A Parada n.3 - Fuligem

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BHte, 03/2006

GILU

Nº 3

- DISTRIBUIÇÃO GRATUIRA -

ME GILUF

FULIGEM


Editorial É de forma lírica e esforçadamente não hipócrita, não

FULIGEM Fernanda Cosso

demasiado fantasiosa e não pejorativa que, nesta edição, A Parada lança seu olhar sobre a cidade. Ressaltando alguns dos personagens mais mistificados dos centros urbanos, tal qual a prostituta, o menino de rua e o trabalhador de gravata, a intenção é usar de formas artísticas para colocar em pauta as grandes questões sociais.

O batom cora os lábios Carmim, rodopio Inábeis os saltos

Criados com maior ou menor grau de verossimilhança, os personagens de Fuligem são abordados, por seus

Afastam as fraquezas

autores, não apenas como tipos representativos, mas como indivíduos que, ainda que estejam inseridos no mesmo espaço, - o cenário urbano - apresentam suas próprias características. Os trabalhos com que contribuíram os escritores no terceiro número desta publicação apresentam

de mulher às avessas A cabeleira esvoaça sensual e oculta

aspectos igualmente particulares. Os versos sintéticos e a poesia imagética interagem com vários textos em prosa, de

o que os olhos traiçoeiros

diferentes e originais estilos narrativos. Agradecemos, portanto, a todos aqueles que colaboraram com esta edição e esperamos que o leitor encontre aqui algo que lhe agrade - e, principalmente, muito que o incomode.

suspiram revelar olhar de fera ferida pela violação

Os Editores.

de seus prazeres EDIÇÃO Daniel Bilac, Valquíria Rabelo TEXTOS Anderson Nunes (Ganso), Carlos Marques, Deivid Júnio, Douglas Silva, Fábio Megale, Fernanda Cosso, Flávia Almeida, Flávio Gonçalves, Igor Ribeiro, João Saul, Joaquim Calado, Jovino Machado, Leandro César, Lívia Ribeiro, Marco Anhapoci, Mariana Assis, Matheus C a b r a l , P r i s c i l a A m a r e l a , R a f a e l A l v e s , Va l q u í r i a R a b e l o CAPA Daniel Bilac ILUSTRAÇÕES Daniel Bilac, Janaína Luiz RODAPÉ Lívia Ribeiro D I A G R A M A Ç Ã O Valquíria Rabelo

“meninas da gare”, da Pena, da Penha, da 7 de setembro menina da vida, fantasia maquilagem, libido, rubro e fuligem

Apoio Cultural:

Repasse esta parada Tiragem: 5 mil exemplares

Iniciativa Independente

Contato: a_parada2004@yahoo.com.br


DIA

Fernanda Cosso

Um dia, Um e outro Mais um E aquele outra vez Vuuum... Parou! Esse, esse, esse No caminho de casa Da janela do ônibus Observo os cães Vadiagem...

Joana nunca fez por um preço tão baixo. Pobre vadia. Agora, além de só ter um vale transporte pra voltar pra casa, que era inalcançável com uma só condução, ela teria que arrumar um novo programa, aos 39 anos perto de casa. Ninguém mais pagaria mais de dez reais por ela. Estranha culpa que sentia. (Só hoje, já que passou a vida toda fazendo sexo. Mas sexo naquela época era uma grande indústria. Certo filósofo inglês já disse que “o prostíbulo é tão importante para uma cidade quanto sua rede de esgoto”. Então, que seja feito o trabalho sujo). Ela ficou grávida uma porção de vezes. Comprava remédios abortivos com um certo senhor que também freqüentava seu quarto e tinha uma grande fama de assassino. A culpa só existia, na verdade, porque ela estava sendo arrastada no chão enquanto gritava de dor. A maquilagem grosseira sendo borrada por gotas de chuvas, o vestido vermelho sendo rasgado em paralelepípedos e uma baixa auto-estima faziam dela quase uma escrava. Escrava de si mesma. Depois de ser agredida, teve que andar por cerca de duas horas até o ponto do ônibus. Sem reclamar, tirou o sapato com salto quebrado e continuou cantarolando naquela chuva. Uma música ininteligível e sem ritmo nenhum. Ela sempre fazia isso pra passar o medo ou o tédio. Sempre foi assim. Alguns amantes até foram embora com ódio da cantoria de Joana. Joana sempre foi um passarinho; Joana sempre foi uma idiota. Acordou já era dia claro. Nublado, mas claro. O ponto cheio de gente, o cheiro de café nos bares e a vontade de usar lã não mentiam jamais. Joana não sabia o que fazer. Seus filhos nunca perceberam que ela passava as noites fora de casa. Se descobrissem que eram filhos da puta, o que Joana faria? Não faria nada. Foi a melhor coisa que ela conseguiu pensar. Acordou os filhos com um beijo, sorriu o melhor sorriso do mundo, serviu o café, fez a oração (logo depois olhou para a estante. Pra falar a verdade, pra foto do pai dos seus filhos, que fugiu com uma prostituta chamada Gerson, e desejou sua morte, como toda manhã ela fazia), deu outro beijo e desabou no sono dos justos: o sono que toda mãe merece.

Pra te acompanhar

João Saul

Entoou os primeiros acordes daquela balada típica de bar e os velhos grisalhos, acompanhados pelos meninos e já um pouco empolgados pelo gim, vodka e whisky, ficavam extasiados com a voz e o corpo escultural da bela crooner Louis Finest. Louis Finest que, na verdade, chamava-se Severina da Silva, trabalhava naquele bordel desde os quinze anos, quando saiu de casa após ser violentada pelo namorado da mãe, que surpreendentemente, preferiu o homem à filha. Lá virou dama de fino trato para poder lidar com os turistas, políticos e quem mais pudesse pagar, caro, diga-se de passagem, por aquela ninfa de cabelos avermelhados e sorriso encantador. Aos vinte e cinco anos, Louis colecionava propostas de turistas para ir morar com eles no exterior. Com uma delas até ficou encantada, pois era um jovem português de olhos verdes que lhe oferecera vida de princesa na terra dos patrícios, mas Louis gostava mesmo era da terra do pão de queijo, e não a abandonaria por nada. Nessa mesma época conheceu Jaime, um rapaz de vinte e nove anos que acabara de voltar da Áustria, pois havia feito por lá licenciatura plena em piano. Ora, sem dúvida, um jovem de futuro promissor que recebera um convite da Academia Mineira Jazz-Sinfônica para ocupar o lugar do pianista de renome, Astolfo Bonifácio, que sofrera uma acidente de carro na estrada que leva de Belo Horizonte a Diamantina. Louis e Jaime conheceram-se num coquetel no Palácio da Liberdade, com toda a pompa que o primeiro encontro de um casal de romance merece. Os dois conversaram, dançaram e quase trocaram beijos. Ao final dessa festa, os dois quedaram apaixonados e o Secretário da Fazenda com fama de corno. Não demorou muito para o segundo, terceiro, quarto encontro como também não demorou para Louis largar a vida e estudar canto com Jaime que sempre dizia maravilhas sobre a voz de Louis. Louis continuava morando no bordel para cuidar de Edith Lins, mulher que a acolheu e que a velhice havia castigado e que, por um misto de gratidão e lealdade, pois Edith tratou Louis bem melhor que a própria mãe, Louis a tratava a pão-de-ló. A vida acabara recolocando Louis com aquele sorriso de outrora e hábitos de uma pessoa comum. Após a morte de Edith, Louis era quem comandava a função. Agia como cafetina e era casada, de papel passado, com o pianista, senhor com uns quarenta anos, que largara tudo para acompanhá-la em suas apresentações musicais naquela casa da rua Pernambuco que tinha letreiros em gás néon.

JOANA Fernanda Cosso

Joaninha acabara de ganhar um vestido novo: vermelho Passeando no jardim Pousou atrás de um pé de carrapicho E seu vestido novo ficou cheio de bolinhas pretas... Agora vaga por aí em busca de alguém que a ajude a ter de volta o seu vestido vermelho...

Bilac

Douglas Silva

A Parada nº3 página 3

O Último Tango

A fumaça chegou com o vento e a folha passou.


página 4 A Parada nº3

Inquietação rotineira

Cata vento

Deivid Júnio

Valquíria Rabelo

Procurei o sentido de tudo em tudo nada escapou e no nada parei me sentei me senti concluí o sentido? ele vaga perdido em mim

Sozinha Fernanda Cosso

Só Ouço Zunidos, Ímpios na Noite vaga... Horas passam

JAA

Aflitas ou sós.

De novo, irracionalmente.

Entre os dois estabeleceu-se um silêncio solene, como se fosse o minuto de luto. Morrera a conversa. Depois das palavras gritadas, da rouquidão brava, restara apenas o calar-se, sem muito respeito. Muito formal: aquela impessoalidade ressentida. E enquanto ele subia as escadas, ela contemplava a sala. Mal notava a severidade do concreto ou das paredes mal pintadas. Concentrava-se no som dos passos firmes, esquecida do lugar que a convidava. Apesar do frio, da proximidade da rua, aconchegou-se ali. Apagou as luzes e, por ser escuro, quis ficar. Sofria de uma tremedeira colérica, que nas trevas cessava. E na construção severa sentiu-se suave. Já não escutava. Embriagou-se com o breu e brigou com a claridade. Implicou com a lua, acima do teto. Consigo, acima de tudo. Mas tinha de ir, devido a circunstâncias desconhecidas. Bem ou mal, apenas foi, já que as pernas insistiam. E encostada no poste, era também o poste (pouca forma). De sua sombra não se distinguia e seu corpo não pedia contorno. Ofendia-se com detalhes. Fingia esperar o ônibus, mas discutia com as lâmpadas. Por questão de imagem, embarcou para a cidade. Sua solidão contrastou no coletivo. Seu desequilíbrio acenou para o centro. E estava na praça – clara, é claro. E quando ouviu senhoras discutindo política - qual coluna social - olhou as vitrines e foi ela a exposição. Por fim, comprou um brinquedo. Postada num banco, admirou-se dos luminosos e encarou o que havia de mais escuro – o céu. Suas sobrancelhas eram pouco amigáveis com as estrelas; franziam-se para os carros, os postes, o teto e a cidade. Na suavidade do trânsito, pensou-se severa. Na barulheira da noite, sentiu-se solene. Ainda estava em silêncio: brincava.

Dor de Mundo Mariana Assis

Chovia. Ela estava lá dentro, protegida das gotas que encharcavam as ruas, os carros, os ossos de quem ousava se expor. Estava realmente protegida da chuva que caía lá fora, de pegar um resfriado, de quebrar o guarda-chuva graças ao vento, mas não da angústia que a punha encolhidinha no sofá da sala, olhando a TV desligada, com um restinho de chá na xícara esquecida ao seu lado, à essa altura frio. Começou a lamentar que não poderia sair aquela tarde, já que chovia muito e forte, e não queria passar sua tarde de sábado sozinha, muito menos em casa. Depois pensou que chuva nunca tinha matado ninguém, então ela poderia muito bem sair. Mas chuva matava sim. Quantas pessoas não morrem por causa de chuva? Tudo bem, não morrem porque tomaram umas gotinhas frias no rosto, ou porque ficaram presas em um engarrafamento, mas morrem. Tanta gente morre na chuva, tanta gente vive na chuva! Lembrou-se que tem gente que não tem casa, seus bens ficam no tempo, ou quase isso, só cobertos por rudezas eternamente provisórias. Olhou para a janela, a chuva diminuía, logo devia parar. Então os cachorros que se abrigaram muito mal sairiam e sacudiriam o corpo inteiro, se livrando da água indesejada. Ficou um tempo observando as gotas escorrerem pelo vidro. Estava especialmente melancólica, tudo estava triste, o dia, a chuva. Apertou os joelhos contra o próprio corpo e ficou olhando as lágrimas que desciam pela janela; gotas de chuva, sim, mas pareciam lágrimas. Fazia frio.

Provavelmente, quem não tinha casa estava sentindo mais frio que ela. E quem tinha casa até o momento em que a chuva caiu e agora não tinha mais devia estar mais triste do que ela. Para que tanta água? Se chovesse menos um pouquinho, só um pouquinho, seria menos desastroso. Esfriou mais, voltou a chover. Tem gente que vive em lugar que quase não chove, nesses lugares não se perde casas por causa da chuva, cachorros não ficam encharcados. Mas a falta de chuva mata: de sede. Aninhou-se mais no sofá, não estava agasalhada, precisava ir até seu quarto e pegar uma blusa, mas não se moveu; estava bem ali, tinha a impressão que era errado sair daquela posição; o frio que sentia combinava com seu estado de espírito. Ainda olhando a janela, pensava que todas as pessoas morreriam um dia, então, qual a diferença entre agora ou depois, entre uma causa e outra? Pior que morrer por causa da chuva, ou por falta dela, era morrer em guerra; antes morrer pela natureza que pelo homem, um animal estúpido. Lembrou-se do que seu ex-namorado dizia quando ela começava a maldizer os humanos, ela também era um! Ele era um idiota, só falava coisas idiotas. Tanto era que teve coragem de terminar tudo, o maldito. Deitou-se no sofá, ainda encolhida. Ouvia o som da água caindo, olhava para um ponto qualquer perdido à sua frente, pensava nas pessoas que morriam em guerras, nos cachorros se sacudindo, no ex-namorado idiota, nas pessoas que morriam por causa da chuva, no passeio que não fez, no frio que sentia; adormeceu com o rosto molhado.


[Os negócios vão mal. Se não fosse a esposa nem conseguiria sustentar a família. Trabalha o dia inteiro, nunca vê as lojas do caminho que o levam de casa até o serviço abertas. Só vê os filhos pequenos durante o final de semana, o adolescente não fica em casa aos sábados e domingos. Mesmo assim o que recebe no final do mês não dá para muita coisa, dá para quase nada, chega do serviço cansado, senta-se à mesa e lê o jornal que lá está. Há dias o comprou para o filho e ainda não teve tempo para ler. Quando o faz, vê tanta desgraça, tanta destruição... Ainda bem que tem casa, que os filhos estão bem. Vai até o quarto... acende a luz, olha as crianças e o filho adolescente dormindo, desliga o ventilador antes que eles adoeçam com o vento. Volta para a cozinha, guarda o leite antes que ele azede, apaga a luz e vai dormir antes que o dia amanheça e já seja hora de sair novamente. Se fosse poeta pensaria que não dá para saber o que é real por aqui. Mas como é menino, se limita a sonhar (Se fosse flor, floresceria).]

Deus Jovino Machado

Dê vinho branco a quem tem

A Parada nº3 página 5

Antes Lívia Ribeiro

sede. Dê sede de justiça a quem tem vinho branco.

Anoitecer Flávia Almeida

A tarde bonita Se foi Lentamente Mas quase ninguém percebeu E os pássaros cantaram Se despedindo Mas quase ninguém escutou Já está na hora – disse o homem E, saindo do escritório, Bilac

Fechou a janela, sem olhar para fora. Se foi, lentamente, pelo trânsito da cidade

Exclusão Social Flávio G. H. de Souza Eram 4 da tarde. João Venâncio aguardava ansiosamente num ponto de ônibus no centro da cidade pelo coletivo que o levaria para o conforto de sua casa. De 15 em 15 segundos espiava o relógio, na esperança de que os ponteiros corressem mais depressa que o próprio tempo, trazendo junto seu ônibus. Enquanto João esperava, um mendigo aproximou-se do ponto e começou a pedir dinheiro para as pessoas que lá se encontravam. “Tem um trocado aí, moço?” ele dizia para os homens; “Ô dona, me dá uma ajuda...” falava para as mulheres. Num instante em que sua mente desviou-se da preocupação com as horas, João reparou no pedinte e começou a seguir com os olhos sua peregrinação através daquele aglomerado de gente. O mendigo dirgia-se lentamente a cada um, com uma das mãos estendida. Falava e aguardava, não uma resposta, mas o tilintar das moedas na palma de sua mão. À medida em que ele se aproximava de João Venâncio, neste crescia uma espécie de expectativa quanto à chegada do mendigo. Uma expectativa que surge na gente em quase todo acontecimento que se dê por certo. João, então, preparava-se para dar ao mendigo sua negativa: “Sinto muito, só tenho o dinheiro da passagem.” Com postura firme e olhar discreto, João observou o pedinte falar com a senhora de calça verde e blusa preta, à sua esquerda , em seguida ir ter com o cavalheiro de terno, à sua frente, e, depois, começar a caminhar em sua direção. Agora sim seria sua vez. Já estava a postos. O mendigo vinha sem pressa. João fitou-o. A resposta estava na ponta da língua. Já ia pronunciá-la, antes mesmo do pedido, quando o mendigo passou direto por ele, sem dizer uma palavra sequer. Talvez até sem nem mesmo notá-lo muito bem. João surpreendeu-se. Não poderia jamais esperar aquela rejeição. Passada a surpresa, irritou-se. Sentiuse excluído, marginalizado. Todos ali tiveram sua chance de dar ou negar a esmola, menos ele. Ficara de fora da situação, daquele processo de interação social que une todas as classes, raças e credos. Ele, João Venâncio, era um ser à parte, igonorado até mesmo pelos mendigos! Não podia conceber tal idéia. Em sua inconformidade, quase não notou que seu ônibus havia acabado de chegar. Correu para a fila e, no meio do tumulto, não notou que as moedas que ele havia separado para pagar a passagem tinham escorregado do seu bolso. Um menino de aparência humilde, que estava por perto, viu as pratinhas no chão, recolheu-as e puxou a camisa de João Venâncio, que já subia os degraus do coletivo, com a intenção de devolvê-las ao dono. Ao virar-se e deparar-se com aquele menino a estender-lhe a mão cheia de moedas, João não teve dúvidas. Pensou logo: “Esta é a minha chance!” e, com os olhos brilhando de contentamento, foi logo dizendo, antes que o menino pudesse falar qualquer coisa: “Sinto muito, só tenho o dinheiro da passagem.”e seguiu imediantamente para a roleta. As portas do ônibus se fecharam e o veículo partiu.

neo arcadismo. Joaquim Calado

Derrotado e sem nome Envenenado e pútrido Ainda corre preso Debaixo do concreto Sem (sua) natureza Flui em essência até ele de mil formas (Thalatta! Thalatta!) Nossas construções jazem sobre nossos maiores erros Os carros e as pessoas na rua gritam a mentira Você Meu rio sujo Sussurra a verdade

Bilac

Outra vez, mecanicamente.


Cr ie u m ve r s o

Nigth

Rotina

Flávia Almeida

Rafael Alves

Quando a cidade adormece

Não é simples

Já tarde da noite, há silêncio

Mas eu vivo Do cotidiano nativo

Nas ruas, apenas vultos Lado escuro do homano-animal.

Da rotina rotineira

Urros.

Fazendo da mesma maneira

A mulher estremece na cama O marido emite algum som

Livros e anjos vestidos

Nascido

Feito ontem e amanhã. Horizonte urbano

(parecido com o som da rua)

Com fumaça e barulho

E, então, já é quase dia na cidade.

Lixo e entulho

Tudo volta ao normal.

Fome e frio alheio Não pertence a ninguém.

Deivid Júnio

Sentimentos, devaneios Dentro da concentração de meus estudos insiste a poesia e ela venceu

não pertence a ninguém

Serrada do Curral Del Rey Deivid Júnio

sim, sou caprichoso

Novela e jornal Descanso, talvez

Apareceu no instante em que olhava solto Ao fundo da parede de verticais As horas e graus de minha cidade brilham coloridos sobre o edifício JK Pelo avesso do vidro

[ concretos que imperfeita

estas linhas leves e duras de ferro [ encoberto

e esta mesa redonda me entedia com suas Tantos papéis, letras e palavras inventadas que na realidade não dizem nada do que sinto

ou quantos você significar

Novamente: inércia.

Sempre igual

Valeu a pena Deivid Júnio

que nem a noite mais escura oculta se revela em verdes fragmentos

no fim do dia tanta labuta

de beleza gigantesca

Desapercebido de mim eu quero é você

Se não fosse banal

deixa frestas

fico excitado com a noite que ainda cai [ cadeiras vazias

A noite em casa

colheita tanta

a ponta de um iceberg

e mais promete

por olhos esquecidos descoberta

a curta vida


Essas Palavras

Trágico

Flávio G. H. de Souza

Flávia Almeida

(para Cacaso) Jovino Machado

Das sombras da noite emerge o medo

Essas palavras

Por todos os lados ronda o perigo A escuridão guarda muitos segredos O pó da pá do assassino

Devo fazer o que gosto

Faço pouco a barba, trato dos dentes e não corto o cabelo.

Ou devo gostar do que faço? Nem amo, nem penso Existo, apenas.

Faço pouco charme, trato do corpo e não corto o tesão.

O corpo não responde à mente Aguçam-se todos os sentidos

Cansada de seguir preceitos

O brilho no escuro, de repente

De seguir conceitos

Avisa que o inimigo vem vindo

Metodologias Cansada de uma vida regrada

A ausência de luz é o recôndito do mal Que espreita de soslaio no canto difuso

Faço pouco verso, trato da alma e corto o coração.

Fantasias frustradas

Acho que é vida, acho que é mágico, acho que é trágico

Existência vazia.

Pior que o toque é o ataque mental A sensação de estar confuso

Vivo a poesia Num intervalo da vida

Passos aflitos seguem apressados

Pra ver se resisto ao que faço Por medo, não por coragem.

Outros vêm atrás no mato erguido Os olhos seguem num maçante trabalho

Meu interior grita

O galho quebrado ludibria o ouvido

Aquilo que meu corpo cala Meu corpo fala

Finalmente a claridade sobrepuja as trevas Capadócio alívio pela segurança Mas no momento de júbilo pelo medo [ que se encerra É que o maior perigo sobre nós avança

Aquilo que eu não consigo calar Palavras vazias De uma vida forçada

Cr ie u m ve r s o

Medo

Uma vida calada Poesia sem fim

Bilac

Acabou-se o vento. Vixe. E agora?


página 8 A Parada nº3

MEMÓRIAS Admirável Mundo Novo Carlos Marques

Escrito em 1932 essa novela apresenta, assim como 1984 de George Orwell, um futuro totalitário que carrega várias semelhanças com o nosso mundo atual. Na obra de Huxley o mundo após uma guerra de nove anos atravessou uma crise profunda da qual só emergiu com um novo governo, em escala mundial e extremamente intervencionista. A sociedade é totalmente moldada por seus líderes, desde o início, os métodos de concepção de hoje, e a própria estrutura familiar foi destruída. O Estado produz os seus cidadãos, por métodos de gestação artificial e colagem, os seres humanos são feitos para as funções que desempenharão nesse mundo distancio: as posições de liderança são garantidas aos alfas, funções administrativas e estritamente profissionais são delegadas aos betas, gamas, deltas e épsilons são encarregados dos trabalhos braçais e não intelectuais, pode-se dizer que são o proletariado, sendo que os épsilons tem uma inteligência quase animal. Essa severa divisão de classes incrivelmente não explode em conflitos violentos nunca, cada indivíduo passa por uma lavagem cerebral, desde o momento em que é gestado, que o faz acreditar que sua casta é a melhor possível, que sua função é a mais querida e almejada dentro da sociedade. Como a reprodução por relação sexual destruiria o status quo a família é abominada, “pai” e “mãe” são palavras proibidas e todas relações entre as pessoas são extremamente superficiais. A promiscuidade é a regra, a futilidade do sexo constante e descompromissado acaba com qualquer possibilidade de verdadeiro afeto. Todos esses comportamentos são também incentivados pelo Estado e estimulados `a exaustão pelo senso comum. A beleza do corpo é uma constante, as avançadas técnicas científicas impedem qualquer manifestação física da velhice, os

Deu pau! “Nostalgia eletrônica” Anderson Nunes (Ganso) Quem de nós não traz antigas lembranças à tona quando ouve nomes como “Pitfall”, “Alex Kidd”, “Duke Nukem”, “Bomberman” ou “Battletoads”? São daqueles jogos que todo mundo que pertence à mesma realidade físico/temporal que nós (considerando o limite de distribuição desse texto ao planeta Terra) já jogou e guardou na memória. No Brasil inteiro são conhecidas as expressões “alex full”, “aduken”, “cyber robocop” e “perféct”. Bons tempos aqueles em que video game era algo mais simples, os jogos eram feitos por algum grupinho de nerds trancados em um porão e não se tinha mais do que “três vidas e três continues”. A decepção de morrer no último chefe era rapidamente superada pela vontade de tentar de novo.

Se você achar que está repetitivo,

homens e mulheres do admirável mundo novo envelhecem só por dentro. A morte é banalizada desde o início, as crianças (que além de serem erotizadas desde tenra idade) são levadas ao asséptico e frio velório de desconhecidos, para que vejam a morte desde cedo e a encarem como um indolor sono profundo. O mundo descrito por Huxley é completamente hedonista, seus habitantes foram privados de todas e qualquer possibilidade de dor. Todo e qualquer desvio do comportamento, manifestação de angústia, depressão, dúvida, revolta e até mesmo reflexão é instantaneamente remediada com a droga soma, um tipo de alucinógeno ministrado pelo Estado e distribuído gratuitamente. Caso soma não seja o suficiente, existe também o constante e ininterrupto incentivo a pratica de esportes ao consumo desenfreado. O indivíduo monogâmico, que deseja passar tempo sozinho, se recusa a tomar soma e manifesta opiniões contrárias as vigentes é visto com maus olhos. Não existem mais artes, literatura, religião ou filosofia, apenas trabalho revezado com gozo (em todos sentidos). A trama do livro, sobre a qual vamos ser muito comedidos aqui (para não estragar a leitura) gira em torno de Lenina Crowe, a bela cidadã padrão, promíscua, feliz, fútil e incapaz de qualquer pensamento elevado e crítico, Bernard Marx, um alfa “defeituoso” que prefere suas eventuais crises de depressão a tomar soma e é extremamente crítico e reservado e John, um habitante de uma reserva natural alheia a essa sociedade, homem considerado como “selvagem” que freqüentemente apela para a moral, ética e citações pertinentes de Shakespeare. É difícil não encontrar semelhanças desse mundo com a nossa realidade atual, a patente crise da família nuclear, as relações afetivas efêmeras e pouco profundas, o avanço sistemático da industria cultural contra a cultura erudita, o consumismo que de tão comum já passa desapercebido são problemas nossos. Não é raro o leitor que enxerga nolivro um retrato estilizado (e por conta disso, mais óbvio) do mundo ao seu redor. A leitura de Admirável Mundo Novo convida a uma imediata reflexão.

Mas tudo muda; evolui, talvez. Hoje a indústria do video game se assemelha mais à de Hollywood. Gráficos cada vez mais realistas, efeitos especiais e parafernálias que aproximam a experiência do jogo à vida. Um dia, eu imagino, a eletrônica criará um jogo mais real do que a própria realidade, uma espécie de Matrix. Você liga alguns cabos à cabeça, coloca a seringa do soro em alguma artéria, senta-se confortavelmente e fecha os olhos. Todos esses avanços na tecnologia dos jogos são interessantes, mas acredito que o maior avanço nessa área tenha se dado em relação à interatividade entre jogadores. A sensação de superar hordas de monstros com “inteligência” artificial e adversários programados não é nada comparada ao que se sente gritando “Toma isso então, otário!” para um amigo derrotado. Daí, então, o sucesso de multiplayers como Counter Strike, RPG’s online e os outros jogos que se dão pela internet. É, não há mais retorno. A nova geração de jogos está aí e teremos que nos render a ela.


Valquíria Rabelo

Wesley estava com uma expressão boba no rosto. Havíamos acabado de assistir a Terra em Transe. Quando lhe perguntei o que havia achado, sua resposta foi pouco coerente. Depois de um certo rodeio, admitiu ter entendido muito pouco do que havíamos visto. Não pude culpá-lo. Afinal, a trama não era das mais simples. Só o recriminei quando ele maldisse o filme por não aparentar grandes gastos de produção. Wesley afirmou também não gostar de nada que não fosse a cores. Chegou a prometer a si mesmo nunca mais assistir a qualquer vídeo brasileiro antigo. Ele estava certamente fazendo uma análise incompleta. Afinal, sua crítica não fazia jus a muitos aspectos. Resolvi, então, mandar-lhe minha opinião.

Apesar do P&B

A irreverência do Cinema Novo Confuso e de baixo custo. À primeira vista, Terra em Transe não apresenta grandes atrativos. Lançado em 1967 e dirigido por Gláuber Rocha, o longa (115min) ganha destaque por ser considerado um clássico brasileiro. Gravado após o golpe militar de 64, o filme se passa num país imaginário de nome Eldorado. Narra a disputa pelo poder entre três homens: um é burguês, dono de quase tudo; outro é fascista, adepto do autoritarismo; o último é um estadista que, mesmo eleito por camponeses e operários, não mede violências para controlar revoltas populares. Há ainda uma empresa estrangeira que domina boa parcela da economia.

A Menina Amarela Ah! O Stress! Priscila Amarela Define-se STRESS por tensão, uma pressão de origem emocional que supera a capacidade de defesa e adaptação do organismo, gerando desequilíbrio orgânico na sua composição química e funcional. Pode ter diversas causas como excesso de preocupação e trabalho, vida muito agitada, falta de vitamina C na alimentação, medo, ira, falta de atividade. Mas percebe-se que a causa principal é o desajuste psicológico. Muitas doenças têm relação direta com o stress: úlceras, gastrites, diarréias e prisão de ventre, hemorróidas, ataques cardíacos e todos os tipos de problemas cardiovasculares, inclusive pressão alta, diabetes e enxaqueca. Como tratamento para o stress, o livro “A saúde brota da Natureza”, do Professor Jaime Bruning, sugere fazer exercícios respiratórios e físicos, consumir alimentos naturais, nutritivos e com muita vitamina C, estabelecer prioridades; saber dizer não quando trabalhar demais, ter lazer e diversão, respeitar as horas normais de sono (7 a 8hs por noite), ter objetivos bem claros na vida e viver mais junto da natureza. Também existem alguns chás calmantes que atenuam os sintomas do stress: alecrim, erva cidreira, malva, umbaúba (também para resfriados, pressão alta), hortelã (contra dor de cabeça).

A Parada nº3 página 9

Diante das ‘atraentes’ opções de liderança, o rumo de Eldorado parece estar perdido. Contudo, protagonizando a história está Paulo Martins – herói, político e poeta – que se entrega a uma busca desesperada para solucionar os problemas de sua pátria. A ficção é uma caricatura da situação da época e, possivelmente, ainda tem correspondência com a da atualidade. Mesmo tendo sido feita há tanto tempo, ainda pode ser considerada inovadora tanto por seu enredo, até então contemporâneo, quanto por sua linguagem. Terra faz parte de um gênero de vanguarda, denominado Cinema Novo. Tal estilo surgiu, na década de 60, da necessidade de criar, no Brasil, um cinema próprio, livre das influências estrangeiras. Desde aqueles tempos, a indústria nacional era assombrada pelo fantasma de Hollywood. Não só as bilheterias eram quase totalmente monopolizadas por filmes americanos, mas a estética e o conteúdo de nossas produções seguiam suas tendências. Falando francamente, elas não passavam de imitações. Desde o figurino aos cenários – tudo era mera cópia. Um dos objetivos dos cinemanovistas era, portanto, abordar temas mais condizentes com a realidade do país. Afinal, os filmes aqui produzidos possuíam maior semelhança com a sociedade dos EUA que com a brasileira. Além disso, o movimento visava a criação de uma forma revolucionária, estranha aos olhos do público. Terra em Transe sintetiza perfeitamente essa intenção. Sua narrativa é totalmente fragmentada e suas cenas não acontecem consecutivamente. Em muitas vezes, dãose simultaneamente, como se faz perceber através de recursos de edição. O que torna o filme magistral é o fato de que, apesar de não haver uma seqüência lógica, o discurso é mantido (como dizia o próprio Gláuber R.). Infelizmente, é a mesma razão que o torna confuso. Embora traga dificuldades à interpretação, sua complexidade é louvável e, sem dúvida, original. Entretanto, anos após o Cinema Novo, os filmes brasileiros – principalmente os de maior sucesso – continuam bastante similares aos americanos. Isso porque nossa indústria cinematográfica só aposta em vídeos cujo lucro é garantido. Aqueles que trazem uma proposta nova, nacionais ou não, alcançam um pequeno público e têm pouco (ou nenhum) incentivo do mercado. O fantasma que agora vaga pelo cinema não é só o hollywoodiano. É o que discrimina produções apenas pelo seu potencial financeiro, taxando as não-convencionais como não-comerciais.

Pois bem, nada de dormir só 2hs por dia para conseguir terminar o trabalho que todo mundo deixou em sua mão! Aposto que já percebeu quantos prejuízos advém de uma noite mal dormida: aumento da irritabilidade, angústia e nervosismo, comportamento anti-social, desorientação e depressão, redução do poder de concentração, aumento do tempo de reação e da sensibilidade a dor, descontrole do apetite, entre outros. Ou seja, é preciso lembrar que antes de ser um estudante ou um trabalhador, você é uma pessoa, um ser humano que necessita de descanso, lazer, vagabundagem (esta em doses pequenas, hein?!). Sempre respeite seus limites! É claro que um trabalho valendo 20 pontos para o dia seguinte ou aquela última semana antes de receber o salário descabela qualquer um. O caso é procurar evitar ao máximo o excesso de preocupação e o desgaste físico. Os melhores e mais eficientes remédios não têm nomes complicados terminados em “ina”, nem efeitos colaterais; eles se chamam: alimentação adequada, sol, ar puro, exercícios físicos, água, descanso, vida equilibrada. Então eu reforço que a doença só é uma tentativa desesperada do corpo para pôr tudo em ordem, em equilíbrio. Nosso modo de vida – corrido, esmagador, cansativo – não ensina nem dá espaços para “sentirmos e entendermos” o que acontece realmente com o nosso organismo doente, tanto o físico quanto o emocional e energético. O corpo fala conosco, estabelece limites e possibilidades de superação. Cabe a nós saber ouvi-lo e respeitá-lo para termos uma boa qualidade de vida.

um porre mesmo (indigno)


página 10 A Parada nº3

CRÔNICAS DE AÇOGUE

M.A. - Da infância até ontem à tarde -

A justiça aleijada Matheus Cabral - Açougueiro

Sobre moscas e homens Marco Anhapoci

No Brasil, a justiça prende rigorosamente pivetes, bêbados arruaceiros, vândalos e ladrões de galinha, sem nunca deixar de espancar os infratores a caminho da delegacia. Enquanto isso, os verdadeiros ladrões que sugam milhões dos cofres públicos primeiro têm que perder sua imunidade parlamentar para, se condenados, ficar em uma prisão especial com mais conforto do que a casa de muitos brasileiros. Será que um condenado com curso superior merece mais regalias do que outro que teve menos instrução? Não! Os bandidos de colarinho branco merecem uma prisão ainda mais rígida, pois eles, além de não ter a desculpa de roubo por dificuldades - é ganância mesmo -, serviriam como ótimos exemplos a todo aspirante a Lalau. Um outro problema dos processos criminais brasileiros é sua velocidade facultativa. Quando um trabalhador recorre à justiça, ela é tão lenta que parece se mover como um manco sem bengala. Essas são as causas que ficam arquivadas por anos e anos juntas com outras em elevado grau de deterioração. Entretanto, quando é para repreender um homem humilde, a justiça parece que voa numa cadeira de rodas motorizada. O primeiro passo para atingir a justiça no Brasil é definir quem são os verdadeiros criminosos e quem representa perigo à sociedade. Mas até lá, a responsável pela igualdade de todos no Brasil continuará sendo como o pior cego: só vê o que quer.

Presente Imperfeito Fernanda Cosso Eu quero Tu queres Ele quer

Bilac

Nos queremos Vós quereis Eles: morrem de fome.

ou se você nem der um sorrisinho de meia boca com o vixe

Cospem no prato em que comem Comem no prato em que cospem Moscas não voam de costas Homens não vivem sem nome Entregam, às moscas, os homens. Aos homens, monte de bosta

Nico e os meninos famintos Marco Anhapoci e Lívia Ribeiro Agora pouco o menino bateu na porta pedindo comida. Qualquer coisa servia. Já pensou em estar com tanta fome para bater na porta de um desconhecido e pedir comida? Qual seria a maior fome dele? Será que ele teria consciência dela? São tantos universos que nem sempre dá para saber. Eu me perco. Queria ajudar, queria que ele soubesse de todas as coisas do mundo e conseguisse lidar bem com isso. Ele devia ter uns sete anos... ainda tinha tempo. Gostaria que ele segurasse minha mão enquanto eu andasse... será que ele agüentaria? Dei macarrão da minha mamãe para ele. E um pedaço de frango. E não fiz nada quanto ao resto. Não fiz força alguma para que ele soubesse de todas as coisas do mundo. O que eu faria? Nem sei... Foi um domingo feliz, apesar d’eu não ter mudado o mundo ainda. Ainda há tempo, estamos no começo de março. Hoje desejo esperança e fé para que a gente tenha força para fazer um mundo melhor. (trecho de mensagem escrita por Lívia Ribeiro) Pensando no menino de sete anos pedindo comida, eu me lembrei do Nico. Não que o Nico fosse faminto e morasse na rua. Morava com a mãe e não comia muito - por isso era o mais magro de nós. Era também o mais veloz, corria feito o vento. Era nisso que ele superava o Batata, irmão mais velho. Por mais que o Batata fosse melhor no futebol, fosse o mais forte, fosse o que fosse, não podia vencer o Nico numa corrida. Ele parecia que corria feito um raio. E a cara espremida, a contração do corpo inteiro, um esforço sobrehumano pra alcançar a sua vitória, a sua dignidade, o seu momento de glória. O Nico correu, correu e, pelo que eu sei, não saiu do lugar. Acho que ele poderia ter corrido até os céus, mas vai ver que faltou motivação, alguém mais veloz para ele superar. Deveria ter lido Fernão Capelo Gaivota. Agora deveria vir a lição de moral. Talvez eu dissesse a você que o seu garotinho poderia ter ido além do Nico, além de tudo, porque o desafio é maior pra ele. Mas você é uma menina crescida e eu não sei se ainda sonha. (trecho da resposta enviada por Marco Anhapoci)


PENSA AÍ!

Igor Ribeiro e Flávio Gonçalves

Resposta ao desafio anterior Após De2 das brancas, o jogo prosseguiu: ... Dxh2+! Rxh2 hxg3+ Rg1 Th1++ Belitzmann 0 x 1 Rubistein

Txb3 Rxh8 Rg8 De6!! Th8+! Dh6+! Dxg7++

Dada a seguinte posição: Brancas: Rb1, Bb2, Bb3, Th1 e De1 Pretas: Rg8, Db8, Tb7, Te8, Be7, g7, f7 e c7 Brancas jogam e ganham.

Leandro César da Silva

Resposta

Novo Desafio (resposta ao lado)

O Sucateiro Igor Ribeiro & Fábio Megale

Falta comida no prato dos brasileiros. Tem-se fome de dinheiro. Felicidade coletiva não está mais nos dicionários. Mas as velhas desigualdades ainda não foram abolidas. “Estado de foda-se”, mundo pequeno, olhar restrito; o mais distante e mais ilusório esconde o mais real e mais pungente, o que não se quer mostrar. O salário mínimo não é mais do que sucata. O que não vale nada ainda pode ser aproveitado. São os sucateiros das ruas, os recicladores universais, do mundo onde nunca couberam, mas que ainda tem grandes vazios. Não há vagas. Alugam-se casas. Crescem barracos. Zona Sul. Periferia. Há jejuns, fome, desperdício. Sonhos grandes, sonhos ricos; ilusões doces, ilusões pequenas, ilusões da maioria. Dorme-se mal nas ruas, mas o dia de frio, de chuva, agrada muito aos sonhos. No mundo real não se é permitido sonhar. Eis a primeira lição, da qual não escapa nenhum de seus filhos. Filhos da pátria, filhos sem pai. Um parto. Um filho do paraíso, um filho de papai, uma alegria incontida. Outro parto. O choro estridente perturba o descanso dos bons e incita novos preconceitos. Neologismos de dicionário. Traduzidos para todas as línguas. Proclama-se independência, fala-se em crescimento do PIB, declamam-se poemas de amor. A dívida externa persiste, o poder de compra diminui, os corações tingem-se de negro. Assim escondem o racismo, mascaram sentimentos. O mundo gira e volta sempre ao mesmo lugar. O tempo passa. As horas repetem-se. A madame passa e não vê. E poucos atendem ao pedido humilde do sucateiro: “Papel, jornal, revista, ferro-velho...Ó o sucateiro!”.

JAA

Transporte Coletivo e a Realidade Atual

A Parada nº3 página 11

JOGO DE REIS

Você é a favor do Passe-Livre Estudantil? O que você faria se pudesse andar de ônibus pra qualquer canto da cidade de graça? O que você acha das passeatas? Por que você não vai às manifestações? A Constituição Federal garante aos cidadãos o acesso à educação ao lazer e à cultura, mas, o alto custo dos transportes coletivos acabou se tornando uma privação à escola e a qualquer outra atividade que o estudante queira desenvolver. Apesar da admissão do sistema de transporte coletivo como um serviço essencial ao desenvolvimento das cidades (tanto que permanece ainda hoje submetido ao regime de concessões ou permissões públicas), a exploração desse sistema foi entregue à iniciativa privada que, pela sua própria natureza, tudo transforma em mercadoria, na busca da obtenção pura de excedentes financeiros. O transporte coletivo privado contradiz um “direito primário” do cidadão, que é o direito de ir e vir. Na verdade você sempre pode ir onde bem entender, porém existem alguns pontos a serem analisados antes de sair de casa: n°1: se você tem dinheiro para pagar uma passagem de ônibus; n°2: se você possui um carro; ou n°3: se você tem uma puta disposição de andar a pé, muito, assim, de uma forma ótima, claro. Dia após dia nós acompanhamos pela TV manifestações principalmente de estudantes, a favor do passelivre, tal concessão tem um significado que vai além do que a grande parte dos estudantes imagina. Pense bem, a principal dependência que estudantes têm em relação aos pais é financeira, certo? Hoje em dia existem muitas atividades gratuitas acontecendo por toda parte, e que, lógico contribuem muito para a formação intelectual ou para diversão de qualquer um e existindo transporte gratuito o acesso seria realmente garantido. O ideal é que o transporte coletivo tivesse a gratuidade universal, a vida seria outra se não existissem catracas e tarifas. Imagine-se se fartando de tanto andar de ônibus - não tem nada para fazer aqui, porque não ir para lá? Enquanto não alcançamos tal nível de desenvolvimento social, convido a todos a participar de passeatas, fechar vias de trânsito e ver se assim conseguimos algo, pois sabemos que com os nossos governantes as leis só vigoram a poder de agrados financeiros. Inclusive, futuramente estou pensando em fazer uma “vaquinha” para encaminhar um projeto de lei, mas primeiro vou fazer um orçamento e analisar por qual representante fica mais em conta. Hi!!!! pode censurar a coluna horizontal.


página 12 A Parada nº3

DESAFIO

Confere. Joaquim Calado

“Quem veio antes: o ovo ou a galinha?”

“O ovo, é claro.”

“É claro que foi o ovo, basta olhar a marmita de cada brasileiro: primeiro não tem nada, depois um ovo frito e, no fim de uma carreira promissora, um pedaço de frango (ou de galinha, como queiram). Mas para dar um ar mais mítico e filosófico à questão: no início existia o Vazio e a Fome. Da união deles surgiu Necessidade. A Necessidade gerou o Trabalho e este, após algum tempo, fez surgir o Ovo. O Ovo criou Força e esta gerou mais Trabalho. Então o Trabalho, que cresceu, conseguiu finalmente, e com um resignado e humilde sorriso no rosto, gerar o frango (ou a Galinha, dá na mesma). Depois... depois já é tarde, e a vida e a história acabam sem tempo pra um final feliz.”

Pedro Gordo

David Francisco Lopes Gomes

Concretismo Fernanda Cosso Quem veio antes o ovo ou a galinha? Alguém disse: o ovo. Pois o ovo é o ponto E a galinha? Bem, a galinha é a linha...

arroz feijão refrigerante alguma luz maçã laranja Bilac

café

Bilac

Runner’s High Joaquim Calado

Desequilíbrio e pausa. A queda interrompida e o impacto. Cor. Desequilíbrio e pa. A queda interrompida e o imp.

(sem título)

Lívia Ribeiro Será que eu bati nela? Meus pés estão tão sujos... Eu não sei, porra!, eu não lembro. Essa rua é tão suja. Fatos, eu preciso de fatos. Bati, bati sim. Sujei, sujei tudo. Sujei tudo de sangue e depois joguei pinho em tudo para não ficar vermelho. Não, não, não, NÃO! Era tudo preto, é, meus pés são pretos. É a sujeira. Mas tinha pinho. Por que não limpam as ruas? Podiam jogar pinho em tudo. Por que eu tô pensando nisso agora? Aquela mulher é igual a ela... será que é ela? Sorri igual ela. Eu devia é ir lá nela, mandar ela parar de rir e ir para casa. Mulher minha não fica na rua sorrindo não. Mas ela foi embora... Foi não, tá bem ali. Devia era dar uns tapas nela para ela parar de sorrir. Mas eu não lembro de ter batido.... Bati ou não bati? Ela disse que sim. A gente trepava tanto!... Ó, ela foi embora! Não, não, está ali ainda. Pensamento mais besta... onde já se viu?... bater em mulher... mas tem gente que bate. Mamãe dizia que seu Quirino não era homem por que batia em mulher. Mas ela sorria tanto! Sorria para todo mundo enquanto eu batia, batia igual seu Quirino, e eu ficava escutando os gritos dela lá de casa junto com mamãe dizendo que seu Quirino não era homem. Seu Quirino era preto e preto não presta. Era preto igual meu pé. Deviam é limpar seu Quirino, jogar pinho. Ela jogou... e não adiantou nada. Quando ela estava em casa tudo ficava limpo, cheirando a pinho. Mas apareceram aqueles negros e ela estava com a mala pronta dizendo que ia embora porque eu tinha batido nela. Mas ela está ali até agora. Ela disse que me amava. Se eu batia, por que é que ela foi embora? E você batia nela? Batia não, Dona. Como não se eu escutava os gritos daqui? Minha mãe sempre ficava nervosa com seu Quirino. Preto safado. Ela também gostava de pinho. Mamãe escondeu a mulher do seu Quirino lá em casa depois que ela jogou pinho nele. Ela não tinha mala, carregava tudo em sacola. E gritava quando eu montava nela. Será que ela gritava com seu Quirino por isso também? Se eu não bati, por que é que ela foi embora? Meus pés estão tão sujos... Eu devia era beber pinho. Ela foi embora tão sem motivo...

Corr. Desequilíbri. A queda interrompi. Corre. Desequi. A qued. Corre! Mais rápido a cada passo Correr por todas as ruas mortas Correr e diluir em suor a fuligem Correr e tomar a facada do fôlego Correr até o fedor da fadiga Correr como a criança claustrofóbica Correr até arder nos olhos


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