Jornal de Fato

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domingo, 1º de maio de 2022

CAFEZINHO COM CÉSAR SANTOS Henrique Alves

‘O MDB deixou de me ouvir, me ver e de falar comigo’ Por César Santos - Da Redação - FOTOS: jornal de fato

Aos 22 anos, Henrique Eduardo Alves decidiu lutar para manter erguida a bandeira de luta de Aluízio Alves, seu pai. Tempos difíceis, de uma ditadura desumana. O jovem cresceu dentro da Câmara dos Deputados, cumprindo 11 mandatos por 44 anos consecutivos. Foi presidente da Casa, assumiu cargos importantes no governo brasileiro, sendo ministro do Turismo no governo Dilma Rousseff (PT) até cair na escuridão da operação Lava Jato, ficando preso preventivamente por 11 meses, sem ter uma condenação sequer, e depois saiu absolvido pela própria Justiça. Não foi só isso. Ao retornar à vida

O senhor deixou o MDB depois de 56 anos. As versões que tentam justificar a mudança são desencontradas, mas estão concentradas na crise em família. O que houve, na verdade? Onde foi que se quebrou a histórica aliança de Henrique/Garibaldi Filho? União mais do que histórica, era uma vida política, pública e emocional. Não há versões, desculpe, há um fato só. Conversei com Garibaldi na véspera do Natal, como sempre faço há mais de cinquenta anos. Nos congratulamos, desejamos muitas alegrias, muito sucesso e eu até o parabenizei pelo artigo que ele publicou na Tribuna do Norte sobre o Monsenhor Expedito. No início de janeiro, fui surpreendido quando eu li uma declaração dele rompendo comigo politicamente e até familiarmente. Foi difícil acreditar o que eu estava lendo, mas a minha relação com o Garibaldi foi e é tão boa, é tão histórica, é tão emocional, é de tanta gratidão recíproca, que eu resolvi superar esse assunto. Mas, o que houve na verdade que levou ao rompimento político e familiar? Eu aprendi ouvindo muito meu pai que dizia: meu filho, a boa política se faz com respeito e sem medo. Depois que o judiciário nacional me fez justiça e me trouxe de volta, livre de um processo que eu sabia que era inocente, eu não tenho ódio de nada. Estou de cabeça erguida, com muita consciência e com muita fé, e assim eu vou buscar um novo Rio Grande do Norte. Esse é

'' Quem não fala e não vê o outro é porque não quer a presença do outro. Vi nesse momento que o MDB se apequenou

política, viu que não tinha mais espaço no MDB, partido que comandou por 52 anos ao lado do primo ex-senador Garibaldi Filho, hoje seu adversário político. Ele saiu para o PSB, partido pelo qual tentará voltar à Câmara dos Deputados nas eleições de outubro. Para falar sobre tudo isso, Henrique Alves tomou o “Cafezinho com César Santos”. Conversa longa na sede do Jornal de Fato, na tarde de sexta-feira, 29. Ele faz revelações importantes, fala sobre a crise político-familiar de forma aberta e direta pela primeira vez. E afirma que está pronto para voltar à vida pública.

o espírito que existe dentro de mim. Então, como disse antes, resolvi superar esse assunto, mantendo todo o respeito que tenho por Garibaldi. Quando o senhor deixou o MDB, depois de 52 anos... (interrompeu) Não deixei o MDB, fui deixado por esse momento que vive o MDB. Voltando à pergunta: o

senhor disse, na nota de despedida, que o MDB do Rio Grande do Norte se apequenou. Por quê? Antes de responder, deixe eu agradecer a gentileza de você me receber aqui no Jornal de Fato, um jornal de tanta tradição e respeito em Mossoró e todo o Rio Grande do Norte. Veja, as coisas vinham acontecendo, prazos eleitorais importantes estavam se exaurindo, como o da mudança e filiação a partidos

(janela partidária encerrada em 1º de abril), e o partido não me dizia nada. Naturalmente, eu precisava saber qual seria a nominata para deputado federal do MDB, de que forma eu poderia contribuir com as relações que eu construí ao longo desses mais de 50 anos, mas não recebi nenhum retorno, nenhuma informação. O MDB num momento tinha o vice da governadora de Fátima Bezerra; noutro momento,

de repente, iria indicar o vice do Ezequiel Ferreira (presidente da Assembleia Legislativa) em oposição à Fátima. O MDB nunca foi assim. Eu queria entender o que estava acontecendo para me posicionar como sempre eu fiz, mas, lamentavelmente, não recebi nenhuma resposta do partido. Essa arrumação estadual que eu não conseguia entender com clareza, hora aqui, hora acolá, me fez perceber que o MDB deixou de me ouvir, de me ver e de falar comigo. E quem não fala e não vê o outro é porque não quer a presença do outro. Vi nesse momento que o MDB estadual se apequenou. Deixar o MDB onde o senhor viveu todas as suas emoções na vida pública desde jovem e por mais de 50 anos deve ter sido um momento difícil... Foi com muito sofrimento e, talvez, a mais difícil da minha vida. Aqui é um desabafo: passei três dias e três noites tentando redigir o provável momento de minha saída do MDB e não conseguia. Xingava, rasgava, rascunhava, me emocionava e até que chegou o dia fatal. Naquele momento, eu recebia a atenção e o respeito de seis partidos que, através de suas lideranças nacionais me convidavam. Era o respeito de todos a minha história, mas eu tinha uma decisão para tomar, como eu disse, com muito sofrimento, muita dor no coração, mas tive que fazer. O MDB é como se fosse uma tatuagem no corpo, uma tatuagem bonita. Essa casa do MDB era tão generosa, tão grandiosa, que eu ajudei a fazer com minhas próprias mãos, desde menino, à época com 22 anos, lutando contra a ditadura e pela democracia no Brasil, de repente mudou. O partido grandioso, sempre aberto para o diálogo, sempre democrático, sempre generoso, sempre fraterno, não conversa mais, não ouve mais, não fala, não vê. Então, eu aqui eu falo de sentimentos que uniam o MDB, do querer bem, do respeito. Mas, esse é um episódio que eu resolvi virar a página pelo imenso carinho que tenho por Garibaldi. Eu não consigo querer mal porque é uma vivência de 52 anos, ele sabe como eu sei que ele sabe o que passamos juntos. Não é possível chegar agora e ver outro Garibaldi. Não consigo enxergar outro Garibaldi. Respeito, viro a página, vamos pra frente, e desejo a ele e a todos boa sorte.

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