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O funk dos pinheirais

Criado para dar voz às favelas, hoje a cultura do funk já está em Curitiba, acompanhando o sonho de muitos MCs de alcançarem uma vida melhor

Anna Padilha, Felipe da Fonte, Lucas Couto, Marco Costa, Matheus Koga

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Desde Claudinho e Buchecha, ele faz sucesso. Mas assim como o mundo em que habita, ele sempre esteve destinado a mudanças. Ele foi feito para representar as favelas, mas hoje dá voz para aqueles, de todo o Brasil, que sonham com uma Range Rover na garagem e um Rolex no braço, ou simplesmente em ter uma vida melhor. Suas batidas - de 100, 130 ou 150 por minuto - são escutadas por todos, mesmo que inconscientemente em um programa de televisão no domingo à tarde, na novela das nove ou no comercial do

Chanel nº 5. Algo que não era possível há pouco tempo, pelo preconceito que o rondava. Assim como todo influenciador digital, ele está sujeito aos haters. Mas atualmente ele, o funk, tem mais lovers, justamente por conta da internet.

O maior canal brasileiro no YouTube é sobre ele. Kondzilla conta com mais de 56 milhões de inscritos, e a maioria dos vídeos supera esse número em visualizações. Audiência que também migrou para sua série original na Netflix, Sintonia. A produtora musical foi uma das parceiras da ONErpm, network de canais no YouTube especializada em música, em 2012, quando as plataformas de streaming estavam sendo inseridas no cotidiano dos ouvintes. Eles entraram com o planejamento, a análise de dados analíticos e a distribuição de vídeos, e o Kondzilla, com o conteúdo. “A questão da viralização foi só aguardar acontecer”, conta Arthur Fitzgibbon, presidente da ONErpm.

A network é responsável por distribuir vários dos grandes sucessos do funk nos últimos anos, e trabalha com produtoras independentes, como Kondzilla, GR6 e Masximo, justamente porque, de acordo com Fitzgibbon, entenderam que “o funk atual evoluiu não só como gênero musical, mas também como influenciador de consumo”. Hoje, o funk é pop, é sertanejo, é rap, é trap, é eletrônico. E são esses gêneros derivados que o fazem alcançar todo o país. A jornada até o sucesso não é única, mas dividida entre inúmeros caminhos. Porém, Fitzgibbon compartilha que alguns itens são essenciais para qualquer um deles: planejamento antecipado, uma boa estratégia de comunicação com continuidade e a ligação com o audiovisual. Não é à toa que o funk conquista milhares de visualizações.

Os clipes no YouTube chegaram em mais pessoas, e ele chegou a Curitiba. Precisamente ao som de Claudinho e Buchecha, MC Duh CWB decidiu que faria do funk a sua carreira. Ele nasceu em Quatro Barras, região metropolitana da cidade, mas cresceu no Uberaba. A primeira música foi gravada em 2014, e com ela vieram shows, clipes, outras músicas, outros clipes, e mais shows.

Quanto a cena do funk em Curitiba, MC Duh CWB fala sempre no plural. O sucesso de seus colegas de profissão parece ser tão almejado quanto o seu próprio. Os shows fora da cidade de MC MG e MC Veiga, a participação de MC Shat em um filme e o clipe que MC Hjota lançou com o famoso MC Menor MR, de São Paulo, são exemplos compartilhados como conquistas baseadas na esperança de que o caminho seja aberto, um pouquinho por cada um.

MC Duh CWB reconhece a internet como principal ferramenta. Ela move o funk. “Qualquer um pode colocar uma música ou um vídeo no YouTube”, explica. Mas seria o espaço suficiente para criar um sucesso? O MC acredita que a maior aceitação do ritmo acontece pelo aumento da qualidade em todos os detalhes das produções. Os clipes são bem produzidos e dirigidos, os shows organizados e as carreiras melhores administradas. É o combo que determina o sucesso.

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Acompanhe a matéria ao som da nossa playlist com os maiores sucessos da história do funk até o momento.

bityli.com/Srf6U

Para que o pacote dos sonhos seja, sobre elas. O preconceito e a exclusão de fato, realizado, os MCs precisam vêm justamente deste ponto. Júnior de ajuda. Na maioria das vezes, as compara a situação com o nascimenprodutoras independentes entram em to do hip hop, há 40 anos, também ação. Uma delas é O Conde Produções, nas ruas: “Os mesmos artistas que também curitibana. Neste caso, o agora são tidos como lendas, sofriam caminho para o sucesso é trabalho- preconceito. Fazendo um paralelo com so. Eles estão em todos os detalhes: o nosso funk, ele nascia no Rio de Jaadministram as carreiras dos artistas, neiro 30 anos atrás. Particularmente, marcam e divulgam os shows, fa- acredito que na presente década estazem clipes e produzem músicas. São mos vivendo essa evolução progressiva eles que moldam o “O desejo que no nosso gênero.” funk. Para isso acontecer, Porém, entra pelos olhos as letras precisam mudar. realizar isso não é sai pela caneta.” Mas, para um artarefa fácil. tista mudar, suas Lais Alfieri composições, suas é produtora audiovisual, e esteve n’O inspirações precisam mudar. “Não Conde desde o começo da produtora. existe funk que fale sobre ecologia, Ela fazia de tudo: entrava em contato por exemplo. A poluição visual, sonora com os MCs, tirava fotos, maquiava, e ambiental, com falta de esgoto, é roteirizava clipes musicais, dirigia e tão natural na vida deles, que não vão editava os vídeos. Fazia de tudo, tudo dar espaço para uma expressão culde graça. “Do mesmo jeito que os MCs tural falando disso. Agora, tendo um queriam fazer sucesso nesse mundo, contato com um carro importado, eles a gente queria fazer sucesso nesse sentem falta, e o desejo que entra mundo”, conta. Lais estava estudan- pelos olhos sai pela caneta.” do para o vestibular na época em que trabalhava produzindo e fotografando O funk não está apenas no Rio de os shows de madrugada: “depois eu Janeiro, assim como as periferias tamsentava em um banquinho, num lu- bém não estão. Em Curitiba, bairros garzinho fechado, e ficava estudando com pouca assistência servem como a apostila do cursinho.” palco para que a realidade ganhe melodia. Para o funk melhorar, as comuOtacilio Júnior, presidente d’O Conde, nidades precisam melhorar. Trata-se conta que, de todo esse trabalho, a de uma questão social, como sempre prioridade é melhorar a questão lírica. foi entoada, mas agora, finalmente, Como nasceu nas ruas, o funk fala está sendo escutada.

MC Guimê, em ensaio divulgado pela ONErpm.

MC Duh CWB.

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