2 OPINIÃO
TERçA-FEIRA, 15 de junho 2021
ESPAÇO JORNALISTA MARTINS DE VASCONCELOS
Organização: clauder arcanjo
Carta à Ceição Miranda JOSÉ DE PAIVA REBOUÇAS
é escritor e jornalista josedepaivareboucas@gmail.com
Está muito perto, minha amiga, muito perto. Apesar dessa tragédia incomensurável, nos resta agora fortalecer aquela esperança que sobra no fundo do balaio. Aquela força estranha que nos tira da cama após uma noite de angústia e dias de medo, aquela mesma que você precisou arrancar com força tantas vezes por seu pai, sua mãe e agora por nossos amigos que se foram antes do combinado. Eu sei que é fácil falar, mas falar é também o que nos define. Não me refiro à condição humana apenas, à necessidade orgânica de viver e fazer desse instrumento uma arma ou uma guerra, mas à capacidade que construímos de usar nossa voz para a alegria, a informação e o bem. E você, como ninguém, sabe exatamente o enorme poder que sua voz tem ao ecoar nesse mundo sofrido do nosso lento e atrasado Oeste. Lembro-me bem de quando nos conhecemos. Eu lá em Apodi e você em Caraúbas. Uma ligação tarde da noite para o estúdio e um pedido de música. Conversadeira, me deu espaço para conhecê-la melhor e aí descobri seu drama. Triste sina de uma mulher de soldado que ficava em casa sofrendo a angústia de ver seu amor na guerra urbana. Homem duro e bruto, o que me fez pensar que talvez a maltratasse. Que drama, minha amiga, que drama imediatamente desfeito ao perceber que tudo não passava de zombaria. Pois é, você me enganava e não tinha marido soldado coisa nenhuma. Muito menos tem perfil de
Nos distanciamos na presença física, mas nem as ausências de contatos que, às vezes, duram até um ano, são suficientes para sequer mover esse sentimento de amor que construímos.
mulher que se deixaria maltratar, forte feito um rinoceronte e corajosa igual Maria de Déa. Rimos até hoje dessa pegadinha. Impossível não se tornar melhor amigo de uma criatura dessas. Ainda mais quando descobri ser um ícone do rádio caraubense: a Raínha do Brega. E, logo, estávamos eu e Regiane ajudando você nos shows e ocupando o quarto de Juninho em nossas visitas. Conforto de hotel de luxo com direito a doces especiais. Sua mãezinha, que Deus a tenha, as muitas histórias de seu pai; sua irmã Judite, maravilhosa e interessantíssima. Rapidamente eu entrei para a família. É claro que o tempo exige da gente muitos destinos. Nos distanciamos na presença física, mas nem as ausências de contatos que, às vezes, duram até um ano, são suficientes para sequer mover esse sentimento de amor que construímos. Uma coisa inexplicável e endossada por Regiane que, assim como eu, também tem muita saudade. Por isso, repito, está muito
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perto, minha amiga, muito perto da gente ultrapassar esses dias de angústia e medo e nos encontrarmos novamente para tudo no mundo. Não vou mentir, sinto também muita falta de sua comida e de seus doces, pouca gente faz com tanto amor e sabor receitas tão delicadas. Sinto falta ainda do ambiente de sua casa. Você que vem da aristocracia caraubense nos faz sentir lordes estando aí. Mas tudo isso é trivial perto de suas histórias, suas boas lembranças, conhecimento e gargalhadas sem fim. Você sabe que sou um entusiasta, então, cobrarei para que voltemos a fazer os bregas. Os Mega Bregas cheios de pompa, plumas e paetês. Num carro aberto pelas ruas de Caraúbas, uma multidão lhe acompanhando e jogando flores; aplausos nas portas e nas calçadas. Outros veículos seguindo em deferência como num comício. A Rainha do Brega em seu vestido preto e lantejoulas douradas, expondo a faixa que lhe condecora, que a exalta como a pessoa mais amada desse Médio Oeste.
O destino de seu percurso, muito mais vultoso: palcos montados, cadeiras e mesas espalhadas e entupidas de pessoas. No microfone, os maiores ídolos desse estilo musical genuinamente nordestino-brasileiro: o brega. Todos esperando sua chegada estonteante para anunciar o início de mais uma grande festa. Em suas primeiras palavras, a emoção na voz forte, olhos azuis turquesa e um louro que combina com perfeição o perfil da mulher que esteve nas passarelas do Miss Rio Grande do Norte. São tantas histórias, minha amiga, tantas histórias que temos para relembrar. Mais ainda para construirmos juntos porque estamos vivos e não há distância, medo ou preocupação que vai nos tirar a vontade de voltar a cantar brega e falar na rádio. Eu sei que você tem muita fé e toda fé é feita esperança. Espere-nos que logo estaremos chegando aí. Vamos à missa e depois botar os assuntos e as receitas em dia. Com saudades, seu amigo, Piaba.
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