NÃO EXISTE IGUALDADE GRÁTIS No início de uma aula, em uma universidade, um dos alunos, deliberadamente perguntou ao professor: - O senhor sabe como se reproduzem e se eternizam desigualdades entre os seres humanos? O professor viu que não era uma piada, afinal isso não é brincadeira, e esperou uma resposta esclarecida. O jovem sabia que a resposta não era simples e escolheu um ponto central para sua explicação: - Para capturar a consciência das pessoas – disse o jovem – anestesiá-la e evitar que pensem sobre a realidade, basta dar a elas histórias simplistas, diariamente... - Pode-se, por exemplo, chamar de “porcos selvagens” os desvalidos da História e criar uma imagem simplista da sua condição, dizendo que eles buscam “comer milho grátis”. - Isso esconde definitivamente que a desigualdade foi criada pelos próprios seres humanos nas suas relações com os outros e esconde que a “selvageria”, assim como a “fome” não são naturais. - Esconde, também, que a “escravidão” real, no Brasil, tem outra história, foi injusta e desumana mesmo, nada de “milho aqui, migalha lá”, foi na força da arma e do laço que se construiu e que Zumbi, os quilombos as lutas dos movimentos negros, de homens e mulheres, são prova de “lutas” e não de busca preguiçosa de vida boa. - Afinal, simplificando do modo que se faz deliberadamente, passa a não ter sentido falar de desigualdade, nem que seja para reconhecê-la, fica tudo como se fossem fantasias idílicas de pessoas que estão do outro lado que não o dos “homens de bem”. - Ao contrário de usar metáforas para pensar a realidade, as pessoas vêm diariamente buscar mais ideias simplistas - Quando se acostumam a pensar com elas diariamente, se constrói um abismo entre a realidade social e histórica e esse lugar onde elas pensam, mas – diz o jovem – uma parte do abismo de cada vez... - Se elas já se aceitaram pensar os desvalidos como “porcos selvagens”, sua “fome” como naturais e a “escravidão” sem efeito sobre a história, basta dizer que os desvalidos vivem longe das cidades e que frequentam “uma floresta” na qual se reúnem para comer o “milho grátis” - Isso nega que são trabalhadores, que partilham a cidade, os locais de trabalho, enfim que estão inseridos no contexto social, fica tudo como se fossem “os outros de fora” e que deveriam continuar “de fora”, negase que esse “fora” é fora dos direitos que têm. - Isso nega que há uma história longa a ser contada sobre isso e que as lutas sociais nunca foram “grátis” e que não há “dádivas” e sim lutas encarniçadas por mudanças na distribuição de oportunidades nessa discussão. - além disso, faz do Estado, naturalmente uma extensão dos “donos do milho” e nega as políticas públicas como Política, tentando chamá-las de “dádiva”, seria como se o Estado não fizesse parte de uma dimensão Política (com P maiúsculo). – mas, continua o jovem, é nisso que mais funciona o pensamento por metáforas simplistas e aos poucos elas vão minando o pensamento e o abismo construído vai se sedimentando. - Agora – diz o jovem – queria denunciar para que serve a porta colocada nesse abismo: para que seja aberto sempre que for preciso, por exemplo, perto de eleições. - Quando estiver próximo de eleições, basta substituir a discussão Política, pelo simplismo eleitoreiro e dizer que uns são “porcos selvagens” e de outro lado estão os “pagadores do almoço”, seriam essas as possibilidades de escolha.