CONTRAPONTO 126 OUTUBRO/NOVEMBRO

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América Latina feminista: uma luta distante do fim Em meio à revoluções sociais, atraso das legislações e conservadorismo histórico dificultam conquistas das mulheres Por Eduarda Magalhães, Luíza Feniar Migliosi, Manuela Nicotero Pestana, Sarah Catherine Seles

por nascer/E nosso castigo é a violência que você não vê”. Em entrevista ao Contraponto, Vamovimento feminista brasileiro Estado ocorreu apenas em 1973. Durante nessa Hoppe, advogada chilena, vinculada surgiu no final do século XIX, com esse período, aconteceram várias manifes- à causa das mulheres e povos indígenas, lutas pelo acesso e direito à educa- tações femininas, lutando pela democracia atuante na Asamblea Feminista de Cañeção por personalidades extremamentes e por seus direitos, mostrando organiza- te e da ABOFEM (Asociación de Abogadas significativas, como Nisía Floresta, que fez ção, não só na resistência contra o período Feministas), conta que foi uma das participantes que propuseram a criação da a tradução do livro “Revindicação dos Di- ditatorial, como também atualmente. reitos da Mulher”, escrito por Mary WollsO Chile, nos últimos anos, vem se tor- assembleia, que nasce para o 8 de martonecraft. Com a finalidade de diminuir o nado uma grande referência de movimen- ço (8M), no contexto da marcha mundial abismo que havia no acesso à educação, tos feministas e isso se deu pelo fato de que, pela comemoração do dia da mulher. Nísia também criou uma escola para meni- de acordo com Carla, o país adotou um mo- “Trabalhar nesse sentido, funciona para nas. Essa luta resultou em mulheres com delo neoliberal absoluto, o qual resultou na conscientizar, visibilizar e alertar sobre o mais voz, escritoras, donas de jornais que, privatização de todo o sistema, na paupe- nome, realmente, desse tipo de preconjá no século XX lutavam pelo sufrágio. Se- rização extrema, no endividamento e na ceito e estereótipos” – afirma ela. A pandemia mudou os planos para as gundo a professora de História Contem- perda de direitos sociais e trabalhistas da porânea da PUC-SP, Carla Cristina Garcia, população chilena. Então, no Dia Interna- reuniões da organização. Em março, Sebastián Piñera, presidente do em entrevista ao ContraponChile, decretou estado de exto, este livro foi o primeiro ceção – medida que garante grito feminista que, fundou o maior controle ao governo – feminismo ocidental. por catástrofe em decorrênSendo assim, o feminiscia da Covid-19. “Com todas mo no Brasil começou a gaas ações de segurança, finhar espaço durante o Estado zemos a nossa primeira asNovo. Logo após o golpe de sembleia, propriamente dita, 1964, quando foi implantado com as pessoas que puderam no país a Ditadura Militar, fecomparecer e que não eram ministas foram perseguidas tantas. Temos espaço para e ameaçadas de morte, vádiscussão aqui a nível local e rias delas tiveram que sair do espaços feministas. Além dispaís, era uma luta diária pela so, participo de um grupo de sua sobrevivência e de seus fiConstituição, chamado Grulhos, além da luta pela causa po Constituyente de Cañete, feminista em si. que formamos com colegas De acordo com Carla de diferentes carreiras para Garcia, muitas pessoas acrepoder dar a discussão em torditam que o movimento teve no da questão constitucional início na década de 1970, com antes de uma reforma no Chia Lei da Anistia – legislação le, que está planejada para que perdoou crimes políticos ser aprovada em 25 de outue eleitorais cometidos dubro”, relata Vanessa. rante a ditadura, e permitiu A principal crítica à a volta de exilados ao país. O Coletivo Viento Feminista apoia nova Constituição por meio Constituição chilena é seu retorno de algumas mulhevínculo como herança do res do exílio marca a volta da das redes sociais regime militar de Augusto organização e atuação em movimentos femininos, muito ligados a co- cional pela Eliminação da Violência contra Pinochet. Alejandra Burgos, participante munidades eclesiais de base, que continu- as Mulheres de 2019, essa onda, que acu- do Coletivo Feminista de Curanilahue, em avam lutando por melhores condições de mulou todas as mazelas deste governo, se entrevista ao Contraponto, aponta que saneamento básico. No fim dos anos 70, esgotou e as mulheres foram às ruas lutar uma das ações da organização é “mudar a essas ativistas criam o movimento femi- por seus direitos, pelas questões femininas Constituição feita por Pinochet, estruturada por sete pessoas, frente essa possibinista organizado, como os de hoje, os quais e afim de expor o Estado violador. começam a ter demandas específicas em Pelo fato da população ter consciência lidade nós nos unimos com força e vamos relação à condição feminina. e preocupação com sua história política, sair [às ruas] para mudá-la”. Durante as Muitas das mulheres que saíram do o movimento feminista é essencialmente últimas manifestações, os participantes Brasil no período ditatorial, tiveram como politizado. Ainda segundo a professora, as apontavam o papel do Estado nos serviços primeira parada o Chile, país que nove anos manifestações de 2019 foram realizadas públicos e nos direitos sociais, as questões depois passou pela ditadura militar liderada no timing perfeito para que a performance relativas à segurança social e à liberdade por Pinochet. Com isso, é possível dizer que alcançasse o mundo inteiro com o trecho de educação. Hoppe também montou um grupo o movimento feminista chileno teve mais da música cantada pelas manifestantes: tempo para se organizar, já que o Golpe de “O patriarcado é um juiz que nos castiga após as eclosões sociais, composto por © Acervo Pessoal

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CONTRAPONTO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo – PUC-SP


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