Pontal, janeiro/fevereiro de 2025 - ANO 1 - Edição 1
No ritmo dos FESTIVAIS
Durante dez anos, nas décadas de 1980 e 90, as irmãs Zuleine e Valkíria mantiveram uma tradição cultural e ajudaram a formar o caráter e a personalidade de um grande número de crianças

ENTREVISTA
Eidi Tsukahara, médico psiquiatra do Ambulatório de Saúde Mental de Pontal
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IN MEMORIAM
Capela construída por Clarismundo, o senhor do “martelinho”, é cuidada pela filha
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Mirão do Jornal resiste à era digital e mantém entregas nas casas de assinantes
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Casa da Vó abre as portas para o conhecimento e o desenvolvimento cultural ARTE
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A trajetória de 60 anos de sacerdócio do Padre Nasser





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EDITORIAL
Se diz pontalense, mas não conhece…
Foi dessa frase que nasceu a ideia do projeto Família Pontalense. De tempos em tempos, a brincadeira circula na internet. Pessoas que vivenciaram histórias marcantes em Pontal compartilham lembranças complementando o raciocínio: “Se diz pontalense, mas não conheceu os festivais de dança”; “Se diz pontalense, mas nunca foi à capela construída pelo Sr. Clarismundo”; “Se diz pontalense, mas nunca recebeu um jornal entregue pelo Mirão da Banca”.
A partir disso, começamos a pensar: “E se lançássemos uma proposta para jogar luz nesses ícones? Para ajudar a preservar memórias imprescindíveis para o desenvolvimento da cidade? Assim, nossos moradores poderão dizer, quem sabe um dia, que se dizem pontalenses porque conhecem a terra em que nasceram ou que escolheram para viver.
Queremos que o Família Pontalense seja um encontro. Entre pessoas, destas com seu passado, com as possibilidades do presente e com as expectativas de um futuro mais solidário.
Sejam bem-vindos e boa leitura!
FAMÍLIA em Foto

Imagem da Igreja Matriz de São Lourenço anterior a 2007, quando a Praça Bortolo Carolo foi reformada em comemoração ao centenário de Pontal. Segundo o livro “Pontal que eu vi e ouvi: sua história, sua gente (1986)”, da Professora Emília Ferreira da Matta Rocha, a igreja com a arquitetura atual foi concluída em 1969, sob a condução do Cônego Sebastião Ortiz Gomes. Em 1964, a construção antiga, que havia sido inaugurada em 1912, como capela, e passado por várias mudanças, havia sido demolida por ordem do Padre Natal Campana. A torre atual, com relógio nas quatro faces, ficaria pronta em 1971.

SAÚDE MENTAL
“É SEMPRE importante, para buscar ajuda, a pessoa entender que precisa de ajuda”
O psiquiatra Eidi Tsukahara, que atende no Ambulatório de Saúde Mental de Pontal, aponta quais são os sinais que indicam o momento de procurar o serviço, afirma que o acesso da população aos tratamentos é bom e que é preciso criar espaços de prevenção
Aos oito anos, Eidi Tsukahara já cogitava ser médico. A escolha definitiva pela profissão, porém, só foi feita durante o Ensino Médio, quando ele começou a pensar no vestibular. Tentou uma, duas vezes, até que, na terceira, ingressou na USP em Ribeirão Preto.
Em 2017, aos 30 anos, após fazer residência em psiquiatria, veio para o Ambulatório de Saúde Mental de Pontal. Hoje, aos 37, comemora uma evolução no olhar sobre os pacientes. Diz que, durante os estudos, tinha uma percepção estritamente farmacológica das pessoas com transtornos psicológicos.
Com a experiência adquirida no município, desenvolveu uma abordagem social, interdisciplinar, e sonha com um cenário em que seja possível evitar o adoecimento, por meio de investimentos em prevenção.
A disciplina para fazer um trabalho que exige conhecer toda a rede de pessoas envolvidas com a saúde mental foi inspirada, segundo ele, nos pais, descendentes de japoneses. “Meus pais são muito disciplinados. Meu pai é um pouco rígido quanto a fazer as coisas corretamente. Isso me ajudou muito nos estudos”.
Nessa entrevista exclusiva ao Família Pontalense, Eidi fala sobre a formação, os desafios de atuar na saúde pública, reflete sobre como é lidar com os transtornos psiquiátricos no dia a dia e faz alertas importantes para que possamos enfrentar nossas dificuldades emocionais.

É bastante puxada a faculdade, tem muitas atividades extracurriculares, que consomem bastante tempo, bastante dedicação. Acho que essas foram as dificuldades, lidar com o tempo, mas foi um período muito produtivo também da minha vida, em que aprendi bastante coisa. E penso, de uma forma muito positiva hoje em dia, sobre a vivência que eu tive na faculdade.
Você se formou em medicina na USP-Ribeirão, uma das universidades mais concorridas do Brasil. Como foi essa experiência e quais as principais dificuldades que enfrentou durante a graduação?
Realmente, é uma faculdade bastante concorrida. Eu não passei direto do terceiro [ano do Ensino Médio]. Fiz dois anos de cursinho. Sou de Araçatuba e mudei para Ribeirão para fazer cursinho no COC. Foi bastante puxado, começar a estudar de manhã e parar à noite, todos os dias, por dois anos. E, com isso, depois do segundo ano, eu consegui ingressar na universidade. Lá dentro, tive várias coisas para fazer e conciliar o tempo. Joguei basquete, tinha que estudar, plantão, trabalhos, fiz parte da Atlética, dei aula de Física no cursinho. Todas as atividades ao mesmo tempo. No final da faculdade, tinha prova de residência. É bastante puxada a faculdade, tem muitas atividades extracurriculares, que consomem bastante tempo, bastante dedicação. Acho que essas foram as dificuldades, lidar com o tempo, mas foi um período muito produtivo também da minha vida, em que aprendi bastante coisa. E penso, de uma forma muito positiva hoje em dia, sobre a vivência que eu tive na faculdade.
Qual foi a principal motivação para escolher a psiquiatria como especialidade?
Minha motivação para fazer psiquiatria teve um conjunto de fatores. Consigo pensar que a primeira vez que isso entrou nas possibilidades para mim foi quando eu tava no quinto ano da faculdade. Foi quando
entrevistei um paciente que tinha transtorno bipolar, tava em episódio maníaco, E tive que apresentar essa entrevista para a turma. Isso, na época, lembro que achei muito interessante, sobre como a mente tava fazendo aquele paciente falar rápido. Ele tava vivendo em motéis, era aposentado, tinha uma renda. Aí, ele entrou nesse episódio maníaco, começou a frequentar motéis, ia de um para o outro. Algo que fugia totalmente da rotina dele. E ele era totalmente hipervigilante na consulta. Qualquer reação que eu tinha, ele pegava muito rapidamente, ao mesmo tempo em que não me deixava falar, ia emendando um assunto no outro. Esse paciente melhorou bastante com a medicação, o que me chamou muito a atenção, tanto da parte psicopatológica, do transtorno de humor dele, os sintomas psicóticos, quanto ao que ele respondeu bem às medicações. Considerando o contato que tive na unidade de emergência com a questão da urgência psiquiátrica, foi uma das minhas opções [fazer psiquiatria]. Pensava em clínica também, mas, no final, optei por psi-
Na residência, a gente já trabalhava de forma multidisciplinar, mas acho que muito da prática, de ter um entendimento melhor da saúde mental, veio depois da residência, porque no CAPS, no Ambulatório de Saúde Mental, vivi isso de uma forma mais intensa. Quando você é residente, geralmente tem um médico assistente, responsável pelo serviço.
E quando você sai da residência, você é o responsável pelo que tá acontecendo ali.
quiatria. Penso que tive sorte. Óbvio que, se não tivesse feito, não saberia, mas acho que me fariam falta toda a vivência, tudo que tive dentro da residência e, depois, tudo o que trabalhei e trabalho com psiquiatria. Acho que foi uma escolha muito acertada. E, quando entrei na residência, eu tinha uma visão muito médica da questão e pouca capacidade abstrativa em relação a conseguir, por exem-

Eidi começou a se interessar pela psiquiatria após entrevistar um paciente com transtorno bipolar
Foto: Divulgação
plo, ver sinais ali, ler nas entrelinhas do que o paciente estava falando ou da abertura até para a questão de contratransferência, de usar o que a gente sentia na frente do paciente, usar isso como informação. Para mim, essa barreira foi se desfazendo com o tempo, porque a visão era a de que “diagnosticou o transtorno bipolar, começou o estabilizador de humor e melhorou”. Essa era uma visão inicial. Tanto que, nos primeiros anos na residência, acho que me apeguei muito forte na questão da psicofarmacologia, de entender a rede neuronal, de entender como as medicações funcionam, os tratamentos e como o cérebro funciona. Era uma parte mais acessível pra mim. Depois, no decorrer da residência, quando comecei a ter mais contato com psicoterapia e fazia psicoterapia com os pacientes – tínhamos a psicanálise muito forte na formação da residência -, isso me abriu uma outra questão, que ia muito além da questão só médica, mas do contato com o paciente, de entender a psicopatologia, de estar ali em frente ao paciente e saber o que eu precisava falar, como ia ouvir, para tentar ajudar. Com isso, acho que eu me tornei um psiquiatra bom, nesse aspecto de não só pensar em tratamento. Mas isso foi parte da minha formação. Tem tanto essa parte mais medicamentosa quanto a parte mais psicoterapêutica.
Sua trajetória profissional no Ambulatório de Saúde Mental de Pontal é marcada por dedicação e compromisso. Como você avalia a impor-
tância de um serviço como este para a população? E quais são os principais desafios que você enfrenta no seu dia a dia como psiquiatra em um ambulatório público?
Na residência, a gente já trabalhava de forma multidisciplinar, mas acho que muito da prática, de ter um entendimento melhor da saúde mental, veio depois da residência, porque no CAPS, no Ambulatório de Saúde Mental, vivi isso de uma forma mais intensa. Quando você é residente, geralmente tem um médico assistente, responsável pelo serviço. E quando você sai da residência, você é o responsável pelo que tá acontecendo ali. Após terminar a residência, entrei no Ambulatório de Saúde Mental de Pontal, que vejo como um serviço especializado extremamente importante. Cada vez mais, depois que entrei no ambulatório, tive esse contato de serviço multidisciplinar, contato com a psicologia, terapia ocupacional, enfermagem, assistência social. O trabalho tem que ser totalmente integrado com outros serviços: a unidade básica de saúde, a Santa Casa. Tem que ter esse contato com os médicos de clínica geral, com os médicos da família. Vejo como de extrema importância que haja esse contato do serviço especializado com as unidades básicas. E vai muito além das unidades de saúde simplesmente. Envolve toda uma rede: Educação, prefeitura, Ministério Público, toda a parte social, a família, amigos dos pacientes, professor, diretor dos pacientes. É a integração de todos esses serviços, que é um desafio grande, conseguir lidar com todas essas variáveis, que vai promover a saúde mental da população. E que, por sua vez, vai muito além do trabalho medicamentoso somente. Acho que, na minha formação, as coisas foram se expandindo, desde uma parte muito médica, muito centrada na medicação, até o entendimento da rede como um todo, que não é composta apenas por profissionais de saúde, mas que é muito mais complexa.
Como você avalia o acesso da população de Pontal aos serviços de saúde mental? Quais as principais dificuldades e perspectivas? Acredito que o acesso em si é bom.
Uma vez que o paciente está doente, o acesso é ok. O paciente procura a unidade básica, é referenciado para o serviço especializado e, se tiver urgência, é referenciado para uma internação de urgência. Tem algumas limitações em relação ao que a gente tem disponível hoje [no ambulatório] e o que existe de melhor [na medicina] para a saúde mental. E os tratamentos acabam se voltando para o momento em que a pessoa já está doente. Mas acho que a rede não tem disponíveis todas as medicações. Existem antidepressivos novos que, em situações específicas, podem ser mais bem utilizados do que os que a gente tem na rede. Antipsicóticos, a mesma coisa. Tem uma limitação de tratamento. Estabilizadores de humor, a mesma coisa. Existem, por exemplo, linhas de psicoterapia ou testes neuropsicológicos que não estão disponíveis, e que acho que poderiam ter: os tratamentos orgânicos, a própria eletroconvulsoterapia, estimulação magnética. São recursos que podem ser utilizados em casos específicos. Então, o acesso da população à saúde mental é bom, com algumas limitações. Porém, a gente sabe que os tratamentos são em uma fase que o paciente já tá doente. E talvez isso não seja a forma como a gente deveria pensar totalmente. A gente precisa pensar em estratégias de prevenção de doenças mentais, que vêm muito antes do acesso que a gente dá para os tratamentos dentro do ambulatório. E aí eu acho que a gente entra na pergunta sobre perspectivas. É importante a gente sempre pensar o adoecimento do paciente não de uma forma individual. Tem que pensar na estrutura da família, na estrutura social, do ambiente, a financeira, da escola, e, nesses pontos, é importante que se criem espaços de informação, de psicoeducação, de combate a álcool, drogas, promoção de lazer, cultura, atividade física. Dar condição de trabalho, renda, igualdade social, diminuição de estigmas. Óbvio que eu tô enumerando várias mazelas, mas a verdade é que, para se ter saúde mental, acaba passando por isso mesmo. Essas questões devem ser resolvidas para que a gente consiga promover uma prevenção de saúde mental. E não só um tratamento do paciente quando ele já está adoecido.
Quais as principais doenças mentais que você atende no ambulatório e quais os cuidados que a população deve ter para prevenir e tratar esses problemas?
No Ambulatório de Saúde Mental, se a gente pensar em números, provavelmente os transtornos de humor devem estar em primeiro: depressão, transtorno bipolar, transtorno de ansiedade, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de ansiedade social, transtorno do pânico, A gente também trata transtorno psicótico, transtorno de personalidade, transtorno por uso de substâncias, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de estresse pós-traumático, uma grande quantidade de transtornos de saúde mental. E a prevenção é o que a gente falou há pouco, de ter espaços que possam orientar, dar informações sobre álcool, drogas, atividade física, sintomas das doenças, além de resolver questões ambientais que favorecem o adoecimento.
Qual mensagem você gostaria de deixar a quem sonha em seguir a carreira médica?
Acho que é muito individual, não tem uma fórmula. Na minha trajetória, tudo o que fiz sempre foi com muita dedicação. Dedicação que eu digo é saber que não vai ser fácil, que as coisas não são fáceis, que você tem que dedicar horas, vários dias, meses, anos às vezes, para conseguir um objetivo. Então, até hoje, faço algo nesse aspecto. Às vezes, se quero estudar algo, passo horas ali, por vários dias, meses, e isso, depois de algum tempo, gera frutos, mas, como eu falei, isso é muito individual. Óbvio que a dedicação em si é necessária para a maior parte das pessoas. Vivi um contexto de família de ver meus pais sempre se dedicando muito. Eles sempre foram muito responsáveis com o que estavam fazendo, com as outras pessoas, sempre um tratamento de responsabilidade. Acho que segui um exemplo parecido. Mas nem todo mundo tem um modelo para seguir. Talvez para mim tenha sido mais fácil nesse sentido, mas acredito que a carreira médica vem de muita dedicação mesmo, desde a entrada na universidade até a formação e a residência. Realmente, são muitas horas estudando e isso sempre. Até hoje é assim.
“Vivi um contexto de família de ver meus pais sempre se dedicando muito. Eles sempre foram muito responsáveis com o que estavam fazendo, com as outras pessoas, sempre um tratamento de responsabilidade. Acho que segui um exemplo parecido. Mas nem todo mundo tem um modelo para seguir.
Para finalizar, qual a importância de cuidar da saúde mental e como as pessoas podem buscar ajuda quando precisarem?
É sempre importante, para buscar ajuda, a pessoa entender que precisa de ajuda. As doenças mentais, além de terem um estigma, que tem diminuído nos últimos anos, mas que ainda existe, não são vistas em exames. Provavelmente, há alterações neurológicas relacionadas a boa parte dessas doenças, mas que a gente não consegue quantificar. O diagnóstico, na maior parte das doenças mentais, é clínico, a partir dos sintomas. E um bom termômetro para entender se a pessoa está tendo é um prejuízo da funcionalidade. A pessoa desempenhava de uma forma o trabalho, as relações, o cotidiano, e ela começa a não desempenhar da mesma forma, começa a não conseguir fazer o que fazia antes. E a ajuda se busca nas unidades básicas de saúde, no CAPS, no Ambulatório de Saúde Mental. É importante comunicar qualquer prejuízo que esteja tendo. Por exemplo, a pessoa que tem depressão, ela tem
alterações de energia, da motivação, começa a ficar menos esperançosa. Tem uma angústia, uma tristeza importante, começa a perder o prazer em coisas que ela tinha prazer, tem alterações no sono, no apetite, na memória. Transtorno de ansiedade generalizada, por exemplo, a pessoa pode ficar mais irritável, ter alterações de sono, piora da concentração. Ao apresentar sintomas mantidos por algumas semanas, que fazem com que a pessoa não consiga desempenhar as atividades de uma forma que ela desempenhava, é importante procurar ajuda. Se for algo mais urgente, que não puder esperar, como quadros psicóticos, comportamentos desorganizados, em que a pessoa altera o comportamento de uma hora para outra, ou se tiver alucinações, pessoa vê coisa, ouve coisa, episódios maníacos, o paciente fica mais eufórico, falante, expansivo ou com pensamentos de suicídio também, é importante buscar a Santa Casa, que é um serviço de urgência. Quando não há urgência, é possível buscar na unidade básica de saúde.
“As doenças mentais, além de terem um estigma, que tem diminuído nos últimos anos, mas que ainda existe, não são vistas em exames. Provavelmente, há alterações neurológicas relacionadas a boa parte dessas doenças, mas que a gente não consegue quantificar. O diagnóstico, na maior parte das doenças mentais, é clínico, a partir dos sintomas. E um bom termômetro para entender se a pessoa está tendo é um prejuízo da funcionalidade.”
TRABALHO
MENSAGEIRO da verdade
Claudomiro Giani, o Mirão do Jornal, atravessa a era da informação digital, resiste ao cenário das fake news a mantém, há mais de 25 anos, a ligação com os impressos: entrega exemplares da Folha de São Paulo a oito assinantes pontalenses
Era
o final dos anos 1980. Claudomiro Giani passava em frente à Banca da Praça, que pertencia ao saudoso João Barossi, e viu uma placa: “Vende-se”. Recém-aposentado como metalúrgico, ofereceu a bagatela de 300 cruzeiros – um dinheiro considerável para a época. A banca trocaria de dono.
O Mirão, como é conhecido carinhosamente na cidade, mudou de uma rotina de soldador para a busca de jornais e revistas, que eram bastante requisitados pelos moradores, bem como álbuns de figurinhas, livrinhos de palavras-cruzadas, gibis, entre outros impressos. “Vendia também muita ficha telefônica. Retirava com frequência na Rodoviária de Ribeirão Preto para manter sempre um estoque, porque a procura era muito alta. Tanto de fichas locais como DDD”.
Ainda não existiam os celulares. A comunicação telefônica, para quem não tinha aparelho fixo em casa, era pelos orelhões. “Chegava a vender mais de 20 mil fichas por mês”, conta. Mirão também vendia bem todos os títulos de revista e de jornais. Aos domingos, a média atingia 120 exemplares por dia da Folha de São Paulo, 30 do Estadão, 30 do Notícias Populares, além de alguns do Diário Popular e da Gazeta Esportiva.
Entrega nas casas
Como a Folha também tinha muitos assinantes, ele decidiu deixar a banca com a filha, Heloísa, e o genro, Júnior,
em 1998, para fazer a entrega do jornal nas casas. “Eu contava com a ajuda de duas pessoas para deixar os exemplares em mais de 200 endereços”.
A rotina era pesada. Acordar às 3h da matina. Os jornais chegavam à casa do Mirão e logo depois eram organizados. Por volta de 5h, começava a entrega, que era toda feita em um prazo máximo de três horas. Primeiro, e por muitos anos, de bicicleta. Depois, com uma motinha, como ele faz até hoje.
A diferença é que o número de assinantes entrou em queda. A expansão da internet, principalmente a partir do início dos anos 2000, representou uma transformação significativa para o Jornalismo. Antes, quem não conseguia acompanhar o rádio ou a TV no dia anterior, corria para a banca para se antenar dos principais acontecimentos do país e do mundo. Com a disseminação dos computadores pessoais e dos celulares, além da evolução das conexões, bastava entrar na rede.
Os grandes jornais passaram a ter outro papel: o de aprofundar os assuntos que já haviam sido destaques nos sites. Mas eles foram prejudicados por outros fatores, como a adesão dos jovens à tecnologia e o desinteresse pela leitura, à baixa formação de novos leitores no Brasil, além da morte de representantes de gerações que, no passado, eram adeptas dos impressos.
A Folha de São Paulo, que chegou a ser o maior jornal do país em circu-

lação aos domingos, com mais de um milhão de exemplares, fechou 2023 com média de pouco mais de 40 mil diários, segundo o Instituto Verificador de Circulação (IVC) – que faz o acompanhamento dos principais jornais brasileiros. A Folha ocupava, no final desse mesmo ano, a terceira colocação, atrás do Estadão, com média de 56 mil, e de O Globo, com média de quase 53 mil. Mas todos tiveram quedas expressivas nos últimos anos.
No dia 1º de setembro de 2024, a Folha também anunciou, após 103 anos de ter entrado em circulação, em 1921, mudanças em seu formato, adotando um com medidas mais compactas, visando facilitar o manuseio e a leitura. Um sintoma de que os tempos são outros para os jornalões brasileiros. .
Em Pontal, não foi diferente.
Atualmente, Mirão mantém a entrega em apenas sete casas durante a semana e em oito aos sábados e domingos. Aos 78 anos, não precisa mais acordar às 3h. Os jornais são deixados para ele pelo vão do portal. E as visitas aos assinantes duram bem menos que três horas. Apenas alguns minutos são suficientes.
Ele acredita que as tecnologias digitais vão promover mais uma infinidade de transformações nas relações humanas. Mesmo assim, mantém a missão de ser um mensageiro de informação de qualidade – aquela que é baseada em fatos, documentos e/ou que tenha comprovação científica, fundamental para combater as conhecidas fake news, que escondem, geralmente, interesses estritamente políticos e econômicos, e, dessa forma, colocam vidas em risco.





















E o jornalismo local?
Os grandes jornais amargam quedas nas tiragens impressas, mas aumentam sua presença nas mídias digitais. No entanto, essa expansão não dá conta de atender uma crescente demanda por informação local.
Segundo o Atlas da Notícia, estudo realizado pelo Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor), em sua edição de 2024, o Brasil reduziu em 8,6%, no ano anterior, os “desertos de notícias” – como são conhecidas as localidades em que a população não tem meios para se informar sobre o que acontece no seu entorno.
Apesar da diminuição, 26 milhões de pessoas no país ainda vivem nessas condições, em mais de 2.700 mil municípios.
Diante disso, o desafio é incentivar o surgimento de mídia local de qualidade. O Projor e outras instituições, como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), têm feito um trabalho em prol da criação de jornais, impressos ou online, nesses lugares.
Pontal não teve veículos de comunicação mapeados como jornalísticos no Atlas da Notícia. Os existentes, como rádios e blogs, são considerados em outras modalidades de classificação, ligadas ao entretenimento. Nesse sentido, o Família Pontalense passa a ocupar uma lacuna em dois suportes. Primeiro, com o lançamento da edição impressa. Depois, com o site, que está em desenvolvimento, com previsão para entrar no ar em breve.
RETICÊNCIAS...
Cidades com Alzheimer
Antes de entrar no assunto que escolhi para comentar nessa primeira edição do Família Pontalense, convém justificar o nome da coluna.
Reticências, na Língua Portuguesa, são um sinal gráfico para indicar que um raciocínio não está completo. Pede um complemento. É uma oportunidade para que o leitor dialogue com o tema proposto. Longe de escrever verdades absolutas, pretendo, neste espaço, propor debates, reflexões, rascunhos, que podem – e devem – ganhar o contributo dos pontalenses dispostos a acompanhar as edições do jornal.
Pois bem, para as linhas iniciais desse novo projeto, revisitei alguns dos meus estudos no Doutorado em Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) pela Universidade Federal de São Carlos, que se debruçaram sobre questões relacionadas ao envelhecimento humano. Paralelamente à pesquisa que desenvolvi, sobre jornalistas com mais de 60 anos, vivenciei o processo de convivência do meu sogro com o Alzheimer, um tipo de demência perversa, que, aos poucos, faz a pessoa se esquecer de tarefas cotidianas, dos nomes daqueles com quem convive, de momentos que haviam ficado marcados, de andar, de comer.
A doença faz o paciente se esquecer de quem é e, com a perda das memórias, vem a perda da identidade, o que exige de quem o acompanha sensibilidade, paciência e carinho para proporcionar o melhor conforto possível e um enfrentamento com dignidade.
As causas das demências ainda não estão muito esclarecidas. Sabe-se, porém, que elas causam a diminuição progressiva das células que compõem nosso sistema nervoso. Fazendo uma analogia com a traje-

tória de uma cidade, podemos imaginá-la como um grande cérebro, em que as células sejam seus habitantes – indispensáveis para que o lugar seja ativo, vivo, mantendo-se em movimento econômico, social, cultural, ambiental, entre outros aspectos.
Cada habitante tem uma história única, que, por sua vez, integra a rede de memória da cidade. Conforme as pessoas vão morrendo, parte das histórias vai sendo levada com elas. Ou então, pode ser que decidam, mesmo ainda vivas, arquivar o que viveram apenas em gavetas empoeiradas pelos efeitos do tempo. É como se o grande cérebro fosse perdendo suas células e, dessa forma, uma cidade, aos poucos, deixasse comprometer sua identidade e, consequentemente, o sentimento de pertencimento de seu povo.
Há o risco de esquecer os ancestrais, as tradições, os potenciais e, com isso, os cuidados necessários para manter a cidade saudável. Como o Alzheimer humano, esse tipo de situação também beira a perversidade.
Valorizar a história, de uma pessoa, de um grupo, de um lugar, é fundamental para garantir a continuidade e o compartilhamento das memórias, motores da sanidade, da esperança, do amor e do exercício da cidadania.
CAMPANHA
TIRE SEUS arquivos da gaveta...
...E não deixe que as memórias de Pontal se percam no tempo. Compartilhe suas histórias e ajude a construir um acervo valioso para as futuras gerações.
Trabalho de arqueólogo: vasculhe seus acervos, digitalize as imagens ou contate a nossa equipe

Aprimeira edição do Família Pontalense chega com um convite irrecusável. Você tem álbuns empoeirados no fundo do armário, caixas de sapatos cheias de lembranças ou um maleiro com fitas de vídeo antigas? É hora de abrir seus arquivos e compartilhar as preciosidades que nos ajudem a contar a história da cidade. Afinal, não se faz um bom jornal sem a participação da comunidade.
O que buscamos?
Fotos e vídeos de qualquer época, retratando pessoas, famílias, paisagens, eventos, construções, além de documentos antigos, como cartas, convites, programas de festas, entre outros. Também valorizamos relatos sobre o passado, de moradores que topem sentar para uma boa prosa.
Anote nossos contatos:
Por que a campanha é importante?
Preservar a identidade pontalense: reunir diferentes perspectivas permitem uma narrativa mais rica e completa da nossa história; resgatar tradições e costumes, como carnavais, festas religiosas, eventos comunitários e o cotidiano de antigamente; formar um acervo diversificado, que ficará disponível aos leitores; e nutrir o sentimento de pertencer, nos conectando uns aos outros e fortalecemos o orgulho de ser pontalense.
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NO ENTANTO... PENSANDO MELHOR...
Desesperançadamente dedicados: a saga de um jornal em Pontal
Acreditávamos que a força motriz de qualquer projeto residia na animação, na esperança vibrante, na motivação contagiante. Imaginávamos que o caminho para a concretização de um objetivo seria pavimentado por sorrisos e entusiasmo. Ledo engano. A realidade, crua e visceral, nos apresentou um cenário bem diferente. Descobrimos, na prática, que o sentimento predominante na execução de uma tarefa, por mais nobre que seja, é, muitas vezes, a desesperança.
Explico. Não se trata de uma desesperança paralisante, daquela que nos imobiliza diante do abismo. É uma desesperança peculiar, uma companheira constante, um sussurro persistente que acompanha cada passo, cada linha escrita, cada foto resgatada. No nosso caso, a árdua, porém apaixonante, jornada de construir um jornal que resgate as tradições pontalenses.
A expressão soa contraditória. Como conciliar a dedicação fervorosa com a ausência de esperança?
A resposta, talvez, esteja na insistência. Somos seres complexos, capazes de abrigar sentimentos aparentemente opostos.
Acreditamos na importância do nosso trabalho, na necessidade de preservar as memórias de Pontal, mesmo que, em alguns momentos, a sombra da dúvida e do cansaço se projete sobre nós.
Essa desesperança não é sinônimo de desistência. Pelo contrário, ela se manifesta como uma força silenciosa, um combustível interno que nos impulsiona a seguir em frente, mesmo quando o horizonte parece turvo. É a consciência da dificuldade, a clareza dos obstáculos, a dimensão do desafio que nos confronta.

histórias e fotos exigem um esforço descomunal. A cada entrevista realizada, a cada fotografia restaurada, a desesperança se manifesta de diferentes maneiras.
Às vezes, surge como o medo de não atingir as expectativas, de não conseguir transmitir a riqueza da história de Pontal. Em outros momentos, se apresenta como o cansaço físico e mental, a exaustão diante da quantidade de trabalho. Mas, invariavelmente, ela é superada pela dedicação, pelo compromisso inabalável com o projeto.
Somos, portanto, desesperançadamente dedicados. Dedicados a ouvir os relatos, a vasculhar álbuns de família empoeirados, a digitalizar fotos amareladas pelo tempo. Dedicados a escrever textos que honrem a memória de nossos antepassados, a construir um jornal que seja um elo entre o passado e o presente. Dedicados a manter viva a chama das tradições pontalenses, mesmo quando a desesperança tenta nos convencer do contrário.
E-mail: redacao@familiapontalense.com.br
Telefone: (16) 99223-2950
Endereço: Rua 7 de Setembro, 287 - centro
Redes sociais: @familiapontalense
Não nos iludimos com falsas promessas de sucesso fácil ou reconhecimento imediato. Sabemos que o trabalho árduo, a pesquisa minuciosa, a busca incessante por
Essa coluna busca ser um espaço de reflexão sobre os desafios e as alegrias de construir um projeto como este. Um espaço para compartilhar as nossas angústias, as nossas dúvidas, mas também as nossas conquistas e a nossa paixão por Pontal. Um espaço para reconhecer que a desesperança, por vezes, faz parte da jornada, mas que a dedicação, essa sim, é o que nos move adiante.
DANÇA com a história

As irmãs Zuleine e Valkíria revisitam o passado e lembram como os festivais que realizavam mexiam com as famílias, agitavam a cidade e democratizavam a arte
Sobre a mesa da varanda, uma fita VHS e centenas de fotos dão pistas de qual será o tema da conversa. Na casa de Zuleine Rocha Paschoal, ela e a irmã, Valkíria Rocha dos Santos, atendem a reportagem do Família Pontalense com a missão de fazer uma imersão no tempo. O cenário é o dos anos 1980 e 90. No palco da memória, os festivais de dança que se tornaram tradição na cidade durante quase uma década.
As irmãs cresceram em uma casa “com sonoridade”, como elas mesmas definem. O pai, Fábio, era músico. A mãe, Lia, mantinha a vitrola ligada praticamente o dia todo. “Ela ouvia todos os estilos. Não tinha um de preferência. Algumas vezes, virava bailinho. A Mércia, uma prima minha, vinha com uma turma em casa, tiravam os sofás e dançavam ali mesmo, naquele espaço”, conta Valkíria.
Sob essa influência, Zuleine foi aprender a tocar acordeon antes mesmo de se alfabetizar. “Como não lia e nem escrevia, eu me guiava por cores. E fazia as provas em Jardinópolis”. Valkíria, que também tocava o instrumento, havia se interessado por dança ainda na infância e participava de apresentações no antigo Cine São Carlos. “Tinha a Fátima Azevedo, que dava aulas de piano e gostava de dança. Ela montava o palco em frente à tela do cinema”, recorda.

As irmãs lembraram detalhes dos festivais olhando um acervo com centenas de fotos que mantêm guardadas
Essas experiências levaram as duas para a Educação Física, profissão que permitiria juntar dança com música. Valkíria e o marido, Wilson Coelho dos Santos, formado na mesma área, foram lecionar na rede estadual, en-
quanto Zuleine optou por aceitar uma vaga no antigo Banco Comind, onde ficou por seis anos.
Foi justamente na agência que o destino passou a ganhar novos rit-
mos. “Lá, encontrei uma mulher que eu conhecia bastante. Ela estava toda paramentada. Fazia ginástica acompanhando a TV Mulher. E me disse: ‘Zuleine, Pontal precisa ter uma academia’. Aquilo me deu um estalo”.
Ginástica para começar Zuleine compartilhou o assunto do encontro com Valkíria. A partir daquele momento, foi um salto – literalmente – para o surgimento da “Coordenação e Ritmos Zuleine e Valkíria”, academia que oferecia, inicialmente, apenas ginástica aeróbica. O prédio, que era do pai, na Rua Guilherme Silva, pertinho da Praça da Matriz, foi reformado para receber as alunas. A procura cresceu rapidamente.
“Com isso, foi necessário aumentar a academia. O senhor Guilherme Franklin, que tinha um açougue na frente, acabou saindo e ampliamos a estrutura”, conta Zuleine. O leque de opções ficou mais diverso. Percebendo o talento das muitas crianças matriculadas, as irmãs montaram uma turma de jazz. Depois, vieram outras modalidades de dança. E, com isso, uma alteração no nome, para “Academia de Ginástica e Dança Zuleine e Valkíria”.
Para as famílias, ter uma filha na academia era como proporcionar um ritual de passagem para a adolescência, já que Zuleine e Valkíria eram


Um dos primeiros festivais, ainda na Sociedade Recreativa, que passou a não comportar o grande público interessado

importantes aliadas na formação do caráter das alunas.
“A Valkíria ficava mais na ginástica e eu na dança. O Wilson também começou a nos ajudar, atendendo turmas masculinas que pediam para ter aulas e que depois passaram para o Mirinho [Bonardi]”. Até que, em 1984, dois anos depois da criação da academia, viria o primeiro festival, na Sociedade Recreativa. Um acontecimento que geraria um frisson na cidade.
De mudança
A partir do terceiro festival, por causa do grande público, que a Re -



creativa já não comportava, foi necessário mudar para o Ginásio de Esportes Adib Damião. Para esta edição, Zuleine e Valkíria haviam ganhado a contribuição de Jussara Venturelli, que, por sua vez, puxou as irmãs dela, Joyce e Josiane. “A Idamara [Totti] também foi fundamental na academia”, explica Valkíria.
A preparação para os festivais era feita durante todo o ano. As turmas de crianças eram separadas por faixas etárias. As apresentações, quase sempre realizadas em dezembro, eram o esplendor, o momento máximo para recompensar o esforço de todos os envolvidos.






Pontal, janeiro/fevereiro de 2025






Por isso, a atenção era com cada detalhe. As roupas, desenhadas pela própria Zuleine, eram costuradas com a ajuda de Geni Malvas, Celina Bersani, Celise Fachini e Josefa Negrão. “Como os festivais eram à noite, os figurinos sempre tinham muito brilho”. Um banner do IV Festival, de 1988, que Zuleine mantém guardado, mostra, também, que Neusa Ghioto e Vera Liz Paschoal de Castro eram responsáveis por arrumar os cabelos das meninas.
O artista plástico Leonaldo Andrucioli, o Mura, produzia um grande painel ilustrativo que ficava atrás do palco. “Teve uma vez em que o Mura sugeriu pegar o negativo de uma foto com algumas alunas e ampliar com a ajuda de um projetor. A partir dessa imagem, ele contornou a silhueta delas, em azul e branco, que eram as cores predominantes da academia. Ficou maravilhoso”, declara Zuleine.
A relação com as alunas era tão próxima que, aos finais de semana, Zuleine abria a casa dela para recebê-las na piscina, onde elas passavam dias inteiros. “Agradecemos até hoje a confiança que as famílias tinham na gente”. Carinho que hoje rompe distâncias. “Cada um foi fazer a sua vida e, com isso, a gente acaba se afastando. Mas, sempre que a gente se encontra, é muito bom. Também falo com muitas pelo WhatsApp”, diz Zuleine. “Éramos como mães para elas”, completa Valkíria.
O mundo gira, como a dança Em 1991, o compromisso da maternidade ficou ainda mais intenso. “Nesse ano, nasceu o filho da Valkíria. Com isso, ela não conseguiu continuar na academia. Eu segui, mas tive que parar logo também, porque nasceu minha primeira filha. Como eu já dava aula no Estado, ficou difícil conciliar tudo”.
Jussara e Joyce assumiram até o ano seguinte, quando veio um grupo de Ribeirão Preto para administrar a academia. Mas a ligação das alunas com o pessoal de fora não foi a mesma. E o lugar acabou fechando em 93. “Durou pouco, mas, enquanto durou, foi uma delícia. Um tempo muito, muito bom”, afirma Zuleine. “Muitas saudades daquela época. Foi inesquecível”,











A relação com as alunas era tão próxima que, aos finais de semana, Zuleine abria a própria casa para recebê-las

conclui Valkíria.
Tão inesquecível que imagens da fita VHS, com a filmagem do festival de 1988, e várias daquelas fotos colocadas sobre a mesa vieram parar no Família Pontalense , em uma edição que, a partir de agora, vai permitir incrementar o acervo histórico das irmãs. Para que essas
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memórias sejam convidadas a dançar com a vida.
Não apenas a vida de Zuleine e Valkíria e daqueles que elas ajudaram a formar. Mas de toda a comunidade pontalense, que se encantava com os festivais e ainda pode reverenciar, pelo olhar do Jornalismo local, o patrimônio imaterial da dança.
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ARTE
COLO de vó


Criada por Renne Fróes, a Casa da Vó oferece, além de cursos, espaços de aconchego, onde os alunos e frequentadores são estimulados a interagir e falar sobre suas expectativas, como um saudável ambiente familiar
Parece mesmo uma casa de vó. O imóvel em estilo colonial é um convite a uma volta no tempo. E a lugares onde é possível desacelerar da vida corrida do dia a dia. O nome não é aleatório. Isso porque não é uma simples casa, mas um lar, que abre as portas para que se desfrute do ambiente como se aproveita um momento de encontro de família.
A Casa da Vó foi criada por Renne Fróes, baiana de Vitória da Conquista e que passou a infância e a adolescência em Salvador. Ela chegou a Pontal com o marido, Val, em 1991. Artesã, se especializou em decupagem. Aqui, trabalhou com restauração de móveis nas Lojas Luiza, onde um projeto começou a ganhar forma. “Na época, a Meire [Damião] me incentivou a abrir um lugar para que pudesse exercitar o meu trabalho”.
Aquela conversa ficou engavetada por uns 20 anos. Renne se formou em Educação Artística e foi dar aulas. Mas ela sabia que, quando pintasse uma oportunidade, fundaria um ateliê. Quis o destino que ele fosse em uma casa da família de Meire. “Nessa casa, morou a avó materna da Meire, a Dona Mercedes. Era a casa da vó. Um dia, a Meire lembrou do que conversávamos e perguntou se eu queria ver a casa”.
Disposição
O imóvel estava fechado há mais de 30 anos. Era preciso fazer uma limpeza geral e uma série de reparos. Renne ficou em dúvida se aceitava o desafio. E decidiu encarar após fazer uma oração e receber um conselho, em sonho, da avó materna dela,

Maria Rosa, que já havia falecido. “Ela dizia que, se eu tivesse disposição, que poderia acreditar. Tanto que ‘disposição’ virou uma palavra-chave para a nossa equipe”, afirma Renne.
Nesse ambiente familiar, não poderia faltar justamente... a família. Além do irmão de Renne, Luizinho, e da sobrinha, Nicole, que são sócias do empreendimento, os filhos, Ícaro e Giovana, também trabalham na casa. Outras duas irmãs de Renne, Sidineia e Neia, fazem atendimentos: a primeira, de podologia e cuidados com os pés; a segunda, como colaboradora do café bar com comida sustentável (sem

carne), que reproduz a filosofia da casa e recebe eventos, como saraus e festivais de karaokê – estes realizados duas vezes por mês.
A sustentabilidade está também no reaproveitamento de materiais, na preocupação em gerar pouco lixo e na realização do Sankofa, um brechó de moda circular inspirado em tradições africanas que afirmam ser necessário voltar ao passado para aprender e, com isso, se preparar para construir o futuro.
Aos poucos, aliás, a família que habita essa casa foi construindo um tempo de novas relações, agregando membros, como os professores e alunos dos cursos de corte e costura, pintura decorativa, pintura artística, decupagem, desenho artístico e pintura em tela, violão e guitarra, além de dança do ventre e passinhos de flashback.
Por falar em flashback, quem aparece para uma visita se depara com uma estante decorada com artigos de antiguidade, recebidos de presente, e também pode conhecer a arquitetura de uma construção histórica da cidade – com sótão e fogão a lenha preservados.
E, para quem acha que águas passadas não movem moinhos, a Casa da Vó prova, cada dia mais, que é um lugar onde as pessoas têm prazer de estar. E ficar. Para criar, por meio da arte, da educação e do afeto, um futuro de paz.
Casa da Vó Rua Áurea dos Reis Felício, 305 Fone: 16-99257-1029
IN MEMORIAM
Quando chega a véspera de Natal, Jandira da Silva, de 73 anos, tem um ritual. Liga a vitrola e coloca os antigos discos de vinil do pai, com músicas de companhias de Reis, para tocar. O som, que começa por volta de 20h, rompe a meia-noite e mantém uma tradição. Há 29 anos, ela faz do mesmo jeitinho.
A vitrola fica dentro de uma capela, ao lado da casa onde Jandira mora. Era no centro da igrejinha que Clarismundo Pedro da Silva montava um grande presépio, sempre aos finais de cada ano. E recebia alguns amigos, que deixavam uma pequena contribuição financeira e aproveitavam para levar um algodão doce, uma pipoca, um doce de leite ou pedaços do martelinho, doce pelo qual ele virou referência na cidade, principalmente na porta da Escola Josepha Castro.
Foi o próprio Clarismundo que ergueu a capela, com a ajuda da comunidade. Antes de chegar a Pontal, ele já tinha construído uma em Morro Agudo, onde vivia com a mulher, Aparecida, com quem teve 14 filhos – hoje, seis vivos. A obra era uma homenagem a Bom Jesus da Lapa. Havia feito uma promessa pela esposa, que caíra doente. “Ele prometeu que, se ela melhorasse, construiria uma capela”, afirma Jandira.
Acontece que, segundo a filha, um padre de Morro Agudo passou a ficar enciumado com Clarismundo – que organizava quermesses e procissões, com os donativos sempre voltados à manutenção da capela. Amargurados, ele e a esposa decidiram sair de lá. O ano era 1959.
O imbróglio sobre a capela de Morro Agudo afetou ainda mais a saúde de Aparecida, que faleceu um mês depois de ter virado pontalense. Mesmo assim, Clarismundo continuou a missão de erguer capelas. Fez uma perto da rodoviária de Pontal, até que, com recursos que conseguiu juntar do trabalho na produção de arroz, comprou o terreno onde fez
A PROMESSA está viva
Mesmo após quase três décadas do falecimento do pai, Clarismundo, Jandira da Silva mantém, na capela que ele construiu, as lembranças de um homem de fé e que adoçava a vida das pessoas com simplicidade e com o inesquecível “martelinho”

frequentadores que iam fazer pedidos ou pagar promessas – embaixo do altar, há várias peças de cera em formatos de pés, mãos, cabeças e outras partes do corpo.
Ela conta que hoje o local é visitado apenas por familiares, mas gostaria que o legado do pai continuasse sendo um lugar de peregrinação, como forma de manter a memória de Clarismundo viva. Como ela faz, nos cuidados com cada detalhe, na limpeza diária e na preservação de cada item que remete à perseverança do pai.
Clarismundo faleceu em 1995, aos 80 anos. Em boa parte da vida, além de exercitar a religiosidade, animava as manhãs e tardes dos estudantes vendendo doces. Também levava o inseparável carrinho para a Praça da Matriz, eventos, enfim, onde havia concentração de pessoas. Jandira conta que a decisão de se tornar vendedor depois que a colheita de arroz ficou escassa na cidade.
O martelinho, que ficou famoso, tinha uma receita simples: água, açúcar e limão. Mas o preparo exigia força e muita paciência. “As pessoas sempre me pedem os ingredientes, mas não conseguem reproduzir. A forma como ele fazia era única”.
Foi também com simplicidade que ele levou, segundo a filha, toda a trajetória de vida. “Ele sempre pedia que, quando morresse, fosse velado aqui na capela. Que, quando o cortejo com o corpo dele saísse, que repicasse o sino [que existe na entrada da capela]. E que fosse sepultado diretamente na terra. Todos esses desejos foram atendidos”.
uma maior – essa que é
Emoção e legado
por
Durante a entrevista para a reportagem do Família Pontalense, ela se emociona diversas vezes: ao mos-
trar um presépio ainda montado, as imagens de santos que Clarismundo pendurava na parede e que resistem aos efeitos do tempo, ao falar sobre um grande Cristo crucificado mantido bem no centro da parede dos fundos, ao lembrar a luta do pai e os
Jandira conta que, um mês após a perda do pai, teve um sonho com ele. “Estava todo de branco, pegando água com um balde e cercado por flores e anjos. Veio uma luz sobre ele e se formou um resplendor na parede. Tentei dar um beijo nele e não alcancei. Mas ele falou que estava muito feliz e que eu deveria continuar”.


E continuou. Desde então, ela assumiu a manutenção da capela. Quase três décadas depois, a filha guarda, além dos vinis, das imagens e das velhas lembranças, uma preocupação: “penso o que vai ser desse lugar quando eu não estiver mais
aqui. Não gostaria que essa história se perdesse”.
Todos os esforços que ela dedica a este singelo templo são para que a vitrola continue girando e o sino, repicando. E que anunciem sempre

que ali, naquela casa simples, às margens da Lagoa do Chico Moro, mesmo que os humanos não sejam eternos, a fé, esta sim, é perene. Capaz não apenas de mover montanhas, mas de manter promessas e sonhos de pé.
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FIGURAS ILUSTRES
FÉ na família
Escolhendo permanecer na cidade onde chegou em 1984, Padre Nasser Kehdy Netto agradece pelos laços afetivos que construiu em Pontal e deseja que a população não perca o espírito de solidariedade, principalmente com quem mais precisa
Em 1960, o então seminarista Nasser Kehdy Netto desembarcou em Roma, na Itália. Havia sido convidado para cursar Teologia pelos quatro anos seguintes. A viagem era para uma parte da formação que havia começado em 1952, quando, inspirado por dois irmãos, decidiu ser padre.
Os três ingressaram no seminário, mas um deles ficou apenas três meses e o outro, dois anos. Nasser prosseguiu. Concluiu o Ensino Médio em São Roque-SP, fez um ano de Filosofia em São Paulo, mais dois em Aparecida, até surgir a oportunidade de estudar no país da Velha Bota.
Lá, seria recebido no Colégio Pio Brasileiro, onde passou a ser encarregado da catequese. Durante a estadia, Nasser presenciou grande parte da realização do Concílio Vaticano II, encontro eclesial convocado pelo Papa João XVIII e que foi um marco na história da Igreja Católica.
Realizado em quatro sessões, o Concílio, que começou em 1962 e terminou em 65, já no papado de Paulo VI – que assumira em 1963 –, promoveu mudanças, como a divisão do poder papal com os bispos, a decisão de celebrar as missas nas línguas de cada país, em vez do latim, um novo olhar sobre a configuração da pró-
pria igreja e de seu papel do mundo, além de direcionamentos específicos referentes à proteção da vida, da paz e da harmonia entre as pessoas.
Quando foi ordenado, Nasser contou com a presença da mãe, que foi à Itália para acompanhar a cerimônia. “Foi um período de muitas novidades. De lá, visitei a Bélgica, a França, a Alemanha. Fiz muitos amigos. A gente se correspondia por carta”, afirma, em entrevista concedida ao Família Pontalense
No ano passado, Padre Nasser comemorou 60 anos de sacerdócio e, agora em 2025, completa 65 da ida a Roma. Prestes a completar 84 anos de vida, no próximo dia 3 de maio, lembra, em detalhes, que sempre teve um ritmo intenso de atividades, o que, segundo ele, contrasta com o atual momento, em que se dedica aos cuidados com a saúde. “Vivo na esperança de melhorar”.
Após voltar da Itália, Padre Nasser ficou um ano e meio na Catedral Metropolitana de Ribeirão Preto, de onde saiu para Brodowski, para morar no seminário de lá e ser o responsável pelas vocações. Foram 18 anos no município, onde também foi pároco.
No dia 11 de fevereiro de 1984, há 41 anos, começaria a caminhada em Pontal. Aceitou o convite para conduzir a Paróquia de São Lourenço, que estava praticamente estagnada, com poucas pessoas envolvidas. O Cônego Sebastião Ortiz Gomes havia se aposentado e as missas eram, geralmente, rezadas por padres de outras cidades, que vinham a Pontal apenas para essa tarefa.
Nasser chegou com a missão de organizar os trabalhos e aumentar a participação da comunidade. Nascido em Nova Granada, na região de São José do Rio Preto, e tendo passado a infância em Jardinópolis, onde o pai era inspetor da Caixa Econômica Estadual, ele conhecia bem as necessidades de uma cidade de interior.
Apostando no pequeno grupo que queria manter a paróquia ativa, implementou uma proposta de descentralização, dividindo a cidade em setores e mobilizando a popula-

Em Roma, onde desembarcou em 1960 para estudar Teologia
ção para a construção de igrejas nos bairros: a de São Francisco, a de Santa Rita e a de São Pedro. Já no final da década de 1980, começou a idealizar o Centro Educacional Maria Mãe de Todos, para oferecer formação pro-
fissional no contraturno escolar.
De 1984 a 1997, a partir de um trabalho que havia feito em Brodowski, onde formou o grupo de perseverança para jovens “Shalom”, administrou em



Pontal o GGP – cujas atividades foram depois integradas à Juventude Unida de Pontal (JUP) e ao coral de vozes.
Pensando também em oferecer lazer aos fiéis, organizou a tradicional Festa de São Lourenço, que agita a Praça da Matriz há mais de duas décadas, sempre no mês de agosto,
to, Dom Joviano de Lima Júnior, que havia falecido em decorrência de um câncer no intestino. Ficou na função por um ano, até o Vaticano decidir pela nomeação de Moacir Silva.
Ativista contra as injustiças sociais e preocupado com o bem-estar das pessoas, Padre Nasser afirma que é em Pontal que se sente em casa. “Aqui, construí família”. Por isso, quer ficar na cidade, apesar da opção que foi dada a ele de morar em uma casa sacerdotal para padres idosos, em Ribeirão Preto. “É importante a gente continuar sendo família, com um ajudando o outro. Na casa sacerdotal, não tem família em volta. A minha está aqui”.
Em novembro de 2023, Padre Nasser passou o comando da Paróquia São Lourenço para João Gilberto Rodrigues, o Padre Gil. Admite que sente um “vazio” por causa do afastamento da rotina das últimas seis décadas. Mas vai à missa uma vez por semana e continua recebendo, na Casa Paroquial, a visita dos amigos que cultivou - e rezando por eles. Sem deixar de reconhecer a agradecer à cidade que o acolheu.
“Digo que uma das coisas que ficaram é o espírito de família. Pessoas que eu batizei já casaram. Muitos que nos ajudaram infelizmente não estão mais com a gente. Pessoas que eu não esqueço nunca. Mas o caminho continua”.
Ao final da entrevista, ele abençoa a população de Pontal:
“A gente se sente membro dessa comunidade. A gente conta com a graça de Deus para ser família e pede que Deus abençoe essa cidade, que acolhe tanta gente, de fora in-
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clusive, que trabalha aqui. Que Deus abençoe que haja sempre trabalho. Que as usinas possam funcionar direito, para que o pessoal possa trabalhar, e haja sempre um espírito de fraternidade e solidariedade. A nossa equipe de Promoção Humana procura ajudar os mais necessitados de todas as maneiras, incansavelmente. É uma cidade solidária, é uma cidade amiga. Que Deus abençoe, portanto, essa união [entre as pessoas], essa solidariedade e que Pontal possa sempre acolher as pessoas como membros vivos formando uma só família”.
Por toda essa história, Padre Nasser Kehdy Netto se tornou uma figura ilustre de Pontal.
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quando é celebrado o padroeiro da cidade, além de viagens para o litoral, dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina.
Substituto do bispo
Em junho de 2012, Padre Nasser foi designado para substituir o arcebispo metropolitano de Ribeirão Pre -


ARTIGO
Sobre jornais, nutrólogos, nutricionistas, anemia e um estudo feito em Pontal
Médico formado pela FMRP-USP; Especialista em Pediatria pelo HC-FMRP-USP; Especialista em Nutrologia pela Associação Brasileira de Nutrologia; Mestre e Doutor em Saúde da Criança pela USP; Pós-Doutor em Clínica Médica, Área de Nutrologia, pela USP; Professor Adjunto III da Universidade Federal de São Carlos; Professor do Programa de Pós-Graduação da FMRP-USP; Diretor do Departamento de Nutrologia Pediátrica da ABRAN; Secretário do Departamento de Nutrição da Sociedade de Pediatria de São Paulo; Fellow da The Obesity Society – USA. Médico da Clínica Nutre, em Ribeirão Preto.
Houve um tempo, nem tão distante, em que tudo que um homem almejava era poder sentar-se com uma xícara de café antes do trabalho e ler o seu jornal diário. Hoje, muita coisa mudou, mas o sonho de redatores, jornalistas e escritores resiste. Por isso, quero começar dizendo que fico muito feliz pelo convite pra escrever para o jornal Família Pontalense.
E tenho certeza de que, se alguém começou a leitura desse texto pela biografia do autor e viu que aquele que vos escreve é um médico nutrólogo, já deve estar formulando a clássica pergunta: o que é um nutrólogo e qual a diferença entre ele e o nutricionista?
Então, caro leitor, como diria Machado de Assis, não deixemos que dúvidas atrapalhem a leitura e ofusquem as mensagens do texto! Nutrólogo é um profissional médico, que estudou na faculdade de medicina, formou-se e, quando decidiu sua especialidade de atuação, optou pela Nutrologia.
É comum que as pessoas reconheçam pediatras, cardiologistas, obstetras... Mas às vezes, não sabem que o

nutrólogo é simplesmente um médico que, segundo a Associação Brasileira de Nutrologia, “é responsável por diagnosticar, prevenir e tratar doenças relacionadas à nutrição, estudando os efeitos negativos causados pela ingestão inadequada de nutrientes e utilizando esse conhecimento para avaliar as necessidades do corpo, visando manter a saúde e reduzir o risco de doenças”.
De fato, perto das demais especialidades, a minha é bem nova. Está ainda na infância, porque foi fundada apenas em 1973 e tem pouco mais de 50 anos, enquanto várias outras áreas
médicas já são centenárias.
E qual a diferença com o nutricionista? Na verdade, prefiro falar das semelhanças, porque são profissões
que se complementam, ambas buscando, por caminhos às vezes idênticos, outras parecidos e, às vezes, diferentes, promover a boa nutrição e tratar as doenças de origem nutricional. Se quisermos falar no que diferem, talvez o mais relevante seja a profissão de origem: o nutrólogo é um profissional que cursou uma faculdade de medicina e o nutricionista foi aluno de uma faculdade de nutrição.
Por esse motivo, existem algumas atribuições que são próprias de cada profissional. No caso do médico nutrólogo, por exemplo, é possível a prescrição de alguns medicamentos, a execução de procedimentos cirúrgicos, dentre outras atividades que caracterizam a atuação médica. O nutricionista, por sua vez, tem atividades que são próprias de sua profissão, como o planejamento de dietas e a atuação em unidades de alimentação.
E onde é que anemia e Pontal entram nessa história? Pois bem, depois de fazer a faculdade e a residência, decidi que deveria ficar um pouco mais tempo ligado à universidade. Naquele momento, a decisão foi muito mais por insegurança do que por vocação. Havia me formado com apenas 23 anos e não me via assim tão novo deixando a faculdade e começando a atender pessoas.

Agradeço muito a esse medo, porque me fez entrar para o Mestrado, depois Doutorado e, assim, descobrir que um dos meus caminhos de realização pessoal era ser professor e pesquisador. É claro que a atuação dentro do consultório, como médico nutrólogo, também é uma enorme fonte de satisfação. Afinal, de que vale todo o conhecimento médico se não for para ajudar às pessoas?
Hoje, minha alegria é ainda maior por ter a oportunidade de trabalhar na Clínica Nutre (www.clinicanutre.com), junto com minha esposa, Carla, psicóloga, e minha filha Maria Eduarda, nutricionista. Sem falsa modéstia, posso dizer que formamos uma linda equipe!
Pois bem, na época de escolha do tema da minha tese, decidi estudar anemia. E, por conta dessas voltas que a vida dá, um estudante me falou que havia uma creche em Pontal onde, possivelmente, haveria crianças anêmicas e a administração local talvez se interessasse pelo desenvolvimento de uma pesquisa e de uma posterior proposta de intervenção. Esa instituição ficava em um bosque lindo e se chamava Centro de Convivência Infantil (CCI). Tenho muita curiosidade para saber como está esse local hoje em dia.
Foi assim que fizemos um amplo levantamento e, de fato, detectamos que 60% das crianças tinham anemia. Em seguida, propusemos um estudo em que ofereceríamos suco de laranja fortificado com ferro 2 vezes por dia durante 4 meses para as crianças e verificamos que isso foi suficiente para reduzir a anemia de 60% para 20%. Esse estudo teve uma grande repercussão e foi publicado no ano de 2003 em uma das revistas mais importantes do mundo na área de nutrição (Nutrition Research 23 (2003) 27–33).
Infelizmente, apesar de, na época, termos sugerido a manutenção do

projeto, isso não ocorreu. Mas a ideia ainda existe... Caso algum pontalense queira retomar o projeto, ele é muito barato e altamente eficaz! E, o que é mais importante, ajuda a controlar a anemia, que é uma das doenças infantis mais comuns no Brasil e prejudica a inteligência, o desenvolvimento e a imunidade das crianças acometidas. Da minha parte, seria uma honra voltar a trabalhar em Pontal!

CLÍNICA NUTRE
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Segunda a sexta, das 8h às 18h Rua Joaquim Antônio Nascimento, 156 - sala 52 - Jardim Canadá, Ribeirão Preto-SP secretaria.clinicanutre@gmail.com
RICARDO DE A a Z
Isqueiro, acordeon e outras histórias engraçadas
Foi mais ou menos no mês de julho, na Sociedade Recreativa e de Esportes de Pontal. O ano era 1970. Eu mais os jovens Ademar Profeta, Nedir Colombo, Rubens Salomão, Bifinho, João Giroldo, Ângelo Andrucioli e o saudoso Luiz Pascoal, mais conhecido como Luizão (irmão mais velho do Passarinho), estávamos assistindo a um desfile de misses da região. Foi quando aconteceu uma situação engraçada.
O Luizão era da PE – Policia do Exército. Forte, ostentava um bigodão tipo mexicano. O Ademar, também um guarda-roupas, tinha isqueiros importados. No salão de festas da Recreativa, ele deixou um isqueiro com o registro do gás aberto na mesa em que estávamos.
O Luiz pediu o isqueiro emprestado. Ao acender o cigarro, saiu uma enorme chama, que queimou e fez um caminho de rato no bigode do Luiz. Nervoso, ele se levantou e partiu para a briga. O mais difícil foi apartar os dois. No dia seguinte, o Luizão estava sem bigode na praça.
Na época, não existiam drogas, bandidagem. A doença venérea era a gonorreia e tinha cura. Não tínhamos carros, celulares, o dinheiro era curto. E, por incrível que pareça, éramos felizes. Geralmente, aos sábados, a programação era fazer serenatas. Numa dessas ocasiões, apareceu para passear em Pontal o nosso amigo Bidinho, que já era famoso como músico trompetista no Rio de Janeiro.

15 músicas ele sabia tocar. Depois da apresentação em umas cinco casas, quando íamos para mais uma, houve mais um fato engraçado. Na calçada da prefeitura, tinha um ladrilho levantado pela raiz de uma árvore.
O Ademar, que estava tocando La Cumparsita, enroscou o pé e caiu de frente. O acordeon ficou em cacos. No dia seguinte, nosso amigo apareceu com o peito enfaixado e três costelas quebradas. O instrumento teve perda total.
Lembrete: se dissessem que o Ademar tocava sanfona, ele corrigia. “É acordeon”.
Ah, e antes do tombo, havia chegado um policial: “Vocês têm alvará para fazer a serenata?”.
Na época, era obrigatório ter a autorização do delegado.
E o Profas, como chamávamos carinhosamente o Ademar: “Não”.
“Então, me acompanhem”.
E o Profas: “Acompanhar em sol maior ou ré menor?”.
Aponte a câmera do seu celular para esse QR Code e acesse, na íntegra, o artigo publicado em 2003 na Nutrition Research

O Ademar disse: “Hoje, o Bidinho vai ouvir um dos maiores acordeonistas tocar”. Perguntamos: “Quem?”. O Ademar respondeu: “Eu”. E saímos para a serenata com o Ademar tocando o acordeon.
A verdade tem que ser dita. Umas
O policial: “Vocês não têm jeito. Façam a serenata, mas sem gritaria e algazarra”.
E foi só risada.
*Nota do colunista: os nomes das pessoas que participam da história foram mantidos como forma de homenageá-las, por suas contribuições à história de Pontal, e, em hipótese nenhuma, gerar qualquer constrangimento.
