CHICHICO VENÂNCIO E SUA ADORÁVEL LALINHA

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ti uma vontade danada de pulá nele. Senti um aperto na garganta e fiquei zonzo. Aí, toda véiz que eu me alembro vem um aperto e essa zonzeira. E vem tão forte que parece que foi onte. - Que situação hein, Chichico Venâncio? - Isso ficô entalado aqui, Doutô Mayrink... Engasgado aqui oh. Oh. Até que um certo dia eu fui pra um lugá mais longe e lá eu abri o jôgo pra ela. Falei que tava sofrendo muito. Implorei pra ela me contá tudo com os detalhe que perciso. Choramo. Ela chora mais que eu. Me dá vontade de chorá pra valê... Mas... Eu não choro... Eu choro só por dentro. Aqui oh. Ela chora, e a gente vê qu’ela tá chorando mermo. E ela falô assim: Eu nunca vi ôce assim, meu bem. Tão triste. Tão abafado. Chora, home! Desabafa! E me abraçô apertado. Essa é a minha Lalá. É uma santa, Doutô Mayrink. Eu que não presto. - Não é assim não, Chichico Venâncio. - Eu arrespondi pra ela: Não queira me vê chorando não, Lalá. Eu acho que ia chorá só se fosse uma tragédia. A última véiz que eu chorei foi na morte da minha mãe. Tem dezesseis ano. Eu estou com trinta e cinco agora. Isso tudo é uma tragédia, né mermo, Doutô Mayrink. - Talvez nem na morte de sua mãe você se permitiu chorar mesmo, não é mesmo, Chichico Venâncio? - Descarreguei mermo foi quando ela foi enterrada, Doutô Mayrink. É o momento mais difící Sô! - Você chorou? - Chorei muito e me alembrei quando tinha quinze ano. Meu pai tinha um ano que tinha abandonado minha mãe e eu. Fiquei num beco sem saída. Gostava dimais do meu pai e da minha mãe. Não consegui ficá do lado nem di um nem di outro. - Mas você continuou morando com sua mãe? - Claro. Mas passei a andá sem rumo pelas rua e chegava em casa só de madrugada quando ela já tava dormindo. No outro dia de manhã ela me xingava, me batia, falava pr’eu criá vergonha na cara e arranjá um emprego, porque percisava de dinheiro. À tardinha eu começava a andá em circo pela cidade passando perto da casa da minha mãe e do meu pai. Chegava a batê na porta da casa dele, mais não esperava, pruque vinha assim um pensamento me falando que, se ele atendesse, minha mãe ia morrê. Andava di novo e di novo me assaltava aquela vontade de vortá e batê na porta do meu pai. Quando chegava perto da porta, o danado do pensamento vinha di novo. Chichico Venâncio e sua adorável Lalinha - 64


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