BOUÇAS,Laila - No olho da rua: trabalho e vida na apropriação do espaço público em Salvador/BA

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ofertam almoço a preços bastante populares. Isso para citar apenas um dos diversos negócios que se beneficiam da atividade e se proliferam a partir dela. O espaço da rua onde o trabalhador exerce sua função não se esgota no trabalho, ele ganha contornos maiores. Estas pessoas desenvolvem uma relação de pertencimento com o lugar no qual fixam seus pontos, onde muitos deles permanecem durante anos e até mesmo décadas, o que faz surgir uma relação afetiva, comprometida e algumas vezes até mesmo conflituosa, como pudemos constatar. Percebemos ainda que há uma grande heterogeneidade, inclusive, nos próprios interesses dos trabalhadores com relação à atividade que desempenham, pois há entre eles os que não têm outro meio de sobrevivência e mesmo assim encontram nessa atividade maneiras de se divertir e ter prazer com o trabalho. Outro aspecto relevante é que, se por um lado há a flexibilidade de organizar os próprios horários e a possibilidade de cuidar dos filhos durante o trabalho, por outro lado há a incerteza da obtenção dos seus proventos diários e mensais, o que leva alguns trabalhadores a terem bastante dificuldade de garantir sua sobrevivência e até mesmo de prosperar em seus negócios. Não há como negar, portanto, que esta categoria absorve boa parte da mão de obra que não é aproveitada pelo mercado formal e está desempregada. O esvaziamento das ruas aqui estudadas nos períodos da noite e finais de semana, como comentado por um dos trabalhadores, revela ainda como a atividade comercial, incluindo-se aí a desenvolvida na rua, contribui para a vivacidade dos espaços públicos. O trabalho na rua aparece assim como uma alternativa de sobrevivência ao indivíduo socialmente vulnerável, através da qual lhe é possível viver com alguma dignidade, e sua presença nas ruas é capaz de proporcionar uma intensificação da experiência de estar, viver e pertencer à cidade. O lugar que a atividade ocupa é de interesse de todos, uma vez que se trata do espaço público. Este, por sua vez, não é escolhido aleatoriamente por cada um daqueles que dele se apropria. Para o desenvolvimento da atividade aqui estudada vemos que as características funcionais deste espaço perpassam por sua localização na cidade, nas quais diversos fluxos são articulados. Assim, ações do poder público podem ser concebidas, com o intuito de organizar, ordenar ou coibir os usos considerados não compatíveis com os interesses que se tem para o lugar. Vale ressaltar também que as recentes intervenções executadas promovem uma segregação da atividade do trabalhador de rua para transversais específicas, liberando a Avenida Sete, vetor principal de circulação entre o Centro Histórico com a Barra, da presença e imagem desse trabalhador, o que tornaria o lugar mais “atrativo”, sobretudo para o turista, como


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