Jornal Vaia edição 12

Page 1


V VI

V

02

O Samba é divino!

S

LEANDRO BRAGA

Número 12 - Junho 2004

vivavaia@ig.com.br

pianista, arranjador e compositor, muito feliz pelo Samba e pelo Rio

VV

VI

Editor: Marco Marques Redator: Serpílio Atrabílis Projeto Gráfico: Gil Pires Jornalista: Sandra Alencar RP- 7614 Capa: Foto Arquivo Rosália Milsztajn Colaboram nesta edição: Álvaro Santi, Emanuel Medeiros Vieira, Fábio Gomes, Felipe Azevedo, Fernando Ramos, Giovanni Mesquita, Guido Bilharinho, Ita Arnold, Jacques Canut, João Carlos Taveira, José Luiz D. de Toledo, Laurene Veras, Leandro Braga, Leticia Herrera Álvarez, Luiz Gustavo Insekto, Ronaldo Cagiano, Rosane Maranguello, Sammis Reachers, Valéria Payeras, Wellington Lavareda, Yuri Flores Machado. VAIA é uma publicação vinculada a Teto Preto Produções de Arte - Inscr. CNPJ 03.817306-0001-23 OS ARTIGOS ASSINADOS SÃO DE INTEIRA RESPONSABILIDADE DE SEUS AUTORES Rua Demétrio Ribeiro, 706/601 -centro-90010-312 - Porto Alegre - RS BRASIL - Fone:(51)-9649-5087

Cadê o samba que tava aqui? Cadê o samba que tava aqui? FELIPE AZEVEDO compositor e violonista www.felipeazevedo.com.br

“Na música, o Brasil não destrói o passado. Ao contrário, ele irrompe espontaneamente e se reconstrói todos os dias.” (Leonel Kaz)

B

UM BUM PATICUMBUMPRUGURUNDUM... Ismael cantou e Sergio Cabral entendeu - isto é samba, não é maxixe. Terá tido em algum momento da saga mestiça da cultura musical brasileira algo que comprove que este ritmo veio da África e aqui se estabeleceu magicamente, intocável e irretocável, passando oralmente ou pelas mãos de tamboreiros, de geração a geração intacto? Mário de Andrade considerava ser o maxixe originário da polca, habanera e do lundu. Samba, por sua vez, entre os descendentes de africanos era termo que continuava com a significação do quimbundo: reza, oração. Samba e Maxixe, portanto, não teriam relação de descendência um do outro. O Maxixe é ligado ao Samba pela família do lundu, por sua vez filho do batuque africano, pai legítimo do Samba. Kazadi Wa Mukuna, em seu livro Contribuição Bantu na Música Popular Brasileira, afirma: ”...a origem do samba e a data da sua introdução no cenário da música brasileira tem levantado momentos controversos entre os estudiosos... Apesar das controvérsias, há um ponto de convergência a respeito da inegável herança africana encaixada dentro desta forma musical”. Nei Lopes no seu Sambeabá, já nas primeiras páginas escreve: “...Buscando comprovar essa origem africana do samba – nome que aqui, tomado em sua acepção inicial, define várias danças brasileiras e a música que acompanha cada uma delas-, veremos que o termo foi corrente também no Prata como Samba ou Semba. Responsáveis, então, pela introdução no continente americano, de múltiplos instrumentos musicais, como a cuíca ou puíta, berimbau, ganzá, reco-reco...foram certamente africanos do grande grupo etnolingüístico Banto que legaram à música brasileira as bases do samba e o amplo leque de manifestações que lhe são afins”.

Vibrações positivas anda pioneira do reggae gaúcho, a Produto Nacional comemorou seus 15 anos de carreira em show histórico no bar Opinião, dia 26 de maio. Carismática, levando alto astral e idéias coerentes para um público que lhe é fidelíssimo, apresentou música brasileira rica em variedade de ritmos e melodias, além do reagge que é seu estilo característico. Seguindo as comemorações, a rapaziada da Produto vai realizar novo show em Porto Alegre, dia 16 de junho, no Dado Tambor.

B

foto: Valéria Payeras

ou músico profissional há 26 anos e carioca há 16 quando vim parar nesta terra onde deveria ter nascido. E há 4 anos fundei e dirijo uma organização não governamental, a “Toca o BondeUsina de Gente”, que ensina música a crianças e jovens moradores em algumas comunidades da região de S. Teresa, como os morros da Falete, Fogueteiro, Beco-Ocidental e Prazeres. Nossos alunos aprendem música com gente que toca de fato, profissionais que lhes mostram a realidade, as belezas e agruras do mundo profissional que os aguarda. E nós aprendemos sobre a beleza e sofrimento de quem mora sempre exposto aos perigos da violência desmedida e do abandono, mas imerso numa solidariedade pouco praticada fora de lá. Recentemente tivemos um novo aprendizado que, provavelmente, em muito enriqueceria o novo filme de Mel Gibson: a descoberta de um quinto evangelho, ou 11º Mandamento, não sei! Descobrimos que o Samba vem das atividades do capeta, direto dos infernos profundos até o couro do surdo. Explico: nossa Bateria Mirim, que reúne crianças das comunidades na perpetuação de um dos aspectos mais maravilhosos e ricos de nossa Cultura, foi-se esvaziando. Mesmo conduzidos por um excelente sambista, Mestre Pery, da Vila Izabel, e mesmo depois de demonstrarem o fascínio que a atividade desempenhava neles. Por quê? Porque é pecado, está lá nos escritos dessas novas igrejas, onde algum versículo diz: “é pecado sambar, a alegria é proibida, a sensualidade do Samba é pecaminosa, a escola de samba é escola do capeta”. Muitas crianças abandonaram a Bateria Mirim, influenciadas por tais conceitos destas igrejas. Olha, isso já passou há muito do insuportável! Os novos evangélicos, não felizes em explorar o bolso raso e a ingenuidade de seus fiéis, agora se dirigem ao desmonte de sua cultura. Que, principalmente na minha terra, o Rio de Janeiro, tem no Samba sua principal coluna de sustentação. Na cultura negra, a alegria, a sensualidade e a efusão do samba e do carnaval não são meras explosões de euforia: são assunto sério! Samba sem alegria (mesmo os mais sofridos) não vale a pena! A cultura negra não dá prioridade à culpa nem ao pecado. Tem valores morais bastante rígidos e sérios. Entre eles, esse, ou seja, a vida tem que ser alegre! E o Samba pratica e estimula tudo isso, continuamente. Chega desse sufocamento da música negra, da cultura carioca no que ela tem de mais rico, chega dessa Inquisição moderna que dita normas e pecados a quem só tenta viver sua própria história com alegria! Vocês, “bispos” e pastores dessas igrejas, se não puderem ser felizes e alegres, deixem que nossas crianças sejam! Jesus, certamente, era muito alegre, e teria imenso prazer em tocar repique numa Escola de Samba do Rio, com um sorriso de orelha a orelha.

Câmara Cascudo no seu Made In África, também escreve: “Que significará Samba em Angola?” Samba é nome próprio, divulgadíssimo na toponímia de Angola: Samba, povoação no sobado de Calumbu, Quilende; Samba em Caculo-Cabango, Muxima; Samba em Huí-iá-Cava, Ambaca, Samba em Senze...” Entretanto, para transformar este gostoso debate num bom Samba de terreiro, surgiu um etnomusicólogo brasileiro de nome Carlos Sandroni que ao fazer uma varredura, uma assepsia no tema, levantou algumas questões pertinentes: “...Assim, mesmo se a noção de síncope inexiste na música africana ( a síncope é uma medição ocidental – explicamos), é por síncopes que no Brasil, elementos desta última vieram a se manifestar na música escrita; ou, se preferirmos, é por síncopes que a música escrita fez ajustes ao que há de AFRICANO em nossa música de tradição oral. É nesse sentido, E SÓ NESSE, que tinham razão os que afirmavam que a origem da síncope brasileira estava na África”. Sandroni, usando termos como cometricidade e contrametricidade, aos poucos, em cada capítulo do seu livro Feitiço Decente, vai explicando os lugares comuns da lógica musical africana na música brasilera, principalmente em ritmos de tradição oral como Côco, Maracatu e manifestações afro-religiosas (vide transcrições em partituras no livro de Reginaldo Gil Braga, Batuque Jejê-Ijexá em Porto Alegre como exemplo também), incluindo, é claro, o Samba. Apenas para uma pequena constatação: experimente o leitor deste texto assistir a um ensaio de uma bateria de escola de Samba. Atente para os vários e variados instrumentos de percussão que a compõe. Em seguida, preste atenção, concentre-se nas linhas rítmicas ou conduções que cada um destes grupos de instrumentos desenvolve: tamborins, maracanãs, agogôs, caixas, repiniques... E por último, perceba as variações que eles vão construindo dentro de uma base rítmica geral que funciona como um pivô, onde todos estes instrumentos gravitam, com uma margem de improvisação e levadas. A partir daqui, reflita na rítmica oral do Ismael citada no início deste texto e experimente escutar uma gravação de músicos africanos tocando seus tambores, djembés, etc. A música, meu amigo, falará por si só.


V VI

V

S

AMBA GAÚCHO - Ânderson Balbueno, percussionista da Camerata Brasileira, coordena o novo ponto de encontro dos sambistas de Porto Alegre: o projeto Bebendo do Samba. A inspiração veio da iniciativa vitoriosa do Samba da Vela em São Paulo. Os encontros Bebendo do Samba acontecerão sempre na última quinta-feira do mês, a partir de maio, na Sala Luís Cosme (Casa de Cultura Mário Quintana – 4º andar). O samba rola a partir das 19h, com entrada franca. * UMA CANÇÃO PARA PORTO ALEGRE - O concurso aberto pela Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre por ocasião dos 232 anos da cidade (comemorados em 26 de março) para escolher uma música inédita que simbolize a capital está causando alguma polêmica. O músico Breno Eduardo Outeiral, conforme noticiou o jornal Zero Hora em 22 de março, acionou a Prefeitura na Justiça por dois motivos: 1º, já existiria uma música simbolizando a cidade, "Porto Alegre Valerosa (Uma Canção de Porto Alegre)", de Breno Outeiral, pai do reclamante; 2º, o nome do concurso atual lembra muito o subtítulo da música de Outeiral aliás, vencedora de outro concurso com o mesmo objetivo em 1963 e transformada em hino da cidade em 1984. Ainda de acordo com o jornal, o coordenador de Música da SMC, Gilmar Eitelvein, afirma que a reclamação "não se sustenta", pois o concurso atual não tem ligações com a música de 1963 - que o coordenador afirma desconhecer. O que não é para estranhar, pois eu mesmo jamais ouvi a execução do hino da cidade, mesmo em solenidades oficiais promovidas pelo Município. Aliás, creio que a única capital brasileira que tem hino conhecido é o Rio de Janeiro - e isto porque se trata de "Cidade Maravilhosa" (André Filho), marcha de Carnaval que foi adotada, e não um tema composto para hino. * PORTO DOS CASAIS - A escolha de "Cidade Maravilhosa" como hino do Rio foi mais ou menos natural, dada a consagração da marcha entre a população. Mas haveria centenas de músicas a escolher, se fosse o caso. Com Porto Alegre, não ocorre o mesmo. É certo, temos alguns clássicos, como "Alto da Bronze" (Paulo Coelho - Plauto Azambuja), lançado por Horacina Corrêa na década de 1930 (atenção: o Paulo Coelho em questão era um maestro e pianista gaúcho. Não confundir!). Mais tarde, em 1957, Sílvio Caldas gravou aquela que eu considero o verdadeiro hino da cidade: "Porto dos Casais" (Jaime Lewgoy Lubianca).

N

esta noite gelada de junho em Porto Alegre, embaixo de cobertores, o mais apropriado seria eu ler um conto fantástico argentino. Talvez ouvir um de meus discos favoritos ou mesmo deixar dominar-me pelo sono. Porém decidi, munido de minhas débeis ferramentas narrativas, compartilhar com os fortuitos leitores deste jornal o relato de um episódio ocorrido comigo, na semana anterior à entrada da frente fria. O evento foi desencadeado pela busca que empreendi em descobrir o destino da autora de alguns casuais rabiscos encontrados em uma primeira edição de 1982 de “Boquitas Pintadas”, obra do romancista argentino Manuel Puig que garimpei em um sebo na Rua Riachuelo. O final da página 17 do referido livro estava violado. Para que o leitor obtenha a mesma sensação de estranheza que experimentei, transcreverei os rabiscos da autora desconhecida como os encontrei, mesclados à literatura vigorosa de Manuel Puig. Primeiro o argentino: "Rogo-lhe que faça o possível para encontrá-las e ficaria muito agradecida se as mandasse para mim. Beijos e todo carinho da tua Nenê". Agora as frases invasoras, escritas a lápis, numa caligrafia arredondada e evidentemente feminina (transcrevo literalmente): "Paulinho, gosto muito de ti! Estou com saudades, Sil". A prosa de Puig prossegue num amálgama incongruente: "Nem bem sobrescrita o envelope, põe-se de pé bruscamente, deixa o tinteiro aberto e a caneta sobre o mata-borrão, que absorve uma mancha redonda.. Aqui termina a página 17, e a autora coadjuvante "Sil" ainda escreveu uma desesperada frase no rodapé da derradeira página: “Você volta logo?”.

03

mistura &manda * DEU PRA TI - A partir dos anos 70, a valorização dos talentos locais, primeiro na Rádio Continental AM, depois na Ipanema FM, fez com que surgissem novas canções homenageando (ou ao menos falando em) Porto Alegre, como "Porto City" (Cigano, 1983), "Horizontes" (Flávio Bicca Rocha) - tema da peça teatral de sucesso Bailei na Curva (1984), "Pegadas" (Bebeto Alves, 1987), "Porto Alegre é Demais" (José Fogaça, 1993) e a de maior sucesso nacional, "Deu pra Ti" (Kleiton Kledir, 1981), reproduzindo uma gíria local que significa algo como "passou tua vez", "dá lugar pra outro"... enfim, "deu pra ti". * MENINO DEUS - Não é muito comum Porto Alegre ser cantada por compositores de fora. Contam-se nos dedos referências como a que a cidade mereceu em "Tô Naquela que Jogaram na Geni" (Meirinho), gravada pela dupla sertaneja Roberto e Meirinho em 1985, ou em "Brasileiro" (Martinho da Vila - Mané do Cavaco, 1994). Nos dois casos, as letras citavam praticamente todas as capitais brasileiras - logo, não valiam como homenagem. Inclusive em "Brasileiro", Martinho fala na "alegre Poá" - uma confusão comum entre a sigla POA, com que nós porto-alegrenses abreviamos o nome da cidade, com o nome de um município da região metropolitana de São Paulo isso mesmo, Poá. Valendo mesmo, existe a música "Menino Deus", que Caetano Veloso fez para um bairro porto-alegrense no final dos anos 70 e que foi lançado pelo grupo A Cor do Som. O baiano diz que nunca havia visto uma placa de trânsito tão poética como uma que indicava a direção dos bairros Menino Deus e Tristeza. * OUTROS BAIRROS - O bairro que Caetano cantou serviu de inspiração para José Fogaça compor uma música de Natal no ano passado: "Cidade do Menino Deus" - afinal, Porto Alegre é a única cidade que tem um bairro com esse nome. Outros bairros receberam homenagens específicas, como "Teresópolis" e "Areal da Baronesa", ambas composições de Giba Giba. * AS MÚSICAS cantadas nas festas juninas de Norte a Sul do Brasil são, quase todas, marchas compostas na década de 1930 - com a notável exceção do repertório composto e/ou gravado por Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, dos anos 40 e 50 e predominante no Nordeste (ver filme Viva São João, de Andrucha Waddington).

A partir de 1933, as gravadoras identificaram neste ciclo de festas populares o que hoje seria chamado de "nicho de mercado". O grande sucesso desse ano foi "Chegou a Hora da Fogueira" (Lamartine Babo), que Carmen Miranda e Mário Reis gravaram na Victor com grande arranjo de Pixinguinha. Carmen e Mário repetiram a fórmula no ano seguinte, com "Isto é Lá com Santo Antônio!" (Lamartine Babo). Já o sucesso junino de 1935 coube a Carmen: "Sonho de Papel" (Alberto Ribeiro, 1935) ("O balão vai subindo/ Vem caindo a garoa..."). A irmã de Carmen, Aurora, estreou gravando com Francisco Alves em "Cai, Cai Balão!" (Assis Valente, 1933). O Rei da Voz chegou a lançar DOIS discos juninos em 1935. Já no ano seguinte, Chico Alves só registrou uma música junina, "Pula a Fogueira" (Getúlio Marinho - João Bastos Filho). A fogueira do gênero estava apagando. Aliás, é sintomático que o disco de Orlando Silva com "História Joanina" (sic) (Leonel Azevedo - J. Cascata) tenha saído somente em julho de 1936. Já não era uma música para cantar pisando nas brasas, e sim tendo a festa de São João como cenário. E é dessa forma que, as festas juninas ainda continuaram a aparecer no repertório urbano - por exemplo, o amor de Noel Rosa e Ceci nasceu, como bem diz o samba "Último Desejo", de 1937, numa festa de São João; já Lupicínio Rodrigues culpa o santo por não conseguir seu amor fazendo uma simpatia em "Pra São João Decidir", de 1952 (parceria com Francisco Alves). * PAGODESPEL - Caetano Veloso pretendia que o programa Chico e Caetano (TV Globo, 1986) pudesse trazer de volta o papel da televisão como lançadora de músicas inéditas, a exemplo do que ocorria nos anos 1960. A possibilidade real de reproduzir as condições de vinte anos antes era bastante improvável, mas ao menos ele teve a ousadia de tentar. O fruto da ousadia chamou-se “Pagodespel” (algo como pagode+ gospel), a única parceria conhecida entre Caetano, Chico Buarque e...Oswald de Andrade (1890-1954). Caetano já “compusera” com Oswald, musicando o poema que abre o livro Pau-Brasil (1925): “Escapulário”. Lançado em 1975 no LP Jóia, foi a trilha do filme Na Ponta da Faca (Miguel Faria Jr., 1977). Já em 1986, “Escapulário” foi transformado no início de “Pagodespel”, com Chico e Bosco compondo mais versos. O novo samba foi arrematado com outro poema de Oswald, “Relicário”, também do livro “PauBrasil”, e se constituiu num dos pontos altos do programa de outubro de 1986, o antepenúltimo da série.

Fábio Gomes * Editor de “Brasileirinho - a sua página de música brasileira” (www.brasileirinho.mus.br - contato@brasileirinho.mus.br)

Você volta logo? Eu estava confrontado com uma história real, misturada à escrita de Puig (ou seria o inverso?). Algumas perguntas se fizeram pertinentes. Sil enviou o livro para o Paulinho? Quem era afinal o dono do livro antes de mim? O Paulinho correspondeu ao amor de Sil? Paulinho chegou a ler aquela singela mensagem? Paulinho e Sil existiriam fora do livro do Puig? Esta última pergunta, eu concordo ser por demais extravagante, mas pelo fato de existir uma resposta, ela é digna de ser formulada, o que a inclui automaticamente na lista das perguntas verossímeis. Mas as indagações que eu penso serem as fundamentais são: Afinal, o Paulinho voltou? E, principalmente, voltou logo? Aquilo não me abandonava, ainda mais por estar com a ilusão de que ali poderia haver uma história. Na manhã do dia seguinte realizei uma nova visita ao sebo. A única pista aproveitável que o livreiro me forneceu, graças à antiga convivência entre eu, ele e os ácaros daquelas prateleiras do sebo, foi o número do telefone de uma mulher, além da informação de que ela teria uns 45 anos, cara de poucos amigos e seu nome seria Silvina. Seguidamente ela era vista a vender livros usados nos sebos da Rua Riachuelo. Existia a possibilidade concreta de ela ser a "Sil". Telefonei.

- Sil? Somente em histórias de detetive a primeira pista é falsa, logo, sendo o meu relato verídico, por dedução, a pista do livreiro era verdadeira. Combinei um encontro com Silvina naquele mesmo dia em uma loja de discos usados, nos arredores da Avenida Borges. Não houve necessidade de eu entrevistar Sil sobre o retorno de Paulinho. Após mirar a página 17 do livro, que obviamente eu levei ao nosso encontro, Sil emitiu um daqueles sorrisos envelhecidos que afloram em nossos lábios quando os fatos muito empoeirados já não têm importância, quando nossas canções de amor insistem em tocar nos momentos mais impróprios, enfim, quando nossas melhores recordações já não passam de gastas ficções. Insisti com Sil que ela ficasse com o livro, e desta vez, com um sorriso agastado, minha heroína respondeu: - Envie de volta para o Paulinho. Ele vive em Buenos Aires, escreve romances. Retornei para casa e, com o auxílio de um lápisborracha, restituí ao romance de Manuel Puig a sua condição anterior. A obra de ficção. Yuri Flores Machado


V

C

aetano Silveira, compositor e letrista, e Fausto Prado, compositor, guitarrista e violonista, são músicos com larga experiência em festivais de canção e com um trabalho reconhecido e respeitado no meio musical do estado do RS. Caetano já foi finalista de alguns dos principais festivais e alcançou o primeiro lugar em pelo menos dois, Festival da Canção do Trabalhador e Moenda da Canção, e teve música gravada no CD do II Fórum Social Mundial e no da Moenda da Canção. Fausto, além da parceria musical com Caetano, integra como instrumentista e compositor a banda Venerável Lama, que já foi premiada com o Açorianos de Melhor Espetáculo Pop/Rock em 2000, e teve músicas gravadas por Marisa Rotenberg e no CD da Moenda da Canção. Agora Fausto e Caetano apresentam Suíte Xangri-Lá, com dois temas instrumentais e dez canções interpretadas por Alex Alano e Ana Krüger, e que teve ainda participações de Nelson Coelho de Castro, Marisa Rotenberg, Danni Calixto e Gelson Oliveira na música “Tom Meridional”. O show de lançamento do CD apresentado no dia 20 de maio para uma platéia que lotou o Teatro Renascença para ouvir as composições desses dois expressivos nomes da música gaúcha. Suíte Xangri-Lá pode ser encontrado na Livraria Bamboletras e na loja do Cinema Guion.

Outro destaque é Jorginho do Trumpete que empresta seu talento à Samba do Lex. Letras bem elaboradas com várias citações a gêneros, figuras e épocas - e uma gama variada de ritmos e estilos - com influência dos melhores compositores da música brasileira (Guinga é uma das referências mais notórias) -, “Arrebaldeação” tem “Arrebaldeação” é fruto de no repertório choro, mais de dez anos de parceira emboladas, ritmos musical de Vinícius Todeschini regionais, bossa e e Marco de Menezes. Primeiro samba - a faixa título, trabalho da dupla e gravado um samba sincopado com financiamento do Fundo de forte levada no pró Cultura de Caxias do Sul, violão de Vinícius. o CD tem direção musical e Esse trabalho confirma arranjos de Vinícius. De apuraa riqueza e diversidade do tratamento instrumental e da música brasileira. rico harmonicamente, as músiE a condição de arrebalde cas são muito bem interpretaé só no título porque o das por Janaína Formolo, Cibedisco inscreve-se no le Tedesco, Bebeto Alves, Rosa centro do melhor da traAmélia e Miguel Angelo, além do dição musical brasileira. próprio Vinícius. (arrebaldeação@hotmail.com)

Entre Quatro Paredes, de J. P. Sartre, volta a cartaz De Jean Paul Sartre no Teatro de Arena, onde Direção de Élcio Rossini há 36 anos foi encenada pela primeira vez. A peça tem direção cênica e criação de cenários de Élcio Rossini, trilha sonora de Atuação: Marcelo Delacroix , com Carolina Garcia Daniela Aquino Sandra Dani na orientaFabrício Fabris ção de atores. No elenco, Marcelo Aquino Orientação Carolina Garcia, Daniela de atores: Sandra Dani Aquino, Fabrício Fabris e Marcelo Aquino. Iluminação de Antônio Tubino de Albuquerque, figurino de Álvaro Vilaverde; Marcelo Militão e Luís Militão na assistência de produção e Fabiana Maia na administração do projeto. O espetáculo fará temporada do dia18 de junho a 25 de julho e de 20 de agosto a 05 de setembro de 2004, de sextas a domingos às 20 horas. Clássico da literatura sartreana, a peça, uma das obras literárias que melhor reflete as idéias existencialistas do pensador francês, foi apresentada pela primeira vez há exatos 60 anos na França.

BAIONETA NO LINGUAJAR DE MEU CRÂNIO ABSOLUTO AS NAÇÕES DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA DIZEM E NÃO DIZEM, QUE O AMOR É O FRAGMENTO DA PLENITUDE HUMANA. QUE O CANTO DA VIDA CATIVA, A FORMA SUBLIME, LIVRE... ALHEIO AOS DEUSES DA CANTIGA CRAVADA, COM BAIONETA NO PAPEL. NAS ESTRADAS FLORES, LÍRIOS, FITANDO O VERSO DA RIMA DEDUZ O CONFRONTO DA LOUCURA, ENTRE A FACE DA VIDA POSTO LITERATURA.

Ita Arnold músico

VAIAFESTA: DIVERSÃO E ARTE EM POA

Niño que dibujava y hoy guarda silencio oy que no estabas para mirarme, me introduje en tu castillo de plumón. Salvé la fosa y el cocodrilo, la puerta de colores y los cañones en la atalaya. Tuviste buen cuidado de cerrarlo bien todo. Tal vez pensabas que no descubriría que dentro estás solo, completamente solo.

H

LETICIA HERRERA ÁLVAREZ Chiribitas, Verdehalago (www.verdehalago.com) México D.F., 2004

V

V B Z R

04

V VI

Sertão Roseano As tantas léguas Do Sertão roseano Cruzadas em piquetes De cavalos, burros e éguas Quantos canos apontando o ar Nos verdes vários: cavalgar O ranger das selas e o Resmungar das correias Bons burricos a trocar orelhas Nos tantos rios a varar O Verde Pequeno, O Córrego das Onças No Grande a desaguar E o Rei dos Rios, amigo, que transtransversa, o Xico Do olho que manda a morte A tantas braças Ao amor doído que num átimo No oco da mão bebe desgraças - Dia sim, dia não Roça em mim os “Esmartados” oio De Diadorin com toda A rima “ele é a minha neblina” Esbarramos ali Acocaiados entretidos Com a saíra e o ben-te-vi Com o vôo de andorinhas Formando coroa O mais lindo, me disse, Manuelzinho da Croa Esporeio “Suruiz viu vôo” Judas a vingança, queima fria Teu corpo na mesa, guria Na velaria vivo em ti Pratico minha bizarria “Viver é perigoso” Isso conto,... reconto Sempre que revive o dia! A bala tomou o lugar da vida

Giovanni Mesquita músico e compositor

Foto: Paulo Lima

Aí ao lado vocês podem ver alguns dos músicos que animaram a festa em comemoração aos 3 anos do Vaia, que rolou dia 04 de abril no Par@phernália Bar ( João Alfredo, 425). O excelente público que prestigiou o encontro pôde curtir uma jam com os músicos João Mayer, Vinícius Corrêa, Fernanda Lopes, Jorge Cidade, Gustavo Finkler, Henry Lentino, Edu Saffi, entre outros. Em breve, a confraria do VAIA estará realizando encontros mensais para curtirmos boa música e recitais literários.


V VI

V

05

Arco-Íris

O inverno de 85 surtos

No inverno de oitenta e cinco, dezessete anos atrás, escrevi cartas demais. O fel vertia da pena e à noite eu lia Rousseau, à procura de um sistema pra meu coração vazio, onde não cabia o amor.

POÉTICOS Contendo os sentimentos, segurando a onda de sensações, escondendo que se comia por dentro. Fechou-se como uma caixa de música. Assim lacrado, ninguém poderia ouvir-lhe o brado. Ninguém saberia. Da sua angústia. Nem da alegria. O coração petrificado, batendo e retumbando. Tambores que rufavam ininterruptos. De tanto bater, de tanto marcar o ritmo descompassado, de querer romper com o fado, silenciou. Agora o único ruído na alma não mais torrente:

No inverno de oitenta e cinco, Mercúrio andava por Gêmeos, enquanto eu, como prêmio, aos infernos fui descido. Confesso que tive medo de permanecer sozinho ou me casar muito cedo. No inverno de oitenta e cinco, eu escrevi muitas cartas - ou algumas, já não lembro. Não sei se ela as terá lido, se as guardou por algum tempo... (Será que eu as despachava ou punha eu mesmo no lilxo?) No inverno de oitenta e cinco, eu no quarto me escondia. Só da videira as ramadas, de toda a vida despidas, vinham até meu abrigo, feito esquálidos fantasmas tentando escapar do frio.

Um vago tamborilar de chuva renitente.

No inverno de oitenta e cinco, escrevi algumas cartas - ou terá sido uma só? Todas prá ex-namorada, nenhuma para um amigo. Tudo o que eu tinha era dó de mim e de meu umbigo. No inverno de oitenta e cinco, ou, para ser mais exato, no solstício desse inverno, faltei a um aniversário. E foi meu castigo eterno esperar cada solstício anunciar que estou mais velho. No inverno de oitenta e cinco, escrevi inúteis cartas, Travei o mais vão combate: não encontrei a palavra mágica que reparasse um simples mal-entendido. Era tarde, muito tarde... No inverno de oitenta e cinco, queria mudar o mundo sem conhecer a mim mesmo. Meio oculto atrás de um muro (que eram meus longos cabelos), mesmo assim era bonito, na opinião de meu espelho. No inverno de oitenta e cinco, escrevi também poemas, para acalmar minhas penas. Alguns saíram em livros; outros, como almas penadas, perambulam pela casa pedindo que os reescreva. No inverno de oitenta e cinco, enquanto eu não escrevia, conheci outra menina que me deu algum carinho, no fusca azul de meu pai. (Se ela me amasse, mas ai! Nem automóvel eu tinha...) No inverno de oitenta e cinco, se é que existiu esse ano, melhor é ter esquecido do que nele eu escrevi. Tudo não passou de engano, o sol não parou no solstício. Só no verão fui feliz. No inverno de oitenta e cinco, eu tinha cabelos longos. Porém mais longos e louros eram os dela, bem sei. E desde então misturei algum sangue nos meus sonhos. E o mais lindo deles todos morreu: o amor infinito.

Álvaro Santi músico e poeta

LAURENE VERAS

PRECE

De todos os sorrisos do mundo, Aquele que mais me revela Está estampado no rosto da criança. Branca, negra, parda ou amarela, Dizendo, pra mim: “Vem, Eu sou teu norte, eu sou tua vela”. De todas as cores do mundo, Aquela que mais viço tem Está contida no imenso espaço Do teu corpo pequenino, Mostrando o rosa do teu arco-íris, Brilhando pra mim, mais ninguém.

autor de “Limbo” - FAC Brasília-DF

canção noturna Edição do Autor Eu bebo o Mundo que me bebe Vomito o Mundo que me vomita Menos que Homem, sou um livreto puído de poemas chulos que a cada dia o Tempo reedita

O passado não conhece o seu lugar: está sempre no presente, neste farelo de pão no bigode, tão matinal, neste março, Sammis Reachers a foto adolescente, o diploma na parede, passamos, ainda ontem era domingo, ainda ontem íamos mudar o mundo, havia uma estante de sonhos naquela casa grande com quintal, apenas um estalar de dedos: esse é o nosso tempo, e não conseguimos nos fazer ouvir: nunca, só resta o olvido, continuaremos a amar àqueles que não nos ouvem não importa, caminhando para o pó, cinzas, outros marços, outros idos, no encalço da penúltima gaivota.

Emanuel Medeiros Vieira

De todos os caminhos do mundo, Aquele que é mais excitante É sempre o mais perigoso, O mais longo e sinuoso, Que me deixa bem alerta, Pois a vida parece mutante.

Wellington Lavareda

Mas um dia deus, o traidor, atingiu suas lágrimas nas pétalas das formigas e o mundo inteiro sentiu a decadência de suas medíocres preces para comprar seu falso nome

QUINTANARES

De todas as formas do mundo, Aquela que eu mais procuro É a linda e graciosa curva Que aponta o destino fatal Do caminho sinuoso Da mulher que me seduz.

De todas as coisas do mundo, Aquela que me dá mais prazer É ver-te alegre e jovial Brincando qual uma criança Junto a uma outra criança Que juntos fizemos nascer.

Todos os dias borboletas chocavam seus ovos para que as lagartas pudessem voar com os ossos do corvo

Luiz Gustavo Vargas

De todas as fontes do mundo, Aquela que mata minha sede Tem água pura e cristalina, Me afoga e me deixa encharcado Do doce mistério do mundo, Saciando o meu desejo.

Ilustrações: Valéria Payeras

Abro minha voz para o poema em lá bemol menor (flauta de susto). Os acordes roucos destilam notas cruas, curvas claves dentro da noite. Em semitons, sem metro ou rima, flui da carne viva a esvaída flor. Áspera canção, essa vigília: nenhuma lágrima não vão do espanto. Abro minha voz para o poema e cuspo estrelas no chão dos homens. João Carlos Taveira “Poetas Mineiros em Brasília” Varanda, Brasília, 2002


V VI

V

06 poeta ROSÁLIA MILSZTAJN, uma das mais assíduas colaboradoras do VAIA, durante duas horas de prazerosa conversa, falou-me sobre seu universo poético, suas inquietações existenciais e sua memória afetiva. Lançando o seu quarto livro - Aqui dentro de mim, ed. Aeroplano, 2003 - Rosália, nesta entrevista, reflete sobre a sua trajetória ao longo dessas quatro publicações, que começou com No Azul (1991), seguiu com Itgadal, Memória dos Ausentes (1997) e Luminosidades (1999) até chegar ao Aqui... e divide com os leitores seus questionamentos sobre o fazer poético e a condição e o papel do poeta na sociedade atual. Fernando Ramos

entrevista

A

Como é que foi o teu começo na poesia? Eu não sabia que era poeta. Porque fazia uma carreira completamente diferente. Era psicanalista, escrevia trabalhos científicos, tinha alguns trabalhos publicados. E meus trabalhos científicos tinham um quê poético. Eu acabava achando que aquilo que escrevia não era muito sério, porque ficava aquém do científico por causa do lirismo ao escrever. Aí uma bela noite em que não conseguia dormir, me veio uma frase musical, um verso, que depois resolvi escrever. E fiz o poema “Azul” inteiro, de uma só vez. Eram coisas que vivi na infância que reapareceram depois de mais de vinte anos. Era como se tivesse voltado àquilo que tinha vivido, sentia as cores, os perfumes, as impressões. Eu ficava possuída pela poesia, os poemas vinham completos. Hoje já é diferente: ainda fico possuída pela poesia, mas o mais comum é eu possuir a poesia, no sentido de me determinar a escrever, sentar e trabalhar.

Meus pés de “Itgadal, Memória dos Ausentes” Que a brisa morna Das boas lembranças Derreta o frio gélido Do teu corpo morto em minhas extremidades Que as saudades Molhem meu rosto cálido E meu pranto Forme um lago transparente Onde possa me olhar São teus pés duros Congelados Estacas inertes Fincadas em tua sepultura Sustentam incrédulos Teu desaparecimento fotos: arquivo pessoal

A palavra, a poesia, foi o instrumento que tu descobristes para expressar a tua criação artística. Foi uma busca ou aconteceu naturalmente? Porque poderia ter sido outra manifestação artística - música, dança, pintura... Como falei anteriormente, aconteceu de forma natural e é muito interessante isso... Foi um resgate. Porque depois que comecei a escrever me dei conta que tinha esquecido que sabia escrever. Fui bailarina, portanto era artista, na minha infância vivia dançando pela rua, dançava o dia inteiro. E minha mãe não deixou eu seguir a carreira de bailarina, porque não era profissão pra mim. Também escrevia bem, até ganhei uma vez um concurso de poesia na escola. E isso ficou bloqueado. Foram necessários que vinte anos se passassem. Depois desse tempo todo, voltei a escrever, e os primeiros poemas eram coisas que lembravam minha infância e adolescência. Portanto, o início foi assim. Fui escrevendo meus poemas, mostrando para os amigos, participando de concursos, até ser publicada numa antologia chamada Poesias e Contos do Brasil, em 1990. Depois dessa antologia publiquei meu primeiro livro. Muita gente leu, meus amigos psicanalistas, e outros leitores, e essa resposta foi muito importante porque entendi o seguinte: a repercussão é importante, algumas coisas acho boas, e as pessoas não gostam muito, outras eu penso que não são tão boas, mas impressionam os leitores. E isso aumentou a minha sensibilidade, alargou a minha visão. A poesia é uma criação aberta que o próprio poeta não pode controlar. Depois fiz oficinas de poesia na Biblioteca Nacional, porque queria entender aquilo que me vinha espontaneamente, comecei a ler muita poesia... enfim acabei encontrando minha turma. Lembro que todas as vivências mais intensas da minha infância eram coisas artísticas, de ficar horas dançando, ouvindo música, tocando piano, a coisa de ser sonhadora. E isso ficou submerso durante vinte anos. Meus pais eram comerciantes e valorizavam mais as coisas práticas, ganhar dinheiro, ter profissões do tipo engenheiro, advogado, médico. Eles não conseguiram significar para mim e para eles que eu era artista. E não me sentia valorizada naquilo que mais gostava de fazer. E ser artista é o meu jeito de ser. Muito embora a educação que eles me deram mediatizou de alguma forma esse meu talento.

Poética Ser na palavra somente e na mudez do mundo florescer muda em sementes de tinta e cálices de papel sorvendo o pólen das calçadas através das asas voadoras do tempo para a instantânea cópula com o poema 21/04/2004

Quais foram os poetas que mais te impressionaram nessa época de descobertas? Em primeiro lugar Fernando Pessoa. Foi num dos recitais de poesia que eu freqüentava que conheci um ator que estava elaborando um trabalho sobre os heterônimos do Pessoa. Ele me pediu para falar sobre os heterônimos e tentar dar uma visão psicanalítica. Aí comecei a ler e estudar Fernando Pessoa. Fiquei meses estudando, fiz a tal da explanação e os poetas não entenderam nada, porque era muito psicanalítico. Aí fiz um poema sobre Fernando Pessoa para que os poetas pudessem entender. Pra mim Pessoa é a própria criação poética

.

E a influência do Pessoa na tua poesia é muito forte, é muito presente? Não sei se diretamente no meu poema, mas sem dúvida ele faz parte do meu universo poético. Além deles, quem mais? Eu adoro Mário Quintana, sua capacidade de dizer tudo de maneira simples. Ele lembra os poetas ingleses, que são sintéticos, como Walt Whitman, Ezra Pound e outros. Eu gostaria de chegar um dia a fazer isso, quer dizer, desenvolver essa capacidade de síntese e simplicidade. E tem ainda outros poetas que tu admiras além do Pessoa e do Quintana, quem são os outros grandes poetas pra ti? Gosto muito do Jorge de Lima, Paul Éluard, Francis Ponge, Paul Célan, Emily Dickinson, Drummond, que pra mim é um poeta completo. Ele tem a coisa do cotidiano, engraçada, crítico, e ao mesmo tempo meigo e profundo, tem a coisa da infância, de Itabira.

Fala um pouco sobre os teus dois primeiros livros, “No azul” e “Itgadal, Memória dos Ausentes”. E sobre que significado eles tem pra ti ainda hoje? Cada livro tem uma história. E o “No azul” foi meu primeiro livro, e tudo o que é primeiro é inesquecível, se bem que relativo à publicação de livro, alguns poetas tem um pouco de constrangimento em relação a primeira publicação. Reconheço que “No azul” não possui a técnica de escrever que fui adquirindo nesses anos posteriores. É um livro tecnicamente cru, por vezes um pouco catártico, às vezes até ingênuo. Mas hoje, quando estou muito “técnica”, releiome para encontrar um pouco de espontaneidade, ou melhor, fazer frente a nossa crítica e exigência por vezes excessiva que vamos nos impondo. Quanto ao “Itgadal, Memória dos Ausentes”, apesar de sentir ser mais datado que o “No azul”, quando o releio, surpreende-me a coragem e o despojamento que possui em descer no mais profundo da dor e na nudez da exposição. E acho que posso identificar hoje que meu trabalho possui uma continuidade. Aquilo esboçado nos livros anteriores continua hoje como um estilo. Quer dizer, meu estilo, minha poesia.

“Criar envolve muito trabalho, tensão e, porque não dizer, tesão.”


V VI

V

E “Luminosidades”, que é um livro diferente do “No Azul” e também muito diferente do “Itgadal”, como é que foi concebido? Uma das primeiras coisas que fiz foi levar os poemas do livro pra ler nos saraus de que eu participava. Tive o retorno, e aí senti que o livro estava pronto. O livro tem vários tipos de poemas: soneto, elegia, poemas curtos, longos, uns mais angustiantes, outros mais engraçados. Esse livro saiu após o “Itgadal - Memória dos Ausentes”, que é um livro com um tom de luto, relacionado à perda de meus pais e se acrescentou a outras perdas de minha vida. Aí no “Luminosidades” decidi dar ênfase na temática do amor e do humor. E a cada livro passo a compreender mais o que é ser poeta, acho que a indentidade do poeta vai se formando e transformando a cada livro. E tem outra coisa: queria deixar um pouco de lado a poesia angustiante e amarga que só fala de morte, só que logo vi que outros poetas falam da morte, das perdas, é inevitável.

Rosália, dá pra falar sobre como é o processo criativo pra ti? Tu disseste que fizeste oficinas de poesia pra saber como é a carpintaria da criação poética. É uma coisa sobre a qual tu costumas refletir? Tem muita memória na criação. Para mim um cheiro, uma luz, uma cor, uma folhinha voando ao vento são acontecimentos que trazem a palavra. E a palavra é imprevisível. Você escreve um verso, aí vem outro e mais outro. É como se estivesse me lendo. Como se estivesse possuída. Outras vezes não ocorre a palavra. O pensamento e o sentir tornam-se indizíveis. O processo criativo é complexo. Criar envolve muito trabalho, tensão e, porque não dizer, tesão.

A imprensa abre espaço para a poesia? Como tu vês o mercado editorial para o poeta brasileiro? O espaço é mínimo. Eu não estou na mídia mas sou publicada em muitos jornais pequenos de outros lugares do Brasil e me sinto muito gratificada, isso não tem preço. Eu tive uma conversa muito legal com um grande poeta brasileiro sobre essas coisas, e ele me disse que não tinha que me preocupar em ser publicada por grandes jornais. Os que ficam não são aqueles que necessariamente saem nos jornais. O poeta escreve para o futuro, não tenho essa preocupação imediatista. Me preocupo um pouco com o presente porque quero que mais pessoas leiam minha poesia. Já entendi o processo. E se depender disso, de mercado editorial, essas coisas, vou me frustrar. Porque não vou parar de escrever. Se o trabalho for bom, em algum momento vai aparecer. Mas tem uma coisa: aqui no Rio de Janeiro é difícil. E por outro lado, os livros têm que chegar até os leitores, e para isso você precisa dos meios para divulgação. Acho importante os pequenos jornais, como o VAIA, e também os jornais da internet.

07 A tua poesia sempre tem um olhar voltado para a cidade do Rio de Janeiro. O bairro de Madureira onde tu cresceste, o centro, a zona sul, aparecem em alguns poemas. O que é o Rio de Janeiro hoje para Rosália Milsztajn? O Rio é a síntese do Brasil, representa o Brasil urbano, o que é o Rio? O Rio não representa o Brasil. O Brasil é muito maior do que o Rio de Janeiro. Acho que é uma arrogância as pessoas pensarem que a cidade do Rio de Janeiro é a síntese do país. O Rio pode ser um do estilos de ser brasileiro, mas não sintetiza o Brasil. O Rio é arrogante, não dá oportunidade, e não podemos dizer que é a medida, o parâmetro, quer dizer, se as pessoas não se dão bem aqui não quer dizer que não vão se dar bem em outros lugares. Agora, a beleza, a paisagem, o clima, a praia, e a memória de muita coisa que aconteceu, e a cidade foi palco de uma série de fatos históricos - essas são as coisas melhores que o Rio tem. Existe muito a fantasia do carioca bem humorado, do estereótipo das pessoas de bem com a vida, não é, não, tá todo mundo fodido! Tudo muito difícil, poucas oportunidades de trabalho, muita violência. E isso tudo acaba se refletindo no que escrevo. As coisas amargas, duras, não dá pra falar só do belo, se tem muita coisa me incomodando, aí escrevi o poema Rio Ensolarado: ”Sol e solidão é o que sabe fazer esta cidade sol cortante cegando aos favorecidos e aos mendigos apodrecidos nas ruas que apodrecem pelo sol sem pena na solidão de todas as pedras que faltam para ser um caminho”. E não acho que os problemas todos sejam só do Rio. Existem lugares no mundo que apesar dos problemas as pessoas estão fazendo coisas pra encontrar alternativas, pessoas legais, tentando melhorar. Mas o Rio perdeu as alternativas, a capacidade de criar coisas fora do mundo novela-big brother programa da Globo. Temos que encontrar saídas criativas.

Rosália, sabemos que a música popular tem grande importância para a cultura brasileira. E a literatura, mais especificamente a poesia, que valor ou função teve e tem para a formação e educação social da população brasileira? Embora o acesso à poesia pelo brasileiro seja mais mais difícil que a música popular, podemos dizer que ela é fundante na nossa cultura. Muitos poetas brasileiros fizeram de sua poesia uma trilha para o resgate da identidade brasileira, e contaram uma outra história de opressão, submissão e liberdade contida em seus versos inesquecíveis. Acho que se difundirmos mais a poesia pelo Brasil, o povo brasileiro certamente se reconhecerá nos versos, nas rimas, nos ritmos dos poetas. E a final de contas, além do jogo de cintura, o brasileiro tem que ter muita poesia dentro de si. Tenho certeza que esse gênero literário seria muitíssimo apreciado se melhor difundido e conhecido. O que a poeta Rosália Milsztajn quer para sua poesia hoje? Primeiro de tudo, quero continuar escrevendo poesia. E se isso acontecer, gostaria que minha poesia pudesse absorver minhas transformações e os novos conhecimentos que venho adquirindo e que expressasse de forma cada vez mais fortalecida a minha voz. E se ainda, de quebra, pudesse viver dela e ser mais difundida, melhor ainda.

“Além do jogo de cintura, o brasileiro tem que ter muita poesia dentro de si.”

Estômago do livro “Itgadal, Memória dos Ausentes” Que a morte fira meu estômago faminto Fome insaciável Que de alimento Só o eterno sustenta Que roncos e grunhidos Não mais se ouçam Não ousem incomodar Aqueles a quem tanto amei Que eu não exista Nem na memória dos ausentes Onde esperei a saciedade E todos vazios de mim Deixem-me plena para voar aos céus Ao teu encontro

V

Azul do livro “No azul” Minha mãe Era a mulher mais bonita do bairro. Ela passava E a sombra azul dos olhos Tornava céu Madureira. A estação de trem tremia As grades continham Gemidos dos que ali Amontoados se espremiam Para ver o olhar Em horizonte daquela mulher. Pequenas avenidas Mudavam como festa O sol em lustre de cristal Brilhava enquanto Cinderela passava. Às vezes passava a escola De samba, também Bate-bolas, diabos Morcegos enfeitados Para a alegria Eu tinha medo. Tinha o natal Tudo era presente Encontro de felicidade. Tinha o Natal de carne Que controlava O jogo do bicho Era rico Esse homem Tinha um anel no mindinho Resplandecia menos que Minha mãe. Eu era franzina Portava um porta-seios Soutien azul Escondido na blusa Ligeiramente aberta Guardava no peito A chama de ser como ela Em azul Explodir fulminante corações. Essa energia Tenho, escondo Porque no espelho Respondo: Existe alguém mais bela? Para onde dá esse Azul dos teus olhos?


V VI

V

ENTREVISTA

08 “Refiz o caminho que fizeste pela mão de teu avô. Quando esse senhor traçava sem bem saber a tua sina de sambista. Procurei a trilha dos trilhos que cortava os engenhos. Não encontrei nem rastro dos trilhos. Dos engenhos restaram paredes e uma chaminé equilibrando um passado no tempo. Tempo que nem há. (...) Hoje o Caminho dos Engenhos é descaminho e já não é nem memória. Para a sorte de quem não escuta fantasmas, teus versos dão conta dessa amnésia.” Cristiano Escobar Bernardes (Cipriano Sereno)

A

lexandre Florez, brejeiramente apelidado Maculelê pelos amigos, fala de suas lembranças afetivas, infância, prefências musicais, vivências e convivências em Cachoeira do Sul e da memória reiventada em sambas, batuques e cirandas, que está registrada no seu primeiro cd, Caminho dos Engenhos.

Maculelê no Caminho dos Engenhos E pra ti o que é compor? É algo que te dá prazer, é trabalhoso, tenso...? Natural, e muitíssimo prazeroso. Comecei compondo em parceria, ou pedindo ajuda para alguém que harmonizasse no violão. Tenho muitas composições com o Toni Andrade, um conterrâneo. Por exemplo, 1/2% de Tristeza e Rotina são músicas que ele participou me ajudando a harmonizar. Depois de uns tempos pra cá, faço sozinho. Crio a melodia e depois tiro a harmonia com o auxílio de teclado. Ou peço a algum companheiro de música pra cifrar pra mim.

Eu tinha três anos, estava deitado com minha avó Eva na cama dela, era verão e a janela estava aberta havia uma enorme lua no céu... Quando criança tinha verdadeiro fascínio pela lua, na sua fase cheia principalmente; o plenilúnio. Lembro que minha avó cantava com sua voz de contralto, muito afinada, pelo menos acho que era porque não me desagradava, um samba do Túlio Piva, Pandeiro de Prata. Meu avô ouvia desde Carlos Galhardo, Francisco Alves e Orlando Silva até Gardel, Dalva de Oliveira e Isaura Garcia. Meu pai adorava Jackson do Pandeiro, Gonzagão, Ismael, Ataulfo, Roberto Ribeiro, Noel além de duplas caipiras como Cascatinha e Inhanha. Acho que absorvi um pouco disto tudo... Meus intérpretes preferidos têm pouco em comum: Dorival Caymmi e Moreira da Silva. O primeiro pela entonação, a voz profunda e grave, potente. O segundo por me passar um senso de alegria, irreverência. Não acho que tenha muito de nenhum deles, infelizmente. Isso era em que época, anos 70? E essas músitocavam no rádio? Era no começo da década de setenta. Os nomes que eu falei tocavam muito no rádio. Cachoeira tinha duas rádios naquela época, a rádio Cachoeira e a Princesa, ambas AM com programas de auditório inclusive. E tocavam muita MPB. Sambas antigos, músicas dos festivais, seresta. Era muito legal! Uma das primeiras músicas que me lembro de ter decorado pra cantar foi A Banda do Chico. Alexandre, fala sobre a atividade de compositor. Há quanto tempo tu compões? E que nome da música brasileira foi referência para ti? Quando tu começaste a compor em quem tu prestavas atenção, ou com quem tu tentavas emular? Não conseguiria definir o que é compor, ou como se dá o processo. Como e quando começa a surgir o impulso ou o que me motiva a criar. Um exemplo do inusitado da coisa é eu ter composto a melodia inteira de São Jorge das Minas, a faixa número três do cd, dentro de um ônibus enquanto ia para o shoping Iguatemi em 1993, quando trabalhei lá... Conscientemente nunca tentei me aproximar de ninguém. Porém, agora olhando com outros olhos, na minha música são notáveis as influências de Dorival Caymmi, Cartola, Jackson do Pandeiro e dos primeiros trabalhos do João Bosco.

fotos Rosane Maranghello

Qual é a tua mais remota lembrança musical? Que música ou estilo musical tu tens registrado em tua memória? Quais compositores e intérpretes fizeram parte da tua formação musical?

Este teu primeiro CD, Caminho dos Engenhos é fruto da memória afetiva da tua infância, evocando histórias e impressões de uma época e local (Cachoeira do Sul), coisas contadas e cantadas pelas pessoas próximas a ti. Fala sobre a concepção deste trabalho.

E as letras? Tuas letras tem um forte conteúdo literário. O lirismo e a prosa poética são características bem acentuadas nas tuas canções. A poesia faz parte da tua vida, não? Quem são os teus poetas prediletos? A literatura sempre esteve presente na minha vida. Meu pai colecionava albuns de figurinhas educativas comigo, era um prazer para ele. E toda sexta à tardinha eu esperava por ele ansioso no portão de casa, sabia que vinha carregado com revistas em quadrinhos, livros de aventura, pacotes de figurinha. Mesmo quando eu ainda não sabia ler; e olha que eu fui alfabetizado em casa, li aos quatro anos, meus pais liam muito pra mim. Minha avó Eva, que era analfabeta, inventava estórias e sempre me dizia que um dia eu leria pra ela. E isso se cumpriu. Eu, do alto dos meus cinco, seis anos me sentava num dagrau da porta da sala e lia “As aventuras do Burrinho” pra uma platéia sexagenária, mas muito atenta, composta por minha avó e sua amiga dona Afonsina que adorava mascar chicletes. Eu não gostava muito da prática da dona Afonsina porque ela gostava de fazer bolas de chiclete e o barulho dos estouros interrompia a leitura. Como leitor solene que se preze, eu parava imediatamente dirigindo olhares de censura pra dona Afonsina. A gargalhada era geral... Meus poetas preferidos são e sempre serão Pessoa, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Ferreira Gullar, Drummond, Vinícius, Raul Bopp, Jorge de Lima, Emily Dickinson e Paulo Mendes Campos.

Eu tinha uns seis anos de idade e vez em quando meu avô Heitor que fazia um bico de chefe de estação em Cachoeira me levava pela mão por sobre os trilhos da viação férrea até a casa de minha avó. Eles moravam na beira dos trilhos. Lá num corte entre morros. Minha avó tinha uma tendinha. Uma vendinha muito humilde na beira dos trilhos que passavam entre os engenhos de arroz de Cachoeira. Como os engenhos funcionavam 24 horas as pessoas que saíam de turno ou que estavam no intervalo do serão iam até a tenda de minha avó tomar uma purinha e bater papo. À noitinha nos fins de semana, sempre havia rodas de samba de terreiro e de jongo em algum local daquela comunidade conhecida até hoje como Beco dos Trilhos. Tudo quanto colhi de ouvido daquelas cantigas vindas do povo simples do lugar impregna este trabalho. Com retoques de erudição, é verdade. Com roupagens diferentes. O blues por exemplo é um elemento estranho àquela gente, naquela época. Mas o contexto em que ele se insere no cd retrata não a humildade, mas a verdadeira humilhação a qual essas pessoas eram e ainda são submetidas. Por serem pobres, pretas, pardas, incultas. Por não terem beleza gestual ou aparentarem a convenção do que se pleiteia como belo para um ser humano. Mas pra mim sempre pareceram belos.

E o samba que, como tu cantas, “é a nossa bandeira”, é o teu estilo musical preferido? De novo é a história da memória (ou seja, as tuas recordações musicais estão ligadas ao samba) que se mistura à invenção? A tua linguagem é o samba? O samba, sem dúvida, é minha expressão predileta. É minha fonte, matriz. Assim, como ele está posto. Ou seja, entendo que o samba não seja um ritmo puro, mas uma junção de outros ritmos. Uma invenção brasileira que mistura a música européia com a tradição musical africana. Costumo dizer que pra compor samba, nem que seja em algum momento da vida, é preciso vivê-lo. E isto é exatamente se ralar. Batalhar o quinhão. Sofrer mesmo. Sentir na pele uma série de coisas ruins, como preconceito, discriminação e tal. O sambista tem por profissão driblar essas mazelas da vida. Reclamar com elegância. Sacudir a poeira e dar a volta por cima. Mas sem recalques nem consternação; sem baixaria!

Show de lançamento do cd Caminho dos Engenhos. Dia 16 de junho, às 2030hs, no Teatro de Câmara Túlio Piva Rua da República, 575.


V VI

V

E tu também achas que o samba enfrenta muitos preconceitos ainda hoje? Outro dia, o Aldir Blanc perguntou pro Nei Lopes o que ele achava do fato de a Globo lançar dois Cds da trilha sonora da novela Celebridades, separados em dois títulos - um de música popular brasileira e outro de samba. Faço essa pergunta do Aldir pra ti. O que a Globo lançou como samba, sei não, aquilo pra mim é brejeirada. Tem o samba do Nei, “ No tempo que Don Don jogava no Andaraí”, que é a única coisa boa de samba, o resto, sei lá. Samba e MPB são sinônimos pra mim. Bossa Nova e samba pra mim são homônimos. João Gilberto é gênio porque descobriu uma forma diferente de dividir cantando. Uma coisa que é dele, personalíssima e original. Mas nunca ele próprio dissociou isso do samba. Agora o que me magoa é que foi preciso uma Nara Leão aparecer para o Zé Keti ter algum reconhecimento. O que me entristece e aborrece muito é que foi preciso Hermínio Bello de Carvalho esbarrar ao acaso com seu Angenor de Oliveira que aos 58 anos de idade lavava carros pra tirar um troco, pra música brasileira conhecer o gênio de Cartola. E Clementina? Com ela deu-se quase o mesmo: o Hermínio a descobriu aos 63 anos. Sem ela a memória da música brasileira, sua raiz estaria irremediavelmente perdida. Assim como eles muitos outros foram e são relegados ao esquecimento. Se há preconceito, acho que sempre houve. Preconceito contra o que é bom. E o bom é tudo quanto pode educar. Despertar. Chamar à reflexão. “Se a Maria tem sete fio/ todos sete pequininho/panelinha pequininha/todos sete querem comer/ora bate panela que eu quero ver...” cantava vó Clementina. E isso incomoda, meu irmão! Incomoda o poderoso, o intelectual bunda mole que não faz porra nenhuma de importante pelo povo. Esses versos são o que Mário de Andrade classificaria de arte útil. E eu também.

E a arte tem que papel ou função pra ti? Na tua vida o que ela significa? A arte, na minha vida, foi e continua sendo o veículo responsável pela minha educação. Admito a pretensão na resposta. A função da arte ultrapassa em muito o efeito decorativo, claro que o belo não precisa necessariamente conter ideologia, a arte não necessita ser panfletária. Não apregôo isto. Mas quando um artista monta uma “proposta”, ocupando espaço num lugar importante como o MAM de SP, colocando uma pilha de ferro velho, um monte de cacarecos, crendo e querendo que a ralé, o povão, a massa entenda, vamos convir, meu nêgo, que ninguém tá nem aí pra essa “gente”... Ele tá pancada. Se nem o Einstein é capaz de decifrar o teorema, vai o Zé Mané lá teorizar a “proposta” do gajo? Aí os caras me rebatem: - a Arte tem de provocar, só isso basta. Basta o cacete! Só se for pra provocar diarréia mental!

09

Voltando a falar do CD. Que resultado tu esperas que ele alcance? Esse trabalho é o primeiro passo na tua carreira musical, tu tens essa ambição, já projetas uma carreira no cenário da música brasileira? O primeiro resultado é ter ganho meu “certificado contra vagabundagem”. Tô fazendo alguma coisa pô! Brincadeira. O resultado mais imediato é divulgar minha produção. Todo compositor é vaidoso. Não fujo à regra. Não tenho vaidades pessoais mas quanto a meu trabalho, considero-o bem feito. No tocante à carreira, tenho pretensões sim. Já engrenei um outro trabalho, um segundo cd. Não há muita alternativa pra mim. Pra difundir minha lucidez ou minha loucura preciso da música e da literatura. Gosto de escrever... Sou um quase Chico Buarque. (risos). Só que baixinho, invocado, falastrão.(risos). Anarquista e sem o talento do mestre. E este projeto do teu segundo CD? Tu seguirás como compositor e intérprete ou é outro tipo de proposta? Inicialmente esse segundo CD, que ainda é apenas um projeto, seria a idéia para um disco demonstrativo com minhas composições, especificamente Afro-Sambas. A partir do momento em que conheci os compositores Bira Azevedo e Giovanni Mesquita e tomei contato com seus trabalhos, propus a eles uma parceria, e daí nasceu o grupo de composição “Na Corda Bamba”. A proposta que temos agora é conjunta. Não acredito no sucesso individual como um fim. A arte tem por finalidade a socialização, a solidariedade, mesmo que não seja o princípio dela. Mesmo que o artista possa, às vezes, ser individualista, eu não creio nisso. Por essa causa convidei esses dois compositores para unirmos forças tendo em vista a linha comum de composição que seguimos. O grupo Na Corda Bamba é formado por Mozart Dutra, Reginaldo Gil Braga, Márcio Azambuja, Paula de Paula, Giovanni Mesquita, Cidara Loguércio, Bira Azevedo e eu. Já estamos em fase de ensaios e apresentações deste novo trabalho. E o show de lançamento de “Caminho dos Engenhos”, marcado para 16.06, como será? Qual o formato e quais os músicos que irão te acompanhar? O show será simples. Modéstia à parte, estarei muito bem acompanhado. João Vicente Macedo, nos violões de seis e sete cordas, Binho Terra e Bira Azevedo, nas percussões, são excelentes músicos.

Entrevistadores: Fernando Ramos, João Vicente Macedo, Giovanni Mesquita, Laurene Veras e Reginaldo Gil, por telefone.

Alexandre, que intérprete da música popular brasileira tu gostarias que gravasse as tuas músicas? Se tivesse que escolher um só, não saberia. Há muitos intérpretes que me fascinam. Há mais tempo na estrada tem Bethânia, Nana, Leila Pinheiro... O João Bosco. Tem o Emílio Santiago. Mais recentes a Mônica Salmaso, o Moacyr Luz. O Segala que produziu meu cd e gravou Seresta, música minha que ele também tem participação. Tem o Paulinho da Viola... Muita gente. O que tu consideras gaúcho e/ou brasileiro na tua música? E que ritmos que tu exploras em Caminho dos Engenhos? Na minha composição entram muitos motes e mesmo ritmos de influência afro-gaúcha. Tem candombe, maçambique... E o próprio samba que eu faço, não os deste disco em particular, tem muito do “sotaque” daqui. Todo resto está impregnado de música brasileira que é linguagem universal. No disco eu pus uma marcha, que é a faixa título e há um blues, “Povo de Deus”, que se justifica ali pelo contexto. Afinal a faixa título se refere a pessoas pobres daquela comunidade. Há também o coco representado por Ana Rosa, e a bossa nova “Rotina”. Enfim, uma salada musical. (Risos) E como achas que o mercado encara o tipo de música que tu fazes e os temas que tu abordas neste disco? Oficialmente? Com quase indiferença. Vez por outra a grande mídia coloca um samba numa novela, que nem agora o samba do Nei Lopes, massificado na novela global. Mas isso é exceção. Acontece de vez em quando. No geral vale a regra inversa: quanto pior, melhor. Tu que, profissionalmente, lidaste com várias línguas, que achas da língua portuguesa estética e ritmicamente em relação às outras?

Curioso é que o português, sendo filho do latim e neto do sânscrito, tenha se distanciado foneticamente muito dos dois. Porém, o português falado no Brasil, que difere do falado em Portugal, é belo e melodioso. O português em Portugal se revela meio truncado por conta do emprego exagerado do infinitivo e do pretérito imperfeito. Mas no geral o português é um idioma aberto, não gutural nem anasalado. A melopéia, o ritmo incluso no falar ou ainda nas próprias palavras facilita a composição. Uso muito este recurso do próprio som da palavra.

V


V VI

V

s: r Parei a leitura de Crime e Castigo õe a F aç r e fui caçar níqueis io st Ilu ton bem que gostaria de me caçar An mas fui à esquina jogar caçar níqueis até agora, hoje, gastei o salário de um semestre.

Fernando Ramos

A POESIA DE CADA DIA

10

N

síntese artística

FAUSTO

o jogo de sorte e azar da vida “o homem é uma máquina de bingo desregulada”; “perde quem compra a cartela premiada e mesmo assim perde. A compulsão por recuperar o que perdeu, leva o jogador a continuar jogando”; “Ganha quem ganhar a si mesmo. Sem poesia. Não existe o belo. Somente números, luzes, som, moças bonitas, aromas e o rufar do dinheiro. Por mais que pareça poético não é. O ganhador ganha o Tempo”. Esses versos do poeta cearense Cláudio Portella lançam um grito intenso e desafiante face a bola da vida que gira na ciranda de incertezas e ilusões. Prosa poética de inventiva riqueza verbal, ironizando os caça-níqueis das normas e valores da existência, que pode ser lida no seu mais recente livro, BINGO!, publicado pela editora portuguesa Palavra em Mutação, do qual temos o prazer de dar uma amostra aqui.

O

período mais fecundo e de maior criatividade do cinema concentra-se na década de 1920, quando o som (que não é um mal) ainda estava ausente das realizações cinematográficas.

Se a sonorização, como posteriormente a cor, representam conquistas naturais (e almejadas) incorporadas à captação da imagem em movimento, não é menos verdade que após o surgimento da primeira desorganizaram-se as propostas essencialmente artísticas e vanguardistas do cinema. O novo invento assenhorou-se das preocupações e da prática cinematográfica, constituindo-se no eixo em torno do qual passaram a girar os filmes. Não foi, pois, sem certa razão que muitos dos mais brilhantes cineastas de então o repudiaram, conquanto por motivos errados. Se era (e foi) notável conquista técnica que veio ampliar o poder e o raio de ação do cinema, seu uso (e abuso) resultou no maior predomínio do espetáculo sobre a arte, do tema sobre a forma. Se antes esta destacava-se ou, quando menos, havia, na teoria e na práxis (dos grandes cineastas soviéticos, por exemplo) equilíbrio entre conteúdo e forma, após o advento do som prevaleceu o oposto, soterrando a vanguarda, a criatividade e a experimentação. Com isso e por isso, mesmo com o posterior aparecimento de grandes cineastas e filmes, nunca mais o cinema teve tão grande concentração de obras de arte em tão curto período do que na referida década. Dela emergiram obras-primas, possíveis de serem vistas e revistas por meio da ampliação das possibilidades de reprodução e distribuição de filmes pelo vídeo e canais pagos de televisão.

O que poderia fazer com esse dinheiro? Comprar um dicionário de espanhol? Tirar cópias de minha vanguarda? Ir ao dentista? Comprar um xampu? Um escova de dente? O que eu poderia fazer comigo, senão um poema? O que eu poderia fazer com essa máquina, senão lotá-la de níqueis? O que eu poderia fazer por Kasparov, se ele perdeu para um computador? E eu, para uma máquina que se liga numa tomada, que se dar umas porradas, que se translada de um lado ao outro do bar. Esse poema épico, essa história de vida, esse vício latente, essa corrente que me prende, à vontade de me matar, o desejo de esgotar essa máquina, o desejo de caçar níquel por níquel, esse épico vale menos que.. O Mundo gira com a palavra CASSINO. O Mundo gira feito o CASSINO eletrônico..

Um dos filmes mais brilhantes do período em questão é Fausto (Faust, Alemanha, 1926), de F. W. Murnau. Com base no primeiro drama homônimo de Goethe, de 1806, Murnau engrandece tema já de si grandioso na concepção e na realização goetheana. Não obstante esteja o fime umbilicalmente ligado ao texto original em sua trama e no sentido que encerra, Murnau imprime-lhe feição cinematográfica autônoma, criando, por intermédio de outra arte também nova obra de arte, erigida sobre fundamentos específicos, em que a visualidade recria e expõe a concepção verbalizada. Nem todo o filme calcado em obra literária atinge tal patamar de realização, não passando a maioria deles de simples ilustração imagética da estória literária, utilizada como mero pretexto. Não com Murnau e seu Fausto, tão relevante em imagem quanto sua fonte em palavra. Em tudo, desde a disposição geral aos pormenores mais insignificantes, o Fausto fílmico constitui obra de arte. A começar pelos décors, de inspiração expressionista, em que ora alternam-se ora paralelizam-se criações pictóricas e estruturas arquitetônicas, cuja plasticidade impressiona pelo arrojo inventivo, a ponto de rivalizar em presença e importância com a fabulação de que constituem palco. Raramente se tem, em cinema, sucessão tão vasta quanto variada de imagens de tal riqueza formal, que, transcendendo seus limites materiais, integram o conjunto fílmico também como conteúdo do drama que nele se desenvolve. A força do filme assenta-se, pois, na tríplice coalizão forma (décors e sua visualização imagética de angulações e enquadramentos artísticos), de conteúdo (o drama humano e sua representação) e na integração orgânica desses dois elementos, de tal modo e com tal intensidade, que de sua conjunção resulta síntese perfeita na obra pronta e acabada, constituída de um só corpo, de unidade e contextura indissociáveis. Ao drama, na generalizada simbologia do significado da aspiração humana que contém, balizado entre pureza, ambição, amor e desvario, ajuntam-se, pois, em igual nível de criatividade, os elementos indispensáveis da arte cinematográfica. A maior parte dos décors de interior e de exterior e das locações paisagísticas perfazem, em cada tomada, obras plásticas autônomas e destacáveis, simultaneamente inseridas no abrangente contexto fílmico, permitindo sua apreciação tanto em si mesmas quanto agrupadas. Um dos ideais da arte, escassamente alcançado posteriormente no cinema falado. GUIDO BILHARINHO “Clássicos do Cinema Mudo” , Inst. Triangulino de Cultura - Uberaba/MG, 2003

A Fé enriquece o Homem, não de humildade, de dinheiro.

s ia

Entro no BINGO! E minha alma se perde. A miscigenação das raças, o tilintar das moedas, as luzes dos caça-níqueis, O Dinheiro perde o valor! A Fé na Sorte esteriliza a Razão. Só há um Deus, e esse é a Sorte. O Deus Sorte, para quem seus fiéis direcionam o brilho dos olhos, o oco das cabeças, o etílico dos corpos. O Deus Sorte com seus arcanjos, recolhem dos Homens suas benções, seus dinheiros. Tudo o que era para sustentação do lar, é prova de Fé.

O JOGADOR Sou um jogador, jogo com minha família, jogo com o dinheiro como se fosse... E é, na verdade é o que é mesmo, papel, jogo com a loucura, jogo com as palavras, jogo com o tempo. Só ele me dá o que mais temo: a vida, a vida vivida a cada momento, sem arrodeios. Gastei 85.000,00 reais para criar esse poema que vos fala. Joguei em todas as máquinas. Observei todos os ganhadores e perdedores. Exalei todos os aromas das moças que servem no BINGO!. Endividei-me nos agiotas, no banco. Para escrever esse poema. O poema mais caro de minha lavra. Varei noites jogando, me encantando com a luminosidade das máquinas. Conversando com elas. Tornando-me companheiro delas.

Conheço idosos que perderam todas as economias no BINGO! Apartamento e empresa. Somos companheiros nesse CASSINO. Onde as mãos e os pescoços flagram a quilograma de maquilagem no rosto. O salão apinhado de máscaras, de cabelos grisalhos e futuros vazios. O prazer consiste em não voltar para casa, não ter que aturar os netos. Vício e Vida não possuem cronômetro, não competem os cem metros rasos para velocista. Eles se encontram no BINGO! Completam-se quando a cartela enche: BINGO!

O Homem é uma máquina de bingo desregulada. Às vezes ganha, noutras paga tudo. O Universo é descritivo, Carl Sagan está aí para provar. Enquanto espero a bola 14, penso nisso e em um punhado de outras, outras coisas mais. Penso em encher essa folha de palavras, penso no gás da cozinha, penso em minha mulher fazendo maravilhas com 2 Reais, penso no banco central, penso em meu livro de estréia, penso em nada, penso unicamente na bola 14. Sou um mentiroso. Minto! Sou uma máquina de bingo desregulada. O 14 me quebrou, me quebrou as pernas. Não tenho ao menos o do táxi Joguei tudo e o 14 não saiu, o 12, o 13, o 15, o 16. O BINGO! Endureceu-me o bolso, a alma e o coração. Só dou esmola para a máquina de BINGO!. Somente os caça-níqueis vêem o brilho de minhas pratas. O BINGO! é um arremessor de mobílias.


V VI

V

11

Diagnósticos vagamente imprecisos e humanitários com diretrizes inviáveis, genéricas ou obscuramente ambíguas s io ár l Sa

José Luiz Dutra de Toledo* enrique Meirelles é o Francisco Weffort do governo Lula e Antonio Palocci é o José Serra do mesmo governo. Pertinente esta minha comparação? Profunda é a cisterna. Profunda é a corola da rosa. Profunda é a tigela com creme de espinafre com mandioquinha branca (cozidos e liquefeitos). Profunda é a nave-mór da Basílica de Nosso Senhor Bom Jesus de Matosinhos de Congonhas do Campo, Minas Gerais/Brasil. Profunda é a raiz da mangueira. Superficial é a minha ingênua tentativa de me incluir na casta dos escribas e mandarins brasileiros do início do século XXI (após 6000 textos publicados em 12 estados e até em Portugal). Volto ao repouso do qual nunca deveria ter saído. A dor é a grande precursora da mudança. No meu caso, voltei a ser um homem de fé. Mas nunca um Tolstoi!... Fui perseguido por ser católico. Fui perseguido por muitos católicos. As pessoas perseguem quem é diferente. O mal-estar da civilização contemporânea se aprofunda e se agrava vertiginosamente. O que se passa na nossa cultura para engendrarmos um gigantesco sintoma desta dimensão? Para Sigmund Freud, a pulsão de morte (muito aliada à pulsão pelo poder) é aquele lugar onde tentamos amortecer os nossos desânimos, é o mata-borrão da anulação da dor ou jogos de disfarces e fingimentos pelos quais tentamos ocultar o que ocorre entre os poderosos e os não-poderosos da nossa sociedade. A pulsão da morte é o lugar onde se tenta abandonar a dor psíquica, a dor de viver... a pulsão da morte é a pulsão por excelência, pois tende à redução absoluta das tensões internas. É evidente que a sociedade contemporânea está muito mais interessada nesse mata-borrão que é pulsão de morte, do que propriamente em equacionar os nossos sucessivos soluços, nossos sofrimentos emergentes da conflitualidade humana (conflitualidade essa sempre negada nas ditaduras e autoritarismos). Algumas políticas que “trabalham” (?) estas questões aceitam claramente a realidade, outras aparentemente recusam-na, mas ninguém está disposto a refletir e a praticar uma política que encaminhe histórica e culturalmente a superação deste malestar geral da civilização. Já estou de saco cheio de tanto rap babaca e medíocre por aí. Além do mais, será possível quantificar estatisticamente a felicidade? A felicidade é só mais um mito consumista da nossa época? Indaga-nos o eminente psiquiatra português Carlos Amaral Dias. Vangloriar-se por chegar sem estudos (como um Prometeu ou um Ícaro) aos píncaros alpinos de Davos é no mínimo o triunfo do desprezo à formação intelectual. Pagaremos por tal ingenuidade? Quem chegar lá com o que tem ou com o que não tem que se mostre capaz da proeza e da altura do seu vôo. “Nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para onde ir.” - Lúcius Annaeus Sêneca, em seu Tratado de Clemência. Ninguém deve reivindicar a paciência nem a condescendência da sociedade por ser isto ou aquilo.

H

PÃO

UZI O PODER? Ele USA ALCA - EDA ETA terroristas cheios de IRA Luiz Gustavo Insekto

John F. Kennedy Airport...

Manipulação clipártica e edição:

Sammis Reachers

Sammis Reachers

Luiz Gustavo Insekto

Sanderson

Serial Killer Tupiniquim

CRUZADAS MANJADAS 1 1 2 3 4 5 6 7 8 9

*José Luiz Dutra de Toledo, 52 anos, historiador, professor aposentado e escritor desertor.

What? I do not speak italian!

ais am uj a e m e ... ria u í!!! po ba a m bo

NOME Uma palavra é uma palavra é uma palavra... MOMENTO O sofrimento do primeiro beijo SENSAÇÃO O perfume de qualquer corpo humano IMAGENS Asas da Liberdade, Teorema, Matrix LUGAR Dentro de quem eu amo UM AMIGO Um amigo QUALIDADE Prefiro fazer surpresa DEFEITO Abra os olhos & sirva-se UM SOFRIMENTO Aos 15 anos, Nietzsche, aos 20 anos, Borges, aos 22, Baudrillard... Qualquer contato com a VeRdAdE UM AMOR Qualquer um que me fez sofrer UMA FÉ Seguem infinitos o TEMPO e a SEARA, mas REBELIÃO é a palavra + linda

(entre) Vistas

Só me condôo ante os olhares e as rugas dos rostos barrentos e embosteados dos leitões de chiqueiros. Olhando os contornos do meu nariz eu revejo o nariz do meu pai. Era uma vez, é uma vez e será só por uma vez. E nunca mais. Eu sei e senti que foi assim, tem sido assim e será assim. Vovó tinha razão: tudo já estava previsto num livro lá no céu. Nunca tivemos a oportunidade de fugir à verdade. Você está me entendendo, ó chefe!?... (31/03/04).

FÉ CA

10

2

3

4

5

6

7

8

9 10

HORIZONTAIS - 1- Nota musical cujo valor é metade de uma breve - Mamífero desdentado que se alimenta de ervas, frutas e insetos -2- Semelhança parcial entre coisas diferentesFlúor(símb.) - 3- À (...), sem rumo, desgarrado - (...) Luft, escritora gaúcha - 4- Wyeat (...), lendário pistoleiro - Juan (...), pintor espanhol - 5- Empresa Controladora e Afanadora dos Direitos Autorais - Uma aldeia de índios - 6- Governo em que o Estado aplica seus poderes com despotismo - Raio, símbolo- 7- Saudação despojada - “ (...) the road”, clássico da literatura “beat” Solitário - 8- “Disque (...) para Matar”, filme de suspense - A pílula azul do prazer - Consoante - 9- Progredir - Charme - 10Praça da (...), centro de São Paulo - Tanto - Um dos quatro elementos da natureza - VERTICAIS- Revista de humor - Acúmulo de líquido em tecidos ou órgãos (pl.) - 2 - Qualidade da pessoa sem aptidão - Enxerga - 3- Exposição de um fato - 4- Clássico de Homero - Intransitivo(abrev.) - 5- Mexe - Oferta - 6- A oitava letra do alfabeto - Roubo -7- Vogal - “(...) Morto”, livro de Jorge Amado - Rede Rodoviária Falimentar - 8- Inimigo americano no Afeganistão - Vogal - Oxigênio (símb.) - 9- Vogal - Cólera - Consoante - Internet Grátis - 10- Vento forte e intempestuoso - Face


Jacques Canut

CARPINTANEJARIA POÉTICA mbora tenha escrito literalmente a "Biografia de uma árvore", Fabrício Carpinejar jamais viveu nas suas sombras. Nem na dos pais. É um autor no batente, na forja, na usinagem da palavra, procurando encontrar o ponto de liga: sua a camisa, arregaça as mangas e não vive às expensas do pedigree familiar (apenas a fusão patronímica dos sobrenomes da mãe Maria e do pai Carlos lhe serve de referência nominal, não de muleta para absorção pelos leitores ou críticos). A sua herança poética é uma compilação de sua experiência de carpintaria, na vida e na poesia. Uma antologia precoce apenas na hierarquização temporal, mas suficientemente madura para respaldar a sua compreensão do universo humano a partir de si. Seus parâmetros visuais, auditivos, olfativos e táticos mobilizam seu estilete interior. Carpinejar sabe tocar a pele das coisas, a epiderme do mundo, as vísceras da consciência, o fluxo dinâmico das emoções que caminham num leito pressuroso rumo ao mar - como ele que antes dos trinta anos já sabia de cor as outras margens do rio existencial, a terceira e a que está por ser desvendada, margens que levam aos setenta anos nessa adolescência poética a intencionar outras idades sem queimar etapas. Se não carrega o peso da procedência, muito menos se vale do rescaldo das luzes poéticas da casa. Fabrício tem sua própria incandescência, cujo facho muitas vezes flexiona-se para a retaguarda, com aquela mesma sutileza semântica de que um dia nos falou Pedro Nava, a propósito da experiência (seja ela literária ou humana), como sendo um "automóvel com os faróis voltados para trás". Há dois temas recorrentes em toda sua poesia: a memória afetiva e a relação familiar, principalmente esboçada na figura do pai, que merece, ao longo de suas expansões (entre o onírico e o poético), um certo ritual de (re)conhecimento, em que ambos se apresentam e se desnudam. E é a partir dos encontros & desencantos, da recuperação do herói devolvido em suas deambulações semânticas que se instaura um forte testemunho de quem, tão jovem ainda, viveu todas as épocas e tem tutano para regurgitar fantasmas e estofo para o exorcismo dos demônios da caminhada. Com espírito aguçado a olhar o futuro com a sensação metafísica de já ter curtido tudo, o autor lança sua antologia precoce. Em "Caixa de sapatos" reúne o que recolheu de seus livros anteriores ("As solas do sol", "Um terno de pássaros ao Sul", "Terceira sede" e "Biografia de uma árvore"), depois de mergulhar sua bateia no amplo aluvião de uma produção poética que traz a contundência das descobertas e a sutileza das sentenças filosóficas . O resultado não poderia ser melhor: o mosaico de uma obra que vem num crescendo, que insiste (e por isso vai longe) em libertar-se, a cada livro, dos cânones, dos ismos, dos cacoetes, impregnada que está de uma autonomia que só compreende as dissidências e detestas a unanimidades. "Caixa de sapatos" é uma pequena artilharia contra o tédio e uma esperança na vitalidade de uma nova dicção da poesia brasileira.

E

Ronaldo Cagiano

Lieux incrits dans le mémoire en subjectives notations. On les explore sans pour autant s’y transporter. Cisneros (Palencia). La contemplation fait flamboyer le désoeuvrement des rails. Sillonné de tutélaires pélerinages, le campo inspire, aspire. On embarque pour l’infini. JACQUES CANUT Péages/Sépias - Auch, France, 2004

anuncie

AQUI


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.