SENSO INCOMUM_043_JAN/FEV 2019

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Jornalismo UFU Ano 10 • 43ª edição Jan/Fev de 2019 Distribuição gratuita

comum

senso

Caderno especial

50 anos do AI-5: memórias da ditadura

Páginas 5 a 8

Políticas

Ciência e tecnologia

Terceirização dos funcionários na universidade precariza a qualidade do trabalho

UFU é destaque no desenvolvimento de patentes, mas sofre pela demora nas concessões Página 4

Página 3

Vida na universidade Projeto Família Acolhedora propõe nova forma de inclusão e incentiva ação social Página 10


DA REDAÇÃO EDITORIAL//

Memórias da ditadura e os desafios do presente O ano de 2018 marca os 50 anos de um fato histórico, quando os militares impuseram o golpe do regime militar (1964-1985) à democracia brasileira. Nesta edição, o leitor encontrará um caderno especial temático, que recordará as consequências e efeitos do 5º Ato Institucional em Uberlândia e região. As páginas centrais deste periódico contam histórias censuradas pelo regime militar, que são expressas graças à garantia das liberdades, dos direitos humanos individuais e sociais e do livre exercício da cidadania. Com a Lei da Anistia (1979), que proibiu a punição de crimes contra os direitos humanos na Ditadura Militar, o país interrompeu o processo de verdade, justiça e reparação. Os acontecimentos que viabilizaram crimes contra os direitos

humanos e a derrubada de instituições, quando devidamente resgatados pela memória, são capazes de unir a sociedade e de produzir novos valores na construção da identidade nacional. As repressões ocorridas no passado devem possibilitar as garantias de expressão e a justiça atual. Para isso, foi instituída, em 2011, a Comissão Nacional da Verdade, que investigou as graves violações de direitos humanos cometidas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. Os relatórios produzidos pelo trabalho da Comissão servem para assumir, oficialmente, a existência de crimes cometidos na Ditadura Militar pelo Estado brasileiro, garantindo a memória coletiva sobre os fatos. Em homenagem aos que resistiram pela de-

mocracia, o livreto que acompanha esta edição, apelidado de “Sensinho”, traz a narrativa de destaques do período militar, construído por meio de ilustrações com interpretações de artistas locais. A arte mais uma vez é utilizada como instrumento de resistência. Celebrando a livre circulação de ideias e o Estado Democrático de Direito, esta edição recorda que toda produção de informação honesta depende da democracia. Lembrar para não esquecer. Lutar pela liberdade de expressão contra o silenciamento da voz da multidão. Todas as matérias estão disponíveis no site do Senso InComum, além de conteúdo exclusivo: https://sensoincomum.net/

CRÔNICA// GIOVANNA CAVALCANTI

Mulher como nós mesmas

Era militante feminista do partidão PCB na década de 40 e nunca se casou, ainda que a quisessem atrás de Prestes. “Não estou no partido para casar, estou para trabalhar pela causa operária!”, contou certa vez Haydê Calábria sobre sua irmã. E completa: “a madrinha [como era chamada] não tinha tempo para isso; ela queria a política”. O relato de uma querida familiar de Olívia Calábria foi o começo do desafio de contar uma história de luta. Apesar de também ter morado em Uberlândia, eu não a conhecia. Era uma mulher que lutava por tudo que acreditava, como minha irmã mais velha. Dona de si, lembrou minha mãe. Estava em construção, como eu. Já era de se esperar. Uma mulher como Olívia

não fica para trás. “Ditanada” para ela, que era professora nata e gostava de escrever e não de ditar, mesmo em tempos difíceis para as mulheres que não entravam nos moldes de uma sociedade fardada - ou fadada ao retrocesso, calada ou dentro de casa. Considerada a segunda mãe da família, com 14 anos começou a trabalhar. “Ela foi uma gigante! Nunca estudou para ser professora. Isso já nasceu com ela”, relembra Dona Haydê, em um documentário sobre a madrinha. Durante as semanas de escrita tentei contato com Dona Haydê, mas não consegui a tempo. Então, na mesma manhã, descobri que a melhor pessoa para falar de Olivia era ela mesma.

Sua história ficou eternizada na UFU. No bloco 1Q há o acervo de documentos e outras memórias dela. O que mais me deixou encantada foram seus manuscritos. Em um deles, já amarelado, li as estrofes do início de um poema lindíssimo intitulado “Mulher”: “Mulher! Sabemos o tanto que fomos discriminadas desde que começamos a ser gente! [...] Noiva recebia anel de ferro, enquanto noivo recebia anel de ouro…”. Em uma época que a censura falava alto, Olívia gritava e se fazia ser ouvida pelo bem do próximo. Era cheia de sonhos e esperanças, como qualquer uma de nós. Descansa em paz, madrinha. Agora é com a gente. Estamos de mãos dadas, juntas. Nenhuma solta a mão de nenhuma.

JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA (UFU) Reitor Valder Steffen Jr - Diretora da Faced Geovana Ferreira Melo - Coordenador do Curso de Jornalismo Marcelo Marques de Araújo - Professores Responsáveis Gerson de Sousa, Ivanise Andrade, Raquel Timponi - Jornalista Responsável Raquel Timponi (0015003/MG) - Revisão Ivanise Andrade - Editores-Chefe Gabriel Caixeta, Marina Barquete e Thiago Crepaldi - Foto de capa Sara Camelo Editores de Sessões Amanda Xavier, Cássio Lima, Gabriela Castro, Jhonatan Gonzaga, Maria Júlia Araújo, Matheus Maia, Monallysa Leite, Pedro Prado, Rodolffo Lemos e Vanessa Gianotti - Repórteres Ally Kalout, Ana Luiza Vargas, Aurélio Barcelos, Beatriz Ortiz, Caroline Soares, Eduarda Moraes, Heitor Gomes, João Ricardo Camilo, Giovanna Cavalcanti, Loise Monteiro, Luiz Gustavo Ribeiro, Matheus Minuncio, Naiara Ashaia, Pedro Prado, Roberto Vicente, Tuila Tachikawa e Vitória Bertolucci - Produção de Foto ensaio Aurélio Miguel, Eduardo Simões, Luiz Gustavo Ribeiro, Maria Júlia Araújo e Marina Barquete - Livreto Cecília Almeida e Sara Camelo - Ilustrações Bianca Moraes, Charly Borges, Chico Roque, Lais Queiroz, Laura Jager, Laura Matos, Maria Vitória Maia, Miguel Angelo e Vanessa Giannotti - Finalização Ricardo Ferreira de Carvalho - Tiragem 2000 exemplares Impressão Imprensa Universitária - Gráfica UFU sensoincomumufu@gmail.com www.sensoincomum.net

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POLÍTICAS

A precarização do trabalho chega na universidade Funcionários terceirizados contam os empecilhos de trabalhar no setor; Na UFU, rotatividade e baixa capacitação lideram lista de reclamações LUIZ GUSTAVO RIBEIRO A servidora da UFU, Daniela*, que trabalha há 23 anos na universidade, tem acompanhado a dificuldade da situação dos funcionários terceirizados. “Você vê [a diferença entre] um terceirizado e um servidor estatutário. O concursado tem incentivo. Já o trabalhador terceirizado, que pode estar aqui há anos, nunca teve acesso nem à capacitação”, relata, ao descrever a falta de garantias nesta modalidade de trabalho. Diante da precarização do trabalho terceirizado, a socióloga Mariana Cortês aponta que a fragmentação e a desmobilização dessa classe agravaram a situação de fragilidade dos funcionários desse setor: "Isso leva a questões subjetivas de identidade. É diferente você se ver como um funcionário público, que possui um reconhecimento, e como um trabalhador terceirizado, sem garantia de emprego e uma invisibilidade social muito mais marcante". Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 80% do salário de trabalhadores de baixa renda é gasto com alimentação. A perda do vale refeição, no valor de R$264,84, preocupa Fernanda* que, para recebê-lo, precisa seguir alguns critérios. “Temos quatro horas de atestado por mês. Se passar disso, ficamos sem o dinheiro", conta a funcionária que desde 2017 trabalha no setor de limpeza da UFU. Além de questionar o baixo valor do complemento salarial, Fernanda* contesta a pouca flexibilidade em relação à assiduidade. “Estou pensando em mudar de área no ano que vem. Ouvi falar que em um hospital particular o valor do vale alimentação é quase o dobro”, conta. Porém, mudar de área não é uma opção fácil para os trabalhadores terceirizados. A exigência da formação básica, a rotatividade do mercado e a urgência do emprego, somadas à falta de informação e de conhecimento acerca dos direitos trabalhistas aumentam a insatisfação e refletem na ausência de seguridade jurídica aos terceirizados: "Sinto que nossos direitos não são completamente cumpridos", finaliza Fernanda*. De acordo com a advogada Elenice Pires, a empresa que contrata o serviço terceirizado não tem gerência sobre a relação patrão e empregado. Portanto, não interfere sobre os critérios de repasse do vale alimentação ou da cesta básica.

FALTA DE INFORMAÇÃO VIOLA DIREITOS DE SERVIDORES TERCEIRIZADOS FOTO: LOISE MONTEIRO

"Se o funcionário não estiver recebendo conforme acordado na contratação, deve procurar o sindicato com base na Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) vigente", alerta Pires. Além das limitações contratuais, os funcionários terceirizados devem lidar com a falta de pertencimento e a sensação de inferioridade perante os estatutários. Leandro*, outro funcionário terceirizado da universidade, relembra quando percebeu que era tratado de modo diferente de um servidor público que, na época, trabalhava para o mesmo instituto: "A nossa diferença de formação não me tornava menos humano. Mesmo assim, escutei algumas declarações que fariam qualquer um desistir, mas eu não podia sair", relembra. O Pró-reitor de Planejamento e Administração (Proplad) da UFU, Darizon Alves, informa que a avaliação do trabalho executado pelas empresas prestadoras de serviços é de responsabilidade de funcionários públicos nas funções de fiscal de contrato e de gestor de contrato. "Eles têm a função de analisar como o acordo é executado. No caso de problemas, pode-se notificar, advertir

ou multar a empresa contratada". A Proplad informa que a universidade é corresponsável pelo servidor terceirizado. No entanto, Alves admite que, durante a atual gestão, não recebeu nenhuma denúncia relacionada à falta de cumprimento de acordos entre empresas e funcionários prestadores de serviços. "Problemas existem mas, na UFU, nossos casos foram resolvidos com sucesso nos primeiros níveis de relacionamento", completa. O número de servidores terceirizados tem crescido no Brasil por causa da Emenda Constitucional 95/2016 que limita por 20 anos os gastos públicos, determinando o fechamento de vagas e concursos. Enquanto a socióloga Mariana Cortês defende que a terceirização gera precarização do trabalho, Alves se apoia na necessidade desse trabalho, já que hoje tarefas essenciais da universidade são executadas por funcionários e empresas de serviços terceirizadas. *Nome fictício para preservar a fonte.

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA

UFU é referência no desenvolvimento de patentes Universidade está entre as instituições brasileiras que mais solicitam patente; demora da concessão gera atrasos nas pesquisas ROBERTO VICENTE E VITÓRIA BERTOLUCCI Com cerca de 200 pedidos para serem aprovados e 13 cartas-patentes concedidas, a UFU alcançou no ano passado o ranking de 15ª maior depositora de patentes do país, ficando atrás apenas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) no estado mineiro. O termo patente representa a proteção conferida a um objeto, produto ou processo de domínio de um autor. Esses consistem em um tipo de propriedade industrial que dá ao seu criador a exclusividade de uso da tecnologia que ele inventou. Responsável pela elaboração de um procedimento capaz de detectar a presença de células cancerígenas no corpo humano, o professor e doutor da área de Genética e Bioquímica, Luiz Goulart, obteve a carta-patente desta invenção aprovada em 2003, com a comercialização iniciada logo no ano seguinte. A partir dos exames de amostras retiradas do sangue extraído de veias no braço, o produto visa identificar a existência de câncer de próstata em três horas. Goulart esclarece que não é preciso esperar a concessão da carta-patente para comercializá-la e que um depósito por si só já confere uma proteção. “A patente em si não é um obstáculo. O obstáculo maior é: se você tem uma descoberta e quer publicar, você não pode”, explica. Em decorrência da quantidade de solicitações de patentes, o processo de concessão é extenso e pode permanecer até seis anos parado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Segundo a gestora em Ciência e Tecnologia da Agência Intelecto da UFU, Fabiana Regina, o número limitado de técnicos e as áreas com muitos requerimentos colaboram para o acúmulo de pedidos realizados. “A área mais crítica está relacionada à Biotecnologia, por demorar cerca de 12 anos para saber se [a carta] foi concedida ou não, enquanto a de Engenharia ou de processos mais simples pode demorar em torno de cinco anos até obter uma resposta”. Goulart tem atualmente 56 pedidos de patentes, e somente duas concedidas no Brasil. Para ele, o valor de cartas-patente no país é barato em comparação a outros. “Boa parte das concessões que pedi já foi atribuída ao exterior, porque é [um

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A UFU SE ENCONTRA NA 15ª POSIÇÃO DO RANKING DE UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS NO DEPÓSITO DE PATENTES DE INVENÇÃO, SEGUNDO O INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL (INPI). | FOTO: NAIARA ASHAIA

processo] muito mais rápido”, afirma. O atraso no país está relacionado à quantidade de processos, pois, além de existir um número restrito de examinadores, cada pedido tem um assunto. Em outros países, o procedimento de solicitação é semelhante ao pedido nacional, isso porque, se aqui o requerimento é feito primeiro ao INPI, fora, em um período de 12 meses, o pesquisador requisita um pedido internacional de patente, conhecido como Tratado de Cooperação de Patentes (PCT). Além disso, o pesquisador tem o direito de escolher quais serão os países de cobertura. Segundo Goulart, “é caro depositar a patente para ir ao PCT. No Brasil é mais barato, mas não tem um feedback imediato”. "O atraso nas respostas de cartas-patentes não afeta a comercialização das tecnologias no país", relata Goulart. Entretanto, o pesquisador defende que o prejuízo ocorre em relação aos investimentos realizados no exterior, visto que não é permitida a

venda dos direitos de uma patente que ainda não foi concedida. “Você tem uma letargia e nem as empresas podem quebrar isso, porque querem garantias de que ninguém irá fraudar o sistema delas”, conclui. De acordo com o Diretor da Agência Intelecto, Thiago Paluma, a demora na concessão de patentes não gera impactos nesse ramo. “Para o pesquisador, é importante que a invenção seja depositada, pois assim garante-se a anterioridade. Ainda que demore alguns anos para a análise final do INPI, o titular da patente pode exercer os direitos sobre a tecnologia do objeto requerido”. Na perspectiva de Paluma, são inúmeros os benefícios destinados à sociedade pelo sistema de patentes. “O principal é a melhoria da qualidade de vida da população, colocando à disposição produtos ou tecnologias que podem trazer benefícios sociais e econômicos", avalia.


CADERNO ESPECIAL

Confidências sob ditadura Após 50 anos do AI-5, o Senso Incomum investiga os impactos do decreto nas pesquisas, na imprensa e no cotidiano de Uberlândia ALLY KALOUT, EDUARDA YAMAGUCHI E HEITOR GOMES Em 13 de dezembro de 1968, 24 membros da cúpula do governo Costa e Silva (1967-1968) reuniram-se no Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, para aprovar o 5º Ato Institucional do regime militar. O decreto, que faz parte de um conjunto de 17 atos promulgados ao longo dos 21 anos do período (1964-1985), ficou marcado pelo acirramento da censura, da perseguição a indivíduos considerados perigosos pelo governo e pela cassação de direitos civis básicos. Em seu texto inicial, evidenciava que o objetivo era “assegurar a ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção" no Brasil. Na UFU, por meio da memória, pesquisadores desenvolvem estudos acadêmicos que mostram uma crítica ao passado autoritário do regime militar no Brasil. A docente do curso de História e também pesquisadora, Dilma Andrade, considera importante estudar o AI-5 para recordar o passado e não cometer os mesmos erros. “Nós sabemos que onde cresce o autoritarismo não crescem liberdades. O ser humano, para ser produtivo, criativo e, efetivamente, humano, precisa de um mínimo de liberdade e garantias”, declara a professora. Mesmo 50 anos depois, o processo de pesquisa sobre o tema ainda enfrenta barreiras, como conta a estudante de Direito na UFU Marina Goulart, que participou da Sub-Comissão da Verdade do Triângulo Mineiro e Alto do Paranaíba. A graduanda explica que a maior parte das análises precisa ser realizada através de documentos e testemunhos que, em sua maioria, não está disponível digitalmente, além dos que não são mais encontrados. Ao recorrer a acervos físicos da cidade, como o Instituto de História e o Arquivo Municipal, Goulart relata que a Sub-Comissão teve dificuldade em encontrar o que precisava. “Em muitos lugares, os documentos condizentes ao período de 1964 a 1985 sumiram sob alegações de mofo ou enchente. Há um desmazelo deliberado na con-

servação desse material para frustrar o acesso e uma tentativa ostensiva de apagar os registros da ditadura militar”, revela. As pesquisadoras, porém, apontam que os obstáculos enfrentados não foram suficientes para barrar estudos sobre o tema. É o caso das mais de 1.080 pesquisas encontradas no Repositório da UFU, utilizando o termo “Ato Institucional Cinco Ditadura Militar”, e das 18 ao se pesquisar “Ato Institucional Número Cinco”. A censura do regime militar não afetou somente as pesquisas. O Correio de Uberlândia, principal jornal da cidade, até seu fechamento, em 2016, também sofreu as consequências do Ato. O Correio noticiou a implantação do AI-5, porém deixou de publicar notícias de cunho político ou crítico nos anos seguintes. Apenas em 2008, no aniversário de 40 anos do decreto, voltou a abordar o assunto com mais detalhes. As reportagens “Ato Institucional número cinco: em recesso o Congresso Nacional desde sexta-feira”, de dezembro de 1968, e “Missa negra gerou o AI5”, produzida em dezembro de 2008, mostram uma diferença fundamental no tratamento que o jornal deu ao tema: o discurso. Enquanto a reportagem de 1968, sem autor identificado, nomeia o período de “movimento de 1964”, a matéria publicada 40 anos mais tarde, redigida por Arthur Fernandes, emprega a palavra “ditadura”. Para o professor de Análise de Discurso na UFU, Israel de Sá, essa mudança se deve ao fim do período ditatorial. “A mídia publicava informações do que o Ato se tratava, mas dificilmente havia repercussão ou reflexões sobre o assunto”, uma vez que a imprensa da época era controlada pelos censores do regime. Apesar de atestar a força do regime contra a imprensa e o arrocho da censura, o jornalista Pedro Reis, que tinha 26 anos quando o governo militar chegou ao fim, lembra que a população sentiu menos esses efeitos. “O cidadão ‘comum’ quase não percebia o poder da ditadura, salvo pelas notícias de jornal quando havia algum evento envolvendo ações de confronto”, conclui.

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CADERNO ESPECIAL

Comissão da memória Rondon, Ismene e as 15 recomendações da Sub-Comissão Os resultados dos relatórios promovem avanços democráticos, mas enfrentam barreiras em Uberlândia BEATRIZ ORTIZ E CAROLINE SOARES Em 2017, a Sub-Comissão da Verdade do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba “Ismene Mendes” divulgou os relatórios “Caso Ismene Mendes” e “A face civil da Ditadura”, resultados de investigações sobre o período ditatorial em Uberlândia. Ao final, foram realizadas 15 recomendações para o município e para o Estado de Minas Gerais. O Senso Incomum averiguou o andamento das demandas. O trabalho foi desenvolvido por nove pesquisadores e direcionado a dois sujeitos da história uberlandense: Ismene Mendes e Rondon Pacheco. Dentre as recomendações estão: a mudança da causa mortis dos atestados de óbito para as vítimas do regime, a retirada de homenagens aos agentes da Ditadura e a criação de um memorial para os índios Krenak. A primeira, de retificação da causa de óbito de pessoas mortas em decorrência de violações graves de Direitos Humanos, está associada ao caso Ismene Mendes. Estuprada e assassinada, seu falecimento ficou conhecido como suicídio. Seu atestado de óbito foi divulgado pelo cartório de Patrocínio durante a investigação do Ministério Público Federal (MPF). Segundo o Procurador-Geral da República, Leonardo Andrade Macedo, a palavra “suicídio” não foi citada, logo, não é necessário alterar o documento. “Quando pedíamos a certidão de óbito, nos falavam: ‘Para que mexer com isso? Deixa quieto’. Ao citar o

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nome dela, tudo se fechava”, conta o advogado José Carlos Muniz Filho, um dos autores dos relatórios. Muniz Filho ressalta ainda a importância de lutar pelos direitos dos trabalhadores, em esclarecimento do motivo de Mendes ter sido violentada e assassinada: “Nossa luta é para que haja o reconhecimento formal do homicídio”. A recomendação número 14, de colocação de um busto em homenagem a Ismene Mendes na UFU, foi realizada em maio deste ano, após audiência pública do MPF, que discutiu as sugestões da Sub-Comissão da Verdade. Entre as orientações mais emblemáticas dos relatórios estão: a retirada de condecorações públicas a agentes da Ditadura e o reconhecimento dos crimes de humanidade

praticados por Rondon Pacheco. O MPF recomendou à Câmara Municipal de Uberlândia que revogasse dois decretos legislativos aprovados pelos vereadores que tratam de homenagens ao ex-governador. Mas, segundo o procurador Macedo, não houve pronunciamento. O próximo passo é entrar com uma ação judicial contra a Câmara. Dentre as determinações está a Comenda Rondon Pacheco, premiação destinada a instituições e pessoas que contribuem para o progresso de Uberlândia. O Vereador Ronaldo Alves é seu idealizador. “Nós entramos com esse projeto na Câmara por considerarmos o que ele representou para a nossa região”, explica. O homenageado contribuiu para a construção de rodovias, a chegada

OUTRAS RECOMENDAÇÕES DA SUB-COMISSÃO 1. Adotar medidas e políticas públicas com o fim de prevenir a violação de Direitos Humanos; 2. Preservar os processos judiciais do período e todos os documentos, para que não sejam perdidos com os desgastes do tempo; 3. Ampliar as investigações das violações de Direitos Humanos aos quilombolas, povos indígenas, missionários e camponeses; 4. Implantar cursos de capacitação referentes ao período, para consolidação dos valores democráticos na sociedade; 5. Criar um observatório local de Direitos Humanos;

6. Criar uma ouvidoria permanente para dar suporte às denúncias de atos cometidos em Regime de Exceção; 7. Dar continuidade às pesquisas sobre os casos de violações no período; 8. Incluir as vítimas mencionadas, nos dois relatórios apresentados pela Subcomissão da Verdade, no rol de vítimas da Comissão Nacional da Verdade; 9. Revisar a legitimação de terras devolutas em Minas Gerais durante o período ditatorial; 10. Realizar a abertura dos arquivos do período.

de indústrias, a implantação de energia elétrica no Vale do Jequitinhonha e a origem da UFU. “Ele é um exemplo de homem honesto, justo e ético. Foi um grande estadista e um espelho enquanto figura pública”, declara Alves. Controversamente, o ex-governador também está ligado ao etnocídio dos indígenas Krenak e à assinatura do Ato Inconstitucional número 5. “Que defesa do Brasil é essa em que se retira a terra dos indígenas para entregar aos mineradores internacionais e os dizima e os tortura?”, questiona Muniz Filho. Macedo acredita que as dificuldades em refutar as homenagens ao político vêm da imagem que ele representa à cidade. “Os moradores não sentiram diretamente as violações de Rondon. Elas atingiram aldeias e regiões mais afastadas”, avalia. Alves defende que existe um equívoco em relação à figura do exgovernador: “Não acatamos as recomendações. No Poder Legislativo, temos toda a liberdade. Não estamos fazendo nada de errado contra a sociedade”. A última demanda da Sub-Comissão da Verdade é a criação de um memorial aos índios Krenak. Depois da depravação do busto de Rondon Pacheco na UFU, o MPF sugeriu à Universidade que construísse, em reposição, o memorial a eles. O pedido foi acatado e a inauguração será realizada em 2019. Os relatórios foram finalizados em dezembro de 2016. Todas as outras recomendações estão em andamento no MPF e nas instâncias estaduais e nacionais.


CADERNO ESPECIAL

e verdade: Histórias vivas Quanto vale o progresso?

Lembrar para nunca mais

A controversa carreira do filho pródigo de Uberlândia

Ismene Mendes, um símbolo da resistência na ditadura

TUILA TACHIKAWA A imagem de Rondon Pacheco se divide em dois pontos de vista distintos: progressista, que trouxe crescimento para a cidade, e apoiador do regime militar. Se filiou à União Democrática Nacional (UDN) em 1945 - partido que ajudou a fundar -, governou Minas Gerais (19711975), foi ministro-chefe do Gabinete Civil do presidente Costa e Silva, além de estar no centro do poder durante a assinatura do Ato Institucional nº 5 (AI-5). Vilmar Martins, historiador e criador do documentário “Delírios da ordem, Fantasmas do progresso”, reflete sobre o fato de Rondon ter sido uma personalidade da Ditadura Militar. “O golpe se sustentou no discurso de anticomunismo e conservadorismo, que se enquadrava nos ideias de Rondon”. Um dos momentos mais controversos de sua carreira é quando Rondon adere ao movimento político-militar que depôs João Goulart e levou os militares ao poder. Sobre sua participação no AI-5, Martins avalia a ação como grotesca. “Ele leu a carta de revolução, estava ‘de acordo’ com o AI-5. O assinou". E ainda completa: "A ditadura não se mede pelo número de cadáveres, mas pelo autoritarismo sistêmico sobre o qual se apoia”. O documentarista diz que Rondon representa uma figura política

NAIARA ASHAIA carregada do estigma de “herói”. “Suas aparições compõem uma narrativa embasada no desconhecimento histórico da população e na veiculação de informações por jornais partidários”, afirma. “Essa idealização é viabilizada pelo silenciamento dos que sofreram, na fabulação de grupos terroristas e no esquecimento. A memória é um campo de disputas e a história que vence é a que permanece”, enfatiza. O jornalista Ivan Santos que atuou na época da ditadura relembra a imagem de Rondon. “Foi um democrata habilidoso como ninguém. Ele viabilizou progresso, empresas, formou a UFU e também abriu o cerrado para exploração”, constata. A imagem pejorativa de um governador ditador é, na visão de Ivan, uma “criação da esquerda”. “Ele tentou estipular um período para a vigência do AI-5”, conta. Não desmentindo o discurso que há em Uberlândia sobre o progresso que Rondon Pacheco viabilizou, Vilmar apenas complementa que a universidade funcionava sob a vigilância militar nas salas, nas organizações estudantis e nos cargos de responsabilidade. “As torturas não cessaram. Os contrários ao regime foram tidos como 'terroristas'. Em paralelo, assinar o AI-5 significou o consentimento”. E finaliza com a pergunta: “Progresso para quem?”.

"Quando penso na Ismene Mendes, estuprada, assassinada e acusada de auto-estupro e duplo suicídio, o que me move é recontar sua história". Com este relato, a professora da faculdade de Direito da UFU e integrante da Sub-Comissão da Verdade do Triângulo Mineiro e Alto do Paranaíba, Neiva Flávia de Oliveira, iniciou a conversa sobre a importância da força de Ismene Mendes enquanto símbolo da resistência feminina no período da ditadura. Nascida em Patrocínio, acompanhava o pai, fundador do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, nas reuniões ainda na infância. Seu compromisso com os direitos dos trabalhadores a tornou vereadora, com posicionamento político em prol do povo. Conhecida pelo caráter combativo, os policiais federais a vigiavam com frequência. O Relatório I da Sub-Comissão da Verdade registra que, no dia 10 de outubro de 1985, Ismene voltava para casa depois do trabalho, quando foi chamada por uma criança cuja mãe precisava de socorro. Ao se aproximar do local, homens encapuzados a renderam. Ali, foi estuprada, espancada e ameaçada de morte em caso de denúncia. Ela se esforçou e conseguiu chegar até a delegacia. O corpo de delito não foi realizado, apesar de terem sido encontradas lascas de madeira

em sua genitália. O inquérito concluiu que havia simulado o espancamento e praticado autoestupro. Doze dias depois, Ismene foi encontrada por um fazendeiro, agonizando em sua cama. A investigação policial concluiu que ela cometeu suicídio ao cortar os pulsos e ingerir veneno para lavoura, devido à vergonha de ser descoberta sobre a possível simulação. A distorção dos fatos na versão oficial foi mantida até que a Sub-Comissão da Verdade desmentiu a história, em 2016. Como forma de reparação, em 2018 foi solicitada a troca do nome da principal praça de Uberlândia de “Tubal Vilela” para “Ismene Mendes”. A razão pela revolta com o nome do político tem relação com o assassinato de sua esposa, Rosalina Buccironi, por suspeitar de uma traição. “Ele abriu a porta vagarosamente. Ela não o viu, por estar de costas. Após três tiros, ela caiu sem ver quem a matou”, relata Neiva Flávia. Tubal foi absolvido do crime. Com firmeza, Neiva Flávia de Oliveira afirma que a vida de mulheres como Ismene e Rosalina a inspira. "É ser voz de quem não tem mais como ter voz. Dar o mínimo de garantias: dignidade e reparação”. Essa força não só a move, como também traz estímulo às uberlandenses. A mobilização com a praça “Ismene Mendes” é uma prova disso.

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CADERNO ESPECIAL

A personificação da resistência As histórias contadas por quem vivenciou a tortura são lições para que o passado não se repita LOISE MONTEIRO Afonso Lana, mineiro de Rio Casca, artista plástico e professor aposentado do Instituto de Artes da UFU, é exemplo vivo da repressão nos tempos da Ditadura Militar. Aos 74 anos, Lana relembra as experiências como preso político e exilado. Ainda que tenha sofrido tortura e censura, transparece serenidade e força, almejando que a democracia sempre vença. O Senso Incomum entrevistou o artista para entender o AI-5 e suas consequências. Senso Incomum: Como foi atuar no movimento estudantil durante o regime militar, tendo participado do Diretório Acadêmico da Veterinária na Universidade Federal de Minas Gerais, na década de 1960? Afonso Lana: Foi uma experiência muito viva. Primeiro, eu vi o golpe de 64 quando tinha 16 anos. Nessa época eu estudava em Ouro Preto, era secundarista, mas já me interessava por política. Ingressei na universidade em 1967 e, pouco tempo depois, entrei no Diretório Acadêmico. No dia da minha posse, veio o representante da UEE (União Estadual dos Estudantes) e propôs uma greve geral, em função de um acordo que visava a privatização das universidades e transformação delas em cursos técnicos. Após as primeiras militâncias, comecei a ser visado. Quiseram me vigiar, como se eu fosse pago pelo comunismo internacional, e isso me incomodava. Fui detido e acusado de espancar um

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policial, o que não é verdade. Fiquei quase um mês preso e os alunos do Curso de Veterinária fizeram manifestações para me soltar. Fui solto, mas continuei na atividade e me prenderam outras três vezes. Assim, decidi entrar no Comando de Libertação Nacional (Colina). Foi um processo de radicalização muito rápido. Fazíamos uma série de ações e começamos a assaltar bancos, para conseguir armas para a guerrilha. Nunca representamos perigo para o processo político. Nossa estratégia era, no máximo, incomodar. Após ingressar no Colina, o senhor foi preso, quando o AI-5 já estava promulgado. O que o AI-5 significou para você? No AI-5 qualquer ideia do processo democrático foi perdida. Em janeiro de 1969, fui preso e submetido à tortura até o fim do ano. Fomos colocados em uma cela pequena, com seis companheiros nus e apenas uma privada, de onde tomávamos água. Passamos por uma série de experiências negativas, inclusive, assistindo outros torturados, em pau de arara e choque elétrico. Um dos problemas mais difíceis foi ver gente se matar. Vi um preso se enforcar, um companheiro tentando, e o outro enlouquecer. E isso me assustava. Aliás, de morte eu nunca tive medo. Preferiria a morte a ficar com traumas e sequelas. Depois de solto, como foi o exílio no Chile?

Fiquei dois anos preso, até que houve o sequestro do embaixador suíço e fui solto, junto com 70 pessoas. Fomos levados para o Chile, onde começava o governo de Salvador Allende. Porém, o golpe no Chile, anos depois, foi uma das coisas mais traumáticas que eu já vi. A ideia do Pinochet, responsável pela tomada do poder, era: “denuncie um estrangeiro”. Eu tive que buscar asilo e não conseguia na embaixada, porque estavam todas cercadas. Quando surgiu um movimento internacional fui para a Alemanha, onde fiquei por oito anos. Fiz artes plásticas e produzi trabalhos que retratavam um pouco dessa experiência. Após esse tempo, houve a anistia no Brasil. Fiz concurso na universidade e vim para Uberlândia. Como classifica o atual cenário político do país? Há semelhanças com o regime ditatorial comandado pelos militares? Existem muitas semelhanças, mas têm diferenças. O governo atual foi eleito pelo processo eleitoral e isso representa uma mudança. Naquela época, em toda campanha que estabeleceu o golpe, havia uma tendência de considerar comunista todo pensamento que contrariava o Estado. Hoje, há um jogo de manipulação autoritária muito semelhante crescendo em várias partes do mundo. Mas acredito que uma sociedade só vai para frente com a ampliação do processo democrático e igualitário. Vivi, conheço e não aceito nenhuma forma de ditadura.


VIDA NA UNIVERSIDADE

Estudantes criam plano de revitalização para o Parque do Goiabal O local se encontra fechado desde 2006, sem manutenção da Prefeitura de Ituiutaba JOÃO RICARDO E PEDRO PRADO Alunos do curso de Ciências Biológicas, do campus UFU Pontal, realizam plano de revitalização do Parque Dr. Petrônio Rodrigues Chaves, conhecido como “Parque do Goiabal”, em Ituiutaba (MG). A iniciativa tem o intuito de utilizar o espaço para o desenvolvimento de pesquisas e trabalhos práticos de Botânica e Biogeografia, além de servir como ambiente de integração com a comunidade externa. Há 12 anos fechado, o projeto de revitalização do parque iniciou em 2015, com um estudo e projeto de execução de um jardim botânico no parque. A proposta partiu de um grupo de estudantes, nomeado como Coletivo Goiabal Vivo, que atua na mediação entre a Prefeitura de Ituiutaba, proprietária da área, e a UFU. O estudante do 4º período de Ciências Biológicas, Calebe da Silva, idealizador e fundador do coletivo, conta que a ideia não partiu apenas da vontade de regularizar a área para a pesquisa e trabalho de campo, mas também de revigorar o mais importante espaço de conservação ambiental da região. “A vegetação presente no Goiabal é rica e muito rara, já que é uma mata de transição entre o Cerrado e a Mata Atlântica. Todas as espécies nativas aqui são primárias, ou seja, nunca foram desmatadas e depois reflorestadas”, explica. O Goiabal funcionava desde sua inauguração, em 1986, como um bosque de preservação, quando foi fechado por determinação da Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo da cidade, com a justificativa de falta de verbas para sua manutenção. O espaço tem 375.900 m² de área verde, o que corresponde a quase 38 campos de futebol. Entretanto, sempre foi mantido pela Prefeitura por apenas um funcionário. O professor do curso de Ciências Biológicas da UFU Pontal, Lucas Matheus da Rocha, explica que, devido à expansão urbana da cidade, durante o período em que o parque esteve fechado, os bairros começaram a se aproximar das bordas da reserva. Segundo Rocha, “as irregularidades no sistema fluvial de residências e condomínios passaram a apresentar escoamentos para dentro do Goiabal, o que

INAUGURADO HÁ MAIS DE 30 ANOS, O PARQUE DO GOIABAL, SITUADO EM ITUIUTABA (MG), PERMANECE FECHADO DESDE 2006 DEVIDO ÀS DEGRADAÇÕES NATURAIS E DESCASO POR PARTE DO PODER PÚBLICO. | FOTO: TUILA TACHIKAWA

levou a aparição de voçorocas, consequência de um processo de erosão no solo da reserva”. No ano seguinte, em 2013, a Prefeitura determinou novamente o fechamento da reserva para visitação da população, entendendo que as voçorocas representavam risco aos frequentadores. Procurado para prestar esclarecimentos sobre a atual situação do parque, o agente de desenvolvimento do município e responsável pela Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo de Ituiutaba, Elton Angelo Garcia, reconhece a importância do parque para a cidade e justifica que a falta de verbas acontece pela gestão de prioridades do município. “O Parque de Goiabal é o pulmão da cidade, e merece atenção especial de nossa Secretaria. Recentemente foram feitas obras na estrada que dá acesso ao parque e a compra de material para reparos no alambrado, mas ainda falta muito”, explica o agente. Ele também adianta que um projeto de revitalização do

parque já está sendo desenvolvido na entidade que prevê uma nova guarita, vigilância monitorada, pista de caminhada, espaço de equoterapia, área de descanso e salão de convivência. As informações, no entanto, são vistas com cautela pelo estudante do 4º período de Ciências Biológicas, Henrique Oliveira, que também participa do Coletivo Goiabal Vivo. Para ele, os trabalhos para revitalização do parque devem continuar enquanto as promessas de revitalização da Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo não apresentarem resultados concretos. “Nosso plano é iniciar um abaixo-assinado com a população da cidade, para que as obras de manutenção do parque se iniciem o mais rápido possível”. E complementa: “É de extrema importância contar com o apoio tanto da comunidade acadêmica, que usa o parque para as atividades de pesquisas, como dos cidadãos, que usufruem da reserva para o lazer, finaliza.

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CULTURA

Projeto estimula jazz brasileiro na UFU A Orquestra Popular do Cerrado promove música instrumental na cidade de Uberlândia AURÉLIO BARCELOS Inspirada em grandes nomes da música popular brasileira, como Tom Jobim, Moacir Santos e Wagner Tiso, a Orquestra Popular do Cerrado (OPC) da UFU representa uma transformação musical para a universidade e a cidade de Uberlândia. Com quase dez anos de atuação, o projeto colhe seus frutos. A partir de 2019, o curso de Música passará a oferecer também outra habilitação além da Erudita: a Música Popular. Seguindo os padrões da "Era do Swing" do Jazz estadunidense - grupo caracterizado como uma big band constituída por 12 a 25 músicos, organizados em quatro naipes de instrumentos - a Orquestra Popular do Cerrado tem em sua formação quatro trompetes, três trombones, quatro saxofones, duas flautas transversais, um piano, uma guitarra, um baixo, uma bateria e percussão para executar peças de Jazz Brasileiro,

uma mistura de samba, samba-reggae, maracatu e bossa nova. O regente e coordenador da OPC há quatro anos, Alexandre Teixeira, acredita que o grupo oferece uma experiência acadêmica e artística para os alunos da universidade. “Os bolsistas dividem seu tempo em conhecer o repertório, estudar individualmente as músicas e ler sobre os compositores e a história das obras, o que ajuda na interpretação da música”, enfatiza. O problema, porém, é a alta rotatividade dos integrantes da banda. Segundo o estudante de licenciatura em Violão e guitarrista da orquestra, Pablo Pessoa, os alunos almejam um pouco mais de autonomia. “Algumas decisões são tomadas pelo regente, mas o grupo gostaria de, pelo menos, experimentar novas formas ou repertório”. Para Teixeira, a falta de abertura é fruto das li-

mitações do projeto, que depende da participação de alunos que, com o ciclo universitário de quatro ou cinco anos, precisam ser substituídos. Essas constantes mudanças de instrumentistas, segundo ele, atrapalham o entrosamento da banda e o amadurecimento do grupo como um todo. “Não basta ter músicos bons, eles precisam saber tocar juntos”, ressalta. Ainda assim, Pablo Pessoa reconhece que a orquestra é uma oportunidade para os músicos, já que são poucas formações desse porte na região. “Ela moldou o caminho que eu segui durante o curso”. Para participar, basta passar na audição realizada pelo grupo. O próximo teste será no primeiro semestre de 2019. O grupo também estuda a possibilidade de suprir as vagas não preenchidas com músicos da comunidade externa.

VIDA NA UNIVERSIDADE

Família Acolhedora incentiva ação social O projeto tem como função o acolhimento familiar de crianças e adolescentes entre 0 e 18 anos ANA LUÍZA VARGAS “Ele trouxe luz para a nossa casa”. Assim inicia a conversa com uma das mais de 30 famílias cadastradas no Programa Família Acolhedora em Uberlândia. A política pública, prevista na Lei 12010/2009, atende crianças e adolescentes que, afastados do convívio familiar por meio de medida protetiva, são acolhidos em casas de famílias voluntárias até a resolução do caso na justiça. O professor do Direito da UFU, Gustavo Boyadian, aponta que o texto original do Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, já fazia uma previsão quanto à inclusão desta faixa etária em programas de acolhimento familiar. O Estatuto prevê ainda que os trabalhos de atendimento institucional devem priorizar essa modalidade de adoção provisória. “Essa é uma medida excepcional e distinta da adoção, que é uma decisão permanente”, explica. Segundo dados do Cadastro Nacional de Cri-

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anças Acolhidas, no Brasil existem mais de 47 mil crianças e adolescentes nessa situação. De acordo com a coordenadora do serviço em Uberlândia, Karina Garcia, o tempo máximo estipulado para o acolhimento provisório é de um ano e meio, mas ainda há dúvidas quanto ao vínculo que pode ser criado. “Ninguém deixa de amar os avós porque um dia eles vão partir. Conversamos muito sobre isso no curso, a importância desse apego ser saudável entre as partes”, afirma. Uma das psicólogas da unidade, Aline Sicari, explica que as famílias e crianças recebem acompanhamento psicossocial quando entram no programa, é um procedimento padrão para as famílias que desejam participar da ação social “Buscamos entender se os pais de origem vão resgatar essas crianças ou se, após passarem pelo serviço de acolhimento, elas serão encaminhadas para a adoção”, informa.

PELO OLHAR DO AMOR Gracileia Saraiva, 47, participa do programa e cuida de uma criança de dois anos. Ela comenta que aderiu à Família Acolhedora por amor às crianças e pelo vazio que sentia com a saída dos filhos de casa. “Quando a gente conheceu o projeto, achamos excelente, porque não é uma adoção, que é algo definitivo, mas sim uma forma de sempre ter uma criança em casa”, comemora. A chegada do João* mudou a rotina da família. Um dos filhos de Gracileia, Renato Saraiva, 29, é pedagogo e conta que sua paixão por educar fez com que ele se aproximasse ainda mais do menino e ensinasse a Língua Brasileira de Sinais a ele. “Como estou em uma nova graduação na UFU, comecei a ensinar e ele já consegue sinalizar. Isso é muito bonito”, emociona-se. *Nome fictício para preservar a criança.


ESPORTES

Projeto da UFU promove socialização de idosos por meio do esporte A iniciativa "Esporte e Vida" apresenta a bocha para acolhidos em instituição e transforma a rotina da terceira idade MATHEUS MINUNCIO “Você é meu amigo, está me dando atenção e isso vale mais que ouro”. Com essa fala o senhor Nicolau, de 73 anos, que mora em uma fundação voltada à terceira idade, após uma rápida conversa destacou a importância do convívio social. Emocionado, o idoso contou que morava com a irmã quando ela apresentou o diagnóstico de esquizofrenia, circunstância que o levou a se mudar para a fundação. Quando surgiu a modalidade bocha, no projeto "Esporte e Vida", foi a primeira vez que seu Nicolau ouviu falar do esporte. Antes disso só havia praticado o futebol. Há três anos na fundação nunca presenciou alguma iniciativa como esta. Hoje já afirma gostar da modalidade, dizendo que é uma forma de entreter para esquecer dos problemas e dar apoio aos participantes. “Nossa vida é passageira e você não pode ficar triste ou desanimado. O estímulo desse projeto é maravilhoso”, conta. Uma das voluntárias do projeto, Amanda Soares, relatou sua experiência com Dona Auxiliadora. A idosa, deficiente visual, não praticava a modalidade devido a sua limitação, porém, após longa conversa, foi convencida. “Para mim esse foi um dos dias em que mais me marcou. Ver sua força de vontade e poder, por um momento, ser os seus olhos”, relata Soares. Ela que também é estudante do quarto período em Fisioterapia na UFU, explica que o esporte é importante para a terceira idade porque nesta fase de envelhecimento, o indivíduo começa a ter dificuldades motoras e a força muscular já não é mais a mesma de antes. “O esporte passa a ser ferramenta fundamental para uma melhor qualidade de vida e ganho na amplitude dos movimentos”, explica. O projeto de extensão do curso de Gestão da Informação da UFU, sob orientação da Professora Edileusa Sousa, teve início em outubro de 2018, pela estudante e atleta paralímpica de alto rendimento Daniele Martins. Atualmente a proposta conta com apoio de 13 voluntários, 10 deles estudantes da própria universidade, instituição responsável pela divulgação e que

A PRÁTICA ESPORTIVA EM GRUPO TENDE A DIMINUIR ÍNDICES DE ESTRESSE E ANSIEDADE. FOTO: MARINA ROSA

está aberta a receber outros apoiadores. Em sua etapa inicial, é desenvolvida por duas vezes na semana a prática da Bocha Paralímpica na Fundação de Ação Social Evangélica Reverendo Adão Bomtempo (FASE), por se tratar de uma modalidade adaptável a vários níveis de limitações físicas, que acometem os idosos assistidos pela instituição.

Nossa vida é passageira e você não pode ficar triste ou desanimado. O estímulo desse projeto é maravilhoso (Nicolau)

Além do auxílio na parte motora, o apoio psicológico é essencial. Martins conta que muitos pacientes ficam um bom tempo sem receber visitas ou ligações, e projetos como este permitem a socialização e a reabilitação de todos. Psicóloga clínica e esportiva, também voluntária do projeto, Renata Garcia, ressalta que a bocha tem como ponto forte o desenvolvimento da atenção, raciocínio, memória, força e lateralidade de seus praticantes. “Além dos benefícios físico e cognitivo, existem também os emocionais Daniela Martins ressalta que o projeto não recebe qualquer apoio financeiro e utiliza apenas um kit de bolas de bocha emprestado para as atividades. A atleta afirma que existe o interesse em ampliar o projeto social para outras instituições. “O meu principal objetivo no projeto é proporcionar mais qualidade de vida aos idosos", conclui.

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FOTOENSAIO

No berço da periferia AURÉLIO BARCELOS, EDUARDO SIMÕES, LUIZ GUSTAVO RIBEIRO, MARIA JÚLIA ARAÚJO E MARINA BARQUETE Em meio a tantas negligências vivenciadas pelas crianças nas periferias do Brasil, a carência de sentimentos é a mais latente entre aquelas que moram no bairro Élisson Prieto. As crianças que vivem no antigo assentamento Glória possuem outras urgências sociais: a luta por moradia e pela garantia de direitos, que perdura há seis anos. A educação, a família e as brincadeiras fazem parte de algo maior que a infância e se tornam pilares da filosofia de um projeto desenvolvido por estudantes da UFU: o ABC do Glória. As imagens produzidas para esse fotoensaio foram registradas durante a festa de Natal, realizada pelo grupo de voluntários que envolve a comunidade e solidifica o significado de infância, além de introduzir o conceito de resiliência.

RESILIÊNCIA: Resistência em ambiente fragilizado, onde há falta de estrutura e amparo básico.

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