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ESTOU AQUI

Organização: CLAUDER ARCANJO

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Quando ouviu o grito pela primeira vez, correu assustada para a janela mais próxima, a m de averiguar o que estava acontecendo.

Não foi difícil visualizá-lo. Lá estava ele, alguns andares acima do dela. Um rapaz alto e magro, vestindo um calção e camiseta brancos, se destacava na varanda telada de um dos apartamentos do condomínio em frente ao seu. Andava inquieto de um lado para o outro.

Bradava, a plenos pulmões, palavras incompreensíveis, até que alguém respondeu no grito também. Após o feedback, cou grudado na tela olhando no seu entorno, como que a procurar pelo seu interlocutor. Com certeza o encontrou, porque passou a gritar e gesticular efusivamente com os braços – talvez na intenção de dizer: olha, estou aqui.

Não demorou muito e outras pessoas davam gritos parecidos –também em resposta, pensou. Era visível o seu contentamento. Mas, assim como começou, silenciou de repente e retirou-se da varanda.

Tem presenciado essa situação sempre que vem à casa da lha. Hoje, já não se assusta, ao contrário, vez por outra se pega olhando na direção da sua varanda, na esperança de vê-lo.

Não sabe qual o problema dele, porém, pelo comportamento, acredita que seja autismo.

Hoje, inesperadamente, ele deu o ar da graça, contudo só deu um grito. Embora forte o su ciente para ecoar entre as torres de apartamento, não teve a resposta dos vizinhos. Desapontado, logo entrou.

O silêncio que se seguiu despertou nela o pensamento para as coisas da vida… que bom já se ter diagnósticos para tantos transtornos que têm surgido com a modernidade vivida. Ou será que já existiam, mas ignorávamos? Não sabe.

Uma coisa é certa: diante de tantos esclarecimentos médicos cientí cos, tem sido mais fácil entender o outro. Deu uma última olhada para a varanda e, cansada de esperar um retorno, resolveu cuidar da própria vida.

Num balançar de cabeça ao sair da janela, seus olhos aguçados perceberam uma família de saguis – um casal e três lhoti- nhos pinoteando no telhado do estacionamento. Incrível como se cuidam! Os maiores esperando que os pequeninos zessem a travessia do muro para o telhado. Ficou por um bom tempo observando aquele passeio dominical. Se estivessem mais perto, com certeza lhes daria algo para comer.

Já ia se recolhendo, quando o rapaz voltou à varanda. Com as mãos cravadas na tela, olhava para longe, esboçando um leve sorriso. Ficou por ali, até ser conduzido para dentro por uma senhora.

Talvez a sua mãe. Curiosa, tentou descobrir o seu foco, porém desistiu.

Dessa vez ele não gritou.

Ainda surpresa com o comportamento diferente, percebeu que nem sempre ele gritava, novos questionamentos foram surgindo.

Muitas dúvidas embaraçaram a sua mente. Entretanto, chegou à conclusão de que, às vezes, somos obrigados a gritar para marcar presença. Não sabe se seria o caso dele. Dependendo do silêncio que habita o nosso ser, a necessidade de estar com alguém é tão forte que nos obriga a tal.

Assim pensando, sentou-se à frente do computador que ca ao lado da janela e começou a digitar. Vez por outra se pegava olhando para a varanda dele.

Sem muito esforço, lembrou-se de que ela já dera bons gritos enquanto caminhava logo cedo pelas praias – aproveitando a solidão. E, diga-se de passagem, a sensação de bem-estar, de liberdade e leveza fora tão grande que a vontade foi de voar.

Quem sabe num próximo grito dele, ela responda: “Estou aqui!”

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