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OPINIÃO

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POLÍTICA

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ESPAÇo joRNAlISTA MARTINS DE VASCoNCEloS

organização: ClAuDER ARCANjo

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HISTÓRIAS DA LITERATURA BRASILEIRA

EDMílSoN CAMINhA

Escritor, membro da Academia de Letras do Brasil edmilson.caminha@gmail.com

Que pode o leitor guardar dos livros de memórias, das inconfidências dos diários, da literatura de viagens? A beleza do estilo, o interesse das observações, a força das ideias ‒ e as histórias pitorescas, os casos divertidos, os fatos curiosos que dão sabor ao texto. Por eles, apresentamse os autores como na verdade são, com as virtudes e fraquezas próprias da circunstância humana. Mesmo nas ocasiões mais solenes, não deixam os escritores de contar anedotas, de revelar segredos, de falar mal da vida alheia ‒ de comportar-se, enfim, como qualquer pessoa. No chá das quintas da Academia Brasileira de Letras, descobre-se quem trai, quem é traído e quem sonha com a próxima vaga, enquanto se trocam opiniões sobre a importância da literatura e a defesa da língua.

Ao longo do tempo, anotei histórias engraçadas, comentários inteligentes e conceitos imaginosos que me chamaram a atenção. Publiqueios depois no “DN Cultura”, suplemento que circulava aos domingos no Diário do Nordeste, de Fortaleza, visando a descontrair os leitores, chamar-lhes a atenção para os prosadores e poetas a quem faço referência. Daí, talvez, o bom acolhimento que tiveram, como notas de poucas linhas que amenizavam a leitura das contribuições de maior peso. Entre as muitas arquivadas, eis algumas:

José Condé ‒ o pernambucano que escreveu as Venturas e desventuras do caixeiro-viajante Ezequias Vanderlei Lins, seu Quequé para os íntimos ‒ perdeu, aos três anos de idade, o irmão Inácio, de apenas oito meses. Impressionado com o ocorrido, foi mandado para a casa de um amigo da família, a fim de que não assistisse à saída do enterro. E todo mundo tratando de consolá-lo: — Fique triste não, José... O Inacinho virou um anjo e foi morar no céu, que é um lugar muito bom. — É... lá pode ser muito bom, mas ele nunca mais vai poder chupar manga...

De Erico Verissimo, contando no Solo de clarineta a impressionante coincidência de que foi protagonista no Peru: “À tarde encontro numa praça quase deserta um homem que me parece visitante como eu, pela maneira como está vestido e também porque tem uma câmara fotográfica a tiracolo. (...) Apontando para sua câmara digo: ‘Estamos sem sorte com a luz, hem?’ Ele sorri, cortês, olha para o céu nublado, sacode afirmativamente a cabeça e me pergunta que tipo de câmara é a minha. Ficamos a conversar por alguns instantes sobre a beleza antiga e dramática das pedras que nos cercam. Por fim meu interlocutor se identifica. É argentino, arquiteto, veio a Cuzco para fazer uma conferência na velha universidade local. Quando lhe digo minha nacionalidade e meu nome, vejo em seu rosto uma expressão de surpresa. ‘É incrível!’ – exclama. ‘Fui eu quem traduziu para o espanhol o seu romance Olhai os lírios do campo!’”

Mário de Andrade a Joel Silveira, em 1939: “Nunca leio ataques à minha obra nem cartas anônimas. Só leio elogios. Quando me perguntam a razão desse método, respondo que leio os elogios porque eles me impedem de guardar a opinião que tenho sobre minhas próprias obras; não leio os ataques porque podem ser verdadeiros e não leio as cartas anônimas porque tenho receio de modificar o juízo otimista que faço da humanidade.”

Poucos escritores brasileiros terão sido supersticiosos como Guimarães Rosa. Sempre que o assunto era a morte, lembrava aos amigos: “Não deixem de me pôr os óculos antes de fechar o caixão. Pode ser que eu precise deles na outra vida.” Satisfeito o pedido, assim foi enterrado.

De Rubem Braga, numa crônica de 1962, ao tempo em que era embaixador do Brasil no Marrocos: “Quem viaja tem alucinações. Posso oferecer o testemunho de vários brasileiros que ouviram, em um restaurante de Tânger, uma canção árabe dizer, entre muitas coisas incompreensíveis, que ‘o nosso Tancredo Neves nasceu em São João del Rei’. Alguns a princípio não acreditaram; mas fizemos repetir a canção duas, três vezes (bastava pedir ‘a Tancredo Neves’) e era indubitavelmente aquilo...”

Quando morreu, a 28 de novembro de 1975, Erico Verissimo escrevia um cartão para Antonio Carlos Villaça, o memorialista de O nariz do morto. Apenas começara: “Villaça, você é um escritor singular por mais de uma razão” ‒ momentos depois, sofreu o infarto fulminante. O cartão foi entregue, depois, por D. Mafalda, viúva de Erico. “Até hoje não sei por que sou um escritor singular...” ‒ lamentava o destinatário.

Orígenes Lessa, autor de O feijão e o sonho, esperava sua mulher à porta de uma livraria, em Copacabana. Na vitrina, dezenas de exemplares do romance ‒ que é de 1938, mas voltara a ser sucesso de vendas quarenta anos depois por conta da novela das seis da Globo. Quando ouve de uma mocinha pra outra, que a caminho da praia haviam parado para ver as novidades: “Veja só que pessoal mais oportunista! Mal começou a novela, já escreveram um livro pra ganhar dinheiro...”

José Cândido de Carvalho, especialista em coronéis e lobisomens, encontrou num jornal do interior o seguinte anúncio, que copiou ao pé da letra: “Fifi Campos faz serviço bocal com honestidade e rapidez. Em caso de extorquir dente errado, como é de natural no serviço da ciência, fica o padecente no direito de arrancar mais dois como bonificação. Ademais, Fifi Campos avisa que está capacitado para ministrar o famoso Gargarejo Rui Barbosa, muito salutar para desimpedir a voz em discursos e pedidos de casamento.”

De Paulo Mendes Campos, no seu Diário da tarde: “Escritor é quem tem dificuldade para escrever; quem tem facilidade para escrever é orador.”

Até a Reforma Ortográfica de 1943, asma se escrevia asthma, fotografia era photographia e os químicos se diziam chymicos. Foi quando Otto Lara Resende, asmático crônico, topou com um amigo que há muito não via: — Oi, Otto! Como é que vai a asma? — Vai indo. Mas depois da reforma ortográfica melhorou bastante...

De Graciliano Ramos: “Quem escreve deve ter muito cuidado para não abusar das palavras. Não escrever ‘molhado’. Uma página escrita não deve ficar gotejando, como pano mal lavado dependurado no varal. Devese escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá do Nordeste fazem com a roupa que estão lavando. E sabem como elas fazem? Elas pegam a roupa suja para a primeira lavada, espremem, ensaboam, batem na pedra, dão outra lavada, passam anil, espremem novamente, botam ao sol para secar, depois apertam. Estendem novamente ao sol, e só então dão por findo o trabalho. Em literatura é a mesma coisa. Só quando o que você escreveu não está mais molhado nem gotejando, aí, sim, merece ser publicado.”

De Erico Verissimo, convalescendo do primeiro infarto, em resposta ao jornalista que lhe perguntava se pretendia candidatar-se à Academia Brasileira de Letras: “Mas como, meu filho, se já sou quase uma vaga?”

dI ReçÃO ge RAl: César Santos dIReTOR de RedAçÃO: César Santos ge ReN Te Ad MINISTRATIVA: Ângela Karina deP. de ASSINATURAS: Alvanir Carlos Um produto da Santos Editora de Jornais Ltda.. Fundado em 28 de agosto de 2000, por César Santos e Carlos Santos.

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