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lá v em p edra da


Ch ico G u a z z el l i , F r e der ico St u mpf , G a br iel Ja co b s en , G ênov a W i s n ie w sk i , Jon a t a n Ta v a r e s , Jon a s Lu n a rdon , Je s sic a D a c h s , L e a nd r o Hei n R o d r ig ue s , Lu í s a S a nt o s , Lu n a Mende s , M a r c u s Per ei r a , M a r t i no P icc i n i n i , Na t á l i a O t t o, Nat a s c h a Ca s t r o, Pep e M a r t i n i , PH L a n g e Projeto Gráfico: Martino Piccinini Diagramação: Frederico Stumpf, Martino Piccinini Capa: Bruno Ortiz [brunortiz.blogspot.com] Colaboradores: Bruno Ortiz, Ruben Castillo Tiragem: 3 mil exemplares Contatos: comercial@tabare.net tabare@tabare.net facebook.com/jtabare Distribuição: Fabico Famecos Instituto de Artes UFRGS Espaço Deriva Casa de Cultura Mario Quintana Museu do Trabalho Ocidente Palavraria DCE UFRGS StudioClio Comitê Latino-americano Nova Olaria Banca da República

D e m o r o u demais para que a Câmara de Vereadores de Porto Alegre fosse ocupada. Há sete meses os jovens já estavam nas ruas exigindo o direito social mínimo de ir e vir em uma Metrópole inacessível a pé, mas os vereadores e o prefeito se mantiveram surdos. Até a Justiça, de onde pouco se espera por seus formalismos, contestou os valores pagos às empresas de ônibus. As férias universitárias passaram, a coisa cresceu, vinte mil ocuparam as ruas, muitos marcharam, tantos gritaram, outros picharam, alguns apanharam, mas novamente os boçais continuaram à revelia, praticando a independência dos poderes sobre a população. O Brasil se incendiou em protestos a partir da fagulha porto-alegrense, em uma chama que não tende à morte, e novamente os alienados agarrados ao mito do voto se permitiram permanecer em seus tronos. Até que perderam a legitimidade: crise de representatividade que os deixou a sós com a lei. Mas a lei, sem legitimidade, é como a superfície de um lago congelado, merece ser rompida pelo primeiro que tiver coragem de patinar – ainda que morra afogado. A desobediência civil, ação política mais antiga que andar pra frente, em sua explicação mais primária, prevê exatamente o que fizeram os ocupantes: quebrar a lei pacificamente para defender aquilo que está acima da lei, a cidadania, o direito de ter direitos. Escancarando, desta forma, o quão oco está o estado no tratamento de determinada demanda social legítima. Não se pode proibir o homem de beber água no deserto. Isto independe da lei. Até porque lei e justiça são parentes, mas não são irmãs. A lei compartilha de sangue é com a segurança. Segurança pública. No Caso da Ocupação da Câmara, com a segurança dos que podem decidir, por quatro anos, à revelia da população, à revelia da realidade. O Cas O da Câmara foi um ataque essenciaLmente simbólico, basta ver que pouquíssimos danos foram causados ao patrimônio e às vias de fato somente dois ou três manifestantes chegaram, chutando e empurrando covardemente um fotógrafo da própria Câmara. A essência, por outro lado, foi ilegal e pacífica, uma combinação poderosa, que faz a ação política se embrenhar no universo das ideias. Repete-se o pai da desobediência civil, Henry Thoreau, que no século retrasado, em Massachusetts, decidiu não pagar mais os seus impostos para não patrocinar a escravidão e a guerra contra os mexicanos. Acabou preso, mas lançou as fagulhas que reverberariam em Mahatma Gandhi; no movimento hippie e antibélico que fez milhares de jovens estadunidenses descumprirem a lei do alistamento e não matarem nem morrerem no Vietnã; nos operários que iniciaram greves ao redor do mundo antes que as leis permitissem; na negra Rosa Parks, amiga de Martin Luther King, que se recusou a ceder seu assento no ônibus para um branco, no Alabama, em 1955, tornando-se ícone da luta antirracismo. To do O poder emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio de representantes eleitos , diz a nossa superconstituição, que ninguém aprende no colégio. Por que teimam, os eleitos, em reafirmar que democracia se faz, no máximo, de dois em dois anos? Por estes covardes engravatados é que precisamos contestar as instituições - e não dissolvê-las como alguns destes mesmos covardes fizeram há décadas atrás com a nação. Por sinal, instituições que são sempre as últimas a aceitarem as mudanças e os novos tempos, basta ver a ausência de plebiscitos, referendos e consultas populares, raríssimas vezes convocados, nada naturalizados em nosso cotidiano. Não somos nem consultados, quanto mais levados em consideração. Até porque se o fizessem, assumiriam o que descobrimos em Porto Alegre graças ao Bloco de Luta: que muitas de suas decisões legais não encontram qualquer legitimidade. Passe Livre? Plebiscito. De onde tiraremos o dinheiro? Plebiscito. Aperte 1 para supertaxar o IPTU de grandes propriedades urbanas, aperte dois para hipertaxar o IPVA de camionetes importadas ultrapoluentes, aperte três para legalizar o aborto, aperte quatro para descriminalizar o uso de drogas. Aperte cinco para proibir que políticos renunciem ao mandato para fugir de processo de cassação. São muitas as possibilidades que recém começam a borbulhar em nossas mentes diante da escancarada crise de representatividade da política partidária tradicional oligárquica brasileira. Possibilidades elencadas aqui pouquíssimo inventivas se comparadas aquelas que nossos leitores sugeririam, caso fossem realmente consultados pelo estado. Enquanto isso não for possível, torcemos para que haja muitos blocos de lutas pelas diversas cidadanias ainda não conquistadas. E que, neles, os jovens respirem profundamente a fumaça branca que recebem do estado e expirem uma democracia mais oxigenada que, aí sim, represente todos nós.


Aposto que a pessoa que responde as cartas é P2. Angélica Almeida, Espertinha Angie, queridinha, aqui neste jornal somos ricos em todas as vitaminas: B1, B2, B3, B4, B69... Vou te contar que a tal de P2 tá em falta, mas não te preocupa, assim que chegá a encomenda mandamos um frasquinho atrás de ti. Bjs Gostaria de saber quem foi a pessoa que fez o horóscopo da edição passada. Aquilo foi um ultraje! Vocês contrataram um charlatão sem fundamentos! Qual foi o cálculo utilizado para chegar a tais conclusões? Astrologia é um negócio sério. Proponho fazer uma versão melhor tomando um vinito e comendo uns queijinhos.

Arildo Leal, Excursionista Querido Arildo, o Tabaré tem uma enorme equipe de profissionais trabalhando a seu dispor. Os melhores astrólogos, psicólogos, alfaiates e acupunturistas da região fazem parte do nosso jornal; e, portanto, é nosso dever defendê-los independentemente da crítica do leitor. Suas seções não são assinadas porque a maioria tem contrato de exclusividade com outras empresas, por isso, não será possível revelarmos seus nomes. Do anonimato, nossa astróloga manda dizer que o vinho e os queijinhos são uma ótima ideia.

Gente! Que maravilha de colunistas que vocês conseguiram

pro site. Pegava todos. Até a Morena. Bjinhos, Rodrigo López, leitor-groupie. Tenho que concordar, Rô. Em comparação aos colegas tâmo bem de colunista. Um dos critérios de contratação neste jornal é ser bonito. Porque pegar uns pinta tipo Deivid Coimbra, Tulinho Milman, e Sant’ana não dá, né. Meus Caros, Nestes últimos dias andei bastante confuso, tenho dormido muito, perdi a fome. Ando angustiado e tenho a impressão de que os tempos estão cada vez mais hostis. Nada faz sentido.

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Vim até aqui, até as famosas cartas, para dizer que a única coisa que me acalma é dar uma olhadinha no Tabaré em meio a toda esta balbúrdia cerebral que ando vivendo. Obrigado, obrigado do fundo do coração, por este remanso. Abrir o jornalzinho de vocês é muito melhor que os livros de auto-ajuda que minha psicóloga recomendou. Abraços, Daniel Mendes, Sociólogo Ai, Dani... Não creio! Que livros ela te recomendou, ein? A-p-o-s-t-o que tu nem chegou perto da Martha Medeiros pra me dizê uma coisa dessas, né? E quanto ao mal estar, meu bem, abstrai. Logo passa, dá-lhe gás lacrimogênio nos pensamentos que eles dispersam.

Oi pessoas do Jornal. As matérias? Curto demais. Só uma coisa que me incomoda é: por quê o flickr do jornal não é mais atualizado? Vocês tiravam fotos iradas e me inspiravam. Umas fotos me davam até um tesão! Brincadeira. Não davam. Mas me inspiravam e acredito que não só eu. Beijos lindxs. Roberto Borges, Iconoclasta Bebetinho, meu irmão, deixo aqui um ensinamento da bíblia pra ustê: "Eu sou o Senhor. Este é o meu nome. A minha glória a outrem não a darei, nem a minha honra às imagens de escultura" (Isaías 42.8). A gente não entendeu muito bem o que o pinta quis dizer, mas quando demos o famoso “crtl find” em adoração de imagens no livro sagrado foi o que apareceu. Bjinho, aguarde atualizações.

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QuemVigia osVigilantes? Sérgio Amadeu analisa a guerra dos cabos e o ciberativismo

por Luna Mendes fotografias: Gênova Wisniewski

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asos de espionagem internacional e manifestações no país e no mundo inteiro colocam em discussão o papel da internet; uma ferramenta que possibilita ao mesmo tempo a articulação de grupos sociais e o rastreamento e controle da informação e do conhecimento. Em meio a tudo isso a discussão sobre o Marco Civil da Internet é reacendida na política brasileira através do projeto de lei 2126/11 que pretende deixar claro os direitos e os deveres dos usuários, das empresas e do Estado na rede. Mas assim como a internet o projeto de lei se mostra um cabo de guerra entre empresas de telecomunicações e usuários da rede, com pontos polêmicos e cruciais

para a determinação do que virá a ser a rede após essa votação, como por exemplo o princípio de neutralidade que garante a não interferência das empresas no acesso aos diferentes conteúdos da internet . A legislação, assim como a rede, ainda está em disputa, em alguns países o uso tende à restrição estatal, ainda assim os hackativistas se disseminam intervindo em sites de bancos e de grandes corporações. A internet tanto pode ser uma ferramenta de controle fala-se no uso do endereço IP de nossas máquinas como um rastreamento quase que identitário , quanto uma revolução na produção de conhecimento e de bens simbólicos. Para Sérgio Amadeu cientista político,

tabare.net

professor da Universidade Federal do ABC e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil a tentativa de controlar a internet é uma disputa pelo conhecimento, na sociedade informacional a necessidade de controle estaria mais sobre a informação e não nos poços de petróleo e nas minas de carvão. A discussão sobre propriedade intelectual é a tecla mais batida por aqueles que querem controlar a rede, como exemplo dessa disputa Amadeu cita a propriedade musical que só passa a existir a partir do desenvolvimento da tecnologia de gravação. Para o professor, a propriedade intelectual é dependente da tecnologia, no entanto a internet alterou a tecnologia, liberou o produto do seu suporte e transformou tudo em uma linguagem binária de zero e um, Amadeu fala que a natureza da rede consiste nesse formato aberto de cópia de algarismos cujo compartilhamento de músicas e bens culturais é consequência. Outra cartada das empresas para tentar controlar a informação é a guerra de patentes, estão patenteados desde itens como o carrinho de compras e o clique até patentes defensivas de tecnologias ainda inexistentes como a neuro-transferência de dados que quando forem criadas já estarão patenteadas. No Brasil essa lei sobre patente de software ainda não foi aceita o que por enquanto nos blinda dessa disputa. Para Amadeu o objetivo principal dessa trollação patentária na rede é bloquear o fluxo do conhecimento: Isso é grave, isso não tem nada a ver com produção de conhecimento. O que é um troll na rede? É um cara que te pentelha, que enche o saco. O troll de patentes são escritórios especializados em impedir que você crie algo, na hora que você estiver criando algo para uma pesquisa ele vem e fala: você esta violando oito patentes. E no caso de patentes há a típica inversão do ônus da prova, eu tenho que provar que não estou violando. A luta pela liberdade de conhecimento é uma luta extremamente importante, é uma luta na rede e é uma luta dos códigos. Existem várias pesquisas em biologia, como a do câncer de mama e de uma série de cânceres que afetam as mulheres, que a combinação genética para você pesquisar aquilo está patenteada, só um laboratório pode pesquisar. Isso reduz a qualidade e a quantidade de inteligência coletiva que está se organizando para resolver aquele problema. É uma situação muito grave. Poderíamos pensar que a internet incide sobre organizações de coletivos que inspirados nas práticas colaborativas criam movimentos fora da rede como, por exemplo, cooperativas de alimentação, oficinas de bicicleta, grupos de comunicação que operam segundo a mesma lógica da internet, mas fora dela, isso teria a ver com uma potencialização das práticas colaborativas disparadas pela internet? Eu acho que tem a ver com a própria internet que é, ela própria, uma grande obra colaborativa. Ela não foi criada por uma empresa, não tem um controlador, ela é um arranjo de muitas ideias, de muitas execuções e que continua aberta. A internet é um commons, é um terreno comum e esse terreno comum da comunicação feita sem um controlador central é que permitiu que surgissem experiências colaborativas como a dos softwares livres, é impossível ter softwares livres desenvolvidos do jeito que eles são hoje se não fosse pela rede. O próprio movimento do software livre inspirou o


surgimento de uma enciclopédia colaborativa que é a Wikipédia, que inspirou o surgimento de várias licenças para a área das artes e da música que é a creattive commons, que certamente inspirou o movimento do hardware colaborativo do hardware livre e isso foi sendo levado para várias áreas. É uma reativação dos commons, da prática de colaboração, de compartilhamento comum, porque isso já existia, é que aparentemente isso não teria a ver com uma sociedade altamente tecnológica e é óbvio que tem a ver. Quanto mais a internet avançar mais nós teremos possibilidade de compartilhar conhecimento, de compartilhar bens simbólicos, e é isso que a gente está vivenciando hoje. Sem dúvida tem a ver com esses coletivos todos que podem existir a partir da rede, alguns são tipicamente de ativistas e outros são produtores de conteúdos ou mesmo de técnicas, ou tecnologias, mas nem todos se consideram atuando politicamente. Em outros momentos a divulgação de vazamentos e escândalos políticos era exclusividade da imprensa, como Watergate por exemplo. Mas se pegarmos o Wikileaks, percebemos que a internet coloca isso de cabeça para baixo porque o furo se torna acessível a qualquer pessoa que consiga buscar e cruzar dados, disseminando a prática hacker e transformando isso em uma cultura própria da internet. Que efeitos tu acredita que isso possa provocar? A rede permitiu que surgissem possibilidades de criação de pautas que as empresas de comunicação chamadas de imprensa, a grande imprensa, não queriam colocar. Por exemplo, uma denúncia tão contundente como aquela feita pelo Wikileaks dificilmente passaria pelos editores, pelo dono do jornal, porque ela coloca em questão as razões do Estado. Eu acho uma hipocrisia gigantesca, o que está acontecendo com relação a prisão do Julian Assange. Ele está cercado na Inglaterra, obteve asilo na embaixada do Equador, mas não pode ir até o aeroporto porque a Inglaterra, violando todas as normas, não aceita. É a mesma situação de um filme que ganhou o oscar, Argo, que mostra a truculência dos iranianos quando teve a revolução contra o Xá Rezha Palevi e alguns funcionários norte americanos tiveram que se esconder e sair, em uma operação totalmente complexa. É a mesma situação do Julian Assange, só que a Inglaterra não é um regime dos aiatolás, é um regime que se diz liberal democrático. Mas por que o Assange não pode receber asilo do Equador? Porque ele é um criminoso internacional. Qual a acusação dele? Violar as razões de Estado dos Estados Unidos? Não. É de que ele transou sem preservativo na Suécia. É uma coisa inaceitável, é uma baita de uma hipocrisia, todo mundo sabe que não é esse o motivo, que está cheio de assassinos perigosíssimos andando pelas ruas de Londres sem ordem de prisão da Interpol. É muito louco isso. Tu acha que as ações dos anonymous nos últimos anos contribuíram para a consolidação da cultura hacker como um ativismo político intencional, sem aquele ar pejorativo que denotava uma atitude criminosa? Sim, o hacking, ou hacker, estava muito ligado às comunidades de open source, de desenvolvimento de código aberto, mas não necessariamente ao ativismo. Os anonymous atualizaram uma prática

hacker que foi a junção entre programadores exímios e artistas tecnológicos do Critical Art Ensemble (CAE) que já tinham apoiado o movimento tradicional no sul do México, que era o Movimento Zapatista e eles fizeram a primeira grande junção entre hacker e movimentos indígenas tradicionais campesinos. Isso é retomado pelos anonymous, e claro que o hackativismo, que é o termo que se usa, é na verdade uma ação bastante interessante. Eu lembro de um editorial de uma revista que denunciava o perigo que é a ligação entre desenvolvedores de tecnologia com ativistas na rede, então na verdade não é todo mundo que acha bom. Muitos jovens, muitos desiludidos perceberam que tem pessoas dispostas a usar a sua inteligência para organizar uma ação coletiva em defesa da liberdade e dos direitos das pessoas do mundo inteiro, isso é muito importante no momento atual. Daria para dizer que a internet e o ciberativismo possibilitam um campo de luta anticapitalista, por tudo que representam, não apenas no campo da internet, mas também produzindo mudanças nos padrões de consumo e de produção, com a lógica colaborativa e de compartilhamento. Isso teria potencial para afetar o sistema e o mercado tradicional? Existem ativistas na rede que tem uma orientação contra a concentração de poder, contra as corporações, contra a supremacia do capital, mas a grande maioria dos ativistas ainda não é anticapitalista. Pensando no avanço das práticas de compartilhamento, algumas delas são assimiláveis pelo sistema, outras não e isso é uma disputa. Eu acho que nós estamos começando a escrever um novo tipo de mobilização nas redes, mas isso afeta o mercado até certo limite, depois ele vai tentar incorporar. Agora, se você radicalizar avançando para uma economia não baseada na propriedade, aí isso afeta o capitalismo, mas o problema é que sempre vai até um limite, o que dá a concentração de poder é a propriedade e não necessariamente o relacionamento. Porque, se todos puderem ter acesso ao conhecimento, que passa a ser a principal força motriz do sistema informacional, aí o que acontece é que você passa a criar dificuldades para as grandes corporações, é claro que essas grandes corporações saem na frente pelo capital acumulado que têm, mas você começa a arejar isso, a distribuir isso, mas nem tudo é antissistêmico. Eu acho que a gente precisa ampliar os ativistas da rede, mesmo que você fale: “Não, mas o cara só vai colaborar do sofá da casa dele”. Danese. Ele faz parte desse grande movimento de opinião pública e isso é muito importante Desse ponto de vista, a internet, ou a atividade das pessoas na rede, poderia ser considerada como um grupo de pressão? E isso poderia interferir na maneira como a democracia é feita, implicando em uma democracia mais direta? A internet permite uma articulação de várias redes de pessoas porque ela é uma rede sociotécnica, dentro dela existem redes de opinião, redes de articulação de ideias. Sem dúvida alguma ela beneficia grupos de pressão, mas não só daqueles que defendem a democracia, esse que é o problema, ou não sei se é um problema, mas essa é a realidade. A internet não tem só grupos que defendem a liberdade, que defendem a democracia, que defendem as práticas de compartilhamento. Tem julho 2013 #23

grupos que defendem a xenofobia, o fascismo, que defendem a violência e esses grupos disputam as pessoas. A vantagem é que os ativistas da liberdade da rede e das causas democráticas estão mais espalhados na rede, são em número maior. Mas é preciso ter claro essa disputa, eu vejo com preocupação a existência de uma série de grupos conservadores que começam a utilizar as técnicas de interação na rede para poder defender ideias que são antidemocráticas. Considerando que a infraestrutura da internet, e das telecomunicações são de empresas privadas, a tentativa de canalizar e assimilar o que é produzido na rede, transformando a internet em um grande espaço de controle, seria um risco iminente? Sem dúvida, olha que loucura: a rede é transnacional, as infraestruturas são nacionais, mas controladas por grupos transnacionais. Então nessa situação a forma de você garantir a liberdade dos fluxos transnacionais é que em cada nação sejam aprovadas leis que garantam a neutralidade da rede, essa situação é um imbróglio. A ideia dessas operadoras é transformar a internet em uma grande rede de televisão a cabo, onde eles têm o controle e filtram tudo. As operadoras de telefonia, os caras que controlam os cabos, não são mais do que oito conglomerados no mundo, dois desses conglomerados controlam 80% do tráfego de internet em seus cabos, se eles puderem interferir no que passa dentro dos cabos, se eles não tiverem que ser neutros em relação ao curso da informação, a primeira coisa que vão fazer é reduzir a nossa capacidade de compartilhar. Então para garantir a criatividade da rede, para garantir o direito de compartilhamento, nós temos que lutar pelo princípio da neutralidade da rede, e mais do que isso exigir que o Congresso Nacional aprove o Marco Civil da Internet com o princípio da neutralidade. 5


DES MIL ITA RIZ AÇ ÃO É

preciso compreender que a polícia militar no país é uma aberração. Em outras nações, se não estão em guerra, os militares têm deveres de polícia extremamente específicos, como o de policiar fronteiras. Nunca tem o caráter de atuar no coração da sociedade civil. As denúncias internacionais sobre a existência da polícia militarizada brasileira são abundantes e antigas. Das heranças malditas da ditadura, esta militarização é uma das que mais nos afeta sem dúvida é a que mais faz sangrar. Tal estrutura militarizada faz com que a mentalidade de cada policial seja a da guerra. E a guerra necessita de um inimigo. Como a hierarquia e a obediência tornam-se sagradas, a lei fica em segundo plano. Todas as vezes que saem às ruas sem identificação cometem um crime, os policiais. Mas, antes disso, existe a ordem do comandante, mais valorosa que qualquer lei. Coronel, tenente, capitão, soldado. Essa hierarquização é fundamental ao ordenamento militar, porém, suas consequências extrapolam o regimento institucional. O brigadiano só se vê acima de alguém quando sai às ruas. E, enquanto nas ruas, é treinado para estereotipar: adestrados preconceitos formam as imagens do bandido, da drogada, do tão famigerado vândalo e, também, da senhora respeitável, do cidadão de bem. A partir daí, os abusos cotidianos são naturalizados. O francês Foucault explicita como o Estado moderno enquadra comportamentos e características pré-conceituadas a fim dos controles

dos corpos e da manutenção das desigualdades sociais. Neste sentido, a polícia militarizada serve de instrumento armado dessa política de Estado, criminalizando modos de ser a fim da sustentação do status vigente. O sociólogo Luiz Eduardo Soares há muito defende a desmilitarização e unificação das polícias em torno de uma polícia civil. Junto com Silvia Ramos e Marcos Rolim, o pesquisador realizou, em 2009, um estudo intitulado "O que pensam os profissionais da Segurança Pública no Brasil". No trabalho, 77% dos militares declararam insatisfação com o modelo brasileiro de polícias e desejavam reforma. À época, 58% dos militares concordavam com a extinção da PM e a unificação desta com as polícias civis. No total, 70% de todos os profissionais da segurança pública afirmaram ser favoráveis à mudança. A estrutura militar é extremamente abusiva com a população, mas também agride direitos do policial. Como em toda configuração militarizada, o diálogo não existe, a participacão é reprimida, não há debate coletivo. Afinal, quem pensa muito não cumpre ordens cegamente. Mas se os próprios profissionais estão percebendo a falência do modelo então é necessário chamá-los para o debate. "Você aí, fardado, também é explorado!", entoavam manifestantes pelo Brasil. Será que, mesmo insensíveis e obedecendo a ordens descabidas, não concordavam silenciosamente parte dos fardados? A escalada da violência do último mês (resultante das ações repressoras) faz criar um cenário

bélico, um inimgo nós, a população contra o outro policiais e seus comandantes. É necessário perceber que, apesar das demonstrações de poder necessárias nas ruas, esta é uma guerra que não se ganhará à força. Os molotoves não serão páreos para tiros de fuzil. Como frisaram os pesquisadores no texto do estudo, o resultado encontrado deve servir de incentivo para intensificar o debate em todos os campos possíveis. Sobre a falta de justiça: deixamos nas mãos de uma instituição a legitimidade de uso dos instrumentos de força, as armas, a capacidade de controle e de extermínio e é esta institução a que menos se vê sujeita pela justiça. Carajás, Candelária, Carandiru, Vigário Geral, Complexo da Maré. São vários os exemplos de massacres notadamente cometidos por policiais militares que se mantêm impunes sem que se conte os abusos cotidianos, as mortes que, uma a uma, viram estatística. Os que mais têm condições de abusar são os que menos sentem a responsabilidade pelos seus atos. Daí se vê atitudes que são resquícios dos tempos ditatoriais: acusações genéricas por desacato; fantasmagóricas ordens de detenção; prisões sumárias injustificadas. Além da formação de milícias e esquadrões da morte. Todas atitudes sustentadas por um imaginário fortemente trabalhado no sentido de legitimar o (ab)uso do poder autoritário. Como a repressão atingiu os centros por conta das mobilizações recentes, muitos se questionam sobre as ações policiais, mas o tema é de antes do lacrimogêneo

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Sejamos claros: a polícia militar precisa acabar.

por Jonas Lunardon fotografia: Martino Piccinini colaborou: Marcus Pereira

e dos tiros de borracha dos nobres asfaltos das grandes cidades. Perguntamos enraivecidos o quê acontecerá com os militares (sem identificação e muitas vezes mascarados) que cometeram incontáveis abusos nestes últimos dias questionamentos fundamentais, é claro. As respostas nos entristecem porque nos parece óbvio: acontecerá o nada. Mas o nada já acontece àqueles que reprimem nas favelas, nas comunidades pobres, na nossa maioral periferia. Com o nada se preocupam os policiais militares que estupram jovens negras; que matam inconsequentemente favelados; que torturam adultos e crianças; e que abusam e continuarão abusando daqueles que já são sistematicamente oprimidos. Há um enorme vácuo de justiça presente neste contexto e ele não acabará sem uma reformulação geral das polícias. Essa questão se estende também pelo tema da porosa cidadania brasileira. Inúmeras vezes ouvimos a expressão cidadão de bem nestes últimos tempos. Podemos focar na clássica pergunta presente na sociedade brasileira, identificada por Roberto DaMatta, o "você sabe com quem está falando?". DaMatta aponta como este argumento embasa a percepcão sobre os indivíduos em nossa sociedade. O que vale no nosso universo relacional é uma posição social indicativa de superioridade e a partir dela se estabelecem valores e se ordenam privilégios e direitos. Essas categorizações que dão valor à pessoa de acordo com suas pretensas posições sociais (dinheiro, emprego, família, conhecidos) vêm de uma construção cultural que nunca

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foi posta em xeque por qualquer iniciativa que pretendesse estabelecer uma cidadania real, onde os Direitos Humanos fossem basilares. No Brasil, claramente, uns valem mais que outros: a polícia, hoje, é um dos instrumentos o da força direta que viabiliza essa lógica. Não é porque identificamos uma dinâmica que acabamos por não reproduzí-la. Considerar que as atuações da polícia nestas últimas mobilizações são determinantes para a reforma destas é reproduzir a lógica de que uns, realmente, valem mais que outros. Há muito lutam aqueles que nunca dormiram contra a generalizada violência policial; diversos pensadores fazem da desmilitarização um debate intenso; as entidades de Direitos Humanos denunciam os abusos insistentemente (e com idêntica insistência são ignoradas por setores conservadores). A repressão aos protestos, de fato, entra no escopo do absurdo um absurdo que perdeu até mesmo a conivência de parte da grande mídia, tão acostumada ao elogio da opressão. Mas as bombas de gás e os tiros de borracha sem sentido são muito mais sintomas do que causa. Devem ser vistos como reflexo, não como um princípio. Se chegaram aos bairros ricos, às telas das tevês e às lentes dos fotógrafos é porque extrapolaram os limites fundados pelos apartheids urbanos das grandes cidades do país. Não é, justamente, pelo direito à cidade que se iniciaram os protestos? Uma repressão um tanto teatralizada obteve esse direito. Os centros magnetizaram as mobilizações

e acabaram palcos de uma violência agora televisionada, mesmo que ainda muito maquilada. Para parte de uma imensa classe média absorta em pequenezas, o plantão na hora da novela, ou então o relato do filho que foi às ruas, fez perceber que a mesma polícia que bombardeia gás na Av. Paulista invade barracos armada com fuzis e Caveirões. A mesma polícia que encarcera manifestantes na Praça da Matriz é a que instala UPP's em áreas carentes. Unidades de Polícia Pacificadora, sempre foi estranho esse adjetivo último. Não há Unidades Escolares Pacificadoras, tampouco Unidades de Saúde Pacificadoras. Fez-se da paz uma Unidade de depósito de armas guardada por soldados. No entanto, não podemos pautar a reivindicação com um discurso simplista que demande "uma polícia melhor preparada para lidar com grandes manifestações". Essa retórica de gramática perversa se fará presente por aqueles que ensaiam um reformismo falacioso. Uma polícia militar que aprenda a utilizar mais precisamente o gás lacrimogêneo continuará a mesma que espanca moradores de rua nas caladas da noite. A forma é que se esgota, a diferença necessita estar nos fundamentos. Precisamos deixar claro que os desaparecimentos, as torturas, os tiros subiram o morro e por lá ficaram faz muito tempo desde sempre, diriam os que sofrem. Desde sempre. A polícia não tem de ser melhor preparada; ela tem de ser outra. Não há mudança real que sustente velhas formas de repressão. A desmilitarização é uma causa urgente.


Porto Alegre, 17 de junho de 2013. O estudante Gabriel Arévalo e o namorado Ramiro Catelan caminham em direção a um restaurante no bairro Cidade Baixa. Eles sabem que uma multidão protesta pelo passe livre no transporte público na avenida João Pessoa. Entretanto, decidem não participar, porque, Gabriel têm um problema na coluna, o que ocasionalmente o faz sentir dor. Ingressam no estabelecimento. Jantam. Enquanto isso, a manifestação se dissipa noite adentro. Então, dirigem-se para a casa de Gabriel no Centro da cidade. Passam pela rua André da Rocha, dobram na Avenida João Pessoa, pois, pretendem seguir em direção a Salgado Filho. Na praça Argentina (esquina da André da Rocha com João Pessoa), avistam dois policiais da Brigada Militar (BM) espancando um rapaz. O jovem, acossado, grita: “pelo amor de Deus, não me batam!” Imediatamente, Gabriel e Ramiro sacam os celulares e começam a filmar a agressão. Ramiro intervém: “não precisa bater no garoto.” Nesse momento, os brigadianos percebem que estão sendo filmados. Num tom intempestuoso, decretam: “vocês dois também estão presos!” - Primeiro perguntei aos policiais por que estávamos sendo presos. Eles me mandaram calar a boca. Depois, perguntei qual era o nome deles, afinal, estavam sem as identificações. Aí, me deram um chute no estômago e uma rasteira. Caí no chão. Um deles lançou spray de pimenta no meu rosto. Em seguida, pegaram o cartão de memória do meu celular. Reclamei, ao que o policial respondeu que eu estava louco, que não havia cartão de memória no aparelho. Mas o Ramiro ficou com o vídeo no seu celular, porque, o aparelho dele era um Ipod, sem cartão removível. Acho que eles não queriam ficar com aquele telefone caro. Depois, nos arrastaram a pé pelo centro da cidade até o posto da Brigada na frente do Mercado Público. Ficamos ouvindo xingamentos homofóbicos e chacota em relação à manifestação durante 7 horas. Quando se sentiram pressionados pelos advogados da família e voluntários que nos ajudaram, geraram um termo circunstancial acusando a todos que estavam ali de baderna. Nós divulgamos o vídeo que o Ramiro conseguiu salvar. Está tudo lá relata Gabriel.

Cerca de 20 mil manifestantes se reúnem no Paço Municipal. Entoam palavras de ordem a favor principalmente do transporte público gratuito e da abertura das contas das empresas concessionárias de ônibus. Passam pelas avenidas Salgado Filho, João Pessoa e, quando chegam a Ipiranga, por volta das 20h 30min, deparam-se com a tropa de choque da Brigada Militar (BM). Os policiais formam um cordão de isolamento a alguns metros do jornal Zero Hora. De repente, a tropa de choque lança bombas de gás lacrimogêneo e dispara balas de borracha contra a multidão. A polícia avança devagar.

Ilustração [Rubem Castillo]

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O estudante Matheus Komphorst está entre os manifestantes. Embora utilize a bicicleta e o carro como meios de transporte, considera justa a pauta da manifestação. Por isso, empurrando a bicicleta, participa do protesto. Ele está junto com os manifestantes que ficaram na avenida Ipiranga, no lado mais próximo do bairro Cidade Baixa. – Quando a BM começou a lançar bombas de gás lacrimogêneo, larguei a bicicleta e levantei as mãos. Caminhei lentamente na direção dos policiais, numa tentativa de mostrar que a manifestação era pacífica. Quando cheguei a mais ou menos cinco metros de distância deles, uma bomba de gás estourou perto dos meus pés. Fiquei desnorteado, mas continuei parado com as mãos ao alto. Eles gritaram alguma coisa que não consegui entender. Aí, alguns policiais saíram da formação, me derrubaram no chão e me algemaram. Eles me conduziram até o ônibus da Brigada, onde me agrediram com tapas e empurrões. Mais tarde, junto com outras duas pessoas que foram detidas depois de mim, nos levaram até o 1º Batalhão da Brigada Militar. Depois, nos transportaram para a 3a Delegacia (DTPA), onde fomos acusados formalmente por formação de quadrilha, danos ao patrimônio público e privado, resistência à prisão e tentativa de furar o bloqueio policial. Na delegacia, vimos chegar pessoas com tantos hematomas, que os seus rostos cheg avam a estar desfig urados. Os policiais ironizavam: “onde é que vocês caíram para se machucar tanto?” Por fim, nos mandaram para o Presídio Central, onde permanecemos até as 21h do dia seguinte. Enquanto o estudante estava preso, parte dos manifestantes entrou em confronto com a BM. Ônibus foram queimados e alguns locais foram depredados. Já era madrugada quando toda a manifestação se dissipou.


Batal ha

a d c o r e M do

por Pepe Martini fotografia: Gênova Wisniewski

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argo Glênio Peres, noite de sábado, roupas largas e bonés de aba reta fazem roda junto ao Terminal Parobé. O amontoado de gente concentrada nesse pedacinho algo sombrio de espaço público faz silêncio. Silêncio atento às vozes que vêm do centro da roda, vozes rimadas da periferia, vozes de combate. Estamos na Batalha do Mercado, evento autônomo que levanta alto a bandeira do Hip-Hop no Rio Grande do Sul. No último sábado de cada mês, reunem-se no Centro de Porto Alegre, ao lado do Mercado Público, algumas dezenas de pessoas para a competição de MCs mais lembrada do estado. O evento é divulgado por Facebook e, como tantas outras ocupações urbanas que pipocaram em Porto Alegre nos últimos tempos, não conta com nenhuma forma de incentivo governamental. Marcos Vinícius Cacequi, ou MC Caramujo, diz que a única forma de interação com o poder público ocorrida até hoje foi através do órgão estatal mais conhecido pelos subúrbios pobres: a polícia. Apesar de uma ou outra intervenção já realizada pela Brigada Militar, as batalhas costumam transcorrer tranquilamente, das dez da noite, quando os MCs se inscrevem para competir, até o começo da madrugada, após a premiação do vencedor da noite e a dispersão dos últimos manos e minas. A cara da Batalha do Mercado é mais ou menos essa: enquanto a metade dos

presentes escuta com atenção os improvisos rimados, quebrando o silêncio de vez em quando com risadas, piadas ou ovações (que inclusive são a forma oficial de julgamento), outros muitos conversam descontraidamente ou andam de skate e outros mais dançam com habilidade pelo chão do largo. O cheiro adocicado da ganjah no ar é uma constante e ajuda a criar, junto com a meia-luz de uma iluminação pública débil, a atmosfera do evento. Aretha Ramos, que junto ao grupo de rap SN Lombra convoca e organiza o evento, explica que a Batalha do Mercado existe há um ano e meio, inspirada em outras competições de MCs do país e especialmente na Batalha da Leste, que acontece todas as semanas na estação Itaquera do metrô de São Paulo. Sem contar com um evento semelhante na cidade, Aretha entrou em contato com um dos organizadores da batalha paulistana e com sua ajuda deu início ao evento local. A ideia era criar uma espaço onde os mestres de cerimônia do Rio Grande do Sul pudessem expor sua capacidade de improviso e conhecer mais gente da cena Hip-Hop. A primeira Batalha do Mercado nasceria sem esse nome e com outro lugar-base, a Redenção, em dezembro de 2011. Nas edições seguintes o encontro seria transferido para o local mais central da cidade, ao lado do mais que centenário Mercado

Público, próximo aos maiores terminais de ônibus da cidade e ponto final dos coletivos que vem da periferia e das proletárias cidades vizinhas, de onde provém boa parte dos frequentadores da Batalha. A competição propriamente dita consiste em improvisos em estilo livre, geralmente carregadas de provocações ao opositor e reviravoltas surpreendentes na frenética trama verbal. Cada competidor tem até 40 segundos para demonstrar, a capela, sua habilidade com a rima. Logo terá outros 40 segundos para replicar o opositor e então o pequeno público amontoado na volta dos MCs dará seu veredito soberano: o rapper que recebe a maior ovação é o vencedor da rodada e segue na competição. Caramujo, vencedor da Batalha do Mercado em duas ocasiões, diz que o segredo é manter a concentração e não se deixar levar pelo calor dos gritos do público ou pelas ofensas do adversário. O MC também diz tentar abordar temas contemporâneos e relacionados ao momento da disputa como forma de prender a atenção do público, evitando o uso de “estereótipos, xingamentos e palavrões”. Carro Chefe, outro batalhador da noite, frequentador do evento há cerca de seis meses mas iniciante no lado de dentro da roda, comenta que a Batalha se aproxima de outras ocupações do espaço público, como o Largo Vivo e a Festa da Biodiversidade, que acontecem no mesmo Glênio Peres, pelo formato autônomo e pela total ausência de incentivos públicos. O MC pensa que a Batalha poderia ter uma divulgação mais ampla e algum equipamento eletrônico que auxiliasse na ampliação dos enfrentamentos poéticos da Batalha, que exigem bastante esforço do público para serem escutadas. Os guerreiros e guerreiras da Batalha do Mercado vêm em sua maioria dos arrabaldes e da Região Metropolitana, embora tenham escolhido um dos lugares mais centrais e notórios da cidade para expor sua arte e sua crítica. Essa galera que está longe de ser minoria conhece pouco da cena cultural dos bairros centrais da cidade, que ignoram ostensivamente, ou tentam, tudo que vem das periferias, como é o caso do Hip-Hop. Se essas diferentes Porto Alegres, que parecem retomar cada vez mais fortemente o espaço público e a cultura de rua popular, souberem encontrar um caminho para a convivência, algo de novo tende a nascer pelos cantos da cidade. Sejam esses cantos de improviso ou ensaiados.

julho 2013 #23

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eiam Ulisses!” diziam Adão Iturrusgaray e Ricardo Siri, o Liniers, em palestra da FestiPoa Literária. A brincadeira com a falta de literatura no evento em questão reveste a insegurança destes cartunistas, o que remete a história do Humor e da criação da linguagem humorística. Chaplin, Irmãos Marx, Jerry Lewis, Woody Allen, Andy Kaufmann, etc. Todos eles criaram suas literaturas a partir do remédio muito usado para a insegurança: o humor. A literatura de Liniers, no caso, era a atração que buscávamos para ser matéria de capa da edição passada do Tabaré. O critério jornalístico que superava Jorge Mautner era claro e óbvio: Liniers desembarcou em Porto Alegre uma semana antes. E a atrasada edição passada não teve os desenhos argentinos estampados em cores nas páginas centrais, em virtude da difícil tarefa de sentar com ele por mais de 7 minutos. Mas não por falta de vontade do homem coelho. Entrevista marcada com assessoria, em veículo dito alternativo, não é entrevista marcada. Isto certamente aprendi nestes dois anos do jornal Tabaré. Neste caso foi trocada três vezes de horário, naquele bom e velho espírito de camaradagem. A última vez foi deixado para às 19 e 30, meia hora antes da palestra. Mas a injeção de ânimo veio com a chegada do argentino. Com um gorro verde, a barba por fazer, os óculos projetando minúsculos olhos no fundo das grossas camadas da lente e o sorriso de uma criança envergonhada. Assim conhecemos Liniers no primeiro andar da Casa de Cultura Mário Quintana. Faltando dez minutos para a palestra o porteño simpaticamente nos garantiu una nota ao fim da palestra e antes de sair para beber. Na palestra, com a graça e desprendimento que sua arte lhe concedeu, Liniers esbanjou bom humor ao lado do escrachado e divertido Adão. Os dois moradores da terra de Maradona se completavam em suas complexas diferenças. Liniers confidenciou que tudo que queria era ser como Adão e seu poder especial de desenhar testículos nas bundas e caralhos gigantes. Mas que infelizmente nasceu com outro superpoder: o de fazer as mulheres dizerem ‘óóóóó’. A longa palestra amontoada de gente pelo chão foi seguida pela concorrida entrevista. Enquanto uma longa fila de autógrafos nos pressionava e um dos assessores nos dizia “eu curto o tabaré mas a festipoa é prioridade...” conseguimos não mais do que sete minutos com o nosso querido desenhista. E uma sensação de impotência, curiosamente pouco tempo depois que o Leandro e a Natascha representavam o Tabaré no andar de baixo sobre as dificuldades da mídia alternativa ao lado dos colegas do Bastião e dos assalariados do Sul 21. Assim, segue a entrevista sem cortes com Liniers. Eu não falo espanhol, vou no português... Perfecto! Tu falou em outras entrevistas que a Mafalda alfabetizou a argentina. A minha impressão é que, pelo menos pra mim, a Mafalda foi uma alfabetização política também. Queria que tu comentasse isso, do cartum por mais inocente que seja, por ser a primeira coisa que a criança vê, tem isso de iniciar um pensamento politico com as crianças. É que o lindo de Mafalda é que tem diferentes níveis de leitura, no? Então um lê, como eu, com

por Chico Guazzelli ilustração: Fred Stumpf colaborou: Jessica Dachs

Tu e o Adão falaram muito na palestra, sobre os filhos de vocês, e eu me lembrei duma frase do Picasso que ele diz que passou a infância tentando desenhar como adulto e o resto da vida inteira tentando desenhar feito uma criança. Tem muito isso da criança no teu trabalho? Sabe o que é isso? As crianças desenham sem medo! Picasso quando se transforma num grande pintor com 10 anos, pintava como os outros. Quando começou a pintar como ele mesmo se transformou em Picasso. As crianças quando desenham, desenham como eles mesmos, não estão copiando como se desenha. E ao mesmo tempo desenham sem medo. E com Picasso era o mesmo. Me parece que isto dá muita liberdade na hora de trabalhar plasticamente. E esse é o objetivo? Tentar ser criança na hora de trabalhar? Sem medo? Eu encontrei um meio de dialogar. Encontrei meu próprio idioma. E me parece que a busca dos artistas é buscar seu próprio idioma. E pode inventar o seu! Eu inventei, Picasso inventou, Chaplin inventou. Os dois são melhores que eu, mas todos buscamos encontrar nossa própria linguagem. E você atira para as pessoas, e vê o que elas te respondem.

6, 7 ou 8 anos e quando lê é uma coisa, e depois quando lê com 15 é outra, e com 30 é outra... o mesmo se passa com os Simpsons. Me parece que as coisas muito bem feitas tem esta possibilidade de revisitá-las em tua vida. E descobrindo coisas novas. Eu me recordo de uma tira da Mafalda que vi quando criança, que ela chamava uma tartaruga de ‘burocracia!’ e ela vinha lentamente. E eu não entendi que a tartaruga era a burocracia, mas que era um nome para tartaruga, tinha sete anos. Me parece que Quino tem isso, sempre pode ser revisitado. As tirinhas e os desenhos animados são as primeiras coisas que as crianças leem. E tu, com as tuas tiras diárias, e mesmo não falando em política, tu acaba tratando política... Eu, com as tiras, não trato de ensinar nada e sim de perguntar, a mim mesmo, tratando de entender o planeta. Então não gosto muito dos escritórios ou as pessoas que vivem dizendo que tem resposta pra felicidade, “faça isso!’ . Eu gosto da gente que pergunta. E para mim Macanudo é isto, um grande signo de perguntas, por que tudo me intriga me tem a curiosidade. Me gusta perguntar!

tabare.net

E essa brincadeira, que tem muito no desenho, de misturar o animal com o humano, como humano, no papel do humano, interagindo com o humano... É uma convenção dos comics, os animais antropoformes, mas serve muito para mostrar o absurdo que somos todos. Sempre há essa fantasia que tem um nível de normalidade. E o que é raro e foge disso é um estranho. Tem uma frase do Caetano que é muito boa, “de perto todos somos estranhos.” E me parece que é isto, os animais se pode usar pra mostrar como somos raros. Botamos qualquer animal fazendo qualquer coisa que fazem os humanos e vemos como somos estranhos. Tenho uma tira que diz assim: um elefante marinho, com um nariz grande, e um pinguim que o diz ‘opere o nariz que vai aumentar tua auto estima’. Como que o teu nariz baixa a auto estima? É absurdo. Uma ultima pergunta, tu já falou que conheceu Laerte muito tarde, assim como outros cartunistas brasileiros, hoje em dia tu chega mais rápido que o Quino a trinta anos atrás... Graças às facilidades da internet, vivemos sem as fronteiras, hoje é fácil e grátis publicar em outros países. Mas a pergunta é, hoje em dia tem muita troca entre o cartum brasileiro e o argentino? Eu quero que haja mais trocas. Eu quero que na Argentina: Angeli, Laerte, Fábio (Zimbres) e Adão sejam famosos. Porque eu gostaria muito de ter crescido lendo Laerte e Angeli. Eu seria melhor desenhista, melhor historietista, e não tive eles. E sim tive Charles Schultz e Hergé, quer dizer, por que estamos sempre olhando para cima? Temos coisas incríveis ao redor. A mesma coisa acontece com a música, mas agora com a internet... Viemos com o Kevin (Kevin Johansen) que pode fazer shows aqui, Paulinho Mosca vai e faz shows em Buenos Aires, então tudo pode se misturar mais, é muito bom. Vai ser uma geração muito linda a que vem abaixo de nós.


Colagens [Jessica Dachs] Brasão [Martino Piccinini]

eA s i l ANá A E T N E nóstico_ I C A P Diag a e Incesto.

saZ ência d n e T

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v a lo e f ic a a r l e , o d s on h m an as no va em u se m s , e e ora s ti v eg r l e m A e u o t s E e P or p a r i. adra omo ntro d ifício Guas ela era c iolo de qu e c o n d an um m ento, lado do e ixo pela j : em exrtam i a r a o b b p a o , a a s ! In de s c ar pr meu deiro ui olh . Então eu a em es de Me V IRGEM f v a o t d s uan 45º Eu e B o rg de MATA q u e q g le m a p s átio" do n a p o " t a l z i a l es s e m o ca , t ã o m do g o v ia u q u e e s t i v o a t l h a , o o muit ma image mo bairr a não ser s e u de r, e o m v dia miolo vend i , no o l o p a n d m mo irgem sidade ur ng ué próx i ue ni to! Mata v n q e a , d r a p a l d plora e muito a io a toda eu irmão e d n m E m o . o i do vend adra em hame o admira c , u o c q s auma ntral! Log não muit uma e d e u c o ça meio bana lo. Ele olh resen areira no ap a i d c cl qu ver a dei conta em uma ão, pq as o o e ní J d o : tão m as saltitan ei pra ele o cabras t ã x ír i n s ro pergu disse: pq cabras on bras u E . a s le at ?Ee que a da m rox a s is s e d o ã e s bras e ainda m is. óce ! El r ic a s uito d m m ra c as e

Eu e r au cana ma televi l , que s ão e rd bem t a va à o tem izer, me s enti u minha fr ido b cial m ente s o a t ão da uito s um c emel vermelho . Depois d e tod ara garga hante e não aa l hava ao c o re s t a e ma . va m diversão o suje ficava tro ais n a da s cand ito se o enão uma cansava e de e s cu a perridão e x i s te n-

aç ão excit e d nível a es aind alto r e a d v s r o e h fat bs e fetic os o mo es de dem irma f c o ras n n p b o , a nu ec -c a eA t u o s n q ã n e , i ) u m g r o ato P ac os al ide: i e nã o rel o da otam pirâm mento qu da odo N t curs . a s e i o t l d m áe ran heci os u p ar t a ealiz s du onho recon mo criam até um a sar ente u , ros e s t o o a l e s s a r i e t l is pr sp na mes oc a rová s se v Ao a aç õ e desl – ao o quiçá e para p f e m o. e e s m a l o u e irg nte e, aq exc sejad onh ata v a de vitari cient pacie l (vide elo s e s m e p a n e r e s e o a u d a q qu , po inc fetad pátio ade M rem mão el - o seu d r v a i í m in p t ar a s u o m g e s , d r e o .R e s lto e ss Vi alto p ente indad , do a ao m irgem er s u s i v g a v e r t a i , a o n v t pres o t e m h t ina -ma Inces ndar la o s o son s ant ado roxas , no a xo do rojet ato. E rram tro. O o u p o e u e d c n o s – a i r n l o e a ua s pa éo as e lguém lcançáv ento s sex r v ar o e s rox m e õ a e a l s r ç po r a e b b a in el o ca eo o da ne um manter r temp eressant o. As tóric u d s i e a i H u r q ue ui c É int A tl a s o elo Supe am q a , aq ult in ao ser. O o s ão ditav a culin p e c r o o c m ã F e ç a l os a mo t urez rifica ichae gípci aap ra pu d a as ( M r o p gos e zat b i t s a a c bra ncre lveri a o o c c v com s e a a ia) d cia d mes e cria Zoofil sciên rrado. Ao cient n a o c p a e pr da o tem rego o alg rça a pois o , m f a o o c ê ue e sm . Em eov o Id q rificação da m cesto nado pel u in np o sa a ame ç ão d é eng a para es trem x o e p d o i em fil m a nh mo t dara e Zoo . É um so u d m o t se is.. resoa ema a de ticar s que d r i e t a e n d n o a , na pacie a ma ual. N sum te em ade. É um o sex can t e a r r o é co cid ina a te re na d ra a citad ente a pa o i ã c m s a ín s s t i so. re xa prov com a rep ais e m r m a a r , c i a o f h pl signi xem s son po r e s s oa , e il p s s a Bra muit e 3 0, da d

S_ bras, TAG al, Ca Aleg re. r u R o o Êxod exo, Port S , o I r mã

P a c ie nt d em e B é d o s ex o os o b s er ma s cient v a c ul r ed que se tr ino, beira entre escreve at a c os vi su o lara nte d lô), e Supereg a relaçã oi s o se mente d oeo o Su x e um anos. Ao p u I d , on e re g al c o nenh ac r el a t d ooc mo uma ar s o n v e e o I d lu t clien ena de fe É co P nc e a t r e ostit eu sonh p m p l e l i c id a d e . e M q l a o u i uiçã o, po s de e t am e uma s on h o on nte c compar es sa rela sejo de v o s. É e d z e , t ando o rna o pa omu ç ão t em o a f am t udo é r m a s s s s ou p a ba os a e pro up e r id a d q u e h o m r o f i s s ã o t al h a pro f i f ici al stitu e da s s ão t e e à o (ou ns , n va z es c s , al e r TAG g ig o t o : n d e c i s õ e s e s s a f a u r id ã o e i a e n ã o S_ M ão h i x l he t . x ichê, isten Se e a et á á rar m el h x Telev c r or te iste algu ia, tenha ial ou co á isão, s te v ma d ma . m Mat u es o c ac ridad i o n a ú v id a q u t e t ip o d e Ma l a e que sc u l i um s nto aos e na , G on h o srécia . A

ntiga .

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TABARÉ

E os jornais dizem: chove [Jonas Lunardon]


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