á cinco anos, as manhãs de domingo do centro histórico de São Paulo estão mais animadas. O roteiro turístico Túnel do Tempo devolveu ao Teatro Municipal, ao Solar da Marquesa e ao Páteo do Collégio seus principais personagens. Artistas e guias interpretam Carlos Gomes, Marquesa de Santos e Padre Anchieta na apresentação destes importantes lugares. O roteiro é uma criação do professor Mário de Moura Lacerda, diretor da escola de turismo ABL e Associados, em São Paulo. A idéia foi comprada, em 2004, pela empresa Circuito São Paulo, que organiza roteiros de turismo na cidade. As apresentações são direcionadas para grupos de turistas organizados por agências, mas as pessoas que passam pelas ruas do centro também podem assistir às performances dos personagens.
A amante do impe No casarão do centro da cidade, a mulher que se apaixonou por D. Pedro I relembra histórias do Primeiro Reinado e da São Paulo da época REPORTAGEM RAQUEL PORANGABA (1º ano de jornalismo) IMAGENS JULIANA COUTO MELO (1º ano de jornalismo)
O
VESTIDO VERMELHO DE MUITAS camadas de saias destaca a figura da mulher parada em frente ao Solar da rua Roberto Simonsen, no centro de São Paulo. Os cabelos desgrenhados, presos numa larga coroa de pérolas e o xale de lã preta posto nas costas lhe dão ares de desleixo. Não fosse pelas pulseiras de pérolas, pelos anéis, brincos e colar de brilhantes, ela não pareceria a nobre Domitila de Castro do Canto e Mello, ou Marquesa de Santos, como a história a consagrou. A amante do imperador Pedro I e dama da sociedade paulistana do século XIX volta à casa que adquiriu em 1834 para contar suas histórias a turistas da cidade. É a jovem atriz Ana Moraes, de 23 anos, quem dá vida à histórica personagem. Nascida e criada na cidade de Santo André, região da Grande São Paulo, Ana atua como a Marquesa de Santos em São Paulo há dois anos, desde que foi indicada para o papel pela amiga Anália, primeira intérprete da personagem no roteiro turístico. Até então, Ana conhecia muito pouco da capital paulista. “Um dia me pediram para ir ao Páteo do Collégio, e eu perguntei: ‘de qual colégio?’” diverte-se. Hoje, a atriz ainda se encanta em conhecer melhor a cidade. “Tem uma construção rústica ao lado de um prédio contemporâneo. Dá vontade de saber por que as coisas
10> NOVEMBRO DE 2006
estão onde estão”, diz. Para representar a personagem, ela pesquisou a vida da Marquesa e a cidade de sua época, e os efeitos deste trabalho influenciaram a atriz. “A Marquesa era sensual, mas andava a cavalo e era muito independente. Ela me fez ser mais feminista”, conta.
Origens — Filha da costureira Eulália e do caminhoneiro Antonio, Ana é uma mulher de gestos tranqüilos e personalidade volúvel. Aos 12 anos, começou a participar de grupos amadores de teatro em Santo André. Aos 14, a educação católica que recebeu dos pais a fez pensar em se tornar freira. Sempre ligada à religião, chegou a participar de um grupo católico carismático, do qual se afastou por achá-lo incoerente. “Eles pregavam uma expansão que, na prática, era censurada”, diz. Ainda na juventude, flertou com os movimentos punk e gótico. Vestia-se apenas com roupas pretas, mas não andava acompanhada de membros destes grupos nem freqüentava lugares tipicamente punks ou góticos. Na mesma época, Ana começou a cursar magistério, como queria sua mãe, e começou a se sentir discriminada. “Não era bem vista por causa das minhas roupas. Pensavam que não era bom para uma professora se vestir como punk”, lembra. As hesitações da juventude se estenderam à vida adulta. Ana já freqüentou templos evangélicos, budistas e hoje se interessa pelo espiritismo.
Às transformações espirituais, somam-se as físicas: “Meu cabelo agora está curtinho, como o da Elis Regina, mas um dia ainda vou ser careca”, avisa. “Ela parece louca mesmo, mas chega a ser careta porque é muito responsável e caseira”. É o que conta a amiga Anália, a mesma que a indicou para o papel da Marquesa de Santos. Durante a semana, Ana, que concluiu o magistério, é a “tia” de 28 crianças de 4 anos de idade, seus alunos na escola pública Célia Maria Teores de Souza, num bairro pobre de Santo André. O trabalho a deixa realizada. “Gosto de criança, mas isso não basta. Sou professora porque gosto de educação”, explica. A professora também já lecionou em escolas particulares, mas não se adaptou: “Queria mostrar para as crianças que elas eram importantes e capazes, mas na rede particular de ensino os eventos pareciam só servir para mostrar aos pais o que a escola era capaz de fazer”. A atriz acredita que o roteiro Túnel do Tempo concilia o talento para teatro ao gosto pela educação. “Ela tem facilidade em receber as pessoas e é atenta para ouvir. Se você estiver ao lado dela assistindo a uma peça de teatro, ela vai colocar a mão na sua perna e perguntar o que você achou”, conta a amiga Anália. Ainda assim, um dia Ana pretende parar de lecionar. “Quando surgir uma boa oportunidade de me dedicar só à dramaturgia”, explica a atriz, que se formou em artes cênicas em 2005, pela Fundação das Artes de São Bernardo. Sempre risonha e de fala mansa, Ana diz que não sonha com casamento nem com filhos, mas tem medo de “ficar sozinha quando for velhinha”. Sem fugir à sua personalidade, entretanto, ela planeja um nome para uma possível filha: Magnólia.