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NEFagir
by O Pilão
Nesta edição d’O Pilão, o pelouro da Intervenção Cívica e Social entrevistou Beatriz Valentim, aluna do terceiro ano do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas e que integrou um projeto de voluntariado internacional. Nesta entrevista, podes ler o testemunho da Beatriz e perceber como participar nestes projetos.
Intervenção Cívica e Social: Que razões te levaram a partir nesta aventura de voluntariado internacional?
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Beatriz: Estávamos nas férias de verão aquando da explosão do porto de Beirute. Vi no Instagram que uma médica portuguesa tinha partido para lá para prestar auxílio aos feridos e que tinha iniciado uma campanha de recolha de medicamentos e material médico para enviar para o Líbano; enviei-lhe mensagem, disponibilizando-me para recolher as ofertas e para lhas ir entregar a Lisboa (local da sua residência). Nessa entrega, ela desafiou-me para ir com ela e mais cinco voluntários ao Líbano distribuir aquilo que recolhemos. Não sei ao certo o que me levou a aceitar mas sabia que não podia recusar. Foi uma aventura incrível que surgiu de forma completamente aleatória e cujas decisões foram “irrefletidas e tomadas com o coração” como escreveu a Dra. Andreia Castro - a médica portuguesa que originou este projeto – no seu blog.
ICS: Qual a organização e projeto de voluntariado que integraste?
B: Não pertencíamos a nenhuma organização, erámos um grupo com cerca de trinta voluntários portugueses que organizaram pequenas recolhas de medicamentos e material médico nos seus locais de residência, dos quais seis (comigo incluída) se deslocaram durante cinco dias à capital do Líbano para distribuir o material recolhido por seis hospitais e cinco ONGs. Distribuímos cerca de 180 kg de medicamentos e a campanha, que se denominou “Ajudar Beirut”, culminou com o envio de um avião com cerca de 3000 kg de medicamentos e materiais hospitalares, no valor de mais de 250 mil euros.
ICS: Voluntariado Internacional é certamente algo que muita gente gostaria de fazer! No entanto muitas vezes não passa daí, uma vez que as pessoas sentem que é um processo complicado. Assim sendo, questionamos-te, quais foram as maiores dificuldades que sentiste tanto antes como durante a tua experiência?
B: Sempre procurei oportunidades para realizar voluntariado internacional mas é um processo extremamente complicado. Ou existe um sistema de aceitação demasiado criterioso, ou exige um enorme investimento financeiro, ou tem um inatingível número de requisitos. A minha experiência de voluntariado internacional foi atípica e, por isso, não passei por esse processo; desde o primeiro contacto com a médica portuguesa e a ida ao Líbano decorreu menos de um mês e isto apenas foi possível devido a não pertencer a nenhuma organização de voluntariado. Dessa forma, não tive grandes dificuldades. No entanto, acredito que muito mais experiências seriam realizadas se o processo da elaboração de voluntariado internacional fosse descomplicado.

ICS: Certamente viveste muitos momentos únicos durante a tua experiência, mas qual dirias que mais te marcou e porquê?
B: Foram cinco dias extremamente intensos. Lembro-me de andar extremamente cansada devido à viagem (Lisboa-Istambul-Beirute) e às diferenças no fuso horário; o tempo extremamente húmido e quente que se fazia sentir na capital do Líbano também não facilitava. No entanto, o cansaço tornou-se apenas um detalhe. Os voluntários com quem tive esta experiência são pessoas incríveis e extremamente viajadas, pelo que estava constantemente a aprender. Tive a oportunidade de me encontrar com o fotojornalista português, João Sousa, que estava no momento a viver no Líbano, tendo sentido a explosão de perto e os dias de enorme tensão que se seguiram. Penso que um dos momentos que mais impacto teve na minha experiência foi quando estávamos a entregar o material médico e medicamentos que tínhamos selecionado para o Hospital Geitaoui e, quando chegámos ao local, o que encontrámos foi um amontoado de material de construção (que outrora terá sido o hospital a que nos dirigíamos). Entrámos por uma janela partida uma vez que não havia porta e existiam buracos nos locais dos elevadores. Tivemos alguma dificuldade em encontrar alguém responsável a quem pudéssemos deixar o material devido ao facto do hospital se encontrar deserto. Tudo isto num país extremamente pobre e no meio de uma pandemia.
ICS: O que consideras que mais te enriqueceu?
B: Para além de tudo o que pude aprender com os voluntários com quem viajei, os voluntários que lá encontrámos e os libaneses com quem nos cruzámos, a minha ida ao Líbano enriqueceu-me muito culturalmente. Embora habituada a viajar, nunca tinha saído do continente europeu então foi um choque claro de realidade. O facto de ter sido um país que se situa numa zona sensível do globo, muito pobre e corrupto, tornou a experiência ainda mais intensa; senti-me num “mundo novo” uma vez que só conhecia o modo de funcionamento geralmente seguro dos países da Europa. Ainda que ligeiramente assustador é uma experiência incrível porque me tira da minha zona de conforto e me permite crescer.
ICS: O que sentes quando fazes voluntariado?
B: Não tenho um “currículo” extenso no que toca a experiências de voluntariado mas, quando o faço, muito mais que ajudar de alguma forma um determinado número de pessoas carenciadas ou em dificuldades, sinto sempre um abalo gigante que me faz repensar e valorizar tudo aquilo que tenho. Aprendo a colocar as situações numa perspetiva diferente e por isso acredito que me dá muito mais a mim do que às pessoas com quem me cruzo.
ICS: Que conselhos darias a quem está interessado em realizar este tipo de experiência?
B: Daria dois conselhos a quem está interessado em realizar uma experiência de voluntariado internacional: se desejam mesmo ter uma experiência deste tipo, não desistam apesar de todos os obstáculos que nos são colocados. Temos de encarar este processo como uma escada em que cada degrau é um obstáculo: se queremos chegar ao cimo da escada temos de ser pragmáticos e ultrapassar cada degrau. Por outro lado, queria encorajar toda a gente a não ter receio de dar o primeiro passo por achar que é insignificante ou que não vai dar em nada. Quem diria que apenas por ter enviado uma mensagem no Instagram iria acabar no Líbano a distribuir ofertas a hospitais e ONGs libanesas, recolhidas por todo o país?
