O purista e discriminatório conservadorismo geek
Cultura e comportamento
Entenda como o Mundo Nerd deixou de ser um ambiente acolhedor e representativo para se transformar em um lugar recheado de preconceito e opressão © @lukaswerneck
Por Pedro Catta-Preta, Matheus Monteiro da Luz e Ramon Baratella
S
er nerd nem sempre foi “cool”. Anti gamente o bullying e a violência eram comuns na vida de alguém que per tencesse ao mundo geek. Na escola, fãs de videogames, RPG’s e quadrinhos sem pre eram excluídos pelas pessoas mais “populares”, aquelas que julgavam o que era certo e errado, inclusive, quem ousas se não se encaixar aos padrões impostos, estaria sujeito a opressão. De alguns anos para cá, porém, a cul tura nerd deixou de ser algo alternativo, agora passa a ser valorizada e domina o mainstream. Ironicamente, no entanto, al guns indivíduos que se consideram nerds, ao invés de usar essa sua nova posição de destaque na sociedade para integrar no vos fãs e expandir as fronteiras de suas histórias preferidas, preferem promover o ódio e a opressão já vividos por eles. E mesmo cercados de histórias de cunho obviamente progressistas – como as dos “X-Men”, heróis que lutavam contra o preconceito de todas as formas –, o mundo nerd tem sido tomado por uma onda con servadora e purista que constantemente vira manchete por problematizar pratica mente toda a tentativa de representativi dade em filmes, séries e adaptações. Evidentemente, não são todos que promovem esse discurso. Essas ofensas costumam vir daqueles que são conheci dos nas redes sociais como “nerds raiz”, “nerdolas” ou “nerd boomers”. Por vezes, eles mesmos ostentam essas alcunhas. Eles escondem o seu racismo e intolerân cia no sentimento de nostalgia, com aque le clássico discurso de que “antigamente era melhor”. Não podem ver sequer uma obra que contenha uma representação de alguma minoria que já a taxam como “la cradora”, ou esquerdista. Raphael Augusto Alves, estudante uni versitário e geek, contesta se esse univer so sequer já teve uma premissa inclusiva. Para ele, “a comunidade nerd foi realmen te criada nesse contexto, mas dizer que ela nasceu em um ambiente de inclusão, é exagerar. Isso porque, aquele jovem que jogava Dungeons & Dragons no porão de casa e não se sentia bem-vindo no resto das atividades, partia naturalmente para a exclusão. É aquela coisa, quando você não entende como mudar a opressão, você tende a se tornar o opressor. O conserva dorismo nasce do medo de mudança. Por que pensam que qualquer mudança que afete uma memória antiga pode ser um grande problema. Então de fato há um pu rismo. É um conservadorismo nascido de
Abril/Maio 2022
Halle Bailey como Ariel em desenho de Lucas Werneck um preconceito que também gera precon ceito. É um ciclo.” Um dos casos mais emblemáticos cau sado por esse fenômeno foi quando houve o anúncio de uma Ariel negra para a adap tação com atores reais do filme animado “A Pequena Sereia”, uma das mais famosas princesas da Disney. Os fãs da animação foram à loucura. A exceção foram aqueles que ficaram indignados pelo fato que tro cariam a etnia de uma das princesas mais queridas do estúdio. Em julho de 2019 divulgaram quem seria a Ariel. Muitas fontes apontavam a atriz Zendaya para pegar o papel principal, só que quem levou essa foi a atriz Halle Bailey conhecida por seu trabalho na série Grown-ish e por cantar em um duo com sua irmã Chloe Bailey. Mesmo com debates sobre racismo espalhados pelo mundo todo, Bailey não ficou imune aos ataques feitos pela inter net quando por três dias a hashtag “not my Ariel” (não é minha Ariel) ficou nos trend topics do Twitter mundial. Por outro lado, muitos apoiaram a ini ciativa, uma vez que personagens raciali zados das produções dos estúdios Disney geralmente ficam em forma de animais ou de seres inanimados, como a Tiana da ani mação “A Princesa e o Sapo” e Kuzco de “A Nova Onda do Imperador”. A dubladora de Ariel na animação de 1989, Jodi Benson, declarou apoio a can tora em sua entrevista para o ComicBook. com. “Não importa nossa aparência por fora, não importa nossa raça, nossa na ção, a cor de nossa pele, nosso dialeto, se eu sou alto ou magro, se estou acima do peso ou abaixo do peso, ou meu cabelo e a cor que for, realmente precisamos contar a história”.
Outra situação em que o discurso de ódio dominou as entrelinhas dos “nerds conservadores” nas redes sociais ocorreu logo após o lançamento do primeiro trailer da série “Senhor dos Anéis”, que está sen do produzida pela Amazon. Por incrível que pareça, o retorno do rico universo de J. R. R. Tolkien não foi mo tivo para a celebração de alguns de seus fãs, que preferiram concentrar-se em um detalhe com menos de 10 segundos de tela: um dos elfos representados na trama terá pele negra. O assunto rapidamente foi aos trending topics do Twitter e, nova mente, gerou calorosas discussões sobre a possibilidade de algo tão indiferente. Vale ressaltar que elfos, brancos ou negros, são personagens fictícios que sequer existem. Episódios como dos elfos interpreta dos por negros em Senhor dos anéis e da Ariel de Halle Bailey não são casos isola dos. Qualquer pessoa que tenha contato com a bolha geek nas redes sociais já pre senciou ou irá presenciar uma discussão onde a luta anti-racista é menosprezada. Infelizmente para o “nerd raiz” a cul tura está mudando, queira ele ou não, e, infelizmente, a representatividade negra está deixando de ocupar apenas espaços secundários, inclusive, com inúmeros exemplos disso. Em um quadrinho do Capitão Améri ca, “Truth: Red, White and Black”, há uma marcante história de um Capitão América Negro durante um periodo de grande ten são racial nos Estados Unidos. Essa trama é aproveitada na aclamada série em Live Action da Marvel, “Falcão e o Soldado Inver nal”, onde todo o grande público pôde co nhecer Isaiah Bradley, esse mesmo Capitão América negro das histórias em quadrinhos, e sua jornada para superar a intolerância do Governo e Sociedade Americana.
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