O brincar como criação espacial

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS ESCOLA DE ARQUITETURA

O BRINCAR COMO CRIAÇÃO ESPACIAL O fazer manual como forma de pensar o mundo

Júlia Carvalho Passos



JÚLIA CARVALHO PASSOS

Trabalho de Conclusão de Curso oferecido ao Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito para a obtenção do título de Arquiteta e Urbanista.

Orientadora: Rita de Cássia Lucena Velloso

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Projeto gráfico e diagramação Jéssica Kawaguiski Bordados Júlia Passos Papéis artesanais Iago Oliveira e Papel do Quintal Revisão Gil de Freitas Produção gráfica Jéssica Kawaguiski Encadernação e acabamentos Jéssica Kawaguiski e Júlia Passos Ilustração capa Jéssica Kawaguiski Bordado capa Jéssica Kawaguiski e Júlia Passos

Belo Horizonte | Junho de 2019 6


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Agradecimentos

Agradeço à minha mãe Luciana, ao meu pai Jackson e à minha irmã Priscila pelo apoio incondicional, mesmo quando não sei explicar com clareza os caminhos que tomo. À minha avó Rosa, por tudo isso e pelas orientações no bordado. À professora Rita, não apenas pelas orientações preciosas, pelo interesse e empolgação com o trabalho, mas por ser uma grande inspiração, como professora, mulher e gente que se deixa ser afetada pelo mundo. À Sílvia, pela prontidão e acolhimento, por me emprestar tantos livros e seus ouvidos atentos. Ao Gandhy por toda sabedoria, sensibilidade e disposição para ser inteiro. Pelo livro Brinquedos do Chão, que li e mastiguei com toda a calma. Pelo encontro na Fazenda dos Cordeiros, a escuta atenta nas pausas para o café e pelas questões levantadas, que tanto me guiaram. Ao professor Low, em especial, por aquela conversa importante, que me ajudou a enxergar caminhos profissionais possíveis, em um momento em que eu me questionava se continuaria no curso de arquitetura. Ao professor Adriano Mattos por tantas vivências, em especial pelas viagens a Ouro Preto, no início do curso, pela viagem para a Aldeia da Caatinguinha, que reverbera até hoje e pelas importantes orientações para esse trabalho.

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À comunidade Xacriabá, pela receptividade, ensinamentos e brincadeiras, e às amizades que nasceram naquelas terras. À professora Denise, que coordena o grupo Práxis, onde tive minha primeira experiência de extensão acadêmica e onde me despertou o interesse pela autoconstrução. Ao Fernando Maculan, por ser um verdadeiro professor, que me proporcionou uma gratificante experiência de estágio. Ao professor Glaucinei e à professora Anamaria, pela oportunidade no projeto Flores do Morro e pelas tantas trocas ricas que o projeto fez brotar. À colega Jéssica, por me mostrar, com apreço, as infinitas possibilidades do design e pela disponibilidade em contribuir com a construção do presente trabalho. Às colegas Luana e Ana Paula por ajudarem a construir um pensar com o corpo. Às mulheres da Vila São Jorge, que são exemplos de força e coragem e me mostram a riqueza do que é feito à mão e em grupo, todos os dias. Ao mestre brincante Roquinho, por mostrar a riqueza da infância nos encontros e conversas, pelas fotografias tão sensíveis e, em especial, pela viagem para São Julião. À comunidade de São Julião, por me fazer sentir parte. À companheira Clarissa, com quem compartilho tantos interesses, pela cumplicidade e suporte. À escola Casa viva, ao Colégio Loyola e ao Salão do Encontro pela abertura, receptividade e confiança. À minha amiga Ana Laura, que segue caminhos tão diferentes, mas de certo modo, tão complementares aos meus na arquitetura, por acreditar sempre. Ao Iago, por me mostrar a arte de produzir papel artesanal.


Aos amigos de Salvador, pelo pedaço de infância dividido comigo. Em especial, à Nath, por todo o apoio sempre e por me possibilitar acompanhar o crescimento de Kael, mesmo com a distância. À Luciane Kattaoui e ao Crepúsculo Centro de Desenvolvimento Humano, pelo trabalho sensível, para o qual me faltam palavras para descrever, mas que tenho a oportunidade de vivenciar. Agradeço aos meus companheiros de caminhada acadêmica, que se tornaram amigos para a vida, em especial à Júlia, à Ana, à Babie, à Caia, ao Caio, à Camila, à Lívia e ao Kalil.

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Sumário

O apanhador de desperdícios

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Par de galochas azuis

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Apresentação

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Percurso metodológico

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O fazer com as mãos

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A dimensão do brincar e do aprendizado

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Arquiteturas da infância

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Escola e artesanato

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Arremate

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Referências

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O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios. Não gosto das palavras fatigadas de informar. Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão tipo água pedra sapo. Entendo bem o sotaque das águas Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis. Tenho em mim um atraso de nascença. Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo. Sou um apanhador de desperdícios: Amo os restos como as boas moscas. Queria que a minha voz tivesse um formato de canto. Porque eu não sou da informática: eu sou da invencionática. Só uso a palavra para compor meus silêncios. Manoel de Barros

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Par de galochas azuis

Um dia, passeando nas estradas da comunidade quilombola de São Julião, com Ravi, uma criança de uns 7 anos, tomei uma importante lição sobre o interesse nas coisas simples. Caminhávamos naqueles instantes entre uma chuva de verão e outra e, por isso, havia aquelas grandes poças, que até os carros tinham dificuldade de transpor. Eu me esforçava para desviar de cada poça, saltava quando era necessário e tomava cuidado para não deslizar, afinal meu tênis era daqueles que quando molham, a água chega na meia e depois nos pés. Ao meu lado, Ravi saltava de poça em poça, se deliciando com o deslizar na lama e rindo dos respingos marrons que voavam em mim. Em determinado momento, sua feição alegre se transformou, e senti um olhar um tanto compassivo em minha direção. Eu sabia que ele estava formulando uma questão, que sairia em poucos instantes: “Ju, qual o seu sonho?”. Antes que eu pudesse me recompor de tal pergunta tão inesperada, e como quem já sabia a resposta e só precisava confirmá-la, completou: “É ter umas galochas azuis ‘que nem’ essas minhas?”. Naquele momento tive a clareza que meu maior sonho era, sim, aprender a brincar, e fiz dos meus tênis brancos, um par de galochas azuis, que desempenham alegremente sua função de levantar a lama em períodos de chuva. Que o leitor faça como o pequeno Ravi, e se permita sujar. Eis a poça, invente suas galochas!

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Apresentação

O presente trabalho é uma tentativa de costura das reflexões, surgidas a partir de algumas experiências ao longo da graduação em Arquitetura e Urbanismo, acerca das possibilidades que a arquitetura oferece à educação, se considerada como um potencializador das construções da infância e da capacidade inventiva da criança. No movimento inverso, também se discutem as possibilidades que a aproximação da cultura da infância reflete para a arquitetura, quando se permite a expressão livre do brincar.

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Construção de casinhas, em Ouro Verde de Minas, em 2018. Organização do mestre brincante “Roquinho”. Fonte: Foto de “Roquinho”, 2018. Acervo pessoal.

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A proposta conduz a discussões sobre uma educação emancipadora e uma autonomia da criança a partir de processos construtivos, não a uma “pedagogização” da arquitetura e ao “ensino” a sua linguagem de códigos. A intenção é entender a importância de se incentivar a brincadeira com elementos não estruturados e a construção de objetos pelas próprias crianças, a partir de materiais disponíveis no território, em contraponto aos brinquedos industrializados. Portanto, o trabalho se distancia do olhar técnico da arquitetura e se direciona para a dimensão subjetiva e pedagógica do ato de fazer com as mãos. Marina Marcondes Machado aproxima o conceito de brincar do conceito de “poiésis” do filósofo Benedito Nunes: “produzir que dá forma, fabricar que engendra, uma criação que organiza, ordena e instaura uma realidade nova, um ser”. Engloba-se aqui, a arquitetura nessa aproximação de conceitos e coloca-se o arquiteto como sujeito que exercita uma “ética e uma estética do brincar”(MACHADO, 2012, p.23) a partir do momento em que cria possibilidades para o surgimento de um livre arquitetar da criança. Dessa forma, propõe-se, necessariamente, um deslocamento do aprendizado baseado na informação e na apropriação de códigos para um baseado nas experiências e na inventividade. Experiências estas, mediadas por saberes não apenas intelectuais, mas também corporais, como forma de sensibilização com relação ao mundo, aos objetos, aos corpos e à cidade, tão essenciais da arquitetura. É importante esclarecer que, após tantas experiências práticas, o momento de realizar o trabalho de conclusão de curso se mostrou como uma oportunidade de reflexão e escrita, não com a intenção de encontrar respostas, mas como maneira de formular perguntas relativas a essas vivências. Isso não significa que o trabalho se encerra neste ensaio, pois ele deve ser enxergado como o início de um projeto a se desdobrar em ações práticas, futuramente, mais amadurecidas, após essas reflexões. Também se faz necessário evidenciar que mais do que apenas um trabalho que discute meios de instigar um pensar sobre o processo de construção dos objetos e a pedagogia presente no ato do produzir manual, este livro-objeto tem a intenção de trazer essas questões na própria materialidade. Diferente do papel-ofício, aquele branco comum, os papéis artesanais, tanto reciclados quanto os de fibra natural, instigam um pensar sobre a transformação da matéria, já que revelam marcas do seu processo de feitura. Da mesma maneira, a encadernação artesanal e as intervenções em bordado - técnica que me dispus a

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experimentar pela primeira vez - materializam o engajamento das mãos e o desenvolvimento de habilidades, na lida com materiais disponíveis à mão e processos simples, cujo sentido será alinhavado ao longo da leitura.

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Percurso metodológico

É possível afirmar que o percurso deste trabalho se iniciou há alguns anos, desde o ingresso no curso de arquitetura. Diferente de um processo que se desenvolve a partir de uma metodologia fechada, as reflexões aqui presentes surgiram a partir de diversas experiências que não tinham pretensão de se configurarem como pesquisa de hipóteses levantadas a priori, o que facilitou uma abertura às surpresas da eventualidade e uma flexibilidade com relação aos passos seguintes. A cada nova experiência, apareciam novas conexões com pessoas, escolas e instituições que direcionavam a uma outra vivência. Ao fazer relatos dessas práticas, a fim de sistematizá-las e analisá-las criticamente, surgiu a necessidade de dividir o trabalho em quatro blocos, apenas como forma de organização do pensamento, já que eles se permeiam e se complementam. A partir das experiências que possibilitaram o contato com a construção na prática e com a questão da autonomia construtiva, e posteriormente, as leituras sobre o tema, surgiu “o fazer com as mãos”. Das experiências que proporcionaram um pensar sobre os espaços infantis e um pensar o espaço urbano com as crianças e das leituras a fim de embasar situações observadas no contato com a criança e a brincadeira, nasceu a necessidade de se pensar a “dimensão do aprendizado e da brincadeira”, que justifica a proposta desse trabalho. Das experiências que trouxeram reflexões sobre autonomia construtiva da criança, surgiu “arquiteturas da infância”, que trata mais diretamente do fazer manual na infância e assim, faz uma costura entre os dois primeiros temas. Por fim, a necessidade de encontrar um espaço educativo que se aproximasse das discussões presentes, levou ao contato com o Salão do Encontro, tratado ao final do trabalho em “Escola e artesanato”.

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Sobre o processo de escrita e sistematização, também é interessante notar o percurso teórico percorrido. Ao iniciar formalmente o trabalho, houve um foco nas leituras sobre o tema do jogo e da brincadeira, como a do Homo Ludens, do Huizinga, que analisa a presença do jogo em diversas dimensões da vida humana, sob uma perspectiva antropológica. No decorrer das pesquisas e do desenvolvimento do tema do trabalho, houve um pequeno distanciamento da brincadeira e dos jogos e um direcionamento para o fazer artesanal. Ao final da leitura de “O Artífice”, de Richard Sennett, que trata do trabalho manual com profundidade, há uma retomada do pensamento de Huizinga, com a tese de que a brincadeira seria a “iniciação” no ofício das habilidades manuais. Assim, esse percurso se mostrou muito consistente na construção de sentido.

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Fonte: Foto de Júlia Passos, 2016. Acervo pessoal.

Legenda: Autonomia construtiva

Construção na prática

Pensar o espaço urbano com as crianças

Local: Macacos - MG

Curso de Bioconstrução com terra ensacada, pela Biohabitate. As experiências proporcionaram os primeiros contatos com a construção na prática, marcada por brincadeiras e jogos.

Local: Aldeia Indígena da Caatinguinha, da etnia Xacriabá, no município de São João das Missões.

Oficina de Mobiliário Criativo para alunos da Escola Casa Viva. Parceria: Amanda Gomes

Ano: 2016 Duração: 1 ano

Bolsa de Extensão Orientadora: Denise Morado

Coordenação de uma oficina de mobiliário no evento CuCa: Festival de Cultura, Ciência e Arte, para as crianças e adolescentes da escola Casa Viva, a partir da reutilização de materiais da própria escola e de depósitos. A experiência instigou um pensar sobre o desenvolvimento de objetos pelas próprias crianças e sua autonomia no processo.

Bolsa de extensão no projeto Diálogos, do grupo Praxis- Práticas Sociais no Espaço Urbano, da Escola de Arquitetura da UFMG. As áreas de atuação do grupo são algumas ocupações urbanas, vilas e favelas de BH. A experiência possibilitou o primeiro contato intenso com a autoconstrução.

Realização de feira de troca de brinquedos na Praça JK, entre a Av. dos Bandeirantes e a Vila Acaba Mundo. O evento proporcionou reflexões sobre o consumo de brinquedos e sobre os diferentes usos do espaço público pelas crianças.

Local: Bairro Ribeiro de Abreu

O Jogo Oasis é uma ferramenta de mobilização cidadã para realização de sonhos coletivos e foi adotada por uma disciplina do curso de arquitetura. Nessa experiência, foi construído um espaço de convivência com os moradores, com parquinho, mobiliário e horta. A forma como o processo foi conduzido provocou reflexões sobre autonomia dos moradores e, principalmente, das crianças. Fonte: Foto de autor não identificado, 2017. Acervo pessoal.

DISCIPLINA ESPAÇOS HÍBRIDOS DA CIDADE Ano: 2016 Duração: 2 meses

Disciplina Espaços Híbridos da Cidade (PRJ 081) Professora: Denise Morado

Fonte: Foto de autor não identificado, 2016. Acervo pessoal.

Professor: Adriano Mattos Construção de uma casa de cultura Xacriabá, a partir das técnicas tradicionais de adobe e pau-a-pique. A experiência viabilizou a participação de um processo completo de construção de uma casa, com materiais disponíveis no território. O processo se integra a diversas expressões culturais, como cantos, danças, festas, brincadeiras e rezas.

Ano: 2017 Duração: 2 meses

Local: Praça JK

DISCIPLINA PLAYGROUNDS

DISCIPLINA COSMOCIÊNCIA XACRIABÁ Ano: 2016 Duração: 12 dias Disciplina Cosmociência Xacriabá (UNI 050)

Ano: 2017 Duração: 1 dia

OFICINA DE MOBILIÁRIO CRIATIVO Ano: 2016 Duração: 2 dias

PRÁXIS – Práticas Sociais no Espaço Urbano

Local: São Gonçalo do Rio das Pedras - MG

Curso de arquitetura vernacular no Núcleo Ecovida São Miguel. Ano: 2017 Duração: 2 dias

Autonomia construtiva da criança

Fonte: Foto de autor não identificado, 2015. Acervo pessoal.

CURSOS DE BIOCONSTRUÇÃO Ano: 2015 Duração: 4 dias

Pensar espaços infantis

JOGO OASIS

TROCA DE BRINQUEDOS

Fonte: Fotomontagem de Júlia Passos, 2016.

Desenvolvimento do projeto de um parquinho para a creche da ocupação Eliana Silva - hoje, Vila Eliana Silva - concebido a partir de materiais e recursos disponíveis no território + projeto de uma mini-biblioteca, que seria construída em parceria com a Sabic (Associação dos Amigos das Bibliotecas Comunitárias) e a ArcelorMittal, para a ocupação. A disciplina instigou as primeiras pesquisas mais aprofundadas sobre os espaços da criança na cidade.

Foto: Foto de Rafaella Reis, 2017. Acervo pessoal.

Fonte: Foto de autor não identificado, 2016. Acervo pessoal.

Ano: 2017 Duração: 2 meses

Disciplina Playgrounds (PRJ 062) Professor: Wellington Cançado

A proposta da disciplina foi desenvolver ações práticas em torno das questões que envolvem os espaços da criança na cidade. A partir disso, foi estabelecida parceria com a escola Casa Viva, discutiu-se sobre mobilidade urbana com os alunos e sobre a possibilidade de criar uma espécie de extensão da calçada da escola, por meio de pintura. Essa intervenção foi discutida com a prefeitura, mas não foi viabilizada. Encerrou-se o trabalho em um evento que levantou questões sobre mobilidade urbana, na praça Professor Godoy Betônico, próxima à escola. Essa disciplina intensificou o contato com diversas referências sobre o tema da criança na cidade.


Fonte: Foto de Júlia Passos, 2018. Acervo pessoal

HORTELÕES DA LAGOINHA Ano: 2018

Local: R. Francisco Socasseaux 8

Fonte: Foto de Guilherme Morais, 2018. Acervo Pessoal

Participação em mutirões, festas, aulas, intervenções urbanas e outros eventos do projeto Hortelões da Lagoinha. O coletivo, formado por voluntários e moradores do Bairro Lagoinha, plantou três grandes jardins em um canteiro às margens da Av. Antônio Carlos, hoje chamado de “Quintal do Sô Antônio”. É interessante observar como o projeto é muito atrativo para as crianças e se transformou em uma espécie de laboratório pedagógico.

Ano: 2018 Duração: 1 mês

Ano: 2018 Duração: 1 dia

OFICINA “CIDADE DE CADA UM” Ano: 2018 Duração: 4 dias

Oficina “Cidade de cada um”, para alunos do Colégio Loyola. Local: Colégio Loyola

Local: Parque Lagoa do Nado

Participação em alguns encontros com temas da cultura da infância e eventos de brincadeiras, como a construção de barquinhos a partir de elementos naturais, promovidos pelo mestre brincante Roque Antônio. Esses encontros foram importantes para perceber, na prática, como os elementos naturais instigam a criação e a modelagem material.

Fonte: Foto de Júlia Passos, 2018. Acervo pessoal.

A proposta da oficina, feita em parceria com a colega de curso, Clarissa Tomasi, foi discutir sobre a cidade e, principalmente, sobre os espaços públicos, com as crianças do 3º ano do ensino fundamental do Colégio Loyola. Apresentaram-se algumas imagens, instigando os alunos a pensarem diferentes formas de ocupar a cidade e, por fim, foi realizada uma dinâmica de desenhos para criar uma trama que representava a cidade imaginada por eles.

RESIDÊNCIA ROSA

MICROPLANEJAMENTO NA OCUPAÇÃO VICENTÃO Ano: 2018 Duração: 2 meses

Disciplina Oficina Integrada: Problemas de Requalificação e Urbanização de Assentamentos Precários (ARQ013) Professores: Margarete Leta e Tiago Castelo Branco

Desenvolvimento de proposta de trabalho com relação ao lixo da ocupação e promoção de oficina de compostagem com o coletivo M.a.s.s.al.a.s, em parceria com uma colega da disciplina, em que as crianças foram as que mais se envolveram + planejamento e execução de propostas para os espaços da biblioteca e mobiliário para a creche da ocupação. O mobiliário surgiu a partir de resíduos e de materiais que se tinha à mão. A experiência instigou pesquisas sobre espaços infantis e reflexões sobre autonomia construtiva.

IMERSÃO COM GANDHY PIORSKI

Local: Casa Rosa de Marte, Vila Novo São Lucas

Experiência de criação de artistas de diversas áreas junto às crianças do bairro, no centro cultural Casa Rosa de Marte, proposta pela Escola Indisciplinada. Conheceu-se o bairro, construiu-se um mapa afetivo, criaram-se brinquedos e figurinos, montou-se uma instalação artística e descobriu-se possibilidades de brincadeiras nos espaços da vila. Essa foi a primeira experiência de criação junto às crianças que não se tratava de uma construção com um objetivo a ser atingido, o que permitiu maior liberdade e inventividade.

ENCONTROS COM ROQUINHO

Fonte: Foto de “Roquinho”, 2018. Acervo pessoal.

Fonte: Foto de Jéssica Kawaguiski, 2018. Acervo Pessoal.

Fonte: Foto de Júlia Passos, 2018. Acervo pessoal.

Ano: 2018 Duração: 3 dias

FLORES DO MORRO Ano: 2018/2019 Duração: 2 anos Local: Vila São Jorge Morro das Pedras

Projeto de Extensão Flores do Morro: Design, Dança e Arquitetura para o bem-estar social.

Apontamentos para uma etnografia poética da vida imaginária da infância, com Gandhy Piorski, pesquisador da infância e da natureza da imaginação. A vivência, organizada pelo Instituto Tear, teve extrema importância para aprofundar as reflexões acerca da infância e possibilitou conversas importantes sobre o papel pedagógico da arquitetura.

Orientadores: Glaucinei Rodrigues Correa (Escola de Arquitetura) e Anamaria Fernandes (Escola de Belas Artes)

A proposta do projeto é desenvolver atividades que integrem o design, o corpo no espaço e o território em que o grupo está inserido, com um grupo de mulheres que produz diversos tipos de artesanato no Morro das Pedras, região de vulnerabilidade social de Belo Horizonte. O projeto propiciou um contato com o fazer na prática, na escala do design, em uma experiência que tenta romper com a ideia tradicional de professor e aluno e promover um aprendizado mútuo, direcionado à autonomia das participantes.

Fonte: Foto de “Roquinho”, 2018. Acervo pessoal.

Local: Fazenda dos Cordeiros, Imbaú - RJ

SÃO JULIÃO Ano: 2018 Duração: 5 dias

Local: Comunidade Quilombola de São Julião Vale do Mucuri - MG

Participação no IV Encontro das Culturas Quilombolas de São Julião, organizada pela Associação Mucuri Cultural, em parceria com a Carretel. O encontro promoveu diversas oficinas na comunidade e acompanhou-se algumas das atividades propostas para as crianças, em parceria com a escola. A vivência possibilitou o contato com uma infância muito diferente da infância urbana, com brincadeiras tradicionais no terreiro e brinquedos que surgem de elementos naturais.



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O fazer com as mãos

Em 2016, a disciplina “Arquitetura e Cosmociência Xacriabá (UNI 050), ofertada pelo professor Adriano Mattos, proporcionou uma vivência de 12 dias, nas férias de julho, na aldeia indígena da Caatinguinha, da etnia Xacriabá, localizada no município de São João das Missões. A disciplina fez parte do Programa Saberes Tradicionais da UFMG e tinha como proposta a construção de uma casa de cultura, a partir das técnicas tradicionais de adobe e pau a pique. Nesta experiência, tivemos a oportunidade de aprender o processo completo de construção, que começou na busca pelos materiais, como madeira e barro, na região. Todo o trabalho é acompanhado por brincadeiras e cantos e é marcado por decisões no canteiro de obras e pelo fazer “nuzói”, como eles se referiam ao fazer sem medições muito precisas. Para finalizar, são feitas pinturas nas paredes, com tintas de pigmentos naturais, chamadas de “toá”. Através dessas pinturas registra-se plantas, bichos, entidades protetoras da aldeia e outros desenhos indígenas. Essa pintura se conserva apenas até o período das chuvas, após o qual os moradores se reúnem novamente para trabalhar e cantar, já que a água desmancha todo o trabalho. Além da construção, participamos de festas, reuniões, rezas, comemorações, práticas culinárias, cantos e danças. Isso porque essas atividades não são fragmentadas e acabam permeando umas nas outras. Em um desses dias de construção xacriabá, comentou-se sobre o quão cedo D. Ana, uma das senhoras mais velhas da aldeia, havia chegado para trabalhar na obra. A resposta dela foi algo como “quem disse que vim trabaiá? Eu vim é cantá!”. E puxou diversos cantos, enquanto fazia o reboco. 39


Mulheres fazendo as amarrações do pau a pique da casa de cultura Xacriabá, na Aldeia da Caatinguinha. Fonte: Autor não identificado, 2016. Acervo pessoal. 42


Este pequeno relato inicia o trabalho trazendo a imagem do sujeito que desenvolve habilidades de construtor, por meio do que se tem disponível à mão, através do próprio fazer e, sobretudo, da mobilização do corpo para a construção. Por isso, faremos o esforço de superar a dicotomia entre corpo e mente, que separa como coisas absolutamente distintas as habilidades intelectuais, a concepção de um projeto de arquitetura, do engajamento corporal na construção em si. Ao analisar o contraste entre o discurso dominante do arquiteto e a realidade do canteiro de obras, como sugere Sérgio Ferro, - mesmo que sob uma perspectiva mais política e econômica - é possível perceber, sobretudo, a tentativa de apagar qualquer vestígio do processo construtivo das edificações, por exemplo, pela infinidade de ofertas de revestimentos existente no mercado. Assim, o percurso do trabalho acaba por ser encoberto pelas próprias mãos daquele que constrói, do “verdadeiro sujeito”, o que nos afasta das noções mais básicas de funcionamento das construções e das cidades e cria uma espécie de dimensão genial e mítica em torno do objeto arquitetônico (FERRO, 2002). O trabalho propõe expandir essa discussão sobre o ocultamento e o afastamento dos processos construtivos para as diversas escalas de objetos, especialmente a do brinquedo. Para tal, será resgatada a mão que produz e os brinquedos que trazem a história do processo de construção em sua materialidade. Nesse sentido, busca-se uma não separação entre o fazer e o pensar, pelo entendimento da relação íntima existente entre a mão e a mente, e considera-se que “[...] as habilidades, até mesmo as mais abstratas, tem início como práticas corporais” (SENNETT, 2009, p. 20-21). A figura de Dédalo, personagem da mitologia grega, torna-se apropriada para desdobrarmos o pensamento acerca de uma arquitetura que integra a relação entre teoria e prática. O personagem se associa ao sujeito que pensa e que produz, com as próprias mãos, a materialidade necessária para servir de ferramenta para intermediar relações e situações. Ele articula a imaginação e as habilidades manuais para a invenção de outros territórios e produz objetos adaptáveis para resolução de problemas. Como um agente construtor da história de uma sociedade, o arquiteto-dédalo não é apenas um projetista, mas um inventor de ferramentas e construtor de seus propósitos. Por isso, é possível associá-lo ao Artífice, de Richard Sennett, que aprende a governar e construir a si mesmo através do desenvolvimento das habilidades manuais. 41


[...] O artífice explora essas dimensões de habilidade, empenho e avaliação de um jeito específico. Focaliza a relaçãoíntima entre a mão e a cabeça. Todo bom artífice sustenta um diálogo entre práticas concretas e idéias; este diálogo evolui para o estabelecimento de hábitos prolongados, que por sua vez criam um ritmo entre solução de problemas e a detecção de problemas. (SENNETT, 2009, p. 20) Através do que se está construindo e pela forma como se faz, o sujeito construtor, seja de um brinquedo, uma casa - de tijolos ou de botões -, uma vestimenta, uma receita culinária ou um objeto, é conduzido a uma reflexão sobre si mesmo. Ao olhar para a construção, como a xacriabá, e reconhecer a origem da madeira, do barro, dos pigmentos e outros tantos materiais, há um processo de reconhecimento do próprio território, do processo construtivo e, consequentemente da mão que produziu. Partindo da ideia de que “as capacidades do nosso corpo para moldar as coisas materiais são as mesmas a que recorremos nas relações sociais” (SENNETT, 2009, p. 323), as práticas construtivas artesanais e o desenvolvimento da “mão inteligente” e do corpo como arquiteto¹, se apresentam como uma ferramenta de enriquecimento do próprio sujeito e, sobretudo, de caráter integralmente formador. Por isso mesmo, especialmente na infância, é preciso abrir espaço para a retomada de práticas de “pensar com as mãos”. [...] O ofício de produzir coisas materiais permite perceber melhor as técnicas de experiência que podem influenciar nosso trato com os outros. Tanto as dificuldades quanto as possibilidades de fazer bem as coisas se aplicam à gestão das relações humanas. Desafios materiais como enfrentar uma resistência ou gerir ambiguidades contribuem para o entendimento das resistências que as pessoas enfrentam na relação com as outras ou dos limites incertos entre as pessoas. (SENNETT, 2009, p. 322- 323)

¹ Esse conceito foi desenvolvido pelo arquiteto e pensador Joseph Muntanola Thomberg e pode ser entendido como um corpo que constrói ferramentas necessárias nas relações com o mundo, “capaz de agenciamentos políticos cotidianos, capaz de produzir e desdobrar relações com o meio ambiente construído e com os outros co-habitantes deste mesmo território por inventar” (MATTOS, 2014, p.125) 42


O trabalho de modelagem material se apresenta com muita potência em uma educação que privilegie a investigação pelo fazer e pelo construir e será aprofundado mais adiante, com o foco na experiência com materiais disponíveis à mão², capazes de acordar a imaginação do brincar, os quais destacam-se os elementos naturais e a sucata. Os restos dos trabalhos manuais, as ferramentas e as matérias naturais são sempre mais idealizados pela imaginação do brincar. A criança pode estar acomodada pelo consumo, limitada em sua criatividade por acumular muito brinquedo sintético, pronto, racionalizado, de imagens eletrônicas artificiais, modelado ao extremo, mas basta um celeiro de ferramentas velhas e um amigo prospector de restos para devolver-lhe toda a força sonhadora, toda a disposição física, toda a alegria do artesão capaz de restaurar os devaneios narcísicos de grande fazedor, dominador da matéria. Dessa forma, muitos materiais, mesmo restos industriais já sujos, quebrados ou cortados, precários e, por isso, mais humanizados, orgânicos, são inseridos nesse seletivo universo do brincar. É quando o objeto industrial recupera sua dignidade de traste e se revela matéria nas mãos do demiurgo infante. (PIORSKI, 2016, p.103-104)

² Essa abordagem se relaciona ao conceito de bricoleur, desenvolvido por Lévi Strauss: “O bricoleur é o que executa um trabalho usando meios e expedientes que denunciam a ausência de um plano pré-concebido e se afastam dos processos e normas adotados pela técnica. Caracteriza-o especialmente fato de operar com materiais fragmentários já elaborados, ao contrário, por exemplo, do engenheiro, que para dar execução ao seu trabalho, necessita da matéria prima.” (STRAUSS, 1983, p.32) 43



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A dimensão do brincar e do aprendizado

Para se discutir práticas construtivas na área da educação, especialmente quando relacionada a crianças pequenas, é preciso ter em mente algumas questões da dimensão do aprendizado e do brincar, apresentadas a seguir, antes da discussão sobre a modelagem material em si. As teorias sobre o aprendizado que trazem a abordagem mais próxima desse trabalho, são as socioculturais, que se afastam do determinismo piagetiano e apontam que o aprendizado surge a partir da interação variável entre consciência e mundo social. Lev Vygotsky introduz o conceito de “zona de desenvolvimento proximal”, a partir da qual entende-se que o indivíduo tem a capacidade de construir meios de compreensões através do contato com tarefas realizadas por outros sujeitos. Assim, grande parte dos processos de aprendizado ocorrem por observação, reflexão e interação, com os vários elementos do ambiente social. Entendendo que o aprendizado está inserido na dinâmica da vida social e se constitui dentro da história, o sujeito é condicionado, ou seja, adquire diversas construções sociais, mas tem a possibilidade de transformá-las, e, portanto, não é definido pelo contexto. Assim, através dessa abordagem, começa-se a pensar sobre a importância de contextos em que a criança é estimulada a se posicionar de forma ativa, como produtora da história e transformadora da realidade. Para a construção de uma “psicologia da criança”, é preciso enxergar uma unidade entre os sentidos e o intelecto e oferecer uma riqueza no seu cotidiano, tendo em mente que os objetos da cultura são o alimento da construção de saber (MACHADO, 2012). O contato com diferentes

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Encontro para a construção de casinhas, organizada por “Roquinho”, no Parque Lagoa do Nado, em Belo Horizonte. Fonte: Foto de “Roquinho”, 2018. Acervo pessoal.

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materiais, espacialidades e possibilidades construtivas permitem surgir essa riqueza de contextos que instiga a criança a ressignificar e recriar o mundo, o que, segundo Piorski, ela busca a todo momento em suas brincadeiras. Na infância, o labor imaginário é criar imagens contínuas ligadas ao início das coisas, à estrutura do mundo, à grandiosidade dos fenômenos, à força e ao peso dos acontecimentos, aos elementos primordiais que constituem a vida (água, fogo, ar, terra) e, principalmente, ligadas ao mistério do nascimento e morte de tudo [...] São muito parecidas com as mitologias criacionistas que fundam o mundo. (PIORSKI, 2016, p. 27) Também é fundamental considerar que criança habita o que Merleau-Ponty nomeou de “zona de ambiguidade do onirismo” (MACHADO, Marina, 2012, p. 22 APUD MERLEAU-PONTY, M. 1990) ou seja, vive em um espaço onde realidade e fantasia se mesclam. Semelhante a esse conceito, Winnicott apresenta a ideia de “espaço potencial”, que seria o espaço entre o mundo interno, psíquico e o mundo externo, compartilhado. E segundo ele, é nesse espaço que os filósofos pensam, os artistas criam, os religiosos expressam suas crenças e as crianças brincam. (MACHADO, 2012) Essa zona de ambiguidade é expressa nas noções de espacialidade da criança e fica evidente, por exemplo, em seus desenhos, que nos convidam a aceitar o polimorfismo e nos afastar das noções de representação de mundo. Portanto, fica claro que não seria consistente propor um “ensino de arquitetura” para crianças, que tentasse forçar o desenho representativo ou que trabalhasse apenas com a estética realista, já que a percepção da criança é polimorfa, mutante, flexível e plástica. (MACHADO, 2012) Em 2018, coordenei a oficina “Cidade de cada um”, no Colégio Loyola, em Belo Horizonte, junto à Clarissa Tomasi, colega do curso de arquitetura. Tentamos propor atividades que percorressem a tal zona onírica e levamos imagens de cidades que permitiam embarcar no nonsense, como ilustrações da artista Karina Puentes, inspirada no livro “Cidades Invisíveis”, de Ítalo Calvino e cidades do livro “Onde está o Wally”, em que as personagens fazem as mais inusitadas atividades nos espaços públicos.

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Também fizemos perguntas como “Será que é possível transformar praça em praia ou viaduto em balanço?” e apresentamos situações concretas, como a Praia da Estação, evento que propõe a ocupação da Praça da Estação, em Belo Horizonte, “em clima de praia”; e o projeto “Cidade para Brincar”, em que foram instalados balanços gigantes no viaduto do Chá, em São Paulo. Ao final da oficina, propusemos que as crianças fizessem três desenhos: um que representasse a sua rua; outro que representasse uma pessoa que elas sempre veem na rua e, por fim, um que representasse uma atividade que elas tinham desejo de fazer em um espaço público. Por fim, montamos uma exposição com os desenhos de todas as turmas, com a intenção de criar a trama da cidade do 3º ano. Percebemos que, mesmo os desenhos das ruas e das pessoas, algumas vezes, eram acompanhados de elementos fantasiosos, ainda que de forma tímida. No último desenho, apareceram situações como nadar em fontes, brincar em um balanço que leva até o mar, ou até mesmo voar, mas as crianças ficavam acanhadas para falar, como se estivessem fazendo a atividade de forma “errada”. Também notamos que muitas delas expressavam desejos teoricamente simples, como passear com o cachorro na praça, mas quase com um “ar de fantasia”, por se tratarem de atividades muito raras em realidades praticamente restritas a espaços privados. Outra questão importante de ser enfatizada, relativa à dimensão da brincadeira, é o impulso da criança pela intimidade da matéria e a crença de que sempre é possível adentrar mais nas coisas, de que sempre há algo mais a ser visto e pesquisado. Esse desejo fica evidente, por exemplo, na identificação das crianças por miniaturas, no fascínio por buraquinhos e em muitas brincadeiras, como se enterrar na areia, se esconder no armário ou debaixo da cama, quebrar um brinquedo para ver o que tem dentro, ou examinar as entranhas de um sapo. (PIORSKI, 2016) No primeiro semestre de 2018, participei da disciplina Oficina Integrada: Problemas de Requalificação e Urbanização de Assentamentos Precários (ARQ013), na qual foi proposta uma ação de Microplanejamento na Ocupação Vicentão, em Belo Horizonte. A ocupação existia há cerca de 2 meses e abrigava em torno de 70 famílias, com prioridade aos sem-teto e ambulantes, em um prédio abandonado há 5 anos, no centro da cidade.

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Uma das ações da disciplina foi o planejamento e execução do espaço da creche da ocupação. Após muitas visitas, estudos e trocas com os moradores, definimos as intervenções a serem feitas. Cortamos a parede de dry-wall, para melhorar a ventilação e a iluminação, removemos o carpete e desenvolvemos diferentes tipos de mobiliário. Ao final do processo, fora do planejamento, criamos um cantinho com tecidos coloridos que estavam sem uso. O espaço acabou se configurando como um “esconderijo”, um “lugar da solidão”³, elemento que foi muito mais atrativo para as crianças do que os próprios brinquedos, livros e mobiliário e que exemplifica essa busca pelo íntimo. Além de permitirem uma criação mais livre e uma abertura com relação ao mundo, os materiais não estruturados alimentam esse impulso da criança. Segundo Piorski “essa busca pela materialidade íntima descortina-se primeiramente nas formas rudes dos materiais, nos brinquedos de modelar e construir.” (PIORSKI, 2016, p. 67). A brincadeira se torna, então, uma ferramenta para “intimar-se na totalidade. De fazer do mundo, cosmos”, (PIORSKI, 2016 p. 29), tão essencial de um “corpo fenomênico e indiviso” (MACHADO, Marina, 2012, p. 17 APUD MERLEAU-PONTY, M. 1990) como o da criança. A brincadeira se apresenta ainda como o primeiro diálogo com o mundo da matéria e assim, como uma iniciação no ofício das habilidades manuais. Os jogos estabelecem os ritmos da repetição. Num espaço de jogo mais aberto, como, por exemplo, quando uma criança brinca com um pedaço de feltro, é o estímulo sensorial que predomina; a criança brinca com o feltro, experimenta com ele, tem início o diálogo com os objetos materiais. (SENNETT, 2019, p.301) A repetição que caracteriza os jogos e as brincadeiras prepara a experiência da prática e possibilita a percepção do progresso da complexidade no estabelecimento das regras do jogo e na reconfiguração do mundo material, o que será retomado mais adiante.

³ Gaston Bachelard desenvolve o pensamento a respeito da importância de se permitir à criança ter um canto e experimentar a solidão. A partir disso, segundo o pensador, seria garantida a plenitude da infância. BACHELARD, 2008. 51



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Arquiteturas da infância:

É ocioso ficar meditando febrilmente na produção de objetos – material ilustrado, brinquedos ou livros – que seriam apropriados às crianças. Desde o iluminismo é esta uma das mais rançosas especulações do pedagogo. Em sua unilateralidade, ele não vê que a Terra está repleta dos mais puros e infalsificáveis objetos da atenção infantil [...]. É que as crianças são especialmente inclinadas a buscarem todo local de trabalho onde a atuação sobre as coisas se processa de maneira visível. Sentem-se irresistivelmente atraídas pelos detritos que se originam da construção, do trabalho no jardim ou na marcenaria [...] (BENJAMIN, 2009, p.57)

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Conhecendo as esculturas de Nalva, na Comunidade Quilombola de São Julião. Fonte: Foto de “Roquinho”, 2018. Acervo pessoal. 58


Os brinquedos 4, historicamente, estão vinculados ao detrito, ao resto, ao que se tem disponível para ser reinventado. No contexto europeu, antes do século XIX, os brinquedos surgiam de processos secundários nas oficinas e eram produzidos de acordo com os materiais trabalhados na atividade manufatureira. Assim, o brincar era construído sempre a partir do descartado, com materiais e processos simples, os quais instigavam a inventividade de quem desejava brincar. Além disso, os jogos, brinquedos e brincadeiras não eram algo restrito às crianças e faziam parte da vida cultural geral. Quando a sociedade passa a ser dominada pela utilidade, os adultos perdem um fator muito importante do processo de construção de pensamento, pois perdem a curiosidade e o interesse livres que aparecem no espaço da brincadeira (SENNETT, 2009). A partir do momento em que o brinquedo se torna função da indústria, ele passa a ser visto como produção “para” a criança e “perde a característica do pequeno e [...] vai se tornando estranho às crianças e aos pais”. (BENJAMIN, 2009, p.92) É preciso fazer uma ressalva e destacar que em muitos contextos, principalmente os que não se limitam aos espaços fechados e privados, o brinquedo ainda conserva essa característica artesanal, relacionado ao material esquecido, descartado, ou proveniente da natureza, em processo de decomposição, e a brincadeira ainda se mostra como expressão cultural compartilhada por pessoas de diversas idades. Além da experiência na Aldeia da Caatinguinha, mencionada anteriormente, uma vivência em uma comunidade quilombola, no Vale do Mucuri, detalhada mais adiante neste trabalho, chamou a atenção pelo fato da brincadeira ser um forte elemento agregador dos moradores, sobretudo das mulheres, que praticam jogos de palmas, acompanhadas de cantos, versos e movimentos. Nesse contexto de brincadeira livre no terreiro, Nalva,

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A palavra brinquedo origina do latim “vinculum”, aquilo que liga, enlaça ou vincula. Para se configurar como ferramenta de brincar, o brinquedo necessita da imaginação e do gesto da criança, que a vinculam ao território e aos materiais e que são deliberadamente subversivos, reinventam normas e códigos. Por isso mesmo, assim como tudo aquilo que desvirtua as funções dos objetos e dos espaços da cidade é excluído do planejamento urbano, os “espaços de brincar” passam a se apresentar apenas como um continente de brinquedos, são terrenos de jogo fechados, isolados, em cujo interior se respeitam determinadas regras. Sendo assim, como garantir espaços em que o brincar possa se expressar como esse vínculo entre o mundo interno e externo da criança? Como encontrar formas de brincar em uma cidade moderna? Como tensionar essa cidade segregada a fim de criar espaços de movimentos inventivos? 57


moradora da comunidade, modela bichos a partir de raízes das árvores e cipós. Segundo ela, começou esse processo sem pretensão, apenas para se divertir, mas hoje, já vende parte de sua produção. Uma vez eu conheci uma mulher que podia tudo o que quisesse. Com suas mãos, ela transformava farinha em biscoito, barro em casa, cipós em cobras, raízes em cachorros e passarinhos. Dizem que até cavalo ela já domou... Ela também transforma pessoas. Depois de conhecê-la, o sujeito passa a ter olhos nos dedos e saber da importância de ver a vida com as mãos... Se for visitá-la, leve chapéu e bastante tempo O brinquedo plástico frio e outros objetos de materiais complexos não tem o seu percurso de feitura reconhecido pela criança e esse distanciamento do “fazer”, da poiésis, acaba por gerar uma alienação, que coloca o objeto em um lugar quase mítico, sem, contudo, uma identificação real com relação a ele. Portanto, o processo de construção e modelagem material se configura como uma ferramenta de pensar o mundo e de combate a essa alienação, já que instiga o sujeito a interagir com o meio e a pensar a origem e o funcionamento das diferentes matérias. Diferente de um pedaço de madeira, tecido, raiz de uma árvore, dos quais se identifica a sua origem e que instigam a sua ressignificação, o brinquedo industrializado, apesar de fascinar em um primeiro momento, pode limitar a criação da criança, que por vezes, descobre ser mais potente a caixa do brinquedo ou o grampo da embalagem, por abrirem possibilidades infinitas de reinvenção através da imaginação. Madeira, ossos, tecidos, argila, representam [...] os materiais mais importantes, e todos eles já eram utilizados em tempos patriarcais” e que “é natural que ela [a criança] compreenda muito melhor um objeto produzido por técnicas primitivas do que um outro que se origina de um método industrial complicado. (BENJAMIN, 2009, p.92-93) É necessário resgatar- ou seria construir? - o contato da criança com o tipo de trabalho em que se domina a matéria, em que os processos de feitura são visíveis, simples e concretos, como o do artesão, do marce-

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neiro, do serralheiro, do sapateiro, que através de uma postura semelhante à do “brincar”, entram em diálogo com as forças e resistências da matéria e desenvolvem uma “mão inteligente”. O bom artífice sabe que não deve trabalhar contra as forças resistentes, mas com elas (como os engenheiros que construíram túneis sob o Tâmisa), sabe como completar suas tarefas empregando o mínimo possível de esforço (como os chefs quando fatiam vegetais) e, acima de tudo, sabe brincar - e é disso que, essencialmente, nasce o grande diálogo com os materiais que ele manuseia, como a argila e vidro. (SENNETT, 2009, orelha do livro) A partir do contato com o trabalho desses artífices, que sempre fascinaram o imaginário infantil, abremse possibilidades inventivas para a criança e ampliam-se os seus desejos de arquitetar. Assim, entende-se que “em si, o artesão em seu fabrico, é uma pedagogia” (PIORSKI, 2016, p. 116). Mais do que uma pedagogia advinda do ato de produzir uma coisa, trata-se de produzir o produzir, que se apropria das supostas condições adversas e equaciona problemas através dos meios disponíveis à mão 5. [...] o Dédalo dispõe do saber e da habilidade, tem a mestria das artes materiais, a inteligência que estas requerem [...] manifesta uma inteligência que trata menos de dar razões e de legitimar e mais de trabalhar por interpretações sucessivas sem se impor a dificuldade de liga-las por um conjunto coerente; uma inteligência que tira sua força de sua aparente fraqueza, que privilegia – como faz uma parte do pensamento dito pós-moderno - a razão interpretativa e sua tarefa, sempre fragmentada, inacabada. (BALANDIER, 1999, p 34-35) Não apenas no contato com o artífice, surge também uma pedagogia advinda do contato direto e íntimo com a matéria. Quando experimenta a vontade de construir uma casinha ou um brinquedo e tem a possi-

Na bricolagem, tenta-se inserir o ato de produzir no próprio produto; não se separa o que se tem disponível como ferramentas e o produto a ser materializado; inventa-se a partir de recursos limitados, que se desdobram de si mesmos. (MATTOS, 2014) 5

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Crianças de São Julião soltando os barquinhos feitos por elas. Fonte: Foto de “Roquinho”, 2018. Acervo pessoal. 62


bilidade de se comprometer com a dificuldade de manipular matérias brutas, duras e difíceis, que trazem as noções de limite e de força, a criança vive alguns valores no próprio corpo, sem a necessidade de uma “pedagogização” desses processos. A criança que constrói barquinhos, por exemplo, aprende lições sobre a madeira, o vento, o rio e o tempo, que não seriam possíveis sem a experiência. Uma ferramenta real de marcenaria repercute no corpo da criança e ensina lições relacionadas ao trabalho, aos limites do corpo, à força, à paciência, diferente daqueles brinquedos “pedagógicos” que, por vezes, “imitam” ferramentas, mas que são incoerentes em sua matéria, já que seu peso e função não tem relação com sua forma.

Capina do terreno pelas crianças de São Julião para construção de Jardim de brincar. Fonte: Foto de “Roquinho”, 2018. Acervo pessoal. 63


O menino, em seu ofício de construtor de carrinhos, quanto mais luta com os materiais de seu trabalho, mais lições de conflito e repouso encontra no brincar, mais se enfurna numa introversão que afirma seu mundo no mundo, afirma-se em mais consistente extroversão. Com seu tato prospector de cacarecos, cria ferramentas rudes, feitas de restos coletados das beiras dos caminhos e dos terrenos baldios. [...] Imprimem uma cosmo-arquitetura de rara integridade às suas casinhas de palha, bambu e tábuas velhas. (PIORSKI, 2016, P. 101) Em dezembro de 2018, participei do Encontro de Culturas Quilombolas de São Julião, no Vale do Mucuri, organizado pela Associação Mucuri Cultural, em parceria com a Carretel Consultoria. O encontro, que durou 5 dias, celebrou o projeto da Casa do Batuque, promovido pela Associação Mucuri Cultural, que para além da construção de um local de encontro da comunidade, trabalhou intensamente o protagonismo das crianças e mulheres no processo. Além disso, foram realizadas diversas atividades na comunidade, como oficinas de percussão, cinema, brincadeiras e rodas de conversa. O brincante e idealizador da Carretel, Roquinho, propôs algumas oficinas com as crianças, em parceria com a escola da comunidade. Pude acompanhar algumas das atividades, como a construção de barquinhos com madeiras, cascas, sementes e gravetos. Foi enriquecedora a observação das dificuldades de se construir o tão idealizado barquinho, acompanhadas de uma ansiedade e grande expectativa para o momento de “testar” os brinquedos no rio. Durante o Encontro, também criamos um “jardim de brincar” e uma “casinha do batuque”, versão infantil da Casa do Batuque, em um terreno anteriormente coberto por mato, próximo à obra da Casa do Batuque. O jardim e a casinha foram construídos junto às crianças, a partir dos restos da obra, como bambus, pedras e pneus, e materiais recolhidos no entorno, como folhas de palmeira. Acompanhei o processo de construção durante os dias em São Julião, e posso afirmar que os conhecimentos daquelas crianças acerca dos materiais, das ferramentas, bem como de aspectos como vento e movimentação da luz solar, eram muito superiores aos meus, de uma estudante de arquitetura, com muito mais vivências acadêmicas e teóricas, que práticas.

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Essas crianças estão a todo momento em contato com esses materiais, imersas na cultura construtiva local e algumas delas participam da construção das próprias casas, muitas feitas de técnicas tradicionais, como adobe e pau a pique. Assim, sabiam a melhor forma de tirar o bambu, fazer os encaixes e amarrações e eram muito habilidosas para serrar, cortar e capinar. O desenho do jardim e da casa foram surgindo à medida que se limpava o terreno, sem um grande planejamento. As crianças reconheciam as plantas medicinais, ervas e flores à medida que capinavam e as mantinham, o que foi um forte elemento influenciador no desenho paisagístico.

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Neste trabalho, não serão aprofundadas as seguintes questões, mas não se pode deixar de levantá-las. Considerando o elemento arquitetônico e a materialidade do espaço altamente pedagógicos: 1. Seria possível pensar uma arquitetura, especialmente a arquitetura escolar, como ferramenta potencializadora da imaginação material? 2. Como considerar os elementos que aparecem nas brincadeiras livres e manifestações infantis em projetos de arquitetura e urbanismo? 3. Como garantir o contato com elementos naturais em centros urbanos? 4. O que esse impulso da criança pela intimidade e a busca pela integração das coisas poderia incorporar à arquitetura? 5. Como pensar edificações e cidades que aproximem as pessoas do seu processo construtivo e do seu funcionamento?

Ilustração de Francesco Tonucci, conhecido como Frato. Fonte: https://www.cidadaniagouveia. pt/a-participacao-das-criancas-na-construcaoda-cidadania/

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Segundo Gandhy Piorski, as ideias de arquiteturas primordiais nos direcionam ao que seria uma arquitetura da infância, pois segundo ele, a criança “preserva em sua psique germinal o sonho da casa arquetípica”(PIORSKI, 2016 p.84). Seria, então, papel do elemento arquitetônico alimentar esse arquétipo e respeitar a busca da criança pela intimidade da matéria, através de possibilidades de surgimento da choupana de bambus e restos, da casa de palha, do iglu, das grutas escuras, por meio de espaços recônditos, escondidos, cantos, portinhas, móveis de concavidade, redes, elementos naturais e tantas possibilidades trazidas pela imagem de abrigo primordial. Basta que simplifiquemos em direção ao arcaico, que ofereçamos a choupana de brincar, o ninho de se abrigar. Quanto mais simples a casa de brincar, os esconderijos de materiais naturais, maiores a complexidade e os enraizamentos imaginários. (PIORSKI, 2016 p.85). A experiência do coletivo Hortelões da Lagoinha se mostra como uma possibilidade muito interessante de contato com elementos naturais e de surgimento de “arquiteturas primordiais”, mesmo em um grande centro urbano, como Belo Horizonte. Às margens da avenida Antônio Carlos, um dos principais corredores da cidade, em um grande canteiro, batizado de Quintal do Sô Antônio, foram plantados por voluntário e moradores, três “jardins mandala”, com flores, hortaliças, temperos e ervas, de acordo com os princípios da agroecologia e conhecimentos ancestrais da cultura popular. O terreno atraiu diversos coletivos, grupos de arquitetos, estudantes das mais diversas áreas, escolas e artistas. Participei de alguns mutirões, festas e propus intervenções urbanas, que não cabem ser mencionadas neste trabalho. Em algumas dessas situações, foi possível perceber como o quintal se configurou como um verdadeiro playground e laboratório experimental para crianças. Além da dimensão pedagógica que se estabelece em um espaço de construção coletiva e voluntária na cidade, intimamente relacionado com seu entorno, os jardins em formato de mandala se transformam em grandes labirintos e esconderijos; os restos de material dos mutirões e ferramentas possibilitam muitos inventos; os elementos naturais, como sementes, folhas, pedras, gravetos e insetos são ricos recursos para a criação.

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Também tive a oportunidade de vivenciar uma aula de ciências do Programa Escola Integrada, da Prefeitura de Belo Horizonte, ministrada no jardim. Nessa aula, as crianças, de aproximadamente 8 anos, aprenderam, com um estudante de biologia e voluntário do projeto Hortelões da Lagoinha, sobre as partes das plantas e seu funcionamento, o comportamento e o papel de cada planta e tiveram a chance de colocar a mão na terra e plantar diversas sementes. Nota-se nas duas situações mencionadas, uma rica produção de conhecimento, a partir de uma postura ativa da criança, integrada à vida cultural e à cidade. Distante dos ideais modernistas, que tendem a fragmentar a realidade, a separar os espaços de morar, de trabalhar, de estudar, de lazer, e diferente do formato tradicional escolar, que também fragmenta os saberes, o Quintal do Sô Antônio têm um caráter integrador. O projeto, além de integrar natureza e cidade, se integra aos diversos movimentos culturais do bairro e incorpora tanto conhecimentos acadêmicos de voluntários universitários, como saberes tradicionais, presentes nos terreiros da região. Assim, os momentos de trabalho, estudo, aprendizado, brincadeira, intervenções artísticas, festas e tantas outras atividades ocorrem simultaneamente e fortalecem uns aos outros. Na foto ao lado, crianças constroem uma casinha para formigas, o que também materializa a busca pelo pequeno, o encantamento pelo minúsculo, pelo íntimo, a partir do ímpeto imaginário do homem construtor. Como os insetos não apareceram, foi acrescentada uma placa informativa. Além dos elementos naturais, a sucata também nos abre ricas possibilidades na discussão sobre a potência de práticas construtivas pela criança. Sobretudo para as crianças que vivem nos centros urbanos e não tem possibilidade de contato direto com elementos naturais, a sucata se apresenta como elemento urbano capaz de acionar sua capacidade criadora. Em 2016, ministrei uma oficina de mobiliário e brinquedos criativos, junto à arquiteta Amanda Gomes, no evento CuCa: Festival de Cultura, Ciência e Arte, para as crianças e adolescentes da escola Casa Viva. Antes da oficina, recolhemos materiais descartados e em depósitos e utilizamos algumas estruturas que estavam sem uso na escola, como partes de cadeiras desmontadas, para criarmos novos objetos. A cadeira, à esquerda, foi criada a partir de várias estruturas independentes que estavam quebradas, além

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Construção de casa para formigas, no Quintal do Sô Antônio, em Belo Horizonte. Fonte: Foto de Júlia Braga, 2018. Acervo pessoal. 69


de tubos, e finalizada com colagens. À direita, tem-se o processo de criação de um túnel para o parquinho, que surgiu ao se perceber que o material se enrolava ao ser manipulado, ou seja, o processo se deu a partir do próprio fazer, intimamente associado à relação das mãos e do corpo com matéria, não a um projeto ou a plano preconcebido. A diversidade de materiais instigou criações interessantes, mas que foram dificultadas pela falta de ferramentas para executá-las. Além disso, a proposta acabou se configurando como uma “tarefa” a ser cumprida pelos alunos, em formato de aula, com tempo determinado, o que dificultou um envolvimento real das crianças e adolescentes.

Criação de mobiliário e brinquedos na Escola Casa Viva. Fonte: Fotos de Júlia Passos, 2016. Acervo pessoal. 70


A brincadeira com sucata conduz a um espaço de criação e, sobretudo, de transformação, apenas possível através de uma participação ativa que insere a criança na produção de cultura. O brinquedo feito a partir do detrito permite uma ressignificação de quem o cria, já que abriga inúmeros sentidos possíveis e, por isso, contribui para um brincar mais livre, espontâneo e criativo. A experiência da Residência Rosa da Escolinha, na Casa Rosa de Marte, centro cultural dirigido pelo multiartista Ed Marte, em 2018, também foi interessante para perceber a relação das crianças com a sucata.

Crianças criam figurinos a partir de sucata na Residência Rosa, na Vila Novo São Lucas, em Belo Horizonte. Fonte: Foto de Guilherme Morais, 2018. Acervo pessoal.

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Essa foi uma vivência de criação junto às crianças da comunidade do Novo São Lucas, que contou com a participação de artistas de diferentes áreas. A proposta foi pensar meios de se potencializar o recreio, um dos raros momentos em que as crianças sofrem pouca intermediação dos adultos, negociam mais livremente entre si e tomam decisões com mais autonomia e criatividade. Fizemos diversos tipos de atividades, como passeios pelo morro, guiados pelas crianças, nos quais registrávamos com giz, nos muros e no chão, lugares relevantes para as crianças, como “beco do futebol” ou “academia do tio do Rafael”; um piquenique que terminou com a construção de um mapa afetivo, desenhado na nossa “toalha”; a criação de uma instalação artística em um quartinho do centro cultural e diversas brincadeiras espontâneas e sem planejamento. A proposta de um dos encontros, que foi chamada de “montação”, era que as crianças e os residentes criassem juntos, figurinos a partir de retalhos de tecido e materiais recicláveis. As crianças se empenharam muito na atividade, criaram máscaras, vestidos, chapéus e pintaram o rosto, o que foi possível pela diversidade de materiais disponíveis. Assim como discutido anteriormente com relação aos elementos naturais, o trabalho com sucata também carrega uma pedagogia em sua materialidade. Ele permite, sobretudo, experimentar na prática, a transformação do lixo em brinquedo. A criança entra em contato com o detrito do trabalho humano e é conduzida a uma reflexão sobre os resíduos na cidade, muito distante das tentativas forçadas e frustradas de programas de conscientização nas escolas. É um trabalho de reeducação do consumo na medida em que a criança percebe e, principalmente experimenta o criar para brincar, em contraposição ao comprar para brincar. Em 2017, organizei uma Feira de Troca de Brinquedos, na Praça JK, em Belo Horizonte. Nos dias que antecederam o evento, recolhi doações de brinquedos, para evitar que a feira começasse com poucas opções de troca. Além disso, fiz divulgação com panfletos em várias escolas da região e na Vila Acaba Mundo. Cada criança poderia levar um brinquedo e trocar por outro. Um banco comprido da praça se transformou em expositor e atraiu diversas pessoas curiosas. A experiência foi muito rica, principalmente pela localização da praça, entre a Vila Acaba Mundo, região de vulnerabilidade social, e a Avenida dos Bandeirantes, região economicamente privilegiada, o que permitiu o encontro de crianças com realidades sociais

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Feira de troca de brinquedos na Praรงa JK, em Belo Horizonte. Fonte: Foto de Rafaella Reis. Acervo pessoal.

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bastante distintas. Várias crianças que não sabiam sobre o evento e que moravam perto, foram até suas casas para buscar a sua “moeda de troca”. Outras, preferiram trocar o próprio brinquedo que haviam levado para brincar na praça. Muitas vezes, os pais tentavam interferir a fim de não permitirem a troca de um brinquedo caro por algum considerado pior, porém, a maior parte das negociações ficou a cargo das crianças. Além de dar novos usos para o espaço público, promover a interação das crianças e as negociações, a ação permitiu que as crianças experimentarem o “trocar para brincar”, em contraposição ao “comprar para brincar”. Muitas crianças da Vila Acaba Mundo, levavam brinquedos bem velhos, que despertavam o interesse de outras crianças, sobretudo das mais novas, mas que naquela época, me deixaram um tanto desconcertada, sem saber como proceder com relação a esses “produtos piores” na feira. Após o amadurecimento do tema, passei a entender a riqueza do brinquedo quebrado, rasgado ou sujo, que deixa de ser um plástico estéril e carrega uma história em si mesmo, já foi “humanizado”, como sugere Piorski. Penso o quão interessante seria abrir um espaço para a ressignificação desses brinquedos, possivelmente com ferramentas básicas, linha e agulha, para a desmontagem e invenção de novos brinquedos-sucata.

Exposição “A criança e a imaginação da matéria”, de GandhyPiorski. Fonte: https://medium.com/@spcidadegentil/exposiçãoem-sp-reunirá-400-brinquedos-feitos-com-sucataurbana-e97ffbac2895

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Construção de paraquedas de sacola de plástico, em São Julião. Fonte: Foto de “Roquinho”, 2018. Acervo pessoal.

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Para se construir um brinquedo sucata, assim como com os elementos naturais não estruturados, há limitações e dificuldades e é preciso fazer uma ponte entre o que se tem em mente, algo muito subjetivo, e o que é possível concretizar objetivamente. Essa situação, em si, como descrito anteriormente, faz emergir importantes valores, sem a necessidade de uma teorização sobre eles com a criança. Enquanto usa, manipula, pesquisa e descobre um objeto, a criança chega às próprias conclusões sobre o mundo em que vive. Quando puxa, empilha, amassa, desamassa e dá nova forma, a criança transforma, brincando e criando ao mesmo tempo. Poder transformar, dar novas formas a materiais como quiser, propicia à criança instrumentos para o crescimento saudável, que a estimulam a explorar o mundo de dentro e o mundo de fora, dando a eles nova forma, no presente e no futuro, a partir de sua experiência (MACHADO, 1994, p. 27) Nesses processos, a criança deixa de ser a criança proprietária, criticada por Benjamin, e passa a ser criança criadora. Ao possibilitar a criação, transformação e ressignificação da materialidade, a brincadeira com a sucata coloca a criança em uma posição de participação ativa, autônoma e espontânea, de sujeito produtor de cultura, que também interfere na realidade e não é apenas influenciado ou modificado por ela. A elaboração criativa permite trocas afetivas com o outro e com o ambiente, que fortalecem os vínculos e contribuem para essa inserção da criança na vida cultural. Isso reflete na possibilidade de dar sentido e se identificar com o mundo em que se está inserido, por reconhecer a si mesmo no processo. O fato de me perceber no mundo, com o mundo e com os outros me põe numa posição em face do mundo que não é de quem nada tem a ver com ele. Afinal, minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da história. (FREIRE, 2016, p.53)

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Dessa forma, a prática construtiva poderia provocar as crianças a “se assumirem enquanto sujeitos sócio-histórico-culturais do ato de conhecer”(FREIRE, 2016, p.12). Assim, permitir o desenvolvimento de uma autonomia construtiva das crianças poderia ser um caminho para a produção de espaços e objetos de maneira mais consciente e responsável e para o surgimento de uma educação emancipadora, na medida em que a criança passa a ser considerada como sujeito que tem as ferramentas para interferir no mundo, que além de ser produto, é produtora da história.

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Escola e artesanato

As escolas bem que poderiam ter artesãos em trabalhos diários, apenas para a apreciação das crianças, e instigá-las à luta material, abrindo caminho ao refinamento de seus desejos de construção. Aí, sim, as crianças prefeririam o ateliê à escola; transformaríamos a escola em ateliê. Não teríamos observadores indolentes apenas, mas meninos do trabalho, meninos artesãos. Artesania, como disciplina central, chave do acesso imaginário para todas as ciências que o espirito ousou imaginar. (PIORSKI, 2016, p.116)

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Área externa do Salão do Encontro. Fonte: http://salaodoencontro.org. br/cause/educacaoinfantil/

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Ao longo da graduação houve atenção para se conhecerem iniciativas, espaços, pessoas, escolas e instituições que dialogassem com o que é defendido aqui sobre o trabalho manual, sobre o contato com elementos naturais e a sucata, a importância do entendimento de todo o processo construtivo de um objeto e a utilização de recursos locais para tal. Em uma dessas buscas, destaca-se o Salão do Encontro, em Betim, que aqui se tornou um rico estudo de caso e aponta caminhos interessantes, ao integrar a formação de artesãos a programas de educação infantil e complementar. Portanto, expande-se a dimensão pedagógica do ato de produzir com as mãos, para além do universo infantil e integra-se as crianças na produção cultural. O Salão do Encontro é uma associação fundada pela professora de artes e artesã Noemi Gontijo e seu amigo Frei Franciscano Stanislau Bartoldi, na periferia de Betim. Em 1970, os amigos montaram uma cozinha em um pequeno galpão, onde começaram a distribuir refeições. Porém, sabendo que era preciso criar possibilidades de geração de renda para aquelas famílias, a professora organizou as primeiras oficinas artísticas, que envolviam teares de tecelagem manual e algumas bancadas para trabalho com couro. A partir disso, surgiram demandas que fomentaram as ações educacionais para os filhos dos integrantes, que resultou na primeira turma de pré-escola, com 30 alunos. Para que fosse possível a ampliação das atividades, D. Noemi recebeu uma doação do governo de Estado de Minas Gerais de um terreno de 70 mil m2, em uma região muito vulnerável de Betim, o que permitiu o surgimento de novas oficinas artesanais, projetos e programas. Fonte: Júlia Passos, 2019.

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Atualmente, participam diretamente do programa educacional, que conta com creche, pré-escola e ação complementar, cerca de 950 crianças. A creche acolhe apenas os filhos de funcionários, até os 3 anos e meio de idade; o ensino infantil é aberto à comunidade e atende crianças de 4 a 6 anos; e a educação complementar é direcionada para crianças e adolescentes de escolas do município, que buscam atividades extracurriculares no período contraturno. O espaço permite a manutenção de ampla área verde, onde as crianças desenvolvem grande parte das atividades. Cada sala de aula tem o formato de uma pequena casinha, com janelas largas que garantem o contato com o exterior. As carteiras de madeira, produzidas no Salão do Encontro, possuem muito espaço para o desenvolvimento de atividades artísticas e ficam dispostas em círculos, o que propicia uma participação mais ativa das crianças e rompe com a ideia tradicional de sala de aula. A educação infantil conta com práticas de tecelagem; cerâmica; pintura; montagem de peças de madeira; criação de objetos a partir de embalagens; além de vivências de musicalidade; culinária; teatro; contação de histórias e leitura. O ensino complementar oferece atividades como criação e desenvolvimento de jogos; esporte; música; educação ambiental; reforço escolar; canto; contação de história; produção de textos e diversas oficinas artesanais. No espaço das artes integradas, são oferecidas oficinas de cestaria com fibras recicláveis, tear chileno, tapeçaria de sisal, bordados diversificados, crochê, costura, pintura, decoupage, cerâmica e confecção de bonecas. Nas oficinas de construção de brinquedos de madeira, os alunos criam seus próprios brinquedos, a partir de peças de madeira recicladas. Já no espaço da tecelagem, os alunos aprendem as técnicas do tear chileno e tapeçaria de Sisal. É importante ressaltar a grande preocupação do Salão do Encontro com a sustentabilidade e a geração de recursos necessários. Há, por exemplo, o cultivo de horta para o consumo interno e a criação de minhocas para a produção de húmus. A instituição também mantinha uma criação de vacas para a produção de leite, que foi inviabilizado por questões financeiras. Além disso, todos os móveis utilizados na instituição, foram produzidos com recursos locais ou reciclados, em oficinas de marcenaria de móveis rústicos, que eram ofertadas para funcionários.

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Crianças modelando argila no Salão do Encontro. Fonte: http://salaodoencontro.org.br/cause/ projeto-semeando-cidadania-e-saber/ 85


Essa busca pela sustentabilidade também fica evidente na integração entre os programas educacionais e os outros programas do Salão do Encontro, como o programa de assistência e desenvolvimento pessoal, que inclui acolhimento institucional, apoio a moradia e apoio psicológico; o programa de iniciação profissional, que inclui diversos cursos técnicos para jovens, cursos de artesanato e de panificação; a biblioteca comunitária e os projetos de formação de artesãos, todos abertos à comunidade. Alguns projetos de qualificação para artesãos propiciam formação dos profissionais que atuam diretamente nas atividades de Educação Infantil, Educação Complementar e Acolhimento Institucional, o que facilita essa integração entre os programas.

Teares e mobiliário em tamanho adequado às crianças, no Salão do Encontro. Fonte: Foto de Júlia Passos. Acervo pessoal.

As oficinas de marcenaria ofertadas para a educação complementar, por exemplo, geram retalhos de madeira que são utilizados nas oficinas de montagem, na educação infantil. A serragem, por sua vez, é utilizada nos projetos de formação de artesão para a confecção de artefatos decorativos, como as flores de tecido tradicionais do artesanato mineiro. Os pequenos pedaços de linha que são cortados na tecelagem são utilizados na educação infantil e complementar para o desenvolvimento de outros tipos de artesanato. Percebe-se, portanto, que a prioridade, em todos os projetos, é que se faça o processo completo de produção, com o que se tem disponível. Assim, uma aula de pintura na educação infantil, por exemplo, envolve a busca de pigmentos naturais pelas próprias crianças e todo o processo de preparação das tintas. Quando havia criação de vacas, até mesmo os pinceis eram produzidos em oficinas no Salão, através da utilização da crina e do bambu para tal.

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Crianças utilizando os teares no Salão do Encontro. Fonte: http:// salaodoencontro.org.br/cause/ educacaocomplementar/ 87


Esse tipo de prática propicia uma postura muito mais observadora e leva a criança a pensar sobre a origem dos materiais e os processos construtivos que envolvem os objetos que a cercam, além de materializarem a possibilidade de criação e construção com o que se tem disponível, o que pode refletir em uma maior identificação com o meio, como discutido anteriormente. Importante ressaltar também, o compromisso do Salão do encontro com a tradição do artesanato mineiro e as expressões da arte popular, o que levou a instituição a ser registrada como Patrimônio Cultural Imaterial de Betim. A formação de artesãos promove um resgate de diversas práticas, como a confecção artesanal de brinquedos, a partir de restos de madeira; a tecelagem com teares e características próprias do interior de Minas; modelar e esculpir na argila sem a utilização de torno; confecção de flores artesanais tradicionais da cultura popular, a partir de materiais naturais e reciclados; confecção de bonecas de pano, a partir das sobras de outras oficinas; cestaria a partir de fibras naturais e brolhas ou macramês. Apesar de não se fazer mais a fiagem artesanal do algodão, o Salão do Encontro mantém vivos os saberes do uso das ferramentas como o desencaroçador de algodão, arco, bodoque, carda, roda e dobradeira, utilizados na produção dos fios. Assim, as atividades oferecidas resgatam a tradição do fazer artesanal, além de promoverem a formação para o empreendedorismo e desenvolvimento social. Dessa aproximação com o Salão do Encontro e, a partir do que foi mostrado sobre este trabalho, surgiram demandas por parte dos coordenadores pedagógicos, de atividades junto aos educadores da instituição. A proposta era que fosse feito um trabalho de inspiração, para desenvolver atividades e ferramentas com os educadores, sob a perspectiva da arquitetura e das minhas experiências. Porém, houve um grande atraso para o início das aulas em 2019, o que inviabilizou esse processo.

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Crianças produzindo tinta com pigmentos naturais, no Salão do Encontro. Fonte: http:// salaodoencontro.org.br/projetos/

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Arremate

Assim como essa pesquisa não teve um início demarcado e foi tomando forma de acordo com experiências, não pretende-se concluí-la nesse ensaio. Como explicado anteriormente, acredita-se que esse material seja um substrato importante para iniciar projetos mais consistentes e maduros, que possam abrir caminhos e formas para fazer arquitetura e educação. Tanto a experiência arquitetônica quanto a experiência pedagógica, são intervenções e tentativas de contenção. Por isso, é evidente a necessidade de discuti-las a fim de se buscar formas mais participativas e menos impositivas e, se pensadas de forma integrada, é possível construir espaços para o desenvolvimento de uma real autonomia da criança. Como seria rico se as escolas se aproximassem de experiências como as relatadas nesse trabalho! O desejo expresso aqui, de uma educação que parta das expressões da criança e de uma arquitetura que se aproprie delas, ainda é algo longínquo e, talvez utópico. Mas percebe-se que há uma aproximação desse ideal à medida que se afasta do cientificismo ou das generalizações que tendem a ser deterministas. Nesse sentido, considera-se a metodologia dessa pesquisa muito consistente, já que se fez por experiências que permitiram um mergulho em diversos aspectos cultura da infância. Como foi possível notar, os anseios da criança têm uma relação íntima com os mais simples saberes da cultura popular e por isso, defendê-los significa também, preservar traços e expressões de identidade de um povo. Expressões das quais a arquitetura hegemônica e os modelos de educação em geral, tendem a se afastar, especialmente no contexto atual em que vivemos, de tantos retrocessos, fantasiados de desenvolvimento. O trabalho se apropria de um trecho de Paulo Freire, urgente de ser lido, lembrado e valorizado, para arrematar esse ensaio. 91


“A ideologia fatalista, imobilizante, que anima o discurso neoliberal anda solta no mundo. Com ares de pós modernidade, insiste em convencer-nos de que nada podemos contra a realidade social que, de histórica e cultural, passa a ser ou a virar “quase natural”. Frases como “a realidade é assim mesmo, que podemos fazer?” [...] expressam bem o fatalismo desta ideologia e sua indiscutível vontade imobilizadora. Do ponto de vista de tal ideologia, só há uma saída para a prática educativa: adaptar o educando a esta realidade que não pode ser mudada. O de que se precisa, por isso mesmo, é o treino técnico indispensável à adaptação do educando, à sua sobrevivência.” (FREIRE, Paulo. 2016, p. 21) Que se saiba falar um decisivo “não”, assim como fez Paulo Freire, “a esta ideologia que nos nega e amesquinha como gente” (FREIRE, Paulo. 2016, p. 21), e buscar caminhos para uma educação emancipadora e para processos construtivos mais alinhados com a busca de autonomia. Nesse trabalho, há um estudo de alguns possíveis caminhos, com alguns fios soltos, inconclusos e não únicos.

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Referências

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