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eN t R evista
from Jornal de Fato
de em ter uma rotina, de sentir-se empoderada, de voltar a sentir prazer e ter relações sexuais, pois o maternar por si só é um processo muito solitário, vulnerável e que geralmente está a serviço de outrem e não de si própria. Esperase que com a maternidade as mulheres virem umas leoas, ganhem praticamente superpoderes e que agora irão suportar tudo, esquecendo que antes de ser mãe, existe uma humana vivenciando uma fase de (des)construção, transfor- mação, e que não é apenas com o nascimento de um filho/a que nasce uma mãe, isso é um pensamento totalmente equivocado e cruel. É preciso compreender que cada mulher irá vivenciar seu processo de uma forma única, com sensações, sentimentos muito subjetivos, o que será comum é a maneira que a sociedade se comporta e olha para nós, e isso, sim, terá um verdadeiro impacto positivo ou não. Vamos compreender e buscar observar quais subsídios estamos construindo para possibilitar que essa mãe consiga experienciar a maternidade de forma menos exaustiva? Tenho um olhar de compaixão com as mães que encontro em algum momento de lazer? Estou disponível a ver a beleza de um corpo com marcas e histórias outras que diferem da minha? Enquanto homem, o que tenho elaborado para compreender que meu lugar de privilégio tem exterminado lugares de mulheres e demais corpos?
O fato de ter filhos, por si só, limita e até impede a mulher de desfrutar as demais áreas de sua vida, sua individualidade, sua carreira, e até mesmo sua sexualidade? Ou isso acontece por ela ter que dar conta de tudo sozinha ou mesmo não sendo mãe solo, ser a responsável principal por tudo que diz respeito aos filhos e a casa?
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O maternar não deve ser um fator limitante na vida de qualquer mulher, mas na realidade sabemos que isso não é assim, culturalmente somos atravessados por tradições sociais até obsoletas, mas que de certa forma sobrevivem e são reproduzidas atualmente, no que se refere às questões de gênero, os lugares que podemos ocupar ou não, o que vem a ser responsabilidade da mulher ou do homem etc., uma alienação criativa que naturaliza e normatizam ações de poder. Tudo isso tende a limitar e dificultar a existência das personas de cada mulher/mãe com uma sobrecarga injusta e desumana, nos colocando em um lugar de subserviência e inferioridade, dificultando ou exterminando as possibilidades de cuidado e atenção merecida, principalmente quando nos referimos a nossa sexualidade; importante frisar que o que nos impede mesmo é a paternidade ser algo facultativo em nossa sociedade. Não ocupamos espaços de privilégios, ao contrário, estamos constantemente em estado de alerta e luta pelo simples direito de existir como pessoa, que sonha, que deseja, que planeja. Mas é importante se questionar sempre que possível: Meu corpo e desejos estão a serviço de quem?
É comum essas mulheres falarem em arrependimento por ser mãe? Colocarem nos filhos a responsabilidade pela sua sobrecarga e se frustrarem por ter idealizado a maternidade como a realização de um sonho? A culpa por assim pensar também tem grande impacto na vida dessas mulheres?
Não é comum em ser falado, talvez o sentir, sim. Nos é roubado o direito de querer ou não maternar, e se algo assim é sentido, avaliar com muita atenção, pois toda essa frustração não deve ser direcionada a algo que venha mais uma vez gerar culpa e dores. A cisheteronormatividade tem seus dispositivos nas relações de poder em que retiram deles a responsabilidade dessa frustração, dessa sobrecarga, usando mais uma forma de violência para manter a insegurança identitária das mulheres, levando-as a acreditar que ela e a maternidade exercem a máxima culpa pela falta de escolhas e oportunidades. Porém, depois de muitas lutas, vários espaços de fala, reflexão e orientação estão sendo fomentados, assim, como uma matéria sobre essa temática. Nos espaços de jurisdição já existe a entrega voluntária para adoção prevista na Lei 13.509/2017, que trouxe alterações para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), onde toda e qualquer mulher que não deseja, ou por razões outras, possa ser assistida pela Justiça da Infância e Juventude, e entregar a criança à adoção, desde o momento do nascimento. Essa informação e conscientização é algo que precisa ter um melhor esclarecimento nos espaços de cuidados sociais e saúde, nas UBSs, UPAs, CREASs, CRAS etc., como uma das formas de amenizar a culpabilização da maternidade.
Como encontrar uma saída para esse tipo de situação? As mulheres têm resistência para pedir ajuda?
Compreender o contexto social, saber da nossa responsabilidade individual não anula a do outro, ter um pensamento crítico sobre os fatores sócio-históricos, compreendendo que as violências de gênero, classe, raça fazem parte das violências estruturais e que somos vítimas delas é o primeiro passo para a consciência política e libertária dos nossos corpos. De certa forma, não existe tanto mais uma resistência, as mulheres aos poucos têm se organizado, escutado mais umas às outras, validando o sofrimento, transgredindo, recusando a submissão e construindo estratégias criativas de enfrentamento mesmo correndo riscos, com altos preços a serem pagos na sociedade, devido ao tabu a todo levante de atualização e libertação, tendo dificuldade em ter acesso a políticas públicas e sociais que venham garantir apoio necessário.
Qual a importância de buscar ajuda profissional para lidar melhor com toda essa pressão imposta pela sociedade?
A ajuda de um profissional da Psicologia tem como premissa máxima acolher de forma ética, escutando e validando toda e qualquer forma de sofrimento, despertando a ampliação da consciência, ajudando na autorregulação, uma adaptação com o meio, sabendo que ali terá o encontro com a vulnerabilidade. Na relação terapêutica, será possível compreender que o sintoma em si não é um problema, e, sim, um caminho para a solução; esse sofrimento que gera uma angústia, dores e até uma depressão foi o modo de operar e lidar com toda a situação de violência, logo, a culpa é um mecanismo opressor, e na terapia a busca é restituir o humano, recobrar o lugar na humanidade.