Região de Leiria 05 de Novembro 2010

Page 42

Família

01

Bolinho Na aldeia ainda se chama pela “tia” mágica Tradição Acompanhámos uma família que insiste em manter viva uma prática que sobrevive à erosão dos laços de vizinhança. Um saco e um pregão são as ferramentas essenciais

42

Região de Leiria — 5 Novembro, 2010

Carlos S. Almeida “Ó tia dá bolinho?”. Com este pregão que passou de geração em geração, as portas na pequena aldeia de Brancas, nos arredores da vila da Batalha, abriram como que por magia, na última segundafeira. Nascida em Lisboa, esta tradição encontra no mundo rural o habitat que lhe permite reproduzir-se e garantir um lugar nos costumes nacionais. Paradoxo dos tempos modernos, é sentido na pele por Elsa Susana. Habita, precisamente, na cidade que, em 1755 sofreu um terramoto devastador. Multiplicam-se as explicações que apontam para o primeiro aniversário dessa mega partida dos elementos como origem desta tradição. Os mais necessitados lançaram-se nas ruas, clamando pela solidariedade alheia para fazer face às contrariedades. Nascia, segundo alguns, esta tradição única

no primeiro dia de Novembro. Mito urbano? Nem todos subscrevem esta teoria (ver texto ao lado). Sem certezas quanto às raízes desta prática, o certo é que 254 anos depois do primeiro aniversário do terramoto de Lisboa, Elsa, 39 anos de idade, não resiste ao chamamento das origens para acompanhar a filha Marta numa espécie de regresso ao passado. Quando era pequena, logo pelas nove da manhã, juntava-se com o grupo de amigos e calcorreava a aldeia natal de ponta a ponta, pedindo o bolinho. Na manhã da última segundafeira, foi a guia do REGIÃO DE LEIRIA em mais um autêntico contra-relógio na busca dos laços de vizinhança, camuflados em pequenos bolos com frutos secos. Em Lisboa, conta, é o Dia das Bruxas – saído do anglosaxónico Halloween – quem ganha terreno. Ela, como a filha Marta, deixam a agora quase tradicional noite assus-

tadora para trás e anseiam pelo dia de regresso à aldeia. Elsa para acompanhar a filha enquanto recorda a infância passada, Marta para seguir as pisadas da mãe e da avó. A pedir o bolinho.

Recuemos seis décadas Em meados do século passado, era Cecília Calé, mãe de Elsa e avó de Marta, quem mantinha a tradição viva na então ainda mais pequena aldeia. Uma das muitas que então como agora, emprestavam os seus mais pequenos para, de saco em punho, apelarem pela “tia” generosa. Mas “no meu tempo era diferente”, desfia a avó Cecília. “Na nossa zona, os padrinhos de baptismo davam sempre uma prenda: um avental para as meninas ou uma camisola para os rapazes”. “Andávamos alegres e bonitos”, recorda. A manhã começava depois da missa das oito. Não com um mas com dois sa-


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.