Jornal Lampião - edição 16

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Jornal - Laboratório I Comunicação Social - Jornalismo I UFOP I Ano 4 - Edição Nº 16 - Outubro de 2014

Aline Nogueira

“Como mulher, não posso deixar de lutar pra mudar o que precisa ser mudado” Daniely Cristina PÁGINA 4

Mandou. Chegou? As constantes falhas nos serviços dos Correios causam insatisfação nos consumidores, que não sabem os possíveis caminhos para reivindicar seus direitos.

Mineração: perigo sem rosto

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Ensino integral enfrenta dificuldades As escolas que implantaram o programa não recebem investimentos suficientes para alcançar metas planejadas. PÁGINA 3

Falta de emissão de RGs em Mariana dificulta acesso e gera sobrecarga em Ouro Preto PÁGINA 5

Vida de santidade Arquidiocese de Mariana abre processo de beatificação de Dom Luciano de Almeida. Santidade só será confirmada após comprovação de milagre. PÁGINA 10

O subsolo rico em minério situa Mariana como terreno para as duas maiores mineradoras do país, Vale e Samarco. São aproximadamente 10,5 mil trabalhadores sujeitos a riscos físicos e mentais. Como principal fonte de empregos da cidade, denunciar os perigos das minas gera tensão e medo. Quem aceita contar sua história não mostra o rosto. Em meio à pressão, a legislação e os sindicatos tentam melhorar a vida dos mineiros. PÁGINAS 6 e 7

Paloma ÁVILA

CULTURA

Obras do Mestre Ataíde são inspirações para artistas marianenses PÁGINA 11

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júlia mara cunha

DISTRITO

Cultivo de pimenta transforma vidas em Bento Rodrigues PÁGINA 9

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Outubro de 2014 Arte: Pedro Mendonça

Editorial

Charge Lorenzo Henriques

É tempo de investigar o presente e relembrar o passado A economia de Mariana gira em torno da mineração. Os trabalhadores das grandes empresas sofrem com a pressão para alcançar metas diariamente. Além da integridade fisíca, o lado psicológico também é afetado. Depressão, alcoolismo e abuso de drogas ilegais são problemas a que os mineiros são expostos diariamente. O medo entre aqueles que se dispuseram a compartilhar suas histórias e revelar as reais condições de trabalho nas minas foi um grande obstáculo para a apuração da reportagem de capa. Para garantir a segurança das nossas fontes, as identidades não foram reveladas. As escolas de Mariana que implantaram o tempo

Opinião

Espaço de quem?

integral não possuem recursos suficientes para cumprir todas as metas planejadas. Os professores tiram dinheiro do próprio bolso para comprar materiais e as crianças fazem educação física na rua. As deficiências de infraestrutura e o alto número de evasão dos alunos em escolas públicas são problemas recorrentes que a população enfrenta. edição do A 16a LAMPIÃO, além de investigar a precariedade das condições de trabalho dos mineiros e avaliar a qualidade do ensino público municipal, também destaca as memórias que se perderam com o tempo. Poetas, presidentes, santos, aviadores e pintores.

Quando olhamos para além dos problemas, descobrimos inúmeras peculiaridades da nossa região. O LAMPIÃO buscou homenagear e relembrar personagens que marcaram a história nacional e que viveram em Ouro Preto e Mariana. Seja nas igrejas, nos grandes casarões ouro-pretanos ou em praças, estamos rodeados de memórias. Buscamos alguns desses lugares para conhecermos o passado e também nos aproximarmos do presente. Finalizamos a edição com uma fotorreportagem sobre a igreja de Antônio Pereira, que pegou fogo em 1830. Convidamos você para recordar ou conhecer esse universo cultural. Boa leitura!

lampejos

Jornalismo

Quando estava na 7ª série alguns colegas já tinham se formado no ensino médio. Me arrependo de não ter continuado. Franciellen Vieira, página 3

Para além das marcas no A segurança é usada como marketing. muro da universidade as interFuncionária da mirenação, página 6 venções feitas durante a Calourada Vermelha do curso de Quando pego na mão das mulheres, imagino que Serviço Social acabaram por deixar marcas em outras esestou pegando uma pastilha de vidro cara. feras. No dia 7 de outubro, o Dodo, página 9 debate sobre a temática que ocorreu no campus conseguiu Não se esqueçam dos meus pobres. ser muito rico e levantar uma Dom Luciano, página 10 série de questões que há tempos não mobilizavam tanto os estudantes e a comunidade em geral. Me parece fundamenjornalismo.ufop.br/lampiao tal que alguns questionamenEncontrou esse símbolo? Acesse o portal do LAMPIÃO e saiba mais tos por trás dos rabiscos sesobre os temas abordados. jam levados a cabo. A maior pergunta que fica é: que vozes são legítimas para “estamparem” a fachada dos prédios crônica que frequentamos? “É simples: a teoria tradicional é uma questão de gosto - ou é bela (e agrada a muitos), Aline Nogueira ou é sublime (agrada enquanto desagrada por colocar em cena questões éticas ou políticas que sejam razoáveis). E quando é feia? A pixação inclui a inverdade do belo e, a partir dela, o belo se torna uma categoria opressiva. Dessa forma, a pixação apresenta uma inverdade do padrão, ela se torna uma espécie de legítima teoria, enquanto transformação da teoria que se aventura a desconstruir espaços tradicionais. Caminha, ou melhor, rabisca, na direção oposta do arrumadinho, do suportável academicamente e/ou no campo do senso comum.”

LAMPIÃO é premiado O jornal-laboratório do curso de jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), o LAMPIÃO, levou pela segunda vez o primeiro lugar na premiação da Exposição da Pesquisa Experimental em Comunicação, a Expocom Nacional, que faz parte do Congresso de Ciências da Comunicação (Intercom). Vencedor na modalidade jornal-laboratório – Impresso, o LAMPIÃO concorreu com mais quatro jornais e se destacou. O congresso aconteceu em Foz do Iguaçu, entre 2 e 5 de setembro. Os professores responsáveis no processo de produção do jornal foram Adriana Bra-

vin e Denise do Prado, em reportagem, Ana Carolina Lima Santos, em fotografia, e Priscila Borges, em planejamento visual. Segundo a aluna Janine Reis, editora-chefe da 11a edição, “o processo de construção do LAMPIÃO foi fundamentalmente coletivo. Todo o apoio dos professores foi essencial para o resultado do trabalho. A organização e o envolvimento dos alunos foram os grandes diferenciais”. O LAMPIÃO se enquadrou em todos os critérios de avaliação fundamentados na ética jornalística, no experimentalismo, na qualidade, e na relação do jornal com a sociedade em que está inserido.

Entre caminhos, olhares e memórias de Mariana

(Trecho retirado do trabalho de conclusão de curso “Vaga-lumes, Rabiscos e o escudo: uma análise da pixação através do documentário O PIXO“, realizado com Thamira Bastos.)

Arthur Medrado Jornalista

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Dreisse Drielle Por entre as ladeiras vão as pessoas, vem a memória. Por trás de cada igreja, vai a fé e vem o sentimento de devoção maior. Por cima das montanhas vão os ventos, soprando lembranças a cada esquina deste lugar. E por onde o passado e o presente andam, formando uma perfeita sinfonia, o futuro chega, transformando lembrança em cultura. Em cada verso de poesia que Mariana forma naturalmente, ouvem-se os sinos, os pássaros e a arte, correndo ladeiras afora feito crianças desesperadas, invadindo casas e acalmando as emoções. A cada novo sorriso, a cada voz, a cada vento, a cada toque, a cada momento, ouvemse os estalos das lembranças e as bandas passando – tocando coisas de amor.

As pedras, todas que tanto sabem desse lugar, e por entre os casarões, velhos conhecidos de antigas referências da cidade, exalam perfumes embaralhados e espalham a paz. Paz que só uma bela cidade construída em anos de tradição, que pouco a pouco se mistura com a contemporaneidade, é capaz de oferecer. Paz que a gente só encontra aqui. Em Mariana. Conhecendo as igrejas e vilas, lapidando a alma e a fé, descobrindo tesouros e minas, subindo e descendo os caminhos, ouvindo as canções e apreciando a arte que só essa cidade tem. Apreciando as risadas em um só coro de felicidade capaz de amolecer o mais duro sentimento presente. E por todo caminho que se percorre em Mariana temse a história. Fica o coração.

Jornal Laboratório produzido pelos alunos do curso de Jornalismo – Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA)/ Universidade Federal de Ouro Preto – Reitor: Prof. Dr. Marcone Jamilson Freitas Souza. Diretor do ICSA: Prof. Dr. José Artur dos Santos Ferreira. Chefe de departamento: Prof. Dr. JB Donadon Leal. Presidente do Colegiado de Jornalismo: Profa. Dra. Denise Figueiredo Barros do Prado. – Professoras responsáveis: Karina Gomes Barbosa (Reportagem), Ana Carolina Lima Santos (Fotografia) e Priscila Borges (Planejamento Visual) – Editora Chefe: Giovanna De Guzzi - Secretária de Redação: Dreisse Drielle - Editora de Arte: Silmara Filgueiras - Editora de Fotografia: Aline Nogueira - Editoras Multimídia: Ana Clara Fonseca e Luíza Mascari - Reportagem: Carol Antunes, Eliene Santos, Elis Regina Santana, Endrica Fernandes, Fernanda Mafia, Gabriella Pinheiro, Geovani Fernandes, Jaqueline Mandarino, Lucimara Leandro, Maria Augusta Tavares, Marília Mesquita, Núbia Azevedo, Raquel Lima, Stênio Henrique Lima e Victor Hugo - Fotografia: Danielle Campez, Eduardo Moreira, Fernando Ciríaco, Hugo Coelho, Júlia Mara Cunha, Mateus Meireles e Paloma Ávila - Diagramação: Daiane Bento, Natane Generoso, Pedro Mendonça, Renatta de Castro e Rodolfo Dias - Revisão: Júlia Pinheiro e Matheus Maritan - Monitoria: Pedro Carvalho - Colaboradores: Arthur Medrado e Lorenzo Henriques . Tiragem: 3.000 exemplares. Endereço: Rua do Catete, n° 166, Centro. Mariana - MG. CEP 35420-000

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Educação Mateus Meireles

A falta de espaço adequado para a prática de esportes faz com que os estudantes da Escola Estadual Coronel Benjamim, no distrito de Passagem de Mariana, façam educação física no meio da rua

Ensino integral: na trave

Colégios de Mariana enfrentam dificuldades com repasses de programa do Governo Federal, mas o Ideb melhora Gabriella Pinheiro Mariana tem 33 escolas. Dessas, 17 municipais e sete estaduais já aderiram ao Programa Mais Educação, que estabelece o tempo integral nas escolas. O projeto visa aumentar o tempo diário dos alunos em sala de aula oferecendo outras atividades, como oficina de artesanato, dança, esporte, estudos orientados, educação patrimonial, informática, lazer e teatro. Para que o programa seja realizado de acordo com a

proposta do Ministério da Educação (MEC), as escolas devem oferecer infraestrutura, material básico, professores e monitores capacitados, refeição adequada, entre outros. Porém, essa não é a realidade das escolas de Mariana. Na maioria das vezes a verba destinada para essas despesas demora a ser repassada. Em visita a duas escolas, uma municipal e outra estadual, a infraestrutura foi um dos itens mais reivindicados pelas diretoras. Um exemplo é

a Escola Municipal de Passagem de Mariana, que oferece o tempo integral para os alunos do ensino fundamental em um anexo da instituição, alugado. Devido à distância o trajeto é feito de ônibus escolar, acompanhado de monitores. Itens básicos como cola e tesoura são alguns dos materiais que também fazem falta. O espaço tem duas salas de estudos orientados, sala de reforço, de teatro, de música e de educação patrimonial. As atividades de lazer são realizadas em meio ao mato e à terra. No período da tarde o anexo recebe no mínimo 80 alunos. Já a Escola Estadual Coronel Benjamin Guimarães oferece o programa de tempo integral no período da manhã, para as turmas do 6º, 7º, 8º e 9º anos. A escola não tem espaço suficiente para realizar algumas atividades, como a aula de educação física, que é feita na rua. “Em alguns momentos são os professores que tiram o dinheiro do bolso para comprar o material a ser utilizado com os alunos”, relata a professora de projetos, Celmara Martins dos Santos Mendes.A escola também não possui local adequado

para os alunos fazerem a merenda. Eles comem dentro da sala ou espalhados pelo pátio. Biblioteca e laboratório de informática são alguns dos locais que também precisam de mais investimentos. A escola também não possui local adequado para os alunos fazerem a merenda. Eles comem dentro da sala ou espalhados pelo pátio.” De acordo com a Secretaria de Educação de Mariana o repasse de verba para as Escolas Municipais e Estaduais é diferenciado. As escolas municipais devem fazer a solicitação do que precisam, encaminhá-la para a secretaria e a partir dai é feita a licitação dos materiais. Escolas estaduais têm um valor fixo para cada aluno. Para a alimentação é destinado R$1,10 por aluno durante 200 dias letivos; para material de limpeza, gás de cozinha e pequenos reparos são repassados R$50 por aluno. Aquisição de materiais pedagógicos, esportivos e serviços como transporte para atividades externas podem va-

riar de valor de acordo com o número de alunos e da atividade desenvolvida. Os recursos do Mais Educação são repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Mesmo com as dificuldades, os professores perceberam melhora no desempenho dos alunos do tempo integral. Exemplo disso é a nota do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb),

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interesse dos alunos é um deles, mas não o único. Infraestrutura, questões econômicas e sociais, professores mal remunerados e despreparados colaboram para a saída de jovens das escolas. O coordenador pedagógico da Escola Estadual Dom Silvério, Fernando Pereira de Freitas, identificou alguns fatores responsáveis pela evasão. Um deles é o horário. O matutino tem duas turmas de 1os anos dedicadas a alunos de distritos. E o horário noturno possui apenas 2os e 3os anos (menores de 16 anos não podem estudar à noite). O número de desistências é maior entre os alunos de distritos e os do período noturno. “Muitos já chegam aqui pela manhã exaustos, alguns ordenham vacas, ajudam nos

trabalhos da casa. Já à noite, os alunos estão cansados porque trabalharam o dia todo. Outros desistem pois já foram reprovados antes”, explica. Um fator que também contribui para essa situação está ligado à cultura das famílias dos estudantes. “Muitos pais acham desnecessário os filhos virem para escola com 15, 16 anos, com essa idade eles já trabalham e ajudam a família.” João Pedro Soares e Franciellen Vieira contribuem para as estatísticas. Ele abandonou os estudos para trabalhar, ela ficou desmotivada após reprovações consecutivas. Ambos se arrependem. Franciellen, 24, parou de estudar na 7ª série. “Nem cheguei a terminar. Depois que tomei bomba três vezes direto desisti de

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Municipal x estadual Oferecido em mais da metade das escolas da cidade, o programa Mais Educação apresenta diferenças entre as escolas municipais e estaduais. As municipais realizam as atividades do tempo integral em anexos. Nelas, o integral é mais voltado para a área artística. Nas estaduais o tempo integral é oferecido dentro da própria escola e é mais voltado para o reforço de matérias, como português e matemática. Outra diferença é a presença de monitores nas escolas municipais, que ajudam a cuidar dos alunos durante o tempo integral. Já nas estadu-

O desafio é ficar na escola Lucimara Leandro Meia dúzia de alunos senta ao fundo da sala e aproveita para cochilar durante a aula. Parte da turma troca mensagens no celular. Um burburinho constante não permite ouvir direito o que o professor diz. Alguns se esforçam para manter a concentração. A realidade das escolas públicas de Mariana é parecida com essa. Dados obtidos pelo LAMPIÃO mostram índices elevados de evasão em três escolas públicas de ensino médio local. Em 2013 na Escola Estadual Dom Benevides, 28% dos estudantes largaram os estudos. É o maior percentual da cidade; nos outros colégios, é maior que 10%. Vários fatores contribuem para esses índices. A falta de

que mede em uma escala de 0 a 10 como anda a educação nas escolas do país. Na Escola Estadual Coronel Benjamim Guimarães a nota subiu de 3.8 (2012) para 4.8 (2013). Já a Escola Municipal de Passagem de Mariana atingiu nota 6 (2013), o melhor Ideb da cidade.

ais são contratados professores para lecionar as atividades. Para a monitora da Escola Estadual Dom Luciano Rubia Cristina da Silva, mãe de Rafael Silva de Freitas, o tempo integral veio para dar tranquilidade às mães que trabalham fora o dia inteiro Já a dona de casa Roseli Aparecida Nascimento resolveu tirar o filho, Marco Júlio, porque ele estava passando mal devido ao tempo extenso na escola. Os alunos não são obrigados a participarem do integral. São cadastrados pelos pais na hora da rematrícula.

Mateus Meireles

Alunos do Dom Benevides, colégio com alta taxa de evasão, saem pelos portões e não voltam mais

tentar”, comenta. Durante o ensino fundamental a menina já havia sido reprovada na 4ª e 5ª séries, com mais três na 7ª, totalizando cinco reprovações. A diferença de idade gerava constrangimento: “Todo mundo sabia que eu tinha repetido de novo. Quando eu ainda estava na 7ª série alguns colegas já tinham formado o ensino médio. Me arrependo de não ter continuado. Não

consegui emprego bom e agora penso como vou cobrar o estudo dos meus filhos”, comenta. João Pedro, 19, largou a escola para ajudar na renda familiar. “Fiz o que tinha de fazer. Parei no 1º ano, mas ao menos tinha motivo.” Qualidade O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do Brasil para o ensi-

no médio permaneceu em 3,7 pontos, bem abaixo da meta. Mariana registrou em 2012 o pior Ideb da região. Para a professora aposentada Rosa Maria Silveira os novos métodos de avaliação adotados pelo governo contribuem para esse desgaste educacional. “O erro foi acabar com a reprovação, esse modelo de avaliação seriada matou o ensino no país.”, pontua.

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Outubro de 2014 Arte: Rodolfo Dias

SERVIÇOS

Correios:

Danielle campez

erros geram indignação Consumidores relatam falhas em serviços de entrega Maria Augusta Tavares Atraso nas entregas, desvio de correspondências, falta de comunicação do carteiro e uso incorreto da caixa de correio. As constantes falhas nos serviços dos Correios de Mariana revoltam o consumidor. Esses são motivos de reclamações comuns, mas não os únicos. O LAMPIÃO foi a três ruas da cidade para averiguar reclamações informais. Em todas foi constatada a reprovação nos serviços. A espera por uma carta pode se tornar um estresse. Isso aconteceu com a estudante Jéssica Corona, 22 anos. Ela mora na Avenida Nossa Senhora do Carmo e recebeu sua encomenda, que tinha prazo de três dias de chegada, após duas semanas. “Ele não deixou o papelzinho para avisar que passou na minha casa. Por não haver interfone, eu não sabia que ele esteve por lá.” O Termo e Condições de Prestação de Serviço - Prático, Acessível e Confiável (PAC), um dos serviços de encomenda dos Correios, decreta que serão efetuadas três tentativas de entrega em dias úteis no endereço do destinatário. A cada tentativa, o carteiro tem que deixar um alerta de que fará nova visita no próximo dia útil. A entrega incorreta dos Correios também é assunto mensal da população na Rua Antônio Olinto. Morado-

res têm que organizar e distribuir as correspondências que chegam nas casas. “O Correio empregou a gente, só não paga salário. Todo mês chegam 40 faturas de pessoas diferentes e a gente tem que sair para redistribuir,” afirma o estudante Felipe Passos Macedo, 20 anos. Na Rua 1° de Maio, moradores já desistiram de pedir mais atenção nas entregas. Uma moradora disse que o carteiro pediu para colocar a caixa de correio na casa. Ela colocou, mas as cartas não são deixadas lá dentro. São depositadas no vizinho, no chão, mas nunca no lugar correto. Outro morador conta que suas encomendas e documentos também são sempre repassadas ao vizinho. E quando ele reclamou, o carteiro disse que ele não tem endereço. O LAMPIÃO conversou com um carteiro para entender essas frequentes falhas. Ele confirmou muitas das queixas e apontou a pressa junto ao excesso de entregas como justificativa. “Muitas vezes a caixinha está com defeito, é mais rápido deixar no chão. Quando está chovendo, a gente coloca (na caixa), sim. É a pressa, não permite que eu entregue as cartas”, relatou o funcionário que pediu sigilo. Moradores se queixam, mas não sabem a quem recorrer. O LAMPIÃO mencionou o serviço de Ouvidoria dos

Correios e a maioria dos entrevistados manifestou desconhecimento. O Procon da cidade informou que as reclamações sobre a empresa são encaminhadas à Ouvidoria, já que os Correios são uma estatal federal, ou seja, fora da competência municipal. No site Reclame Aqui, há mais de 40 mil reclamações contra os Correios. Nenhuma foi respondida. De acordo com a Assessoria de Comunicação dos Correios de Mariana, não foram detectadas queixas de entrega nos referidos endereços recentemente. “Em caso de queixa atual, solicitamos nos contatar pela Central de Atendimento ao Cliente.” A empresa também declarou que os canais de atendimento são divulgados no site da empresa, em cartazes nas agências e peças publicitárias. A empresa em Mariana tem oito funcionários no setor de atendimento (um encontra-se afastado) e 14 no setor de distribuição. Na cidade são realizadas pela empresa distribuição de correspondências, telegramas e encomendas. Por ano são entregues em Mariana 2,5 milhões de correspondências e 230 mil objetos qualificados que requerem assinaturas. A assessoria não informou o número de correspondências extraviadas ou danificadas solicitado pelo jornal LAMPIÃO.

Precariedade das caixas de correio é uma das justificativas dos carteiros para descaso nas entregas

Direitos de quem é prejudicado No artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor- Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 consta que os órgãos público ou suas empresas são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes e seguros. Nos casos de descumprimento das obrigações, são responsáveis por recompensar o consumidor. Assim, quando a pessoa envia uma carta, contrata os serviços da empresa. Se a carta é violada ou extraviada, os Correios têm que indenizar o remetente ou destinatário pelos danos. De acordo com o advogado Marcelo Queiroz, o pri-

meiro passo para o consumidor prejudicado é entrar em contato com a Ouvidoria dos Correios. Caso não haja resposta ou isso não solucionar o problema, o cliente deve recorrer ao Juizado Especial Cível (JEC). Essa área é a parte do Poder Judiciário que julga ações em que o valor envolvido é de até 40 salários mínimos. Não é necessário o auxílio de um advogado. No juizado acontece a audiência de conciliação. O consumidor faz sua reclamação e os Correios serão intimados a comparecer. A empresa vai explicar o motivo porque

a correspondência foi violada, chegou atrasada ou foi extraviada. Se for comprovado o erro dos Correios, a pessoa será indenizada. A audiência de conciliação resolve de forma ágil o impasse entre as partes, dando um fim breve ao processo. A Ouvidoria é um canal recursal de atendimento que é acionada nos casos em que o cliente não é atendido satisfatoriamente no 0800, agências ou pela internet no Fale Conosco. Assim, antes de acionar a Ouvidoria o consumidor deve procurar o atendimento nos canais de primeiro nível.

POLÍTICA

Há pouco espaço para elas Danielle campez

Victor Hugo Martins Daniely Cristina de Souza Alves, 37 anos, é a única mulher vereadora de Mariana. Conforme conta, sua trajetória política começou antes da Câmara Municipal. “Desde muito cedo estive envolvida em projetos sociais. O ingresso na área política foi apenas uma consequência natural das minhas ações do cotidiano.” Casada com José Antunes Vieira, conhecido como Zezinho de Salete, ela afirma ter adquirido mais experiência no período em que o marido foi vereador e vice-prefeito. “Lanço mão de muito do que aprendi com ele, para exercer meu papel como vereadora de Mariana, mas nunca abrindo mão de minha autonomia para tomar minhas decisões.” No mandato, conta que a procura da população no gabinete é tanto das mulheres quanto dos homens. “A igualdade de direitos hoje democratizou essa procura”, diz. Pautas relacionadas à mulher acabam também chegando em suas mãos, e ela afirma: “Como mulher, não posso deixar de lutar pra mudar o que precisa ser mudado”. Daniely con-

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10% do total de representantes eleitos no congresso”, lamenta.

Única mulher na Câmara Municipal de Mariana, vereadora Daniely Cristina se inspira na atuação do marido

correu ao mandato em 2012 com mais 154 candidatos. Um terço eram mulheres. Para a cientista política Andrea Azevedo, este baixo número de mulheres em cargos políticos tem explicação: “O que acontece, muitas vezes, é que o número de mulheres candidatas não representa, de fato, candidaturas competitivas. Um fe-

nômeno muito comum, hoje, entre os partidos, é a inscrição de mulheres apenas buscando atingir a cota eleitoral (30%), já que nos últimos anos a Justiça Eleitoral tem buscado reforçar o cumprimento dessa demanda. As mulheres são incluídas nas listas, mas não há nenhum gasto dos partidos nessas candidatas ou suas votações são mínimas, fruto da

falta de divulgação e de vontade política”, afirma. Ela diz ainda que é difícil atribuir até mesmo algum impacto da eleição de Dilma Rousseff em 2010 ao perfil das candidaturas. “Mais interessante será analisar dados posteriores, ou seja, quantas mulheres serão efetivamente eleitas, já que esse percentual não passa de pouco mais de

Pioneiras Odete Alves do Espírito Santo foi uma das duas primeiras mulheres eleitas a um cargo político em Mariana, quando foi vereadora e também presidente da Câmara entre 1971 e 1972. A outra eleita foi Cecília de Jesus Marques. Na época, a cidade tratou o caso mais como novidade que com desconfiança, segundo a professora Hebe Rôla: “Foi uma inovação na época, sem dúvida, mas não houve rejeição, principalmente porque ela teve apoio de padrinhos eleitorais. Seu pai, Dr. Otávio, foi um grande político na cidade, e seu grupo ajudou na eleição”, conta. Frederico Ozanan, da Academia Marianense de Letras, no entanto, reitera que Odete não tinha militância política, o que pode ter colaborado para uma atuação discreta. A partir daí houve um período longo sem a presença de nenhuma vereadora, até as eleições de Petronilha Viana Cardoso e Maria Aparecida Barbosa Silva, em 2001.

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cidadania

Mariana sem identidade Cidade está sem emitir RGs desde março. Ausência do serviço causa congestionamento do serviço em Ouro Preto Geovani Fernandes O Registro Geral, mais conhecido como RG ou carteira de identidade, é o documento básico de identificação civil que reconhece todo cidadão brasileiro, natural ou naturalizado, e é emitido pela Secretaria de Segurança Pública de cada estado. Por isso, o cidadão deve sempre procurar a unidade da SSP mais próxima. Mas em Mariana não acontece assim. Desde março deste ano, o Centro de Atendimento ao Cidadão (CAC), responsável pelo serviço, não emite as carteiras. O serviço antes era feito na antiga matriz do CAC, localizada na Câmara Municipal. A nova sede entrou em atividade no dia 13 de dezembro do ano passado, na Rua Josafá Macedo, 56-A, no Centro. O serviço funcionou normalmente no início, mas parou nos primeiros meses de 2014. Por telefone, o centro informou que o motivo da suspensão foi a mudança do sistema eletrônico de emissão do documento. A responsável pelo software, segundo o CAC, é a Polícia Civil de Minas Gerais, que ainda não enviou uma nova previsão para a retomada do serviço. Até o fechamento desta edição do LAMPIÃO, o delegado Paulo Saback, responsável pela delegacia em Mariana, não atendeu a reportagem. Também não obtivemos resposta da Polícia Civil. Os moradores de Mariana reclamam por serem orientados, no CAC, a procurar a Câmara de Ouro Preto, cidade mais próxima para a emis-

são da carteira. No dia 4 de setembro uma moradora de Mariana postou no Facebook da prefeitura: “Prezado Prefeito, até quando vamos ficar à espera de alguém para emitir nosso RG? Até nisso vamos depender de outra cidade?”. A reclamação não está mais acessível na página. Para Luciano Cipriano, Mesmo perto fica complicado por causa do transporte. Se fosse na cidade até dava pra ir, mas as ladeiras de Ouro Preto dificultam muito. Tenho um amigo que foi lá cedo, demorou pra ser atendido e teve que voltar no dia seguinte.” Luciano Cipriano, cadeirante

morador de Mariana há dez anos e cadeirante, ir a Ouro Preto é uma grande dificuldade, pois necessita de um transporte especial para leválo: “Mesmo perto fica complicado por causa do transporte. Se fosse na cidade até dava pra ir, mas as ladeiras de Ouro Preto dificultam muito. Tenho um amigo que foi lá cedo, demorou pra ser atendido e teve que voltar no dia seguinte.” Em visita aos CACs das duas cidades, o LAMPIÃO constatou que em Mariana não há acesso para cadeirantes, apenas escadas, e em Ouro Preto falta rampa na calçada. Dificuldades A falta da emissão de RG também dificulta a retirada de outros documentos necessários para os marianen-

ses, como o passe intermunicipal (Sindpasse), que oferece gratuidade nas viagens fora do município para idosos e pessoas com necessidades especiais. Uma das exigências para adquirir o documento é que a carteira de identidade tenha no máximo dez anos de emissão. O passe é feito pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Cidadania e pelos Correios. Outro problema da falta de emissão do RG é o congestionamento que acaba ocorrendo na cidade vizinha. O CAC de Ouro Preto emite apenas 52 documentos por dia, por meio de agendamento, e conta atualmente com três pessoas que fazem o serviço. Depois de agendado o atendimento, a carteira sai na hora. Há reclamações sobre marcação por telefone, mas a identificadora Solange Rodrigues explica que devido ao pequeno número de carteiras emitidas diariamente o atendimento acaba logo cedo: “Antes o CAC emitia apenas 20 carteiras com distribuição de senhas, mas as pessoas que chegavam cedo começaram a vender as senhas para quem chegava depois. Por isso optamos pelo agendamento que começa às 8h, mas devido à alta procura, antes das 10h já está encerrado”. A coordenadora do CAC de Ouro Preto, Lussandra Barbosa, diz que já há mais pessoas indicadas para o cargo, mas a liberação depende de curso oferecido pelo Estado. Ela ainda pede compreensão dos usuários, pois o objetivo é atender a todos.

Como tirar seu RG Local Centro de Atendimento ao Cidadão (CAC)

Telefone para Agendamento

Horário de Atendimento

0800-285-1110 ou (31) 3551-5700

Das 8h às 16h30

Praça Tiradentes, nº 41, Centro de Ouro Preto

A partir das 8h

O que levar Comprovante de endereço, duas fotos 3x4 recentes Custo Primeira via: gratuita Segunda via: R$ 26,38

Solteiros: Certidão de nascimento Casados: Certidão de casamento original Divorciados: Certidão de casamento com averbação original

Quanto tempo Ao comparecer no dia marcado, a carteira fica pronta na hora

Projeto viabiliza inclusão No ano passado, a organização não-governamental Comunidade da Figueira junto com o projeto Contatos Mistos, desenvolvido pelo professor Ubiratan Vieira e pela professora Mônica Rahme, ambos da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), organizou a Gincana Contatos Mistos: Direitos Humanos e Cidadania, em prol da acessibilidade e inclusão. Um dos objetivos do evento foi a re-

tirada de documentos, como identidade e CPF. O projeto buscava a luta por acessibilidade e a inclusão de pessoas com deficiência na região. A secretária da Associação Marianense de Acessibilidade (AMAC), Adriana Lage, que também participou da gincana, disse que na época, apenas no cartório eleitoral foi respeitado o atendimento preferencial e não houve dificuldade na retirada dos documentos.

Para Adriana, pessoas com necessidades especiais têm muita dificuldade em ir a Ouro Preto para retirar o RG: “Muitos idosos me procuram para perguntar informações de documentos e também da identidade. Para quem é jovem é fácil ir a Ouro Preto, mas para um idoso ou cadeirante é mais complicado se locomover daqui para lá”. Os ônibus que fazem a viagem não têm acesso adequado para cadeirantes.

Mágica no combate às drogas Hugo coelho

Mágico Silas aborda consumo de álcool com o truque da multiplicação

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Elis Regina Santana A luta contra as drogas é um desafio para a sociedade e em Mariana não é diferente. Esse combate vem ganhando força na cidade com programas que desenvolvem atividades de educação, conscientização e tratamento. Entre eles estão o Programa de Educação e Resistência às Drogas (Proerd), do Governo do Estado, desenvolvido pela Polícia Militar, e o Rede pela Vida, criado a partir da Lei nº 2.746 de 20 de agosto de 2013, que dispõe sobre a Política Pública Municipal de Enfrentamento à Questão das Drogas. A iniciativa apresenta à sociedade marianense uma possibilidade de se livrar do problema, com a participação das secretarias de Saúde, Educação, Esporte, Defesa Social e Desenvolvimento Social e Cidadania. Parte do programa Rede pela Vida, o projeto A magia da conscientização tem destaque especial. Com o objetivo de conscientizar as crianças a respeito do uso de drogas e com metodologia lúdica e criativa, o mágico Silas Henrique Cardoso e Silva, 26 anos, realiza, desde setembro, shows temáticos. Formado em Educação Física pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e em magia pelo Centro Cultural de Arte Mágica (Cecam), de Belo Horizonte, e atuando como professor desde a metade de 2009, o mágico diz que todas as propostas dos shows são elaboradas le-

vando em consideração a faixa etária das crianças. Para isso, ele conta com o apoio de uma pedagoga assistente. Juntos, selecionam histórias na grande maioria reais, situações, materiais e metodologias que atendam ao nível de percepção das crianças e aos objetivos do projeto. A mágica é encantadora. Pensando que essa qualidade seria o diferencial para a conscientização Silas a propôs ao programa, já que é um processo bem parecido com o da educação. Segundo ele, assim como a aprendizagem, a conscientização é consolidada de maneira diferente para cada indivíduo e a cada show, há um tema e uma magia específicos. A proposta de Silas é, com histórias reais e magia, mostrar o que as drogas fazem com as famílias e com as pessoas que fazem uso delas. Procura mostrar também as possibilidades que as pessoas têm de reconstruir tudo, inclusive a família. Para ele, “a história atinge a criança de forma diferente, vai ao imaginário. É lúdico, faz com que se concentrem mais”. Assim, a ideia que se pretende passar se consolida melhor. Ao final do show o mágico propõe que as crianças sejam as multiplicadoras da conscientização, levando às famílias e aos amigos a ideia de ser consciente e fugir das drogas. O projeto começou em 5 de setembro, com a primeira apresentação na Escola Municipal Barro Branco, em Padre Viegas. Ainda es-

tão previstos 14 shows, mas não há agenda fechada. Apesar de estarem direcionados às crianças os shows são abertos às famílias. O coordenador do programa Rede pela Vida, Gilmar Inácio Pereira do Carmo, 35, informou que o primeiro show do mágico Silas foi um teste para ver a aceitação do público. Segundo ele, alguns contratos ainda precisam ser assinados para finalizar a estrutura do programa e organizar as datas.

Educação e Resistência O Programa de Educação e Resistência às Drogas (Proerd) foi implantado em Mariana em 2013. Com uma equipe composta por três instrutores, cabo Alexandre Gomes da Silva e os soldados Josimar Júnior Costa e Carlos Henrique Pereira da Silva, o programa atende a cinco escolas podendo chegar a 12 no próximo ano. Foram certificados 2 mil alunos dos 5° e 7° anos. Ministrando palestras em escolas, os soldados educadores abordam temas como violência, bullying e prevenção ao uso indevido de drogas.

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Outubro de 2014 Arte: Daiane Bento

ESPECIAL

Equipamentos de Proteção Individual (EPIs)

IlustraCões: Lorenzo Henriques

VIDA

na mineraçã

Proteção para Cabeça - capacete de segurança

Proteção para o Cabelo - capuz

Proteção para a Visão - protetor ocular

Proteção para a Face e Pescoço máscara para soldador

Proteção para o Tronco - jaqueta

Os riscos d

Marília Mesquita Stênio Lima Mina do Germano. Mina Timbopeba, Mina de Fábrica Nova, Mina de Alegria, Mina Fazendão São Luis. Cinco minas compõem o Complexo Mariana. São aproximadamente 140 mil hectares de terreno, o que equivale a 3.384 campos de futebol de subsolo recheado de minério. Cerca de 10,5 mil funcionários tomam os ônibus, alternam turnos, ocupam escritórios, pilotam escavadeiras, extraem e pelotizam minério, limpam e vigiam espaços para que a Samarco Mineração S/A e a Vale S/A possam produzir. São homens e mulheres sujeitos à insegurança de trabalhar em uma mina. Para extrair minério do solo, é necessária a utilização de equipamentos móveis de grande porte, a incidência de ruídos é alta e os riscos de queda de rochas e deslizamentos são constantes. “O risco de acidente é de quase 100%”, conta um funcionário que prefere não se identificar. O Relatório de Sustentabilidade da Samarco, referente a 2013, indica a ocorrência de 49 acidentes em Germano, além de 5.535 quase acidentes e 19.202 condições inseguras. Já a Vale, em relatório equivalente, apresenta ocorrências gerais dos países em que atua. Foram sete mortes, seis no Brasil. O Ministério do Trabalho e Emprego classifica a mineração como o segundo setor da economia em taxa de mortalidade por acidentes de trabalho e o quarto com mais acidentes de trabalho no país. A mineração é considerada arriscada em todos os dados levantados sobre a saúde e a segurança do trabalhador. “Existe muita pressão em cima da produção. A cobrança da segurança é só pra inglês ver. Quando aperta mesmo, a produção vem em primeiro lugar”, revela uma funcionária que, com medo, também não quis se identificar. “A segurança é usada como marketing”, completa. A Vale, no relatório já citado, “reconhece que tem um longo caminho a percorrer para chegar ao dano zero”, o que significa um gerenciamento de risco para que também não ocorram lesões ou doenças aos empregados. Até o fechamento desta edição, a assessoria de comunicação da empresa não esclareceu as questões do LAMPIÃO sobre as falhas. A Samarco, através da assessoria de comunicação, afirma ter implantado um trabalho há cinco anos para analisar os postos de trabalho e atividades das diversas áreas, além de mapear potenciais riscos à segurança dos trabalhadores. Tensão Cortes, lesões, contusões, perda da visão e audição, problemas respiratórios e dores lombares. Essas são algumas das consequências físicas a que os mineiros – trabalhadores de turno – estão vulneráveis devido à má iluminação, ao pó de minério, à ventilação deficiente, a atividades repetitivas e à negligência com os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Os danos à saúde física são nítidos. Estão em laudos, ocorrências, pesquisas e no corpo de quem sofreu um acidente. Não menos importante, mas muitas vezes invisível, a saúde mental do trabalhador também é um problema decorrente da atividade mineradora. As-

Proteção para os Membros Inferiores calçado com biqueira de aço

sédio moral, metas de produção e exposição contínua a riscos são gatilhos para a depressão, consumo excessivo de álcool e uso de drogas ilegais pelos mineiros. Uma fonte do LAMPIÃO diz que “a mineração mata, mutila e enlouquece”. A mineração não é só um trabalho desgastante, é viver em estado de tensão permanente. A qualquer segundo, um desastre pode ocorrer, como o de um operador de máquina fora de estrada que esmagou um carro com dois colegas de trabalho e não percebeu. “Depois de alguns meses trabalhando nesse grau de tensão, pessoas mais frágeis, mais sensíveis, podem desenvolver problemas psiquiátricos, além de estarem sujeitas ao consumo de drogas legais e ilegais.” Outra fonte revela as sequelas crueis do trabalho. “Hoje durmo cerca de duas, três horas de relógio por noite. Não durmo mais do que isso.” Para a psiquiatra Lais Mendes, esse é um dos danos consequentes da mineração: “O diferencial da mineração são os turnos, que trazem a longo prazo o transtorno no sono e pode desenvolver a depressão”. As mineradoras apresentam visões diferentes de quem vive o trabalho diário na mineração. A Vale informa que “a vida é mais importante do que a produção”. Por isso, sustenta que investe “em políticas e procedimentos elaborados para minimizar riscos e proteger vidas”. A Samarco também pontua a valorização da vida frente à produção. “Todas as nossas ações nos eixos de saúde ocupacional e segurança do trabalho são guiadas por nosso valor Respeito às pessoas, dentro e fora das operações da Empresa”. Segurança Para a proteção e a segurança dos trabalhadores, desde 2011, as empresas que ofertam atividades de risco aos funcionários têm o compromisso com a lei, garantia da Norma Regulamentadora 6 (NR6), de disponibilizar gratuitamente EPIs. A fiscalização dos equipamentos é de responsabilidade interna e externa. Fora das empresas, o Ministério Público do Trabalho garante a forma da lei. “Seguindo a NR22, os auditores fiscais vão até as minas e verificam se estão sendo cumpridas as exigências mínimas”, explica a procuradora do Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais, Elaine Nassif. Dentro das empresas deve haver um técnico de segurança responsável para cada grupo de 50 funcionários. Porém, a técnica em segurança diz que isso não acontece. “Geralmente os técnicos ficam no escritório. Já vi várias vezes chegar alguém pra descarregar um caminhão, pra fazer alguma coisa na pressa, e não tem ninguém fiscalizando.”

Proteção para os Membros Superiores - luvas e mangas

Proteção para Audição - protetor tipo concha

Proteção Respiratória aparelho purificador

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Outubro de 2014 Arte: Daiane Bento

s da

A

ção

No processo de adaptação à nova conduta, houve resistência tanto dos trabalhadores quanto das empresas. Hoje o problema é a negligência. “Há uma desatenção em relação à segurança. Às vezes o funcionário precisa executar uma atividade, talvez uma solda em uma tubulação... Não tem como parar a usina, então pode acontecer de a empresa solicitar esse trabalho e pressionar o trabalhador a ir lá e executar”, denuncia a funcionária. Medo A Norma Regulamentadora 9 (NR9) garante ao trabalhador o direito de se recusar a realizar atividades em caso de situação de risco grave e iminente. “Considera-se grave e iminente risco toda condição ou situação de trabalho que possa causar acidente ou doença relacionada ao trabalho com lesão grave à integridade física do trabalhador”, garante a normativa. Porém, a realidade do trabalhador é outra: o medo de usufruir desse direito. “Ainda existe o paradigma dos trabalhadores quanto ao direito de recusa. Mais por parte dos trabalhadores do que por parte das empresas. Às vezes eles pensam que usando o direito de recusa serão mandados embora”, revela a funcionária. Com empresas que faturaram R$26 bilhões em 2013, valor incalculável para cidadãos que se baseiam no salário mínimo de R$724, não poderia ser diferente a dificuldade para encontrarmos dados. O medo ronda os trabalhadores, que só contam como é, de verdade, trabalhar em uma mina, sob a proteção constitucional do sigilo da fonte. A caixa-preta da mineração se estende até mesmo a dados oficiais, que deveriam ser transparentes. O Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais ou o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) não disponibilizam informações relevantes sobre relatórios de fiscalização, regulamentação de irregularidades, planos de carreira ou benefícios de trabalho. O sistema operacional do hospital da cidade não possui a descrição da origem dos acidentes dos pacientes. A ausência dessas informações inviabiliza o confronto das estatísticas divulgadas pelas mineradoras. A Prefeitura Municipal de Mariana também não possui pesquisas oficiais sobre os efeitos da mineração como geradora de empregos.

Proteção para o Corpo Inteiro - macacão

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A quem recorrer? No último ano, o Sindicato Metabase Mariana recebeu 160 denúncias, a maioria delas referente ao assédio sofrido por funcionários nas minas. Para o sindicato, “o assédio moral pode interferir na vida do trabalhador já que o medo pode gerar problemas de saúde mental”. O combate a essas denúncias é feito por notificações às empresas para que as medidas necessárias sejam tomadas. O Metabase Mariana, hoje com mil filiados, faz a intermediação entre empregadores e empregados das unidades de Mina do Germano, Mina de Fábrica Nova, Mina de Alegria e Mina Fazendão São Luis. Os trabalhadores da Mina Timbopeba são representados pelo Sindicato Metabase Inconfidentes, mas

até o encerramento desta edição, o sindicato não informou os dados ao LAMPIÃO. O sindicato é a entidade que representa os trabalhadores e busca defender os direitos trabalhistas. Horas extras, adicionais, FGTS, décimo terceiro, férias, redução da jornada de trabalho sem redução do salário. Esses direitos são resguardados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e, assim, cabe ao sindicato garantir que o direito do trabalhador seja respeitado. “Lutamos contra as terceirizações, os ataques dos empresários contra os direitos dos trabalhadores. Defendemos melhorias de saúde e segurança dentro das empresas com atuação dos membros da Comissão Interna de Preven-

ção de Acidentes (Cipa) e do Delegado Sindical no local de trabalho. Nosso objetivo é zero acidente, resguardando assim que todos os trabalhadores retornem para casa íntegros após o dia de trabalho”, informa o Metabase Mariana.

Fale com os sindicatos: - Sindicato Metabase Mariana - (31) 3557-2019 - Rua Bom Jesus - 314 - Centro, Marianametabasesindicatomariana@yahoo. com.br - http://www.metabasemariana.com.br/ Sindicado Metabase Inconfidentes - (31) 3557-1381 -Rua M, 186 - Jardim dos Inconfidentes - http://www.metabaseinconfidentes.org.br/

Marcas no corpo Ele é um em meio a tantos outros. Mais um par de mãos que sustenta a família e rege ambições. O peso das palavras que usa e a inquietação no olhar são também cicatrizes do acidente que sofreu. “Estive no fundo do poço e voltei”. Contamos uma história sobre o viver, sobre a importância do dizer, sobre a sutileza do escutar. Em uma mina, onde qualquer imprevisto pode terminar em morte e a utilização de equipamentos de proteção é necessária, ele é enfático: “Eu brigava muito por segurança”. E é pela segurança dele hoje que nós também não o identificamos nem damos detalhes de sua vida ou especificidades de seu trabalho. “Vocês não vão expor meu nome, nem nada, né?!”. A história é dele, mas se parece com a de muitos Joões e a de algumas Marias. “‘N’ coisas aconteceram comigo, o psicólogo conseguiu escutar o que eu falei. Psicólogo é dipirona, analgésico e anti-inflamatório”, desabafa. Começou a trabalhar na mineração antes dos 18, batendo pá, como define. “Você não consegue subir uma escada com meio degrau acima, dar um passo maior que a perna. Você começa é de baixo.” Não tinha vergonha de trabalhar, queria construir seu espaço em meio ao minério porque se sentia bem. “Nunca quis trabalhar em rua, supermercado, essas coisas. Eu fichei na mineradora, lá tinha companheirismo”, justifica. Entre quase duas décadas, a história dele se perde em uma linha cronológica de raciocínio confuso. Parece que nada aconteceu entre o primeiro dia de trabalho e o acidente. Casamento, nascimento dos filhos, troca de cargo e mudança de casa. Ele fez política, tocou violão, assistiu a filmes e a futebol, pagou o INSS, visitou a mãe, tomou o ônibus e bebeu cerveja. Situações comuns dentro das expectativas da vida, até que acontece algo maior, que está fora dos planos. “Foi horrível! Eu me acidentei.” “Estava fazendo hora extra domingo, era meu horário de folga e eu mesmo chamei socorro pelo rádio. Tinha um colega a dois quilômetros de mim”, lembra. Reconhece que podia ter acontecido em qualquer momento. “Não foi negligência, foi uma fatalidade”, diz. Houve os primeiros socorros, o encaminhamento para o hospital, o acompanhamento médico e a assistên-

cia psicológica. Faltou sensibilidade. Adaptar-se ao novo corpo. Encerrar um ciclo e um casamento, afastar-se do serviço, pagar contas. Não receber salário, sustentar os filhos, passar por constrangimentos morais. Sentir dor. Colecionar diagnósticos e exames. Se drogar com medicamentos psiquiátricos e escutar do perito médico: “Você não tem nada”. Permaneceu na empresa. O acidente foi há mais de dez anos. Houve agilidade nas primeiras providências após a fatalidade. Foi diferente na recuperação. Há pouco tempo foi remanejado. Até hoje passa por um processo de desintoxicação de medicamentos. “Estava praticamente louco, mas o INSS me deu alta. Falei com o médico que ia trabalhar tomando droga. Eu estava me auto-destruindo e destruindo a vida dos outros”, lembra, indignado. Ele precisou gritar para ser ouvido. Com as dificuldades, a fraqueza do corpo e da mente, teve depressão. Passou por tratamento psicológico e psiquiátrico, foi internado. Buscou forças na religião, na fé em Deus e na confiança em Nossa Senhora Aparecida. Nos filhos encontrou a razão para viver. “A relação que tenho com os meus filhos é dessas de contar todo dia, toda hora”, se comove. Da trajetória fica a lição de mudança. “Apesar da sobrecarga de trabalho, hoje eu tiro meia hora pra brincar com a turma.” Abandonar a pá e ter ar condicionado, suco, refrigerante e carro a disposição também foram conquistas. “A empresa não pode me mandar embora, sou todo documentado. Estou calçado pela lei. Mas sou muito competente no que faço: trabalho em função de não deixar acontecer com os outros o que aconteceu comigo”, se orgulha. Mas reconhece que não é sempre assim. Ter a carteira de trabalho assinada não é um privilégio, pois “na mineração o cara tem 28 anos de empresa é mandado embora. Outro, mais novo, com salário mais baixo, com encargo diferente, pode ser fichado. Eu tenho estabilidade no trabalho, posso falar que vou aposentar lá em cima, mas meus colegas não”, reflete. Hoje ele está feliz. Se na mitologia existiu a ave que usava das próprias cinzas para nascer de novo, temos em Mariana alguém transformado pelo minério: “Sou uma Fênix!”.

Proteção contra Quedas com Diferença de Nível cinto de segurança

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Outubro de 2014 Arte: Natane Generoso

Saúde Hugo Coelho

Jovens atendidos pela Fundação Sorria vão às unidades do projeto semanalmente para fazerem a escovacão preventiva com flúor e receberem outros atendimentos odontológicos

Crianças com sorriso em dia ONG de Ouro Preto é referência há 25 anos em dedicação à saúde bucal de meninos e meninas a partir de sete anos Raquel Lima Ter um sorriso bonito é sinal de saúde e cuidado, além de dar confiança e auto-estima para quem o carrega. É sabendo disso que a Fundação Sorria realiza seu trabalho. Organização sem fins lucrativos radicada em Ouro Preto, presta assistência odontológica gratuita a crianças e adolescentes da comunidade, por meio da conscientização sobre a importância da saúde bucal. Em 2014, a entidade comemora 25 anos de trabalho e responsabilidade social, somando mais de 20 mil crianças atendidas em 11 unidades, providas de escovários e consultórios odontológicos, distribuídas pela cidade. A odontologia esteve por muitos anos em segundo plano nas políticas públicas de saúde do país. O acesso ao atendimento era muito difícil e por vezes a única opção oferecida como tratamento era a extração do dente. Foi por

meio da constatação de que essa política era falha também em Ouro Preto que o odontólogo e presidente da fundação, Aluísio Fortes Drummond, começou a percorrer morros e distritos da cidade na década de 1980, com um projetor de slides, escovas e fio-dental, levando para a comunidade as primeiras noções de higiene bucal. “Queria divulgar que é possível ter um sorriso compatível com sua dignidade.” À medida que o trabalho se desenvolveu, mais pessoas se juntaram à equipe, dando força ao projeto, que na visão de Aluísio “é um trabalho árduo, mas precisamos ver o resultado da nossa bandeira, sem fugir da luta”. E essa luta levou, em 1991, à inauguração da primeira unidade de atendimento do Projeto Sorria, em uma creche no bairro Santa Efigênia. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde Bucal mais recente, realizada pelo Siste-

ma Único de Saúde (SUS) em 2010, a cárie continua sendo o principal problema de saúde bucal dos brasileiros, e ações como essa, que ensinam e incentivam os jovens a tratar adequadamente da dentição, podem ajudar a diminuir os números desse problema, que ainda atinge cerca de 56% da população com 12 anos, idade utilizada para avaliar a situação. Segundo o mesmo levantamento, existem diferenças regionais. A média de dentes cariados, perdidos e obturados aos 12 anos é de 2,2 no interior, sendo que nas capitais esse número diminui para 1,7. Famílias É na unidade do Pocinho que Alessandra Tadeu Longuinho, moradora do bairro, leva seu filho e a sobrinha para os atendimentos uma vez por semana. Alex, 5 anos, é atendido desde 1 ano e 9 meses na unidade. “Gosto muito de vir escovar os dentes aqui”, diz o

menino, que não tem cáries. Ele receberá o acompanhamento pelo tempo necessário. Já Laurinda Assunção Filha é moradora do bairro e técnica da unidade desde 2001. Ela é a responsável por realizar a escovação e a aplicação de flúor nas crianças, e quando necessário, encaminhá-las para tratamento clínico. Sua filha adolescente também foi atendida na unidade do Pocinho, que considera muito importante para a comunidade. Maria Dalva Maia Freitas, assistente social, trabalha a cerca de 23 anos na instituição. É ela quem realiza as entrevistas com as famílias candidatas ao atendimento no projeto: “O que dificulta mais a vida das pessoas é a falta de conhecimento, de informação. Tem gente que às vezes não sabe seus direitos sociais nem como buscá-los. Minha função é acompanhar essas famílias, é um trabalho maravilhoso, sou apaixonada”.

Crescimento Em duas décadas e meia de trabalho, somam-se mais de 350 mil procedimentos odontológicos destinados a pessoas que antes eram, muitas vezes, excluídas do convívio social pela impossibilidade de sorrir. Porém, o crescimento da fundação não ocorreu facilmente. Foi preciso muita dedicação, profissionalismo e principalmente participação da comunidade, já que a organização sobrevive com o apoio de colaboradores (que podem contribuir com carnês de valores a partir de R$10 mensais) e de iniciativas privadas. Os custos de cada unidade chegam a até R$130 mil por mês. Para ser atendida em alguma das unidades do projeto, a criança, com até 7 anos, precisa realizar um cadastro na fundação. Para mantê-lo ativo, é necessário que ela compareça acompanhada do responsável uma vez por semana na unidade de atendimento.

Mais renda

Com o objetivo de gerar renda e garantir parte de sua sustentabilidade, a Fundação Sorria desenvolveu um projeto especial e inaugurou no final de 2005 a Fábrica e Loja de Sabonetes Finos Pérola Ouro Preto. Todo o lucro desse trabalho é revertido para a manutenção da fundação. Se você deseja comprar, os produtos podem ser encontrados na loja, no hall do Cine Vila Rica. São sabonetes, óleos corporais, xampus e condicionadores com aroma e qualidade certificados e que contam com o apoio técnico da Escola de Farmácia da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Mais informações no telefone (31) 3551-5079 ou pelo e-mail: contato@fundacaosorria.org.br.

esporte

Fanáticos pelo 13 de Maio Giovanna de Guzzi

Núbia Azevedo Elas são conhecidas pelo amor incondicional. Responsáveis por abrilhantar o espetáculo do futebol. São sempre motivo de muita atenção, seja pela paixão que demonstram, pelas polêmicas ou críticas. As torcidas organizadas são exemplo da forte identificação dos torcedores com os clubes do coração. Os que pensam que esse amor é privilégio de times profissionais não conhecem o 13 de Maio Esporte Clube. Fundado em 1979, um dos mais tradicionais clubes da várzea ouro-pretana conta com o apoio do fanático Bonde do 13. Inspirados pela principal torcida organizada do Atlético Paranaense, cinco amigos fundaram em 2009 Os Fanáticos - 13 de Maio. O atual presidente do clube ouro-pretano, Wesley Gomes, conta que em 2011 Os Fanáticos passaram a se chamar Bonde do 13. A mudança ocorreu a pedido de um grupo de amigos de Curitiba. Devido à ligação com a organizada do AtléticoPR a coincidência dos nomes poderia gerar confrontos em possíveis viagens que o Bon-

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Torcedores no carnaval

Durante os jogos do campeonato municipal, torcida organizada acompanha e incentiva com paixão o clube ouro-pretano

de da 13 viesse a realizar.Para se manter a torcida organizada vende camisas, conta com apoio financeiro do clube e promove eventos. O diretorgeral do clube e da torcida, Wandrey Cristiano, responsável pela criação de toda a arte do Bonde do 13, explica que é o clube que patrocina a confecção dos uniformes dos torcedores. O dinheiro levantado com a venda das camisas é usado na compra de novos materiais como bandeiras, faixas e instrumentos.

A principal dificuldade que enfrentam hoje é a falta de uma sede. Por não terem ainda um espaço, os troféus, uniformes do time e materiais do Bonde do 13 são guardados nas casas dos diretores do clube e da torcida. Para realizar as viagens, muitas vezes cada um paga a passagem ou um determinado valor para fretarem um ônibus. Mas dificuldades não impedem que esses fanáticos acompanhem o time do coração. “Sem o 13 de maio, não existe o Bonde do 13”, diz Wandrey Cristiano.

Entretanto, quando se fala em torcida organizada, não é apenas o amor incondicional que se destaca. A violência que as rodeia tem sido cada vez mais comum. Essa semelhança o Bonde do 13 não possui com as demais organizadas. Por se tratar de uma torcida de clube amador, com apenas um grande rival declarado, o Sport Club Camarões, as provocações existem, mas nunca chegaram a se transformar em um confronto. Em dias de jogo, o Bonde do 13 se reúne no bairro e

desce junto rumo ao Estádio Dr. Genival Alves Ramalho. Transforma o popular “Campo da Barra” em um verdadeiro caldeirão. Em média, 70 pessoas apoiam o clube nas partidas. No entanto, cerca de 400 torcedores já se juntaram para ver o 13 de Maio jogar. No estádio, os torcedores jogam papel picado e entoam cantos como “Treze!/ estaremos contigo/ não importa onde for/ que torcida é essa/ vai começar a festa/dálhe dá-lhe dá-lhe ôooo/ Treze do meu coração”.

As semelhanças com uma torcida organizada de um time profissional não param no amor. A exemplo das organizadas de times de ponta que no carnaval desfilam escolas de samba, o Bonde do 13 possui um bloco carnavalesco. Nascido da união de amigos em 2010, o bloco reúne famílias da Rua 13 de Maio e desfila pelas ladeiras de Ouro Preto atraindo cada vez mais seguidores. Para se manter, conta com o auxílio financeiro dado pela prefeitura da cidade e com a venda de camisas do bloco. O bloco Bonde do 13 é mais uma fonte de ajuda financeira tanto para a organizada quanto para o clube 13 de Maio. Os eventos produzidos pela direção do bloco durante o ano também têm sua renda revestida para a melhoria da estrura da organizada ouro-pretana.

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distrito

Do plantio aos resultados

Associação de Bento Rodrigues investe em produto artesanal; mulheres ganham independência financeira Júlia Mara Cunha

Jackie Mandarino Algumas pessoas que vão a Bento Rodrigues, distrito de Mariana, podem não saber que nesse pequeno lugarejo existe uma associação quase toda feminina que trabalha na fabricação de geleia artesanal à base de pimenta biquinho. A Associação de Hortifrutigranjeiros de Bento Rodrigues (Ahobero) começou plantando verduras com o apoio dos profissionais da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG). Porém, a venda de verduras não estava “dando muito certo”, segundo elas. A partir desse momento passaram a plantar pimenta biquinho. Desde então, o trabalho gera resultados positivos. Tão positivos que a alegria das associadas é contagiante. A iniciativa de plantar pimenta biquinho veio da Emater em 2006. A princípio o produto era comercializado in natura para a indústria. Porém, em 2007, ainda com o apoio da Emater, resolveram fazer ensaios para produzir geleia à base da pimenta. Os testes iniciais foram feitos na própria horta em um fogão a lenha improvisado. Hoje, elas se lembram com muitos risos dessa época e contam que

As mãos das associadas da Ahobero conduzem todo o processo da produção e distribuição da geleia à base de pimenta biquinho

em um desses “experimentos” o banquinho que servia de apoio para o fogão começou a pegar fogo. Ao acompanhar uma manhã do grupo na plantação é perceptível o bom humor em cada resposta sobre a história da Ahobero. O trabalho é feito igualmente pelos membros, que executam todo o processo de fabricação da geleia, desde o cultivo e a colheita, que é realizada de agosto a março, até o produto final. A pimenta colhida em abundância durante esse período pode ser armazenada por até três anos em salmoura.

Atualmente, são nove pessoas trabalhando na associação, que teve início com seis, em 2002. O grupo que antes era apenas de mulheres agora tem dois homens. Keila Vardele, presidente da Ahobero, afirma que todos assinam o livro ponto e recebem salário por hora trabalhada. As decisões são tomadas mediante discussão com o grupo, que tem Keila como porta-voz. Como ela mesma brincou, “sou a presidente, mas quem manda são eles”, em referência aos demais associados. De acordo com Geralda da Conceição Alves, mais conheci-

da como Nenzica, brigas não existem, mas de vez quando é preciso dar uns “puxões de orelha na turma” para incentivar crescimento. Antes da associação, as mulheres eram donas de casa e não exerciam nenhuma atividade remunerada. Para elas, a constituição da Ahobero significou uma mudança em suas vidas. Segundo Keila, esse trabalho traz a possibilidade de conhecerem pessoas diferentes, fazerem novas amizades, adquirir conhecimentos e obter independência financeira. O orgulho pelo reconhecimento que têm em

função da fabricação da geleia é notado nos olhares e comentários. Como boas empreendedoras, a receita da geleia, segundo Keila, é “segredo de túmulo”: elas vão morrer sem contar para ninguem. Nenzica ressalta que o sucesso da Ahobero se deve à união e à força de vontade que elas têm de vencer e ver a geleia crescer. “Somos poucas, mas somos unidas.” Serviço: Em Mariana a geleia é comercializada no Laticínios Mariana e no Armazém dos Sabores. Em Belo Horizonte, é encontrada no Mercado Central.

Iniciativa premiada Em janeiro deste ano o projeto da geleia de pimenta biquinho foi um dos oito vencedores do Prêmio Santander Universidade Solidária. A iniciativa visa premiar e apoiar tecnicamente projetos sociais que promovam o desenvolvimento sustentável com ênfase na geração de renda. A premiação, de R$ 100 mil, está sendo investida em equipamentos e melhorias no prédio da associação. A Incubadora de Projetos Sociais e Solidários da Universidade Federal de Ouro Preto é uma das parceiras da associação e inscreveu a Ahobero no concurso. Mais de 4 mil iniciativas em todo o Brasil concorreram à premiação. Keila relata que quando soube do prêmio quase teve um “ataque cardiáco”. Nenzica diz que Keila “bateu” na sua casa já quase meia-noite para contar as novidades. Esse foi um momento muito comemorado por todos os associados, que esperam conseguir mais recursos que serão revertidos em bens para o desenvolvimento da Ahobero.

perfil

Unhas, carpintaria e afins

Carol Antunes Quando cheguei à casa que ficava depois de um grande morro, na Rua da Cartuxa, em Mariana, Raimundo Paiva, conhecido como Dodo, abriu a porta com um sorriso no rosto. Ele jogava videogame, e ao longo da entrevista entendi de onde vinha sua alma de infância. Um homem de muitas faces: negro, forte e simpático, um cara que sabe usar as mãos de diversas maneiras. Pedreiro, carpinteiro, manicure, desenhista, customizador de fantasias. Além de várias profissões, Dodo provou que é mestre no amor: casado há um ano com Ana Cristina Diório, os dois provam com brilho no olhar a paixão que sentem um pelo outro. Ser manicure ainda não é uma profissão oficial, mas ele já tem algumas clientes pela cidade. Dodo só faz a unha de outras mulheres quando Cristina está presente – amor embalado com uma pitada de ciúme. Ele se tornou manicure para ajudar a esposa. Um belo dia, viu como Cristina se estressava fazendo a unha, então perguntou: “Por que você

Júlia Mara Cunha

Dodo é pedreiro e carpinteiro por ofício

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não vai a um salão?”. Mas rapidamente pensou, “como uma mulher que chega no sábado três, quatro da tarde e tem uma casa para limpar tem tempo de ir ao salão?”. Foi aí que ele disse: “Olha, não sei muito de unha, mas pelo que vi é só lixar, passar a base, tirar a cutícula, passar duas camadas de esmalte e tirar o excesso”. A partir desse momento, há quatro anos, Dodo faz a unha da mulher todo sábado. Segundo eles, nunca repetiu nenhum estiNão é porque é um serviço pesado que tem que ser feito de forma brusca. Eu tento conciliar as duas coisas. Quando pego na mão das mulheres, imagino que estou pegando uma pastilha de vidro cara, e tomo o maior cuidado. Raimundo Paiva

lo de unha. Cristina, como maior e mais fiel cliente, deixa que ele escolha a cor do esmalte toda vez. Ele conta que escolhe dependendo do humor dela. Na entrevista Cristina exibia um laranja vibrante. Deve ser bom sinal. Fazendo unha da mãe de Cristina, de amigas da igreja e do bairro, Dodo ganha um dinheiro extra e consegue ser o que deseja: um homem que não faz só uma coisa. Sem curso, apenas no que observava, ele passou a fazer unha nos horários em que não trabalha como carpinteiro ou em construções. Todo animado, pega a maleta para mostrar o universo manicure, e nada falta. Tem muitos esmaltes, luvas para higiene, alicate, lixas, palito e até adesivo de unha. Dodo diz que não tem a mão pesada. Ele lembra que há um tipo de serviço na obra, como o acabamento, que também exige um certo cuidado e delicadeza. “Não é porque é um serviço pesado que tem que ser feito de forma brusca. Eu tento conciliar as duas coisas. Quando pego na mão das mulheres, imagino que estou pegando uma pastilha de vidro cara, e tomo o maior cuidado”, afirma. A casa respira arte. Vários quadros feitos de quebra-cabeças que ele mesmo montou de-

coram o lar. Ao falar sobre o preconceito que as pessoas têm quando escutam que um homem sabe fazer unha, Dodo solta que “isso não me deixa menos homem, mesmo que as pessoas pensem. Tem um cara que me zoa quando faço a unha da mulher dele, mas elogia quando corto o cabelo dele. Quem entende?”. Sim, Dodo também corta cabelo. Ele e a mulher às vezes pensam em montar um salão na garagem da casa, mas ele confessa que não deixaria as outras profissões. “Acho que um homem não pode ser apegado a uma coisa só. Não abro mão de ser pedreiro para ser só manicure porque eu sonho mais, eu quero mais, por isso trabalho em várias coisas. Quero fazer faculdade ano que vem.” No batente das 7h às 16h em uma construção ao lado da Secretaria Municipal de Educação, Dodo confessa que não tem sentimento melhor do que acabar uma obra e entregá-la pronta ao dono. Formado agora em técnico em Segurança do Trabalho no Colégio Técnico Inconfidente Alvares Maciel (Coltec), em Ouro Preto, Dodo não quer ficar parado. Após uma infância difícil, quando teve que trabalhar desde cedo e, consequentemente, perdeu a época de criança, ele criou a ideia de que se não tivesse o dom de fazer alguma coisa, arrumaria outra maneira de fazer. “Minha mulher falou que eu não tive infância, então no meu primeiro aniversário que ela passou comigo, pedi um carrinho e ganhei. Gosto de um monte de coisa de criança”, confessa sem medo. A animação de criança está presente em seus olhos. Ao longo de toda a entrevista, a ansiedade e felicidade de ter alguém ali para quem contar sua história eram comprovadas com a euforia com que respondia cada pergunta. Durante todo o bate-papo o casal mostrava em gestos simples que se amam. Fotos do casamento enfeitam a casa de um homem e uma mulher que se conhecem desde 19 de dezembro de 2009. Ele, bêbado, ela sozinha em um bar de samba. Essa história não podia ir para frente, só que foi. Dodo desafiou o destino e no fim deu certo. No amor, na profissão, no sonho de ser alguém melhor. Cristina se declara: “Quando nos conhecemos, cada um

Júlia Mara Cunha

Nas horas vagas, Dodo trabalha de manicure

estava precisando conhecer uma pessoa para dar força e apoio, de um amigo. E foi isso que fomos e somos um para o outro”. Em suas diversas faces, ele sonha mais. Diz em voz firme e alta que queria ser político e, segundo ele, a vizinhança concorda com a ideia. Dodo é exemplo de um homem que não deixou o destino decidir a vida que teria, correu e buscou sempre além. E o mais importante: nunca parou de sonhar. O curioso na história não é o contraste de tantas coisas diferentes que um homem só faz, mas o amor que ele despeja em tudo e o sorriso no rosto por viver. Acabada a entrevista, o casal já colocava a mesa com suco de abacaxi e rosquinhas para apetitar a vida. A simplicidade e humildade a cada vez que ela falava “desculpa a bagunça, mas não deu tempo de arrumar a casa hoje” eram comoventes. No fim tudo estava em seu devido lugar, e Dodo estava em todos os lugares. Seja construindo uma casa, seja fazendo uma unha, seja desenhando.

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Outubro de 2014 Arte: Renatta de Castro

Mémoria

Casas que contam histórias da cidade

fernando ciríaco

Ouro Preto recebeu moradores famosos nos séculos XIX e XX; as moradias revelam um pouco das vidas das personalidades e de quem vive nelas atualmente Endrica Fernandes Em meio aos casarões antigos da cidade histórica de Ouro Preto existem memórias de pessoas que ali viveram. Entre essas pessoas, algumas anônimas, outras, personalidades que tiveram importância para o país. Ao andar pelas ladeiras com o olhar atento você encontra plaquinhas com dizeres “Aqui residiu...”. Poeta norte-americana, Elizabeth Bishop viveu no Brasil cerca de duas décadas. Em Ouro Preto, chegou para morar em 1969 após comprar um casarão na Rua Conselheiro Quintiliano Maciel, 546, onde fez

Jardim guarda as lembranças do casarão em que Elisabeth Bishop morou, na rua Conselheiro Quintiliano Maciel

uma grande restauração, mas viveu apenas um ano. Embora tenha morado na cidade por pouco tempo, ela fez grande amizade com a família Nemer. A Casa Mariana, nome dado pela poeta em homenagem à escritora Marianne Moore, pertence atualmente a Linda Nemer. Em testamento, Bishop deixou a casa para a amante Alice Methfessel, que a vendeu em 1982 para Linda. Bishop morreu em 1979. Linda Nemer é economista e socióloga, tem 86 anos e mora em Belo Horizonte. A casa de Ouro Preto é somente para fins de semana e férias fernando ciríaco

da família. Linda conta que “a casa é muito querida” porque foi muito amiga de Elizabeth. “A gente se hospedava lá, meus irmãos se hospedavam. Ela vinha muito e ficava na minha casa. Foi uma pessoa muito amiga. A casa dela era a casa de uma amiga que a gente queria muito bem.” Linda revela que todos os móveis da casa pertenceram à poeta. A parte que ela mais gosta do lugar é o jardim, apesar de não cuidar mais tanto, já que vive em outra cidade. Ela ainda conta que tem muitas boas lembranças do lugar. “Depois que comprei a casa dei muitas festas, recebi muita gente. Gosto muito de ir com minha família, com meus sobrinhos. Eles gostam muito de lá.” Em um trecho do livro biográfico Flores raras e banalissímas, a autora Carmem Oliveira mostra como Bishop gostava de Ouro Preto, sua “pérola”. Quando Bishop comprou a casa, a vista era de “abacateiros, as paredes tortas feitas de pau a pique, o desenho do telhado, o muro de pedra coberto de musgo”. Adolescência “Pai da aviação”, Santos Dumont também fez história em Ouro

Placas trazem dados de locais e personagens importantes de Ouro Preto

Preto. Seu pai, Henrique Dumont, era engenheiro civil e veio à cidade para trabalhar em obras públicas, após isso se tornou o engenheiro da Estrada de Ferro Central do Brasil. Aos 17, Alberto chegou a iniciar os estudos na Escola de Ouro Preto, mas teve que abandoná-los devido à profissão do pai. Logo em seguida, foi a Paris pela primeira vez. O empresário Ricardo Pereira é quem mora atualmente na casa onde o aviador viveu. Ricardo é engenheiro e empresário e conta que, apesar de morar na casa onde Santos Dumont viveu por menos de um ano, é como morar em qualquer outra casa. O mais importante é saber sobre a vida dele, e isso Ricardo estudou bastante. Se considera um estudioso da biografia de Dumont. O casarão ocupa quase um quarteirão da Rua Alvarenga, e está em reforma. Segundo Ricardo, foi Henrique Dumont quem construiu a casa na época em que se casou com a mãe de Alberto, Francisca, filha de um comendador de Ouro Preto. Gaúchos Getúlio Vargas, na adolescência, chegou a Ouro Preto para fazer o curso preparatório da Escola de Mi-

nas entre os anos de 1897 e 1898. Seus irmãos Viriato e Protásio já moravam na cidade, em uma República chamada “Vila dos gaúchos”. Foi para lá que Getúlio se mudou e ficou até o momento em que seu irmão Viriato assassinou o paulista Carlos de Almeida Prado. Existem várias versões sobre o motivo do assassinato, mas até hoje não se sabe ao certo a verdadeira causa. A casa onde Getúlio morava fica na Rua São Miguel Arcanjo, 240, no Bairro Água Limpa. Atualmente está fechada, abandonada, e a placa de identificação colocada pelo Museu Casa Aberta Viva foi furtada. Lira Neto, autor da biografia Getúlio descreve um pouco do local onde era o ex-presidente morou. “Eles já estavam adaptados à cidade e haviam constituído uma república estudantil, no chamado Campo do Raimundo, bairro da Água Limpa, situado no alto de uma das ladeiras mais íngremes de Ouro Preto, afastado do burburinho do centro da cidade. Na casa, de cujas janelas se avistavam ao longe as torres da Igreja do Rosário, só moravam riograndenses.” A confraria, como narra Lira Neto, era chamada por eles de “República da Bastilha”.

religião

Dom Luciano: santo de casa

paloma ávila

Fernanda Mafia Com uma trajetória dedicada aos humildes, Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida nunca se esqueceu deles. O pedido para que dessem continuidade ao seu trabalho foi feito ao seu irmão, no leito de morte: “Não se esqueçam dos meus pobres”. A fama de santidade e vida dedicada à caridade e à bondade foi suficiente para que, em 27 de agosto, a Arquidiocese de Mariana declarasse aberto o Tribunal de Beatificação do arcebispo, oito anos após a sua morte. Lembrado não só pela bondade, mas também pela militância política e intelectualidade, Dom Luciano esteve à frente da arquidiocese por 18 anos e atualmente tem o título de “servo de Deus”. “A Igreja é extremamente criteriosa com os processos de beatificação”, afirma o postulador da causa no Bra-

sil, cônego Lauro Versiani. Exemplo disso é que os processos só são abertos pelo menos cinco anos após a morte, para que as pessoas não estejam tomadas pela emoção. Ministra da eucaristia da Catedral da Sé há 16 anos, Terezinha do Espírito Santo lembra com saudade de Dom Luciano, que “sempre recebia a todos com um grande sorriso”. “Ele já era santo em vida, pela dedicação aos pobres e humildade”, recorda. Para que a santidade seja confirmada é necessária a comprovação de pelo menos um milagre. Porém, para a filha adotiva de Dom Luciano, Edite Reis da Paciência, não há dúvidas sobre essa virtude do ex-arcebispo: “Desde meus 12 anos estive na companhia de um homem santo”. Para além dos milagres, o cônego Lauro esclarece que “um santo é sobretudo um exem-

plo de vida, dedicação e devoção ao cristianismo”. A Arquidiocese de Mariana orienta outros três processos de beatificação. O mais próximo da santidade é Dom Viçoso, que já recebeu do Papa Francisco o título de venerável, como reconhecimento pelas virtudes heroicas. Para que o processo seja concluído basta a confirmação de uma graça alcançada com a intercessão do ex-bispo. Além desses, Monsenhor Horta e Isabel Cristina também estão a caminho da santificação.

Peregrinação Uma iniciativa do Governo de Minas, em parceria com os municípios, busca aumentar o turismo religioso no estado. É o Caminho Religioso da Estrada Real (Crer), que liga 37 cidades de Minas Gerais e São Paulo, incluindo Mariana e Ouro Preto. Uma

possível beatificação de Dom Luciano “pode contribuir para o aumento do número de turistas, já que isso chama a atenção de quem busca esses atrativos”, acredita a coordenadora de turismo de Mariana, Lívia Araújo. Dados de 2010 do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) indicam que o turismo religioso é o que mais cresce no mundo. A coordenadora de turismo também esclarece que a cidade já recebe visitantes que buscam as atrações religiosas da cidade, e “tratando-se das particularidades de Mariana, a linha entre o turismo religioso e o cultural é muito tênue”. Criado neste ano, o projeto está adiantado: as placas de identificação dos caminhos dos peregrinos foram instaladas e os funcionários estão sendo capacitados para receber esse público específico.

Filha adotiva de D. Luciano ora pela beatificação do arcebispo

1995

1988 É renomeado secretário-geral da CNBB

1990

1965

1958 1949

Forma-se doutor em filosofia pela Pontifícia Universidade Gregoriana, na Itália

Toma posse como quarto arcebispo de Mariana e é nomeado presidente da CNBB

É nomeado para segundo mandato como presidente da CNBB

Sofre grave acidente de carro na serra de Itabirito

Morre de falência múltipla dos órgãos

2006

Ingressa na Companhia de Jesus e faz seus primeiros votos

É ordenado sacerdote

1987

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Dom Luciano nasce no Rio de Janeiro

É nomeado secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

1979

Dom Luciano

1930

Vida de

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Outubro de 2014 Arte: Renatta de Castro

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cultura

Passado inspira artistas

paloma ávila

Depois de 184 anos, a memória do Mestre Ataíde ainda vive em Mariana e serve de modelo para criação de obras na cidade Eliene Santos Manoel da Costa Ataíde é considerado um dos maiores pintores do período colonial. Criou grandes obras que se espalham por Minas Gerais. Segundo o professor de História da Arte do Departamento de Museologia da Universidade Federal de Ouro Preto Célio Macedo Alves, Ataíde foi o único pintor mineiro do período a receber destaque e suas obras são referência para vários artistas. O escultor e entalhador Hélio Petrus Viana mora na cidade e se dedica à arte há 45 anos. “Quando comecei a estudar Letras tive a oportunidade de pesquisar sobre as obras de artistas do século XVIII”, relata. O escultor conta que depois de conhecer o trabalho de nomes como Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, e Manoel da Costa Ataíde, se entusiasmou e criou as primeiras esculturas, que eram rostos de anjos para presentear amigos. Para desenvolver seu trabalho, Hélio se inspira muito em obras de Ataíde. “Tenho vários trabalhos de talhas representando o mesmo tema que Ataíde retratou no teto da capela Mor da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, que é a coroação de Nossa Senhora com an-

jos músicos”, comenta. Segundo o escultor, essa é a principal obra do mestre, modelo para muitos artistas. Assim como Ataíde, que gostava de criar pinturas bíblicas, Hélio também tem preferência em trabalhar com esse tema, porém esculpindo. A maioria de suas obras é sacra. Em 2013, durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), uma de suas esculturas foi escolhida para presentear o Papa Francisco em sua vinda ao Brasil. A Empresa Brasileira de Turismo (Embratur) escolheu presentear o Papa com uma imagem de São Francisco. O artista plástico, escultor e pintor Elias Layon também ingressou nesse ramo profissional há 45 anos e explica que o amor pela arte é genético, já que sua família possui vários artistas. “Alguns são pintores, outros poetas e temos alguns músicos. Acredito que meu amor pela arte está no sangue”, afirma. O artista plástico considera Ataíde fonte de inspiração, e acredita que o mestre é referência nacional para muitos artistas. Por ser tão importante para a cidade e artistas de Mariana, Elias quis homenageálo, e está terminando um projeto: uma pintura do mestre. “Há muitos anos eu sonhava em pintar o AtaíPaloma Ávila

Influenciado por Mestre Ataíde, Hélio Petrus produz obras neobarrocas

de”, conta. Para retratar o rosto de Ataíde, Elias se baseou em algumas obras, como, por exemplo, a que está na Igreja São José, na cidade do Serro, em Minas. Segundo ele, nessa igreja há um suposto retrato de Ataíde feito por um aprendiz. Outra obra que lhe serviu de inspiração é a pintura Assunção de Nossa Senhora. Elias conta que alguns historiadores acreditam que Ataíde tenha se retratado no rosto de um dos anjos. Herança Ataíde preferiu a policromia e as cores puras. Em suas pinturas notase um domínio técnico inexplicável em relação ao meio em que viveu. Suas obras distinguem-se pela pureza e uso das cores e pelo espírito inventivo que utilizava, segundo explica o professor de História da Arte Célio Macedo. Inspirada no mestre, a pintora e artista da policromia marianense Maria do Carmo Gamarano interessou-se por desenho e pintura ainda na infância por influência de seu pai, Jacinto Gamarano, que exercia a profissão de desenhista e pintor. Seu primeiro quadro foi uma tela, pintado aos oito anos. Começou a trabalhar com nanquim (bico de pena e aguada) ex-

Mestre Ataíde é retratado em quadro pintado por Elias Layon

perimentando técnicas como acrílica, óleo sobre tela e aquarela. Os gêneros mais usados em seus trabalhos são a paisagem colonial urbana, a natureza morta e o figurativo. Posteriormente passou a trabalhar com a pintura em madeira (douramento e policromia em esculturas

sacras). Para esse trabalho, a pintora se inspira em algumas policromias que Ataíde usava em suas obras, como por exemplo, as flores de malabar. “Quando passei a me interessar muito por pintura comecei a observar detalhes nas obras de Ataíde”, relata.

Quem foi Manoel da Costa Ataíde? Manoel da Costa Ataíde, conhecido como Mestre Ataíde, nasceu em 1762, em Mariana. Segundo o professor Célio Macedo, é considerado o maior pintor do período colonial mineiro, o ciclo rococó da pintura mineira. “Ataíde era um grande pintor. Ele utilizava uma pintura com cores vibrantes e inusitadas, como vermelho e azul”, explica. O professor conta que uma das principais características era o efeito de ilusão e movimento, um jogo de luz e sombras que ajuda a ampliar os espaços quando feitas em tetos, balcões, colunas e escadas. Não se sabe muito sobre seus hábitos e gostos pessoais, mas se-

gundo o professor, Ataíde apreciava música. “O amor pela música parece evidente, pois em seu inventário, ele declara posse de vários instrumentos como rabeca, piano forte e um fagote. Percebe-se também esse amor pela música através de suas obras, que eram representação de figuras de músicos e desses instrumentos musicais”, afirma. Ataíde sempre conviveu com a fé. Suas pinturas eram baseadas em gravuras de livros que os padres usavam nas missas. Célio conta que Ataíde tinha uma Bíblia estampada, de onde provavelmente tirava inspiração. “Além da Bíblia, sua imaginação era fundamental para enrique-

cer seus modelos. Percebe-se que ele usava muitos recursos oferecidos pelo barroco”, comenta. Visto como o maior representante da pintura do Brasil colonial, Ataíde se tornou fonte de inspiração e referência para muitos artistas contemporâneos de Mariana. Célio Macedo acredita que Ataíde seja extremamente importante para os artistas atuais da cidade, pois da mesma forma que os pintores de antigamente contribuíram para a formação de cultura artística que se procurou taxar de barroco mineiro, também os artistas atuais de Mariana exercem um papel preponderante na manutenção dessa cultura.

Domingo de música na praça Eliene Santos “Não tem como passar pelo Jardim e não parar para apreciar a banda.” Foi o que disse Fernando Pereira de Freitas, 34 anos, morador de Mariana, enquanto assistia à apresentação da Sociedade Musical São Sebastião no dia 21 de setembro. Com o intuito de alegrar as manhãs de domingo de moradores e turistas da cidade, a Prefeitura Municipal, por meio da Secretaria de Cultura e Turismo, criou no início do ano o projeto “Música com Classe”. Segundo o coordenador de Cultura, José Luiz Papa, o projeto foi desenvolvido junto com as sociedades musicais do município, que em reunião criaram um calendário com as datas e número de apresentações que cada uma terá que realizar. O evento acontece na Praça Gomes Freire, Jardim, todos os domingos de 11h às 12h. O coordenador explica que Mariana possui 11 bandas, sendo três na cidade e oito nos distritos. Todas

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recebem uma subvenção no valor anual de R$ 20 mil, e em troca têm que realizar toques culturais que estejam dentro do calendário da Secretaria de Cultura, como por exemplo, as apresentações do projeto “Música com Classe”. As bandas também participam de outro eventos como a Semana Santa, retretas e comemorações locais. Tradição José Luiz conta que a maior preocupação da Secretaria de Cultura é manter essa tradição mineira de tocar na praça. “Além de chamar a atenção de quem passa pelo Jardim, as apresentações também despertam interesse de quererem ser um daqueles músicos que se apresentam”, diz o coordenador de cultura. Marisa Rocha Miranda, 65 anos, mora em Betim e vem a Mariana aos domingos visitar a filha. Segundo ela, todas as vezes que vem à cidade, passa pelo Jardim para assistir a uma apresentação. “Gosto muito de

bandas! Acho que herdei essa paixão da minha mãe, Maria de Paula. Ela era apaixonada por música”, conta. Marisa caminhava pela praça com o neto Daniel Miranda Resende, 5, que tem um amor imenso por música. “Passava pelo Jardim com meu neto, e quando ele viu a banda tocando, começou a me puxar para assistirmos”, conta. Daniel é pequeno, mas já pensa em ser um grande músico. “Quando eu crescer, quero aprender música para tocar trombone”, afirma com um sorriso. O projeto tem se tornado muito importante para as sociedades musicais do município, pois divulga o trabalho das bandas e é um motivador para que o músico continue tocando. É o que afirma o coordenador da organização das bandas de Mariana, Joaquim Gomes. “Os músicos levam muito tempo para preparar um repertório, e ter o trabalho reconhecido pelo público lhe estimula a dar continuidade”, afirma. O músico da Sociedade Musical

Paloma Ávila

Projeto Música com Classe atrai público para apreciar banda VIII de Dezembro

VIII de Dezembro Cleifane de Freitas Pereira aprova essa iniciativa da Prefeitura. Segundo ele, o projeto tem sido uma maneira de despertar o interesse do músico em continuar no grupo e atrair novos compo-

nentes. “Toda vez que termino uma apresentação me sinto motivado a me preparar para outra. Fico feliz em ver a praça cheia. Várias pessoas nos procuram depois dos toques para saber como aprender”, conta.

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Outubro de 2014 Arte: Daiane Bento

ENSAIo

O mistério das ruínas

Carol Antunes (texto) Eduardo Moreira (foto) Pombos sobrevoando o que um dia foi igreja e hoje é cemitério. O cenário de um filme de vampiros com que moradores do distrito de Antônio Pereira convivem diariamente. As paredes ao redor ainda continuam em pé, cruzes e flores enfeitam os túmulos em respeito às vidas que se foram. Lá o tempo parou em 1830 e eternizou a alma de quem ali está enterrado. O local ainda carrega marcas do dia que o incêndio veio. Como história antiga, versões são contadas de pai para filho sobre a igreja queimada: roubo ou descuido de alguém que deixou velas acesas são algumas delas – as mais famosas. A história para Antônio Pereira, 73 anos, que por coincidência carrega o nome do distrito, é um pouco de tudo que se ouve falar pela região. Nascido ali, sempre ouvia histórias do pai. Uma delas é a do tal mistério da igreja queimada. Ele conta que em meados de 1800, quando a igreja ainda fun-

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cionava (era Capela de Nossa Senhora da Conceição), chegou na cidade um homem conhecido como “Baiano”. As pessoas o acharam estranho. No distrito, o padre celebrava a missa todos os dias. Em um desses dias, o Baiano foi assistir. Após terminar, o padre foi embora e o sacristão ficou para fechar a igreja. Depois de um tempo, o pessoal da cidade viu uma fumaça e percebeu que a igreja estava em chamas. Como o sacristão foi o último a sair da igreja, todos desconfiaram que ele tinha deixado alguma vela acesa que causou o incêndio. Ele foi preso. Após alguns dias, o Baiano voltou para a cidade natal e ficou em uma casa. No dia seguin-

te, acharam uma criança morta no lugar e, com as evidências, prontamente o prenderam. Na delegacia o Baiano falou que não tinha matado a criança, que esse crime ele não tinha cometido. Mas confessou que seu único remorso foi ter incendiado uma igreja em Minas Gerais, em um distrito de Ouro Preto chamado Antônio Pereira. Ele assumiu que tinha roubado as jóias e a prataria da igreja e depois colocado fogo. Manda-

ram um policial da Bahia até Minas Gerais para saber se realmente havia uma igreja queimada lá – e havia. Quando o Baiano ficou sabendo que a polícia da Bahia tinha ido a Antônio Pereira, fugiu da cadeia e foi atrás dos policiais no distrito. Chegando lá, a polícia estava na Gruta da Lapa. O Baiano ma-

tou os policiais e fugiu novamente. Sabe-se que a última coisa que ele tinha do roubo era o cálice da igreja. Na fuga, acabou vendendo a prata para a Igreja da Conceição do Mato Dentro e sumiu para sempre. Soltaram o sacristão.

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