Jornal De Fato

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2 OPINIÃO

domingo, 22 DE agosto de 2021

ESPAÇO JORNALISTA MARTINS DE VASCONCELOS

Organização: clauder arcanjo

O DIA EM QUE O NOBEL TREMEU Ilustrativa

Vera Lúcia de Oliveira

Carol Caminha

Escritora, membro da Academia de Letras do Brasil - (Brasília-DF) veraluciaoliveira@hotmail.com

É tempo de começar a falar do Nobel, premiação anual da Academia Sueca que se aproxima. São exatos 120 anos do mais prestigiado, rico – e aguardado – prêmio mundial, iniciado, portanto, em 1901. Com o propósito de reconhecer conquistas importantes na ciência e nas artes, de reverenciar os que dignificam os feitos humanos, falar do papel dessa respeitada instituição está sempre na ordem do dia. E alguém aqui na terra da jabuticaba e de Macunaíma falou. E falou como um Macunaíma desabusado, hilariante e impagável que é, fazendo o Alfred Nobel revirar-se no túmulo. Trata-se do mineiro belo-horizontino Jacques Fux, em seu Nobel (RJ: José Olympio, 2018) que tem, entre outros, o humor desbragado do conterrâneo Fernando Sabino de O grande mentecapto. Autor com formação em matemática, enveredou pela literatura, atendendo, talvez, ao chamado da musa das letras. Deve ter descoberto que “o binômio de Newton é tão belo como a Vênus de Milo”, como disse Fernando Pessoa. E já recebeu os mais altos prêmios em ambas as áreas. Um sucesso. A marca desse autor é a originalidade. E o talento nato. Duas faces da mesma moeda no caso dele. Com veia cômica, inclinação para a esbórnia, cuja tradição no Brasil vem desde a poesia satírica do baiano Gregório de Matos, passando por todos os nossos pândegos, e, modernamente, lembrando o tom jocoso de Thomas Bernhard, de Meus prêmios, Jacques Fux é, com certeza, uma nova voz culta e divertida, pósmoderníssima em nossa literatura de ficção, infelizmente cada vez mais chinfrim, salvo honrosas exceções. Mas a mediocridade não é privilégio do nosso país dos bruzundangas, pois, ao que parece, é fenômeno global. Os livros de co-

lorir para adultos, que nos últimos anos têm ocupado as vitrines das grandes livrarias, que o digam. Mas que ideia foi essa do Fux ao escrever um livro em que o narrador-personagem, um brasileiro – o segundo autor de língua portugue-

sa a ser laureado com o tão cobiçado prêmio Nobel de Literatura –, chamado igualmente Jacques Fux, faz um discurso irônico, cru, demolidor, um tsunami que lava a roupa suja de todo o cânone ocidental e oriental como Kaf ka, Canetti, Sar-

di­re­ção ge­ral: Cé­sar San­tos diretor de redação: César Santos Ge­ren­te AD­MI­NIS­TRA­TI­VA: Ân­ge­la Ka­ri­na DEP. DE ASSINATURAS: Alvanir Carlos

tre, Saramago e outros mais? Não poupa ninguém, nem a si mesmo, exposto, esquadrinhado na praça e no terreiro, para lembrar o Gregório “Boca do Inferno”. É isso: temos um novo Boca do Inferno em nossas letras que, curiosamente, acertou ao explorar escândalos sexuais justamente naquele momento em que o francês Jean-Claude Arnault foi condenado por esse tipo de escândalo, ainda os financeiros, pela senhora academia sueca, que cancelou o prêmio de Literatura no ano de 2018. Bola de cristal? Pode ser, mas o certo é que a autoficção, a brincadeira literária de Fux seguiu a sabedoria popular que diz que “onde há fumaça, há fogo.” E o resultado é um livro interessantíssimo, uma pequena joia literária. Um livro-monólogo, um discurso em que a voz do narrador-personagem se mistura à do autor, misturando também fato e ficção para revelar os subterrâneos do famoso Prêmio Nobel. Uma devassa na vida dos premiados expondo a banda podre e todo tipo de vilania dos mais célebres (outros, nem tanto) autores da literatura mundial. Diz o narrador que a verdade está debaixo do tapete e “É nos desvios, nos atos indecorosos, nos recalques obscenos, sórdidos, sorrateiros que repousa o verdadeiro autor e as suas mais sensíveis e honestas palavras.” Assim, enalteceu os atos e os textos mais infames, injuriou os notáveis da academia com interjeições que vão de “Eminentes senhores da Academia”, passando por “Delirantes membros da Academia”, “Adúl-

teros senhores” até “Misóginos senhores” quando se refere à premiação das mulheres. E muito mais: não poderia ter deixado de fora o murro de Vargas Llosa em García Márquez, no México, onde se encontraram na estreia do filme A odisseia dos Andes. “Cherchez la femme”, dizem os franceses. Patricia, a mulher de Vargas Llosa, no caso (com trocadilho). “E foi uma cena de cinema, amigos”, pois ao se dirigir para cumprimentar Llosa, Márquez foi recebido com um maravilhoso soco de Vargas. “Como você se atreve a chegar perto da gente depois do que fez com Patricia em Barcelona? Como ousa? – disse Vargas Llosa ao pé do ouvido de García Márquez, mas somente um ficcionista espúrio ouviu. (Eu)”, diz o narrador, esse poço de irreverência. Dinamite pura, diria Alfred Nobel, aliás, seu inventor. O livro, no entanto, não seria grande coisa – ou pelo menos não se sustentaria literariamente – não fosse a vivacidade do estilo do autor, a coesão entre as partes (com as intervenções tipo lacanianas), em que uma é gancho para a outra, e a mão segura que conduz a narrativa com total domínio. O humor está sobretudo no rir de si mesmo e na erudição meio às avessas do divertido Fux, que pressupõe um leitor iniciado para apreciar a graça da estória, que saiba separar o joio do trigo, o que é brincadeira do que é sério e de muito valor. Enfim, algo novo que nos tira do tédio, que nos faz rir e corar...

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