30 Anos de Mudanças Tecnológicas no Audiovisual

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Copyright © 2019 Almir Almas, Arthur Protasio, Christian Saghaard, Cristina Amaral, Kátia Coelho, Mariana Pecoraro, Tadeu Jungle, Zita Carvalhosa Copyright © 2019 Associação Cultural Kinoforum Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19.2.1998. É proibida a reprodução total ou parcial em a expressa anuência dos autores. Este livro foi revisado segundo o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. ORGANIZAÇÃO Lizandra Magon de Almeida e Christian Saghaard COORDENAÇÃO EDITORIAL Luana Balthazar PREPARAÇÃO E REVISÃO Equipe Pólen Editorial CAPA E PROJETO GRÁFICO Daniel Mantovani FOTOS Acervo do Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 Analógico digital : 30 anos de mudanças tecnológicas no audiovisual / organizado por Kinoforum. -- São Paulo : Kinoforum, 2019. 64 p. ISBN 978-85-61443-08-5 1. Cinema 2. Curta-metragem 3. Tecnologia 4. Audiovisual 5. Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo 6. Festivais de cinema I. Título 19-1706

CDD 791.43

Índices para catálogo sistemático: 1. Festivais de cinema : Curta-metragem

realização

Associação Cultural Kinoforum www.kinoforum.org (11) 3031-5522

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uma pessoa responsável por conseguir a liberação das latas de filme na alfândega. Nesse período, a montagem saiu da moviola e ganhou os equipamentos de edição não linear e computadores. A fotografia e o som tornaram-se digitais e caíram nas mãos do público, nos hoje onipresentes aparelhos de celular. Essa evolução tecnológica foi responsável por uma ampliação significativa na diversidade de representações e vozes, em frente e atrás das câmeras. Muito mais mulheres assinam a direção dos curtas, no Brasil e no mundo, e negros e indígenas também garantem cada vez mais sua presença indispensável no universo das imagens em movimento, como realizadores e realizadoras, como atores e como atrizes, e em todas as equipes de produção. Nossas Oficinas Kinoforum – que chegam à sua 18ª edição – são prova dessa revolução trazida pelo vídeo e pelas câmeras de celular, garantindo o acesso e a afinação do olhar como produtores e espectadores a dezenas de jovens que passaram por aqui. A revolução da fotografia se multiplicou nas imagens em movimento do cinema, que mais recentemente digitalizouse. Em paralelo, a computação gerou não só as imagens em três dimensões da animação eletrônica como também a interatividade dos games. E a mudança tecnológica hoje garante não só a interatividade, como a imersão. A busca pelo realismo e 12


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Em conversa com a Zita Carvalhosa, no começo deste ano, ela me disse que, seguindo os passos dos dois primeiros momentos em que o Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo atingiu as marcas de suas datas redondas (aos dez anos e aos vinte anos), planejara para 2019, ano da terceira data redonda (trinta anos), mais uma expansão do perfil do festival. Desta feita, neste ano de 2019, o festival se abre às narrativas audiovisuais, a dispositivos técnicos e às realidades – virtuais, mistas e aumentadas – que expandem o fazer e a visualização do curta-metragem. Pode-se traçar um paralelo entre a história do festival e a evolução e rupturas paradigmáticas que o cinema e o audiovisual viveram nos últimos trinta anos. Pois, vejamos, na primeira década do festival, nos anos 1990, ainda havia uma separação muito grande – que já vinha da década anterior – e totalmente sem sentido entre os que faziam cinema e os que faziam vídeo. Aqui, falo do meu lugar de fala, uma vez que nesse período também dirigi e produzi vídeos e videoarte. A produção em vídeo não era aceita em festivais de cinema; o vídeo era tido como um “primo pobre”, e seu produto era sempre visto como algo pequeno em relação à produção cinematográfica. A película era o alto nível; e a realização de um filme em película, longa-metragem ou curta-metragem, era vista por muitos dos realizadores audiovisuais como o ápice de suas carreiras. Por ser visto também como muito próximo da televisão, o vídeo carregava em si, erradamente, todo o preconceito que essa mídia recebia. Os videoartistas, porém, já haviam se encontrado em diversos festivais nacionais e internacionais exclusivamente de vídeo e que tinham vida própria, independente dos festivais de

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a busca cada vez maior pela imersão e o senso de realidade. Ao mesmo tempo em que as películas decaíam, os processos de padronizações digitais, tanto na produção, quanto na finalização e exibição/distribuição, passaram a ditar um novo cinema e audiovisual, em que não fazia mais sentido a velha e clássica separação entre cinema e vídeo. As escolas de cinema, no mundo inteiro, estavam no olho desse furacão e passavam a realizar mudanças em seus cursos, que caminhavam, principalmente, para a quebra dessa divisão entre cinema, vídeo e televisão. Tomando de meu lugar de fala, cabe destacar o caminho percorrido pela universidade de São Paulo, a principal escola de cinema do Brasil. A uSP é pioneira na criação de um novo curso, que, inclusive, teve sua grade curricular adotada pelo MEC como referência para a criação das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação e Cinema e Audiovisual. O Departamento de Cinema, Rádio e Televisão, que, até 1999, mantinha dois cursos separados, Curso de Cinema e Vídeo e Curso de Rádio e Televisão, passou, a partir do ano 2000, a ter um único curso, o Curso Superior do Audiovisual, o que acompanhava as mudanças e rupturas que estavam acontecendo nessa área em todo o mundo. O sucesso do curso foi reflexo do sucesso das mudanças apresentadas no cinema e audiovisual, uma vez que, como dito anteriormente, não fazia mais sentido a separação a partir de tecnologias e dispositivos de realização de imagem e som. O digital unifica. E quando o mundo cinematográfico se tornou todo ele digital, o caminho para as escolas de cinema e

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O primeiro filme de longa-metragem a que assisti, aos 5 anos, foi Help, dirigido por Richard Lester, em 1965. Eu morava ao lado de um cinema, Cine Jamor, e as músicas dos Beatles, sem pedir licença às paredes, invadiam a sala, misturando-se ao som da televisão. Levada ao cinema pelas mãos de minha avó Conceição, o filme me sequestrou. Os especialistas em desenvolvimento infantil dizem que a infância é uma fase importante para a formação da personalidade adulta; dessa forma, invadida pelas imagens, “traumatizada” fiquei. O cinema se tornou meu amigo “invisível” e dele não quero mais me separar. Como em Zelig, dirigido por Woody Allen, filme magistralmente realizado com trucagens óticas, estive em vários eventos pelo mundo – alguns deles, em outros planetas. Aos 3 anos, só ia dormir após o comercial, em animação, dos Cobertores Parahyba – olha, aí, querido Joaquim Três Rios! Em 1968, viajando através dos noticiários de TV, participei da morte de Bob Kennedy, filmado em 16 mm; em 1969, vi o homem chegar à Lua, bem acompanhado por câmeras Hasselblad, desenvolvidas especialmente para o marco histórico; nas telas de cinema, em 35 mm, joguei futebol no Canal 100; assisti à Copa de 70, na TV colorida!, e me apaixonei por Félix, o goleiro; brinquei na TV, transmissão em preto e branco, com Lassie e Rin-Tin-Tin; cantei, com meu inglês inventado, junto aos The Monkeys; voei com National Kid para o Japão e, com meu seriado favorito, fiquei “perdida no espaço” com a família Robinson, com o Dr. Smith e o robô. Fotonovelas italianas lidas pela minha avó – sempre, ela! – e por mim, com a ajuda de uma tesoura, viravam fotogramas e contavam historinhas... Realidade e ficção, para uma criança, é apenas seu mundo.

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os queridos Carlinhos e Maria Rita Galvão, professores discípulos de Paulo Emílio Salles Gomes, que não tive a honra de conhecer. Na universidade, aguardava ansiosamente as aulas de cinematografia do meu mestre, Chico Botelho. Com ele, aprendi a filmar em 16 mm e 35 mm, além dos conceitos básicos de iluminação e laboratório.

Estudantes, viajávamos de cinema e vivíamos para ele Em uma das mostras internacionais, 1981, foi anunciado o primeiro filme digital de longa-metragem projetado nos cinemas, dirigido por... Antonioni: O Mistério de Oberwald. O filme, na época, foi feito para a televisão italiana, e não para o cinema. Ao ser transformado do vídeo em película 35 mm para poder ser projetado, sofreu deturpações grotescas em sua imagem. Ao me formar na universidade, fiz meu primeiro filme de longametragem como segunda assistente de câmera. O filme chamavase Além da Paixão, foi dirigido por Bruno Barreto, fotografado por Affonso Beato, e produzido por Luiz Carlos Barreto – o Barretão – e por sua mulher, Lucy. Tínhamos equipamentos de luz e câmera que eu nem sequer sonhava. No Brasil, em vez de gelatinas nos refletores, usava-se papel celofane! Seguiram-se muitos outros filmes e, em 1990, trabalhei como assistente de câmera no longa-metragem Brincando nos campos do Senhor. Havia muitas unidades de câmera, inclusive aéreas, maravilhosamente filmadas com drones? Não! Pesados

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aconteciam no bar e no saguão do MIS; com sessões lotadas. O curta era visto por nós, cineastas, como uma alavanca profissional para o longa-metragem, o cinema era para poucos. No mundo, um cinema tecnicamente mais experimental se organizava, o grão fino das películas exibidas ameaçava se romper, com produções independentes que ampliavam o 16mm para 35mm. Lars Von Trier – louco o suficiente para passar da bela fotografia de seu filme Europa, 1991 para a incrível desconstrução de imagem de Ondas do Destino, em 1996 – disse, em 1995, no lançamento do Manifesto Dogma e seus 10 mandamentos, que a película estava morrendo e que a democratização da imagem era necessária. O roteiro se impôs à técnica em Festa de Família, dirigido por Thomas Vinterberg. Filmado em obediência aos 10 mandamentos, lotou as salas de cinema com a controversa história do aniversário de 60 anos do patriarca de uma família dinamarquesa. No ano 2000, Dançando no Escuro, também dirigido por Lars Von Trier, emocionava o público. A fotografia digital de Robby Muller foi assimilada pelo mundo, na voz de Björk, em um plano sequência em que 100 câmeras VX1000, modelo popular e barato, foram colocadas ao longo do percurso de uma linha de trem. Com curadoria atenta, esta vitrine mundial de curtas que é o Festival seguiu acompanhando as transformações. Antes mesmo de as escolas de audiovisual se multiplicarem – o capitalismo de olho em um novo público –, à margem do dinheiro estava se formando uma plataforma mais democrática: as Oficinas Kinoforum começaram a informar jovens de periferia sobre essas novas plataformas. 28


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Novas plataformas de comunicação surgiram na última década e modificaram a maneira como assistíamos a produtos audiovisuais ou mesmo usávamos o celular para receber uma ligação telefônica ou ouvir música. O YouTube e seu infinito repertório de vídeos parece dizer que ali cabe o mundo, os novos stories do Insta e do Facebook nos torna produtores de conteúdos articulados, o streaming possibilitou o surgimento da Netflix, e ao mesmo tempo somos também veículo ao passar ou repassar vídeos no Whatsapp, ou ao criar uma playlist no Spotify. Onde ficaram a TV e o cinema? Como isso tudo se conecta? Como isso tudo influencia a maneira de olhar para as telas? quem assiste a tanta coisa assim? Tenho o privilégio de ter passado por duas revoluções tecnológicas que transformaram os formatos narrativos audiovisuais: o surgimento do vídeo e o surgimento da internet. Em 1980, ao receber um equipamento portátil de vídeo da Sony do professor Walter Zanini, da ECA (Escola de Comunicações e Artes da uSP), todos nós ficamos chocados em poder gravar uma cena e dar play logo na sequência. Era o vídeo! Era mágico! Difícil até de imaginar, frente à possibilidade corriqueira de hoje de se fazer um longa-metragem com uma câmera fotográfica.

Cinema ou TV? Nesses tempos, contar uma história audiovisual era privilégio de poucos. Ou dos clássicos cineastas que se utilizavam das mesmas máquinas e películas criadas na invenção do cinema há mais de cem anos ou das redes de TV com seus equipamentos de vídeo de grande porte. Foi com o surgimento da tecnologia portátil de 32


no objeto físico TV), mas também foi exibido numa tela maior, num lugar amplo e escuro, chamado cinema, e que eu ainda reassisti no metrô na tela do meu celular. Roma, um filme digital (então seria um vídeo?) ganhou três Oscar em 2019, incluindo o de melhor filme estrangeiro.

Cinema TV YouTube Instagram IGTV Streaming AI RealidadeVirtual 5G Novas formas de comunicação reforçam a necessidade de novas formas de encarar o passado, o presente e o futuro – e assim contar novas histórias. Streaming, live streaming, realidade virtual, realidade aumentada, realidade expandida, podcasts... O contemporâneo é palco da criação de muitas estradas narrativas, que se sobrepõem, se somam e se potencializam e muitas vezes se canibalizam. De qualquer forma, estamos em terreno fértil para criar histórias. Isso é o que interessa. Mas, enquanto escrevo sobre as novas plataformas de narrativa audiovisual, penso que terei de reescrever assim que terminar, pois o que escrevi talvez não valha mais a escrita, tamanha a velocidade das transformações em curso. O sentido do efêmero não está apenas na vida, mas na forma como falamos dela. A escrita, por exemplo, uma vez sendo digital, poderá ser fluida e inteligentemente adaptativa às transformações temporais, deixando traços de memória como seus alicerces – assim será em breve, com auxílio da inteligência artificial. A escrita líquida será inteligente e se transformará com algoritmos. Mas há transformações que já estão bem mais próximas de nós. 34


rastro imaginário, a memória do impacto do pé. Claro que sempre podemos fotografar a tela do celular e prender aquela imagem conosco, mas não é esse o jogo. Atentem que, até recentemente, a TV atuava assim. Passou, passou. E sumiu. Tudo aquilo que publicamos na internet, por sua vez, fica. Muitas vezes replicado infinitamente, impossibilitado de ser apagado, até por medidas judiciais. A nossa mais reles memória cotidiana tem o status de forever, assim como têm as estátuas de mármore. Sob esse olhar damos um valor imenso ao que fazemos, a ponto de querer escrever em pedra e bronze virtuais algo frugal como o nosso sorridente selfie na Disney. O conceito de responsabilidade deveria ficar à flor da pele. Ou da tela. Não parece ser o caso dos atores contemporâneos. Ou seja, para sempre e para já estão no mesmo plano das nossas possibilidades de comunicação mediadas pela internet. E nesse perímetro surgem a todo momento novas plataformas e redes sociais para expressarmos as nossas ideias e para experimentarmos nossas invenções. O YouTube (criado em 2005) é uma dessas plataformas que alavancaram o surgimento de muitos experimentos narrativos, além de poder ser depositário de tudo que se move numa tela. Ali foi consolidada uma tendência: a de os vídeos serem de curta duração. Antes dele, a norma era de meia hora, uma hora ou longa-metragem. Agora temos microvídeos no app Tik Tok (criado em 2016 e que já vale uS$ 75 bilhões) e até segundos de entretenimento em forma de gifs animados. Mas a tendência não é reduzir o tamanho dos filmes como se poderia esperar numa sociedade imediatista, mas também ampliá-los como na IGTV, a Instagram 36


o uso de um modo de exibir conteúdo já existente, mas atualizado para o consumo móvel e contemporâneo, casando isso com o comércio de varejo. Aguardem movimentos ao vivo da nova Apple TV+ – para mim, a grande notícia do ano, que também lançou o próprio Apple Card! – e outros concorrentes. Mudando o canal para esportes, atentem para a AutomaticTV, uma empresa de tecnologia que permite transmitir esporte ao vivo sem nenhuma equipe envolvida. As câmeras seguem automaticamente a bola e um processo de inteligência artificial que corta da câmera 1 para a câmera 2 e assim por diante. Isso reduz drasticamente o custo das dispendiosas transmissões esportivas. Em breve até campeonatos estudantis estarão sendo transmitidos por sete câmeras ao vivo e no seu celular. Sinto que o mundo será transmitido ao vivo com câmeras vivas nas esquinas... Com o crescimento de consumo de conteúdos no celular, os podcasts, que nada mais são do que programas de rádio on demand, se configuram como a nova onda. Desde que surgiu o tocador de áudio portátil Walkman (criado em 1979), da Sony, nossos ouvidos se acostumaram a caminhar e ouvir música ao mesmo tempo. Porém, estamos percebendo que temos muito tempo livre no nosso dia, desde o nosso caminho para o trabalho até lavar louça em casa. Em vez de “apenas” ouvir música ou deixar a TV ligada na sala, por que não conhecer o futuro da minha profissão, ou aprender inglês, ou curtir uma entrevista com minha atriz preferida? Toneladas de conhecimento e entretenimento estão sendo produzidas em áudio! O já clássico serviço de streaming de áudio Spotify (criado em 2008) está animado com isso e já 38


vivo e teremos uma bomba de transformação no consumo de entretenimento. Vou assistir a um show da Ivete Sangalo ao vivo e em cima do palco! Vou estar dentro do barco dos irmãos Grael nos Jogos Olímpicos! Atrás do gol na decisão por pênaltis da Copa do Mundo! uau!

Um novo museu E mesmo se não for ao vivo, eu poderei conhecer Jesus, Buda ou Maomé nos novos filmes em realidade virtual. Notem que isso já é. Não estou falando de futuro. A NBA transmite jogos de basquete ao vivo para assinantes. Segundo Peter Diamandis, da Singularity university, com a adição da inteligência artificial nessa fórmula vamos poder interagir e conversar com figuras históricas como Santos Dumont ou Einstein. Procurem por Carne y arena, do cineasta mexicano Alejandro Iñárritu e vejam que até Oscar esse filme disruptivo – ou essa experiência em realidade virtual – já ganhou. E se misturarmos tudo isso com o braço forte da internet, a pornografia? Provavelmente teremos audiências massivas. E se ampliarmos isso para um pouco mais adiante, poderemos viver novas vidas em mundos escolhidos. Opa, opa, opa. Vamos com calma. Vamos voltar para hoje. Ainda em realidade virtual, vamos visitar um museu. British Museum, The Smithsonian, Tate Modern, entre tantos outros ao redor do mundo, já se utilizam de realidade virtual para potencializar seus acervos ou para incrementar suas exposições. A reserva técnica de um museu guarda obras que jamais serão colocadas em exposição, pela mais absoluta falta de espaço e tempo. Geralmente

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objetos retirando pequenos sons desses movimentos. O objetivo inicial pode ser buscar o relaxamento do espectador, mas fala-se em arrepios intensos na espinha ao ouvir determinados ruídos e mesmo em orgasmos cerebrais com essas ações. É ou não é algo extraordinário? Mas o que você diria ao se deparar com um silencioso vídeo no YouTube no qual uma pessoa olha para um computador e/ou um livro e digita e anota e ponto. Por uma hora? Duas horas? Seis horas! Em silêncio! Este é o formato do Study with me (“Estude comigo”). Pessoas ao redor do mundo se dispõem a colocar uma câmera na sua frente enquanto estudam. A ideia é que isso estimule você a estudar. Ou seja, você deixa o seu celular ligado e “estuda junto” com esse desconhecido. Do que falamos aqui? Bizarrice? Empatia? Solidão? Vale notar que um dos principais motivos alegados para as pessoas ouvirem um podcast, além de conquistar conhecimento, é companhia. Pessoas caminham sós, acompanhadas pela mídia. Eu, minha mídia e myself? Estamos mais conectados do que nunca e temos na palma da mão um computador mais poderoso do que todos os usados pela Nasa para mandar o homem à Lua há 50 anos. E essa potência crescerá. Temos mais informação disponível do que nunca. E isso crescerá. Temos mais telas para expressar nossa arte e nossos sentimentos do que nunca. E isso crescerá. Temos mais facilidade para nos comunicar com desconhecidos do que nunca. E isso crescerá.

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cuidar de todos como um, e da Terra como única. Colocar as crianças em contato com a natureza desde cedo é um ótimo caminho para que reverenciemos essa sábia senhora, que vem se aperfeiçoando por milênios e que sabe tudo de tudo. Não estamos sós. Temos a natureza ao redor, e todos nós, juntos e misturados, para navegar nessas luzes todas. Com suor e tecnologia. Com afeto e criatividade. [Parte deste texto foi publicado originalmente no CADERNO GLOBO, edição de julho de 2019.]

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Antes de entrar na faculdade eu fazia fotografia estática. Foi a primeira coisa que me ligou ao cinema. Num primeiro momento, na Escola de Comunicações e Artes da uSP, fui para essa área e fiz assistência de câmera. A gente na escola era eletricista, era tudo dentro do set. Tinha uma equipe que instalava a caixa de luz e essas coisas, mas quem ligava e desligava todo dia, mexia nos refletores e posicionava os equipamentos éramos nós, os alunos. Para mim, era uma coisa de dividir o peso. Eu não conseguiria carregar nunca uma câmera 35mm junto com o zoom e o tripé. Eu separava e carregava por blocos. Com a prática, você aprende a equilibrar a coisa da força e a dividir o peso. Fiz alguns trabalhos com fotografia, mas não foi por essa questão física que mudei de área. Foi porque entendi que a montagem era uma coisa que eu ia gostar mais de fazer, que tinha mais a ver comigo do que a fotografia. Durante um tempo eu até me dividi entre os dois, mas para você fazer direito tem que ter dedicação, tem que estudar, então eu acabei optando mesmo pela montagem. Acho que na parte de som teve um ganho muito grande com o digital, com certeza, até por conta das limitações que a gente tinha de laboratório. Com a película a gente via o filme, mixava, ouvia uma coisa no estúdio, e nunca mais. Eu lembro que conversava muito com o José Luiz Sasso [mixador e proprietário do Estúdio de Som JLS Facilidades Sonoras] e falava: “Zé, tem alguma coisa no processamento químico do negativo de som que destrói uma coisa que a gente ouviu no estúdio”. Depois caía ainda mais nas projeções, e era duro de ver. Acho que o digital trouxe a possibilidade de melhorar esse aspecto.

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ajudava fisicamente no processo analógico. Hoje em dia, se você não fizer alongamento, exercício físico e exercício para os olhos, em dez anos você está incapacitado a continuar trabalhando. Demora um pouco mais, mas eu sempre vou buscar um modo de me concentrar na imagem, mais do que nas operações todas do processo digital, que envolve mouse, teclado, mesa de som, três monitores… É uma coisa dispersiva. É claro que a tecnologia facilita muita coisa. Por exemplo, hoje eu posso colocar um longa-metragem inteiro na timeline e assistir. Isso é algo que não existia com a moviola. Acredito que a gente sempre tem que ter uma certa resistência, e não ficar embevecido com relação à tecnologia, achando que tudo se resolve ali. Porque, na verdade, a tecnologia está sendo desenvolvida para desconsiderar o ser humano. O projeto é fazer tudo sem o homem. Não sei o que vão fazer com essa humanidade, talvez jogar fora e ficar só robô. Isso está criando um nó na cabeça das pessoas, porque tem gente que está vendo a sua profissão virar fumaça da noite para o dia, e ninguém se prepara para isso. Nos laboratórios isso já aconteceu. Outra área em que já aconteceu em parte é a de projeção do cinema, com um cara controlando a projeção de nove salas. E a gente tem que reagir nesse sentido: tudo bem, vou usar, tem coisa que é bacana, é bom ver e-mail no celular, mas não vou ficar dependente disso, não posso ficar. Não posso deixar de conversar com as pessoas porque tenho celular. Você pega metrô e, de dez pessoas, nove estão com a cara no celular. A gente está criando um problema sério daqui para a

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O ano era 1990. Eu começava a estudar cinema, e o Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo também começava. Logo no primeiro dia de aula do curso de Cinema, fiquei sabendo que uma turma mais adiantada estava filmando um curta-metragem num casarão no centro da cidade de São Paulo. Com o endereço da filmagem escrito num papel qualquer, fui lá conferir. O casarão estava abandonado, caindo aos pedaços. Não havia vestígios de que poderia haver uma filmagem por lá. Fiquei com aquela sensação de que tinha caído num trote. que calouro idiota eu fui! Mesmo assim, resolvi entrar no terreno do casarão, pulando o lixo e os pedaços de paredes. Foi quando eu vi um jovem cabeludo surgindo do meio da intensa poeira que tomava a entrada do casarão. Nas mãos dele, uma lata redonda que eu reconheci como sendo a lata de negativo (película) para filmagem, que eu nunca tinha visto pessoalmente. O jovem comentou que estava com pressa para levar a lata ao laboratório cinematográfico para o negativo ser revelado. A equipe precisava saber como tinha ficado a filmagem e levaria algumas horas para que fosse possível ver qualquer imagem. Em seguida, o jovem saiu correndo, todo empoeirado, em direção à rua. No segundo dia de aula, um professor falou durante horas sobre como o cinema de película estava com os dias contados, que estava agonizando. Ele parecia extremamente feliz ao dizer que a película estava moribunda e que tudo seria digital. Explicou como era o formato tecnológico de um suporte digital, ilustrando com números e tabelas. Parecia uma aula da matemática, daquelas bem técnicas, insuportáveis. Deu certa tristeza...

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primeira ação: uma exibição ao ar livre em película, que continuou mesmo depois que uma tempestade começou a cair. A ideia de que o vídeo digital, naquela época, estava ficando acessível, era para alguns uma realidade e, para a grande maioria uma ilusão. As Oficinas Kinoforum ofereciam o equipamento de vídeo digital para que os próprios participantes pudessem fazer seus primeiros filmes. Nos primeiros anos do projeto, fizemos diversas oficinas nas periferias da cidade e a maioria dos participantes nunca tinha gravado nenhuma imagem em vídeo. A captação de imagens e sons com câmeras digitais ainda era uma possibilidade para poucos. As mudanças foram acontecendo numa velocidade espantosa. Por volta de 2002, uma adolescente chegou numa oficina audiovisual, no dia final de exibição dos vídeos, com as mãos vazias. Perguntei, desesperado: “Cadê o DVD ou o CD com a cópia final?”. E a garota respondeu: “Calma, professor, tá aqui, o vídeo tá pronto”. Ela tirou o colar que usava e que tinha como enfeite um pingente, que na verdade era um pendrive com a cópia do vídeo pronto para a exibição. A tecnologia estava mais acessível, e nós, educadores audiovisuais que começamos com o cinema de película, aprendíamos muito com nossos jovens alunos. Nos anos seguintes, câmeras e, mais frequentemente, celulares com câmeras, foram se tornando cada vez mais disponíveis. Em qualquer oficina audiovisual infantil de uma cidade de 3 mil habitantes do interior do estado, todas as crianças participantes já gravavam imagens em celulares. Mesmos as crianças das zonas rurais mais isoladas já traziam seus celulares para a oficina. Foi

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Da pintura à fotografia, que em movimento se tornou cinema, a representação humana da realidade chegou à computação gráfica e à interatividade. O jogo eletrônico marca presença na história desde a década de 1950, quando surgiu como experimento em laboratório. Foi criado por cientistas da computação que começaram a desenvolver simuladores para auxiliar em suas pesquisas. A partir dos anos 1970, os jogos começaram a se popularizar como produto comercial. No Brasil, porém, o primeiro jogo comercial só foi lançado em 1983, o Amazônia. Em sua primeira versão, era vendido em fitas cassete, para computadores ainda rudimentares. Mas isso só foi possível graças ao avanço tecnológico do processamento digital e de seu impacto nas mídias comunicativas. O que antes era apenas texto impresso no papel depois se transformou na fotografia, depois o cinema e, finalmente, essa experiência audiovisual tão importante ganhou interatividade. Se as pessoas já ficaram profundamente impactadas pela imagem de um trem em movimento quando os irmãos Lumière exibiram seu primeiro filme em público, não é à toa que os jogos hoje marcam uma presença tão importante ao permitir a participação e a imersão aos jogadores. Este é o momento em que vivemos hoje, uma época de transição tão única, em que a tecnologia permite a criação de plataformas cada vez mais realistas, capazes de expressar e exprimir o ser humano enquanto arte e cultura de maneira nunca antes experimentada. A produção brasileira de jogos digitais vive nos últimos anos um momento de glória. Os games brasileiros têm se destacado mundialmente com títulos como Horizon Chase Turbo, um jogo de corrida inspirado nos grandes clássicos dos anos 1980 60


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