, impedindo-a de escutar o barulho do motor. – Perguntei o que acha que está fazendo, vasculhando os bolsos de meus ternos? – indagou Angelos mais uma vez. – Eu.. eu... – A princípio Jessica gaguejou, porém recordando o conteúdo da carta, passou do tom defensivo ao ofensivo. – Não, diga-me você o que está acontecendo. Por que Chris escreveu para você? Por que lhe deu um cheque? Se esperava pegá-lo desprevenido, não logrou êxito. Angelos piscou uma vez e, quando falou, o tom era frio. – Já lhe disse. Haviam contas a pagar devido ao casamento que chegaram à Manorfield, algumas de Atkinson. Tudo parecia perfeitamente razoável, então por que o fantasma da desconfiança lhe dizia que Angelos não estava contando a verdade? – Portanto, se devolver o que é meu... A frieza obscura dos olhos negros e a ira controlada do tom de voz quase a convenceram. Jessica havia dobrado a carta e a colocava de volta ao envelope, quando a lembrança de um detalhe lhe revelou a verdade. – Não – ela disparou, firmando os pés no chão. Angelos parecia tão alto e poderoso, fitando-a de cima, intimidando-a pelo simples fato de estar ali. Mas tinha de se manter firme. Havia algo estranho ali que lhe fugia ao entendimento. – Não – repetiu meneando a cabeça com firmeza. – Isso não faz sentido... Chris... essas cartas... Uma delas foi escrita antes de ele romper nosso noivado. Antes que voltasse à Inglaterra. O que meu noivo tinha a lhe dizer antes...? – Estacou, estudando o homem a sua frente. Angelos não se movera, porém havia certa tensão nele, um recuo como se tivesse dado vários passos para trás. – Por que estaria em contato com Chris antes de retornar a Manorfield? Você sabia o nome dele... – gritou, quando as lembranças amargas lhe voltaram à mente. – O que mais sabe sobre ele? – Já lhe disse. Acompanhei o que acontecia em Manorfield por anos. – Fez mais do acompanhar! Pagou a Chris? Para quê? – Paguei as contas de seu casamento. – Mas isso é diferente!


De repente, as palavras de Angelos lhe vieram à mente. Vale a pena pagá-las e saber que está livre de qualquer ligação com ele. Contudo imersa em um turbilhão de pensamentos, não sabia ligar a frase ao que estava acontecendo naquele momento. – Estou... estou dormindo com você... e Chris, o que fez para você? A frieza e o brutal cinismo da gargalhada de Angelos a fez estremecer por dentro. – Bem, pode ter certeza de que ele não está me dando nenhum prazer... – Então do que se trata? De repente e de modo inesperado, Angelos se moveu. Cruzando o quarto, encaminhou-se até a cama e pegou o curto robe de algodão que se encontrava estendido lá, atirando-o na direção dela que, num gesto instintivo, pegou o traje. – Vista isso – ele ordenou. – Se temos de conversar, pelo menos vista-se. Do contrário, não conseguirei me concentrar. – E por que precisa se concentrar? – desafiou-o Jessica, ignorando a ordem – O que tem a esconder? Algo brilhou nos olhos negros – escuros, perigosos e infinitamente ameaçadores ao frágil autocontrole de Jessica. E por um instante, divisou outra coisa que não sabia definir antes de Angelos piscar com força e dissipar o que quer que tivesse visto. – Tivemos uma discussão como esta antes, princesa – começou ele em tom arrastado e cínico. – Com você vestida... ou, devo dizer, seminua... como está agora. – Os olhos ardentes lhe percorriam o corpo exposto, detendo-se nas peças íntimas e fazendo-a voltar no tempo, quando se encontrava no pequeno apartamento sobre o estábulo, tentando desesperadamente seduzi-lo. – E eu perdi... – Perdeu! – interrompeu-o Jessica em tom áspero. – Sei que fui egoísta por fazê-lo perder o emprego, mas aparentemente não precisava dele. – Aparentemente? – repetiu Angelos num tom que fez os cabelos da nuca se eriçarem, embora não soubesse o motivo. – Bem, olhe para isto... – ela retrucou, fazendo um gesto que abrangia a ampla e suntuosa suíte, porém, referindo-se à ilha toda. – Não está exatamente necessitado de dinheiro. Pelo amor de Deus! É dono de toda esta ilha! E quer me dizer que há apenas sete anos precisava do subemprego que meu padrasto lhe ofereceu? – Depende do que quer dizer com “precisar” – replicou Angelos por fim, passando uma das mãos pelos cabelos. – Mas, não, não aceitei o emprego pelo dinheiro. – Então... A honestidade a fez deter-se. O peso na consciência forçando-a a dizer as palavras que já deveriam ter sido ditas. – Admito que não me portei bem naquela noite e sinto muito por isso. Senti-me muito mal durante todos esses anos. Eu era jovem, tola, egoísta e ingênua. Sei que não falei a verdade, mas estava assustada. Não conseguiria suportar a reação que Marty teria se soubesse que era eu a responsável por nos encontrarmos naquela situação. Ele era o mais próximo que eu tinha de um pai... pensava nele como tal... – Posso entender isso – interrompeu-a Angelos, porém ela sentia a necessidade de continuar, fazê-lo de fato entender. – Mas admito ter pensado que seria capaz de arcar com as consequências. Era tão mais velho que eu... mais experiente.


– E isso tornava justo que você levasse vantagem? – Claro que não. Mas admitiu não precisar do emprego! – Não perdi só o emprego, mas também minha honra e... O tom de voz de Angelos a assustou. Era tão baixo e obscuro que lhe fez a pele arrepiar. A face, uma máscara fechada, rígida e distante. De repente, a atmosfera no quarto se tornou pesada e opressiva, fazendo-a vestir o robe. Sentia-se demasiado exposta com os olhos negros fixos nela. – Honra? Mas... não era nenhuma desonra flertar comigo ou me beijar. Era exatamente o que eu queria. Sei que Marty estava furioso, mas... – Eu tinha lhe dado minha palavra de que não me aproximaria de você. Que iria, como Marty disse, manter minhas mãos e pensamentos longe de você. – Ele o fez prometer isso? – indagou Jessica, tomada de surpresa. Angelos anuiu com um sutil gesto de cabeça. – Disse-me que percebeu o modo como a olhava... que não podia desviar o olhar de você e que seria impossível qualquer relação entre nós. Jessica relembrou o comportamento cínico de Angelos sob um novo prisma. O flerte deliberado com Lucille, a rejeição fria, as palavras duras com que se referia a ela. Tudo aquilo fora exigência de Marty. – Tinha fantasias em relação a mim? – indagou Jessica, piscando várias vezes quando ele deixou escapar outra cínica gargalhada. – Marty estava certo em sua percepção? – Completamente certo. – Mais uma vez Angelos passou as duas mãos pelos cabelos e ela teve a impressão de que o gesto tencionava esconder a expressão dos olhos. – Fiz mais que fantasiar com você. Desejava-a desesperadamente. E você estava sempre rondando o estábulo. Era tão persistente! Não conseguia me livrar de você. Acha que é uma mulher da qual se abre mão facilmente, princesa? Mas eu tinha dado minha palavra. As palavras de Angelos a faziam se sentir numa gangorra emocional. Em um momento, a erguiam ao topo da mais alta montanha, ao pensar que Angelos pudesse se sentir daquela forma e, no outro, a faziam cair no mais fundo precipício por ele se referir àqueles sentimentos como parte do passado. Nada do que acabara de dizer se referia ao presente. – Mas não precisava do emprego. Então por que obedecer a Marty? Algo faiscou nos olhos negros, alertando-a de que havia chegado perto ao cerne do problema. – Você disse que perdeu a honra, o trabalho e...? – indagou temerosa. O coração contraindo-se com violência quando percebeu pela expressão franzida que atingira o alvo. – O que mais perdeu? Se precisava de alguma prova de que estava próxima da verdadeira razão por trás de tudo aquilo, ela se estampou no gesto brusco com que Angelos se afastou, cruzando o quarto de um lado para o outro e, por fim, indo postar-se perto das portas envidraçadas que se abriam para a paisagem marítima. Além dele, o reflexo do ocaso transformava o corpo alto e imponente em uma simples silhueta. – Pense – disparou Angelos. – Pense em algo tão importante que a fizesse seguir qualquer estúpida e tirânica regra se ela a levasse até o que desejava. Por que mentiu sobre mim? – Fiz isso porque amava Marty. Como disse, era a figura de um pai para mim. Angelos mudou de posição com um movimento repentino, como se houvesse recebido uma ferroada. Com todos os instintos em alerta, Jessica se moveu para que a luz do sol não mais lhe velasse a visão e pudesse ver a face dele. A mudança que percebeu a chocou. Ele parecia consumido, tenso e linhas de irritação lhe riscavam a face morena. – Angelos...


– Tinha medo de perder o homem que chegou o mais próximo de um pai para você. Compreendo isso muito bem. E sabe por quê? Porque me sentia da mesma forma. Temeroso em perder o homem que sabia ser meu pai. – Não! – As palavras de Angelos lhe haviam tirado todas as energias e parecia que as pernas não iriam sustentá-la. Incapaz de permanecer de pé, sentou-se na cama, meneando a cabeça em negativa. – Não... Entretanto, enquanto negava, recordava-se da expressão de Angelos, quando Marty adentrara o pequeno apartamento. Como a cor lhe fugira da face e passividade com que aceitara os insultos que lhe atirara o homem mais velho. – Está dizendo que Marty era seu pai? – Mas não era necessário que ele lhe respondesse, bastava fitar os olhos negros obscuros. – Marty não podia ter filhos... – A esposa dele não podia ter filhos. Ele sim. Teve um breve romance com minha mãe quando em visita à Grécia. Fui o fruto desse caso. Porém, quando ela descobriu que estava grávida, Marty já havia partido e casado com a mulher da qual era noivo. Só soube disso antes da morte da minha mãe, quando tivemos uma de nossas últimas conversas e ela me contou quem era meu pai. Foi quando decidi procurá-lo. – Por que simplesmente não lhe contou quem era? – Não queria fazer a revelação de modo frio. Foi por isso que aceitei o emprego. Queria ver como ele tratava seus criados ou qualquer pessoa. Naquela altura, não estava certo de que queria reconhecê-lo como pai e não sabia se Marty faria o mesmo. Tencionava conhecê-lo e que ele me conhecesse. Foi assim que decidi ir para Manorfield. Jessica não podia duvidar daquela história. A verdade estava estampada na face máscula de traços marcantes. A mente retrocedeu ao dia que encontrara Marty e Angelos no estábulo e, de repente, achara-os parecidos. – E me encontrou lá como filha adotiva dele. No lugar que deveria estar ocupando. Deve ter ficado furioso. – Talvez, se fosse outra pessoa. Mas bastou pousar os olhos em você e desejá-la. Apaixonei-me três vezes naquele dia: por meu pai, por Manorfield e por você. O verbo continuava conjugado no pretérito perfeito, pensou Jessica, angustiada. – Desejava-a, mas na época queria ainda mais meu pai. Teria feito tudo que ele ordenasse pela chance de conhecê-lo. – Jessica podia entender aquilo, não? Não era exatamente daquela forma que se sentira quando Marty entrou em sua vida como a única figura paterna que conhecera? – Além disso, pensei que se esperasse e soubesse conduzir as coisas, talvez um dia pudesse ter tudo. Marty, Manorfield e até mesmo você. – Em vez disso, estraguei tudo, fazendo-o expulsá-lo. Por que simplesmente não permaneceu lá? – Foi o que fiz. Quando ele a levou de volta ao Solar, eu o segui. Esperei até que se acalmasse, forcei minha entrada na casa e lhe contei tudo. Marty não acreditou em mim. Disse que sempre acreditou ser dele a culpa por não ter tido filhos com a primeira esposa e, além disso... – Angelos fez uma pausa, torcendo os lábios. Era óbvio que se sentia desconfortável com o que diria a seguir. – Disse-me que nenhum filho seu iria tentar forçar uma menina como eu fizera. – Como afirmei que fez. Sinto muito, muito mesmo. – Ansiava por se atirar ao pescoço de Angelos e abrandar a escuridão dos olhos negros. Mas tudo nele, a distância que colocara entre ambos, a expressão da face, a tensão dos músculos, externavam silenciosa rejeição a tudo que ela pudesse fazer


ou dizer. – Agora entendo o que quis dizer quando se referiu ao que lhe tirei. Pensei que havia lhe roubado tudo e, por vingança, resolveu revidar. E conseguiu. Tirou-me a casa e a herança. Pagou a meu noivo para que rompesse nosso noivado. Usurpou-me até mesmo o meu respeito próprio, quando me tornou sua amante. – Não se opôs quando a possuí naquela cama na noite passada. Angelos gesticulou irado para a cama king size, onde ela passava todas as noites envolta nos braços fortes. – Só porque é capaz de me fazer desejá-lo não significa que possa fazer com que me importe com você! – ela disparou em defensiva, enquanto Angelos se dirigia à porta. – Fez-me chegar tão baixo quanto queria. Espero que esteja satisfeito. Tudo que quero saber agora é se conseguiu alcançar todos os seus objetivos. Foi o suficiente? – Suficiente? – repetiu Angelos, a voz carregada de cinismo. Os dedos longos se fecharam sobre a maçaneta, escancarando a porta, enquanto ele falava. – A resposta para isso, princesa, é não. Nunca. No que diz respeito a você, nada nunca será suficiente. Porém, por essa noite, sim. Foi o suficiente. Já suportei tudo que podia. Angelos estava determinado a sair dali o mais rápido possível e ela não tinha força, física ou mental, para tentar chamá-lo de volta. Não se atreveria, pensou quando a porta bateu com violência atrás dele. Se Angelos permanecesse ali por mais tempo, acabaria por dizer algo que a entregasse por completo. Mostrar-lhe de fato o quanto ele já havia tirado dela. Mas a única coisa que nunca lhe revelaria era a forma como havia lhe roubado o coração. Caso contrário, o triunfo de Angelos seria completo.


CAPÍTULO 13

LEVOU APENAS cinco minutos para que Jessica reconsiderasse. A princípio, andou de um lado para o outro do quarto, lutando contra as lágrimas amargas que insistiam em lhe inundar os olhos e pensando em encontrar um modo de aguentar a dor que as duras palavras de Angelos lhe haviam infligido. Se houvesse um modo de sair daquela ilha, teria feito as malas e partido. No entanto, o fato de só haver o helicóptero que estava sob o comando de Angelos a forçou a permanecer ali. Foi quando percebeu que suas ações eram semelhantes às que tivera na noite em que Angelos a rejeitara. Então, uma nova resolução lhe ocorreu. Naquela noite, sabia o que seria certo fazer. Dissera a si mesma que enfrentaria Angelos e não seria mais a covarde que se escondera atrás de suas certezas que a afastaram da realidade por anos. Na época, deixara que Marty a tratasse como criança, colocando-a na cama enquanto Angelos encarava as consequências do que acontecera. Não poderia repetir o erro. Não era mais uma criança que se escondia sob a proteção de Marty. Tinha de procurar Angelos e encará-lo como uma adulta. Admitir que errara, e muito, em agir daquela maneira. Só então poderia seguir em frente, sabendo que fizera tudo que estava a seu alcance para reconhecer o erro. Jogando o robe para o lado, pegou o vestido de seda turquesa e o vestiu. Não era um traje apropriado a uma caçada pela casa, mas ao menos lhe proporcionava um sopro de autoconfiança, do qual talvez precisasse quando encontrasse Angelos. Não demorou muito a achá-lo. Bastou olhar pela janela do quarto e divisar a silhueta morena mais adiante na praia, as mãos enfiadas nos bolsos, os ombros curvados, enquanto se detinha na beira do mar, fitando o horizonte. Algo na postura de Angelos a fazia recordar uma das últimas frases que lhe dissera. Por essa noite é o suficiente. Já suportei tudo que podia. Dissera-lhe que suportara tudo que podia. Não havia afirmado que a suportara o quanto podia. Não era muito, mas era suficiente para ganhar coragem. Estava escurecendo quando Jessica chegou à praia. Na sombra do desfiladeiro, quase não podia divisar nada e, por instantes, hesitou. – Angelos... – A voz soou estrangulada.


A princípio, não obteve resposta. Apenas o silêncio interrompido pelo monótono quebrar das ondas sobre a areia. – Estou aqui. – Não havia receptividade no tom de voz, mas Jessica não a esperava. Ao menos não soava agressivo. – O que quer? Angelos ainda se encontrava próximo à água. As ondas suaves lhe batendo nos pés descalços. Mas ele parecia não se importar com o dano que a água salgada pudesse causar ao tecido caro da calça. Mantinha os olhos fixos nela. Oculto pelas sombras, era impossível captar sua expressão, portanto, Jessica resolveu ir em frente às cegas. Conseguira sua chance e teria de aproveitá-la. Engolindo em seco, forçou-se a falar. – Vim me desculpar... por tudo que aconteceu entre você e Marty. Disse que perdeu seu pai, mas, na verdade, fui eu quem o fez perdê-lo. Se ele tivesse voltado a tocar naquele assunto comigo, teria lhe dito a verdade, mas não o fez. Contou-me que você havia partido, jurando vingança e prometendo nunca mais voltar. A partir desse dia, não tocamos mais no assunto. – Ele não mentiu quanto às juras de vingança e a promessa de nunca mais voltar – admitiu Angelos. – Naquela época, tinha apenas 23 anos. Era muito arrogante e estouvado. Acreditava sinceramente que nunca mais desejaria entrar em contato com ele. Mas continuei atento ao que acontecia em Manorfield e, alguns anos mais tarde, acabei por reconsiderar. Foi quando comecei a financiar Marty. Esperava que, quando descobrisse o quanto eu podia ajudá-lo, me desse ouvidos. – Os olhos negros se fecharam por um breve instante e, quando Angelos passou as costas das mãos sobre eles, a pele ficou úmida, fazendo o coração de Jessica se contrair de dor. – Nunca pensei que ele morreria de um ataque cardíaco antes de voltarmos a nos falar. – Disse que sempre esteve atento ao que acontecia em Manorfield. Então, sabia tudo que se passava lá. Jessica quase esquecera as cartas que havia encontrado, mas estava determinada a saber a verdade. Em seu íntimo, desejava desesperadamente estar enganada, ter confundido as datas, porém a reação que Angelos tivera há pouco roubara-lhe aquela esperança. – Nesse caso, tinha conhecimento do relacionamento entre mim e Chris. Pagou uma boa soma em dinheiro para meu ex-noivo, mesmo antes de voltar à Inglaterra. O que comprou dele? – Sua liberdade. – O tom de voz era inflexível e irrefutável. – Paguei para que rompesse o noivado e a deixasse livre. – Livre para você? – Jessica mal podia acreditar na amargura do próprio tom. As palavras eram como ácido sobre sua língua. – Queria ter tudo. Marty, Manorfield e eu. E fez de tudo para conseguir. Seu ódio por mim devia ser imenso. Mas entendo. Destruí a única chance que teve com seu pai... – Não! Isso não é verdade! – interrompeu-a Angelos, meneando a cabeça com força. – Pagou a Chris para que rompesse o noivado. Você o comprou. Nunca houve outra mulher. – Oh, houve, sim. Usei o que sabia dele para convencê-lo. Aquele homem nunca prestou para você. Interessava-se apenas pela herdeira de Manorfield. Ia casar com você e a abandonaria tão logo pagasse os débitos que tinha na praça. – Ao contrário de você, que nem precisou se casar comigo para obter o que queria! Viu nessa oportunidade o meio perfeito para conseguir sua vingança. Queria Chris fora do caminho para me deixar livre e, dessa forma, jogar comigo como bem lhe aprouvesse. – Não! – Angelos chutou a água como se tivesse lhe arremessando aquela negativa, porém, achou-a demasiado ferida para entender sua raiva.


– Por que não? Tudo está muito claro agora. Roubei seu pai e deve ter me odiado por isso. A risada de Angelos soou alta, porém fragilizada. – Deus do céu! Gostaria de tê-la odiado. Teria sido bem mais fácil. – Fácil? Estaria escutando direito?, perguntou-se Jessica. Ou a dor que lhe dilacerava o coração a fazia imaginar o que Angelos dissera? O olhar que ele lhe lançou devia ser o mesmo que uma presa voltava a seu predador quando acuada. Furioso e desesperadamente perdido. E então, Jessica se deu conta de que teria de pressioná-lo. Aquele era o único modo de descobrir o que lhe ia na mente. – Diga, Angelos. Mais fácil do que o quê? – Do que amá-la, maldição! – As palavras pareciam ter sido arrancadas à força de seus lábios. – Do que amá-la tanto a ponto de não conseguir raciocinar... – Mais uma vez Angelos meneou a cabeça. – Odiá-la teria tornado tudo mais fácil. Pensei que era isso que sentia quando retornei a Manorfield. Que tudo que desejava era vingança por ter usurpado meu pai, mas estava totalmente errado. – A garganta de Jessica havia se fechado, como se alguém a estivesse estrangulando e lhe impedido de falar. Não se atrevia a dizer uma palavra e arriscar interromper o desabafo de Angelos. Precisava entender o que ele estava dizendo e qual seria a repercussão daquilo em sua vida. – Tudo que desejava era você. Sempre foi e sempre será. Deixei que a necessidade de ter um pai e o fato de você ser muito jovem se interpusessem no caminho. Pensei que teria tempo... – Mais uma vez a voz embargou e Angelos esfregou os olhos. – A morte de Marty serviu para me mostrar que nunca podemos ter certeza do tempo de que dispomos com alguém. Foi por isso que tive de voltar a Manorfield. A princípio, pensei que seria suficiente liquidar as dívidas de Marty, saber que havia herdado Manorfield e que você teria de deixá-la... mas tive de ir ao funeral de Marty e quando pousei os olhos em você percebi que estava perdido. Jamais consegui esquecê-la. Sempre a desejei e ainda a desejo. Jessica tinha de falar. Queria saber... – Então não deu dinheiro a Chris para se vingar? Sabia que Angelos compreendera a importância da pergunta pelo modo como o corpo dele se retesou e os olhos negros se fixaram nos dela. – Não. Sabia o que ele pretendia e não poderia permitir que conseguisse. Não podia cruzar os braços e vê-lo tratar a mulher que eu am... – Amava? – Jessica teve de forçar as palavras a sair dos lábios. Tinha de saber toda a verdade. Do contrário, tinha a impressão de que o coração iria parar de bater. – A mulher que havia amado ou... As palavras lhe morreram na garganta, enquanto Angelos se aproximava e lhe tomava a mão. – A mulher que amei, que ainda amo e que sempre amarei, kardia mou. É dona do meu coração, alma, e tudo que há de bom em mim. Maldição... – Angelos irrompeu em uma risada autodepreciativa que tocou o coração de Jessica. Num gesto instintivo, ela esticou a mão para tocá-lo, acariciá-lo e confortar, mas ainda não havia completado a ação quando ele recomeçou: – Tem até mesmo o pior de mim. Tudo que sou e para provar isso... Angelos enfiou uma das mãos no bolso do terno, porém ela não esperou para completar o gesto que pretendia há pouco. Movendo-se à frente, tocou-lhe a mão, impedindo-o de continuar. Com os dedos tocando o peito musculoso sobre o coração, podia sentir as batidas aceleradas que revelavam a veracidade das palavras que lhe foram ditas.


– Não! Não antes de eu lhe dizer... – Mais uma vez, Angelos percebeu a importância do momento, fitando-a diretamente nos olhos. – Não necessito de provas. Não de você. Não quando posso entender o que se passa em seu coração, pois reflete o que sinto no meu. Eu também o amo, querido. Com todo meu coração, com tudo que... – Jessica não pôde continuar, pois ele a tomou nos braços e lhe cobriu os lábios com um beijo longo, faminto e ardente que tornava as palavras supérfluas e não deixava nada por dizer. Demorou um longo tempo para que ambos interrompessem o beijo e, quando o fizeram, seus rostos permaneceram colados. – Ainda tenho algo a lhe dar – disse Angelos por fim em tom de voz rouco. – Já me deu tudo – sussurrou Jessica. – O que mais poderia desejar quando tenho você? Entretanto o que ele lhe colocou na mão livre, estampou uma expressão atônita na face de Jéssica. – Angelos... essa é a escritura de Manorfield e de tudo que há nela... o quê...? – Manorfield é sua, meu amor. – Mas você ama aquele lugar tanto quanto eu... – Angelos a silenciou, colocando o dedo indicador sobre os lábios macios. – Pensei que sim, mas percebi que a amo muito mais. Era estar em Manorfield com você que eu queria. Se não estivesse lá, não consideraria aquele lugar um lar... – A voz dele se aprofundou, tornando-se repleta de sinceridade, e Jessica não pôde conter as lágrimas. – Sem você, nenhum lugar é um lar. Nos últimos dias, voltar para você aqui me fez perceber onde está meu lar. É onde você estiver. Em seus braços, soube como é ter lar. Sendo assim, hoje tomei uma decisão. Eu daria Manorfield a você para que soubesse que teria um lar, não importa o que acontecesse e então... – E então... – estimulou-o Jessica, quando ele hesitou. – E então lhe pediria para que casasse comigo. Para compartilhar minha vida e meu lar para sempre. Então, diga-me, agape mou, qual é a sua resposta? Sustentando seu olhar intenso, Jessica exibiu um sorriso terno e inclinou a cabeça para a frente, depositando-lhe um beijo longo nos lábios. Sabia que sua resposta estava naquele beijo, mas ainda assim sentia a necessidade de pronunciar as palavras para que Angelos soubesse que seu amor era tão profundo e verdadeiro quanto o dele. – Querido, já estou em casa. Meu lar é onde você está, minha vida é você. É seu amor que faz de qualquer lugar um lar e completa minha vida. Portanto, meu amor, meu belo Anjo Negro, minha resposta é sim. Aceito me casar com você.


CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ G769h Graham, Lynne Herança da paixão + Inocência [recurso eletrônico] / Lynne Graham, Kate Walker; tradução Ligia Chabú, Gracinda Vasconcelos. 1. ed. - Rio de Janeiro: Harlequin, 2015. recurso digital Tradução de: The greek tycoon's blackmailed mistress; Bedded by the greek billionaire Formato: ePub Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-85-398-2056-6 (recurso eletrônico) 1. Romance irlandês. 2. Livros eletrônicos. I. Walker, Kate. II. Chabú, Ligia. III. Vasconcelos, Gracinda. IV. Título. V. Título: Inocência 15-27345

CDD: 828.99153 CDU: 821.111(415)-3

PUBLICADO MEDIANTE ACORDO COM HARLEQUIN BOOKS S.A. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: THE GREEK TYCOON’S BLACKMAILED MISTRESS Copyright © 2009 by Lynne Graham Originalmente publicado em 2009 por Mills & Boon Modern Romance Título original: BEDDED BY THE GREEK BILLIONAIRE Copyright © 2008 by Kate Walker Originalmente publicado em 2008 por Mills & Boon Modern Romance Arte-final de capa: Ô de Casa Produção do arquivo ePub: Ranna Studio Editora HR Ltda. Rua Nova Jerusalém, 345 Bonsucesso, Rio de Janeiro, RJ – 21042-235


Contato: virginia.rivera@harlequinbooks.com.br


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HERANÇA DA PAIXÃO Sobre a autora Prólogo Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10

INOCÊNCIA Sobre a autora Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12 Capítulo 13

Créditos



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