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c ATARI n A AMORIM
from Jornal de Fato
As exigências sociais sobre o cuidar, educar e zelar pelos filhos recaem nas mulheres, não é à toa que nos lares brasileiros cerca de 11 milhões de lares é de mães solo, sendo que 7 milhões se encontram no Norte e Nordeste do país’
Recentemente, a atriz Luana Piovani afirmou em um PodCast que “a maternidade mata a mulher”. A declaração polêmica foi dada ao ser perguntada se ela se sentia mais forte e sexy por ser empoderada e por dar conta de tudo sozinha. Sobre a declaração da atriz, DOMINGO conversou com a psicóloga Catarina Leonila Costa Amorim. A psicóloga fala sobre os impactos da maternidade na vida da mulher, inclusive na forma que ela enxerga a si própria. Para Catarina, grande parte das questões que surgem e afetam a mulher após a maternidade é fruto da sobrecarga imposta pelo sistema que atribui à mãe a responsabilidade sobre o cuidar, educar e zelar pelos filhos, e a maioria
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É comum ouvirmos de mães, principalmente aquelas no primeiro ano de maternidade que não se reconhecem mais, que não conseguem identificar em si própria a mulher que era antes do nascimento de seu filho?
Sim, e com uma maior frequência que anteriormente. Isso tem sido um movimento positivo de um despertar para as questões que perpassam a maternidade, paternidade e as relações familiares. Naturalmente, o nosso corpo não irá mais ser como antes, existe aí uma ruptura com essa mulher, o que não significa que a mesma não esteja aí, mas com um novo lugar social e uma nova forma de ser e estar no mundo, com marcas, vivências e experiências. Os primeiros anos do ato de maternar são extremamente complexos, dolorosos, transformadores para as mulheres de forma bem peculiar, pois é preciso viver o luto dessa vida que não existe mais, no mesmo instante que está mergulhada e atravessada de hormônios, medos, incertezas, dores não conta com rede de apoio, ou com a parceria dos genitores de seus filhos. A profissional é Psicóloga Clínica e Grupal, Gestalt-terapeuta, com bacharelado e licenciatura pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte, Pós-graduação em Sexualidade e em Psicologia Perinatal; Pós- graduanda em Avaliação Psicológica e Psicodiagnóstico e em Psicologia Jurídica. Catarina Amorim atua com psicologia clínica com adolescentes, adultos (com ênfase nas mulheres, sexualidade, corporeidade), grupos terapêuticos, avaliação psicológica e psicodiagnóstico, palestras sobre a temática da adoção, feminino, sexualidade, violências de gênero e arte como subsídio para saúde mental. físicas e psicológicas... é um turbilhão de emoções sentidas ao mesmo tempo, e o ato de reconectar com essa nova mulher se torna quase que impossível, especialmente se ela não possui uma rede de apoio que a acolha, respeite e de fato ajude-a.
O que leva a essa mudança na autoimagem, isso é passageiro ou algo definitivo?
Muitos fatores, desde a questões fisiológicas com relação aos hormônios nessa fase, a fatores emocionais, familiares e sociais. É importante frisar o contexto social em que nos encontramos, onde a maioria das mulheres não tem acesso a cuidados na saúde mental durante o período gestacional e muito menos no puerpério. E se falarmos das mulheres que se tornam mães por adoção, esse dado se repete, e com um agravante, pois não são compreendidas no seu contexto vivencial. Mas se tratando das mães que gestaram de forma biológica, nos primeiros meses e que pode vir a se estender até uns dois anos, algumas escolhem permanecer na lactação, algo que muda tanto as questões físicas, emocionais, relacional, laboral, logo, pode vir a interferir nessa dificuldade em se perceber mulher e não apenas mãe. Socialmente, existe uma cobrança e uma padronização de corpos, de imagens ditas como desejadas, introjetando de forma violenta em nosso cotidiano, causando muitas vezes essa distorção de imagem, desqualificando o maternar e fragilizando a percepção do eu no mundo.
Muitas mulheres deixam de se enxergar como uma mulher com suas várias versões (mulher, mãe, profissional, dona de casa) e passa a se ver e a serem vistas e tratadas por outras pessoas, inclusive pelos próprios companheiros, como a mãe, apesar de ter outras funções, sendo a maternidade seu papel principal, por vezes único. Isso provoca muitos impactos na vida da mulher?
Infelizmente, os impactos que causam sofrimentos. Vivemos em um sistema machista, patriarcal, neoliberal, sexista que opera na lhões se encontram no Norte e Nordeste do país, onde a maioria são mulheres negras, de acordo com a Fundação Getulio Vargas (FVG, 2022). Esses impactos refletem em buscar melhorias de instruções, formações, estudos, para um desenvolvimento pessoal e profissional, o que dificulta na equidade no mercado de trabalho, e na manutenção e cuidados com o lar e filhos, o que fica evidenciado cada vez mais a situação de violência social em que estamos inseridas, consequentemente, o adoecimento psíquico como atualização das relações de poder sobre corpos femininos. formação de violências multifacetadas contra todas as formas de ser mulher, esse é um ponto importante de refletir, compreender e ter uma posição crítica a esse sistema de aniquilamento. As exigências sociais sobre o cuidar, educar e zelar pelos filhos recaem nas mulheres, não é à toa que nos lares brasileiros cerca de 11 milhões de lares são de mães solo, sendo que 7 mi -
Recentemente, a atriz Luana Piovani citou em um Podcast que “a maternidade mata a mulher”. A afirmação veio como resposta à pergunta feita pela apresentadora se ela se sentia mais sexy, forte, empoderada por dar conta de tudo, ser a mãe que cuida em detalhes da rotina dos filhos, trabalhar fora, ser uma mulher independente. A atriz então respondeu que o termo mãe guerreira seria uma espécie de distorção da realidade de sobrecarga de afazeres vivida pela maioria das mulheres. Como a senhora vê essa declaração?
A maternidade vivida de forma saudável, com a rede de apoio, afetos, cuidados, partilha das responsabilidades, possivelmente, não trará tantos impactos negativos, nem muito menos adoecimento para as mães, podendo até ser um momento em que mulheres venham a redescobrir sua sexualidade, sua beleza e potência. Mas precisamos urgentemente desromantizar e humanizar o maternar. Digo isso por compreender e acompanhar algumas mulheres que, mesmo mediante a toda uma rede de apoio, sentem a dificulda -