CONTRAPONTO 126 OUTUBRO/NOVEMBRO

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Club Deportivo Palestino: 100 anos de futebol, tradição e resistência Conheça a história do time chileno que carrega nas costas um povo e a sua narrativa de luta Por Gabriel Tomé, Ligia de Toledo Saicali e Maria Sofia Aguiar

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© Reprodução

om a diáspora de povos árabes em direção aos países da América do Sul e a dominação territorial do Império Turco-Otomano durante a Guerra da Crimeia, no final do século XIX, a imigração dos palestinos concentrou-se especialmente no Chile, onde se localiza a sua maior comunidade fora do Oriente Médio. Entre imigrantes e descendentes, estima-se que a população palestina dentro do país esteja em uma faixa que varia entre 350.000 e 500.000 pessoas. Visando manter os laços e a consolidação de sua cultura na colônia, os imigrantes se reuniram ao redor do esporte. Em 20 de agosto de 1920, foi fundado o Club Deportivo Palestino, time de futebol originado em Osorno, no sul do país andino. O clube foi criado para representar um povo a milhares de quilômetros de distância, além de conectar os imigrados com a sua terra natal, tanto que as cores do time estabelecem identificação com a bandeira palestina: verde, vermelho, preto e branco. Dentro do cenário esportivo do país, o clube é um dos mais tradicionais. Ao todo, o Palestino acumula cinco títulos nacionais. São eles: dois Campeonatos Chilenos (1955 e 1978) e três Copas do Chile (1975,1977 e 2018).

fora também. O ambiente era hostil contra os imigrantes árabes, marcado por discriminação e xenofobia, era presente nas mais variadas camadas sociais chilenas. Em seu primeiro ano como time profissional, em 1952, a equipe se consolidou na divisão de acesso. Na sequência, alçou voos ainda mais altos, quando conquistou o título da elite em 1955. Contudo, no final da década de 60, o Palestino volta a disputar a segunda divisão, onde ficou até 1972, quando se sagra mais uma vez campeão da Série B. O sucesso nos primeiros anos profissionais deve-se ao apoio da colônia, que àquela altura, já prosperava financeiramente e apoiava o clube com seus recursos. Tudo isso foi potencializado pela queda da restrição na contratação de atletas para a equipe, que passou integrar jogadores que não tinham origem palestina em seu elenco. Antes disso, apenas descendentes de palestinos poderiam vestir a camisa do clube. A ditadura militar chilena (1973-1990) trouxe mais um ingrediente para a receita do sucesso: as barreiras financeiras. O preço do peso era fixo em relação ao dólar, por conta de políticas estatais, o que acabou sendo favorável ao aumento do poder aquisitivo do Palestino. “Nessa época o clube trouxe jogadores lendários como Roberto Coll e Elías Figueroa”, conta Carlos Medina, chileno e pesquisador da história do time, em entrevista ao Contraponto.

Causa palestina no centro do campo Segundo Carlos, a participação do Palestino no futebol profissional se deu de maneira estratégica. “Eles fundaram o clube não pela causa palestina, mas para ingressar na sociedade chilena”, explica. Isso, no entanto, mudou. Na época da profissionalização do esporte dentro do clube, a Palestina Elenco titular do Club Deportivo Palestino de 1952 sofreu um grande golpe. Em 1947, a Organização Mesmo sendo detentor de grandes fei- Mundial das Nações Unidas (ONU) aprova tos, o clube se manteve no amadorismo a partilha territorial na região da Palestipor 32 anos desde a sua criação. Nesse na em dois países e a fundação do Estado período, o esporte era perceptivelmente de Israel, no ano seguinte. Com isso, uma mais violento e haviam poucas regras de segunda onda migratória de palestinos se cunho punitivo. Elas já existiam, como desloca para o Chile. O clube, criado como a expulsão, mas essas quase não eram instrumento de conexão dos imigrantes aplicadas pelos árbitros. Desta forma, era com a cultura palestina, também passa a promovida uma verdadeira caça aos pa- representar uma causa: os direitos reivinlestinos dentro de campo. Não só dentro, dicados por um povo. Isso fez com que o

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Palestino rompesse a barreira de ser um time apenas de colonos e passou a ser acompanhado por palestinos em sua terra natal. A internet se tornou um mecanismo decisivo para o estreitamento desse laço, que também é fortalecido pelo fato do clube ser o único fundado por palestinos fora do Oriente Médio. “Mais de 90 mil dos nossos seguidores em nossas redes sociais são do mundo árabe”, aponta Gazan Qahhat Khamim, responsável pela redes sociais do clube e membro da Federação Palestina no Chile, ao Contraponto. Em 2014, o Presidente do Estado da Palestina, Mahmoud Abbas, dirigiu-se aos jogadores e torcedores do clube reconhecendo que a equipe chilena é “a segunda seleção nacional do povo palestino”. Essa relação ficou ainda mais evidente em setembro de 1982, quando ocorreu o genocídio de Sabra e Shatila, o qual matou milhares de palestinos que estavam em acampamentos de refugiados, em Beirute. O ataque foi liderado por uma milícia cristã maronita, em vingança pelo assassinato do então presidente falangista Bachir Gemayel, e contou com a conivência das forças militares israelenses, que tinham controle sobre o território na época. A notícia chegou ao Chile dias antes da partida entre Palestino e Audax Italiano. Em sinal de luto e protesto, o clube queria suspender suas atividades e não jogar. Após negociações com a Federação de Futebol do Chile, o time entrou em campo. A entidade emitiu uma nota oficial em apoio à equipe e, antes da bola rolar, foi respeitado um minuto de silêncio em homenagem aos que foram mortos no massacre, algo que não era comum na época. “Não se trata apenas de um time de futebol, também representamos a Palestina e seu povo, que sofre com a ocupação”, afirma Khamim. Poucos atletas tiveram a oportunidade de vestir tanto a camisa do clube, quanto a da seleção palestina. É o caso de Roberto “Tito” Bishara, craque chileno, descendente de imigrantes, e um dos maiores ídolos do Palestino. O ex-jogador lembra com enorme alegria de seu período atuando pelo time andino, quando jogava no Estádio Municipal de La Cisterna. “O carinho das pessoas, o que as pessoas sentiam quando eu jogava e o apoio que elas davam foi espetacular”, relata Tito, em entrevista ao Contraponto, e ainda acrescenta: “Jogamos por uma só camisa, que é a Palestina” O ex-jogador afirma que o evento mais emocionante de sua carreira foi quando vestiu a camisa da seleção, em 2006, e

CONTRAPONTO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo – PUC-SP


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