Filosofia para Vestibulares, Enem e concursos

Page 1

APRESENTAÇÃO Olá. Sou um professor de filosofia que estudou em uma instituição federal no Rio de Janeiro e em outra estadual no Paraná, onde também fiz meu mestrado em educação para a ciência, mas este não é um livro de filosofia. É um livro de filosofia para provas de vestibulares e para o Enem. Aqui a ideia não fazer o aluno pensar por si mesmo, mas entender como outros pensaram e como o pensamento dos outros aparece em questões que selecionam alunos que vem das mais variadas formações para enfrentar provas das mais variadas vertentes acadêmicas de interpretações desses pensamentos. Os outros são os chamados filósofos e as questões procuram relacioná-los em uma escala temporal que por vezes os colocam em seu próprio tempo e em outras os deslocam para problemas que apareceram em outras épocas, daí a especificidade deste trabalho. Minha proposta é estruturar os autores mais cobrados nas mais diferentes listas de vestibulares de instituições públicas e privadas, procurando esquematizar seu pensamento em uma contextualização curta, sem me dispersar em detalhes que distanciam da objetividade dos conceitos e já expor esta estrutura a uma bateria de cinco questões diretas sobre o autor e mais dez outras questões relacionando-os com os demais. Usarei as próprias questões das mais diferentes instituições de ensino, logo no final de cada capítulo do livro, para que o aluno possa entender a linha de raciocínio e interpretação de cada academia. Para que você compreenda como pretendo atingir o objetivo de prepará-lo para resolver estas questões, primeiro precisamos saber algumas coisas, daí esta apresentação. A principal delas é perceber que as Universidades e o ENEM estabeleceram funções para as Ciências Humanas, dando a elas o papel de “estimular o espírito crítico, portanto, elas não podem assumir uma atitude dogmática nem doutrinária; devem apresentar, de maneira plural, teorias diversas e estimular a discussão, porém de maneira sistemática e com método”. Prepare-se então para uma diversidade de abordagens e de variedade temática que leve ao exercício da função crítica. Não há restrições ao programa, e sim uma multiplicidade de temas sempre entrelaçados uns com os outros e os autores. Como eles próprios reconhecem há uma “tarefa pedagógica da reabilitação da Filosofia no Ensino Médio, pois tal reabilitação da filosofia tem como objetivo contribuir com a restituição do rigor do pensamento e com a formação de um repertório cultural mais crítico, que saliente momentos marcantes do pensamento ocidental e das instituições construídas no seu contexto”. Além disso, cabe às Ciências Humanas despertar habilidades e “resgatar nossa cidadania enquanto participação consciente, crítica e construtiva no interior do corpo social”. Para isso, o conteúdo desses conhecimentos deverão ser abordados em duas grandes seções - O Conhecimento e A Ação.

O CONHECIMENTO Tópicos selecionados de filosofia grega, medieval e moderna, tomando contato com questões fundamentais para a formação do pensamento ocidental e com disciplinas que se tornaram fios condutores desse longo processo, como a lógica, a metafísica, a teologia, a teoria do conhecimento e a estética.

A AÇÃO Tópicos selecionados relativos à ética e à filosofia política, tendo oportunidade de conhecer e discutir algumas ideias fundamentais da formação de nossa cultura política pública, como as ideias de democracia, legalidade, poder, dever moral, liberdade e virtudes. A filosofia política preocupa-se com a natureza e os fundamentos do Estado, especialmente, com a justificação da autoridade política diante dos cidadãos que a ela se submetem. A ética, como estudo filosófico do pensamento e das ações morais, propicia um contato com as idéias que justificam as decisões humanas e outras que esclarecem os fundamentos dos problemas e respostas morais. Neste livro adotamos a divisão sugerida por esta abordagem pedagógica e seguimos um roteiro que é comum aos programas de vestibulares de universidades estaduais como as de Maringá, Londrina, Ponta Grossa, Cascavel e federais como as do Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

O CONHECIMENTO: EIXO TEMÁTICO 1 - A Filosofia Grega O surgimento da Filosofia na Grécia Antiga. Estabelecer a demarcação própria da Filosofia ante outros saberes, sobretudo o pensamento mítico. Em um segundo momento, a partir de textos dos próprios filósofos, ater-se aos problemas que compuseram uma tradição filosófica no pensamento antigo. Nesse sentido, o embate entre o mobilismo de Heráclito e o imobilismo de Parmênides, bem como a possível síntese dos dois realizada por Platão, são exemplares de soluções diversas dadas a um problema central para os gregos. Por fim, a partir da crítica de Aristóteles a Platão, será possível analisar as condições, segundo as quais se constitui, mesmo sobre o Ser, o saber de uma ciência, sempre a partir das quatro causas. Além disso, será possível fornecer aos estudantes as regras próprias do pensamento formal, a fim de que eles, com a Lógica, compreendam as regras a que qualquer raciocínio deve se submeter. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


CONTEÚDO PROGRAMÁTICO NÍVEIS DE EXIGÊNCIA

O significado do termo filosofia •• O nascimento da filosofia •• O surgimento da polis •• O espanto •• Explicar as três principais teorias sobre o surgimento da filosofia: a ruptura entre o mito e o logos - teoria do milagre grego; a continuidade entre mito e logos - o mito noético e o surgimento político da filosofia. •• Explicar a hipótese aristotélica do surgimento da filosofia a partir do espanto.

Pré-socráticos •• Parmênides: imobilidade do ser e aparência •• Heráclito: eterno fluxo, multiplicidade e unidade •• Compreender como os pensadores pré-socráticos buscaram explicações racionais para o conhecimento da natureza e da realidade, tendo como problemas centrais a constante mudança percebida pelos sentidos humanos e a recusa dos sentidos como fonte segura de conhecimento. •• Caracterizar o pensamento de Parmênides, que afirma a imobilidade do ser e a identidade entre o ser e o pensar, em oposição à aparência, que é fruto das opiniões formadas pelos homens a partir dos sentidos. •• Caracterizar o pensamento de Heráclito como reflexão que afirma a mudança constante, o eterno fluxo, como fundamento do conhecimento, admitindo tanto a multiplicidade (dos seres) quanto a unidade e a harmonia garantidas pelo “logos”.

Sócrates •• O oráculo de Delfos e o julgamento •• Ironia, aporia e maiêutica: ética e conhecimento •• Explicar como Sócrates modifica o eixo das questões propostas pelos pré-socráticos, direcionando as questões filosóficas para temas como a Ética, a formação moral, os limites do conhecimento humano e para a formulação de conceitos universais, em oposição ao relativismo dos sofistas. •• Verificar como a maiêutica (o parto das ideias), o reconhecimento do não saber pela ironia e a ausência de respostas às questões levantadas (aporia) constituem o fundamento do pensamento socrático. •• Verificar como a mensagem do Oráculo de Delfos “Conhece-te a ti mesmo”, a acusação e o julgamento definem a missão de Sócrates.

Platão •• A alegoria da caverna »» A relação entre o sensível e o inteligível »» Reminiscência e conhecimento »» O ideal da política: o rei filósofo •• Caracterizar a solução proposta por Platão para o impasse entre Parmênides e Heráclito, por meio da relação entre o sensível e o inteligível, presente na Alegoria da Caverna. •• Compreender a relação entre conhecimento e reminiscência e a distinção entre o verdadeiro saber (episteme) e o falso saber (doxa). •• Compreender, a partir das alegorias da Caverna e do Navio, o ideal platônico da política: a cidade Justa e o Rei Filósofo.

Aristóteles •• Metafísica »» As categorias: substância e acidentes »» Teoria das quatro causas •• Noções de lógica »» Proposição: verdade e falsidade »» O silogismo: termos, premissas e validade •• Explicitar em que sentido a Filosofia Primeira (Metafísica) pode conhecer as causas primeiras ou as mais universais, a partir da substância. •• Explicar a teoria das quatro causas. •• Mostrar que o ser pode ser dito de várias maneiras, a partir dos acidentes e das categorias. •• Explicitar de que maneira a Filosofia Segunda (Física) se relaciona-se com a Filosofia Primeira (Metafísica), a partir dos conceitos de matéria/forma, ato/potência e motor imóvel. •• Entender a verdade da proposição como uma adequação do discurso àquilo que ocorre nas coisas, distinguindo da noção de validade, apropriada ao raciocínio. •• Mostrar como a lógica pode ser um instrumento para o exercício formal do pensamento. •• Explicar as regras do pensamento dedutivo, tendo como modelo o silogismo categórico (1ª figura). FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


CONHECIMENTO: EIXO TEMÁTICO 2 - Teorias Modernas Como a Filosofia passa a definir conhecimento e ciência, e como vão ser mapeadas as suas fontes e os seus limites, desta vez tentando levar em conta o papel da subjetividade humana na formação da objetividade científica, entre outros problemas. O recorte proposto também se justifica por indicar como os filósofos pensaram o surgimento da ciência moderna. Trata-se, no entanto, de uma exposição pautada pelo debate, mostrando diferentes posições rigorosamente estabelecidas sobre a mesma problemática. Ao estudar a formulação de Descartes sobre o método, o papel da imaginação na construção do conhecimento pensado por Hume e a Revolução copernicana de Kant, perceberemos, sobretudo, que o esforço do homem para compreender o mundo é uma tarefa inacabada. Na conclusão do eixo temático Teoria do Conhecimento, o estudante deverá examinar a proposta do criticismo kantiano para definir conhecimento e ciência, mapear as suas fontes e os seus limites, pensar o papel da subjetividade humana na formação da objetividade científica. O recorte proposto também se justifica por indicar como o inatismo, o empirismo e o criticismo pensaram o surgimento da ciência moderna. Também vamos buscar entender como Popper vai criticar esta visão moderna de natureza e de conhecimento, retomando a crítica de Hume aos racionalistas. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO NÍVEIS DE EXIGÊNCIA

Galileu •• O início do método moderno de ciência •• A observação controlada dos fenômenos •• A natureza matemática das coisas naturais •• A crítica à visão geocêntrica de Aristóteles e ao seu método qualitativo

Bacon •• O Novum organum •• A experimentação •• Os padrões que a natureza através das tábuas de presença, ausência e comparação dos fenômenos nos oferece à medição •• O raciocínio indutivo •• A teoria dos idolos

Descartes •• As regras do método •• A dúvida e o cogito •• A teoria das ideias: adventícias, fictícias e inatas •• Caracterizar as regras que compõem o método cartesiano. •• Entender a dúvida cartesiana como metódica, hiperbólica e provisória. •• Entender o cogito cartesiano como verdade indubitável e como fundamento de outras verdades: Deus e a matemática. •• Distinguir ideias adventícias, fictícias e inatas, bem como a origem e o valor de verdade de cada uma delas. •• Caracterizar as diferenças entre empirismo e inatismo quanto à origem das ideias.

Hume •• Impressões e ideias •• Princípios de associação: semelhança, contiguidade, causa e efeito •• Hábito e conhecimento •• Compreender a teoria do conhecimento de David Hume, a partir da classificação das percepções: ideias e impressões. •• Compreender a anterioridade das impressões em relação às idéias e o critério da intensidade. •• Compreender os princípios naturais de associação das ideias na mente: semelhança, contiguidade e causa e efeito. Ter noção de que esses são os recursos que a mente possui para produzir conteúdos cognoscitivos. •• A partir dos pressupostos do empirismo de Hume, entender porque é impossível se construir a priori o conceito de causalidade. •• Compreender o hábito, em decorrência, como um recurso cognoscitivo para explicar a relação de causa e efeito.

Kant •• A revolução copernicana »» Intuição (pura e empírica) e conceito (puro e empírico) »» A priori e a posteriori »» Fenômeno e coisa em si »» Transcendental e transcendente

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


•• Juízos analíticos e juízos sintéticos a “revolução copernicana” no pensamento kantiano, como uma nova concepção da relação entre sujeito e objeto no uso teórico da razão, conseguindo formular essa concepção a partir das características apresentadas abaixo. •• Conseguir diferenciar conceitos e intuições como representações de diferentes faculdades. •• Entender sumariamente no plano da sensibilidade e do intelecto a relação entre a priori e a posteriori, sem confundir o a priori com a posse de conteúdos inatos. •• Compreender a relação do conceito de fenômeno com os conceitos de tempo, espaço e sensações e ser capaz de separá-lo do conceito de coisa em si. •• Compreender sumariamente o transcendental como um conhecimento das formas que antecedem a experiência. Compreender o transcendente como um conhecimento dos objetos que estão fora do domínio da experiência. •• Associar a revolução copernicana ao propósito de Kant de investigar o modo como as ciências formulam juízos sobre a experiência. •• Caracterizar os juízos analíticos como juízos que explicam o conteúdo de um conceito. •• Caracterizar os juízos sintéticos como juízos que ampliam o conteúdo de um conceito. •• Compreender a fundamentação dos juízos sintéticos a priori como uma alternativa para pensar os limites do projeto inatista e do projeto empirista.

Popper •• A lógica da pesquisa científica •• A ciência como paradigmas e as revoluções científicas •• A falsificação como critério de demarcação •• O raciocínio dedutivo e o argumento dos cisnes

CONHECIMENTO: EIXO TEMÁTICO 3 Problemas Estéticos na Filosofia O que se quer nesta temática é compreender como nossos sentidos captam a noção de gosto e que define o belo nas coisas. Um dos principais conceitos associados à aisthesis (sensação) é o de mimésis, ou seja, a imitação que o homem faz do que lhe é sentido. Vamos entender isso em Platão e Aristóteles, primeiro e saber porque um deles dá muito valor ao artistas e suas imitações enquanto o outro o abomina, o colocando para fora de seu projeto político. Também teremos de associar o conceito de repetição em duas situações opostas: a de alienação e a de emancipação, confrontandoos pensamentos de Theodor Adorno e o de Walter Benjamin. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO E NÍVEIS DE EXIGÊNCIA O problema do belo e da experiência estética. Questão de referência: a questão da mímesis. Autores de referência: Platão e Aristóteles. O problema da relação da arte com a sociedade: a Indústria Cultural e a cultura de massa. Questões de referência: a questão da reprodutibilidade técnica da arte; a questão da arte e da Indústria Cultural.

Platão •• A crítica ao discurso artístico •• A defesa da censura ao artista e a reescrita das obras de Homero e Hesíodo •• A imitação enquanto cópia da cópia.

Aristóteles •• A mimésis associada à catársis •• A função social do artista e a teoria estética das obras •• A poética •• O falso no discurso do artista e o fato no discurso do historiador

Adorno •• A indústria cultural e a alienação do gosto •• A repetição, a padronização e a massificação •• Alienação através da massificação da arte

Benjamin •• A reprodutibilidade técnica da obra de arte •• Valor de culto e valor de exposição •• A emanciapação através da popularização da arte

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


A AÇÃO: EIXO TEMÁTICO 1 - Política No eixo temático Política será estudada a ação do homem em relação às coisas públicas e em relação aos outros homens. Essa ação é mediada pelo Estado, que pode ser concebido de duas formas. Na Filosofia Política moderna, o Estado não se justifica pela virtude dos cidadãos ou pela busca da perfeição como na antiguidade, mas pelo uso legítimo da força para manter a segurança dos cidadãos e o próprio Estado. O Estado moderno necessita ser legítimo, isto é, o uso da força deve obedecer aos princípios legais para garantir a obediência dos súditos e a autoridade da lei. Na Filosofia Política moderna, o Estado pode também ser concebido como um fenômeno histórico, isto é, um movimento progressivo e de transição das formas de Governo que determina as relações históricas entre Força e Direito. Dentro desse movimento progressivo, o Estado passa a ser concebido não como uma instituição autônoma, mas como um instrumento de classe. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO NÍVEIS DE EXIGÊNCIA

O Estado como direito e força •• A autonomia da esfera política •• Caracterizar o pensamento político moderno como autônomo, em relação aos imperativos da metafísica e da religião.

Platão •• A Cidade Ideal e a utopia política •• A divisão social e as classes de acordo com as funções sociais visando a autonomia da polis •• A associação da alma, caráter inato do homem, com sua função social •• A crítica à democracia como modelo de governo corrompido •• O filósofo-rei e a sofocracia como forma de governo ideal •• A educação de Estado, pública, gratuita e para todos

Aristóteles •• A felicidade como finalidade do homem e da polis •• O homem como animal político •• Os conceitos de justiça justa, justiça distributiva e justiça normativa •• As várias formas de governo associadas à virtude do governante

Maquiavel »» O uso da força e da astúcia, por parte do Príncipe, para a conquista e a manutenção do poder »» Relações entre fortuna e virtù »» Relações entre a virtù do Príncipe e as virtudes cristãs •• Caracterizar a necessidade do Príncipe de combinar o uso da força e da astúcia, pois nenhuma das duas isolada produzirá o efeito desejado, ou seja, a conquista e a manutenção do poder. •• Caracterizar as relações entre fortuna e virtù: o Príncipe não é o senhor do destino, mas deve ter virtù para superar as dificuldades que venham lhe ocorrer. Para atingir sua finalidade - a conquista e a manutenção do poder - deve empregar os meios necessários. •• A virtù do Príncipe não deve ser a mesma do cristianismo, o qual prega a resignação, a humildade, o perdão aos inimigos. Porém, o Príncipe deve parecer ter tais virtudes, mas de modo algum deve, defato, empregá-las. Hobbes, Locke e Rousseau »» Estado de natureza e direitos naturais »» Contrato Social, sociedade civil e Estado »» Constituição do Poder Soberano e limites da soberania •• Caracterizar as diferenças entre as noções de estado de natureza, estado de guerra e sociedade civil. •• Caracterizar e diferenciar a noção de Pacto ou Contrato Social. •• Caracterizar a noção de Soberania nesses autores, destacando outros conceitos que,necessariamente, decorrem desse: o governo, as leis, a autoridade e a obediência. •• Caracterizar a noção de direitos naturais na filosofia política moderna, destacando seus principais elementos: o direito à propriedade e o direito à vida.

O Estado como processo histórico Hegel »» Dialética e idealismo »» Estado moderno e liberdade •• Conceituar idealismo e dialética em Hegel. •• Definir o que são os espíritos subjetivo, objetivo e absoluto (ou universal). •• Explicar a constituição do Estado moderno como a realização da liberdade humana na concepção histórico-política. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


Marx »» Dialética e materialismo histórico •• Apresentar a crítica feita por Karl Marx ao idealismo hegeliano, assim como a nova possibilidade que ele apresenta para uma concepção dialética da realidade social. »» Modo de produção capitalista: forças produtivas e relações sociais de produção »» (Infra)estrutura e superestrutura »» A concepção do Estado •• Mostrar o caráter de exploração característico do modo de produção capitalista, que leva ao limite o antagonismo entre as classes sociais: burguesia e proletariado. •• Demonstrar o caráter contraditório existente entre o desenvolvimento de forças produtivas e a manutenção das relações sociais de produção capitalistas. •• Caracterizar a relação de condicionamento da base econômica da sociedade sobre as ideias presentes em um determinado período histórico. •• Esclarecer como o Estado, assim como as demais formas da superestrutura, são um instrumento de manutenção das relações existentes na base econômica.

A AÇÃO: EIXO TEMÁTICO 2 - Ética No eixo temático ética, são abordadas algumas idéias de Aristóteles, maior exemplo da corrente de ética clássica que privilegia as virtudes e a harmonia entre o indivíduo e a comunidade. Depois, deverá examinar o pensamento kantiano que privilegia a obrigação que se fundamenta na razão e na autonomia do indivíduo. Também deverá ter contato com alguns conceitos da ética de Sartre, a qual se fundamenta em uma oposição aos valores morais oriundos das filosofias e das religiões. Por fim, alguns aspectos críticos para a ética, ligados à noção de que os valores são subjetivos e que a liberdade é incontornável. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO NÍVEIS DE EXIGÊNCIA

Aristóteles •• Teoria do meio termo e prudência •• Destacar o papel da ética aristotélica como o meio que possibilita o fim (ou Bem) humano, que é a felicidade. •• Caracterizar a virtude como uma disposição de buscar o meio termo, a justa medida entre o excesso e a falta em determinada conduta, definindo os conceitos gerais de virtudes e vícios. •• Caracterizar os conceitos das virtudes morais como gênese do hábito nas relações de formação do caráter humano, o qual deve ser a base para a participação na vida da polis. •• Mostrar a prudência como condição de todas as virtudes, por ser a disposição prática para deliberar em qualquer circunstância, visto que versa sobre a totalidade do bem viver.

Spinoza •• A crítica às religiões enquanto sistemas culturais criados pelos homens •• O Deus Emanente e o Deus Imanente •• A Natureza Naturante as Naturezas naturadas •• O conatus e a natureza humana •• A felicidade enquanto realização do conatus

Kant •• Ação por dever, conforme ao dever e por inclinação •• Autonomia e Esclarecimento •• Compreender o princípio de universalização contido no imperativo categórico e conseguir usar esse princípio para pensar o caráter moral da ação. •• Ser capaz de distinguir ação por dever, conforme ao dever e por inclinação. •• Compreender que a moralidade da ação é definida a partir do móvel da ação. Assim, uma ação pode ser conforme ao dever e não ser moral. •• Caracterizar a relação entre autonomia e liberdade. •• Entender a dimensão política da autonomia como a capacidade de fazer uso por si próprio da razão sem a tutela de outrem. •• Ser capaz de diferenciar uso público da razão (autônomo) e uso privado da razão (heterônomo).

Horkheimer •• A razão instrumental •• A ciência como controle da natureza e do homem •• Os limites éticos para a razão científica FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


Habermas •• A ética contemporânea •• A Arena Pública de Discussões •• O uso da Razão Discursiva ou Comunicativa em busca do consenso político •• Os novos agentes de discursos na sociedade pós-moderna •• A crítica ao discurso científico.

Hans Jonas •• A bioética •• Os limites da vida do planeta e do universo •• A ética laica e a defesa de uma Gênese Ágape

SUGESTÕES PARA INTERDISCIPLINARIDADE Nos últimos 2500 anos, os Filósofos têm estudado a possibilidade de um discurso sobre o que é comum aos vários campos do saber humano. Traduzindo para o conceito pedagógico atual, uma das questões fundamentais da Filosofia é a interdisciplinaridade. De um lado, toda disciplina tem método, relaciona eventos, procura explicar algo, caracterizando-se como forma de saber. Perguntas como essas - o que é método? O que é causa? O que é uma explicação? O que é uma disciplina? O que é conhecer algo? - fazem parte do questionário filosófico, definindo um discurso que não é feito por nenhuma outra disciplina e, ao mesmo tempo, diz respeito a todas. Desse modo, a preocupação filosófica é com a constituição de uma visão de conjunto do saber humano, sustentada por uma reflexão crítica e rigorosa. Por outro lado, a Filosofia não procura só entender o discurso científico, seu objeto, seus pressupostos, sua potencialidade, mas lida também com o campo dos valores e dos afetos. Ela pensa tanto cada uma em separado, como também a relação das três formações distintas do homem, a técnico-científica, que habilita o homem a conhecer; a formação humanista, que refina a sensibilidade humana e a formação ética, que se ocupa com a conduta humana. A Filosofia, portanto, pergunta pelo sentido integral da educação do homem. Por conta disso incluímos em nossos estudos capítulos que tratam de temáticas que promovem a interdisciplinaridade entre as Ciências Humanas. Os temas abordados fazem referência à autores e questões que apareceram em outros capítulos mas com uma nova chave de leitura e interpretação. Como muitos vestibulares tem optado por uma fase discursiva, achei necessária a inclusão destes temas para que você possa discutí-los com mais propriedade e de posse dos conceitos que as universidades gostariam de lê-los em seus textos, ter um melhor desempenho. •• A ciência e a filosofia medievais: judeus, cristãos e árabes •• A bioética •• A ética e o avanço científico •• Declaração Universal sobre a Bioética e Direitos Humanos •• Cultura, Etnia e Diversidade Cultural •• A Educação e a Filosofia •• O paradoxo contemporâneo: as desigualdades •• Movimentos sociais e participação política

BIBLIOGRAFIA SUGERIDA LIVROS DIDÁTICOS ARANHA, M. L. A; MARTINS, M. H. P. Filosofando. Introdução à Filosofia. São Paulo: Ed. Moderna, 2003. CHALITA, Gabriel. Vivendo a Filosofia. São Paulo: Ática, 2006. CHAUÍ , Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2003. _____ . Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000. Série Novo Ensino Médio. CUNHA, José A. Filosofia. Iniciação à Investigação Filosófica. São Paulo: Atual Editora, 1992. MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 7ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. ______. Textos Básicos de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. NICOLA, Ubaldo. Antologia ilustrada de Filosofia: das origens à idade moderna. Trad. Maria Margherita De Luca. São Paulo: Globo, 2005. REZENDE, Antônio (org.) Curso de Filosofia. 8ºed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor/SEAF, 1998. VV.AA. Os filósofos através dos textos. De Platão a Sartre (por um grupo de professores). São Paulo: Paulus, 1997. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


INTRODUÇÃO Não há como estudar a filosofia sem entender como os gregos deixaram um vasto legado para a cultura ocidental, resumido em dois modos de descrever e se relacionar com o mundo. O primeiro modo, o mitológico, narra a origem de tudo, fazendo uma cosmogonia que pressupõe três concepções: a) a geração das coisas através de um principio heterogênio, um pai e uma mãe, que de relacionamentos pessoais, geram os demais seres – criando-se com isso uma genealogia, portanto uma herança, um parentesco sanguiníeo, remetendo o presente a um passado, um antepassado, um ancestral; b) há uma rivalidade entre os seres primordiais e também alianças onde fortes e fracos alternam o poder e que repercute entre os homens, fazendo-os tomar partido; c) recompensas, presentes e também castigos e penas revelam que há certas normas a serem cumpridas, rituais, leis divinas que não podem ser quebradas e recompensas por atos heróicos, e penas por desmandos e descumprimento do destino arquitetado pelos deuses, pela natureza. Há também dois modos de interpretar os mitos: seriam eles uma forma inferior de discurso sofrendo por isso uma ruptura radical a partir da filosofia; ou ainda, é um modo que perpassa a humanidade, estando presente para além da filosofia, sendo uma ruptura lenta e gradual. As diferenciações entre mito e filosofia aceitas hoje dão conta que o primeiro modo narra coisas com um passado imemorial, perdido nas eras passadas e o segundo trata de coisas que estão para além do tempo, buscando sua totalidade além de sua datação. O mito pressupõe uma genealogia e a filosofia busca na natureza, nos elementos naturais sua explicação. O mito não busca coerência, exigindo a fé, crença e um intermediário, um sacerdote; a filosofia não: é crítica e pode ser reformulada por todos, bastando para isso a razão. O segundo modo, o filosófico, deixa como legado a exigência de provas racionais que se assentem em leis universais e necessárias que podem ser conhecidas através demonstrações lógicas e baseadas na naturalidade das coisas; também fica o consenso que a natureza segue uma ordem necessária, obedecendo a princípios que seguem uma norma lógica e racional que lhe é atemporal, não sujeita a variações conforme o querer humano e sim, natural, que tem causa própria. Este é o principal entendimento sobre o Cosmos, sobre o Todo e como ele se comporta, como funciona e como pode ser, por isso, entendido. Há, portanto, esta relação entre a racionalidade natural das coisas e a possibilidade de, com a razão, conhecer esta relação necessária que explica o mundo, não sendo preciso mais o recurso às divindades e intermediários que interpretem a natureza. Nossa racionalidade também segue este mesmo padrão, sendo possível para todos, através de um exercício crítico de sua intelecção, chegar aos mesmos conceitos sobre a natureza uma vez que são eles universais. A filosofia nos leva a compreender que daí decorre que as ações humanas também devam seguir o preceito da racionalidade, uma vez que dependem de uma deliberação que está na escala da vontade humana, de nossa própria escolha e que demanda assumir – por isso – o risco da conseqüência ética e política desses atos. O que leva o homem a pensar que talvez o destino não seja o responsável pelos acontecimentos e sim suas ações e a de outros homens que levam o Todo político e social a se comportar de determinado modo. Este discurso filosófico nasce com uma tendência à racionalização, ou ainda, de um estabelecimento de leis que são rigidamente seguidas e formuladas, recusando para isso as explicações já postas, pré-julgadas, exigindo para isso uma investigação de cada caso, proporcionando um amplo debate de idéias oferecendo chance à argumentação e exposição de contrários e contraditórios, para por fim chegar-se a uma generalização que possa dar conta de um Todo abstrato, mas racional e inteligível, universal e, portanto, único, conceitual. As condições que fazem surgir este novo modo de discurso são as viagens marítimas que se aceleram, unindo diferentes povos e mostrando lugares longínquos que a imaginação de antes apenas sonhara e que agora é explorado e que revela aos homens uma realidade diferente da contada pela mitologia. A invenção do calendário, dando um sentido histórico e temporal à natureza que passa a ser regida pelos acontecimentos humanos, as festas tradicionais, trazendo ao homem uma relação de tempo natural e não mais divino; além disso há uma ampliação do comércio e a moeda começa a circular proporcionando trocas de objetos e mercadorias, incentivando o cálculo, a abstração, requerendo um ensino e uma educação que seja voltada para uma atividade mental, de previsão; a ampliação da vida urbana em um contexto de polis que vai aos poucos assumindo um caráter mais legal e menos tradicional, onde a lei escrita ganha mais poder que a lei oral, onde o campo fica distante da cidade. A lei escrita pressupõe também a escrita, o alfabeto e uma casta de pessoas letradas que podem registrar as palavras e podem cobrar mais tarde aqueles compromissos. Nesse sentido a escrita que transfere a forma fonética para as letras é um avanço sem precedentes – colocando os gregos à frente dos egípcios, por exemplo. Por fim a invenção de uma vida política, uma vida voltada para a polis, uma comunidade de homens que decide por si mesmos o destino da cidade, qual o seu funcionamento interno e como desfrutar do que a cidade tem para oferecer, ganhando com isso um caráter de cidadania, cidadão. Todos estes fatores são os responsáveis por surgir na Grécia, naquele período o pensamento filosófico que dá berço à civilização ocidental. Esta insistência sobre a razão diferenciar o discurso filosófico de outros discursos e o caracterizar como um modo que difere do da arte, da religião e da ciência, é a marca deste livro. O discurso artístico, tal qual a filosofia se volta para a verdade do objeto e o faz a seu modo, usando em especial a intuição do artista que, de seu jeito particular, assevera sua condição de sujeito transformando o objeto em arte; a religião também usa a razão, porém é mais afeita à fé, a entes e pessoas especiais que fazem a intermediação através de um ritual e o objeto tem de ser revelado; já a ciência também na sua busca pela verdade, tem na experimentação e a observação os dados que a fazem compor o objeto conhecido, que passa a ser um fenômeno natural, convencionado por uma linguagem que segue rígidos padrões analíticos. Todos estes discursos tentam dar respostas ao mistério do mundo, da phýsis, do Cosmos e com a nossa existência humana tentam se aprofundar ao máximo em suas considerações. Todos usam uma inspiração crítica, anunciam suas descobertas e partilham suas crenças e opiniões. Porém, seguem métodos diferentes, caminhos que muitas vezes lhes são contrários e agradam a temperamentos diferentes. Compartilham, no entanto, com nosso espanto diante do mundo e das coisas e diante de nós mesmos, sujeitos de conhecimento diante deste grande objeto chamado Cosmos. Seguiremos um caminho que começa na Grécia e só termina em seu próprio pensamento, justamente agora enquanto você lê estas linhas. Que você saiba aproveitar todo este conhecimento.


ÍNDICE

TEORIA DO CONHECIMENTO 001............ DO MITO À RAZÃO 015............ O LEGADO CULTURAL DA CIÊNCIA PARA O OCIDENTE 021............ A GRANDE SISTEMATIZAÇÃO DA CIÊNCIA 033............ A RELIGIÃO, A CIÊNCIA E A FILOSOFIA MEDIEVAIS 043............ A CIÊNCIA MODERNA E A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO MUNDO 051............ RACIONALISMO E EMPIRISMO 059............ O AVANÇO CIENTÍFICO E OS LIMITES ÉTICOS 067............ A BIOÉTICA

ÉTICA 073............ A VIDA ÉTICA 077............ A ÉTICA NO PERÍODO CLÁSSICO 081............ A MODERNIDADE ÉTICA - SPINOZA, ROUSSEAU E KANT 091............ A VIDA EXISTENCIAL 097............ CULTURA, ETNIA E DIVERSIDADE CULTURAL

POLÍTICA 105............ A PÓLIS E A FORMAÇÃO DO CIDADÃO 111............ A POLÍTICA MEDIEVAL 117............ AS FORMAS DE GOVERNO E O SURGIMENTO DO ESTADO MODERNO 123............ O ESTADO HISTÓRICO 139............ O PARADOXO CONTEMPORÂNEO: AS DESIGUALDADES 145............ PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

ESTÉTICA 153............ O BELO E A SENSAÇÃO, A CÓPIA E A IMITAÇÃO

GABARITO


Diagramação e Projeto Gráfico Rafael Zanini

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


TEORIA DO CONHECIMENTO CAPÍTULO 1 DO MITO À RAZÃO: A CIÊNCIA GREGA NO NASCIMENTO DA FILOSOFIA A filosofia surge como um discurso de rompimento com outro discurso, anterior, estruturado de forma diferente, a mitologia. A mitologia não surge pronta, é resultado de uma evolução que vai da forma oral (mytós) para o registro escrito (logós) de histórias que antes eram narradas na tradição familiar, nos génos, durante a ocupação das terras e ilhas do Mediterrâneo. É a migração para as terras desconhecidas que explica a criação dos mytós, das histórias narradas, que contam a saga de Os deuses gregos povoam o imaginário e dá significado à vida do homem na polis heróis que se confrontam com forças que vão além de sua natureza humana, ganhando com isso uma natureza sobre-humana que direciona os destinos da phýsis e do homem. Durante muito tempo se discutiu a originalidade do pensamento grego em relação à filosofia e se essa originalidade era ou não fato comprovado, isentando o pensamento grego da acusação de cópia de uma estrutura mitológica e racional que já existiam, por exemplo, entre os babilônios e os egípcios. Já não há mais dúvidas hoje sobre a originalidade grega tanto em sua mitologia quanto em sua filosofia, sem tirar é claro de outros povos, a importância de sua pesquisa cosmológica e intelectual, mas diante do advento do pensamento helênico, foram em muito superados. A necessidade de uma explicação para a vida surge diante da incerteza do futuro. Haveria, portanto, um controle externo à phýsis que conduziria seus passos, dando ao homem um castigo ou premiação de acordo com suas ações? Seria o homem um filho das estrelas? É a busca por uma resposta sobre o Todo composto de Cosmos, Phýsis e Homem o que motiva a criação dos mytós e sua posterior organização escrita. A resposta surge pela boca dos poetas, aedos que, de cidade em cidade, vão narrando este espanto do homem diante do Cosmos e da Phýsis, juntando ora divindades ora natureza e fundindo estruturas de histórias que povoavam o imaginário deste novo homem heleno.

A mitologia grega A estrutura da mitologia grega surge enquanto narrativa oral da saga de deuses e heróis. O nascimento destes seres divinos parece ter sua explicação na total crença do homem grego que ele é inferior à Natureza (phýsis) dado à grandiosidade, infinitude e diversidade de seres. Ao ter consciência de si como um aspecto menor diante do Todo (Cosmos), o homem começa a atribuir à própria Natureza uma dimensão que ultrapassa a ela mesma. Este modo de explicar o Todo começa enquanto mytós, ou seja, histórias, fábulas, contadas entre os homens e que dão conta de como a Terra se encontra com o Céu e de como as manifestações da natureza se corporeificam assumindo ares de seres com vontade própria e que é graças a essa disposição de ânimo que se interrelacionam dando ao seu redor um significado. Os mytós são amplos e assumem formas variadas de cidade em cidade, muitas vezes chegando até mesmo a se tornarem diferentes, apesar de tratarem das mesmas divindades e situações. Parecem também se conformarem a uma relação com a situação política vigente, assumindo por vezes, uma identificação com o poder local. Na maior parte concordam com uma espécie de situação inicial, um Caos, uma desordem que aos poucos vai ganhando uma ordenação, não sem antes passar pela geração de diversos seres e depois por confrontos dos quais o poder em jogo se confunde com uma hierarquização do Cosmos que tem reflexos entre os homens. São duas as relações que podemos tirar deste modo de explicar o Cosmos: a primeira se refere a uma genealogia cosmogônica, ou seja, uma narrativa que sugere o desenrolar de eventos sobrenaturais (meta-phýsicos) que dão ao Cosmo sua origem; e a segunda que sugere um relacionamento entre o homem e estas realidades metafísicas, sobrenaturais e que pode alterar a Natureza e o destino do Cosmos e do homem. A primeira relação, a genealogia cosmogônica, é registrada por Hesíodo e a segunda, o relacionamento dos homens com o sobrenatural, está em Homero. É a partir destes dois registros escritos que podemos falar em uma mytóslogia, uma ordenação lógica de histórias orais, antes narradas, e que, ao ganharem a escrita, tornam-se mais elaboradas e explícitas.

1


Hesíodo: “A Teogonia” e “O trabalho e os dias” O primeiro a registrar por escrito as narrativas orais sobre a criação do Cosmos é Hesíodo que se atribui ter vivido por volta do século VIII a.C . É dele um poema intitulado Teogonia (teós = deuses, divindidades + gonia = criação, geração) que ensina como o Cosmos se formou a partir da geração de seres divinos. Hesíodo diz haver um Kaos primordial onde tudo se desenrola. Este Kaos é a ausência total de qualquer referência, relação, sendo impossível sua existência sem que nela aconteça algo, sendo ele mesmo não uma divindade, mas como um topós, um lugar eterno e constante, sem nenhuma variação. Neste Caos surge a primeira das divindades, Géia = Terra que dá a este topós sua primeira referência, um embaixo e um em cima que pode ser estabelecido a partir deste primeiro ser corpóreo. Depois, Géia se separa de si mesmo, gerando acima dela mesma um segundo ser corpóreo, Uranós = Céu que, por sua própria origem, se vê associado à Terra para sempre, existindo em função dela, e a ela retornando sempre. É da união de Terra e Céu – esta própria união um princípio divino e necessário neste Cosmos, Eros, presente nas relações entre os seres – que surgem novos deuses que povoam o Caos, dando a ele um novo aspecto. Em uma sequência avassaladora vão surgindo Titãs, Ciclopes, Hecatôquiros que representam forças fenomenais do Cosmos em sua primeira geração. A cosmogonia vai acontecendo na união constante de Terra e Céu até que tal relação se torna abalada pela própria natureza do parto: o Cosmos. É Géia quem reclama dos constantes filhos como que condenada a uma maternidade sem fim. Como que negando sua própria natureza, por vontade própria, Géia então Saturno Devorando um de seus Filhos. Óleo em gesso, transferido para tela, do espanhol engendra um plano que coloca em prática a partir de Francisco José Goya y Lucientes (1746/1828). Data: 1820/1823. Madri, Museo um de seus filhos, um titã de nome Cronos = Tempo. Géia arma o filho com uma foice e o atiça contra o pai Uranós, o insaciável Céu que todas as noites vem cobrir a Terra e deixá-la grávida à parir o Cosmos infinitamente. Os deuses assumem agora as características humanas, destilando desejos de ódios e vingança, cobiça e poder. Cronos enfrenta o pai e o castra com a foice oferecida por sua mãe. Extirpado em seu cetro de poder e em sua herança genética, Uranós tomba diante do filho sendo por ele aprisionado embaixo da Terra, a feliz senhora da vingança que de coberta pelo Céu, torna-se agora seu túmulo, sua cobertura. Mesmo sem o poder que o colocou no alto, os órgãos genitais de Uranós continuam a criar: ao caírem no mar geram uma deusa, Afrodite - do amor, do desejo transformado em ato sexual. O Cosmos tem agora um novo deus e um novo destino: o Tempo que a tudo devora. Ao unir-se com sua irmã, Reia = Campo, Cronos inicia a segunda geração divina. Mas o Tempo tem uma natureza própria que o impede de ampliar o Cosmos. Ao ver Réia parindo seus filhos, Cronos impelido por sua natureza, devora-os sem piedade, um após o outro. Para burlar a natureza do marido, Réia enrola uma pedra em um tecido, como a um filho recém-nascido e oferece a Cronos que já esperava. Sem demora, o Tempo devora a pedra como se dele fosse seu último filho recém-gerado. O engano vai custar-lhe caro. O pequeno deus é salvo da sanha devoradora do pai e vai crescer longe de seus olhos, tornando-se forte e seu principal rival. Réia o chama de Zeus e é ele quem primeiro vai libertar o avô, Uranós e os tios, os demais Titãs que encontravam-se aprisionados embaixo da Terra. Depois vai iniciar uma gigantesca batalha contra o pai, Cronos, o deus do Tempo, senhor do Cosmos.Zeus o senhor dos raios vai vencer a batalha divina e como castigo ao pai vai obrigar-lhe a vomitar seus irmãos, completando assim a criação do Cosmos e sua ordenação, estando Zeus associado à Ordem e Harmonia do tempo e do espaço. Zeus se une a sua irmã Hera e ambos são associados à Família, sendo os responsáveis pela constante simetria do Cosmos que desde então mantém-se incorruptível. O Cosmos está pronto, a natureza já existe, mas o homem ainda não apareceu. Hesíodo reserva uma parte especial de seu poema para narrar como o homem aparece neste Cosmos divino e qual o seu destino diante de seres que tem a imortalidade como algo natural. É um titã de nome Prometeus quem cria um ser, em um barro primordial, desenhado à imagem e semelhança dos deuses, chamando-o de Antropós = Homem. Este novo ser é colocado sobre a Terra: um ser fraco, ignóbil, finito, espantado diante de um Cosmos divinizado. Não contente com sua criação, Prometeus rouba dos deuses o Fogo Sagrado, a chama da sabedoria, a luz do conhecimento e entrega a este ser. O Antropós agora é um ser esclarecido, possui uma inteligência iluminada, vê as coisas com clareza, acha-se mesmo um deus e deixa de se mirar neles para seguir seu destino. O homem se torna independente dos deuses. Zeus decide então castigar Prometeus não por sua criação, mas pelo seu roubo: amarrado a um rochedo, Prometeus tem seu fígado devorado por uma águia ao final da tarde. O suplício é eterno, uma vez que o fígado do Titã volta a crescer durante a noite para banquetear a águia no dia seguinte até o final dos tempos. Contra o homem, Zeus guarda um destino não menos ameaçador: cria a primeira mulher, Pandora = todos os dotes. A ela obriga os deuses a dar-lhe presentes e ele mesmo a entrega uma caixa (Jarra) sobre qual dá um aviso: não deve ser aberta. Pandora é colocada na Terra, entre os homens, com seus dotes e sua caixa que não deveria ser aberta. Como havia

2

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


recebido entre tantos o dom da curiosidade, Pandora não resiste em saber o que teria Zeus colocado na caixa como presente a ela e a abre. A Fome, as Pestes, a Guerra, a Inveja, a Cobiça surgem como males que saem da caixa de Pandora para o mundo, para conviver entre os homens. Ao perceber que havia sido usada em um joguete dos deuses para castigar os homens, Pandora fecha a caixa, deixando lá dentro somente a Esperança, talvez de uma reconciliação dos homens com Zeus. A visão pessimista de Hesíodo sobre a criação do homem permanece em seu segundo poema “O trabalho e os dias”. O poeta conta que habitava a região da Eólia, com seu pai e seu irmão Perses. O pai tinha uma pequena empresa de navegação que não prosperou, obrigando a todos a se dedicarem a uma vida campestre, rude e laboriosa, onde arar uma terra dura e cuidar de animais de montanhas tornava a lida diária um esforço tremendo para sustentar-se vivo. É em meio a esta dura realidade que Hesíodo conta ter sido visitado pelas Musas que lhe sopraram os poemas com os quais descreve o Cosmos e a vida humana. Neste novo poema Hesíodo descreve a criação de cinco raças de homens por Zeus, com as quais explica as fases de uma história humana que começa a ser contada. A primeira raça de homens é de ouro, de uma era perdida, quando o homem estava livre do sofrimento e da dor. Zeus gostou tanto desses que os transformou em guardiães eternos dos mortais. Depois vieram os homens de prata, uma raça inferior, cuja a infância era muito longa, com a duração de cem anos. Ao crescerem estes homens de prata entregam-se aos excessos e soberbas, recusando-se a prestar cultos e homenagens aos deuses, seus criadores. Ao morreram foram transformados em seres inferiores aos guardiões de ouro. Depois vêm os de bronze, uma raça de homens perecíveis, violentos, amantes das armas e em eterna luta uns contra os outros. Acabam por se matarem uns aos outros, sendo levados para o Hades, as profundezas da Terra. Zeus cria então a raça dos heróis, homens que combateram em Ilion (Tróia) e Tebas para os quais foi reservada a ilha da Bem-Aventurança, onde ficam afastados dos mortais. Por último é criada a raça dos homens de ferro, o tempo de Hesíodo, quando os homens terão de ganhar seu sustento com o suor de seu rosto, tempo de fadiga, de misérias para quem o trabalho é marca do passar dos dias. Em Hesíodo há a associação entre o trabalho e o castigo, como se a luta permanente contra a natureza fosse uma forma de os deuses condenarem os homens a uma vida de atribulações. Viver significa sofrer e encarar o sofrimento parece ser a chave da recompensa que o homem tem com os deuses após a sua morte.

Homero: “A Ilíada” e “A Odisséia” Pouco se sabe sobre a vida de Homero. Sequer se sua existência é comprovada. Às vezes aparece como uma múltipla geração de aedos que percorriam as cidades gregas contando as histórias que faziam parte dos mytós. Se existiu, provavelmente foi no século VIII a. C, quando registrou em dois grandes poemas, a epopéia de homens envoltos em uma guerra engendrada pelos deuses. O primeiro dos poemas, “A Ilíada”, conta a história de um amor terreno que culminou em uma guerra que envolveu todo o mundo grego e os deuses olímpicos, estes se dividiram ao tomar partido nas questões bélicas dos mortais. O cenário desta guerra é a cidade de Ílion, conhecida na história com o nome de Tróia. O interessante da história é que a guerra começa com uma desavença entre os deuses. Detalhe do Vaso de Míconos, com uma das mais antigas Zeus organiza uma festa no Olimpo, a morada dos deuses, em representações do Cavalo de Troia, século VIII a.C. comemoração às núpcias de Peleu e Tétis, convidando todos os imortais para participarem, exceção a deusa da Discórdia, Eris. Não é uma convidada que se queira em uma festa. Mas os deuses têm sua própria natureza e é da de Éris, a Discórdia e é isso o que ela trama fazer. Por não ter sido convidada à festa, prepara como vingança, um pomo dourado, o mais belo de todos, e nele escreve: “Para a deusa mais bela”, como um presente à vaidade divina. O pomo dourado é lançado na festa olímpica iniciando ali uma grande discussão entre as participantes, Hera, Afrodite e Atená. Cada uma das deusas achando o pomo feito para si, entregue por um admirador oculto. Uma vez instaurada a Discórdia, Éris sai vitoriosa, cumprindo o destino de sua natureza. Para resolver a questão Zeus escolhe um mortal para decidir entre as imortais, qual a merecedora do pomo dourado. O mortal escolhido por Zeus é Páris, príncipe de Ílion, filho de Príamo o Rei, e irmão de Heitor, um grande guerreiro. As deusas não se furtam a assediar o pobre mortal oferecendo-lhes dádivas pela escolha de seu nome. O relacionamento de troca de favores entre os mortais e os imortais é uma prática que vai se repetir nas ações que se seguem à escolha de Páris. É a deusa Afrodite, quem ganha a disputa – trocara com o príncipe troiano o amor da bela mortal Helena pelo pomo dourado da discórdia. Feito o acordo entre a deusa e o mortal, cada um cumpre a sua parte: Páris escolhe Afrodite e ela faz Helena se apaixonar por ele. Daí em diante são os mortais usados mais uma vez no joguete de ódios e vinganças dos deuses. Helena era casada com Menelau, rei de Esparta. O rapto de Helena por um troiano faz com que se unam os reis gregos, liderados por Agamenon, irmão de Menelau. São eles, além dos dois: Aquiles, Ajáx, Odisseu, Pátroclo, todos personagens que em suas ações imortalizam uma virtude que é própria dos heróis. A guerra é declarada, os gregos partem para Tróia deixando para trás suas casas, famílias, suas vidas, para participar de um combate que se arrastaria por longos anos. No Olimpo os deuses também se dividem. As deusas preteridas por Páris vão interferir na guerra a favor dos gregos; Afrodite, a preferida, pelos troainos, assim como Apolo cujo templo a ele dedicado era guardado pela sacerdotiza Briseis nas cercanias de Tróia. O muro da cidade era sua maior defesa. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

3


A guerra começa com os gregos, liderados por Aquiles com uma forte vantagem. O templo de Apolo é destruído e Briseis capturada por Aquiles. A história deste herói grego é prodigiosa. Filho do mortal Peleu com uma das nereidas, Tétis, que não se conformava com a mortalidade dos filhos, Aquiles foi mergulhado pela mãe no rio Estige, tornando-se imortal à exceção de seus calcanhares, onde não foi molhado pelas águas do rio por estarem seguros pelas mãos de sua mãe. Esta é sua fraqueza. A ele também lhe foi dada uma escolha: viver bem e longamente sem ser lembrado depois, ou viver uma vida curta, cheia de batalhas sobre as quais os homens se lembrariam para sempre. Escolheu a segunda e partiu para a guerra com a convicção que havia acertado em seu destino. Agamenon, o Rei da Guerra, que liderava os gregos, toma Briseis de Aquiles, confrontando o poder político com o carisma de Aquiles diante dos soldados. Aquiles não impede que Agamenon lhe tome a virgem dedicada à Apolo que ele havia capturado, mas porém se retira da batalha, levando os gregos à sucessivas derrotas. Entra em cena então Pátroclo, amigo de Aquiles e de posse das armas do herói, seu escudo e sua espada, se faz passar pelo outro no campo de batalhas, levantando o moral dos soldados gregos. Era como se Aquiles estivesse de volta à luta. Mas o artifício de Pátroclo é percebido por Apolo que orienta Heitor à capturá-lo e às armas de Aquiles. Heitor mata Pátroclo tomando-lhe o escudo e a espada. A morte do amigo que se fez passar por ele leva Aquiles de volta à guerra e desta vez com mais ódio, a ponto de ultrapassar a uma medida aceita pelos deuses. Aquiles enfrenta Heitor e o mata. Colerizado, arrasta o corpo do oponente em torno de Tróia e se recusa a devolvê-lo à família. A partir daí até os deuses abandonam os gregos, uma vez que Aquiles havia ultrapassado uma fronteira limite do que era moralmente aceito de um herói. A Ilíada se encerra com a morte de Heitor, o restante da história ficamos sabendo através da Odisséia. Páris vinga a morte do irmão Heitor, disparando uma flecha certeira que é guiada por Apolo até o calcanhar de Aquiles. A derrota dos gregos parecia iminente, até que um personagem surge para mudar o final da história: Odisseu, rei de Ítaca. É dele a idéia de enganar os troianos com um artifício engenhoso: um cavalo de madeira feito com os barcos de guerra gregos. O cavalo é colocado no portão de entrada de Tróia, oferecido como um presente pelos gregos. O simbolismo é claro, o exército derrotado entrega os cavalos ao exército vencedor. O rei Príamo, de Tróia, apesar dos avisos, se deixa levar pelo engodo e manda trazer o grande cavalo de madeira para dentro das muralhas da cidade. Sem o saber estava decretando o destino de seu povo: dentro do cavalo Odisseu e um grupo de homens aguardavam. Ao anoitecer, com os soldados troianos ainda embriagados pela festa da vitória, Odisseu desce do cavalo e abre os portões da cidade. Agamenon liderando um exército que estava à espreita entra em Tróia e destrói a cidade, fazendo os sobreviventes de escravos, queimando o palácio real e o templo dedicado aos deuses. A lição aprendida na Guerra de Tróia vai ser estendida em outra obra que os gregos conheciam também de memória, sendo recitada durante as festas nas várias cidades. É sobre Odisseu que Homero vai relatar em seu segundo poema tratando de sua tentativa de volta para casa depois da guerra de Tróia. Como no poema anterior, o objetivo é educativo, mostrando ao homem grego como os deuses agem e como devem se portar os homens diante das divindades olímpicas. Odisseu, ao contrário de agradecer aos deuses a vitória sobre Tróia, duvida da ajuda dos céus, desafia os imortais, colocando a causa da vitória na guerra em sua astúcia de fazer o cavalo de madeira e enganar os troianos. Acreditado não depender dos deuses para nada, lança-se ao mar de volta para casa até perceber que a tarefa não será tão simples. Por obra dos deuses vai vagando em diversos lugares desconhecidos, afastando-se cada vez mais de casa, aumentando a saudade de sua mulher Penélope e seu filho Telêmaco. A viagem de Odisseu dura anos e só chega ao fim depois que reconhece a importância dos seres imortais, e da sua dívida para com eles. Mas antes de achar o caminho para casa, vive aventuras inimagináveis, como enfrentar um Ciclope, ficar numa ilha de uma feiticeira que transforma homens em animais, encontrar mulheres guerreiras, apaixonar-se por Calipso, ser tragado por monstros marinhos, ser levado por ventos revoltos para longe. Já em casa, enfrenta os pretendentes ao seu trono, deixado vago por ele durante anos, reencontra sua esposa e filho e vive até o final de seus dias feliz com o povo de Ítaca. Hoje o sinônimo de uma viagem demorada e cheia de aventuras chamamos de odisséia, numa clara referência à sua história mitológica.

O significado do mito e da mitologia A mitologia tem um caráter educativo. O homem grego se baseia em suas narrativas para compor uma virtude que está associada a do guerreiro, aquele que defende a Polis com a sua vida, defende seus amigos, sua família e tem nos deuses seu ponto de apoio. É também nos deuses a âncora moral do grego, havendo portanto um limite para a ação humana que é justamente a intervenção divina. Nas obras de Hesíodo e Homero estão os fundamentos da chamada Religião Pública grega. Conhecer Corpo de Heitor sendo levado de volta a Troia – Alto relevo em mármore, detalhe a mitologia significa conhecer e rememorar um passade um sarcófago romano do século II, atualmente no Museu do Louvre. do que atribuía ao homem grego um parentesco direto com as divindades celestes. Os principais deuses cultuados eram os chamados olímpicos: Zeus, Hera, Hefestos, Atená, Apolo, Artemis, Ares, Afrodite, Dionísio, Hades, Deméter e Poseidon.

4

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


Há um modo de conhecer que está expresso pela mitologia. Este modo pressupõe a existência de realidades que não estão na natureza, na phýsis, e sim funcionam como suas causas, suas geradoras perfazendo um mundo à parte da própria natureza, um mundo sobre-natural, meta-físico. Todas as vezes que se atribui ao mundo, à natureza, ao Cosmos uma explicação que está fora dele, estaremos nos referindo a um modo mitológico de conhecer. A mitologia atesta a interferência do sobrenatural no natural dando ao homem um caráter de inferioridade existencial. Este discurso não pode ser questionado, não é crítico, depende da fé, da crença dos homens e se manifesta através de pessoas especiais como os sacerdotes ou heróis e que são os portadores das mensagens sobrenaturais indicando com suas ações o que os homens devem ou não fazer sob a ótica dos deuses. Este modo de conhecer dá origem à Religião. As Olimpíadas representavam o auge desta dependência grega dos deuses. Dedicados a eles, os olímpicos, eram realizados os jogos que funcionavam como uma espécie de disputa para saber qual o homem agraciado pela deusa Niké, da Vitória, revelando qual das cidades estava recebendo as bênçãos do céu. Ser vitorioso nas Olimpíadas significava ser agraciado pelos deuses. Na mitologia há também uma relação direta com a harmonia e a beleza, deixando claro que a de-formação, ou seja, a dis-formidade é indesejada. Não há, por exemplo, em Homero a descrição do que é feio, horroroso. A única personagem que foge deste padrão é justamente o homem que rejeita o heroísmo e vota contra a guerra. Aceitar o destino é belo. Também deste modo de conhecer é tirada a questão do destino (moira) como algo inevitável, O dia a dia das pessoas retratado em vasos gregos como esta cena de um jogo como posto desde o início e sobre o qual nada há recreativo na pausa de uma guerra de se fazer. Daí os inúmeros templos voltados para a descoberta do destino, os vaticínios, onde pitonisas, como no Templo de Delphos, liam o que estava reservado para cada homem desde o seu nascimento. Mudar o destino não é atribuição dos homens e muitas vezes nem mesmo os deuses eram capazes de mudá-lo. O Cosmos segue, portanto, uma lei que lhe é própria e que é inexorável. Ser herói, portanto, significa aceitar o que o destino lhe reservou, sem fugir a ele ou tentar ludibriá-lo, foi assim com Aquiles será assim com Sócrates e com outros mortais que enfrentaram com coragem seu próprio destino. Também na literatura grega esta marca da mitologia se fará presente em histórias como a de Édipo, o homem que tentou fugir de seu destino, mas, sem saber, estava indo em direção a ele. A tragédia, um dos gêneros da literatura grega, vai trabalhar com estes valores, ora opondo os deuses e os homens, ora os homens com os homens em relação às suas escolhas e a seu destino. Até que ponto o homem é livre para traçar os seus caminhos é uma das questões mais controversas da história do pensamento. A mitologia segue uma rede de significados que indicam ao homem grego que a sua vida está estruturada dentro de um plano maior que vem escrito antes pelo próprio Cosmos. O destino dos homens é o tema principal da mitologia, colocando sempre nas mãos do divino a decisão final sobre o que vai acontecer. São vários os exemplos tirados das duas obras de Homero. Esta rede de significados pode ser exposta na história de Agamenon, o rei de Argos, irmão de Menelau – marido de Helena cujo rapto motivou a guerra de Tróia. Antes de partirem para Tróia, Agamenon, durante uma caça acabou matando um dos animais, um veado, consagrado à Artemis. A deusa, em represália castigou os gregos com uma peste e provocou uma calmaria, impedindo a partida dos barcos para Tróia. Através de um adivinho Agamenon fica sabendo que somente o sacrifício de uma virgem iria satisfazer a deusa e por isso, mesmo a contragosto, manda sacrificarem sua filha Ifigênia. A menina é levada sob o pretexto de que iria se casar com Aquiles, mas na hora do sacrifício, a deusa, compadecida, salva Ifigênia, deixando em seu lugar no altar de sacrifício uma vitela. Artemis a leva para ser sacerdotisa de seu templo em Táuris. O oráculo vaticinou que a vitória caberia aqueles que perdessem a primeira vítima na guerra. Agamenon manda Protesilau negociar o desembarque no início das negociações de guerra, mas Heitor o captura antes e o mata. Interessante notar que neste personagem menor da Ilíada está um dos grandes mistérios que uma grande religião vai utilizar mais tarde: Protesilau havia deixado em terra a esposa, Laodâmia, que o amava mais do a tudo. Quando soube de sua morte, ela implorou aos deuses para que a deixassem conversar com o marido apenas durante três horas. Seu pedido foi atendido e Protesilau foi ressuscitado e ascendeu aos céus levado por Apolo. Quando enfim morreu pela segunda vez, Laodâmia morreu com ele. Pois bem os gregos venceram a guerra, como havia previsto o oráculo mas e o que aconteceu com Agamenon? Casado com Clitemnestra, ele que foi à guerra pelo infortúnio familiar de seu irmão, tinha agora um problema dentro de casa: sua esposa havia se aliado a Egisto, seu amante. Ambos tramaram a morte de Agamenon assim que souberam de seu retorno, o que foi feito durante um jantar. Agamenon é envenenado. Os dois pretendiam matar ainda o filho menor, Orestes, para que não vingasse o pai mais tarde. Electra, sua irmã o salvou levando-o secretamente para junto de seu tio Estrófius, rei da Fócida. Ao crescer o menino foi sempre lembrado por sua irmã do que foi feito com seu pai, e quando se tornou adulto e ao consultar o oráculo de Delphos, descobriu que seu destino era mesmo vingar a morte a pai. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

5


Partiu então para Argos, onde disfarçado de mensageiro, visitou o túmulo de seu pai e executou a vingança matando o amante de sua mãe, Egisto e sua própria mãe Clitemnestra. Este ato causou uma grande revolta no mundo antigo, mesmo havendo um conteúdo de justiça pelo assassinato de seu pai. Por conta disso, as Erínias (Alecto, Tisifone e Megera), as entidades que desempenham o papel de deusas da Vingança – elas surgiram quando da castração de Uranos, das gotas de sangue que saíram de seus órgãos genitais – vão atormentar Orestes, obrigando-o a sair de Argos e se esconder. Depois de vagar de cidade em cidade, após consultar o oráculo, afinal fora por causa dele que havia concretizado seus atos, foi orientado a seguir para Táuris onde caiu aprisionado pelo povo local. Havia ali o costume de sacrificarem os estrangeiros à deusa Artemis: na hora do sacrifício a sacerdotisa era sua irmã Ifigênia (a que havia sido supostamente sacrificada pelo pai Agamenon), sendo por isso salvo, conseguindo fugir de lá para Atenas. Na grande cidade Orestes foi pedir proteção para a deusa Atená (Minerva, no latim romano) que a concedeu. Convocou um tribunal no Areópago para decidir seu destino. As Erínias fizeram a acusação, e Orestes em sua defesa alegou a ordem dada pelo oráculo de Delphos. O Tribunal votou e a contagem deu-se empatada: foi decidida pelo voto de Atená (Minerva) que concedeu a Orestes o perdão. Estes fatos entrelaçados – A morte de Protesilau, o sacrifício e salvamento de Ifigênia - que se resolvem em ações futuras como que o destino já estivesse escrito como que num roteiro cosmogônico, é a lição a ser aprendida por esta Religião Pública contida nos escritos de Hesíodo e Homero.

A filosofia como rompimento com a mitologia Uma vez estruturada a mitologia enquanto modo de explicar a realidade, vai surgir entre os séculos VI e V a. C, na região da Jônia, às margens do Mediterrâneo, um novo modo de conceber o Cosmos e a Phýsis. Este novo modo rompe com o anterior inaugurando um caminho sem volta da investigação racional dos fenômenos físicos dando a eles uma explicação lógica, natural, tirada dos próprios eventos. É na cidade de Mileto que três homens começam a reestruturar o pensamento ocidental: Tales, Anaxímenes e Anaximandro. O mundo havia mudado muito, as viagens marítimas revelavam novos lugares e novos povos com outros costumes e tradições. Os gregos já haviam desenvolvido uma estrutura social mais organizada, a Polis, estando em um estágio avançado de civilidade. A escrita e o comércio estavam desenvolvidos. O que mitologia dizia começava a ser questioOs primeiros filósofos começam a dar explicação racional e abstrata para a realidade física nado: onde estaria Prometeus acorrentado? Porque a carruagem de Hélios no céu não era encontrada no horizonte, onde supunha-se estar antes do amanhecer? Porque os deuses não se manifestavam para todos? Ao mesmo tempo o padrão de vida foi melhorando e em Mileto, especialmente, a riqueza da cidade criava uma nova situação: a ociosidade. O não-fazer – era uma sociedade baseada no trabalho escravo – liberou o homem da lida diária, libertando a sua mente para buscar novas explicações para a realidade. Há então o rompimento com a explicação sobrenatural dada aos fenômenos, aceitando-se agora somente, a própria natureza como limite e a razão como mediadora da relação do homem com o Cosmos. Rejeita-se a estrutura meta-física. Rejeita-se a fé inquestionável nos relatos mitológicos. Agora só se aceita a razão como mediadora das discussões e como crítica a um discurso que deixa de ser definitivo porque é reelaborado continuamente.

O discurso filosófico nasce com uma tendência à racionalização, ou ainda, de um estabelecimento de leis que são rigidamente seguidas e formuladas

6

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


As Primeiras Escolas Filosóficas Vamos começar com a estruturação do pensamento epistemológico, ou seja, a ciência e as formas do conhecimento humano desvinculado do divino, do sobrenatural, do metafísico, da Grécia Antiga até chegarmos novamente no século XXI, pelas mãos da epistemé - a ciência. O que queremos entender é: o que nos assegura o conhecimento verdadeiro sobre as coisas? Como podemos ter certeza sobre a natureza? Será que ela é sempre a mesma coisa? Ela tem um padrão? Ela muda constantemente? O caminho para chegarmos a estas respostas é longo e começa logo depois que os homens gregos rejeitam a interferência do sobrenatural no natural, como a mitologia e a religião explicavam as coisas, sem permitir um questionamento. Esta estrutura que exige fé, que fala de uma cosmogonia, um processo de criação das coisas por deuses é superada e os gregos apresentam uma nova forma de explicar a natureza. Uma vez estruturada a mitologia enquanto modo de explicar a realidade, vai surgir entre os séculos VI e V a. C, na região da Jônia, às margens do Mediterrâneo, um novo modo de conceber o Cosmos e a Phýsis. Este novo modo rompe com o anterior inaugurando um caminho sem volta da investigação racional dos fenômenos físicos dando a eles uma explicação lógica, natural, tirada dos próprios eventos.

A Escola de Mileto O mar Mediterrâneo ao bater nas praias da Jônia iria inspirar um homem que apresentaria ao mundo uma nova maneira de explicar as coisas. Este homem é Tales de Mileto e seu sobrenome está associado à sua cidade, onde junto com mais dois outros pensadores, redefinem o pensamento ocidental. A chamada Escola de Mileto é a primeira de uma série de grupos de investigadores naturalistas que aos poucos vão se distanciando das explicações mitológicas para propor um novo modo de se referir à phýsis. Além de Tales, também Anaxímenes e Anaximandro fazem parte deste primeiro grupo que opta pelo caminho da razão, da explicação lógica, em lugar de uma fé inquestionável em um mundo sobrenatural. O primeiro nicho de investigação ainda é o Cosmos, mas ao invés de falar em uma criação, como no mytós, desta vez vai se falar em um estudo racional, um logós, sobre o Todo. Esta cosmologia nasce como discurso material ligado à natureza física das coisas. Esta primeira escola filosófica vai ganhar quatro nomes distintos que fazem referência aos três pensadores: os milésios; os jônios; os naturalistas; ou os físicos. Estas denominações dizem respeito à localização da escola, Mileto na região da Jônia e à natureza, enquanto causada por si mesma, e física como derivação da palavra grega phýsis. Daqui para frente o homem estava livre para pensar por si mesmo, sem autoridades, sem restrições, sem medo, compreendendo racionalmente o mundo que o cerca .

A busca da “arqué” da “phýsis” Inquietado pela exuberância das coisas que explodiam diante de seus olhos, estes primeiros pensadores recusavamse em aceitar que forças fora da própria natureza pudessem conduzi-la. Se a natureza, a Phýsis agia, era por sua própria conta e deveria haver um princípio que explicasse como ela se comportava desde sempre. Eles começam a investigar então a “arché”, o princípio que regia a phýsis, sendo este princípio material, físico como a própria natureza. É importante diferenciar princípio de origem. Não se quer saber a origem da phýsis sob o ponto de vista de um começo, uma criação. O que se quer saber é como a natureza age, como se desenvolve, como se torna múltipla e qual a sua fisicidade, ou seja, o caráter que a faz natural.

Tales e o princípio através da água Tales é considerado um dos sete sábios antigos, grande matemático, comerciante hábil, astrônomo – diziam que previu um eclipse e suas conseqüências. São notórias suas viagens, em especial para o Egito onde quase foi morto ao calcular a altura de uma das pirâmides – um segredo que não era lícito conhecer. Este homem não se contentava com a explicação que a mitologia dava para a origem do mundo, do Cosmos e de como a natureza e o homem se comportavam. Para ele o princípio deveria ter um conteúdo de mutação, uma vez que deveria estar por trás da multiplicidade de formas. Observando os elementos naturais, Tales indica a “água” como o princípio material que teria originado a natureza. Não se trata de atribuir ao elemento em si a responsabilidade pela multiplicidade, mas dos outros elementos existentes, a “água” comportava-se de maneira a sugerir que poderia se transformar, ter varias formas. Tales via a água Visão artística de como os milésios acreditavam ser o Cosmos em forma líquida, no mar , nas chuvas, nos rios; a via em forma de gás, nas Thermóphilas, nos banhos quentes; e durante o rigoroso inverno a água estava em forma sólida, tal qual uma pedra. Poderia ser portanto uma candidata a este “arché”, princípio de mutação por trás da realidade múltipla. O mais importante desta afirmação é o fato que, pela primeira vez, alguém atribuía a própria phýsis a sua causa, sem buscar fora dela uma explicação. Este caminho, aberto por Tales vai ser a origem da Ciência que mais tarde também vai se fundar enquanto um discurso crítico sobre a natureza. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

7


Em sua cosmologia, a Terra aparece boiando sobre as águas. Para ele todas as coisas são arrastadas como um fluxo, que a natureza do princípio gerador. Também se atribui a Tales a descoberta das propriedades do eléktron (âmbar, em grego) para a qual atribuiu uma anima, uma alma móvel que seria igual ao fluxo que move o Todo.

Anaxímenes e o princípio através do ar Anaxímenes também está empenhado em apontar a “arché” da phýsis através de um elemento material. Sua busca se dá tal qual Tales sobre um princípio de mutação, um elemento mutável que tenha a capacidade de transformação. Por conta disso aponta o “ar” (pneuma) como a fonte material da diversidade cosmológica. Mais do que a água, o ar se apresenta em número maior de formas: quente, frio, condensado, rarefeito, úmido, seco, às vezes rápido, às vezes imperceptível. Se para Tales a água está em tudo, para Anaxímenes é o ar o elemento que parece estar em todas as outras coisas. A ausência de ar já indicaria a morte e, portanto, sua presença indicaria a vida, o movimento. Tanto Anaxímenes quanto Tales apontam em um elemento sensível o princípio da natureza, sendo este elemento determinável por suas próprias características.

Anaximandro e o “apeíron” Já Anaximandro talvez seja dos três filósofos de Mileto o que mais complexibilidade deixou sobre sua proposta acerca do princípio natural da phýsis. Ao escolher a própria mutação, Anaximandro cria em grego uma palavra para se referir ao que acredita ser esta “arché”: o apeíron. O termo é composto por uma negação “a” e um complemento “peiron” que pode significar algo fechado, um poço, um limite. Portanto Anaximandro fala de algo sensível, porém indeterminado, uma espécie de elemento i-limitado, que não se limitaria a si mesmo, mas teria uma capacidade intrínseca de ser vários ao mesmo tempo. Também é dele a espantosa tese que a Terra não estaria apoiada em nada, flutuaria solta no espaço, e teria a forma de um tambor. A Anaximandro se atribui também os primeiros mapas antigos, sendo o precursor de uma cartografia antiga que tem na Grécia uma tradição reconhecida. Com esta proposta fecha-se a primeira incursão neste novo terreno do pensamento. Uma vez que a razão é a mediadora entre os homens, o modo filosófico se consolida e torna-se cada vez mais crítico, exigindo uma acuição maior na defesa das teses e uma maior disposição de discussão, deixando já um legado que será seguido por muitos outros.

A Escola Pitagórica Pitágoras de Samos talvez seja o mais popular, porém o menos conhecido dos filósofos antes de Sócrates e Platão. Como matemático foi imortalizado com um teorema que leva seu nome, assim como Tales. A ele é atribuída a criação da palavra filosofia. Contam que ao ser chamado de sábio (sophós) retrucou, atribuindo aos deuses a sabedoria, restando ao homem, como ele, uma aproximação, uma amizade, um amor (philós) a este saber. Por isso intitulava-se Philo-sóphos, um amigo da sabedoria. É o primeiro a abrir uma escola voltada para o estudo racional da natureza. Funcionava como uma forma de fraternidade entre seus membros, com rígidas regras de convivência e voltada ao bem comum, objetivo que deveria ser buscado por todos. Seus membros também mantinham um pacto que os obrigava a não revelar o caráter do que discutiam dentro da fraternidade, criando com isso uma aura de mistério. Para participar desta escola pitagórica, os discípulos passavam por uma espécie de iniciação que tinha por objetivo a purificação do corpo para se atingir um grau de pensamento mais elevado. Esta iniciação estava ligada a uma crença antiga que Pitágoras havia entrado em contato quando de suas viagens ao Egito. Os discípulos eram estimulados a se afastarem das coisas ligadas ao corpo, aos sentidos, direcionando-se para as coisas da raPitágoras retratado no quadro “A escola de Atenas” zão, do saber. Esta atitude requer uma mudança nos hábitos relativos ao corpo – comer, beber, dormir – e também à mente, optando-se para isso a prática de exercícios de lógica geométrica dos quais vão emergir o que chamamos hoje de matem – ática (a mãe grega). O primeiro a publicar uma obra com os ensinamentos pitagóricos foi Filolau, isso já na contemporaneidade de Sócrates. Conta-se que Filolau, em extrema pobreza, publica a pedido de Dion de Siracusa, que os comprou a mando de Platão, três volumes com os ensinamentos dos pitagóricos. Boa parte do que se divulga hoje, muitas coisa atribuídas à Pitágoras, na verdade foram publicadas por Filolau de Crotona nestes três volumes. Apesar de ter nascido em Samos, Pitágoras passou boa parte de sua vida em Crotona, na Península Itálica, onde funcionava sua escola. Importante frisar que os conhecimentos do próprio teorema que leva o nome de Pitágoras era conhecido no mundo antigo, porém como aplicações práticas voltadas para os problemas das enchentes do rio Nilo, por exemplo, entre os egípcios. Foram os gregos que estabeleceram uma relação lógica por ela mesma, sem que houvesse uma ligação direta com objetos físicos. O exercício da matemática é mental e basta a si mesmo. Desenvolvida como exercício racional é capaz de levar o homem a estabelecer as relações existentes nos objetos físicos proporcionando um conhecimento melhor do que àqueles conseguidos pelos sentidos. Desta forma, o conhecimento derivado deste exercício racional de lógica geométrica, era tratado quase que como uma religião, dependendo por isso de uma iniciação, de adeptos e de um mestre, no caso, Pitágoras. Este conhecimento também deveria ser instituído com base em uma crença religiosa que o filósofo encontrou em muitas de suas viagens ao Egito.

8

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


A influência dos Cultos Òrficos do Egito Uma nova noção de homem vai ser trazida do Egito para a Grécia pelos ensinamentos de Pitágoras. Ao entrar em contato com os chamados “Cultos Órficos”, uma espécie de religião orientalizada, o filósofo grego assume a tese que o homem é um composto de duas partes: uma física, material e outra meta-física, sobre-natural. A parte material, física, recebe o nome grego de “soma” = corpo e a parte meta-física “psique” = alma. Os órficos acreditavam que a alma era imortal, estando presa a um corpo por determinado tempo, desprendo-se dele e retornando de onde havia saído, e transmigrando para um novo corpo, sucessivamente, até que por fim, estaria liberta de uma vez por toda de uma existência material, física, sensível. Pitágoras então associa a razão, o logos, à psique (alma), estando com isso explicado o motivo do filósofo, em sua iniciação, se afastar do corpo e buscar a sua razão. A razão transmigra com a psique (alma) e retorna em um novo soma (corpo) começando mais uma etapa de uma espécie de aprendizagem psicoBaseado no mito dos Cultos Órficos, no filme Matrix é citado o personagem lógica-racional.

A “psique” e o “soma”

Morpheus que pode te manter dormindo ou te acordar para a realidade

O conceito de “psique” é bastante controverso. Sua origem é mitológica contida na história de Eros e Psique, mas em Pitágoras ganha uma conceituação epistemológica, ou seja, ligada ao conhecimento. Conhecer implica em conhecer o que está na alma e pela alma, refutando com isso o conhecimento adquirido no corpo e pelo corpo. Notamos, portanto, que há uma divisão entre duas formas de conhecer, uma ligada à alma e outra ligada ao corpo, uma à razão e outra aos sentidos. “Soma” = corpo também é conceito complexo, aparece como uma corruptela (derivação menor) de “sema” = túmulo significando assim uma espécie de prisão, um subterrâneo da alma, esta vinda de fora, do alto, aprisionada dentro de um túmulo corpóreo. Na aplicação destes conceitos à filosofia pitagórica temos que o corpo, os sentidos, impendem o pleno exercício da razão oferecendo um conhecimento menor do que aquele conseguido com a alma, a razão.

A transmigração da “psiquê” A novidade trazida por Pitágoras para a Grécia confronta-se com a Religião Oficial, a da mitologia (Homero e Hesíodo), que tem seres imortais, os deuses, e mortais, os homens. Esta nova conceituação coloca o homem – ou pelo menos uma parte dele – como imortal, que não se acaba como o corpo. Sua alma transmigra depois da morte em uma viagem astral, meta-física, fora da natureza, onde encontram-se as realidades últimas que dão sentido ao mundo físico. Na alma estão os segredos guardados da phýsis e por isso a razão é capaz de compreender como o Todo se manifesta em suas múltiplas formas. Para ter acesso a este conhecimento, porém, é preciso se afastar das ilusões que o corpo provoca na mente, usando para isso o raciocínio lógico-geométrico, descobrindo por trás da aparente realidade o que de fato existe.

A decadência no “soma” A maior dificuldade está no fato de a razão estar em uma espécie de decaimento, sem que possa lembrar o que sabe. Este decaimento da alma no soma, faz com que a psique perca a essência do Todo que teve acesso em sua metempsicose (transmigração). O decaimento é a ignorância a qual se encontra o homem ao tentar estabelecer as relações com o meio. Dispondo, em princípio somente de seu corpo, vai captando pelos sentidos o que acha que é o mundo de verdade, porém, somente quando tem acesso aquilo que a alma conhece do Todo é que vai descobrindo o que está por trás do mecanismo que movimenta a natureza e que é o princípio a arché da phýsis material.

A razão humana associada à “psique” Ao associar a razão à alma (psique), Pitágoras sugere que o conhecimento só pode ser alcançado através de uma atitude interior, de reflexão, internamente descobrindo-se o que está escondido e que pode ser aclarado. Como a alma transmigra, ela guarda as experiências passadas, vividas em outras eras e outros corpos, tendo, portanto, um conhecimento acumulado que cada vez mais vai aprimorando-se. É esta razão, este logos que tem a capacidade de entrar em contato com a fisicidade do mundo, sua natureza íntima, para quem Pitágoras guarda uma relação que é realidade por uma entidade que ele chama de “númen”. Uma espécie de “mônoda”, que é estabelecido em quatro diferentes modalidades: o “númen” uno (mônada) que geometricamente pode ser representado pelo “ponto” físico; o duo que geometricamente pode ser representado pela linha; o trio representado pelo plano; e a tetra representado pelo volume. Para Pitágoras, portanto, a “arché” do mundo físico é o “númen” que se relacionar dão o caráter que a phýsis assume em todas as suas formas representadas pelo ponto, linha, plano e volume. A este conjunto de “númens” Pitágoras chamou de “tetraktys”, que ao serem somados, perfazem a base dez da numeração 1 + 2 + 3 + 4 = 10.

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

9


O mundo como uma relação numérica Pelo olhar da alma podemos perceber por trás do mundo físico uma relação numérica que pode ser expressa através de teoremas abstratos e matemáticos. Esta relação numérica pode ser demonstrada através de um teorema matemático que leva o nome de Pitágoras, o qual sugere que dado qualquer triângulo retângulo na natureza física, sua relação numérica será inevitavelmente a soma de um quadrado formado por um de seus lados menores com o quadrado formado pelo outro lado menor cujo resultado será exatamente o quadrado formado pelo lado maior. O maior campo de aplicação Pitágoras e seus seguidores encontraram na música. As relações musicais são harmônicas, proporcionais e que determinam o som natural. Esta relação entre o som natural e a proporção leva os pitagóricos a formularem leis que determinam os sons através de suas quartas, quintas e oitavas. (1 : 2,2 : 3,3 : 4). Seu famoso teorema é a prova racional que a O número par seria feminino e o ímpar, masculino. Os pares retangularealidade é uma relação numérica res e os impares quadrados. O um não é nem par e nem ímpar é parímpar. Todos os números procedem dele. O zero era desconhecido da matemática antiga e dos gregos. O número perfeito era o 10, correspondendo ao triângulo perfeito. Para cada número, os pitagóricos criaram uma relação chamada de contrários que foi nos legada por Aristóteles: 1. limitado – ilimitado 6. parado – em movimento 2. ímpar – par 7. reto – curvo 3. um – múltiplo 8. luz – trevas 4. direita – esquerda 9. bom – mau 5. macho – fêmea 10. quadrado – retângulo

A purificação do “soma” para atingir o “númen” A prática filosófica dos pitagóricos pressupunha a purificação para a libertação da alma do corpo. A doutrina da metempsicose, a transmigração da alma foi defendida por Pitágoras, explicando que a alma estaria presa por uma culpa originária, sendo obrigada a esta viagem de voltas sucessivas a um corpo – não somente humano, mas também em forma de outros animais – para expiar esta pena. Daí também uma idéia de recordar-se de vidas passadas, estando aí um dos pontos da memória que se divide em corporal, aquilo que guardei das minhas sensações e ideal, que estaria associada às lembranças da alma. O que distancia Pitágoras de seus inspiradores órficos é que para aqueles a libertação da alma estaria ligada a rituais e práticas religiosas, enquanto que nos pitagóricos o caminho da purificação estava na ciência, na sabedoria e em uma severa prática moral. Com esta prática foram os primeiros a terem uma bios theoréticos, ou, uma vida contemplativa cujo objetivo seria atingir o númen, as entidades físicas, divinas com as quais todas as coisas são feitas e constituídas. Este sentido de purificação, afastando-se das coisas do corpo para atingir as coisas da alma, faz com que busca pela verdade passe a ter também um caráter ético, de comportamento e de comprometimento com o divino, aquilo que é o princípio do mundo físico.

A interpretação dos pitagóricos Há uma nítida dificuldade na interpretação das formulações pitagóricas acerca da phýsis e de seu caráter numérico. O principal problema está em suas fontes, todas posteriores, exceto Filolau que teve uma difusão encomendada, daí também seu posterior fim. Aristóteles foi quem mais escreveu sobre as doutrinas pitagóricas e Platão o que mais as utilizou em seus escritos – sem referir-se a elas especificamente. Temos também em “Os Elementos”, de Euclides, para as referências em aritmética e geometria e outras fontes doxográficas para as teses astronômicas e sobre a harmonia., como Arquitas e Zenão de Eléia. Na Metafísica de Aristóteles (Livros A, M, N) não há uma fidelidade quanto ao pensamento pitagórico: em uma citação os númens são as próprias coisas; noutra os númens estão nas coisas; e em uma terceira, as coisas são compostas de númens; e nem mesmo Aristóteles parece fazer qualquer distinção entre elas. Deduz-se então que os pitágoricos teriam concebido os númens como a essência substancial (ousia) das coisas, ou ainda seu princípio (arqué) tal qual aplicado pelos físicos de Mileto. Há ainda uma interpretação adicional de Aristóteles que é considerar semelhanças (homoiômata) entre as propriedades dos númens e das coisas, sobretudo na estrutura da harmonia musical e na construção dos céus e de seus movimentos. Na Metafísica escreve, citando os pitagóricos: “Todo céu é harmonia e número”. Outra distinção importante parece ser a de Platão, uma vez que separa o chamado “numen” numerado do “numen” idealizado. O primeiro é a distinção entre o dois, o três e quatro, por exemplo, quando sabemos que três homens não são nem dois e nem quatro. Este exemplo é o chamado “númen” numerado aquele que serve de simbolismo para significar quantidades físicas. Porém há por trás destas quantidades físicas, relações numéricas que estão no campo da idealização, como Platão sugere.

10

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


Uma primeira categoria de númens diz respeito a uma ordenação, como sugere aritmética, um por em ordem, como se fosse primeiro, segundo, terceiro, quarto em uma lista racional. O outro, ideal, sugere uma estrutura que compreende o conjunto de relações em que os númens podem estar envolvidos e que satisfazem a necessidade de ordenamento natural que se corresponde ao racional, ao lógico. Dessa interpretação Platão vai citar em seu diálogo Timeu uma realidade atômica e numérica de quatro elementos concebidos como poliedros regulares: o fogo como tetraedro; o ar como octaedro; a água como icosaedro; e a terra como cubo. Os três primeiros corpos, cujas faces são triângulos eqüiláteros e congruentes, são concebidos como compostos por estes, constituindo assim corpos elementares tridimensionais. Por uma questão didática e pedagógica, costuma-se chamar estes primeiros filósofos de pré-socráticos, porém é uma classificação antiga, hoje se prefere pré-atenienses, uma vez que em Atenas a filosofia ganha um caráter antropológico. Os principais filósofos deste período pré-ateniense, ou Período Cosmológico são normalmente agrupados de acordo com sua origem geográfica, o que pode levar a alguns equívocos conceituais. Então, por esta classificação, os filósofos da Escola Jônica são: Tales de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Anaximandro de mileto e Heráclito de Eféso; os filósofos da Escola Itálica são: Pitágoras de Samos, Filolau de Crotona e Árquitas de Tarento; filósofos da Escola Eleata são: Parmênides de Eléia e Zenão de Eléia; Filósofos da Escola da Pluralidade são: Empédocles de Agrigento, Anaxágoras de Clazômena, Leucipo de Abdera e Demócrito de Abdera. Estes últimos veremos nos próximos capítulos.

AVALIE SEU CONHECIMENTO 01. (UEL- 2003) “Tales foi o iniciador da filosofia da physis, pois foi o primeiro a afirmar a existência de um princípio originário único, causa de todas as coisas que existem, sustentando que esse princípio é a água. Essa proposta é importantíssima... podendo com boa dose de razão ser qualificada como a primeira proposta filosófica daquilo que se costuma chamar civilização ocidental.” (REALE, Giovanni. História da filosofia: Antigüidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990. p. 29.)

A filosofia surgiu na Grécia, no século VI a.C. Seus primeiros filósofos foram os chamados pré-socráticos. De acordo com o texto, assinale a alternativa que expressa o principal problema por eles investigado. (A) A ética, enquanto investigação racional do agir humano. (B) A estética, enquanto estudo sobre o belo na arte. (C) A epistemologia, como avaliação dos procedimentos científicos. (D) A cosmologia, como investigação acerca da origem e da ordem do mundo. (E) A filosofia política, enquanto análise do Estado e sua legislação.

02. (UEL- 2003) Ainda sobre o mesmo tema, é correto afirmar que a filosofia: (A) S urgiu como um discurso teórico, sem embasamento na realidade sensível, e em oposição aos mitos gregos. (B) Retomou os temas da mitologia grega, mas de forma racional, formulando hipóteses lógico-argumentativas. (C) Reafirmou a aspiração ateísta dos gregos, vetando qualquer prova da existência de alguma força divina. (D) Desprezou os conhecimentos produzidos por outros povos, graças à supremacia cultural dos gregos. (E) Estabeleceu-se como um discurso acrítico e teve suas teses endossadas pela força da tradição.

03. (UEL- 2003) “Zeus ocupa o trono do universo. Agora o mundo está ordenado. Os deuses disputaram entre si, alguns triunfaram. Tudo o que havia de ruim no céu etéreo foi expulso, ou para a prisão do Tártaro ou para a Terra, entre os mortais. E os homens, o que acontece com eles? Quem são eles?” (VERNANT, Jean-Pierre. O universo, os deuses, os homens. Trad. de Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 56.)

O texto acima é parte de uma narrativa mítica. Considerando que o mito pode ser uma forma de conhecimento, assinale a alternativa correta. (A) A verdade do mito obedece a critérios empíricos e científicos de comprovação. (B) O conhecimento mítico segue um rigoroso procedimento lógico-analítico para estabelecer suas verdades. (C) As explicações míticas constroem-se, de maneira argumentativa e autocrítica. (D) O mito busca explicações definitivas acerca do homem e do mundo, e sua verdade independe de provas. (E) A verdade do mito obedece a regras universais do pensamento racional, tais como a lei de não-contradição.

04. As lendas sempre foram alicerces para os povos antigos. Os gregos, por exemplo, tributavam suas origens aos heróis que

protagonizam a poesia de Homero, e os romanos, aos irmãos Rômulo e Remo, filhos do deus Marte, eternizados no relato do historiador Tito Livio. Essas explicações lendárias: (A) Alteram ou reinventaram fatos históricos, justificando alguma condição ou ação posterior dos homens. (B) Sempre se basearam em acontecimentos reais, com o único propósito de explicar o passado. (C) Confirmaram que as civilizações, em sua origem, não possuem vínculos com seu passado lendário, denominado idade das trevas. (D) Afirmam uma reação inconsciente de todos os povos, que tem por fundamento o ideal religioso, desligado de qualquer interesse político. (E) São apenas formas artísticas ou literárias independentes dos interesses políticos, por serem estéticas.

05. Segundo Marilena Chauí, “a filosofia surge quando alguns gregos, admirados e espantados com a realidade, insatisfeitos com as explicações que a tradição lhes dera, começaram a fazer perguntas e buscar respostas para elas”.

(Convite a Filosofia. 4. ed., Atica, 1995, p. 23).

É legado da Filosofia grega para o Ocidente europeu:

(A) A aspiração ao conhecimento verdadeiro, à felicidade e à justiça, indicando que a humanidade não age caoticamente. (B) A preocupação com a continuidade entre a vida e a morte, através da pratica de embalsamamento e outros cuidados funerários. (C) A criação da dialética, fundamentada na luta de classes, como forma de explicação sociológica da realidade humana. (D) O nascimento das ciências humanas, implicando em conhecimentos autônomos e compartimentados. (E) A produção de uma concepção de historia linear, que tratava dos fins últimos do homem e da realização de um projeto divino.

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

11


EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 06. (UEL – 2004) “Entre os ‘físicos’ da Jônia, o caráter positivo invadiu de chofre a totalidade do ser. Nada existe que não seja natureza, physis. Os homens, a divindade, o mundo formam um universo unificado, homogêneo, todo ele no mesmo plano: são as partes ou os aspectos de uma só e mesma physis que põem em jogo, por toda parte, as mesmas forças, manifestam a mesma potência de vida. As vias pelas quais essa physis nasceu, diversificou-se e organizou-se são perfeitamente acessíveis à inteligência humana: a natureza não operou ‘no começo’ de maneira diferente de como o faz ainda, cada dia, quando o fogo seca uma vestimenta molhada ou quando, num crivo agitado pela mão, as partes mais grossas se isolam e se reúnem.” (VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Trad. de Ísis Borges B. da Fonseca. 12.ed. Rio de Janeiro: Difel, 2002. p.110.)

Com base no texto, assinale a alternativa correta.

(A) Para explicar o que acontece no presente é preciso compreender como a natureza agia “no começo”, ou seja, no momento original.

(B) A explicação para os fenômenos naturais pressupõe a aceitação de elementos sobrenaturais.

(C) O nascimento, a diversidade e a organização dos seres naturais têm uma explicação natural e esta pode ser compreendida racionalmente. (D) A razão é capaz de compreender parte dos fenômenos naturais, mas a explicação da totalidade dos mesmos está além da capacidade humana. (E) A diversidade de fenômenos naturais pressupõe uma multiplicidade de explicações e nem todas estas explicações podem ser racionalmente compreendidas.

07. (UEL – 2004) “Mais que saber identificar a natureza das contribuições substantivas dos primeiros filósofos é fundamental perceber a guinada de atitude que representam. A proliferação de óticas que deixam de ser endossadas acriticamente, por força da tradição ou da ‘imposição religiosa’, é o que mais merece ser destacado entre as propriedades que definem a filosoficidade.” (OLIVA, Alberto; GUERREIRO, Mario. Présocráticos: a invenção da filosofia. Campinas: Papirus, 2000. p. 24.)

Assinale a alternativa que apresenta a “guinada de atitude” que o texto afirma ter sido promovida pelos primeiros filósofos. (A) A aceitação acrítica das explicações tradicionais relativas aos acontecimentos naturais.

(B) A discussão crítica das idéias e posições, que podem ser modificadas ou reformuladas. (C) A busca por uma verdade única e inquestionável, que pudesse substituir a verdade imposta pela religião. (D) A confiança na tradição e na “imposição religiosa” como fundamentos para o conhecimento. (E) A desconfiança na capacidade da razão em virtude da “proliferação de óticas” conflitantes entre si.

08. (UEL – 2005) Sobre a passagem do mito à filosofia, na Grécia Antiga, considere as afirmativas a seguir.

I. Os poemas homéricos, em razão de muitos de seus componentes, já contêm características essenciais da compreensão de mundo grega que, posteriormente, se revelaram importantes para o surgimento da filosofia. II. O naturalismo, que se manifesta nas origens da filosofia, já se evidencia na própria religiosidade grega, na medida em que nem homens nem deuses são compreendidos como perfeitos. III. A humanização dos deuses na religião grega, que os entende movidos por sentimentos similares aos dos homens, contribuiu para o processo de racionalização da cultura grega, auxiliando o desenvolvimento do pensamento filosófico e científico. IV. O mito foi superado, cedendo lugar ao pensamento filosófico, devido à assimilação que os gregos fizeram da sabedoria dos povos orientais, sabedoria esta desvinculada de qualquer base religiosa.

Estão corretas apenas as afirmativas: (A) I e II. (C) III e IV. (B) II e IV. (D) I, II e III.

12

(E) I, III e IV.

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

09. (UEL – 2006) Os poemas de Homero serviram de alimento espiritualaos gregos, contribuindo de forma essencial para aquilo que mais tarde se desenvolveria como filosofia. Em seus poemas, a harmonia, a proporção, o limite e a medida, assim como a presença de questionamentos acerca das causas, dos princípios e do porquê das coisas se faziam presentes, revelando depois uma constante na elaboração dos princípios metafísicos da filosofia grega. (Adaptado de: REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. v. I. Trad. Henrique C. Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1994. p. 19. )

Com base no texto e nos conhecimentos acerca das características que marcaram o nascimento da filosofia na Grécia, considere as afirmativas a seguir. I. A política, enquanto forma de disputa oratória, contribuiu para formar um grupo de iguais, os cidadãos, que buscavam a verdade pela força da argumentação. II. O palácio real, que centralizava os poderes militar e religioso, foi substituído pela Ágora, espaço público onde os problemas da pólis eram debatidos. III. A palavra, utilizada na prática religiosa e nos ditos do rei, perdeu a função ritualista de fórmula justa, passando a ser veículo do debate e da discussão. IV. A expressão filosófica é tributária do caráter pragmático dos gregos, que substituíram a contemplação desinteressada dos mitos pela técnica utilitária do pensar racional.

Estão corretas apenas as afirmativas: (A) I e III. (C) III e IV. (B) II e IV. (D) I, II e III.

(E) I, II e IV.

10. (UEL – 2007) “Há, porém, algo de fundamentalmente novo na maneira como os Gregos puseram a serviço do seu problema último – da origem e essência das coisas – as observações empíricas que receberam do Oriente e enriqueceram com as suas próprias, bem como no modo de submeter ao pensamento teórico e casual o reino dos mitos, fundado na observação das realidades aparentes do mundo sensível: os mitos sobre o nascimento do mundo.” Fonte: JAEGER, W. Paidéia. Tradução de Artur M. Parreira. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 197.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a relação entre mito e filosofia na Grécia, é correto afirmar: (A) Em que pese ser considerada como criação dos gregos, a filosofia se origina no Oriente sob o influxo da religião e apenas posteriormente chega à Grécia. (B) A filosofia representa uma ruptura radical em relação aos mitos, representando uma nova forma de pensamento plenamente racional desde as suas origens. (C) Apesar de ser pensamento racional, a filosofia se desvincula dos mitos de forma gradual. (D) Filosofia e mito sempre mantiveram uma relação de interdependência, uma vez que o pensamento filosófico necessita do mito para se expressar. (E) O mito já era filosofia, uma vez que buscava respostas para problemas que até hoje são objeto da pesquisa filosófica.

11. (UEL – 2007) “A filosofia grega parece começar com uma idéia absurda, com a proposição: a água é a origem e a matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário deter-nos nela e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque faz sem imagem e fabulação; e enfim, em terceiro lugar, porque nela, embora apenas em estado de crisálida, está contido o pensamento: ‘Tudo é um’. A razão citada em primeiro lugar deixa Tales ainda em comunidade com os religiosos e supersticiosos, a segunda o tira dessa sociedade e no-lo mostra como investigador da natureza, mas, em virtude da terceira, Tales se torna o primeiro filósofo grego”. Fonte: NIETZSCHE, F. Crítica Moderna. In: Os Pré-Socráticos. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 43.


Com base no texto e nos conhecimentos sobre Tales e o surgimento da filosofia, considere as afirmativas a seguir. I. Com a proposição sobre a água, Tales reduz a multiplicidade das coisas e fenômenos a um único princípio do qual todas as coisas e fenômenos derivam. II. A proposição de Tales sobre a água compreende a proposição ‘Tudo é um’. III. A segunda razão pela qual a proposição sobre a água merece ser levada a sério mostra o aspecto filosófico do pensamento de Tales. IV. O Pensamento de Tales gira em torno do problema fundamental da origem da virtude.

A alternativa que contém todas as afirmativas corretas é: (A) I e II (C) I e IV (E) II, III e IV (B) II e III (D) I, II e IV

12. (UEM – Inverno 2008) “Os antigos, ou melhor, os antiqüíssimos, (teólogos), transmitiram por tradição a nós outros seus descendentes, na forma do mito, que os astros são Deuses e que o divino abrange toda a natureza ... Costuma-se dizer que os Deuses têm forma humana, ou se transformam em semelhantes a outros seres viventes ... Porém, pondo-se de lado tudo o mais, e conservando-se o essencial, isto é, se acreditou que as substâncias primeiras eram Deuses, poderia pensar-se que isto foi dito por inspiração divina ...” (Aristóteles, Metafísica, XII, 8, 1074b, apud Mondolfo, O pensamento antigo, I, São Paulo: Mestre Jou, 1964, p.13).

Com base nesse excerto e no seu conhecimento sobre a questão da origem da filosofia, assinale o que for correto. (01) Antes de fazerem filosofia, os gregos já indagavam sobre a origem e a formação do universo; e as respostas a esse problema eram oferecidas sob a forma de mito, isto é, por meio de uma narrativa alegórica que descreve a origem ou a condição de alguma coisa, reportando a um passado imemorial. (02) Na Teogonia, Hesíodo descreve a gênese do mundo coincidindo com o nascimento dos deuses; as forças e os domínios cósmicos não surgem como pura natureza, mas sim como divindades: Gaia é a Terra, Urano é o Céu, Cronos é o Tempo, aparecendo ora por segregação, ora pela intervenção de Eros, princípio que aproxima os opostos. (04) Os primeiros filósofos gregos buscaram descobrir o princípio (arché) originário de todas as coisas, o elemento ou a substância constitutiva do universo; elaborando uma cosmologia, não se contentavam com doutrinas divinamente inspiradas, mas tentavam compreender racionalmente o cosmo. (08) Os gregos foram pouco originais no exercício do pensamento crítico racional; apropriaram-se das conquistas científicas e do patrimônio cultural de civilizações orientais com mínimas alterações. (16) É tese hoje bastante aceita que o nascimento da filosofia na Grécia não foi um “milagre” realizado por um povo privilegiado, mas a culminação de um processo lento, tributário de um passado mítico, e influenciado por transformações políticas, econômicas e sociais.

SOMA = _____

13. Sobre as origem da Filosofia, é correto afirmar: (A) Surgiu na Grécia, em torno do século VI a.C., quando os gregos perceberam que as explicações míticas não eram suficientes para explicar os fenômenos da natureza.

(B) Está relacionada com as conquistas gregas do Oriente por Alexandre Magno, em torno do século III a.C., e o fenômeno denominado Helenismo pelos conquistadores. (C) Tornou-se uma disciplina de reflexão e crítica proporcionada pela conquista da Grécia pelos romanos, em torno do século II a.C., e a transferências de sábios para a cidade de Roma. (D) Está vinculada à publicação do livro a República de Platão, em torno do século IV a.C., quando as diferentes formas de conhecimento foram impressas em pergaminhos. (E) Surgiu com os primeiros relatos do historiador Heródoto, em torno do século V a.C., ao refletir sobre o significado da vitória contra os persas na Batalha de Maratona.

14. O momento histórico da passagem do mito ao nascimento da filosofia da Grécia antiga teve como um dos fatores a: (A) A condição geográfica do território grego proporcionou a expan-

são em direção ao exterior, favorecendo o comercio marítimo, contribuindo para o processo de desmistificação. (B) A reinvenção de uma escrita, estimulando o pensamento crítico, enquanto as leis escritas foram responsáveis pela permanência no poder da classe rica já existente. (C) A organização política relacionada aos limites geográficos do território grego permitiu a formação de um grande e único império. (D) O ambiente da polis estimulava o debate em praça publica, fazendo nascer a política e o cidadão, mesmo sendo suas decisões ainda sob o poder da vontade dos deuses. (E) Todas as alternativas anteriores estão corretas

15. Os historiadores da Filosofia dizem que ela possui data e lo-

cal de nascimento: Além de possuir data e local de nascimento e de possuir seu primeiro autor, a Filosofia também possui um conteúdo preciso ao nascer: é uma cosmologia. A palavra cosmologia é composta de duas outras: cosmos, que significa mundo ordenado e organizado, e logia, que vem da palavra logos, que significa pensamento racional, discurso racional, conhecimento. Assim, a Filosofia nasce como conhecimento racional da ordem do mundo ou da Natureza, donde, cosmologia. Qual das alternativas abaixo pontua o período de nascimento e o nome do primeiro filósofo? (A) final do século VII e início do século VI antes de Cristo, nas colônias gregas da Ásia Menor (particularmente as que formavam uma região denominada Macedônia), na cidade de Ur. E o primeiro filósofo foi Tales de Mileto. (B) final do século VII a.C e início do século I d.C, nas colônias do Oriente Médio (particularmente as que formavam uma região denominada Mesopotâmia), na cidade de Ur. E o primeiro filósofo foi Moises. (C) final do século VII e início do século VI antes de Cristo, nas colônias gregas da Ásia Menor (particularmente as que formavam uma região denominada Jônia), na cidade de Mileto. E o primeiro filósofo foi Tales de Mileto. (D) final do século VII e início do século VI antes de Cristo, nas colônias gregas da Ásia Menor (particularmente as que formavam uma região denominada Crescente Fértil ), na cidade de Ur. E o primeiro filósofo foi Parmênides de Siracusa. (E) final do século VII Homero e Hesíodo inauguram a filosofia com as primeiras histórias míticas.

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

13


ANOTAÇÕES

14

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


CAPÍTULO 2 O LEGADO CULTURAL DA CIÊNCIA PARA O OCIDENTE A Escola Atomista

A Terra cercada por partículas, como um sistema onde um centro equilibra as formas que se coloca harmonicamente em torno de um centro, imaginando-se o movimento em um espaço vazio. Ao lado os quatro elementos que formariam o Cosmos para os pluralistas

O atomismo nasce na península itálica, nas proximidades de Eléia, onde vai influenciar não somente as terras italianas, mas também vai atravessar o Adriático e o Egeu, indo fazer eco nas colônias orientais gregas. Leucipo foi seu primeiro defensor, natural de Mileto, migrou para Eleia e de lá para Abdera onde foi provavelmente o mestre de Demócrito, nativo da cidade que seguiu seus ensinamentos. A este são atribuídos os ensinamentos desta escola, e sobre o qual atribuiu-se grande fama por sua vasta cultura adquirida por anos em viagens por terras distantes. Por influência dos eleatas, negavam a possibilidade do não-existente, ou não-ser, atribuindo uma existência eterna através de um princípio de agregação e desagregação, querendo significar o primeiro modo o de vida e o segundo o de morte. Talvez vendo no númen pitagórico este existente eterno e suas relações as agregações necessárias para a existência, os atomistas propõem uma realidade última indivisível, sendo por isso mesmo a-tomos (em grego, não divisíveis) e, portanto, incriados, indestrutíveis e imutáveis. Longe de significar o átomo da contemporaneidade, este indica uma forma originária, que se identifica pela figura, pela ordem e posição, sendo estas características responsáveis pelas diferentes formas que a phýsis assume enquanto matéria, o que pode variar ao infinito. Os átomos não são perceptíveis pelos sentidos e sim pela inteligência, pelo logos, pela razão. O átomo é forma visível ao intelecto. Ao conceituarem as relações atômicas, os atomistas criaram o problema do vazio, necessário para que haja movimento entre as diferentes formas. Primeiro tiverem de diferenciar o vazio do não-existente, do não-ser. Depois criaram neste vazio a possibilidade de movimento que pode ser descrito de três modos: a) o movimento caótico, primordial, com reviravoltas em todas as direções (como a poeira filtrada na luz solar); b) o movimento vertiginoso que leva os átomos à agregarem-se entre si e os diversos átomos a disporem-se nas diversas formas existentes, gerando o Todo; c) movimento de libertação, dos átomos que se desagregam aos poucos, as essências, como os perfumes que se desapegam das coisas – que são compostas de diversos tipos de átomos. O Cosmos passa a ser então um encontro mecânico de átomos que não foi ordenado por nenhum ser, que segue ao sabor do acaso uma mistura sem fim de elementos. O conhecimento se dá a partir de eflúvios dos átomos que se desprendem de todas as coisas entrando em contato com os sentidos. Os átomos impressionam os semelhantes existentes no homem e como semelhante conhece o semelhante, aí se dá o processo do conhecimento. Mas Demócrito separa também dois modos de conhecer: um sensorial e outro inteligível, o primeiro nos dá a opinião e o segundo, a verdade.

A Escola Pluralista A noção de pluralidade já está presente nos atomistas. Mas é com Empédocles, da cidade de Agrigento (Acragás) que ganha conceituação. Os primeiros filósofos haviam tentado conciliar a unidade com a multiplicidade mutável, mas esbarravam na dificuldade de que da unidade do ser não poderia sair o devir, o mutar-se, pois falta-lhe uma razão. Daí a mudança de eixo para uma multiplicidade originária (já presente nos númens pitagóricos e nos átomos) exigindo-se para isso novas noções. Empédocles chama nascimento e morte de mistura e dissolução de algumas substâncias que permanecem eternamente iguais e indestrutíveis. Ou seja, as coisas são compostas e quando não são mais o que são se dissolvem em quatro elementos básicos, que são as “raízes de todas as coisas”: terra, água, ar e fogo. Cada um já havia sido citado anteriormente, pelos jônios, por exemplo, mas pela primeira vez Empédocles colocava um caráter de inalterabilidade qualitativa e a intransformabilidade de cada um.

15


A noção de elemento nasce dessas qualidades que são ativadas como forma de junção entre eles. Empédocles, misticamente explica que o Cosmos nasce de dois períodos de transição que vão do direcionamento da Amizade (philia) ao da Discórdia (neikos) – o equivalente ao “amor” e “ódio” – e depois ao contrário, com mo predomínio da Discórdia sobre a Amizade. Em cada período tem um nascer e um destruir-se progressivos o que pressupõe a ação conjunta dessas duas forças constituindo o aparecimento e o desaparecimento de todas as coisas. Nossos sentidos captariam, também por semelhança, os eflúvios que saem das coisas e como, tal qual elas, somos também compostos dos mesmos elementos, podemos identificá-los.

A questão do movimento da “phýsis”

Quem ganha a corrida: Aquiles ou a tartaruga? Existe ou não movimento? É apenas uma aparência dos sentidos?

Não havia mais como adiar as discussões sobre o devir, o mutar-se, a transformação, o movimento. A filosofia precisava decidir se a phýsis era uma dinâmica total, intrínseca a si mesmo ou, ao contrário, diante de uma transformação somente aparente teria algo que permaneceria imutável. Estas duas posições vão confrontar duas escolas distintas que vão dar origem a uma discussão sem fim durante toda a história da filosofia. A primeira é a de Heráclito, da cidade Efeso, que não chega a fundar uma escola propriamente, mas que garante para a posteridade o maior dos postulados do dinamismo – Panta rhei! Tudo move! – sustentando a mudança constante. O fluxo universal dos seres é uma proposta difícil de sustentação se levada ao seu extremo. Uma vez que o sujeito e o objeto do conhecimento mudam constantemente, fica impossibilitada a relação porque quando se dá, os elementos (sujeito e objeto) já são outros. Para Heráclito um homem não pode submergir-se duas vezes no mesmo rio. Heráclito fia-se nos sentidos, na experiência sensível que atesta a mudança constante da natureza, da phýsis e do próprio sujeito. Há uma espécie de ímpeto natural que faz com eu as coisas cheguem em velocidade, que é a da mutação, a do devir que reúne e se dispersa e reúne-se novamente em um vai-e-vem permanente que por vezes faz com que as coisas também desapareçam. O que ele descobre por trás desta mudança é a sua negação, a mudança através de pares que são contrários. O dia vira noite; o claro, escuro; e em pares de opostos o movimento se dá em um fluxo natural. O logos heracliteano percebe a mudança em pares de opostos: unido-se o completo e o incompleto; o concorde e o discorde; o harmônico e o dissonante e de todos o uno e do uno todos. Tudo que é contrário se concilia nas coisas diferentes e delas nasce a mais bela harmonia. O pensamento de Heráclito é tido como obscuro – sendo este um de seus apelidos. Ao se recusar de participar da vida pública, deixa apenas fragmentos de sua obra que tornam-se complexos ao serem interpretados. Este dinamismo universal já havia sido notado pelos outros milésios – que as coisas nascem e perecem - o que Heráclito fez foi torná-lo temático, aplicá-lo por extensão à todas as coisas e explicá-lo através de um eterno combate entre contrários. Como elemento primordial, atesta que o fogo tem as características necessárias, talvez até por sua natureza flamejante, incandescente que não se prende a uma forma definida, surgindo como que do nada e evaporando-se da mesma forma. As conjecturas de Heráclito podiam ser aplicadas na vida cotidiana: ó caminho da montanha é o mesmo, composto de contrários – a via que sobe e a que desce, caminhos em direção opostas mas um mesmo caminho; o jovem e o velho Heráclito, diferentes mas o mesmo e opostos; na mesa a garrafa de vinho pode estar meio vazia para um e o outro considerá-la meio cheia e ambos estarem certos sobre a mesma garrafa de vinho. Não podemos nos libertar desta contradição que é natural e sair dela seria o mesmo que deixar a realidade das coisas. A razão nos leva a conciliar os opostos e em um mundo de instabilidade, somente o logos, a alma, traria o equilíbrio necessário para situarmos diante da natureza. O homem é, portanto, um ser de razão para alcançar um determinado equilíbrio que o faz compreender entre os opostos e na contradição natural das coisas, o todo, o uno.

A Escola Eleata A cidade de Eléia ficou famosa pelos seus filhos e por sua filosofia, porém não escapou à própria história e sucumbiu. Hoje a cidade, ou a localidade é conhecida como Velia, e fica entre o pontal Licosa e o cabo Palinuro, na península itálica. De Eléia vem Parmênides e Zenão, os eleatas que vão se opor às afirmações dos dinamistas, em especial à Heráclito, influenciando com suas teses uma grande carreira de filósofos posteriores. Parmênides foi um grande político, escreveu um poema famoso que sobreviveu até os nossos dias. Educado por pitagóricos, ele abre um novo campo de investigação filosófica chamado ontologia, o estudo do Ser. Em seu poema Peri Phýsis, Sobre a Natureza, estabelece sua doutrina a partir a boca de uma deusa que recita o poema para ele – como todo poema é rico em imaginação com Parmênides se vendo arrancado da terra e levado por uma carruagem brilhante por velozes cavalos – e a deusa apresenta-se como a verdade que pode ser alcançada com a razão, o logos:

16

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


A deusa dá a Parmênides três caminhos: a) da verdade robusta o sólido coração; b) e dos mortais as opiniões, em que não há certeza; c) existem as aparências e tens de admitir. A interpretação é o caminho em três vias: a da verdade absoluta; a das opiniões – do erro; e das opiniões sensíveis ligada à aparência das coisas. A verdade é dita, então: o ser é e não pode não ser; o não ser não é e não pode ser de modo algum. Aqui a ontologia começa a ganhar corpo. O que Parmênides quer dizer é que há um sentido absoluto em Ser e nãoSer, sendo o primeiro positivo e o segundo negativo. É impossível pensar o não-Ser, diria Parmênides, pelo simples fato dele não ter possibilidade de existência. Por isso somente o Ser é pensável. Este Ser é incriado e incorruptível. É incriado porque se fosse criado teria de ter vindo do não-Ser, daí sua impossibilidade, deve ser portanto, eterno. Por essas mesmas razões é incorruptível porque não pode se transformar em algo que não existe, ou seja, a sua própria inexistência. Por consequência, não tem passado e nem futuro, só pode Ser, portanto o Ser é! Ele é também imutável e imóvel, completo e perfeito. O segundo ponto é que o caminho da verdade é a razão, o do logos, já que é ele quem identifica o Ser, e o caminho do erro passa pelos sentidos. No poema a deusa exorta a Parmênides a não se deixar levar pelos sentidos que o remetem à aparência das coisas que aparecem e desaparecem como se isso fosse verdade. Ao abandonar os sentidos, Parmênides executa uma manobra que nos leva a considerar o que há por trás da malha de sensações que recebemos através do corpo. Estas sensações nos conduzem a considerar que o mundo, a phýsis é de uma qualidade que não corresponde a sua verdade. É preciso, portanto, através do logos, da razão, do pensamento, descobrir a essência que está por trás da aparência, aquilo que permanece, que é fixo, imutável que faz com que as coisas sejam o que são e que se afirmam em nosso pensamento.

Zenão e o paradoxo da aparente mudança Apesar de as idéias de Parmênides terem causado grande impacto, era inegável a multiplicidade e o movimento. Quem procurou negar de maneira irrefutável o movimento foi Zenão, nascido em Eléia. Seu maior êxito foi justamente de explicitar o paradoxo da contradição que o movimento expõe. Com uma refutação mais aguçada inventa de certo modo um argumento lógico que tem como objetivo deixar o adversário sem saída, ou em grego, em aporia. A ele é atribuído a criação do método dialético de argumentação, buscando com isso uma demonstração ao absurdo. Sua argumentação tem início quando refuta a tese do movimento, no chamado argumento da flecha: a flecha está parada porque para percorrer a distância entre os pontos A e B ela teria que passar por metades sucessivas ad infinitum e a cada instante estaria ocupando um único lugar e um único tempo, portanto parada, o qual na somatória de todos os instantes, daria uma totalidade sem movimento. Zenão demonstra também que a velocidade não pertence ao objeto e sim é relativa a ele dada por m terceiro que é referência. A refutação a que se refere Zenão é lógica, portanto no campo da razão e não dos sentidos. Ele apresenta quatro raciocínios sobre a negação do movimento: a) a impossibilidade pelo fato de o móvel ter de alcançar primeiro o meio antes do fim; b) o mais lento nunca será alcançado pelo mais rápido porque este quando chegar onde o lento estava este já estará em outro lugar e assim sucessivamente; c) a flecha em movimento está imóvel, pois ocupa um espaço igual a si mesmo a cada instante; d) a sucessão de pontos de uma série. Esta radicalização do argumento é uma das marcas deste discurso que foi aos poços se descobrindo: a filosofia. Crítico por natureza, não aceita as coisas prontas, o que se mostra em princípio, o que se vê, o que sente, exigindo uma apreciação mais detalhada com um sentido de totalização, sistematização e que requer um rigor lógico acurado. Não se deixar levar pelas aparências passou a ser uma marca deste modo de interpretar o mundo.

AVALIE SEU CONHECIMENTO 01. (UNCISAL 2012) O período pré-socrático é o ponto inicial das

reflexões filosóficas. Suas discussões se prendem a Cosmologia, sendo a determinação da physis (princípio eterno e imutável que se encontra na origem da natureza e de suas transformações) ponto crucial de toda formulação filosófica. Em tal contexto, Leucipo e Demócrito afirmam ser a realidade percebida pelos sentidos ilusória. Eles defendem que os sentidos apenas capturam uma realidade superficial, mutável e transitória que acreditamos ser verdadeira. Mesmo que os sentidos apreendam “as mutações das coisas, no fundo, os elementos primordiais que constituem essa realidade jamais se alteram.” Assim, a realidade é uma coisa e o real outra. Para Leucipo e Demócrito a physis é composta (A) pelas quatro raízes: o úmido, o seco, o quente e o frio. (B) pela água. (C) pelo fogo. (D) pelo ilimitado. (E) pelos átomos.

02. (UFSJ 2012) Sobre o princípio básico da filosofia pré-socráti-

ca, é CORRETO afirmar que (A) Tales de Mileto, ao buscar um princípio unificador de todos os seres, concluiu que a água era a substância primordial, a origem única de todas as coisas. (B) Anaximandro, após observar sistematicamente o mundo natural, propôs que não apenas a água poderia ser considerada arché desse mundo em si e, por isso mesmo, incluiu mais um elemento: o fogo. (C) Anaxímenes fez a união entre os pensamentos que o antecederam e concluiu que o princípio de todas as coisas não pode ser afirmado, já que tal princípio não está ao alcance dos sentidos. (D) Heráclito de Éfeso afirmou o movimento e negou terminantemente a luta dos contrários como gênese e unidade do mundo, como o quis Catão, o antigo.

03. (UNIOESTE 2012) O que há em comum entre Tales, Anaximandro e Anaxímenes de Mileto, entre Xenófanes de Colofão e Pitágoras de Samos? “Todos esses pensadores propõem uma explicação racional do mundo, e isso é uma reviravolta decisiva na história do pensamento”. (Pierre Hadot)

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

17


Com base no texto e nos conhecimentos sobre as relações entre mito e filosofia, seguem as seguintes proposições: I. Os filósofos pré-socráticos são conhecidos como filósofos da physis porque as explicações racionais do mundo por eles produzidas apresentam não apenas o início, o princípio, mas também o desenvolvimento e o resultado do processo pelo qual uma coisa se constitui. II. Os filósofos pré-socráticos não foram os primeiros a tratarem da origem e do desenvolvimento do universo, antes deles já existiam cosmogonias, mas estas eram de tipo mítico, descreviam a história do mundo como uma luta entre entidades personificadas. III. As explicações racionais do mundo elaboradas pelos pré-socráticos seguem o mesmo esquema ternário que estruturava as cosmogonias míticas na medida em que também propõem uma teoria da origem do mundo, do homem e da cidade. IV. O nascimento das explicações racionais do mundo são também o surgimento de uma nova ordem do pensamento, complementar ao mito; em certos momentos decisivos da história da filosofia as duas ordens de pensamento chegam a coexistir, exemplo disso pode ser encontrado no diálogo platônico Timeu quando, na apresentação do “mito mais verossímil”, a figura mítica do Demiurgo é introduzida para explicar a produção do mundo. V. Tales de Mileto, um dos Sete Sábios, além de matemático e físico é considerado filósofo – o fundador da filosofia, segundo Aristóteles – porque em sua proposição “A água é a origem e a matriz de todas as coisas” está contida a proposição “Tudo é um”, ou seja, a representação de unidade.

Assinale a alternativa correta. (A) As proposições III e IV estão incorretas. (B) Somente as proposições I e II estão corretas. (C) Apenas a proposição IV está incorreta. (D) Todas as proposições estão incorretas. (E) Todas as proposições estão corretas.

04. (UEAP 2011) ...que é e que não é possível que não seja,/ é a vereda da Persuasão (porque acompanha a Verdade); o outro diz que não é e que é preciso que não seja,/ eu te digo que esta é uma vereda em que nada se pode aprender. De fato, não poderias conhecer o que não é, porque tal não é fatível./ nem poderia expressá-lo. (Nicola, Ubaldo. Antologia ilustrada de Filosofia. Editora Globo, 2005.)

O texto anterior expressa o pensamento de qual filósofo?

(A) Aristóteles, que estabelecia a distinção entre o mundo sensível e o inteligível.

(B) Heráclito de Éfeso, que afirmava a unidade entre pensamento e realidade.

(C) Tales de Mileto, que afirmava ser a água o princípio de todas as coisas.

(D) Parmênides de Eleia, que afirmava a imutabilidade de todas as coisas e a unidade entre ser e pensar, ser e conhecimento.

(E) Protágoras, que afirmava que o homem é a medida de todas as coisas, que o ser é e o não ser não é.

05. (UENP 2011) Mario Quintana, no poema “As coisas”, traduziu

o sentimento comum dos primeiros filósofos da seguinte maneira: “O encanto sobrenatural que há nas coisas da Natureza! [...] se nelas algo te dá encanto ou medo, não me digas que seja feia ou má, é, acaso, singular”. Os primeiros filósofos da antiguidade clássica grega se preocupavam com: (A) Cosmologia, estudando a origem do Cosmos, contrapondo a tradição mitológica das narrativas cosmogônicas e teogônicas.

(B) Política, discutindo as formas de organização da polis e estabelecendo as regras da democracia.

(C) Ética, desenvolvendo uma filosofia dos valores e da vida virtuosa. (D) Epistemologia, procurando estabelecer as origens e limites do conhecimento verdadeiro.

(E) Ontologia, construindo uma teoria do ser e do substrato da realidade.

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 06. (UFU-1ª FASE JANEIRO DE 1999) Parmênides de Eléia, filósofo pré-socrático, sustentava que I. o ser é.

do ser.

II. o não-ser não é.

(B) o ser, por não poder não ser, não é gerado nem deixa de ser, não

III. o ser e o não-ser existem ao mesmo tempo.

tendo princípio nem fim.

IV. o ser é pensável e o não-ser é impensável.

(C) a via do ser é aquela percebida pelos nossos sentidos. (D) o ser, para o autor, de certo modo não é, pois nunca foi no passa-

Assinale: (A) se apenas I, III e IV estiverem corretas. (B) se apenas I, II e III estiverem corretas. (C) se apenas II, III e IV estiverem corretas. (D) se apenas I, II e IV estiverem corretas. (E) se todas as afirmativas estiverem corretas.

do nem será no futuro.

07. (UFU- 1ª FASE JANEIRO DE 1999) Heráclito de Éfeso, filósofo pré-socrático, compreendia que I. o ser é vir-a-ser. II. o vir-a-ser é a luta entre os contrários. III. a luta entre os contrários é o princípio de todas as coisas. IV. da luta entre os contrários origina-se o não-ser.

Assinale

09. (UFU-JULHO DE 2003 1ª FASE) “Só é possível pensar e dizer que o ente é, pois o ser é, mas o nada não é; sobre isso, eu te peço, reflita, pois esta via de inquérito é a primeira de que te afasto; depois afasta-te daquela outra, aquela em que erram os mortais desprovidos de saber e com dupla cabeça, pois, no peito, a hesitação dirige um pensamento errante: eles se deixam levar surdos e cegos, perplexos, multidão inepta, para quem ser e não ser é considerado o mesmo e não o mesmo, para quem todo o caminho volta sobre si mesmo”. Parmênides, Sobre a Natureza, 6, 1-9.

Sobre este trecho do poema de Parmênides, é correto afirmar que I. só se pode pensar e dizer que o ser é.

(A) se apenas I, II e III estiverem corretas. (B) se apenas I, III e IV estiverem corretas. (C) se apenas II, III e IV estiverem corretas. (D) se apenas I, II e IV estiverem corretas. (E) se todas as afirmativas estiverem corretas.

II. para os mortais o ser é considerado diferente do não ser. III. é possível dizer o não ser, embora não se possa pensá-lo. IV. duas vias de inquérito devem ser afastadas: a do não ser e a dos mortais.

08. (UFU - SETEMBRO DE 2002) “Só resta o mito de uma via, a do ser; e sobre esta existem indícios de que sendo não gerado é também imperecível, pois é todo inteiro, inabalável e sem fim; nem jamais era nem será, pois é agora todo junto, uno, contínuo (…)” Sobre a Natureza, 8, 2-5

18

A partir deste trecho do poema de Parmênides, é possível afirmar que (A) a continuidade, a geração e o imobilismo estão presentes na via

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

Assinale a alternativa que contém todas as afirmações corretas. (A) II e III (B) II e IV (C) I e III (D) I e IV


10. (UFU-2000 2ª FASE) ”Para os que entram nos mesmos rios, correm outras e novas águas. (...) Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio”.

(Heráclito. Pré-socráticos, Col. Os Pensadores, Abril Cultural, 1978)

“Necessário é dizer e pensar que só o ser é, e o nada, ao contrário, nada é: afirmação que bem deves considerar”.

(Parmênides. Pré-socráticos. Col. Os Pensadores, Abril Cultural, 1978)

A partir dos fragmentos acima, estabeleça as principais diferenças entre as concepções do ser de Heráclito e de Parmênides.

11. (UFU 2ª FASE MARÇO DE 2002) “Ao Logos, razão e palavra do que sempre é, os homens são incapazes de compreendê-lo, tanto antes de ouvi-lo quanto depois de tê-lo ouvido pela primeira vez, porque todas as coisas nascem e morrem segundo este Logos. Os homens são inexperientes, mesmo quando eles experimentam palavras ou atos tais quais eu corretamente os explico segundo a natureza, separando cada coisa e explicando como cada uma se comporta. Enquanto isso os outros homens esquecem tudo o que eles fazem despertos assim como eles esquecem, dormindo, tudo o que eles vêem.” Adaptado de HERÁCLITO. Pré-Socráticos. Coleção “Os Pensadores”. São Paulo: Abril Cultural , 1978. p. 79.

A partir do aforisma de Heráclito, responda às questões propostas: Justifique as duas respostas com trechos do texto acima de Heráclito.

(A) Heráclito pode corretamente ser caracterizado como um filósofo empirista, cuja fonte de conhecimento se encontra nas sensações?

(B) Qual é o fundamento permanente de todo conhecimento e quem, segundo o texto, corretamente o conhece e o enuncia?

12. (UFU - JANEIRO DE 2004) Do arco o nome é vida e a obra é morte..

(HERÁCLITO. Sobre a natureza. Trad. de José Cavalcante de Souza. São Paulo: Nova Cultural, 1989, p. 56. Coleção .Os Pensadores..)

Este fragmento ilustra bem o pensamento de Heráclito, que acreditou ser o mundo o eterno fluir, comparado a um rio no qual .entramos e não entramos.. Assinale a alternativa que explica o fragmento mencionado acima. (A) Todas as coisas estão em oposição umas com as outras, o que explica o caráter mutável da realidade. A unidade do mundo, sua razão universal resulta da tensão entre as coisas, daí o emprego freqüente, por parte de Heráclito, da palavra guerra para indicar o conflito como fundamento do eterno fluxo. (B) A harmonia que anima o mundo é aberta aos sentidos, sendo possível ser conhecida na multiplicidade daquilo que é manifesto, uma vez que a realidade nada mais é que o eterno fluxo da multiplicidade do Logos heraclitídeo. (C) A unidade dos contrários, a vida e a morte, é imóvel, podendo ser melhor representada para o entendimento humano por intermédio da imagem do fogo, que permanece sempre o mesmo, imutável e continuamente inerte, e não se oculta aos olhos humanos. (D) O arco, instrumento de guerra, indica que a idéia de eterno fluxo, das transformações que compõem o fluxo universal, é o fundamento da teoria do caos, pois o fogo se expande sem medida, tornado a realidade sem nenhuma harmonia ou ordem.

13. (UFU - DEZEMBRO DE 2004) Os fragmentos abaixo representam três temas fundamentais que configuram o pensamento de Heráclito de Éfeso.

“O deus é dia noite, inverno verão, guerra paz, saciedade fome; mas se alterna como fogo, quando se mistura a incensos, e se domina segundo o gosto de cada.” Fr. 67. “Por fogo se trocam todas (as coisas ) e fogo por todas, tal como por ouro mercadorias e por mercadorias ouro”. Frag. 90 A partir das citações acima: (A) Explicite quais são seus temas

(B) Comente cada um deles de modo a caracterizar a filosofia de Heráclito

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

19


14. (UFU - Janeiro de 2004) Parmênides (c. 515-440 a.C.) deixou seus pensamentos registrados no poema Sobre a natureza, do qual restaram apenas fragmentos cultivados pelos filósofos do mundo antigo, uma das passagens célebres preservadas é a seguinte:

“Necessário é o dizer e pensar que (o) ente é; pois é ser, e nada não é; isto eu te mando considerar. Pois primeiro desta via de inquérito eu te afasto, mas depois daquela outra, em que mortais que nada sabem erram, duplas cabeças, pois o imediato em seus peitos dirige errante pensamento; (...).”

PARMÊNIDES. Sobre a natureza. Trad. de José Cavalcante de Souza.São Paulo: Nova Cultural, 1989, p. 88. Coleção .Os Pensadores..

Analise as assertivas abaixo. I. A opinião humana busca o que é (ser) naquilo que não é (ser). II. O mundo dos sentidos é (ser), portanto, o único digno de ser conhecido. III. Não se pode dizer .não-ser é., porque .não-ser. é impensável. IV. Dizer .não-ser é não não-ser., é o mesmo que afirmar .não-ser não é..

Assinale a alternativa que contém as assertivas corretas. (A) I e III (B) II e III

(C) II e IV

(D) I e IV

15. (UFU - JULHO DE 2004) O fragmento a seguir é atribuído a Heráclito de Éfeso: “O mesmo é em (nós?) vivo e morto, desperto e dormindo, novo e velho; pois estes, tombados além, são aqueles e aqueles de novo, tombados além, são estes” HERÁCLITO. Sobre a natureza. Trad. de José Cavalcante de Souza. São Paulo: Nova Cultural, 1989, p. 93. Coleção .Os Pensadores..

A partir do fragmento citado, escolha a alternativa que representa melhor o pensamento de Heráclito.

(A) Não existe a noção de “oposto” no pensamento de Heráclito, pois todas as coisas constituem um único processo de mudança que expressa a concórdia e a harmonia do “fluxo” contínuo da natureza.

(B) a equivalência de estados contrários com o mesmo exprime a alternância harmônica de pólos opostos, pela qual um estado é transposto no outro, numa sucessão mútua, como o dia e a noite. Todas as coisas são “Um”, toda a multiplicidade de opostos constitui uma unidade, e todos os seres estão em um fluxo eterno de sucessão de opostos em guerra. (C) Se o morto é vivo, o velho é novo, e o dormente é desperto, então não existe o múltiplo, mas apenas o “Um”, como verdade profunda do mundo. A unidade primordial é a própria realidade da physis, e a multiplicidade, apenas aparência. (D) a alternância entre pólos opostos constitui um fluxo eterno, regido pela “guerra” e pela discórdia, que ocorre sem qualquer medida ou proporção. A guerra entre contrários evidencia que a physis é caótica é denota o fato de que o pensamento de Heráclito é irracionalista.

ANOTAÇÕES

20

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


CAPÍTULO 3 A GRANDE SISTEMATIZAÇÃO DA CIÊNCIA Chegamos agora aos dois grandes sistemas de filosofia: Platão e Aristóteles. Platão, cujo verdadeiro nome era Arístocles era discípulo de Sócrates e com ele aprendeu as lições deixadas por Pitágoras e que se opunha à proposta dos Sofistas, os defensores da retória e da opinião sobre a ciência. Ao tratar de Sócrates, o maior de todos os filósofos, aquele que empresta nome à filosofia, nos deparamos com o problema das fontes, o que restringe, em muito, o entendimento completo deste pensador. Principalmente porque de seu próprio punho nada temos porque nada escreveu. As três fontes de seu pensamento são Platão, a maior de todas, Xenofonte, seu amigo a quem develhe a vida, e Aristófanes, um comediógrafo que o colocava com os demais sofistas, um vendedor de sabedoria prática. Sabemos que nasceu no ano de 470 ou 469 a C e que morreu, após ser julgado por um tribunal público, e condenado à morte por ingestão de um veneno vegetal chamado cicuta, em 399 a C. Era ateniense e um de seus mais ilustres cidadãos. Sua mãe, Fenareta fora parteira de inúmeros homens públicos; seu pai, Sofronisco, um escultor cujas obras eram admiradas nas ruas da cidade. Como um soldado hoplita ( que luta com escudo e espada) tinha sua bravura reconhecida pelos compatriotas e testada inúmeras vezes no campo de batalhas em diversas guerras, inclusive contra Ao apontar para cima, Platão cita o Mundo das ideias, desprezando os Espartanos e os Medos. o conhecimento sensível, enquanto Aristóteles, com a mão apontada para baixo assevera que o contato sensível pode ser a Os comentadores costumam separar Sócrates em duas fases, porta de entrada do conhecimento racional. a primeira ainda da juventude quando é associado aos físicos e também aos sofistas – daí talvez porque apareça pintado como um deles na peça teatral de Aristófanes. E um segundo Sócrates, maduro, talvez de sua velhice quando polemiza com os sofistas e implanta um método próprio, cuja retomada das teses dos pitagóricos é nítida e que o distingue dos demais. Talvez tenha começado sua investigação filosófica se prendendo ao problema da arché da phýsis, como os primeiros pensadores e após se deparar com a diversidade de opiniões, resolveu se voltar ao invés do objeto investigado, para o sujeito que investiga. Tal qual os sofistas, vai buscar no homem as respostas, inquirindo agora como este homem pode conhecer o que conhece e se há uma possibilidade de sustentar uma verdade para além de todos os sentidos. O caminho que vai apontar passa primeiro pela negação daquilo que pensamos conhecer, o que nos chega pelos sentidos, a opinião, para depois buscarmos dentro de nós mesmos as respostas que já temos. Este processo de reflexão interior vai modificar a visão que se tem do homem e de sua relação com o Cosmos.

A redescoberta da “psique” e do “soma” Antes de saber qual é a realidade última da phýsis, Sócrates quer definir qual é a realidade última do homem. O que faz o homem, um homem e qual sua principal característica que o difere das demais coisas existentes. A melhor resposta a esta pergunta Sócrates encontra entre os pitagóricos: o homem é a sua alma. Ao retomar a dualidade proposta por Pitágoras de um homem composto por duas partes, corpo e alma, Sócrates acrescenta que a alma seria a parte consciente do homem, sua razão, sua inteligência, sua ação, sua ética. Há uma associação direta entre a razão e a moral do homem, o que determina sua ação. Desta maneira Sócrates reduz o corpo a um simples instrumento utilizado pelo homem para lidar com as coisas existentes, sendo o homem mesmo, a sua alma, o seu intelecto. Há então uma hierarquização com a alma tendo prevalência sobre o corpo e estando nela a missão de conhecer as coisas. Há duas declarações de Sócrates que tornaram-se históricas e que, de certa forma, define sua filosofia e sua atitude perante as coisas. A primeira delas dá conta de sua ignorância: “Tudo o que sei é que nada sei”, em sua versão mais conhecida e simplificada. A segunda: “Conhece-te a ti mesmo”, na verdade uma inscrição do Templo de Delphos e que foi assumida como lema de vida por Sócrates. A primeira frase representa um Sócrates maduro que refuta a posição sofista de sábio que pode ensinar as coisas a qualquer um. O não-saber socrático revela que somente a humildade diante do conhecimento pode ser um guia seguro, abrindo mão de pré-conceitos que inviabilizam a noção correta sobre as coisas. Ao mesmo tempo se torna uma posição política que rejeita o sofisma como forma de educar para a cidadania, educar para a retórica, que transforma a cidade em um joguete nas mãos de hábeis oradores na ágora. Por conta disso a segunda frase revela um caminho para escapar destes oradores vazios: o auto-conhecimento, uma busca interior sobre uma verdade que está contida na alma, longe dos sentidos dados pelo corpo, longe da aparência. A associação da alma com a razão, o intelecto, faz com que Sócrates rejeite os sentidos, ligados ao corpo, como caminho para o conhecer. Em Delphos o aviso era sobre os limites que o homem deveria conhecer para respeitá-los, com um outro lema também famoso “nada em excesso”, lembrando de sua finitude humana que não dá conta de tudo. Em Sócrates o sentido é de virtude: o homem que não conhece a si mesmo, não pode conhecer outras coisas.

21


Filosofia enquanto missão política Disposto a mostrar que sua filosofia estava certa, Sócrates adota uma prática contrária a dos sofistas: não abre escola, não cobra recompensas pecuniárias por suas aulas, não escreve nenhuma obra, adotando o diálogo como modelo de pesquisa sobre as coisas ligadas, primeiro, ao homem. Sócrates propaga um modelo de prática que é usada até hoje: reunia as pessoas em banquetes e simpósios. O banquete grego nada mais é do que receber os amigos em casa para comer e, em uma sociedade escravocrata, isso significava passar vários dias em companhia de conhecidos, desfrutando da ociosidade própria da polis em tempos de paz. Os banquetes não eram na casa de Sócrates, sua mulher, Xantipa, não os permitia – preferia que Sócrates arranjasse um ofício que lhe rendesse algum dinheiro para sustentar seus três filhos – e por isso as reuniões, como nos conta Platão em seus diálogos, aconteciam na casa dos irmãos deste (Adimanto, por exemplo) que eram pessoas de posses. Simpósio em grego significar beber junto (sim = juntar; posium = bebida ). Então Sócrates freqüentava a casa de seus amigos, para comer e beber e, ao mesmo tempo, dialogar. Em sua Apologia (diálogo platônico onde é apresentada a defesa de Sócrates diante do tribunal ateniense que o condenou) Sócrates define que a filosofia é exercida como que a uma missão social que é sagrada e que deve ser cumprida mesmo que com o sacrifício da vida. Por isso critica os sofistas por sua finalidade prática com a Sócrates foi imortalizado por Platão em sua famosa obra “Apologia”, retratada nesta pintura no momento em que toma cicuta e aponta filosofia, um imediatismo utilitário que corrompe a política. para cima, o Mundo Superior para onde a alma iria transmigrar O diálogo socrático é mais do que uma conversa entre amigos, é uma fidelidade à própria palavra dia (dois, divisão) logos (razão). O diálogo se apõe à retórica. Uma razão entre duas pessoas que vai determinar aquilo que é comum para ambos: o conceito. Esta fórmula vai imortalizar Sócrates. Como filósofo é o primeiro a saber destas coisas e por isso tem como missão libertar os demais homens da ilusão de sua ignorância que é justamente achar que sabe alguma coisa sobre algo.

A ironia e a maiêutica O diálogo socrático tem uma metodologia para ser aplicado. Este método vai levar o interlocutor a admitir sua ignorância e depois vai fazê-lo construir um conceito que é universal e que é válido em todos os casos. O primeiro passo do método é a ironia, cuja aplicação consiste em formular perguntas seguidas ao interlocutor, encadeadas, uma após a outra. Esta primeira parte do método é para levar o oponente no diálogo a atingir o grau da ignorância, admitir que realmente não sabe, ter consciência do quanto pré-conceitos tinha em mente, o quando o seu senso comum determinava a sua doxa (opinião) e que por isso avaliava as coisas de maneira precipitada e não adequada. Cumprida esta etapa, passava-se para uma segunda parte, a maiêutica (parto), ou seja, nova bateria de perguntas encadeadas para levar o interlocutor a construir um conceito que seja válido não somente para si ou para aquela situação, mas que seja universal e que sirva para o todo, como se estivesse parindo uma idéia, tirando de dentro de si mesmo uma verdade dialógica. A primeira parte desse diálogo socrático que se transforma em seu método, a ironia, é uma refutação de teses que foi apreendida dos eleatas, em especial de Zenão. Refutar significa negar, ou seja, Sócrates leva seu interlocutor a negar suas próprias teses vendo-as em situações em que não funcionam, por isso tem de abandoná-las. Ao esvaziar as teses do interlocutor, este admite sua ignorância, sua impossibilidade de definir o objeto de estudo, uma vez que o que achava que seria o objeto, Sócrates, através da ironia, havia refutado. Já o segundo passo, a maiêutica, consiste em elaborar perguntas que, ao serem aplicadas, conduzem o interlocutor a uma construção que ultrapassa o próprio objeto de estudo, criando uma rede de significados que arquitetam um conceito universal, válido para além daquele objeto. O conceito de Justiça é universal e não apenas quando aplicado naquele caso particular, diria Sócrates. Por conduzir seus interlocutores a atingirem estas idéias, considerava a si mesmo um parteiro de almas que davam a luz ao conhecimento verdadeiro: que é dialógico e não retórico, que é universal e não relativo, que é único e não variado, que se aplica a todos e não muda conforme a situação. Por isso diz também que ele mesmo não é capaz de dar à luz, apenas ajuda os outros a fazerem isso, pois tudo que faz é interrogar e que não ensina nada a ninguém. Ele afirma ainda que seus interlocutores reencontram, por si mesmos, os conhecimentos que já possuíam, mas não sabiam disso. Na alma já estava o que sabiam, bastava apenas recordar o que havia sido esquecido. Mais tarde Platão vai retomar este caminho para sua teoria da reminiscência que explica o Mundo das Idéias.

A virtude socrática Desta forma Sócrates passa a redefinir também o conceito de virtude, areté, que agora está associada à capacidade de conhecimento da alma: quanto maior este conhecimento interior, maior a virtude; quanto menor, maior a ignorância, portanto, maior também a maldade. Ser virtuoso é ter ciência das coisas, saber o que são. Os verdadeiros valores, então, deixam de estar do lado de fora das pessoas, o luxo, a riqueza, os bens materiais; agora o verdadeiro valor da vida está em compreender o que está na alma, o conhecimento interior que já trazemos conosco. O que Sócrates está dizendo é que, as coisas só têm valor se tiverem como objetivo, nos levar a este conhecimento interior.

22

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


Este direcionamento da ética socrática tem suas conseqüências: a) a virtude ganha um caráter de conhecimento, a maldade um caráter de ignorância, portanto um vício; b) sendo assim, a maldade é involuntária, uma vez que é fruto da ignorância, do não saber o que é verdadeiro e certo. O que Sócrates fez foi reestruturar o conceito de virtude que, antes, estava em diversas coisas e ele resume a apenas uma: o conhecimento. Desta forma Sócrates impõe para o homem o caminho da felicidade e da liberdade que passa a ser o domínio da razão, o caminho interior da auto-reflexão, como forma de controle de uma parte animal do homem, sua irracionalidade. A razão deve ter o domínio sobre nossos instintos: o antigo herói dominava os monstros externos, o novo herói deve dominar os inimigos interiores. Este conceito vai ser chamado em grego de “autarquia”, a “autonomia”, o domínio sobre si mesmo. Nesse sentido se redefine também o conceito de felicidade que passa a ser uma “eudaimonia”, originalmente, um demônio interno, uma espécie de guardião bom de nosso equilíbrio interior.

A acusação pública contra Sócrates A atuação política de Sócrates acabou por confrontá-lo com forças sociopolíticas fortes e que viam em seu discurso uma ameaça a seu poder. Primeiro os sofistas e sua prática educativa e segundo as demós ricas que usufruíam das benesses trazidas pela retórica para dominar a assembléia ateniense com discursos ilusórios e demagógicos. Como parar um homem daqueles, um herói de guerra, considerado o mais sábio de todos? Os sofistas e os comerciantes ricos tramaram um plano para calar Sócrates: o acusam publicamente por dois graves crimes: a) não acreditar nos deuses gregos; b) corromper a juventude. A primeira acusação imputava a Sócrates a introdução de deuses de fora da Grécia em Atenas. Os acusadores (Meleto, Anyto e Lycon) apontavam no “daimon” socrático, na alma que sobrevive ao corpo, uma referência aos cultos órficos egípcios, o que seria uma interferência na religião pública grega, na qual somente os seres Olímpicos (os deuses) eram imortais. Já a segunda acusação pesava sobre Sócrates o fato de desviar os jovens das assembléias, onde o destino da cidade era decidido, para seus banquetes e simpósios onde, por dias, ficavam a beber e conversar sobre estes deuses de fora da cidade. Apesar de poder ter escolhido o exílio ou o ostracismo, duas penas que o tribunal aceitaria, Sócrates preferiu enfrentar o júri e acabou condenado à morte. O veneno, cicuta, que foi obrigado a tomar meses depois, provocou uma morte lenta, diante de seus amigos e discípulos. Suas últimas palavras foram: “Devo um galo a Esculápio”, numa referência a uma dívida para com os profissionais da saúde. Um de seus discípulos, o jovem Arístocles, com 28 anos de idade, a cerca de dez anos seguindo e ouvindo Sócrates, vai se tornar seu maior propagador e vai entrar para a história com um apelido, dado depois de uma experiência fracassada em outra cidade, Platão.

A missão política de Platão A morte de Sócrates provocou em Arístocles uma total desaprovação das práticas sofistas – seu modelo educacional e seu método retórico – e também à democracia como modelo político de cidadania. Este jovem ateniense, filho da aristocracia da cidade, seu pai era da família de Codros, o último dos basileus (rei) e sua mãe era da família de Sólon, um dos grandes legisladores, era naturalmente avesso à democracia – um modelo político que colocava no poder pessoas sem a capacidade necessária para gerir um Estado. O jovem seguidor de Sócrates, desiludido com Atenas deixa a cidade e migra para Siracusa onde, por sugestão do amigo Dion, vai ser professor do rei Dionísio I. É a primeira tentativa de transformar um rei em um filósofo para com isso melhorar a política, os negócios públicos. Mas a experiência não funciona e, talvez por desentendimentos com o rei, Arístocles é despedido – ou seja, é vendido como escravo e passa a viver acorrentado à remos em um barco, provavelmente espartano, uma vez que foi resgatado pelo amigo Anicérides de Cirene, em Egina. Desta amarga passagem recebe o apelido que vai acompanhá-lo pelo resto da vida e com o qual se torna famoso: Platão, o que tem os ombros largos, relacionado ao seu vigor físico. De volta a Atenas Platão inicia seu grande projeto educacional e político, imortalizando em uma vasta obra não somente seu mestre Sócrates, mas também um sistema filosófico poderoso que vai perpassar a história da humanidade influenciando o pensamento em diversos períodos. Em um prédio que tem nos jardins uma estátua dedicada a um herói ateniense, Academos, Platão monta sua escola filosófica. Devido à estátua em seu jardim a escola passa a se chamar Academia e reúne o que há de melhor em relação a alunos, uma vez que exige certos conhecimentos para fazer parte do corpo discente.

A Academia filosófica de Platão

A Academia exigia que para ser admitido, o aluno deveria conhecer Geometria FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

23


A Academia ganhou fama rápido e é quase certo que a obra que divulgou seus ensinamentos foi o diálogo Menon, no qual Sócrates aparece conversando com o escravo e através de seu método (perguntas e respostas) faz com que ele demonstre o Teorema de Pitágoras. Platão dirigiu pessoalmente a Academia entre 360 a C e 347 a. C , quando morreu e deixou uma vasta obra que totaliza 36 diálogos agrupados em nove tetralogias, ou seja, nove conjuntos de quatro diálogos. Os comentadores separam Platão em fases distintas porque, ao que parece, de início ele trata das questões ético -políticas, partindo do ponto onde Sócrates havia deixado seus ensinamentos. Depois Platão sente a necessidade de recuperar os temas centrais da phýsis, voltando-se para a investigação onto-cosmológica, onde vai iniciar uma nova abordagem, chamada por ele de “segunda navegação”, que o leva ao mundo “supra-sensível”. O próprio Platão separou suas obras em dois tipos: uma aberta para o público em geral, normalmente em linguagem simples, cheia de metáforas, onde tenta explicar principalmente sua conduta ética, suas idéias políticas e como os homens poderiam fazer para ter uma vida feliz vivendo em comunidade. O segundo tipo de ensinamentos ficou restrito aos alunos da Academia e são chamados por isso de “doutrinas não escritas”, porque segundo o filósofo, estavam voltadas para um aprofundamento ao qual nem todos estariam ainda preparados.

As obras que imortalizaram Sócrates Os diálogos platônicos seguem uma mesma metodologia, ou seja, apresenta um Sócrates conversando com um interlocutor que é conduzido à conclusões que vão aparecendo em sua alma fruto do diálogo. Este Sócrates que aparece, portanto, é muito mais um personagem que Platão cria para embasar suas idéias, do que o homem histórico, aquele que viveu e morreu em Atenas. Na verdade o Sócrates que aparece nos diálogos é o próprio Platão colocando seu sistema filosófico. Importante notar ainda que há nos diálogos uma recuperação da linguagem mitológica, agora não mais como recurso epistemológico (do conhecimento) e sim como recurso literário, metafórico, para ilustrar idéias abstratas que prescindem de uma descrição concreta. Importante também separar três tipos de condutas distintas sobre Platão: a) o primeiro é o homem Platão, Arístocles, o homem histórico que é aristocrata, que é contra a democracia, que tem valores tradicionais, que abre uma escola em Atenas, que cobra uma recompensa pecuniária pelo ensino – agindo assim como um sofista – porém voltado para um objetivo maior do que o imediatismo da política na ágora, e sim uma filosofia voltada para a vida, o conhecimento; b) o Platão dos diálogos, que defende uma educação pública, que tem um projeto de Estado, que implanta uma doutrina metafísico-gnosiológica criando um Mundo das Idéias; c) e um terceiro Platão, já cristanizado pelos neoplatônicos, em especial Agostinho, que tem seu sistema utilizado como temática religiosa.

A construção da Cidade Bela A grande obra platônica parece ser mesmo a Politéia, ou Kalipolis, a Cidade Bela, contida no diálogo A República. É por ela que se justificam todos os enunciados das teorias platônicas. Trata-se de um conjunto de 10 livros, reunidos sob a forma de um diálogo no qual a questão central é o problema da justiça, e o que seria uma cidade justa. Em nome da definição de justiça, Sócrates – o personagem principal do diálogo – constrói um modelo de cidade onde cada pessoa exerce uma função de acordo com um tipo de educação que recebeu e que está relacionada com o tipo de alma que a pessoa possui. Portanto é aqui que se juntam as teorias socráticas sobre a virtude e as idéias platônicas sobre política. Para entendermos Platão é necessário lembrar: a) a filosofia aparece como um tipo de conhecimento que dá conta do todo, a razão por trás das coisas; b) a redução do homem ao o que é a sua alma e a identificação do indivíduo com o cidadão; c) a polis como única forma possível da vida em sociedade. O nascimento da polis se dá porque o homem não é auto-suficiente, ou seja, ele depende de outros homens para sobreviver. São pelo menos três necessidades básicas: 1) aquelas ligadas à materialidade da vida, objetos do uso cotidiano que vão da alimentação ao vestuário, dos artigos para o corpo aos artigos para casa; 2) segurança de todos; 3) administração daquilo que é comum. A conclusão a que se chega é a de que a cidade precisa de três tipos de homens: a) os produtores: artesãos, lavradores e comerciantes; b) os guardas; c) os governantes. Os primeiros tem uma espécie de alma concupiscente (epithymetikón), prática, sensual, que usam os sentidos para se guiar, desenvolvem a técnica através da repetição. São também os mais simples que devem ser educados para obedecer aos governantes, não deixarem seus desejos conduzirem sua razão e, por sua própria característica, são aqueles que formarão famílias, terão bens próprios. Já os guardas necessitam de uma educação especial, porque são dotados de um tipo de alma irascível (thymoeideskón), cuja a metáfora escolhida por Platão é a do cão de raça, dotados de mansidão e ferocidade, a fortaleza e a coragem da cidade, estando vigilante quanto a segurança de todos, procurando evitar também que os primeiros não exagerem em seus desejos gerando com isso a cobiça e a inveja, exercendo então uma função mediadora dos conflitos entre os de alma concupiscente. Estes terão uma educação ginástico-musical como preparação do corpo. Viverão em uma comunidade, sem bens próprios. Por último os governantes, que são os que amam mais a cidade do que todos, uma vez que foram preparados durante a vida para apreender o Bem, porque neles predomina uma alma racional (loghistikón) e sua virtude é a sabedoria. Para estes a educação é filosófica até que haja uma identificação entre o filósofo e o político, durante 50 anos de aprendizagem. Portanto a Cidade Bela, a cidade ideal, é aquela que onde há uma predominância da temperança dos produtores, da coragem dos guardas e da sabedoria dos governantes. A justiça é quando, na cidade, se estabelece esta relação com cada indivíduo exercendo uma função de acordo com a alma que possui e o tipo de educação que recebeu.

24

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


Os graus do conhecimento O que explica toda a filosofia platônica são as chamadas “realidades supra-sensíveis” com as quais funda seu Mundo das Idéias e que dá origem à sua Metafísica. Platão estabelece o princípio da realidade física em entes não-físicos, cuja existência explica o mundo como nós estamos acostumados a sentir. Para entender esta nova realidade supra-sensível é necessário abandonar o nosso modo de pensar e iniciar um novo modo ou, como escreve Platão, uma “segunda navegação”, aquela que entre os marinheiros significa “sem o vento”, com a força dos remos, usando o esforço da razão. O filme Matrix trabalha com duas realidades referindo-se Este esforço de raciocínio nos leva a constatar que existem aos mundos Iteligível e Sensível de Platão duas realidades distintas: uma que se apresenta aos sentidos, ilusória e uma outra, que só se apresenta à razão, esta sim verdadeira. Platão vai chamar o primeiro plano de realidade de Mundo Sensível e o outro, que atingimos com a razão, de Mundo Inteligível. O primeiro é percebido pelo corpo, através dos sentidos e mostra um constante fluxo de movimento aparente, no qual as coisas mudam incessantemente. Já o segundo é percebido pela alma, através da razão, que fixa sua essência, que mostra o que há por trás da mudança constante. Neste Mundo Inteligível encontram-se as Idéias, ou a realidade em si, perfeita. Para explicitá-las Platão imagina um lugar acima do céu, um Hiperurânio, onde estas idéias (eidos = forma) se encontram incorruptíveis, modelos das coisas existentes no Mundo Sensível. Neste Mundo das Idéias existe uma hierarquia que coloca a Idéia de Bem acima de todas as outras, para onde parece convergir todas as demais. Bem aqui é o sentido de perfeição, absoluto, universal. Para explicar a passagem do Mundo das Idéias para o Mundo Sensível, Platão imagina uma espécie de arquiteto-divino que ele chamou de Demiurgos que vai ser o responsável por pegar a matéria disforme e colocá-la na forma das coisas, dando-lhe a Idéia do que venha a ser. Este Demiurgos cria, portanto, as coisas à partir deste modelo forjado pela Idéia. O que ele parece querer dizer é que existe uma Inteligência por trás da natureza e que dá a ela um sentido lógico que pode ser entendido pela alma, pela razão humana que participa desta Inteligência.

A Alegoria da Caverna

Platão vai explicar agora como o homem pode ter acesso a este Mundo das Idéias e tirar dele a realidade das coisas, apreendendo o que está para além da aparência física que os objetos possuem. Para Platão conhecimento é anamnese, ou seja, uma lembrança, do que já existe no interior da alma. Esta tese remonta ainda às influências orficas-pitagórica que estipulam uma dualidade corpo e alma, sendo a alma uma parte imortal do homem e que transmigra passando por uma realidade que é meta-física, fora do mundo físico. Pois Platão associa esta alma, este logos, esta razão não material ao Mundo Inteligível, pois é a alma quem tem acesso às Idéias, aos modelos das coisas, podendo com isso estabelecer suas relações íntimas, desde que possamos lembrar o que já está dentro de nós. O exercício da maiêutica socrática está ligado a isso e é através do diálogo que podemos exercitar nossa alma a buscar em seu interior o conhecimento que já possui e que pode ser lembrado caso a razão seja a condutora da investigação que se queira fazer. Os sentidos do corpo nos mostram as imperfeições, o movimento, somente a razão mostra o que está por trás do movimento das coisas. Esta reminiscência é uma espécie de impressão das Idéias que estão na alma que podem ser recordadas. Platão estipula uma espécie de caminho, ou escada que nos leva ao conhecimento da Idéia principal que é a do Bem. Ela começa com o degrau mais baixo, portanto mais próximo dos sentidos, a pistis, que representa a nossa crença, nossa fé, uma interpretação animística do mundo e da phýsis que vê na natureza algo que lhe é exterior, sobre-natural; depois vem a doxa, a opinião, a avaliação das coisas através dos sentidos atribuindo à natureza um caráter opinativo que é volúvel e não consensual; em um terceiro degrau vem a techné, uma espécie de conhecimento técnico, artístico, fruto da repetição, da observação, uma arte que conduz o homem nos artefatos, nas construções físicas; depois a epistemé, a ciência, quando já existe uma linguagem mais abstrata, um indício de teoria que leva à Idéia das coisas que pode ser atingida por fim com a Sofia, a sabedoria, que conhece o Bem, a perfeição. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

25


Para representar estes degraus do conhecimento Platão cria a chamada Alegoria da Caverna, contada no Livro VII de A República. Os homens nascem presos, acorrentados, em uma caverna, voltados para o fundo. Lá estão projetadas sombras de objetos que estão do lado de fora da caverna. Como só tem acesso a essas sombras, os homens acreditam que a realidade é daquela forma e não conseguem se entender sobre o que são aquelas sombras com cada um dizendo ser algo diferente. Um dos homens consegue se libertar desta prisão e escapa para fora da caverna onde se depara com uma luz brilhante de um sol que ilumina os objetos reais. Somente agora consegue entender o que são as sombras dentro da caverna porque está vendo o que está por trás dela, sua origem. Sua missão agora é voltar para dentro da caverna e libertar os demais homens para que enxerguem a verdade que está lá fora. Para Platão Sócrates foi o primeiro a se libertar da caverna e quando mostrou a verdade para os atenienses a luz acabou cegando as pessoas que não enxergaram os objetos reais por estarem acostumados à escuridão da caverna. Por isso condenaram Sócrates. A simbologia da alegoria é simples: a) esta alegoria representa todo os passos dos degraus do conhecimento que vai de dentro da caverna (pistis) até fora dela (Sofia) quando se entra em contato com as Idéias; portanto mostra a divisão em duas realidades , uma sensível, dentro da caverna e a outra, supra-sensível, fora dela; b) representa também uma opção entre libertar-se das aparências, das sombras daquilo que a vida parece ser e abandonando um modo de vida anterior, aceitar um novo modo onde o conta é a essência das coisas, aquilo que só pode ser vista com a alma e não com os sentidos; c) por fim representa o aspecto político e ético da filosofia platônica que vê na filosofia uma missão e libertação dos homens de uma certa realidade ilusória vivida coletivamente. Esta metáfora é recorrente em livros e filmes como “Matrix” e “Ensaio sobre a cegueira” ou em séries como “Arquivo X”.

Aristóteles, o filósofo macedônio A Academia de Platão teve um aluno ilustre e brilhante, um meteco, estrangeiro em Atenas, filho de um médico da Macedônia, cuja obra iria se equivaler a de seu mestre. Este aluno é Aristóteles, o segundo grande sistematizador do mundo antigo. Para entendermos bem seu pensamento é necessário destacar sua origem macedônia, uma vez que foram estes que conquistaram os gregos em sua derrocada final em 338 a. C . Aristóteles não conheceu pessoalmente Sócrates, nasceu em 384 a C em Estagira – daí muitas vezes ser identificado como o Estagirita – em uma família aristocrática macedônia, filho de Nicômaco, médico do Rei Amintas II, que é pai de Filipe II – que vai conquistar os gregos – e que é pai de Alexandre, o Grande. Há com este grande pensador uma forte relação com os mais importantes homens de seu tempo. Aos 18 anos é mandado para Atenas onde é aceito na Academia de Platão. O próprio Platão não estava durante a sua chegada, pois passava uma temporada em Siracusa, onde um outro rei governava a cidade. Aristóteles estudou na Academia até a morte de Aristóteles é reconhecido por todos como um dos maiores sistematizadores do conhecimento ocidental Platão em 347 a.C. Por uma questão interna é Espeusipo, sobrinho de Platão, quem vai sucedê-lo e por isso Aristóteles deixa a Academia e volta para a Macedônia onde, a pedido de Filipe II, vai educar o jovem Alexandre. Os dois devem manter relações por pelo menos oito a 10 anos, o suficiente para Alexandre ter sempre gratidão para com o mestre. Filipe II conquista a Grécia na famosa Batalha de Queronéia. Vai gerir o mundo grego por dois anos até 336 a. C quando é assassinado. Alexandre é declarado rei e parte em suas viagens de conquistas. Aristóteles volta para Atenas e aluga um prédio em cujo jardim há uma estátua dedicada a Apolo Líceo – uma das inúmeras formas de Apolo – e por isso sua escola vai se chamar Liceu. A escola de Aristóteles vai ficar famosa por diversos motivos, dentre eles o fato de ter um Zoológico e um Jardim Botânico – há uma vasta obra aristotélica dedicada a “parva naturallia” – uma grande biblioteca com mapas e constituições de diversas cidades – tudo mandado por Alexandre das cidades por onde ia passando. A escola ficou conhecida também pelo modo como Aristóteles dava aulas, andando com seus alunos por entre os pátios, daí “peripatéticos” – os que andam em torno do pátio.

A Cosmologia aristotélica Boa parte da obra aristotélica foi preservada e organizada por Andrônico de Rodes, recuperada depois pelos árabes e por fim traduzida pelos padres cristãos no século XIII. Teve enorme influência por mais de dois mil anos e ainda hoje é citada por inúmeros autores servindo de base para explicações contemporâneas. A Cosmologia aristotélica, por exemplo, vai sustentar o mundo até Copérnico e Kepler, mostrando com isso um sucesso de um sistema que foi utilizado para a construção de calendários, explicação dos movimentos dos astros no céu, eclipses, marés e uma física que vai ser superada por Galileu e Newton somente no século XVII. O ponto de partida de Aristóteles é a aquisição do conhecimento pelos sentidos e sua posterior organização lógica através da razão. Portanto ao olhar o céu, percebia que os astros giravam em torno da Terra,

26

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

O cosmos geocêntrico de Aristóteles e as estrelas decretando a finitude do universo


significando que ela deveria estar no centro do sistema, parada, sendo circundada por estrelas, planetas, o Sol e a Lua. Junto com os demais elementos (Água, Ar e Fogo) a Terra é envolvida em sete círculos perfeitos, espécies de esferas celestes, sendo o primeiro que sustenta a Lua, o segundo o Sol, do terceiro ao sexto os planetas conhecidos à época, e por último as estrelas. Os astros fazem um movimento circular perfeito em torno da Terra e por isso são vistos por nós à noite, durante o dia estão em baixo, escondidos, até completarem a volta, exceção o Sol, a Lua e alguns planetas que, devido à epiciclos, fazem o chamado movimento retrógrado no céu. Este modelo, chamado de geocêntrico, vai ser mais tarde aprimorado por Ptolomeu para explicar melhor o movimento dos planetas. Aristóteles dividia este Cosmo em duas regiões a partir da Lua, chamando a parte de baixo de Região Sub Lunar e acima Região Supra Lunar. Na Região Sub Lunar estão os quatro elementos – Terra, Água, Ar e Fogo – que compõem os objetos que existem fisicamente e que só têm um tipo de movimento, chamado de retilíneo que pode ser para cima ou para baixo. Na Região Supra Lunar estão a Lua, o Sol os Planetas e as Estrelas (lembrando que o Sol não era considerado uma estrela), todos feitos de um único elementos chamado Éter, cuja a característica é o movimento circular. Portanto, neste Cosmo eterno no tempo e finito no espaço (as estrelas são a última fronteira), cada elemento possui o seu lugar natural, onde pode exercer seu movimento de locomoção.

A Física de Aristóteles Neste Cosmos Aristóteles compõe uma Física que explica os movimentos não somente dos astros, mas também na phýsis dando um caráter lógico e sistemático à ciência. Com seu conceito de kinésis (movimento) Aristóteles propõe uma divisão entre Ser e Phýsis com relação ao movimento, com o Ser sendo ou gerado (nascimento, criação) ou corrompido (morte, destruição). Na Phýsis pode ser de três tipos: quantitativo (aumento e diminuição), qualitativo (mudança de qualidade, modo); locomoção (movimento físico) que pode ser de três tipos: circular (astros feitos de Éter), retilíneo (para baixo Terra e Água; para cima Ar e Fogo), e violento (quando um agente externo tira um dos elementos de seu lugar natural). Para que haja movimento são necessários um paciente e um agente que lhe imprime uma força através de um contato físico. Diante disso, a esfera das estrelas toca na esfera dos planetas e esta se movimenta e ao tocar na esfera do Sol, este se movimenta e ao tocar na esfera da Lua esta se movimenta, como não há contato físico entre a lua e a terra, esta fica parada. Para explicar o movimento da esfera das estrelas Aristóteles propõe uma força meta-física, fora da Phýsis, que ele chamou de Proto-Kinon (Primeiro Motor) que é quem imprime força, por contato físico, às estrelas dando movimento a todo o sistema. Por uma questão de lógica, o Primeiro Motor deve ser imóvel (se não uma série infinita de motores teria de ser pensada, com um dando movimento ao outro). Então é um primeiro-motor imóvel que dá movimento à esfera das estrelas e estas colocam em movimento o restante do sistema.

As quatro causas Apesar de ter estudado com Platão, Aristóteles não aceita o Mundo das Idéias e nem despreza dos sentidos como parte importante no processo do conhecimento. Para explicar a realidade última das coisas, Aristóteles escreve a sua obra mais completa e conhecida que vai ser catalogada por Andrônico depois das obras que tratam da Física, portanto Meta-física – para além da física. Esta classificação acabou se tornando um conceito filosófico, significando realidades que estão de fato, para além do mundo físico, da materialidade das coisas. Em Aristóteles representa uma série de conceitos que explicam o Mundo Físico e suas relações. O primeiro deles é chamado de “Quatro Causas” que vai dar origem ao conceito de “causalidade”. Para Aristóteles todas as coisas tem quatro causas: 1) causa material – do que é feita esta coisa, como ela se materializa; 2) causa formal – como a coisa é feita, o modo como assume, a forma que tem; 3) causa eficiente (ou motora) – quem fez, ou seja, quem deu na matéria a forma que ela, o agente que transformou a matéria naquilo que ela é; 4) causa final – para que serve, qual a finalidade desta coisa. Daí também o conceito de teleologia, uma vez que para Aristóteles tudo tende a um fim, ou seja, a uma finalidade ou função. Na verdade é Aristóteles tentando dar uma respostas aos Físicos, atestando que a arché, o princípio das coisas, antes de ser material, pressupunha um conceito que envolvem quatro causas, ou princípios gerais de todas as coisas.

Substância e Acidente Sendo assim as coisas podem ser definidas por aquilo que lhes é substancial, necessário ou por aquilo que lhes é acidental, contingencial. Para Aristóteles há dois modos de explicar as coisas e que contrapunham Heráclito e Parmênides. O primeiro modo é se prender ao aspecto do objeto que Aristóteles ensinando Alexandre, o Grande gravura de Charles Laplante muda, ou seja sua aparência, seus acidentes, suas contingências. O segundo é se prender ao que permanece, ao que de fato torna as coisas o que são. Aristóteles chama o primeiro modo de substância (necessário) (ousia), aquilo sem o qual a coisa não existe; e o segundo modo ele chama de acidente (contingência), e que não muda sua essência, sua substância, podendo ou não acontecer – acaso. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

27


Ato e Potência Há também dois modos de existência das coisas que podem estar em Ato ou em Potência. Ato (enteléquia), ou também chamada de forma – é a existência da realidade, mas não do mesmo modo que dizemos que uma coisa existe potencialmente, ou seja, como possibilidade. O Ato é ação é o estar existindo agora, neste momento, atual. O que Aristóteles propõe é que além deste modo existente, há também um outro que existe enquanto possibilidade. Se nos referirmos especificamente, poderíamos entender que Aristóteles se refere a forma como Ato e a matéria como Potencia. Isso significa que na matéria, em geral, existem todas as possibilidades de existência e naquele ser existente em Ato todas as outras possibilidades foram descartadas. Para que a Potência se efetive ela precisa de um agente externo que viabilize sua existência em Ato, para atue na matéria para que ela ganhe sua forma e seja atualizada. Há portanto uma anterioridade da Potência sobre o Ato. Nesse sentido a existência para Aristóteles só é possível com três elementos: a matéria (potência) e a forma (ato e privação). Para que algo exista é necessário uma matéria pré-existente (hipokimenon) a privação da forma – uma falta de definição; e a forma (ousia, substância) aquilo que define o existente. A privação da forma é um recurso lógico que sugere a multiplicidade de existentes, ou seja, o que me faz diferente dos outros existentes – ou não-ter a forma de outro. Aristóteles nega Platão, portanto, ao não admitir a possibilidade de um existente separado da matéria (como é a Idéia platônica).

O “organon” e o silogismo A lógica aristotélica, também chamada de clássica está nos Analíticos (analysis = resolução) que fazem parte do Ornagon (instrumento), obra que trata do que ele mesmo chamou de silogismo. Se os sofistas trouxeram a retórica como método para se atingir a verdade das coisas; se Sócrates e Platão defenderam o diálogo; agora Aristóteles coloca no silogismo esta possibilidade de conhecimento: um exercício de reflexão que pode conduzir uma forma válida de pensamento. A validade do pensamento vai se dar por três princípios básicos chamado de trilema aristotélico: a) princípio de identidade A = A; b) princípio de não-contradição; c) princípio do terceiro-excluído A ou B.

O silogismo é assim estruturado: Todo homem é mortal (premissa maior) homem é o sujeito lógico, e fica antes do verbo ; representa a ação , isto é, o verbo que exprime a relação entre sujeito e predicado; mortal é o predicado lógico, e fica após o verbo. Sócrates é homem (premissa menor) Logo, Sócrates é mortal (conclusão). Para Kant, silogismo (Juízo analítico) é todo juízo estabelecido através de uma característica mediata. Dito de outra forma: silogismo é a comparação de uma característica de uma coisa com outra, por meio de uma característica intermediária. E essas premissas estão dentro da crítica lógica, percebida pelo grande Aristóteles.

Tábua de oposições A tábua de oposições, também chamado quadrado lógico ou quadrado dos opostos, tem origem na Idade Média, provavelmente entre os árabes, mas geralmente se aceita que Boécio lhe deu a forma final. Trata-se de um artifício didático (escolástico) que indica as relações lógicas fundamentais. Assim, temos o seguinte esquema de premissas: A - universal afirmativa e singular afirmativa (Todo homem é mortal; Este homem é mortal) E - universal negativa e singular negativa (Nenhum homem é mortal; Este homem não é mortal) I - particular afirmativa (Algum homem é mortal) O - particular negativa (Algum homem não é mortal) Exemplo de tábua de oposição: Todo ser vivo é mortal Contrária: Nenhum ser vivo é mortal Subalterna: Algum ser vivo é mortal Contraditória: Algum ser vivo não é mortal Leis de oposição[editar | editar código-fonte] As leis de oposição regem as relações entre as premissas. Contraditoriedade: se um modo é verdadeiro, o outro é falso; Contrariedade: ocorre apenas nos modos A e E. As premissas contrárias entre si não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo, mas podem ser falsas ao mesmo tempo;Pois, se assim forem,a particular afirmativa será falsa por ser a contraditória da universal negativa e verdadeira, por ser a conversão da universal afirmativa. Subcontrariedade: as premissas não podem ser falsas ao mesmo tempo, mas podem ser verdadeiras ao mesmo tempo.Pois se assim forem,as contrárias de quem elas são contraditórias serão simultaneamente verdadeiras, o que é um absurdo.

28

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


Aristóteles representa, assim, um avanço importante para a história da ciência. Além de ter fundado várias disciplinas científicas (como a taxionomia biológica, a cosmologia, a meteorologia, a dinâmica e a hidrostática), Aristóteles deu um passo mais na direcção da ciência tal como hoje a conhecemos: pela primeira vez encarou a observação da natureza de um ponto de vista mais sistemático. Ao passo que para Platão a verdadeira ciência se fazia na contemplação dos universais, descurando a observação da natureza que é fundamental na ciência, Aristóteles dava grande importância à observação. Aristóteles desenvolveu teorias engenhosas sobre muitas áreas da ciência e da filosofia. A própria filosofia da ciência foi pela primeira vez estudada com algum rigor por ele. Aristóteles achava que havia vários tipos de explicações, que correspondiam a vários tipos de causas. Um desses tipos de causas e de explicações era fundamental, segundo Aristóteles: a explicação teleológica ou finalista. Para Aristóteles, todas as coisas tendiam naturalmente para um fim (a palavra portuguesa «teleologia» deriva da palavra grega para fim: telos), e era esta concepção teleológica da realidade que explicava a natureza de todos os seres. Esta concepção da ciência como algo que teria de ser fundamentalmente teleológica iria perdurar durante muitos séculos, e constituir até um obstáculo importante ao desenvolvimento da ciência. Ainda hoje muitas pessoas pensam que a ciência contemporânea descreve o modo como os fenómenos da natureza ocorrem, mas que não explica o porquê desses fenómenos; isto é uma ideia errada, que resulta ainda da ideia aristotélica de que só as explicações finalistas são verdadeiras explicações. Devido a um conjunto de fatores, a Grécia não voltou a ter pensadores com a dimensão de Platão e Aristóteles. Mesmo assim apareceram ainda, no séc. III a. C., alguns contributos para a ciência, tais como os Elementos de Geometria de Euclides, as descobertas de Arquimedes na Física e, já no séc. II, Ptolomeu na astronomia.

AVALIE SEU CONHECIMENTO 01. A respeito das diferentes concepções de ciência e verdade em Platão e Aristóteles, assinale a alternativa falsa: (A) Aristóteles considerou a lógica como uma disciplina de preparação (propedêutica) para o melhor desenvolvimento das ciências. (B) O único ponto de continuidade entre o pensamento platônico e o aristotélico acerca do conhecimento era que ambos consideravam os sentidos como a fonte de toda a confusão (que conduzem à doxa - opinião).

(C) À diferença de Platão, para quem a dialética era o único método válido, Aristóteles distinguia a dialética da analítica. Para ele, a dialética só comprova as opiniões por sua consistência lógica, ao passo que a analítica trabalha de forma dedutiva, a partir de princípios que se apoiam sobre uma observação precisa. (D ) No Órganon, Aristóteles expõe um método positivo para a ciência, que permite considerá-la um saber demonstrável: só se pode chamar de ciência aquilo que é metódico e sistemático, ou seja, lógico (E) No conjunto de obras que formam o Órganon aparecem primeiramente “Categorias”, a seguir “Sobre a interpretação”, “Analíticos” (Primeiros e Segundos), “Tópicos” e finalmente “Elencos sofísticos”.

02. Segundo a teoria dos silogismos, há quatro tipos de proposições categóricas, que diferem em qualidade e em quantidade, são elas: A, E, I e O. Assinale a alternativa falsa: (A) I é subalterna de A. (B) O é subalterna de E. (C) I e O são subcontrárias. (D) A e E são proposições complementares. (E) A e O, e I e E são proposições contraditórias.

03. Platão lançou mão tanto da ironia quanto da maiêutica socráticas, transformando-as em um procedimento por ele denominado de dialética, o método mais profícuo de aproximação em direção às ideias universais. Na versão platônica, esse método consiste em: (A) trabalhar expondo e examinado teses contrárias sobre um mesmo assunto, com o intuito de descobrir qual dentre elas era falsa e deveria portanto ser abandonada em prol da tese verdadeira, que deveria ser mantida.

(B) examinar detidamente as raízes socioeconômicas nas quais as ideias tiveram origem, isto é, trata-se de descobrir as leis fundamentais que definem a forma organizativa dos homens em sociedade para, assim, identificar as teses verdadeiras.

(C) dialogar longamente utilizando técnicas de persuasão ou convencimento - retóricas - com o objetivo de convencer a audiência da veracidade dos argumentos.

(D) estimular o processo de proliferação de ideias férteis através do mecanismo tese (primeira afirmação sobre o ser) - antítese (a negação da afirmação precedente) - síntese (a negação da negação, momento no qual tese e antítese aparecem reformuladas).

(E) defender que a prática da atividade filosófica não pode prescindir da prática do diálogo e que somente através dele seria possível entender a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação.?

04. Segundo Platão, quatro formas ou graus de conhecimento poderiam ser identificados e distinguidos. Assinale a alternativa onde as quatro formas aparecem hierarquicamente ordenadas. (A) opinião, intuição intelectual ,crença e raciocínio. (B) intuição, crença, opinião justificada e raciocínio. (C) crença, opinião, raciocínio e intuição intelectual. (D) crença, crença justificada, raciocínio primitivo e raciocínio fundamentado. (E) crença, opinião justificada, raciocínio e argumento.

05. A primeira classificação geral das ciências foi realizada por Aristóteles, que as dividiu hierarquicamente em três grupos. Assinale a alternativa que ordena corretamente os tipos, obedecendo ao critério da superioridade-inferioridade: (A) teoréticas (ou contemplativas), aplicadas (relativas à aplicação prática) e lógicas (relativas às regras do correto raciocínio). (B) teoréticas puras (ou naturais), teoréticas aplicadas (ou sociais) e páticas (ou da ação humana). (C) lógicas (relativas às regras do correto raciocínio), teoréticas (ou contemplativas) e práticas (ou da ação humana). (D) teoréticas (ou contemplativas), práticas (ou da ação humana) e produtivas (ou relativas à fabricação e às técnicas). (E) lógicas (relativas às regras do correto raciocínio), teoréticas (ou contemplativas) e instrumentais (relativas à fabricação de instrumentos). FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

29


EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 06. (UEL 2012) Leia o texto a seguir. No ethos (ética), está presente a razão profunda da physis (natureza) que se manifesta no finalismo do bem. Por outro lado, ele rompe a sucessão do mesmo que caracteriza a physis como domínio da necessidade, com o advento do diferente no espaço da liberdade aberto pela práxis. Embora, enquanto autodeterminação da práxis, o ethosse eleve sobre a physis, ele reinstaura, de alguma maneira, a necessidade de a natureza fixar-se na constância do hábito. (Adaptado de: VAZ, Henrique C. Lima. Escritos de Filosofia II. Ética e Cultura. 3ª edição. São Paulo: Loyola. Coleção Filosofia – 8, 2000, p.11-12.)

Com base no texto, é correto afirmar que a noção de physis, tal como empregada por Aristóteles, compreende:

(A) A disposição da ação humana, que ordena a natureza. (B) A finalidade ordenadora, que é inerente à própria natureza. (C) A ordem da natureza, que determina o hábito das ações humanas. (D) A origem da virtude articulada, segundo a necessidade da natureza. (E) A razão matemática, que assegura ordem à natureza.

07. (UFPA 2012) Tendemos a concordar que a distribuição isonômica do que cabe a cada um no estado de direito é o que permite, do ponto de vista formal e legal, dar estabilidade às várias modalidades de organizações instituídas no interior de uma sociedade. Isso leva Aristóteles a afirmar que a justiça é “uma virtude completa, porém não em absoluto e sim em relação ao nosso próximo” ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 332.

De acordo com essa caracterização, é correto dizer que a função própria e universal atribuída à justiça, no estado de direito, é

(A) conceber e aplicar, de forma incondicional, ideias racionais com poder normativo positivo e irrestrito. (B) instituir um ideal de liberdade moral que não existiria se não fossem os mecanismos contidos nos sistemas jurídicos. (C) determinar, para as relações sociais, critérios legais tão universais e independentes que possam valer por si mesmos. (D) promover, por meio de leis gerais, a reciprocidade entre as necessidades do Estado e as de cada cidadão individualmente. (E) estabelecer a regência na relação mútua entre os homens, na medida em que isso seja possível por meio de leis.

08. (UFU 2012) Em primeiro lugar, é claro que, com a expressão “ser segundo a potência e o ato”, indicam-se dois modos de ser muito diferentes e, em certo sentido, opostos. Aristóteles, de fato, chama o ser da potência até mesmo de não-ser, no sentido de que, com relação ao ser-em-ato, o ser-em-potência é não-ser-em-ato. REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. Vol. II. Trad. de Henrique Cláudio de Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1994, p. 349.

A partir da leitura do trecho acima e em conformidade com a Teoria do Ato e Potência de Aristóteles, assinale a alternativa correta. (A) Para Aristóteles, ser-em-ato é o ser em sua capacidade de se transformar em algo diferente dele mesmo, como, por exemplo, o mármore (ser-em-ato) em relação à estátua (ser-em-potência).

(B) Segundo Aristóteles, a teoria do ato e potência explica o movimento percebido no mundo sensível. Tudo o que possui matéria possui potencialidade (capacidade de assumir ou receber uma forma diferente de si), que tende a se atualizar (assumindo ou recebendo aquela forma). (C) Para Aristóteles, a bem da verdade, existe apenas o ser-em-ato. Isto ocorre porque o movimento verificado no mundo material é apenas ilusório, e o que existe é sempre imutável e imóvel. (D) Segundo Aristóteles, o ato é próprio do mundo sensível (das coisas materiais) e a potência se encontra tão-somente no mundo inteligível, apreendido apenas com o intelecto.

09. (UENP 2011) As discussões iniciais sobre Lógica foram organizadas por Aristóteles no texto conhecido como “Organon”, onde o

filósofo sistematiza e problematiza algumas das afirmações que tinham sido feitas pelos pré-socráticos (Parmênides, Heráclito) e por Platão. Sobre a lógica aristotélica é incorreto afirmar: (A) Aristóteles considera que a dialética não é um procedimento seguro para o pensamento, tendo em vista posições contrárias de debatedores, e a escolha de uma opinião contra a outra não garante chegar à essência da coisa investigada, por isso sugere a substituição da dialética pela lógica. (B) Entre as principais diferenças que existem entre a lógica aristotélica e a dialética platônica estão: a primeira é um instrumento para o conhecer que antecede o exercício do pensamento e da linguagem; a segunda é um modo de conhecer e pressupõe a aplicação imediata do pensamento e da linguagem. (C) A lógica aristotélica é um instrumento para trabalhar os contrários, e as contradições para superá-los e chegar ao conhecimento da essência das coisas e da realidade. (D) A lógica aristotélica sistematiza alguns princípios e procedimentos que devem ser empregados nos raciocínios para a produção de conhecimentos universais e necessários. (E) Contemporaneamente não se pode considerar a lógica aristotélica como plenamente formal, tendo em vista que Aristóteles não afasta por completo os conteúdos pensados, para ficar com formas vazias (como se faz na lógica puramente formal). Embora tenha avançado no sentido da lógica formal, se comparada com a dialética platônica, que dependia absolutamente do conteúdo dos juízos.

10. (UNCISAL 2012) No contexto da Filosofia Clássica, Platão e Aristóteles possuem lugar de destaque. Suas concepções, que se

opõem, mas não se excluem, são amplamente estudadas e debatidas devido à influência que exerceram, e ainda exercem, sobre o pensamento ocidental. Todavia é necessário salientar que o produto dos seus pensamentos se insere em uma longa tradição filosófica que remonta a Parmênides e Heráclito e que influenciou, direta ou indiretamente, entre outros, os racionalistas, empiristas, Kant e Hegel. Observando o cerne da filosofia de Platão, assinale nas opções abaixo aquela que se identifica corretamente com suas concepções. (A) A dicotomia aristotélica (mundo sensível X mundo inteligível) se opõe radicalmente as concepções de caráter empírico defendidas por Platão.

(B) A filosofia platônica é marcada pelo materialismo e pragmatismo, afastando-se do misticismo e de conceitos transcendentais. (C) Segundo Platão a verdade é obtida a partir da observação das coisas, por meio da valorização do conhecimento sensível. (D) Para Platão, a realidade material e o conhecimento sensível são ilusórios. (E) As concepções platônicas negam veementemente a validade do Inatismo.

30

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


11. (UNISC 2012) Nos livros II e III, Platão, através de Sócrates, discute sobre as artes no contexto da educação dos guardiães. Já

no livro X, ele trata de vários tipos de práticas artísticas, que devem ser consideradas na cidade como um todo, não somente nas instituições pedagógicas. Nesse último livro, Sócrates é duro ao afirmar que a poesia (imitativa) deve ser inteiramente excluída da cidade (595a). Em que obra essa recusa de Sócrates está registrada? (A) No diálogo “Banquete”, de Platão, em que Sócrates trata dos diversos tipos de arte. (B) No diálogo “Teeteto”, de Platão, em que Sócrates e esse personagem discutem sobre a natureza da arte, especialmente da poesia. (C) No diálogo “Timeu”, de Platão, em que Sócrates discorre sobre o tema da arte, reportando-se à natureza da pintura e da poesia. (D) No diálogo “Político”, de Platão, em que Sócrates apresenta a arte da política aos cidadãos atenienses. (E) No diálogo “República”, de Platão, no qual Sócrates afirma que a poesia pode levar à corrupção do caráter humano.

12. (UEL 2011) Leia o texto a seguir. Para esclarecer o que seja a imitação, na relação entre poesia e o Ser, no Livro X de A República, Platão parte da hipótese das ideias, as quais designam a unidade na pluralidade, operada pelo pensamento. Ele toma como exemplo o carpinteiro que, por sua arte, cria uma mesa, tendo presente a ideia de mesa, como modelo. Entretanto, o que ele produz é a mesa e não a sua ideia. O poeta pertence à mesma categoria: cria um mundo de mera aparência. Com base no texto e nos conhecimentos sobre a teoria das ideias de Platão, é correto afirmar: (A) Deus é o criador último da ideia, e o artífice, enquanto co-participante da criação divina, alcança a verdadeira causa das coistas a partir do reflexo da ideia ou do simulacro que produz.

(B) A participação das coisas às ideias permite admitir as realidades sensíveis como as causas verdadeiras acessíveis à razão. (C) Os poetas são imitadores de simulacros e por intermédio da imitação não alcançam o conhecimento das ideias como verdadeiras causas de todas as coisas.

(D) As coisas belas se explicam por seus elementos físicos, como a cor e a figura, e na materialidade deles encontram sua verdade: a beleza em si e por si.

(E) A alma humana possui a mesma natureza das coisas sensíveis, razão pela qual se torna capaz de conhecê-las como tais na percepção de sua aparência.

13. (UENP 2011) Platão foi um dos filósofos que mais influenciaram a cultura ocidental. Para ele, a filosofia tem um fim prático e é capaz de resolver os grandes problemas da vida. Considera a alma humana prisioneira do corpo, vivendo como se fosse um peregrino em busca do caminho de casa. Para tanto, deveria transpor os limites do corpo e contemplar o inteligível. Assinale a alternativa correta. (A) A teoria das ideias não pode ser considerada uma chave de leitura aplicável a todo pensamento platônico. (B) Como Sócrates, Platão desenvolveu uma ética racionalista que desconsiderava a vontade como elemento fundamental entre os motivadores da ação. Ele acreditava que o conhecimento do bem era suficiente para motivar a conduta de acordo com essa ideia (agir bem).

(C) Platão propõe um modelo de organização política da sociedade que pode ser considerado estamental e antidemocrático. Para ele, o governo não deveria se pautar pelo princípio da maioria. As almas têm natureza diversa, de acordo com sua composição, isso faz com que os homens devam ser distribuídos de acordo com essa natureza, divididos em grupos encarregados do governo, do controle e do abastecimento da polis. (D) Platão chamava o conhecimento da verdade de doxa e o contrapõe a uma outra forma de conhecimento (inferior) denominada episteme. (E) Para Platão, a essência das coisas é dada a partir da análise de suas causas material e final.

14. (UEL 2011) Leia o texto a seguir. Platão, em A República, tem como objetivo principal investigar a natureza da justiça, inerente à alma, que, por sua vez, manifesta-se como protótipo do Estado ideal. Os fundamentos do pensamento ético-político de Platão decorrem de uma correlação estrutural com constituição tripartite da alma humana. Assim, concebe uma organização social ideal que permite assegurar a justiça. Com base neste contexto, o foco da crítica às narrativas poéticas, nos livros II e III, recai sobre a cidade e o tema fundamental da educação dos governantes. No Livro X, na perspectiva da defesa de seu projeto ético-político para a cidade fundamentada em um logos crítico e reflexivo que redimensiona o papel da poesia, o foco desta crítica se desloca para o indivíduo ressaltando a relação com a alma, compreendida em três partes separadas, segundo Platão: a racional, a apetitiva e a irascível. Com base no texto e na crítica de Platão ao caráter mimético das narrativas poéticas e sua relação com a alma humana, é correto afirmar: (A) A parte racional da alma humana, considerada superior e responsável pela capacidade de pensar, é elevada pela natureza mimética da poesia à contemplação do Bem.

(B) O uso da mímesis nas narrativas poéticas para controlar e dominar a parte irascível da alma é considerado excelente prática propedêutica na formação ética do cidadão.

(C) A poesia imitativa, reconhecida como fonte de racionalidade e sabedoria, deve ser incorporada ao Estado ideal que se pretende fundar. (D) O elemento mimético cultivado pela poesia é justamente aquele que estimula, na alma humana, os elementos irracionais: os instintos e as paixões.

(E) A reflexividade crítica presente nos elementos miméticos das narrativas poéticas permite ao indivíduo alcançar a visão das coisas como realmente são.

15. (UNCISAL 2011) Na Grécia Antiga, o filósofo Sócrates ficou famoso por interpelar os transeuntes e fazer perguntas aos que se achavam conhecedores de determinado assunto. Mas durante o diálogo, Sócrates colocava o interlocutor em situação delicada, levando-o a reconhecer sua própria ignorância. Em virtude de sua atuação, Sócrates acabou sendo condenado à morte sob a acusação de corromper a juventude, desobedecer às leis da cidade e desrespeitar certos valores religiosos. Considerando essas informações sobre a vida de Sócrates, assim como a forma pela qual seu pensamento foi transmitido, pode-se afirmar que sua filosofia (A) transmitia conhecimentos de natureza científica. (B) baseava-se em uma contemplação passiva da realidade. (C) transmitia conhecimentos exclusivamente sob a forma escrita entre a população ateniense. (D) ficou consagrada sob a forma de diálogos, posteriormente redigidos pelo filósofo Platão. (E) procurava transmitir às pessoas conhecimentos de natureza mitológica.

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

31


ANOTAÇÕES

32

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


CAPÍTULO 4 A RELIGIÃO, A CIÊNCIA E A FILOSOFIA MEDIEVAIS: JUDEUS, CRISTÃOS E ÁRABES Há ainda muita controvérsia em relação às três religiões ocidentais, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Em especial pelas questões contemporâneas postas na política, na economia e, em um mundo globalizado, nas questões militares. Entender as raízes daquilo que é comum e aquilo que as faz diferentes, enquanto religiões e enquanto sistemas filosóficos, talvez nos ajude a entender o próprio homem ocidental, criado a partir de pressupostos gregos e depois mesclado de influências que alcançam um vasto pedaço do planeta. O que há em comum com as três religiões são cinco livros sagrados chamados de Pentateuco, ou os cinco primeiros livros da Bíblia judaica-cristã, que contam a descendência de um homem chamado Abraão que, por volta do século XII a. C, deixa o vale da Mesopotâmia, sai da cidade de A fé é Ur e migra com a família, alguns parentes e criados para o vale componente principal em do rio Jordão, na Palestina. Este homem prega um deus único, um período nomoteta, ou seja, que tem leis para serem cumpridas, que faz no qual diversas um testamento – acordo – com os homens que criou como sua religiões imagem e semelhança. disputam a alma das Bíblia significa o plural de biblion, do grego, livro. Não é um pessoas só livro, na verdade é uma coletânea de livros com cada um deles apresentando uma peculiaridade própria. São dois grandes grupos de livros, chamados de Antigo Testamento e Novo Testamento. O primeiro deve ter seus livros escritos entre os anos de 1300 a C. a 100 a. C, baseados em tradições orais antigas; o segundo, teve sua coleção escrita por volta do século I, centrando sua nova mensagem na figura de Jesus de Nazaré. Os cinco primeiros livros são: 1. Gênesis; 2. Êxodo; 3. Levítico; 4. Números; 5. Deuteronômio. Estes livros são atribuídos a Moisés, chamados pelo judaísmo de Torá, quer dizer, a Lei. A história de Abraão ocorre na Palestina, onde chega com sua família. Para ele, Deus havia feito um acordo que faria de sua descendência uma grande civilização. Mas Abraão estava velho, sua mulher Sara também e temendo, por causa da idade de Sara, não poder engravidá-la, pede licença ao seu Deus e à sua esposa e acaba se deitando com uma criada, de origem egípcia, chamada Agar. Com ela Abraão tem um filho chamado Ismael. Logo depois do nascimento de Ismael, Sara fica grávida de Abraão e dá à luz Isaac. Sara pede a Abraão que mande Agar e seu filho Ismael embora, e Abraão, consultando seu Deus, manda os dois para a região do Param, hoje a península arábica. Da geração de Ismael virá o povo Árabe e que mais tarde, no século V, vai assistir nascer o profeta Mohammad que vai iniciar o Islã, a reunião dos crentes, dando início ao Islamismo. Da geração de Isaac virá o povo Judeu (Hebreus) que vai ocupar a Palestina e lutar pela terra e pela promessa de Deus a Abraão. Este povo vai se tornar escravo no Egito, vai se libertar, através de Moisés, que é o patriarca do judaísmo, voltar para Palestina, lutar contra diversos povos, até ser de novo escravizado pelos romanos e sofrer uma diáspora, uma dispersão por toda a Europa. A disputa entre árabes e judeus pode ser entendida de diversas maneiras, mas a principal é que os árabes se sentem herdeiros de Abraão (de seu Deus e de sua terra) porque Ismael é o primogênito; já os judeus se sentem herdeiros de Abraão porque Isaac é o filho legítimo. O cristianismo é uma divisão dentro do judaísmo que vai ocorrer por volta dos anos 60, no século I, através da proposta de Paulo, Pedro e João que Jesus de Nazaré é o Kristos (em grego), o Messiah (em hebraico), o Ungido, o filho do Rei, o verdadeiro herdeiro da promessa de Deus, portanto, o emissário de um Novo Testamento.

Judaísmo Os judeus adotam apenas 36 livros da Bíblia dividindo- os em Torá (Lei), Profetas (Neviim) e Livros (Ketuvim), exceto Tobias, Judite, Primeiro e Segundo Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc e parte do livro de Daniel – livros redigidos em grego e que remetem a um problema de interpretação de Esdras, na época dos fariseus, uma facção do judaísmo (assim como os Zelotas), da Palestina. Além desses, o Talmud (comentários so- bre a lei), uma espécie de registro da lei falada, da tradição oral Moisés e Deus que aparece-lhe no deserto em forma de uma chama em uma folhagem do que Deus havia dito a Moisés. O conceito de tes- tamento é importante para compreender as religiões e, no caso dos judeus, este testamento, este acordo, esta aliança se dá por causa da bondade de Deus para com o povo hebreu, contido no primeiro livro, Gênesis (9,9), quando após um dilúvio que acaba com a humanidade, Deus diz a Noé e a seus filhos que estabelecia sua aliança para com eles – os judeus, ao serem identificados como semitas, quer dizer que são descendentes de Sem, filho de Noé; mensagem renovada em Êxodo (24, 3-8), com Moisés; em Jeremias (31, 31) já se fala em uma nova aliança. O simbolismo da aliança é

33


feito com sangue, uma vez que se trata da promessa de uma herança futura que só pode se dar com a morte de quem prometeu, no caso Deus, por isso há na Bíblia o sacrifício de animais como carneiros, bodes e novilhos, criando uma simbologia teológica. A geração dos judeus mantém a fé nesta aliança com Deus a partir da promessa feita a Abraão. Isaac tem Esaú e Jacó. Jacó vai ser chamado de Israel, aquele que vence o anjo de Deus, e que vai dar origem ao nome dado ao Estado judeu quando esse for formado. Israel vai ter 12 filhos e cada um vai formar uma tribo de ocupação das terras palestinas, o que se configura nas chamadas 12 tribos de Israel. Porém Israel parece ter uma predileção por um dos filhos, chamado de José. Como era comum os judeus terem mais de uma mulher, os outros filhos ficaram com ciúmes, achando que ao final, a herança, que é de todos, ficaria em sua maior parte mesmo para José. Por isso os irmãos o vendem como escravo para uma caravana que estava de passagem para o Egito. José é levado para a Terra dos Faraós e lá, com um dom especial dado por Deus, vai decifrar os sonhos recorrentes do líder egípcio. O sonho era o das sete vacas gordas e sete vacas magras, para o qual José interpre- tou como anos de fartura e de seca nas colheitas do Egito, sugerindo um gerenciamento de alimentos. José se tornou um grande administrador no Egito e sua família, devido a uma grande seca na Palestina, acabou migrando para o Egito, sendo acolhida por ele. Os judeus deixam a Palestina e passam a viver no Egito. Com a passagem dos anos, o número de judeus aumenta muito e o novo faraó decide que dali por diante não poderia mais nascer judeus e manda matar todos os primogênitos. Uma mãe judia, com uma criança recém-nascida, procura salvá-la escondendo-a em um cesto e colocando-a rio abaixo. A cesta vai parar no Palácio do Faraó e é recolhida pela princesa. A criança vai ser criada no palácio como egípcia, cresce em meio à família real como se fosse um de seus membros e recebe o nome de Moisés. Com o passar do tempo, descobre sua verdadeira identidade judia e decide livrar seu povo daquelas condições de vida que, naqueles tempos, já não eram de liberdade e sim de escravidão. Moisés consegue tirar o povo hebreu do Egito, não sem antes empreender uma grande luta com o Faraó, contra o qual conta com a ajuda de Deus que, em seu ápice, abre o Mar Vermelho para que a caravana de judeus consiga atravessar e o fecha sobre os soldados egípcios. É Moisés quem organiza o judaísmo, estipulando as regras que devem ser seguidas, ou, os mandamentos da lei de Deus. Com este código ético, vai conseguir liderar o povo hebreu no meio do deserto e fazê-lo chegar até a Palestina, a terra de Abraão. Moisés morre antes de che- gar ao seu destino final, e vai ser sucedido por Josué, o grande conquistador da cidade de Jericó, no vale do Rio Jordão. Depois de Josué, uma série de governadores chamados de Juízes vai sucedê -lo, sendo Samuel o que sugere a reunião das antigas 12 tribos de Israel em um Reino. Saul, um grande guerreiro, vai ser indicado o primeiro Rei de Israel, mas vai se suicidar ao se ver cercado pelo inimigo durante uma batalha. Seu sucessor é David, o pequeno judeu que vence o gigante Golias com uma pedrada. David vai transferir a capital do Reino de Israel para Jerusalém e vai conquistar as terras ao redor para manter o vale do Jordão, onde as terras são férteis, sob o domínio dos hebreus. O nome de David em hebraico é composto por três deltas ∆ V∆ (‫ )הּטּהּ‬cujo carimbo de seu reino era uma composição de deltas sobrepostos, formando uma estrela, que dá origem ao símbolo do judaísmo. David constrói um grande templo para comemorar as vitórias sobre os inimigos e reafirmar a aliança para o Deus de Israel. Depois da morte de David, é seu filho Salomão quem o sucede, o qual constrói um templo ainda maior – este templo vai ser destruído pelos romanos no ano 70, cujo alicerce é hoje o chamado Muro das Lamentações, em Jerusalém, local de peregrinação dos judeus. Com a morte de Salomão, os judeus se dividem em dois grupos, formando dois novos reinos chamados de Judá e de Israel. Um liderado por Reboão e outro por Jeroboão. Esta divisão enfraqueceu os judeus e os fez cair nas mãos de povos inimigos, gerando uma sequência de períodos de escravidão que acabam com a expulsão da Palestina pelos romanos no mesmo ano da destruição do templo.

Cristianismo O cristianismo está centrado na figura de Jesus de Nazaré, judeu que nasce na Galileia, região nas proximidades de Jerusalém e que passa a pregar por volta do ano 30, principalmente com relação à mensagem do profeta Jeremias que havia anunciado uma nova aliança de Deus para com o homem. Jesus de Nazaré tem uma mensagem político-teológica e que pressupõe alguém que foi educado dentro da Torá e do Talmud, conhecendo bem as passagens do Antigo Testamento. Ele tem atitudes que confrontam o Sinédrio, a instituição máxima da fé judaica, atraindo sob si a desaprovação da cúpula religiosa e política de Israel (os judeus estavam divididos A conversão de Saulo para Paulo de Tarso dá início ao cristianismo em dois grupos a partir da casa de Salomão). Jesus de Nazaré enquanto religião reúne 12 apóstolos (pessoas que são missionárias) numa clara referência às 12 Tribos de Israel; anuncia a implantação do Reino; se diz da Casa de David, portanto anterior à divisão da Casa de Salomão entre Reboão e Jeroboão, sendo por isso, apontado por alguns como o Messiah, o libertador do povo israelense, sucessor do Rei David. Diversos grupos judaicos, como os Zelotas, do qual Judas Iscariotes fazia parte, acreditavam nisso, vendo em Jesus um guerreiro que entraria em Jerusalém, sobre um cavalo, de espada em punho para libertar o povo de Israel. Talvez a traição de Judas estivesse no fato de Jesus ter entrado em Jerusalém sobre um burrico, com ramos de oliveira nas mãos, falando em perdão e não em guerra, frustrando as expectativas de libertação física e material. Para o Sinédrio, que representava a ala mais ortodoxa da lei judaica, Jesus não passava de um agitador das massas que poria em risco a frágil estabilidade conquistada com o Império Romano – afinal os judeus gozavam de uma certa liberdade em Jerusalém e na Palestina. Por conta disso, tramam interromper suas pregações.

34

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


Os judeus estavam sob o domínio dos Romanos e Jesus de Nazaré é acusado perante o Império e levado a um tribunal, onde é absolvido – o romano lava as mãos, ou seja, sob o ponto de vista legal, não havia cometido nenhum crime contra Roma (“A Deus o que é de Deus, a César o que é de César”). Então é julgado pelo Sinédrio judeu, e é condenado por blasfêmia segundo a Lei judaica – por se passar como pretendente ao trono de Rei de Israel, daí a marca na cru- cificação: I.N.R.I – Iesus Nazarenus Rex Iudeus, Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus. Nos anos 60, ou seja, 30 anos após a crucificação, é que ocorre a divisão dentro do judaísmo. Os seguidores de Jesus de Nazaré, chamados de Nazarenos ainda pregam a mensagem dentro do judaísmo. Um judeu de nome Saulo se converte a esta corrente teológica dentro da fé judaica – e não aceita pelo Sinédrio – e ao se converter, assume o nome de Paulo e, junto de Pedro e João, apóstolos de Jesus, iniciam um movimento de rompimento com o judaísmo. É Paulo que, ao pregar na Grécia, recebe lá o nome de kristaos, ou seja, a interpretação que Jesus é o Kristos, o Messiah, o Ungido, o Filho do Rei, agora ampliado para Deus. Significava que Jesus é o próprio filho de Deus, dado em sacrifício em nome deste Novo Testamento. Portanto, a partir de então é que Paulo – que era coletor de impostos, tinha acesso aos papiros, tintas, meios para divulgar esta nova mensagem – começa a organizar o que virá a ser chamado de Cristianismo. Então os três (Paulo, Pedro e João) organizam o re- gistro escrito dos Evangelhos, ou o chamado Novo Testamento, significando que Deus estava fazendo agora uma nova aliança, um novo acordo com a humanidade – não mais só com os judeus, daí estes não aceitarem a figura de Jesus - que é selado com o sangue de Cristo, o Cordeiro Imolado – em uma referência à primeira aliança com Moisés celebrada com sangue de animais. O Cristianismo vai ser organizado nos séculos seguintes e vai suceder o Império Romano, herdando não somente seu vasto território, mas a fé de uma enorme quantidade de pessoas de diversas origens, sendo este o maior caráter de sua força política durante toda a Idade Média. Assumido primeiro por uma instituição chamada Igreja Católica Apostólica Romana, ou seja, uma igreja universal sucessora dos apóstolos de Jesus com sede em Roma, se transforma em uma poderosa força social e filosófica. A Igreja católica reconhece – desde o concílio de Trento, por volta de 375 – 46 livros no Antigo Testamento e 27 do Novo Testamento, compostos de quatro evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas, João) e um com a ação dos apóstolos (Atos) e um conjunto de cartas (epístolas) atribuídas a Paulo e outras sete atribuídas aos apóstolos, por fim um livro profético chamado Apocalipse. Na carta aos Hebreus, há a celebração desta nova aliança de Deus através de Jesus, o Cristo. Cristo, em sua última ceia, também trata do assunto quando diz: “Bebei dele todos, pois isto é meu o meu sangue, o sangue da nova aliança (diatheké), que é derramado por vós para a remissão dos pecados”. Mais tarde são os chamados padres católicos que darão o caráter teológico e filosófico a esta nova mensagem religiosa que vai provocar uma revolução no mundo antigo, mudando hábitos e tradições, criando novas instituições que são a fonte do poder entre os homens dali para frente.

Islamismo

O Islamismo vai ser organizado no século V, mas sua origem remonta ainda a Abraão, pois descende de seu filho Ismael. Quando Abraão manda Agar e seu filho para a região do Param, a partir dali começa a saga de um povo que vai se fixar no deserto e vai crescer sob novas concepções filosóficas e teológicas que, ao se juntarem às demais – fruto de invasões e guerras no final da Idade Média – vai moldar o caráter do mundo Ocidental tal qual o conhecemos e vi- vemos hoje em pleno ano 2015 – do calendário cristão. Agar e Ismael estão no deserto. Ela para em uma grande pedra que há no lugar e na sombra deste monolito deixa a criança e corre em direção a uma outra enorme pedra que fica a algumas centenas de metros de distância, em busca de uma caravana onde pudesse obter água. Agar vai e volta entre as duas pedras sete vezes, até que na última, o pequeno Ismael, empurrando a areia com seus pés acha um veio d’água, uma fonte, de onde brota um olho de uma mina que vai dar origem a poço chamado Zam-Zam, ao redor do qual vai surgir a cidade de Meca. Este fato tem enormes significados: o primeiro deles representa a confirmação da promessa de Deus que se cumpre com este considerado o primeiro milagre de Ismael, o primogênito de Abraão. Também há outros dois significados, a palavra Deus em árabe Allah, pode ser traduzida como fonte de água, olho d’água de onde tudo emana; há também uma obrigação religiosa como significado para o Islã: a necessidade de ir uma vez na vida a Meca e dar sete voltas em torno da Caaba – onde está guardada a Pedra do Deus Único de Abraão, significando a aliança de Deus com os homens e revelada pelo profeta Mohammad. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

35


É da geração de Ismael que, por volta do ano 570 do calendário cristão, nasce o profeta Mohammad, em Meca. Mohammad, falado rápido pelo árabe, soava aos ouvidos dos europeus como “maomé”, cuja transliteração para o nome do profeta foi mantida até há alguns anos, quando caiu em desuso. O nome “Maomé” e a religião “maometismo” são considerados termos etnocêntricos. Mohammad é de uma família de comerciantes e órfão, é criado pelo tio, sendo depois marido de Khadidja, indo viver no deserto como semi-nômade. Como era de uma tradicional tribo árabe que ainda seguia o monoteísmo, Mohammad sai em retiro espiritual onde recebe a visita do anjo Gabriel - o mesmo que havia anunciado, para os Cristãos, Jesus à Maria – e o anjo passa a recitar ao profeta suas primeiras Suras (versículos, que serão passados por uma tradição oral pelo próprio profeta e depois reunidos em um Livro Sagrado). Gabriel pede ao profeta que em nome de Allah, ele implante o Islã – a reunião dos crentes, daqueles que ainda acreditam no Deus único, na promessa feita a Abraão e que se cumpriria por seu primogênito Ismael; e que declare a Jirad, a guerra santa para converter os que forem infiéis. O profeta Mohammad começa a pregar em Meca, porém entra em choque com a autoridade política local, sendo expulso da cidade indo para Iatrib (mais tarde Medina) Essa saída do profeta com seus seguidores é cha- mada de Hijra (Hégira) – fato que também está ligado ao rompimento que Abraão é obrigado a fazer com sua comunidade original em Ur, quando começa a pregar sobre o Deus único e sai para a Palestina. Após a conversão das demais tribos, o profeta conquista Meca e os árabes iniciam uma grande expansão que atinge a Europa, espe- cialmente a península Ibérica, onde vão deixar um legado cultural imprescindível para o que mais tarde vai ser cha- mado de modernidade. Após a morte do profeta Mohammad, há uma divisão teológica e política no mundo árabe. Duas linhas sucessórias vão ser abertas a partir de parentes do profeta: uma a partir do sogro de Mohammad, Abu Bakr e o genro do profeta, Ali. Shit Ali era um líder militar extremamente fervoroso que acreditava que estava lutado ao lado de Allah, por isso, no campo de batalha era invencível. Já Abu Bakr era um líder político, liderava as tribos. É em meio a esta briga que é fundado o Califado Árabe que procurava conciliar as duas facções. Esta discordância vai se tornar maior quando do registro escrito do Alcorão.

O Alcorão O profeta Mohammad não deixou nada escrito, sua pregação era oral e a tradição manteve a recitação das Suras durante os anos que se seguiram, porém um dos califas, chamado Utmman – reuniu os sábios de sua época e ordenou a escritura do Livro Sagrado com base nas recitações. As Suras foram reunidas em Sunas, capítulos que continham as recitações. Esta primeira leitura deixa- va a questão da sucessão do profeta para o califado político, ficando de fora Shit Ali. Houve uma cisão, já que os seguidores de Ali não aceitaram esta leitura do Alcorão. Uma nova leitura foi feita, com uma nova interpretação dividindo os muçulmanos – seguidores do Islã – em dois grupos: os Sunitas, que seguem a linha política; e os Xiitas, que seguem uma lei- tura mais ortodoxa, mais tradicional. O Alcorão pode significar em português leitura (ler em voz alta, recitar). Quando as palavras árabes foram incorporadas ao português – especialmente a partir do século VI e VII, por causa da invasão da península Ibérica – foi mantido o artigo em árabe “el” e “al” à palavra e adicionado o artigo “o” e “a” em português à frente como em o alface, o alfaiate, o açougue – ninguém falaria o face, o faiate, o zougue. Desta maneira, o correto em português é manter o artigo em árabe acoplado à palavra e o artigo em português à frente dela, modo que foi adotado por este professor em sua interpretação neste livro para o Alcorão. Os árabes vão deixar uma vasta cultura como legado para o europeu desde plantas como o café e o chá até tinturas, seda, pedras preciosas e hábitos, como os higiênicos, escova dental e de saúde e sanitários. Esta in- fluência será ampliada para a medicina, a astronomia, as matemáticas com a introdução do numeral Hindu (chamado por nós de arábicos) em substituição à notação Romana e que terá grandes consequências para o comércio, por exemplo.

A Patrística O movimento filosófico do cristianismo tem início com os primeiros padres da Igreja Católica e por isso vai se chamar Patrística. Porém, antes dele, há ainda um movimento considerado uma espécie de filosofia pagã de um neoplatonismo que envolve figuras como a de Plotino. Este havia sido educado por Amônio Sacas, que pregava o Uno como um princípio absoluto, portanto o primeiro de todos e que também havia uma separação na alma, chamada de “nous” ou espírito, abrindo margem para uma contempla- ção criadora da obra de Deus, o Cosmos, porque o objetivo da vida passa a ser a busca ao Absoluto e ao Êxtase – o estar fora de si (do sentir, do corpo, no espírito, portanto). Do pensamento religioso cristão havia ficado a di- mensão da revolução de uma mensagem que necessitava da fé para se manter e não da razão, ou seja, era preciso primeiro crer, acreditar para entender. Era um monoteís- mo, um Deus legislador que criou o mundo e o homem, portanto uma teologia com traços antropocêntricos – imagem e semelhança de Deus - que tem uma culpa ori- ginal e suas consequências, um resgate em uma nova di- mensão, a do espírito e da fé que prescinde de uma amor que de Eros (grego) se transforma em Ágape (de graça) porque existe uma imortalidade na alma a partir de uma ressurreição dos mortos. A missão da Patrística é elaborar um filosofar na fé e que tem como embasamento as próprias escrituras Bíblicas. Vários padres começam este trabalho na organização das primeiras Igrejas Católicas. Dentre eles destacam-se os trabalhos de Fílon de Alexandria e sua gnose – uma es- pécie de conhecimento místico e particular obtido através de uma revelação interna, fruto de uma reflexão filosófica baseada na fé. Depois vêm os apologistas da escola de Alexandria como Aristides, Justino e Taciano e os catequé- ticos Clemente e Orígenes. A maturidade desta corrente é atingida com Gregório de Nissa, Dionísio Areopagita, Máximo, o Confessor e João Damasceno.

36

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


A organização de Agostinho O mundo grego desmoronou-se e o seu lugar cultural viria, em grande parte, a ser ocupado pelo império romano. Entretanto, surge uma nova religião, baseada na religião judaica e inspirada por Jesus Cristo, que a pouco e pouco foi ganhando mais adeptos. O próprio imperador romano, Constantino, converteu-se ao cristianismo no início do século IV, acabando o cristianismo por se tornar a religião oficial do Império Romano. Inicialmente pregada por Cristo e seus apóstolos, a sua doutrina veio também a ser difundida e explicada por muitos outros seguidores, estando entre os primeiros S. Paulo e os padres da igreja dos quais se destacou S. Agostinho (354-430). Agostinho de Hipona foi o grande teórico da Igreja Católica e o principal nome da Patrística Tratava-se de uma doutrina que apresentava uma mensagem apoiada na ideia de que este mundo era criado por um Deus único, omnipotente, omnisciente, livre e infinitamente bom, tendo sido nós criados à sua imagem e semelhança. Sendo assim, tanto os seres humanos como a própria natureza eram o resultado e manifestação do poder, da sabedoria, da vontade e da bondade divinas. Como prova disso, Deus teria enviado o seu filho, o próprio Cristo, e deixado a sua palavra, as Sagradas Escrituras. Por sua vez, os seres humanos, como criaturas divinas, só poderiam encontrar o sentido da sua existência através da fé nas palavras de Cristo e das Escrituras. Uma das diferenças fundamentais do cristianismo em relação ao judaísmo consistia na crença de que Jesus era um deus incarnado, coisa que o judaísmo sempre recusou e continua a recusar. Mas é somente com Agostinho, bispo de Hipona, que a Igreja Católica vai ganhar sua maioridade e vai dominar o mundo Medieval, tornando-se uma estrutura filosófica e teologicamente sustentada. Agostinho está vivendo em um período conturbado por causa da queda do Império Romano e a vida havia se tornado perigosa demais com as invasões bárbaras tomando conta das cidades antes dominadas e protegidas pelas legiões romanas. A Igreja Católica estava aos poucos assumindo este legado, porto seguro das pessoas que queriam uma esperança de, caso morressem, pudessem sobreviver no pós-morte. Mas a igreja ainda era dispersa, sem um poder político centralizado, sem regras que pudessem se fazer valer. Havia uma organização que estabelecia o “canon”, havia concílios, papas, porém não havia uma justificação teológica para sua sobrevivência enquanto organização de fé. Alem do cristianismo, as pessoas ainda estavam ligadas aos preceitos judaicos, heréticos, arianos, maniqueístas, politeístas e ateus e a Igreja Católica parecia apenas mais uma das várias correntes e teorias de fé que se diziam emissárias de Deus na Terra. Agostinho tem uma grande produção literária e, por isso, inaugura diversos estilos não somente literários como também de interpretação como o uso da história dos homens e de uma espécie de autobiografia (Confissões) para a reflexão filosófica. O ponto importante é a fórmula utilizada pela patrística, ou seja, “credo ut intelligam” e “intelligo ut credam” - crer para entender e entender para crer.

Teses Agostinianas São cinco grandes teses – dentre outras – que se destacam no papel teológico-filosófico de Agostinho e que organizam a Igreja Católica, servindo de base para sua afirmação enquanto sistema religioso e político. A VERDADEIRA RELIGIÃO - Agostinho precisa defender o Cristianismo diante das demais religiões que existiam em seu tempo. O argumento, ele vai buscar na história dos homens, em especial, da his- tória de Roma, quando no ano de 410, um bárbaro visigodo chamado Alarico, invadiu a cidade. Alarico, apesar de bárbaro, já havia se convertido ao cristianismo, até por isso decidiu invadir Roma, uma vez que não acreditava nos deuses romanos (Juno, Deméter, Júpiter). Cercou a cidade por quase seis meses e atacou durante dias seguidos, provocando uma onda de terror, massacre e medo. Alarico só respeitou em sua sanha assassina as pessoas que apresentavam o sinal da Cruz de Cristo, o símbolo do cristianismo. Estava ali o argumento que Agostinho precisava: diante de todos os deuses das demais religiões, qual foi o único e verdadeiro Deus capaz de parar o bárbaro? O Deus Cristão, portanto a verdadeira religião só poderia ser mesmo o Cristianismo. PLENITUTO POTESTATIS - A plenitude dos poderes (totalidade do poder) do Papa, ou seja, uma vez que a verdadeira e única religião é o Cristianismo, o chefe da Igreja tem os plenos poderes sobre os homens. Agostinho vai buscar no Novo Testamento, em uma passagem dos Evangelhos, quando o próprio Jesus diz a um de seus apóstolos, chamado Simão: “Simão, tu agora és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja. O que tu desligares na terra, será desligado no céu”. É uma ordem direta de Jesus, ou seja, é Pedro a base da Igreja cristã e ele tem o poder de ligar e desligar as coisas da terra com o céu, por- tanto, os sucessores de Pedro, os demais Papas também herdam este poder devendo exercê-lo na cidade dos homens. TEMPO LINEAR - Talvez a mais importante das teses, a que divide o tempo em uma linha que tem começo e fim. A noção de tempo na época de Agostinho é circular – o tempo é eterno com os dias se repetindo até o infinito e as estações do ano provam isso. Para os gregos, o tempo era um círculo sem fim, repetindo a primavera, o verão, o outono e o inverno indefinidamente. Já para os romanos, havia o conceito de Roda da Fortuna, uma espécie de entendimento que as coisas buscam o seu contrário eternamente e se você está por cima da roda – tudo está bem – cuidado, a roda vai descer – as coisas vão ficar mal – e depois tornam a subir de novo – ficando bem. Agostinho cria um tempo que tem início – a criação do homem por Deus – e que vai ter fim – o Juízo Final. Este é o Tempo dos Homens (Gládio temporal), que é finito, tempo das sombras, da dor física, tempo do corpo, dos sentidos, onde tudo é perecível, muda, se transforma, é o tempo da tentação, do pecado. Depois do Juízo Final começa um Novo Tempo, o Tempo de Deus (Gládio espiritual) que é infinito, tempo da luz, da alma, onde tudo é eterno, imutável, e se passa na presença de Deus. A divisão em dois gládios é a retomada dos conceitos neoplatônicos, ou seja, uma adaptação das teses do filósofo grego (mundo sensível e mundo inteligível) a uma nova interpretação teológica. Nesse sentido, o Papa tem a plenitude dos poderes, ou seja, ele e a Igreja Católica são responsáveis por nos fazer entrar no céu, no tempo de Deus. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

37


DESONTOLOGIZAÇÃO DO MAL - A palavra é grega – des, não; ontós; ser; logos, razão – significa que o mal não é um ser. Agostinho precisa construir um argumento que refutasse a tese dos maniqueístas – que acreditavam que o Cosmos era regido por duas forças iguais, a do Bem (Deus) e a do Mal (Diabo) – e que se refletiam no homem, com ora ele pendendo para um, ora para outro. A construção da tese agostiniana também é histórica e há um resgate da origem da figura do diabo entre os homens. Agostinho vai se pegar à mitologia grega, na história do mito do deus Dionysio. Ele é fruto do relacionamento de Zeus (o grande senhor do Olimpo) com a mortal Sêmele. Zeus para conquistar a mortal se disfarça de homem e promete a ela nunca negar um pedido seu. A deusa Hera, casada com Zeus, descobre o relacionamento e se disfarça em uma velha e sugere a Sêmele que o seu namorado estava fingindo ser o que ele não era e que ela deveria pedir a ele que se mostrasse como é na verdade. O que Hera queria é que Zeus se apresentasse em toda sua epifania (totalidade) para a mortal, ocasionando a sua morte – um homem não é digno de estar na presença de um Deus. Sêmele cai na cilada e pede a Zeus que se mostre como é na verdade e, como o deus havia prometido nunca negar um pedi- do seu, acaba matando-a. Sêmele estava grávida e Zeus pega o feto da barriga dela e o implanta em sua coxa para que termine a gestação – daí a expressão popular “feito nas coxas” - com a criança nascendo no Olimpo. Porém Hera não o aceita, obrigando Zeus a levá-lo para a parte debaixo da Terra, o Hades, onde a criança vai viver. A ela Zeus dá de presente a parreira, cuja uva vai dar uma bebida que representa este semi-deus, o vinho. Ele recebe o nome de Dionysio e era representado por um bode (tragos – daí tragédia, significando em grego a divisão do bode). A festa a Dionysio era marcada por um grande bode preto e velho que era embebedado durante uma procissão de pessoas que cantavam e dançavam festejando Dionysio. No final, no local de holocausto (chamas que queimam aos céus), o bode era dividido (tragédia): a cabeça era cortada e vestida em uma pessoa, os pés do bode, o couro do bode, até que no final a pessoa estava travestida como um bode vivo, a própria encarnação do deus Dionysio. Em latim, Dionysio recebeu o nome de Baco, daí a festa ser chamada de “bacanal”. Para Agostinho, a imagem do diabo vem desta figura mitológica ligada a uma festa pagã, não sendo possível a existência de um ser que tenha o mesmo poder que Deus, só que voltado para o mal. O diabo existiria apenas na imaginação das pessoas. Mas ainda faltava explicar a origem do mal no mun- do, uma vez que Deus é identificado como o sumo Bem. Para Agostinho, o mal é um comportamento do homem derivado de sua quinta tese. LIVRE-ARBíTRIO - O termo pode ser traduzido como livre escolha, livre juízo, decisão. Para Agostinho, o homem foi dotado por Deus de uma livre vontade de escolha. O mal está exatamente aí, quando por livre-arbítrio o homem decide se afastar do caminho que leva a Deus. Portanto, o mal é derivado do comportamento humano, de suas escolhas, de sua vontade e decisões. O primeiro a utilizar de seu livre-arbítrio foi justamente Adão ao desobedecer uma ordem direta de Deus, perdendo com isso o paraíso.

Filosofia Árabe Não há dúvida que o pensamento grego e sua difusão no mundo árabe vai fornecer uma forte influência à teologia e à filosofia produzida naquelas terras e que também vão produzir na Europa mudanças radicais na política, na ciência e no cristianismo. A partir da segunda metade do século VIII, as traduções acontecem em um ritmo acelerado por comentadores que primeiro se atém à obra platônica e, a partir do século X, todo corpus aristotelicum. Em torno destas obras vai circular nomes como Al-Kindi (873), Al-Farabi (950), Avicena (985), Algazel (1111), Averrois (1126) e Ibn Khaldun (1332) que desenvolve um pensamento histórico e sociológico já em uma fase onde os árabes estavam próximo de uma dominação sob o Império Turco-Otomano, dificultando o acesso a sua obra e portanto teve pouca influência no pensamento ocidental. Al-Kindi é o primeiro grande divulgador da obra aristotélica que vai ter seu auge com Avicena que vai se pegar a tese do finito em ato para provar que o mundo é criado, ou seja, o mundo é finito, necessariamente e portanto deve ter emanado do Ser necessário e infinito, que é Deus. A alma humana é uma substância espiritual, cuja a essência é divina emanada de Deus. Al-Farabi chega a ser chamado de “segundo mestre” numa referência a Aristóteles como o primeiro. Em sua filosofia é o primeiro a tentar compor uma síntese entre o pensamento de Platão e o de Aristóteles, que julgava serem conciliáveis. Sobre a criação, mantinha a tese da emanação do Ser único e Necessário, o primeiro existente que passa a dar existência aos demais, seguindo portanto uma hierarquia que precede do primeiro que existe por si para os outros que existem por causa do primeiro. Al-Farabi também usa o argumento do Necessário e Contingente, referindo-se a Deus e ao mundo, argumento que depois vai ser usado por Tomás de Aquino. Também divide o intelecto em ato e potência e o intelecto agente e o intelecto adquirido, numa clara divisão aristotélica entre razão intelectiva e sensitiva da alma. A política de Al-Farabi também é interessante porque Uma espécie de universidade aponta várias formas de cidades: a cidade virtuosa, a qual se árabe, onde os opõe a cidade ignorante, a cidade imoral, a cidade versátil e pesquisadores reinterpretavam a cidade transviada: começa definindo as cidades opostas à as obras de cidade ideal, portanto a cidade ignorante é aquela que os Aristóteles habitantes não conhecem a felicidade e nem suspeitam que calculando o Novo Mundo ela possa existir. Acreditam nos bens aparentes e materiais

38

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


ligados à saúde do corpo e a riqueza e ao gozo dos prazeres, cuja a felicidade suprema consiste na reunião de todos estes bens e são contrários a isso a doença, a pobreza, a privação dos prazeres, a impossibilidade de satisfazer suas paixões (dentro desta há a cidade da troca, a cidade da abjeção, cidade das honras, cidade do poder, cidade da luxúria); a cidade imoral, que não conhece Deus e portanto não conhece a felicidade; a cidade versátil, era virtuosa, mas mudou com idéias estrangeiras e se desvirtuou; e a cidade transviada, são os que se opõe à cidade virtuosa, com reis e governantes que não querem atingir a virtude. A cidade virtuosa é quase o mesmo modelo da de Platão, aquela em que é os que conhecem o bem devem governar. Avicena é uma deformação do nome original árabe de Abu Ali al-Hussain ibu ‘Abdullah ibn Ali ibn Sina que desde muito jovem estudou filosofia, tendo acesso à obra Almagesto, de Ptolomeu. Também estudou medicina e seus tratados sobre o tema ainda formavam médicos na Europa em pleno século XVIII. Sua obra principal é a Shifa, que abrange um conjunto de quatro grandes ciências: metafísica, matemática, física e lógica. Sua teologia não difere muito da anterior, ou seja, o resgate do Uno necessário e a derivação deste, o contingente. A primeira Inteligência é o Ser Necessário do qual emana os seres contingentes, portanto o Ser necessário é a causa eficiente do ser contingente. Há também uma afirmação que Deus não conhece o particular, conhecendo somente os universais que são necessários ao particular – em outra parte parece afirmar que Deus conhece o universal do particular, o que causa um problema teológico, com Deus não podendo atuar em causas particulares, ou seja, Deus não pode atuar no mundo – e uma vez emanado ele segue leis universais e necessárias. O mundo também passa a ser eterno e não finito, uma vez que sua causa é infinita (Deus) sua conseqüência só pode ser a infinitude e o que há é uma prioridade de natureza de Deus que, por ser Um, de onde tudo deriva, vem antes dos demais. O mal passa a ser, portanto, a imperfeição que ocorre sobre a necessidade, ou seja, quando não há conformidade entre o necessário e o contingente – o que vale dizer que não há perfeição no mundo por causa de sua contingência. Há uma essência que é Deus e uma existência que é mundo. Avicena faz parte de uma filosofia-teológica especulativa, própria de uma corrente do Islã chamada mutazilitas que propõe cinco princípios: 1.a unicidade de Deus; 2.a justiça de Deus; 3.o pecador está entre o crente e o infiel; 4. a promessa e ameaça de Deus (céu e inferno); 5. ordenar o bem proibir o mal. Algazel é bastante controvertido de uma corrente do Islã chamada ash’aritas. Sua filosofia-teológica é contrária a de seus antecessores e por isso escreve Tahafut al-falasifah (Refutação à Filosofia) onde combate toda a filosofia grega e muçulmana, discutindo a ação destes pensadores em vinte teses ou questões, divididas em duas partes: a) teses que se opõe ao que o Islã entendia sobre a teologia que taxava o filósofos de ateus (que não crêem) – como explicar o pensamento de Deus? Quanta pretensão humana; b) teses que debatem as opiniões. Algazel debate a eternidade do mundo e o conhecimento de Deus sobre as coisas particulares. Para ele os filósofos são incapazes de provar a existência de Deus, portanto sequer podem se aventurar a tentar definir o que venha a ser Seu pensamento. Averróis é o último dos grandes filósofos árabes, cujo nome verdadeiro é Ibn Roshd, originário de Córdoba, no meio de uma Espanha muçulmana, que estuda medicina, ciências, leis e é sobretudo, um dos grandes comentadores de Aristóteles. É dele além de obras e comentários sobre o grande filósofo grego, o famoso Tahafut al Tahafut (Refutação á Refutação) no qual ataca as tese de Algazel. Para Averróis os filósofos devem ter o direito de interpretar a religião á luz da razão, uma vez que Deus nos deu a razão para ser usada e entre a verdade (xariá) da filosofia e a opinião da religião, o filósofo deve ficar com verdade, a xariá. Para ele há uma única verdade e que pode ser dita de diversas formas, porém única.

A Escolástica A Escolástica é o segundo grande movimento filosófico-teológico cristão e está ligado a criação das universidades, ou seja, um agrupamento corporativo de intelectuais no século XIII. A primeira aparece na cidade de Bolonha, onde o campo de estudos serão as leis jurídicas, depois em Paris e Oxford. Também o momento vai ser marcado pela redescoberta da filosofia aristotélica que chega com os árabes na Europa. Em um primeiro momento aparecem as questões lógicas de Aristóteles e o seu silogismo dedutivo, que vai ser retomado por Boécio com seu “quadrado lógico da oposição” das A figura de Deus como proposições categóricas e também as proposições hipotéticas e Arquiteto silogísticas começado a instituir a questão da razão posta antes Divino da fé – posição contrária a da Patrística. descrito por Platão dá a Nesta sequência seguem João Escoto Eriúgena, Anselmo dimensão de Aosta, Hugo de São Vitor (com o famoso Didascalion), Pedro da retomada das obras Abelardo com o “Intelligo ut credam”, desembocando na quesclássicas com tão dos universais – ligados aos estudos gramaticais e dialéticos uma nova no seu Livro de Sentenças. Realismo e Nominalismo foram as interpretação, agora duas escolas que buscaram dar soluções ao problema dos unicristanizada. versais, surgindo o Conceitualismo como solução intermediária. A questão era saber se o modo de ser das idéias gerais, gêneros ou espécies, tais como pedra, rosa; ou seja, se os universais correspondem a uma realidade fora do pensamento ou se são puras abstrações sem realidade. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

39


Estes todos preparam o caminho para Alberto Magno que vai fazer a distinção entre a Filosofia e a Teologia, separando os filósofos gregos dos teólogos cristãos, introduzindo o interesse científico como fonte de investigação associada à razão sobre o mundo. Todos estes nomes serão reunidos por Tomás de Aquino, o grande sistematizador deste período que, com sua obra, atinge o auge com as provas da existência de Deus. Tomás de Aquino marca o ponto culminante da Escolástica sendo considerado o maior de todos os filósofos medievais. Foi discípulo de Alberto Magno, por ele apelidado de “boi mudo” por um comportamento de silêncio e recolhimento. Tomás primeiro ensinou em Paris, como uma espécie de professor-assistente, depois passou por diversas outras universidades como a de Colônia, Bolonha, Roma, Nápoles e acabou morrendo aos 53 anos em 7 de março de 1274 quando iria participar do concilio de Lião. A primeira das teses de Tomás é a separação entre a razão e a fé, com a razão sendo um preâmbulo da fé e um conhecimento imperfeito porque necessita ainda de um outro patamar de entendimento que somente encontramos na Teologia. Então a Filosofia, apenas deve servir de acesso, não pode dar a palavra final, esta deve estar no discurso Teológico porque esse tem acesso às causas primeiras que dão origens às outras. Uma espécie de dependência da Filosofia da Metafísica, numa clara relação e hierarquização. Há verdades que superam a razão, como Deus é Uno e Trino, que somente a Teologia tem a resposta. Porém é preciso partir da razão porque é ela que nos une. Esta posição de Tomás vai ser usada contra os averroistas. A Metafísica tomista tem um forte caráter de essência e ente (ou essência e existência) e recupera os conceitos aristotélicos para apresentar cinco caminhos para provar a existência de Deus. Como Deus enquanto Ser – portanto ontologicamente – é o primeiro na ordem de tudo, podemos chegar a ele através de seus efeitos, por uma via a posteriori, portanto agindo através da razão humana que lhe é posterior. Para isso vai usar toda a Metafísica já estipulada por Aristóteles, adaptando-a às exigências da Teologia: a) O movente – Ora, tudo aquilo que muda, muda por outro. Mover significa ir da potência ao ato através de um agente externo. É o caminho que Tomás faz para chegar ao proto-kinon aristotélico que vai receber em Tomás o conceito de primo mobile, ou seja, o primeiro motor imóvel que movimenta o Cosmo é Deus; b) A causa eficiente – é o agente externo que vai colocar a forma na matéria. Sob ponto de vista lógica, todas as coisas tem uma causa eficiente e, por conseguinte, deve haver a causa eficiente da causa eficiente, ou seja, uma causa eficiente primeira, portanto Deus. c) A contingência – Como havia postulado Aristóteles existem dois modos em que as coisas podem ser definidas: por aquilo que lhes é substancial, necessário ou por aquilo que lhes é acidental, contingencial. Portanto há anterioridade do necessário sobre o contingencial, portanto, Deus está na origem do mundo que é contingencial, poderia ou não existir. É necessário que Deus exista para que o mundo exista e não o contrário, pois do contingente não pode sair o necessário. E porque Deus é necessário, porque se não existisse, não haveria nada e, portanto, do nada, nada se gera, o mundo não seria sequer uma possibilidade. Como mundo existe e é corruptível, é contingente, acidental, faltando-lhe algo que lhe seja necessário para sua existência, Deus. d) A hierarquia da perfeição – Há no tomismo um conceito de ordenamento e hierarquia necessária e natural que coloca o sumo Bem acima de qualquer outra coisa, com Deus sendo identificado com esta idéia, portanto no topo de todas as coisas vem Deus e dele derivam as demais; e) A causa final – É o conceito de teleologia aristotélico, significando agora que existe uma Inteligência por trás das coisas que coloca nelas uma finalidade de existência. As coisas operam tendendo a um fim, e este fim é dado por Deus, uma espécie de ordenador da convergência natural de todas as coisas de volta ao Uno.

A proibição de Aristóteles Este intelectualismo que nasce nas universidades durante o século XIII e aprofundado com o tomismo vai sofrer uma forte oposição com uma nova corrente dentro da Igreja Católica que também aparece no mesmo século e que tem no voluntarismo e na retomada das idéias platônicas e agostinianas a sua base levando a uma condenação e até mesmo a proibição das obras aristotélicas pela Igreja em 1277. Este movimento começa com a Ordem Franciscana, exigindo uma maior participação social da Igreja, sua saída mosteiros e igrejas, principalmente a partir de Boaventura de Bagnoregio, e a proposição do exemplarismo – com as Idéias de Platão servindo de base o modelo o Demiurgos como Deus passa a ser difundida; Signer de Brabante, e uma retomada de Averróis com um viés latino, havendo a recuperação de teses agostinianas com o seu auge em Robert Grosseteste e Roger Bacon e a filosofia experimental que suas primeiras investigações científicas da Escolástica. Por fim entram João Duns Escoto que volta a falar voluntarismo e direito natural, seguido por Guilherme de Ockham que vai pregar a independência da fé em relação à razão, dando início ao primado do indivíduo. Neste período acirram-se as discussões sobre a escola universalista e a nominalista, com a entrada do recurso chamado “navalha de Ockham” que é um tipo de avaliação sintética da razão que exclui do mundo e do discurso científico racional os entes e conceitos supérfluos a começar pelos entes e conceitos metafísicos, que tornam a realidade estática. Portanto começa a se delinear o caminho que vai levar a um conhecimento subjetivo e empírico que já se anuncia pela frente.

A herança da Idade Média Compreender a natureza consistia, no fundo, em interpretar a vontade de Deus patente na Bíblia e o problema fundamental da ciência consistia em enquadrar devidamente os fenómenos naturais com o que as Escrituras diziam. Assim se reduzia a ciência à teologia, tal como é ilustrado na seguinte passagem de S. Boaventura (1217-1274), tirada de um escrito cujo título é, a este respeito, elucidativo:

40

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


E assim fica manifesto como a “multiforme sabedoria de Deus”, que aparece claramente na Sagrada Escritura, está oculta em todo o conhecimento e em toda a natureza. Fica, igualmente, manifesto como todas as ciências estão subordinadas à teologia, pelo que esta colhe os exemplos e utiliza a terminologia pertencente a todo o género de conhecimentos. Fica, além disso, manifesto como é grande a iluminação divina e de que modo no íntimo de tudo quanto se sente ou se conhece está latente o próprio Deus. A religião cristã acabou por ser a herdeira da civilização grega e romana. Com a queda do império romano, foram os cristãos — e os árabes —, espalhados por diversos mosteiros, que preservaram o conhecimento antigo. Dada a sua formação essencialmente religiosa, tinham tendência para encarar o conhecimento, sobretudo o conhecimento da natureza, de uma maneira religiosa. O nosso destino estava nas mãos de Deus e até a natureza nos mostrava os sinais da grandeza divina. Restava-nos conhecer a vontade de Deus. Só que, para isso, de nada serve a especulação filosófica se ela não for iluminada pela fé. E o conhecimento científico não pode negar os dogmas religiosos, e deve até fundamentá-los. A ciência e a filosofia ficam assim submetidas à religião; a investigação livre deixa de ser possível. Esta atitude de totalitarismo religioso irá acabar por ter consequências trágicas para Galileu e para Giordano Bruno (1548-1600), tendo este último sido condenado pela Igreja em função das suas doutrinas científicas e filosóficas: foi queimado vivo. As teorias dos antigos filósofos gregos deixaram de suscitar o interesse de antes. A sabedoria encontrava-se fundamentalmente na Bíblia, pois esta era a palavra divina e Deus era o criador de todas as coisas. Quem quisesse compreender a natureza, teria, então, que procurar tal conhecimento não directamente na própria natureza, mas nas Sagradas Escrituras. Elas é que continham o sentido da vontade divina e, portanto, o sentido de toda a natureza criada. Era isso que merecia verdadeiramente o nome de ciência.

AVALIE SEU CONHECIMENTO 01. (PUCCAMP) Preparando seu livro sobre o imperador Adria-

no, Marguerite Yourcenar encontrou numa carta de Flaubert esta frase: “Quando os deuses tinham deixado de existir e o

Cristo ainda não viera, houve um momento único na história, entre Cícero e Marco Aurélio, em que o homem ficou sozinho”. Os deuses pagãos nunca deixaram de existir, mesmo com o triunfo cristão, e Roma não era o mundo, mas no breve momento de solidão flagrado por Flaubert o homem ocidental se viu livre da metafísica - e não gostou, claro. Quem quer ficar sozinho num mundo que não domina e mal compreende, sem o apoio e o consolo de uma teologia, qualquer teologia? (Luiz Fernando Veríssimo. Banquete com os deuses)

A compreensão do mundo por meio da religião é uma disposição que traduz o pensamento medieval, cujo pressuposto é (A) o antropocentrismo: a valorização do homem como centro do Universo e a crença no caráter divino da natureza humana.

(B) a escolástica: a busca da salvação através do conhecimento da filosofia clássica e da assimilação do paganismo.

(C) o panteísmo: a defesa da convivência harmônica de fé e razão, uma vez que o Universo, infinito, é parte da substância divina.

(D) o positivismo: submissão do homem aos dogmas instituídos pela Igreja e não questionamento das leis divinas.

(E) o teocentrismo: concepção predominante na produção intelectual e artística medieval, que considera Deus o centro do Universo.

02. (UFPA) Nas relações de suserania e vassalagem dominantes

durante o feudalismo europeu, é possível observar que: (A) a servidão representou, sobretudo na França e na península Ibérica, um verdadeiro renascimento da escravidão conforme existia na Roma imperial. (B) os suseranos leigos, formados pela grande nobreza fundiária, distinguiam juridicamente os servos que trabalhavam nos campos dos que produziam nas cidades. (C) mesmo dispondo de grandes propriedades territoriais, os suseranos eclesiásticos não mantinham a servidão nos seus domínios, mas sim o trabalho livre. (D) o sistema de impostos incidia de forma pesada sobre os servos. O imposto da mão morta, por exemplo, era pago pelos herdeiros de um servo que morria para que continuassem nas terras pertencentes ao suserano. (E) as principais instituições sociais que sustentavam as relações entre senhores e servos eram de origem muçulmana, oriundos da longa presença árabe na Europa Ocidental.

03. (FAAP) A doutrina de Platão influenciou os primeiros filó-

sofos medievais, Santo Agostinho, bispo de Hipona (354 a 430) e Boécio (480 a 524), autores de “Confissões” e “Consolação da Filosofia”, respectivamente. Mas a Filosofia que predominou na Idade Média foi a: (A) Sofística (D) Existencialista (B) Epicurista (E) Fenomenológica (C) Escolástica

04. (FGV) As principais características do feudalismo eram: (A) Sociedade de ordens, economia levemente industrial, unificação política e mentalidade impregnada pela religiosidade.

(B) Sociedade estamental, economia tipicamente artesanal, organização política descentralizada e mentalidade marcada pela ausência do cristianismo. (C) Sociedade de ordens, economia terciária e competitiva, centralização política e mentalidade hedonista. (D) Sociedade de ordens, economia agrária e auto-suficiente, fragmentação política e mentalidade fortemente influenciada pela religiosidade. (E) Sociedade estamental, economia voltada para o mercado externo, fragmentação política e ausência de mentalidade religiosa.

05. (FUVEST) “O Feudalismo medieval nasceu no seio de uma época infinitamente perturbada. Em certa medida, ele nasceu dessas mesmas perturbações. Ora, entre as causas que contribuíram para criar ou manter um ambiente tão tumultuado, algumas existiram completamente estranhas à evolução interior das sociedades europeias.” (Marc Bloch, A SOCIEDADE FEUDAL)

O texto refere-se:

(A) às invasões dos turcos, lombardos e mongóis que a Europa sofreu nos séculos IX e X, depois do esfacelamento do Império Carolíngio.

(B) às invasões prolongadas e devastadoras dos sarracenos, húngaros e vikings na Europa, nos séculos IX e X (ao Sul, Leste e Norte respectivamente), depois do esfacelamento do Império Carolíngio. (C) às lutas entre camponeses e senhores no campo e entre trabalhadores e burgueses nas cidades, impedindo qualquer estabilidade social e política. (D) aos tumultos e perturbações provocadas pelas constantes fomes, pestes e rebeliões que assolavam as áreas mais densamente povoadas da Europa. (E) à combinação de fatores externos (invasões e introdução de novas doutrinas e heresias) e internos (escassez de alimentos e revoltas urbanas e rurais).

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

41


EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 06. (MACKENZIE) O ano de 1054 foi marcado pelo “Cisma do Oriente”. Após um longo processo de conflitos, ocorreu a ruptura entre o papado romano e o patriarca de Constantinopla, ocasionando: (A) a criação da igreja Cristã Ortodoxa Grega. (B) a transferência da sede do papado para a cidade de Avignon. (C) o conflito denominado Querela das Investiduras. (D) a fundação da Igreja Cristã Protestante. (E) a divisão do Clero em secular ortodoxo e regular monástico.

07. (FGV) Na Idade Média, desenvolveram-se dentro da Igreja,

instituições que tinham corporações de mestres e aprendizes, com privilégios e autonomia administrativa, e significaram importante avanço intelectual. O texto anterior refere-se: (A) às Irmandades; (D) aos Conventos; (B) aos Museus; (E) às Universidades. (C) às Bibliotecas;

08. (MACKENZIE) A respeito do Sistema Feudal, assinale a alternativa correta. (A) A sociedade feudal era estática e não permitia a mobilidade social,

era uma sociedade de castas - dela faziam parte quatro ordens hierarquizadas: os nobres, o clero, os servos e os escravos. (B) Consistia em um sistema de relações onde os vassalos doavam terras aos seus suseranos, que ficavam obrigados a pagar impostos nas formas de produtos e serviços. (C) Esse sistema foi condenado pela Igreja Católica, que não concordava com as exigências senhoriais que sobrecarregavam os camponeses. (D) Através do domínio político, exercido por meio da violência e da obediência aos costumes, o servo era obrigado a prestar trabalhos e serviços ao Senhor Feudal. (E) A principal fonte de lucro era o excedente de produção, oriundo do trabalho servil e livremente comercializado pelos senhores feudais e servos.

09. (PUCCAMP) Valendo-se de sua crescente influência religiosa, a Igreja passou a exercer importante papel em diversos setores da vida medieval, (A) como por exemplo nas Universidades, onde disseminaram o cultivo das línguas nacionais.

(B) inclusive estimulando o avanço da ciência, sobretudo da medicina. (C) impedindo a divulgação de conhecimentos científicos através do estabelecimento do Index. (D) pois, enriquecida com as grandes doações de terras feitas pela burguesia, passou a se omitir, não se preocupando mais com a construção de Igrejas e Mosteiros. (E) servindo como instrumento de homogeneização cultural diante da fragmentação política da sociedade feudal.

10. (PUCCAMP) A Igreja Cristã foi a instituição mais importante durante a Idade Média. Esta importância, que já existia nos séculos finais do Império Romano, continuou crescendo na medida em que (A) associada à sociedade bizantina atuou no combate às heresias. (B) sua influência política, obtida com o apoio dos alamanos, permi-

tiu-lhe que organizasse um Estado em território conquistado aos saxões. (C) conseguiu ter êxito na conversão dos bárbaros germânicos. (D) aumentou seu domínio, através do Colégio dos Cardeais, sobre o Sacro Império Romano-Germânico. (E) fortaleceu seu papel no combate ao reformismo exigido pelos monges de Cluny.

11. (PUCCAMP) A Igreja integrou-se ao Sistema Feudal através dos mosteiros, cujas características se assemelhavam às dos domínios dos senhores feudais. Como tinha

42

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

(A) o controle do destino espiritual, procurou combater a usura entre os integrantes do clero e entre os judeus, no que foi rigorosamente obedecida. (B) o monopólio da cultura, tinha também o monopólio da interpretação da realidade social. (C) grande influência na formação da mentalidade, insistia no ideal do preço justo, permitindo que na venda dos produtos se cobrasse a mais apenas o custo do transporte. (D) o controle da realidade social, exigia que os cristãos distribuíssem os excedentes entre seus parentes mais próximos para auferir lucros. (E) a fiscalização sobre a distribuição dos excedentes em épocas de calamidade, inibia a atuação dos comerciantes inescrupulosos, ameaçando-os com multas ou com a perda de suas propriedades.

12. (PUCCAMP) Para compreender a unificação religiosa e políti-

ca da Arábia por Maomé, é necessário conhecer: (A) a atuação das seitas religiosas sunita e xiita, que contribuíram para a consolidação do Estado teocrático islâmico.

(B) os princípios legitimistas obedecidos pela tribo coraixita, da qual fazia parte.

(C) os fundamentos do sincretismo religioso que marcou a doutrina islâmica.

(D) as particularidades da vida dos árabes nos séculos anteriores ao surgimento do islamismo.

(E) a atuação da dinastia dos Omíadas que, se misturando com os habitantes da região do Maghreb, converteram-se à religião muçulmana e passaram a ser chamados de mouros.

13. (FGV) Para explicar a rápida expansão muçulmana, ou do Islão, há vários fatores. Qual dos tópicos a seguir não é explicativo disso: (A) o crescimento demográfico da população árabe, que pressionava o povo a procurar terras favoráveis à agricultura;

(B) à fraqueza defensiva do Ocidente, devida à política de paz e tolerância da Igreja Católica;

(C) o império Bizantino e o Império Persa guerrearam durante séculos, enfraquecendo-se mutuamente;

(D) no Ocidente a expansão árabe soube aproveitar as fraquezas dos Estados bárbaros descentralizados, que sucederam o Império Romano; (E) o estímulo muçulmano à Guerra Santa (Jihad), coordenado pelos califas, em nome da expansão da fé islâmica.

14. (UEL) “O modo de produção feudal, que se desenvolve e atinge seu apogeu na Alta Idade Média, é caracterizado essencialmente pela existência das relações servis de produção...” Assinale a alternativa que se identifica com a fonte de poder e riqueza no modo de produção a que o texto se refere. (A) “ ... Deus quis que, entre os homens, houvesse soluta igualdade...” (B) “ ... os acontecimentos provam o julgamento de Deus sobre nós...” (C) “ ... a luta social desaparece quando os homem vivem em comunhão...”

(D) “ ... não havia senhor sem terra, nem terra sem senhor...” (E) “ ... quando Adão cavava a terra e Eva fiava, onde estavam os senhores... “

15. (UEL) Entre os fatores internos e externos que contribuíram para a formação do sistema feudal encontram-se (A) as instituições germânicas, como o ‘comitatus’ e o direito oral. (B) a utilização das moedas de prata republicana ou SOLIDI IMPERIAIS e a assimilação do arianismo.

(C) a introdução pelos germanos da noção de Estado e a organização judicial caracterizada pelo ‘wergeld’.

(D) a prática constante do nicolaísmo e o enfraquecimento dos patrícios romanos.

(E) a aceitação da simonia e o aperfeiçoamento da lavra (arados melhores, mais cortantes e resistentes).


CAPÍTULO 5 A CIÊNCIA MODERNA E A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO MUNDO Depois de nos lembramos dos modelos antigos e medievais, quase que os mesmos e saber como o homem ainda via a natureza de uma maneira superior a ele, apesar de já usar a razão para compreendê-la, vamos agora à crítica a este modelo . Porque é somente a partir de agora que a construção de mundo que estivemos durante todo este ano discutindo tomou forma. Não é possível dizer exatamente quando terminou a Idade Média e começou o período que se lhe seguiu. Há, todavia, uma data que é frequentemente apontada como referência simbólica da passagem de uma época à outra. Essa data é 1453, data que marca a queda do Império Romano do Oriente. A partir deste momento, podemos dizer que muito do que ainda hoje acreditamos foi estabelecido. Ainda nos chamamos em muitos aspectos de homens modernos. Renascidos da antiguida, depois de um período na medievalidade. Uma olhada para além das estrelas no mundo finito de Aristóteles, na visão dos modernos caminhando para um universo infinito no espaço O início do Renascimento trouxe consigo uma longa série de transformações que seria impossível referir aqui na sua totalidade. Algumas dessas transformações mostraram os seus primeiros indícios ainda no período medieval e tiveram muito que ver com, entre outros fatos, o aparecimento de novas classes que já não estavam inseridas na rígida estrutura feudal, própria do mundo rural medieval. Essas classes são as dos mercadores e artífices, as quais dependem essencialmente do comércio marítimo. Fora da tradicional hierarquia feudal, muitas pessoas prosperam nas cidades. Cidades que se desenvolvem e onde começa a surgir também uma indústria, sobretudo ligada à manufactura de produtos com a valorização dos artesãos e à construção naval. Isso trouxe consigo um inevitável progresso técnico que viria a colocar novos problemas no domínio da ciência. Para tal contribuíram, além do comércio naval atrás referido, também os descobrimentos marítimos. Descobrimentos em que Portugal ocupa um lugar de relevo. O mundo fechado do tempo das catedrais começa, assim, a abrir-se, com as velhas certezas a ruir e os horizontes de um novo universo abrir-se. O homem renascentista começou a virar-se mais para si do que para os dogmas bíblicos e a interessar-se cada vez mais pelas ideias, durante tantos séculos esquecidas, dos grandes filósofos gregos, de modo a fazer renascer os ideais da cultura clássicadaí o nome de Renascimento. Esta é uma nova atitude a que se chamou humanismo. O protótipo do homem renascentista é Leonardo da Vinci, pintor, escultor, arquitecto, engenheiro, escritor, etc., a quem tudo interessa. Muitas verdades intocáveis são revistas e caem do seu pedestal. O que leva, inclusivamente, à contestação da autoridade religiosa do Papa, como acontece com Lutero (1483-1546), dando origem ao protestantismo e à reforma da Igreja. As mudanças acima apontadas irão estar na base de um acontecimento de importância capital na história da ciência: a criação, por Galileu (1564-1642), da ciência moderna. Com a criação da ciência moderna foi toda uma concepção da natureza que se alterou, de tal modo que se pode dizer que Galileu rompeu radicalmente com a tradicional concepção do mundo incontestada durante tantos séculos. A morte do feudalismo, ou do pensamento medieval, e com ele o pensamento teocrático da Igreja Romana vai propiciar a liberdade da ação aos indivíduos e enfraquecer a autoridade, alguém que autorize o pensamento, seja ele o Papa, seja ele o Rei. A tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453, dispersou os sábios do oriente que se dirigiram para a península itálica de onde espalharam esta novidade, um indivíduo que pode pensar de seu próprio modo (modernus – ao nosso modo, não mais ao modo da Igreja). Os manuscritos e esculturas, fruto da pilhagem e, ao mesmo tempo, mesclados com o desenvolvimento tecnológico como a invenção da imprensa de tipos móveis, passaram a divulgar o conhecimento. Não é à toa que a obra Adão, pintada por Michelangelo no teto da Capela Sixtina pode ser tomada como marco deste novo momento da história do pensamento ocidental: braço vigoroso de um homem que parte em busca da luz, ou seja, um momento de revivicação das capacidades do homem. Apesar do ataque sofrido na política, a Igreja ainda se sustenta e domina os Estados nacionais, mas com uma concepção de mundo que começa a ruir também. Nicolau Copérnico, Galileu Galileu, Ticho Braher, Johannes Kepler e por fim Isaac Newton vão construir uma nova cosmologia, pondo abaixo o sistema aristotélico-ptolomaico e iniciando um novo período de investigação científica e de abordagem dos fenômenos naturais. A esses se juntam Rene Descartes, Francis Bacon, John Locke, David Hume e Georges Berkeley na concepção de um método que guie as Ciências Naturais, separando-a da Teologia e da Filosofia. Entretanto, para haver tudo isso, muitos pagaram com a própria vida, como Giordano Bruno, queimado vivo em uma fogueira por defender a tese de o universo ser infinito a partir das estrelas; ou com seu silêncio, como Galileu, ou com artimanhas (escrita reversa, desenhos secretos) como Leonardo Da Vinci. A modernidade na ciência surge como Renascimento – uma espécie de fôlego da razão, depois de um longo período nas profundezas da metafísica cristã. Nos Estados Nacionais dominados pela monarquia ligada à Igreja Católica – Portugal, Espanha – a ciência e as artes (tecné – técnica no sentido do fazer manual) não chegaram a “renascer”, porém onde a

43


Igreja se tornava fragmentada, como na França, na Inglaterra e principalmente nos estados Italianos, esta nova onda chega com força, e onde pode ser sustentada por uma burguesia comercial em busca de poder político (Inglaterra e França), transformou-se em revoluções que mudaram a sociedade. Para a Igreja, ao olharmos o céu, percebemos que os astros giram em torno da Terra, significando que ela deveria estar no centro do sistema, parada, sendo circundada por estrelas, planetas, o Sol e a Lua. Junto com os demais elementos (Água, Ar e Fogo), a Terra é envolvida em sete círculos perfeitos, espécies de esferas celestes, sendo o primeiro que sustenta a Lua, o segundo o Sol, do terceiro ao sexto os planetas conhecidos à época, e por último as estrelas. Os astros fazem um movimento circular perfeito em torno da Terra e por isso são vistos por nós à noite, durante o dia estão embaixo, escondidos, até completarem a volta, com exceção o Sol, a Lua e alguns planetas que, devido a epiciclos, fazem o chamado movimento retrógrado no céu. Este modelo, chamado de geocêntrico, aprimorado por Ptolomeu para explicar melhor o movimento dos planetas, com a inclusão de epiciclos foi apresentado por Eudoxo a Aristóteles que dividia este Cosmo em duas regiões a partir da Lua, chamando a parte debaixo de Região Sub Lunar e acima Região Supra Lunar. Na Região Sub Lunar estão os quatro elementos – Terra, Água, Ar e Fogo – que compõem os objetos que existem fisicamente e que só têm um tipo de movimento, chamado de retilíneo que pode ser para cima ou para baixo (grave). Na Região Supra Lunar estão a Lua, o Sol, os Planetas e as Estrelas (lembrando que o Sol não era considerado uma estrela), todos feitos de um único elementos chamado Éter, cuja característica é o movimento circular. Portanto, neste Cosmo eterno no tempo e finito no espaço (as estrelas são a última fronteira), cada elemento possui o seu lugar natural, onde pode exercer seu movimento de locomoção. Este modelo já não explicava mais o universo, uma vez que não era eficiente na localização exata dos astros e tampouco das anomalias dos planetas, exigindo-se cada vez mais cálculos complexos em epiciclos novos para dar conta dos movimentos celestes. O primeiro a quebrar esta ortodoxia foi um clérigo chamado Nicolau Copérnico (1473-1543), que encontrou soluções melhores para explicar o movimento dos astros no céu se colocasse o sol Copérnico inaugura uma nova visão de mundo, heliocêntrica e a Terra perde seu sagrado lugar ao centro do universo no centro do sistema, substituindo a visão geocentrista por uma outra, heliocêntrica, que simplificava a astronomia. Porém, temendo a visão contrária da igreja, não publicou suas ideias até quase o final de sua vida e, mesmo assim, dedicou seu livro ao papa. Copérnico estudava matemática e filologia clássica na Universidade de Cracóvia e suas ideias não foram aceitas nem pelos católicos nem pelos protestantes – um grupo de religiosos que havia se separado da Igreja Romana a partir de Lutero, na Alemanha, e que também era formada pelos seguidores de Calvino, na Suíça, que não aceitavam a autoridade do papa em Roma sobre os cristãos de toda a Europa. O problema para os religiosos é que a visão de Copérnico contrariava a das Escrituras Sagradas, como no Salmo 93, que diz que a Terra está firme e segura – imóvel no centro do universo. Porém os argumentos não se sustentavam aos fatos e à nova vida que se anunciava na Europa.

Galileu e a observação dos fenômenos O mais importante do marco que o pensamento de Galileu (1564 -1642) traz para a filosofia é sua capacidade de empreender uma hipótese e, através da observação dos fenômenos naturais, deduzir conclusões que, ao serem generalizadas, podem dar ao conhecimento humano a capacidade de prever um momento futuro. Já o medo que sua abordagem da natureza causa para a Igreja Romana, foi justamente de ousar dizer que o pensamento humano era capaz de compreender as leis do céu prevendo o que Deus havia reservado para os astros no futuro, usando para isso um argumento que contrariava as escrituras sagradas. A hipótese de trabalho de Galileu é tirada do uso de um novo instrumento que começava a cirOs mecanismos que vão levar o homem à uma revolução industrial e a ilusão que cular com mais frequência pela Itália, fruto desta descobriu os segredos matemáticos da natureza corrente de sábios que vêm do oriente: o perspicilli, ou como nós conhecemos com o nome a partir do grego de telescópio. Ao observar com mais regularidade o céu, Galileu percebeu que a natureza perfeita que a teoria aristotélica pregava dos elementos feitos de éter – como a lua e o sol – não se confirmava pelas observações através das lentes de seu perspicilli: a lua tinha crateras e o sol tinha manchas. Daí a hipótese: a natureza é regida por uma mesma lei tanto para os fenômenos físicos na Terra como no Céu. Galileu passou então a observar os fenômenos e tentar perceber neles um padrão que fosse quantificável para estabelecer relações que pudessem comprovar que a física derivada da ciência aristotélica e de seu sistema cosmológico estava errada. O famoso experimento utilizado para esta comprovação foi o chamado Plano Inclinado, na verdade um declive onde Galileu passou a observar a queda de bolinhas de ferro com pesos (massa) diferentes e anotar o tempo gasto por elas

44

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


para percorrer um espaço determinado na rampa de rolamento. O padrão buscado por Galileu era, na verdade, o próprio comportamento dos fenômenos físicos: para seu espanto, as bolinhas, independentes de sua massa, desciam sempre com a mesma aceleração e, não importando o peso, chegavam sempre no mesmo tempo ao fim do intervalo espacial. Isto contrariava a física aristotélica, que indicava que os corpos mais pesados chegariam primeiro ao chão: estava aberta uma porta de investigação que não mais se fecharia. A natureza poderia ser quantificada e os fenômenos físicos poderiam estabelecer relações que revelavam seu comportamento futuro. Uma vez que já sabia que a física estava agora em outro campo, passou a estudar com mais cuidado a proposta de Copérnico e estabeleceu que a Terra, além de não estar mais no centro do sistema, fazia dois movimentos: um ao redor do sol, já previsto, e um outro sobre si mesma, em seu próprio eixo. Galileu não estava sozinho nestas pesquisas. Ao mesmo tempo, Tycho Brahe (1546-1601), um astrônomo dinamarquês, fazia anotações em seu observatório, auxiliado pelo brilhante estudante Johannes Kepler (1571-1630). Brahe inova em sua proposta para o sistema, deslocando os planetas para girarem em torno do Sol e este girando em torno da Terra. O astrônomo dinamarquês não chega a comprovar seu sistema e deixa suas anotações para seu ajudante, que não concorda com esta hipótese. É Kepler então quem, retomando a proposta heliocêntrica, primeiro vai resolver um problema que havia sido deixado por Copérnico: sendo órbitas circulares, o tempo levado pelos planetas para percorrer a distância ao redor do sol não se confirmava nas observações, ficando sempre menor. Kepler percebe então que as órbitas na verdade não eram circulares e sim elípticas, e os planetas percorriam a distância em velocidades diferentes acelerando em algumas seções do percurso, com o Sol se deslocando um pouco do centro do sistema. Com esta nova conformação, o tempo e as distâncias batiam com as observações. Em sua obra Astronomia Nova (1609), Kepler demonstrou que a órbita do planeta Marte era uma elipse. Já em Harmonices mundi (1619), ele relacionou a distância intermediária de um planeta em relação ao sol com o tempo que ele demora a completar a sua órbita elíptica. Por seu turno, Galileu foi mais longe, pois ao associar a física celeste com a terrestre, abriu a possibilidade da invenção de máquinas de contagem, como os relógios de pêndulos ou termômetros que começam a ser usados nestes experimentos observacionais que dependiam de medições mais precisas. Galileu complementa Copérnico, nega a física aristotélica e abre caminho Galileu é também o inventor da ciência da artilharia, com para Descartes e Newton completarem a revolução científica seus cálculos sobre a trajetória das balas de canhão, levando agora em consideração que a bala segue uma trajetória parabólica e não em linha reta como se pensava antes. Sua hipótese, derivada das observações, é a de que se um corpo estiver em movimento, sua tendência é que siga em linha reta, a menos que uma força atue sobre ele. Galileu foi antes de tudo um homem ligado ao ensino e à pesquisa, principalmente a partir de 1592, quando se tornou professor de matemática na Universidade de Pádua, onde permaneceu em torno de 18 anos, inventando máquinas, como uma para elevar água e uma bomba movimentada por cavalos, patenteada no ano seguinte. Depois, uma régua de cálculo (sector), o “compasso geométrico-militar”, um instrumento matemático com várias escalas. Escreveu o Trattato di mechaniche (impresso em latim pelo padre Marino Mersenne, em 1634, em Paris). Suas pesquisas o levaram a explicar que o período de um pêndulo não depende de sua amplitude, e propôs teorias dinâmicas que só poderiam ser observadas em condições ideais. Suas observações a olho nu o levam, em 1604, a supernova de Kepler, apresentando em 1605 três palestras públicas sobre o evento, mostrando que a impossibilidade de medir-se a paralaxe indica que a estrela está além da Lua, sugerindo mudanças no céu. Em 1606, publica um pequeno trabalho, Le operazioni del compasso geometrico militare, e inventa o que chamou de termoscópio, uma espécie de termômetro primitivo. Em maio de 1609, ele ouviu falar de um instrumento de olhar à distância que o holandês Hans Lipperhey havia construído. Galileu então passou a se dedicar às lentes e suas combinações até que em junho, construiu sua primeira luneta, com um aumento de três vezes. Galileu fixou a luneta para que sua posição fosse registrada com exatidão. Até dezembro ele construiu vários outros, o mais potente com 30 vezes de aumento e fez uma série de observações da Lua, descobrindo montanhas. De 7 a 15 de janeiro de 1610, descobre os satélites de Júpiter, publicando em latim, em 12 de março de 1610, o Siderius Nuncius (Mensageiro Celeste) e, com as novas descobertas em abril, prova que, contrariamente ao sistema de Ptolomeu, existem corpos celestes que circundam outro corpo que não a Terra. Há registros de que, em 8 de abril de 1610, Johannes Kepler recebe uma cópia do livro, com um pedido por sua opinião. Em 19 de abril, Kepler envia-lhe um carta, em resposta às suas descobertas, publicada em Praga, em maio, como “Conversações com o Mensageiro Celeste” e depois em Florença. O suporte de Kepler foi importante porque publicações de Martin Horky, Lodovico delle Colombe, e Francesco Sizzi duvidavam das observações de Galileu. Kepler e os matemáticos do Colégio Romano eram reconhecidos como as autoridades científicas da época, uma vez que a instituição havia sido fundada pelo Papa Gregório XIII – foi dali que se estabeleceu o calendário gregoriano. Sua fama então o leva, em julho, a ser nomeado Primeiro Matemático da Universidade de Pisa, e Filósofo e MatemátiFILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

45


co do Grão Duque da Toscana. Ainda em dezembro, Galileu observou que Vênus apresentava fases como a Lua, tornando falso o sistema geocêntrico de Ptolomeu, e provando que Vênus orbita o Sol. A confirmação oficial das descobertas foi dada novamente pelos padres jesuítas do Colégio Romano (que observaram os satélites de Júpiter por dois meses), em uma conferência solene realizada no Colégio em maio de 1611, na presença de Galileu. Esta conferência foi intitulada Nuncius sidereus Collegii Romani, e apresentada pelo padre Odo van Maelcote. Retornando a Florença, Galileu participou de reuniões no palácio do Grão Duque Cósimo II, em que se discutia sobre o fenômeno da flutuação e suas possíveis explicações. O filósofo expôs e defendeu a tese de Arquimedes (287-212 a C), a qual propõe que um corpo flutua pela diferença da massa específica do corpo e da água, ao qual se alinhou o Cardeal Maffeo Barberini (o futuro Papa Urbano VIII) – este alinhamento de ideias vai render uma amizade que mais tarde vai ser fundamental para a própria vida de Galileu. Outros, como o Cardeal Federico Gonzaga, defendiam a tese de Aristóteles, de que um corpo flutua porque dentro dele há o elemento aéreo, que tende a subir. Cósimo II propôs que os debatedores registrassem seus argumentos. Galileu escreveu então Discorso intorno alle cose che stanno in su l’acqua o che in quella si muovono, publicado em 1612. Em sua introdução havia referência aos satélites de Júpiter e às manchas solares. Em 1613, a Academia del Lincei publica Istoria e dimonstrazione intorno alle macchie solari e loro accidenti (História sobre as manchas solares), de Galileu, argumentando que a existência das manchas demonstrava a rotação do Sol. As observações de Galileu davam grande quantidade de evidências em favor da teoria heliocêntrica e como divulgador escrevia em italiano para difundir ao público a teoria de Copérnico. Isto chamou a atenção da Inquisição, que após um longo processo e o exame do livro de Galileu sobre as manchas solares resolve adverti-lo, com o Cardeal Bellarmino lendo a sentença do Santo Ofício de 19 de fevereiro de 1616, proibindo-o de difundir as ideias heliocêntricas. Galileo Galilei mostra ao Duque de Veneza como usar o telescópio Em 5 de março de 1616, a Congregação do Índex colo(HJ Detouche, 1754) cou o Des Revolutionibus de Copérnico no Índice de livros proibidos pela Igreja Católica, junto com todos os livros que defendem a teoria heliocêntrica. A razão da proibição, segundo o decreto oficial, era porque no Salmo 104:5 da Bíblia, está escrito: “Deus colocou a Terra em suas fundações, para que não se mova por todo o sempre”, além de referências similares. Em agosto de 1623, o Cardeal Maffeo Barberini, amigo e patrono de Galileu, foi eleito papa e assumiu com o nome de Urbano VIII. Agora Galileu tinha um interlocutor de peso que entenderia suas investigações científicas. Em abril de 1624, teve seis audiências com o papa, e este o liberou para escrever sobre a teoria de Copérnico, desde que fosse tratada como uma hipótese matemática. Em abril de 1630, Galileu terminou seu Dialogo di Galileo Galilei Linceo, dove ne i congressi di quattro giornate si discorre sopra i due massimi sistemi del mondo, tolemaico e copernicano (Diálogo dos Dois Mundos), e o enviou ao Vaticano para liberação para publicação, o que foi dado e o livro saiu da tipografia Tre Pesci (Três Peixes) em 21 de fevereiro de 1632, em Florença. No Diálogo, Galileu refuta as objeções contra o movimento diário e anual da Terra, e mostra como o sistema de Copérnico explica os fenômenos celestes, principalmente as fases de Vênus. O livro é escrito não em latim, mas em italiano, e tem mais o caráter de uma obra pedagógico-filosófica do que estritamente científica. O livro causa uma grande polêmica. O papa, que enfrentava grande oposição política na época, enviou o caso para a Inquisição, que exige a presença de Galileu em Roma, para ser julgado por heresia. Apesar de ter sido publicado com as autorizações eclesiásticas prescritas, Galileu foi intimado a Roma, julgado e condenado por heresia em 1633, uma vez que já havia sido advertido anteriormente. Em 22 de junho de 1633, em uma cerimônia formal no convento dos padres dominicanos de Santa Maria de Minerva, é lida a sentença proibindo o Diálogo, e condenando seu autor, Galileu, à prisão. Aos setenta anos se vê obrigado a renegar suas conclusões de que a Terra não é o centro do Universo e imóvel. A sentença ao exílio foi depois convertida a aprisionamento em sua residência, em Arcetri, onde permaneceu até sua morte. Foi somente em 1822 que foram retiradas do Índice de livros proibidos as obras de Copérnico, Kepler e Galileu, e em 1980, o Papa João Paulo II ordenou um re-exame do processo contra Galileu, o que eliminou os últimos vestígios de resistência, por parte da igreja Católica, à revolução Copernicana. Galileu sabia que mais tarde continuariam em sua trajetória de investigação. De fato, no ano da morte de Galileu, nasce o inglês Isaac Newton (1642-1727), considerado um dos maiores gênios da humanidade. Tinha à sua disposição os trabalhos de Bruno, Copérnico, Brahe, Kepler e Galileu e criou o que lhes faltavam: um instrumento de cálculo algébrico que decodificava matematicamente em expressões leis físicas do comportamento da natureza em movimento, portanto, da dinâmica dos corpos, sejam celestes ou terrestres. Newton é autor de duas obras fundamentais Philosophiae naturalis - Principia mathematica (1687) em que formulou uma teoria sobre a gravidade e expôs suas três leis do movimento – revistas a partir das exposições de Kepler; e Optica (1704) na qual demonstra que a luz branca é decomposta em espectros do vermelho ao violeta. Ele estabelecia, portanto que o universo físico estava na verdade sujeito a leis e que estas leis poderiam ser perceptíveis aos seres humanos que as exprimiam em equações matemáticas.

46

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


AVALIE SEU CONHECIMENTO 01. (UNIMONTES 2010) A filosofia é a disciplina que permite que o indivíduo tenha uma atitude de admiração. Por que admiração? Por que estranhamento? Admiração é a categoria que nos possibilita tomar consciência da nossa própria ignorância. Ignorância entendida aqui como ausência de conhecimento. É essa categoria que estimula a abertura para o saber, o conhecer. (PRATES, Admilson Eustáquio. O Fazer Filosófico. Montes Claros: Unimontes, 2006.)

Aristóteles, no início da Metafísica, lembra-nos que, “Na verdade, foi pela admiração que os homens começaram a filosofar tanto no princípio como agora”. Das afirmativas abaixo, assinale a correta. (A) A admiração conduz ao devaneio e à distância da filosofia. (B) A admiração liga-se aos sentidos e é falsa em sua origem. (C) A admiração é enganadora e confusa na constituição do conhecimento. (D) A admiração constitui possibilidade ímpar para o ato de filosofar.

02. (UFSJ 2010) “Galileu e seus sucessores, atirando objetos de alturas para o solo, e fazendo rolar esferas sobre planos inclinados, contrastavam nitidamente seus métodos com a anterior e habitual especulação inspirada na Metafísica Aristotélica. Achavam-se, pois, abertamente em jogo os procedimentos adequados para a elaboração do Conhecimento. E era preciso não somente determinar esses procedimentos, mas trazer a sua justificação e reeducar-se na condução dos novos métodos. Tanto mais que tais métodos iam chocar-se em última instância com preconceitos profundamente implantados em concepções tradicionais que traziam o poderoso selo de convicções religiosas. As necessidades do momento levavam assim os homens de pensamento a se deterem atentamente nos problemas do Conhecimento. O que, afora as estéreis manipulações verbais a que se reduzira a Lógica formal clássica, praticamente já não detinha a atenção de ninguém”. Assinale a alternativa que expressa o problema central desse fragmento de texto. (A) A tentativa dos modernos em empreender uma nova metodologia para a Ciência e para a Filosofia. (B) A iminente necessidade de se praticar uma Filosofia conduzida por novos métodos e técnicas de aprimoramento da metafísica aristotélica. (C) A grande emergência de se fazer uma total integração da Filosofia com a Ciência através de uma tentativa de equiparação dos seus métodos.

(D) A constatação de que a Filosofia passaria a assumir o comprometimento com as questões relativas ao problema da retórica aristotélica bem como do conhecimento teológico.

03. (UFSJ 2010) Assinale a alternativa CORRETA em relação ao objeto da Filosofia. (A) O objeto da Filosofia é, notadamente, o Conhecimento considerado em toda a sua amplitude, a partir do processo da elaboração cognitiva, que é propriamente o pensamento e a comunicação dessa atividade pensante.

(B) A Filosofia tem por objeto a expressão de tudo o que pode o Homem pensar. (C) O objeto de estudo da Filosofia é idêntico ao objeto de estudo da Ciência, sendo que a sua convergência é orientada pelo método experimental utilizado por ambos.

(D) A Filosofia tem na Teoria do Conhecimento o seu objeto e a sua mais ampla conceituação, uma vez que essa teoria é a expressão máxima de tudo o que se pode entender por Filosofia.

•• TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:

Do princípio do século XVII ao fim do século XVIII, 1o aspecto geral do mundo natural 2alterou-se de tal forma que Copérnico teria ficado pasmo. A revolução que ele iniciara desenvolveu-se tão rápido e de modo tão amplo que não só a astronomia se transformou, mas também a física. Quando isso aconteceu, dissolveram-se os últimos vestígios do universo aristotélico. A matemática tornou-se uma ferramenta cada vez mais essencial para as ciências físicas. A visão do universo adotada por Galileu — morto em 1642, ano do nascimento de Isaac Newton — baseava-se na observação, na experimentação e numa generosa aplicação da matemática. Uma atitude de certa forma diferente daquela adotada por seu contemporâneo mais jovem, René Descartes,que começou a formular uma nova concepção filosófica do universo, que viria a destruir a antiga visão escolástica medieval. Em 1687, Newton publicou os Principia, cujo impacto foi imenso. Em um único volume, reescreveu toda a ciência dos corpos em movimento com uma incrível precisão matemática. Completou o que os físicos do fim da Idade Média haviam começado e que Galileu tentara trazer à realidade. As três leis do movimento, de Newton, formam a base de todo o seu trabalho posterior. Ronan Colin A.. História ilustrada da ciência: da Renascença à revolução científica. São Paulo: Círculo do Livro, s/d, p. 73, 82-3 e 99 (com adaptações).

04. (UNB 2010) Os trabalhos de Aristóteles e Galileu representam dois momentos marcantes do desenvolvimento das ciências naturais no Ocidente. Assinale a opção que sintetiza corretamente as contribuições de cada um deles para a história da ciência. (A) Aristóteles produziu conhecimento acerca do universo de modo empírico e experimental, ao passo que Galileu defendeu o uso da matemática como ferramenta de descoberta, relegando a lógica a uso apenas argumentativo.

(B) O conhecimento de Aristóteles acerca do universo era especulativo, embasado na lógica que ele mesmo criara, diferentemente do conhecimento de Galileu, que defendia o uso da matemática como ferramenta de descoberta, relegando a lógica a uso apenas argumentativo.

(C) A despeito de diferenças quanto à percepção do universo, como heliocêntrico ou geocêntrico, tanto Galileu quanto Aristóteles atribuíam à lógica o poder de desvelar relações de causalidade entre os fenômenos naturais.

(D) O conhecimento de Aristóteles acerca do universo era empírico, e o de Galileu, contemplativo, diferindo ambos quanto ao grau de manipulação dos fenômenos naturais na construção dos conceitos científicos.

05. (UFMG 2008) Leia este fragmento de poema: “E a nova Filosofia coloca tudo em dúvida, O Elemento fogo é deixado de lado, O sol está perdido, e também a Terra, E nenhuma sabedoria humana é capaz de guiar essa busca. E livremente os homens confessam que este mundo se esgotou, Quando procuram nos Planetas e no Firmamento tanta novidade Veem que tudo está de novo pulverizado em Átomos, Tudo em pedaços, toda coerência se perdeu.”

DONNE, J. An Anatomy of the world (1611). FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

47


Nesse fragmento, John Donne, poeta inglês do século XVII, expressa sua inquietação diante da dissolução do cosmos aristotélico por Copérnico. Com base na leitura do poema e considerando outros conhecimentos sobre a revolução científica do século XVII, explique a afirmação: “E a nova Filosofia coloca tudo em dúvida...”

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 06. (PUCCAMP) As ordens já são mandadas, já se apressam os meirinhos. Entram por salas e alcovas, relatam roupas e livros: (...) Compêndios e dicionários, e tratados eruditos sobre povos, sobre reinos, sobre invenções e Concílios... E as sugestões perigosas da França e Estados Unidos, Mably, Voltaire e outros tantos, que são todos libertinos...

(Cecília Meireles, Romance XLVII ou Dos sequestros. “Romanceiro da Inconfidência”)

A referência compêndios, dicionários e tratados eruditos no século XVIII nos sugere uma clara valorização do conhecimento científico, postura que também se verifica no período conhecido como Renascimento. Contribuíram para eclosão deste amplo movimento cultural na Europa, (A) a unificação da Itália e o enfraquecimento da Igreja católica. (B) as descobertas científicas e a revolução industrial na Inglaterra. (C) o fortalecimento das burguesias e o desenvolvimento dos centros urbanos. (D) a Contrarreforma e a fragmentação do poder político dos soberanos. (E) a expansão marítima e a hegemonia árabe na península ibérica.

07. (UFF) A “Carta de Pero Vaz de Caminha”, escrita em 1500, é considerada como um dos documentos fundadores da Terra Brasilis e reflete, em seu texto, valores gerais da cultura renascentista, dentre os quais destaca-se: (A) a visão do índio como pertencente ao universo não religioso, tendo em conta sua antropofagia; (B) a informação sobre os preconceitos desenvolvidos pelo renascimento no que tange à impossibilidade de se formar nos trópicos uma civilização católica e moderna;

(C) a identificação do Novo Mundo como uma área de insucesso devido à elevada temperatura que nada deixaria produzir; (D) a observação da natureza e do homem do Novo Mundo como resultado da experiência da nova visão de homem, característica do século XV; (E) a consideração da natureza e do homem como inferiores ao que foi projetado por Deus na Gênese.

08. (CESGRANRIO) A Revolução Científica, ocorrida na Europa Moderna entre os séculos XVI e XVII, caracterizou-se por: (A) acentuar o espírito crítico do homem através do desenvolvimento da ciência experimental. (B) reforçar as concepções antinaturalistas surgidas nos primórdios do Renascimento. (C) comprovar a tese de um universo geocêntrico contrária à explicação tradicional aceita pela Igreja Medieval. (D) negar os valores humanistas, fortalecendo assim as ideias racionalistas. (E) confirmar os fundamentos lógicos e empiristas da filosofia escolástica em sua crítica aos dogmas católicos medievais.

09. (FATEC) Em O RENASCIMENTO, Nicolau Sevcenko afirma: “O comércio sai da crise do século XIV fortalecido. O mesmo ocorre com a atividade manufatureira, sobretudo aquela ligada à produção bélica, à construção naval e à produção de roupas e tecidos, nas quais tanto a Itália quanto a Flandres se colocaram à frente das demais. As minas de metais nobres e comuns da Europa Central também são enormemente ativadas. Por tudo isso muitos historiadores costumam tratar o século XV como um período de Revolução Comercial.” A Revolução Comercial ocorreu graças: (A) às repercussões econômicas das viagens ultramarinas de descobrimento. (B) ao crescimento populacional europeu, que tornava imperativa a descoberta de novas terras onde a população excedente pudesse ser instalada.

(C) a uma mistura de idealismo religioso e espírito de aventura, em tudo semelhante àquela que levou à formação das cruzadas. (D) aos Atos de Navegação lançados por Oliver Cromwell. (E) à autossuficiência econômica lusitana e à produção de excedentes para exportação.

10. (FATEC) Entre os séculos XIV e XVI a Europa viveu uma época de muitas transformações no campo das técnicas, das artes, da

política, da religião e do próprio conhecimento que o homem tinha do mundo em si mesmo. Sobre esse período histórico, é correto afirmar: (A) Os reinos da França e da Inglaterra enfraqueceram-se devido à crise do sistema feudal, que empobrecera os nobres exatamente no momento de enriquecimento da burguesia mercantil e financeira, o que permitiu que os reis concentrassem mais poder em suas mãos.

(B) Surgiram nessa época “projetos” políticos que diziam respeito às formas de um governante proteger e aumentar seu poder. (C) Durante esse período, quando os reinos independentes se fortaleceram, a Igreja esforçou-se para assegurar o poder espiritual, abandonando sua preocupação anterior com a manutenção de seu poder temporal.

(D) Esse período foi de paz entre os papas e os imperadores; por isso, não se investiu na criação de armas de guerra nem em fortificações. (E) Os comerciantes começaram a entrar em choque direto com a antiga ordem medieval, impondo sua forma de vida e seus valores, à medida que passaram a concentrar as riquezas, das quais dependiam também a Igreja e governantes.

48

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


11. (FGV) Erasmo de Rotterdam (1467-1536) foi um dos pensadores mais influentes de sua época, sobretudo porque em sua obra ELOGIO DA LOUCURA defendeu, entre outros aspectos, (A) a tolerância, a liberdade de pensamento e uma teologia baseada exclusivamente nos Evangelhos. (B) a restauração da teologia nos termos da ortodoxia escolástica, na linha de Tomás de Aquino. (C) a reforma eclesiástica da Igreja segundo a proposta de Savonarola, conforme sua pregação em Florença. (D) o comunismo dos bens, teoria que influenciaria o pensamento de Rousseau no século XVIII. (E) a supremacia da razão do Estado sobre as regras definidas nos princípios da moral cristã.

12. (FUVEST) “Se volveres a lembrança ao Gênese, entenderás que o homem retira da natureza seu sustento e a sua felicidade. O usuário, ao contrário, nega a ambas, desprezando a natureza e o modo de vida que ela ensina, pois outros são no mundo seus ideais.” (Dante Alighieri, A DIVINA COMÉDIA, Inferno, canto XI, tradução de Hernâni Donato).

Esta passagem do poeta florentino exprime:

(A) uma visão já moderna da natureza, que aqui aparece sobreposta aos interesses do homem. (B) um ponto de vista já ultrapassado no seu tempo, posto que a usura era uma prática comum e não mais proibida. (C) uma nostalgia pela Antiguidade greco-romana, onde a prática da usura era severamente coibida. (D) uma concepção dominante na Baixa Idade Média, de condenação à prática da usura por ser contrária ao espírito cristão. (E) uma perspectiva original, uma vez que combina a prática da usura com a felicidade humana.

13. (MACKENZIE) Galileu Galilei (1564 - 1642) rompeu com as concepções medievais sobre a natureza do conhecimento, EXCETO por: (A) defender a ideia da experiência científica, combinando a indução experimental com cálculos dedutivos. (B) pregar que qualquer conhecimento científico deveria ser comprovado experimentalmente, reproduzindo-se o fenômeno sob determinadas condições.

(C) refutar as teorias acerca do sistema geocêntrico de Ptolomeu, com base no sistema heliocêntrico de Copérnico. (D) desenvolver uma concepção hierárquica estática e natural sobre o universo, através de premissas dedutivas que demonstram as conclusões. (E) pregar a rigorosa observação dos fenômenos físicos, estabelecer uma metodologia do conhecimento científico e formular a lei da queda dos corpos.

14. (MACKENZIE) O Humanismo foi um movimento que não pode ser definido por: (A) ser um movimento diretamente ligado ao Renascimento, por suas características antropocentristas e individuais. (B) ter uma visão do mundo que recupera a herança greco-romana, utilizando-a como tema de inspiração. (C) ter valorizado o misticismo, o geocentrismo e as realizações culturais medievais. (D) centrar-se no homem, em oposição ao teocentrismo, encarando-o como “medida comum de todas as coisas”. (E) romper os limites religiosos impostos pela Igreja às manifestações culturais.

15. (PUCCAMP) Sobre a importância do renascimento urbano e comercial, na fase de transição do feudalismo para o capitalismo, pode-se destacar: (A) o caráter assistencialista das corporações de ofício influindo na democratização da ordem social. (B) o enfraquecimento do poder dos reis à medida que as cidades se tornaram independentes da nobreza feudal. (C) o estímulo à centralização monárquica, à unificação das moedas, pesos e medidas e ao mercantilismo. (D) a oposição da burguesia comerciante à prática da usura e consequente apoio da Igreja aos seus empreendimentos marítimos. (E) o crescimento da burguesia repercutindo na decadência da política econômica mercantilista e na formação dos Estados Nacionais.

ANOTAÇÕES

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

49


50

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


CAPÍTULO 6 RACIONALISMO E EMPIRISMO Descartes e a “mathesis universalis” Duvide de tudo que parece fácil, simples e visível. Esta talvez seja a lição mais importante do ano, diria Descartes. Leitor de Galileu, o francês René Descartes (1596-1650) é quem percebe que o momento é de se estabelecer as regras de um método que pudesse guiar qualquer ser humano a descobrir a verdade sobre a natureza e as coisas sem a necessidade da autoridade de outro homem. É a plena e total consciência da liberdade absoluta do homem diante da natureza, cabendolhe agora o papel ativo de controle sobre os processos naturais. Descartes havia recebido uma educação jesuítica, no famoso colégio Le Fleche e depois licenciou-se em Direito pela Universidade de Poitiers. Sempre foi considerado um brilhante aluno e percebeu desde cedo que os argumentos apresentados pelas autoridades da igreja pecavam por falta de consistência. O racionalismo dogmático de Descartes e o princípio de colocar tudo em dúvida para chegar a uma certeza indubitável é a marca do Ao ler Galileu concluiu que tudo que havia sido ensinado pensamento moderno ou da metafísica da modernidade. pelos padres jesuítas de fato poderia estar completamente errado e que diante de tal constatação só restava uma postura: a de duvidar de tudo que havia sido dado como certo. Descartes vai partir então em busca de um método que pudesse garantir a validade do pensamento e sua condição de indubitabilidade. Como crê que tudo que sabe é um erro, admite como regra para seu método a própria dúvida e parte da dúvida particular para uma dúvida geral, chamada por ele de hiperbólica, que se volta sobre si mesma. Ou seja, começa duvidando de tudo – como se um gênio maligno o estivesse enganando a todo momento – e como não pode confiar em mais nada, chega a conclusão que a única coisa que não pode colocar em dúvida é o próprio pensamento, já que é nele que a dúvida está posta: ora, posso duvidar de tudo, menos que duvido! Chega a uma fórmula (se duvido, penso, se penso, sou alguma coisa), uma espécie de equação racionalista do Cogito ergo sum ou, penso, logo sou (existo). A dúvida garante o pensamento que garante a existência do sujeito que pensa. Este exercício mental, racional, está em duas obras de peso escritas entre 1629 e 1649, Discurso do Método (1637) e Meditações Metafísicas (1641). Descartes inverte a condição do conhecimento que até então era admitida: a verdade não está mais no objeto, ela está no sujeito que pensa. O sujeito pensa o objeto, dá a ele uma representação e esta representação é convencionada pelo conjunto de homens que determinam a partir daí qual a representação utilizada por todos para aquele objeto específico. Estamos diante, portanto, de um problema de linguagem representativa, ou ainda, o que Descartes chama de Mathesis universallis, uma matéria universal – que unifica, que torne um – a representação de todos sobre o mesmo objeto. A proposta do filósofo francês é então a matematização da convenção das representações. Para isso, Descartes vai inventar a geometria analítica, que estabelece que um ponto no espaço pode ser especificado por números, indicando sua posição – o chamado plano cartesiano. É uma aplicação da álgebra à geometria. Para ele, a matemática devia sua precisão a um conjunto de premissas da mais absoluta simplicidade, uma simplicidade tão óbvia que era impossível delas duvidar – como a linha reta é a menor distância entre dois pontos. Então a generalização da aplicação das regras matemáticas poderia servir de um guia Descartes percebe que o conhecimento é metodológico racional. subjetivo e por isso é necessário que seja convencionado em uma linguagem precisa É dele também a proposta que os seres humanos são antes de tudo razão (mene universal, a matemática. te) e que, portanto há dois tipos de substâncias, a da mente (sujeito) e a matéria (objeto). Essa diferenciação vai ser chamada mais tarde de dualismo cartesiano, ou nas palavras do próprio filósofo, há uma res cogitans (uma coisa pensante) e uma res extensa ( uma coisa fora do corpo). Juntando tudo: o mundo é res extensa que responde a leis naturais, como aquelas demonstradas por Galileu e que podem ser matematizadas por suas relações de causa e efeito, ou, um padrão de repetição; e o homem é res cogitans, ou seja, através da mente ele cria uma linguagem que representa a res extensa, sendo a matemática a melhor representação que a mente pode fazer dos objetos. No subtítulo de sua obra principal, Descartes escreve: “para bem conduzir sua razão e buscar a verdade nas ciências”. Este discurso que conduz a um método para a utilização da razão de forma subjetiva – libertando-se das autoridades anteriores – serve de prefácio para a sua dióptrica, os meteoros e a geometria e vem dividido em seis partes nas quais o autor diz apenas estar mostrando como conduziu a sua razão a conclusões verdadeiras. Disso ele deduz quatro regras básicas para servir de condução à razão na busca desta verdade subjetiva: a) não acolher alguma coisa como verdadeira sem que ela se apresente de modo evidente, claro – portanto, deve evitar a precipitação e a prevenção, o préconceito e somente aceitar, daqui para frente, argumentos claros, postos de forma que não deixem dúvidas; b) dividir cada uma das dificuldades apresentadas em parcelas simples para melhor compreendê-las e analisá-las; c) ordenar o

51


pensamento, de forma a não perder nenhuma etapa do processo que foi dividido em partes simples, criando uma hierarquia de raciocínios que me conduzem a uma visão total do objeto analisado; d) e por último, enumerar todas as etapas passadas de modo a revisar cada uma das posições para ter certeza que nada ficou de fora. Descartes também tem uma obra ligada à biologia, uma vez que estava postulando que há uma divisão entre o corpo e a alma e, portanto, haveria no corpo um lugar onde o pensamento se dava de forma mecânica, física, colaborando com uma visão de mundo mecanicista e o conceito de homem-máquina do século XVII. Em sua obra Tratado do Homem (1664, publicação póstuma) considera o corpo humano como uma máquina e tenta explicar os processos fisiológicos em termos de moléculas microscópicas: ele relacionava a percepção sensorial a uma ação muscular que é levada, por exemplo, dos olhos (quando estimulados pela luz) à glândula pineal (que para Descartes era o centro das decisões humanas). Também tinha certo que o homem já nasce com algumas ideias postas em sua mente, por uma outra mente superior – provavelmente Deus, por argumentação lógica (o que demonstra ainda a ligação do pensamento cartesiano que é moderno com o teocentrismo medieval, no qual foi criado) – e que estas ideias inatas é que servem de axiomas para os postulados que vêm depois. Portanto, para Descartes, há três tipos de ideias: a) as inatas, que já nascem com o homem, como noções de infinito, perfeição, absoluto, que parecem convergir para uma única ideia, Deus; b) ideias adquiridas, que chegam pelos sentidos, como os cheiros, as visões, os tatos e paladares e os sons; c) as ideias fictícias, aquelas inventadas pela imaginação, como cavalo-alado e sereia. Disposto a seguir na tradição dos astrônomos de seu tempo, lança em sua obra Tratado do Mundo (1633) a ideia de um universo como sendo formado por uma infinidade de vórtices contíguos e que a matéria que preenche o cosmos foi reunida nestes vórtices com uma estrela no centro de cada um deles, com muitos planetas em órbitas. O pensamento cartesiano foi de extrema importância e influência da modernidade em diante, abrindo uma corrente de pensadores que será identificada como racionalista e que vai colocar a razão à frente dos sentidos na relação sujeito/ objeto do conhecimento. De tão famoso que estava, foi convidado pela rainha Cristina, da Suécia, para dar aulas na corte em Estocolmo, onde iria ensinar filosofia para a própria rainha. Naquele rigoroso inverno, Descartes contraiu uma pneumonia e morreu em 1650, com 54 anos de idade e uma fama que ultrapassava a França.

Bacon e o poder da ciência Francis Bacon (1561-1626) atuou em diversas áreas, da política à educação e à filosofia natural, chamada dali a pouco de ciência moderna. Sua famosa frase “saber é poder” resume seu pensamento e sua atuação, ou seja, aqueles que detêm o saber têm também a força política. Logo cedo tornou-se membro do Parlamento, aos 23 anos de idade, e queria usar a influência política que tinha para incentivar os progressos da ciência. Uma de suas ideias, dadas ao rei Jaime I – e não efetivada enquanto estava vivo – foi posta em prática pelo sucessor deste, Carlos II, que fundou a Real Sociedade (de finalidade científica) em 1662, da qual vão fazer parte mais tarde Newton e Darwin. Ele logo percebeu que o conhecimento científico poderia dar ao homem o controle sobre a natureza. Suas obras mais importantes foram os Ensaios (1597), que trata da forma como os homens levam sua vida, como devem ou deveriam fazer; Do Avanço da Ciência Divina e Humana (1605), que é uma espécie de resenha do conhecimento científico da época de Bacon, e o Novum organum (1620), no qual apresenta o seu método científico. Interessante é que ele faz críticas bem -humoradas aos filósofos e filosofias que o antecederam, em especial aos antigos e escolásticos. Sobre os filósofos, escreve que são de três tipos: os aranhas, que tiram tudo de si, como o aracnídeo que faz a teia com o que há dentro dele – numa clara referência a Platão e ao seu mundo das ideias que já estão dentro do homem; os formigas, que passam a vida coletando as coisas da natureza – criticando Aristóteles e sua coleta de dados sensoriais desprezando a importância da experiência; e os abelhas, que vão até a natureza e devolvem algo novo, o mel, ou como fazem os experimentalistas modernos, como Bacon, ultrapassam a própria natureza. O título de sua obra Novum organum é uma referência ao Organon de Aristóteles, no qual o filósofo macedônio apresenta o seu silogismo dedutivo como forma de conhecimento – uma forma de universalizar primeiro para depois referir-se ao objeto (do todo para as partes); agora Bacon apresenta um novo instrumento de lógica, chamado por ele de indução e que é estipulado sob a forma de tábuas de presença, ausência e comparação de fenômenos, das quais se induzem padrões reconhecidos pelo experimento que podem ser generalizados – dos diversos objetos particulares universaliza-se o conceito (das partes para o todo). Ou seja, através de um procedimento controlado e sistemático, podemos observar os fatos, registrar nossas observações e reunir um conjunto confiável de informações que podem ser generalizadas e ainda mais se puderem ser comunicadas para seus pares em uma comunidade científica, aumentando a base de dados e correções, podemos enfim estipular leis sobre o comportamento geral da natureza. Mas para isso é necessário que nos afastemos de certos pré-conceitos que podem atrapalhar nossa conduta científica, levando-nos aos erros. Estes pré-conceitos Bacon os chamou de ídolos e que são de quatro tipos: a) ídolos da tribo (ou classe), porque são conceitos comuns a toda a humanidade que tende a dar mais valor às sensações imediatas estipuladas por uma definição de grupo a qual o indivíduo pertence; b) ídolos da caverna, que se referem aos problemas que os sentidos assumem em cada homem, levando-o ao erro; c) ídolos do teatro, que se referem aos discursos filosóficos e ideias que tentam definir antes o objeto estudado, como as filiações às diversas correntes teóricas; d) ídolos de foro, os problemas que a linguagem podem trazer na definição do objeto científico, necessitando por isso de uma linguagem específica para a ciência. Aos 60 anos, já no final de sua vida, quando se encontrava no ponto mais alto de sua carreira, como ministro do Tesouro, foi acusado de suborno e condenado em um julgamento público. Passou o final dos dias escrevendo em casa, longe dos salões onde sua fama corria – um excelente nacionalista, um homem de ciência, e uma pessoa desprezível.

52

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


John Locke e a tabula rasa Esta modernidade vai trazer ainda o confronto entre duas correntes que não se entendem quanto à prioridade que deva ter a razão sobre os sentidos ou ao contrário, dos sentidos sobre a razão. A dúvida era se o homem já nasce com ideias em sua mente e que demandam que a razão já nasceria com os parâmetros estabelecidos para o conhecimento do objeto, ou se tudo o que conhecemos seria meramente o resultado daquilo que os sentidos (visão, tato, olfato, paladar e audição) captaram do objeto e que foi somente organizado na mente pela razão (cor, consistência, cheiro,sabor e som). A primeira corrente – a que defende que a razão é prevalente, vai ser conhecida como racionalista e a segunda corrente, que defende que os sentidos se sobrepõem à razão, vai ser chamada de empirista (empeiria, em grego, sensações). John Locke (1632-1704) foi um dos grandes nomes da ciência e da política de seu tempo, transformando-se, por suas ideias, em um liberal, ou seja, aquele que defende uma postura individual e livre diante das coisas. Combateu com os parlamentares contra o rei inglês (teses A ideia a mente como uma folha em branco que é abastecida com os dados sensoriais é um negação das que estão na unidade Contratualismo) e, nas inúmeras viagens que ideias inatas que Descartes propunha. fez, em especial para a Holanda, desenvolveu um poderoso sistema de abordagem do conhecimento resumido em uma obra chamada Ensaio sobre o entendimento humano (1689), de caráter empirista. Logo no início de seu livro, alerta que é necessário “que examinemos as nossas próprias capacidades e vermos quais os objetos que o nosso entendimento consegue ou não enfrentar”. Para ele, aquilo que tomamos como uma experiência direta é na verdade um conteúdo de nossa própria consciência, com uma enorme profusão de imagens mentais derivadas de imagens sensoriais. Nascemos com uma tabula rasa, ou seja, como uma folha em branco sem nada inscrito. Aos poucos, com o nosso aparato sensório, vamos preenchendo nossa mente com ideias de sensações, que são acumuladas em uma memória, depois a nossa mente faz outra operação, combinando estas imagens da memória entre elas criando as ideias de reflexão. Os nossos sentidos fazem uma ligação direta com o mundo do lado de fora da mente. Portanto, ele nega aquelas ideias chamadas por Descartes de Inatas, ou por Plantão de Formas (conceitos dados antes pela razão) uma vez que tudo que existe dentro da mente foi colocado lá pelos sentidos. E isso tem uma forte repercussão social: uma vez que ninguém nasce com nada dentro da mente, todos são iguais, já que somente com o processo de conhecimento do mundo iríamos formando nosso entendimento. Portanto, há uma importante função para o processo educacional que deve direcionar este conhecimento, em especial, reflexivo. Locke separou em dois tipos as qualidades das coisas: qualidades primárias, que seriam pertencentes ao objeto, e as qualidades secundárias, formadas a partir das nossas sensações.

Berkeley e o experimento subjetivo A porta empirista aberta por Locke vai ser radicalizada por outro britânico (irlandês) que se notabiliza por propor um experimento que põe em dúvida se é mesmo possível captar a natureza no que ela tem de essencial ou, se na verdade, apenas quantificamos nossas próprias impressões colocadas nos objetos. Este homem é George Berkeley (1685-1753), protestante que estudou no Trinity College, em Dublin e que viveu um bom tempo na colônia inglesa da América, onde fez parte de uma comunidade de ocupação. Berkeley imaginou um experimento que pudesse garantir que tudo o que estava na mente humana provinha dos sentidos e pensou o seguinte: se colocássemos três tonéis de água na frente de uma pessoa, com o primeiro cheio de água fria, o segundo com água morna e o terceiro com água quente, pediríamos que esta pessoa colocasse um braço no tonel frio e outro braço no quente e perguntaríamos: qual o tonel que tem água quente? A resposta seria o segundo (água morna). Se depois repetíssemos a experiência, desta vez com a pessoa colocando o braço no tonel com água morna e o outro braço no de água quente, a resposta seria o segundo, que estava com água quente. Portanto, o tonel do meio, que continha água morna, na verdade na primeira experiência estava quente e agora estava frio, portanto a conclusão que se chega é que os objetos não têm qualidades em si: os homens com sua percepção é que atribuem ao objeto suas qualidades de quente, frio, morno, azul ou verde. Não é, portanto, possível o conhecimento objetivo. As obras de Berkeley são de sua mocidade de 20 anos como Ensaio de uma nova teoria da visão (1709), Tratado sobre os princípios do conhecimento humano (1710) e Três diálogos entre Hilas e Filonos (1713). Nestas obras expõe uma concepção radical: tudo o que existe são na verdade os experimentos humanos guardados em nossa mente, ou seja, não havendo a mente humana, a realidade simplesmente não existe. Não existe realidade objetiva onde não existe uma mente que a pense. Isso colocado no limite indica que a única possibilidade da existência do Todo seria uma mente que pensasse o todo, somente Deus seria possível. Então a mente de Deus garante a existência do Todo e a mente do homem garante a existência das coisas agora diante dele. O mundo é apenas a consciência humana.

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

53


Hume e o conhecimento enquanto hábito Dos que se dedicaram a conhecer a natureza humana, David Hume (1711-1776) talvez seja o mais bem quisto de todos, tanto na Inglaterra, de onde é originário, quanto na França, onde viveu por um bom tempo. Pouca gente sabe, mas Hume foi também um grande economista, amigo de Adam Smith, com quem teve longas discussões sobre a economia liberal que estava em formação naquele período. Também foi historiador, dedicando um bom tempo da vida a escrever a História da Inglaterra (1754-1762) e depois de sua morte mostrou-se também alguém que estava preocupado com a prova da existência de Deus com a publicação da obra Diálogos sobre a religião natural (1799). Não há dúvida que ele partilha com Locke da premissa que é através da experiência que o nosso conhecimento se processa. Também concordava com Berkeley que não há como admitir com segurança a existência de uma realidade material fora de nós, uma vez que o estado de consciência é gerado pelos dados sensoriais. Hume coloca o hábito como fonte psicológica da causa e efeito O que está em construção aqui é mais do que simplesmente dizer se o conhecimento vem de fora ou vem de dentro (sensorial, empírico ou intelectual, racional), mas se os padrões matematizados por Galileu e Descartes são de fato objetivos, pertencentes ao objeto, à natureza, ou se na verdade, não passam de valores dados pelos homens à natureza, aos objetos e que se transformam com o tempo em causa, crença. Neste caso não seria um padrão da natureza e sim um hábito em nós. O hábito nos faz relacionar os fatos criando entre eles um nexo causal que não é verdadeiro e nem garantido. Não podemos simplesmente generalizar as observações feitas em uma situação controlada para toda a natureza e para os comportamentos futuros. Hume abandona a investigação sobre o objeto e passa a se dedicar a investigar a mente humana para entender como ela trabalha a realidade, cujo limite é a convenção. Ele diz que a mente pode operar de três formas: traz à tona uma impressão passada (uma memória-ideia); a mente pode separar ideias complexas em ideias simples para ter maior clareza; e a mente pode combinar as ideias simples. Hume ataca então os racionalistas – como Newton – dizendo que ele não teria descoberto os princípios da natureza, apenas ele convencionou estes princípios. E o que o fez fazer isso, segundo Hume é o que chamou de força gentil (suave), que é a forma como a mente junta as ideias em nossa cabeça, que seguem o princípio que foi estabelecido por ele: a) similaridade (semelhança); b) contiguidade no tempo e espaço; c) causa e efeito. Desta forma, ele divide um tipo de conhecimento que é convencionado (analíticos) e outro que é probabilístico (sintéticos), ou seja, que pode ou não ser previsto. Hume diz que a crença é anterior à ação, exigindo para isso um conceito de contiguidade espacial, que acaba criando uma conexão necessária que se torna anterior ao tempo. Não se trata de uma noção física e sim epistemológica. O que ele chama de convenção é, por exemplo, a ideia que o triângulo é formado pela soma dos ângulos internos cujo resultado necessariamente tem de ser 180 graus. Enquanto não mudarmos esta convenção, ela não vai se alterar criando ideias que dependem destas para serem estabelecidas, estabelecendo um nexo entre elas. Já a probabilidade trata dos conceitos de fato, ou seja, como a natureza de fato opera que só pode estar ligado a um fator probabilístico, ou seja, livre de definições anteriores que não nos permitem antever o seu comportamento. É a partir do século XVIII, que vão começar novas colocações sobre infinito e uma nova geometria (chamada mais tarde de não-euclideana) que vai considerar novos conceitos matemáticos e geométricos, como a soma internas do ângulo do triângulo ser menor ou maior que 180 graus em espaços curvos e esféricos. Neste sentido, é a mente humana quem define as convenções, através de uma crença que está associada às suas experiências. Para exemplificar, Hume faz um grande exercício de lógica em sua obra, saindo da proposição da negação do movimento em Zenão de Eléia e o seu paradoxo do infinito para chegar à conclusão que o que existe é um modo de aparência (manner of apearence) dado pelos sentidos. Proposição 1 – Afirma-se que espaço e tempo são compostos por pontos matemáticos e que por esta razão são infinitamente divisíveis. (tese a ser contestada por Hume) Proposição 2 – Não podemos obter impressão sensível de um ponto matemático. Proposição 3 – Não podemos ter nenhuma ideia do infinitamente grande e nem do infinitamente pequeno. Proposição 4 – Logo, tanto a noção de ponto matemático (2) quanto a noção de infinito (3) são desprovidas de significado. Proposição 5 – De (4) segue a que a afirmação (1) é igualmente desprovida de sentido. Desta forma Hume estava atacando os racionalistas naquilo que a ciência tinha de melhor: seu conteúdo de previsão a partir de um número de observações que poderiam ser quantificadas e matematizadas, gerando assim raciocínios indutivos que nos levavam a estabelecer leis de conformidade com a natureza e a seu comportamento. Dali para frente como atribuir ao fogo o aquecimento da água, uma vez que isso seria apenas uma afirmação baseada em uma crença que estaria posta sobre as observações experimentadas anteriormente da relação entre fogo e água? Tampouco garantir que todos os cisnes são brancos, uma vez que por mais que as amostras individuais nos levassem a esta generalização, o fato era que nada, nada garantiria esta conexão necessária. O problema só seria resolvido por Kant, quando a Alemanha, a partir dele, entra em uma espiral ascendente no pensamento que culminará em uma unificação e sua entrada na industrialização. Enquanto isso, na Inglaterra e na França, o resultado deste distanciamento da Igreja e do aparecimento do Indivíduo que se separa do poder do Rei culmina em revoluções que mudarão o rumo da história do pensamento mais uma vez.

54

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


O Criticismo alemão A ciência avançava na França e na Inglaterra e a Alemanha estava ficando para trás. Dormindo em um sonho utópico e dogmático, os alemães se inspiraram na briga entre as outras duas nações rivais para propor uma síntese que mudaria o rumo da filosofia, da ciência e do conhecimento. O autor dessa façanha é Immanuel Kant 1724-1804), geralmente considerado como o último grande filósofo da era moderna, e sem dúvida, um dos seus pensadores mais influentes. Professor por formação, Kant deu aulas no secundário e depois começou, em 1755, a carreira universitária ensinando Ciências Naturais. A partir de 1770, foi nomeado professor catedrático da universidade de Königsberg, cidade onde nasceu e da qual nunca saiu, realizando trabalhos sobre ciência, física, matemática, até que propõe, na epistemologia, uma síntese entre o Racionalismo (de René Descartes e Gottfried Leibniz, em que impera a forma de raciocínio dedutivo) e a tradição empírica inglesa (de David Hume, John Locke, e George Berkeley, que valoriza os dados sensoriais). Propondo-se a fazer uma Revolução Copernicana do pensamento, Kant muda o foco do conhecimento do objeto para o sujeito, trazendo as noções de Tempo e Espaço como atributos dados pelo sujeito ao objeto e não ao contrário. Esta teoria é denominada idealismo transcendental, ou seja, todos nós trazemos formas e conceitos a priori (aqueles que não vêm da experiência, são dados antes, já estão no sujeito) para a experiência concreta do mundo, os quais seriam de outra forma impossíveis de determinar. Kant publica um dos maiores livros de todos os tempos, Crítica da Razão Pura (1781) e, em uma sequência inspiradora, a Crítica da Razão Prática (1788) e Crítica ao Juízo (1790), além de sua Fundamentação da Metafísica dos Costumes, que teve uma enorme influência e como achou que poucos entenderam a sua primeiO despertar do sono dogmático e a crítica ra Crítica, lançou Prolegômenos a Toda Metafísica Futura, que serve como uma do tribunal da razão proposto por Kant introdução ao primeiro. Este tipo de análise crítica, chamada de negativa – porque restringe (neste caso, a razão) – vai ser seguida por Hegel, por Marx e pela chamada Escola de Frankfurt. O criticismo é uma forma de abordagem filosófica que significa que uma determinada concepção vai ser revista e uma nova abordagem vai ser proposta. Kant faz isso com a Razão e a Moral; Hegel faz isso com o Direito; Marx com a Economia, e a Escola de Frankfurt, com a Cultura. O caráter transcendental é o modo como nós sujeitos conhecemos a priori, ou seja, o modo antes da experiência e também independente da experiência (em uma interpretação de Schopenhauer). Sobre o conhecimento, Kant estipula que há no objeto duas dimensões: a do noumeno, ou seja, aquilo que o objeto é, a coisa-em-si (Ding-an-Sich) que nós não temos acesso e que nunca saberemos o que é. O que fazemos é captar os fenômenos (aquilo que aparece) no Tempo (Zeit) e Espaço (Raum), que são modos de o sujeito conhecer, ou, em uma linguagem kantiana, é um modo de entendimento (Verstand) da razão (Vernunft). Deste modo, não podemos ter nenhum conhecimento do objeto em si, mas tão somente do objeto de nossa intuição sensível. Tempo e Espaço são, portanto, formas da intuição sensível, como condição das coisas enquanto fenômenos. Kant prega uma crítica da razão para acabar com os pensamentos chamados por ele de dogmáticos, que se desenvolvem por meio de conceitos e definições. Este procedimento dogmático tem como objetivo o estabelecimento de verdades. A Crítica também tem este objetivo, mas o faz de forma demonstrativa, baseada em princípios a priori seguros. Kant distingue o pensamento dogmático que seria portanto analítico, enquanto o pensamento crítico seria sintético. Ao estudarmos Kant, devemos tomar alguns cuidados com relação aos termos traduzidos, como por exemplo, “objeto” que em alemão aparece como “Ding”, ou “Gegenstand” ou ainda “Objekt” e que em algumas versões em português não é levada em conta esta diferença. Para nossa interpretação, estamos atribuindo a “Ding” o valor de “coisa”, uma vez que aparece com menos frequência no texto de Kant, sendo utilizado por Wolf em sua escola dogmatica metafísica; para “Gegenstand” é o significado do fenômeno, o objeto sensível captado pela experiência; e “Objekt”, como objeto do conhecimento, aquele que é pensado. A certeza da existência em Kant se dá pela necessidade de algo permanente que só pode estar fora do sujeito. O mundo exterior ao sujeito é permanente e no sujeito o que há é uma representação deste mundo exterior. A intuição que há dentro do sujeito – suas noções categoriais como Tempo e Espaço – é que apreende a natureza do mundo que se manifesta para o sujeito que sofre esta experiência do mundo e produz um tipo de conhecimento. Há ainda um tipo de conhecimento, que é chamado por Kant de sintético a priori, que vem antes da experiência e que acrescenta conhecimento – não é dogmático. Então ele classifica alguns tipos de conhecimento que podem ser colocados neste contexto como: a lógica; a matemática (geometria); a física e a metafísica, que formariam o reino da Razão Pura. Para completar seu sistema, falta apenas compreender que o sujeito tem uma consciência do objeto pensado. Aqui Kant também faz uma distinção entre uma consciência mesma (Bewu(tsein) de uma consciência pensada (Gewissen), que é moral. Estabelecida a base de sua argumentação, Kant começa a sua crítica: inicia com um alerta, alegando que não pretende apresentar uma nova doutrina ou filosofia, mas quer apenas ratificar quais são os limites da razão. Sobre isto já estabeleceu que o conhecimento não está no objeto, não está nos sentidos: o conhecimento está na razão, separando o campo dos objetos da sensibilidade (sentidos) e os objetos do entendimento (pensados). Ao contrário de um contemporâneo seu, Baumgarten, a estética kantiana não está no objeto, ela é transcendental, logo, o que há não é uma aisthesis (sensível), e sim uma noesis (inteligível) que Kant novamente faz questão de separar. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

55


O processo descrito por Kant começa com uma intuição (Anschaung), depois a sensibilidade (Sinnlichkeit), a sensação (Empfindung), o fenômeno (Erscheinung), uma afecção (Gemüt), enfim o objeto (Gegenstand) dentro de um espaço (Raum), ou seja, uma contiguidade – uma intuição externa; e um tempo (Zeit) ou uma sucessão – uma intuição interna; o que vai gerar um conceito (Beguff). Este processo pode ser resumido em quatro etapas: a) Receptividade passiva – o sujeito está no mundo e é afetado por ele através de sua sensibilidade; b) afecção – de todas as sensações que o sujeito é afetado, ele escolhe, foca, faz uma afecção em uma delas; c) percepção – ao escolher uma das sensações que é afetada; d) compreensão – o sujeito compreende, tem o entendimento sobre o que está acontecendo, tirando disso uma consciência.

AVALIE SEU CONHECIMENTO 01. Leia o seguinte texto: A filosofia está escrita neste imenso livro que continuamente está aberto diante de nossos olhos (estou falando do universo), mas que não se pode entender se primeiro não se aprende a entender sua língua e conhecer os caracteres em que está escrito. Ele está escrito em linguagem matemática e seus caracteres são círculos, triângulos e outras figuras geométricas, meios sem os quais é impossível entender humanamente suas palavras: sem tais meios, vagamos inutilmente por um escuro labirinto. (GALILEI, G. Il saggiatore. Apud REALE, G. & ANTISERI, D. História da filosofia. São Paulo: Paulinas, 1990, v. 2, p. 281.)

Tendo em mente o texto acima e os conhecimentos sobre o pensamento de Galileu acerca do método científico, considere as seguintes afirmativas. I. Galileu defende o desenvolvimento de uma ciência voltada para os aspectos objetivos e mensuráveis da natureza, em oposição à física qualitativa de Aristóteles. II. Para Galileu, é possível obter conhecimento científico sobre objetos matemáticos, tais como círculos e triângulos, mas não sobre objetos do mundo sensível. III. Galileu pensa que uma ciência quantitativa da natureza é possível graças ao fato de que a própria natureza está configurada de modo a exibir ordem e simetrias matemáticas. IV. Galileu considera que a observação não faz parte do método científico proposto por ele, uma vez que todo o conhecimento científico pode ser obtido por meio de demonstrações matemáticas.

Assinale a alternativa que contém todas as afirmativas corretas, mencionadas anteriormente. (A) I e III. (B) II e III. (C) III e IV. (D) I, II e IV. (E) II, III e IV.

02. Segundo Francis Bacon, “são de quatro gêneros os ídolos que bloqueiam a mente humana. Para melhor apresentá-los, lhes assinamos nomes, a saber: Ídolos da Tribo; Ídolos da Caverna; Ídolos do Foro e Ídolos do Teatro”. Fonte: BACON, F. Novum Organum. Tradução de José Aluysio Reis de Andrade. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p. 21.

Com base nos conhecimentos sobre Bacon, os Ídolos da Tribo são: (A) Os ídolos dos homens enquanto indivíduos. (B) Aqueles provenientes do intercurso e da associação recíproca dos indivíduos. (C) Aqueles que imigraram para o espírito dos homens por meio das diversas doutrinas filosóficas. (D) Aqueles que chegam ao espírito humano por meio de regras viciosas de demonstração. (E) Aqueles fundados na própria natureza humana.

03. Tendo por base o método cartesiano da dúvida, é correto afirmar que: (A) Este método visa a remover os preconceitos e opiniões preconcebidas e encontrar uma verdade indubitável. (B) Ao engendrar a dúvida hiperbólica, o objetivo de Descartes era provar que suas antigas opiniões, submetidas ao escrutínio da dúvida, eram verdadeiras.

(C) A dúvida hiperbólica é engendrada por Descartes para mostrar que não podemos rejeitar como falso o que é apenas dubitável. (D) Só podemos dar assentimento às opiniões respaldadas pela tradição. (E) A dúvida metódica surge, no espírito humano, involuntariamente.

04. “E, notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar”. Fonte: Descartes, R. Discurso do Método. Tradução de J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 46.

Com base na citação acima e nos conhecimentos sobre Descartes, assinale a alternativa correta:

(A) Para Descartes, é mais fácil conhecer o corpo do que a alma. (B) Descartes estabelece que a alma tem uma natureza puramente intelectual. (C) Segundo Descartes, a verdade da res extensa precede a verdade da res cogitans. (D) O eu penso, logo existo revela a perspectiva cartesiana em considerar primeiramente aquilo que é complexo. (E) A união da alma e do corpo revela que eles possuem a mesma substância.

05. É amplamente conhecido, na história da filosofia, como Descartes coloca em dúvida todo o conhecimento, até encontrar um

fundamento inabalável; uma espécie de princípio de reconstituição do conhecimento. Neste processo, Descartes elege uma regra metodológica que o orientará na busca de novas verdades. A regra geral que orientará Descartes na busca de novas verdades é (A) a possibilidade do mundo externo. (B) a possibilidade de unirmos corpo e alma. (C) a clareza e distinção. (D) a certeza dos juízos matemáticos. (E) a idéia de que corpo e alma são entidades distintas.

56

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 06. Leia o seguinte texto de Descartes: [...] considerei em geral o que é necessário a uma proposição para ser verdadeira e certa, pois, como acabara de encontrar uma proposição que eu sabia sê-lo inteiramente, pensei que devia saber igualmente em que consiste essa certeza. E, tendo percebido que nada há no “penso, logo existo” que me assegure que digo a verdade, exceto que vejo muito claramente que, para pensar, é preciso existir, pensei poder tomar por regra geral que as coisas que concebemos clara e distintamente são todas verdadeiras. (DESCARTES, R. Discurso do método. Tradução de Elza Moreira Marcelina. Brasília: Editora da Universidade de Brasília; São Paulo: Ática, 1989. p. 57.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o pensamento cartesiano, é correto afirmar:

(A) Para Descartes, a proposição “penso, logo existo” não pode ser considerada como uma proposição indubitavelmente verdadeira. (B) Embora seja verdadeira, a proposição “penso, logo existo” é uma tautologia inútil no contexto da filosofia cartesiana. (C) Tomando como base a proposição “penso, logo existo”, Descartes conclui que o que é necessário para que uma proposição qualquer seja verdadeira é que ela enuncie algo que possa ser concebido clara e distintamente.

(D) Descartes é um filósofo cético, uma vez que afirma que não é possível se ter certeza sobre a verdade de qualquer proposição. (E) Tomando como exemplo a proposição “penso, logo existo”, Descartes conclui que uma proposição qualquer só pode ser considerada como verdadeira se ela tiver sido provada com base na experiência.

07. Leia o seguinte texto de Descartes: Essas longas cadeias de razões, todas simples e fáceis, de que os geômetras costumam se utilizar para chegar às demonstrações mais difíceis, haviam-me dado oportunidade de imaginar que todas as coisas passíveis de cair sob domínio do conhecimento dos homens seguem-se umas às outras da mesma maneira e que, contanto que nos abstenhamos somente de aceitar por verdadeira alguma que não o seja, e que observemos sempre a ordem necessária para deduzi-las umas das outras, não pode haver, quaisquer que sejam, tão distantes às quais não se chegue por fim, nem tão ocultas que não se descubram. (DESCARTES, R. Discurso do método. Tradução de Elza Moreira Marcelina. Brasília: Editora da Universidade de Brasília; São Paulo: Ática, 1989. p. 45.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o pensamento de Descartes, é correto afirmar que:

(A) Para Descartes, o conhecimento é obtido partindo-se da experiência, isto é, da observação da natureza, e depois generalizando os resultados de tais observações.

(B) Segundo Descartes, qualquer coisa que a razão humana é capaz de conhecer pode ser alcançada, partindo-se de verdades evidentes, e aplicando a dedução lógica a essas verdades.

(C) Para Descartes, é possível apenas obter um conhecimento aproximado, probabilístico, acerca de qualquer objeto, não sendo de modo algum alcançável o conhecimento da verdade, independente do assunto em questão.

(D) Descartes pensa que, independentemente das premissas das quais se parte ao se procurar obter conhecimento sobre um determinado assunto, a verdade sobre tal assunto será alcançada desde que os princípios da lógica dedutiva sejam aplicados corretamente.

(E) Para Descartes, não há verdades evidentes, de modo que para se obter conhecimento sobre qualquer assunto, é necessário realizar longas séries de demonstrações difíceis, como aquelas que são habitualmente desenvolvidas pelos geômetras.

08. Leia o texto a seguir: “Todos os raciocínios referentes a questões de fato parecem fundar-se na relação de causa e efeito. É somente por meio dessa relação que podemos ir além da evidência de nossa memória e nossos sentidos. [...] Arrisco-me a afirmar, a título de uma proposta geral que não admite exceções, que o conhecimento dessa relação não é, em nenhum caso, alcançado por meio de raciocínios a priori, mas provém inteiramente da experiência, ao descobrirmos que certos objetos particulares acham-se constantemente conjugados uns aos outros.” Fonte: HUME, D. Investigação sobre o entendimento humano. Tradução de José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Editora UNESP, 1999. p. 44-45.

Com base no texto e em seus conhecimentos sobre Hume, é correto afirmar que:

(A) Ao observarmos dois objetos conjugados entre si, podemos observar também a relação de causa e efeito que os une. (B) É a razão que nos faz descobrir as causas e efeitos dos acontecimentos. (C) Quando raciocinamos a priori e consideramos um objeto ou causa apenas, tal como aparece à mente, independente de toda observação, ele facilmente poderá sugerir-nos a idéia de algum objeto distinto, como seu efeito, e também exibir-nos a conexão inseparável e inviolável entre eles. (D) Nenhum objeto jamais revela, pelas qualidades que aparecem aos sentidos, nem as causas que o produziram, nem os efeitos que dele provirão; tampouco nossa razão é capaz de extrair, sem o auxílio da experiência, qualquer conclusão referente à existência efetiva de coisas ou questões de fato. (E) Todas as leis da natureza e todas as operações dos corpos são conhecidas pela razão, com o auxílio da experiência.

09. “Assim como a natureza ensinou-nos o uso de nossos membros sem nos dar o conhecimento dos músculos e nervos que os comandam, do mesmo modo ela implantou em nós um instinto que leva adiante o pensamento em um curso correspondente ao que ela estabeleceu para os objetos externos, embora ignoremos os poderes e as forças dos quais esse curso e sucessão regulares de objetos totalmente dependem”.

Fonte: HUME, D. Investigação sobre o entendimento humano Tradução de José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Editora UNESP, 1999, p.79-80.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a teoria do conhecimento de Hume, assinale a alternativa correta:

(A) Para Hume, o princípio responsável por nossas inferências causais chama-se instinto de autoconservação. (B) Entre o curso da natureza e o nosso pensamento não há qualquer correspondência. (C) Na teoria de Hume, a atividade mental necessária à nossa sobrevivência é garantida pelo conhecimento racional das operações da natureza. (D) O instinto ao qual Hume se refere chama-se hábito ou costume. (E) Segundo Hume, são os raciocínios a priori que garantem o conhecimento das questões de fato.

10. Leia o texto a seguir: Certamente, temos aqui ao menos uma proposição bem inteligível, senão uma verdade, quando afirmamos que, depois da conjunção constante de dois objetos, por exemplo, calor e chama, peso e solidez, unicamente o costume nos determina a esperar um devido ao aparecimento do outro. Parece que esta hipótese é a única que explica a dificuldade que temos de, em mil casos, tirar uma conclusão que não somos capazes de tirar de um só caso, que não discrepa em nenhum aspecto dos outros. A razão não é capaz de semelhante variação. As conclusões tiradas por ela, ao considerar um círculo, são as mesmas que formaria examinando todos os círculos do universo. Mas ninguém, tendo visto somente um corpo se mover depois de ter sido impulsionado por outro, poderia inferir que todos os demais corpos se moveriam depois de receberem impulso igual. Portanto, todas as inferências tiradas da experiência são efeitos do costume e não do raciocínio. (HUME, D. Investigação acerca do entendimento humano. tradução de Anoar Aiex. São Paulo: Nova Cultural, 1999. pp. 61-62.)

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

57


Com base no texto e nos conhecimentos sobre o pensamento de David Hume, é correto afirmar: (A) A razão, para Hume, é incapaz de demonstrar proposições matemáticas, como, por exemplo, uma proposição da geometria acerca de um círculo.

(B) Hume defende que todo tipo de conhecimento, matemático ou experimental, é obtido mediante o uso da razão, e pode ser justificado com base nas operações do raciocínio.

(C) É necessário examinar um grande número de círculos, de acordo com Hume, para se poder concluir, por exemplo, que a área de um círculo qualquer é igual a “PI” multiplicado pelo quadrado do raio desse círculo.

(D) Hume pode ser classificado como um filósofo cético, no sentido de que ele defende a impossibilidade de se obter qualquer tipo de conhecimento com base na razão.

(E) Segundo Hume, somente o costume, e não a razão, pode ser apontado como sendo o responsável pelas conclusões acerca da relação de causa e efeito, às quais as pessoas chegam com base na experiência.

11. Leia o texto a seguir. Como o costume nos determina a transferir o passado para o futuro em todas as nossas inferências, esperamos— se o passado tem sido inteiramente regular e uniforme—o mesmo evento com a máxima segurança e não toleramos qualquer suposição contrária. Mas, se temos encontrado que diferentes efeitos acompanham causas que em aparência são exatamente similares, todos estes efeitos variados devem apresentar-se ao espírito ao transferir o passado para o futuro, e devemos considerá-los quando determinamos a probabilidade do evento. (HUME, D. Investigações acerca do entendimento humano. Tradução de Anoar Aiex. São Paulo: Nova Cultural, 1996, p. 73.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre Hume, é correto afirmar:

(A) Hume procura demonstrar o cálculo matemático de probabilidades. (B) Hume procura mostrar o mecanismo psicológico pelo qual a crença se fixa na imaginação. (C) Para Hume, há uma conexão necessária entre causa e efeito. (D) Para Hume, as inferências causais são a priori. (E) Hume procura mostrar que crença e ficção produzem o mesmo efeito na imaginação humana.

12. Para Hume, “a conjunção entre motivos e ações voluntárias é tão regular e uniforme como a que existe entre a causa e o efeito em qualquer parte da natureza”. (HUME, D. Investigação sobre o entendimento humano. Tradução de Jose Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Editora da Unesp, 1999. p. 118.)

De acordo com a citação e os conhecimentos sobre Hume, considere as afirmativas a seguir: I. A ação humana, embora voluntária, não é livre, pois sua regularidade é equivalente à regularidade da natureza. II. As ações humanas voluntárias são livres, embora não deixem de ser também necessárias. III. A necessidade natural é uma propriedade dos objetos, sejam estes naturais ou ações humanas. IV. A imputabilidade moral é possível porque há regularidade e necessidade nas ações humanas.

Assinale a alternativa que contém todas as afirmativas corretas. (A) I e II. (B) I e III. (C) II e IV. (D) I, III e IV. (E) II, III e IV.

13. Leia o texto a seguir: “Não há dúvida de que todo o nosso conhecimento começa com a experiência; [...] Mas embora todo o nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso todo ele se origina justamente da experiência”. Fonte: KANT, I. Crítica da Razão Pura. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburguer. São Paulo, Abril Cultural, 1980, p. 22.

Com base no texto e em seus conhecimentos sobre Kant, é correto afirmar:

(A) Para Kant, só há conhecimento empírico. (B) A sensibilidade tem também uma função ativa na produção de conceitos. (C) O conhecimento de Deus é possível. (D) Conhecimento depende também de princípios a priori. (E) A razão pura é a fonte de nossos conhecimentos empíricos.

14. “Em todos os juízos em que for pensada a relação de um sujeito com o predicado [...], essa relação é possível de dois modos. Ou o predicado B pertence ao sujeito A como algo contido (ocultamente) nesse conceito A, ou B jaz completamente fora do conceito A, embora esteja em conexão com o mesmo. No primeiro caso, denomino o juízo analítico, no outro sintético”. Fonte: KANT, I. Crítica da Razão Pura. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p.27.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a distinção kantiana entre juízos analíticos e sintéticos, assinale a alternativa que apresenta um juízo sintético a posteriori: (A) Todo corpo é extenso. (B) Todo corpo é pesado. (C) Tudo que acontece tem uma causa. (D) 7 + 5 = 12. (E) Todo efeito tem uma causa.

15. Leia o texto a seguir: A razão humana, num determinado domínio dos seus conhecimentos, possui o singular destino de se ver atormentada por questões, que não pode evitar, pois lhe são impostas pela sua natureza, mas às quais também não pode dar respostas por ultrapassarem completamente as suas possibilidades.

(KANT, I. Crítica da Razão Pura (Prefácio da primeira edição, 1781). Tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994, p. 03.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre Kant, o domínio destas intermináveis disputas chama-se (A) experiência. (B) natureza. (C) entendimento. (D) metafísica. (E) sensibilidade.

58

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


CAPÍTULO 7 O AVANÇO CIENTÍFICO E OS LIMITES ÉTICOS Na década de 1920, vai emergir a chamada Filosofia da Ciência, com as propostas de Karl Popper, referentes ao critério de demarcação do discurso científico como tipo de conhecimento, a sua concepção inovadora do método científico e as consequências que daí resultaram para a ideia de progresso científico. A crítica de Popper ao método da verificação, demonstrando que “o conceito positivista de «significado» ou «sentido» (ou de verificabilidade, confirmabilidade indutiva etc.) não é apropriado para realizar a demarcação entre ciência e metafísica, simplesmente porque a metafísica não é necessariamente carente de sentido, embora não seja uma ciência”. O que procura é abordar uma nova tematização do ideal metódico da ciência, a sua transformação pela colocação da conjecturação no lugar tradicionalmente atribuído à indução e a substituição da exigência de verificabilidade dos enunciados pela de falsificabilidade das hipóteses. No prefácio à primeira edição, 1934, de sua logik der Forschung, Karl Popper nos dá uma indicação clara de qual vai ser o tipo de abordagem que irá propor para analisar o método científico: desconstruir, decompor para compreender. Diz Popper: “Um cientista empenhado em pesquisa - digamos no campo da física - pode atacar diretamente o problema Será que o avanço científico e o conhecimento humano não que enfrenta. Pode penetrar, de imediato, no cerne da questão, terão limites? isto é, no cerne de umaestrutura de doutrinas científicas já existentes e com uma situação-problema que é reconhecida como problema nes- sa estrutura. Essa a razão por que pode entregar a outros a tarefa de adequar sua contribuição ao quadro geral do conhecimento científico”. A seguir indica o que, com efeito, fará durante boa parte de sua obra, com a ciência e seu processo indutivo e experimental: “O filósofo vê-se em posição diversa. Ele não se coloca diante de uma estrutura organizada, mas, antes, em face de algo que se assemelha a um amontoado de ruínas (embora talvez haja tesouros ocultos). Não lhe é dado apoiar-se no fato de existir uma situação- problema, geralmente reconhecida como tal, pois não existir algo semelhante é possivelmente o fato geralmente reconhecido. Com efeito, tornou-se agora questão frequente, nos círculos filosóficos, saber se a Filosofia chegará a colocar um problema genuíno”. O longo trabalho de Popper se debruça nos enun- ciados ou sistemas de enunciados que o cientista formula e verifica um a um. No campo das ciências empíricas, para particularizar, o cientista formula hipóteses ou sistemas de teorias, submete-os a testes, confronta-os com a experiência, através de recursos de observação e experimentação. Popper quer exercer uma análise lógica desse procedimento, ou seja, analisar o método das ciências empíricas. Que são esses métodos das ciências empíricas? A que damos o nome de ciência empírica? A Falseabilidade de uma Teoria Podemos dizer que o falseabilista admite que a observação é guiada pela teoria e a pressupõe. Uma vez propostas, as teorias especulativas terão que ser comprovadas rigorosa e implacavelmente pela observação e a experimentação. As teorias que não superam as provas observáveis e experimentais devem ser eliminadas e substituídas por outras conjecturas especulativas. A ciência progride graças ao ensaio e ao erro, às conjecturas e refutações. “O método da ciência é o método de conjecturas audazes e engenhosas seguidas de tentativas rigorosas de falseálas”. Só sobrevivem as teorias mais aptas. Nunca se pode dizer licitamente que uma teoria é verdadeira, pode-se dizer com otimismo que é a melhor disponível, que é melhor que qualquer das que existiam antes. Segundo o falsificacionismo, pode-se demonstrar que algumas teorias são falsas recorrendo aos resultados da observação e da experimentação. Por outro lado, é possível efetuar deduções lógicas, partindo de enunciados observáveis singulares como premissas, e chegar à falsificação de teorias e leis universais, mediante uma dedução lógica. Exemplo: num determinado lugar e num determinado tempo, observou-se um corvo que não era preto. Conclusão: nem todos os corvos são pretos. Estamos na presença de uma dedução logicamente válida. A falsificação de enunciados universais pode ser de- duzida de enunciados singulares adequados. O falsificacionista explora ao máximo esta questão lógica. Considera que a ciência é um conjunto de hipóteses que se propõem a modo de ensaio com o propósito de descobrir ou explicar de um modo preciso o comportamento de algum aspecto do mundo ou universo. No entanto, nem todas as hipóteses o conseguem. Há uma condição fundamental para que qualquer hipótese tenha o estatuto de teoria científica ou lei científica, essa hipótese tem de ser falsificável. E uma hipótese é falsificada se existe um enunciado observável ou um conjunto de enunciados logicamente possíveis que sejam incompatíveis com ela, isto é, que em caso de serem estabelecidos como verdadeiros, falsificariam a hipótese. Para que uma teoria possua um conteúdo informativo, tem de correr o risco de ser falsificada. Uma boa teoria ou lei científica é falsificada justamente porque faz afirmações definidas acerca do mundo. Uma boa teoria será aquela que faz afirmações de muito amplo alcance acerca do mundo e que, ao ser testada, resista à falsificação. As teorias que tenham sido falsificadas têm que ser rejeitadas, visto que, como afirma Popper, ao descobrirmos que a nossa conjectura era falsa, aprende- mos muito sobre a verdade e chegaremos mais perto dela. Aprendemos com os nossos erros. “A ciência progride me diante o ensaio e o erro”. Mas esta atitude de “vida ou de morte” bate de frente com a precaução recomendada pelo indutivista ingênuo. Segundo este, só as teorias que se podem demonstrar é que são verdadeiras ou provavelmente verdadeiras e só essas devem ser admitidas na ciência. O falsificacionista, em contraposição, reconhece as limitações da indução e a subordinação da observação à teoria. Os segredos da natureza somente se podem descobrir com a ajuda de teorias engenhosas e perspicazes. Quanto maior for o número de teorias conjecturadas que procuram enfrentar a realidade e quanto maior for o seu nível especulativo, maiores serão as oportunidades de realizarmos importantes avanços na ciência.

59


Não existe o perigo de assistirmos a uma proliferação das teorias especulativas, na medida em que aquelas que representam descrições inadequadas do mundo podem ser eliminadas drasticamente em função do resultado da observação ou de outras provas. A exigência da falsificabilidade das teorias origina a atrativa consequência de que as teorias sejam estabelecidas e precisadas com clareza. O progresso da ciência, tal como o vê o falsificacio- nista, poderá resumir-se da seguinte forma: a) a ciência começa com problemas, problemas que estão associados à explicação do comportamento de alguns aspectos do mundo; b) o cientista propõe hipóteses falsificáveis para so- lucionar os problemas; c) as hipóteses são criticadas e comprovadas; d) algumas são eliminadas rapidamente, outras podem ter mais êxito; e) estas devem submeter-se a críticas e provas mais rigorosas; f ) quando finalmente se falsifica uma hipótese que tenha superado com sucesso uma grande variedade de testes, surge um novo problema, que é a invenção de novas hipóteses, seguidas de novas críticas e provas. Este processo continua indefinidamente. Por isso nunca se pode afirmar que uma teoria é verdadeira; por muitas provas rigorosas que tenha superado, somente podemos afirmar que a teoria em vigor é superior às suas predecessoras, no sentido de que foi capaz de superar testes que falsificaram as teorias anteriores. No dizer de Popper: “(...) só há um caminho para a ciência: encontrar um problema, ver a sua beleza e apaixonar-se por ele; casar e viver feliz com ele até que a morte nos separe – a não ser que obtenhamos uma solução. Mas, mesmo que obtenhamos uma solução, poderemos então descobrir, para nosso deleite, a existência de toda uma família de problemas-filhos, encantadores ainda que talvez difíceis, para cujo bem-estar poderemos trabalhar, com um sentido, até ao fim dos nossos dias”. A ciência não começa com a pura observação. A concepção falsificacionista, proporciona uma imagem dinâmica da ciência. O progresso da ciência exige que as teorias sejam cada vez mais falsificáveis e, em conseqüência, tenham cada vez mais informação, exclui, no entanto, que se efetuem modificações nas teorias destinadas simplesmente a protegê-las da falsificação ou de uma falsificação ameaçadora. Essas modificações, tal como a adição de mais um postulado sem consequências que não tenham sido já comprovadas, são denominadas de modificações ad hoc. As modificações ad hoc são rejeitadas pelo falsificacionista, no entanto, existe outro tipo de modificações não ad hoc, aceitas pelo falsificacionista. Deveria talvez ter-se dado mais atenção a Hume, quando ele observou que não é possível validar logica- mente a inferência indutiva que do particular passa ao universal, e propôs que se transferisse para um outro nível, o do hábito, a sua explicação. Foi isso que, como já se referiu, fez Popper, que prolongou a proposta de Hume até à rejeição da ideia de que a ciência, e mais geralmente o conhecimento, tem uma base indutiva, substituindo-a por uma atividade conjectural, hipotética. Mas a questão não é meramente epistemológica. Nós precisamos refletir sobre a relação do homem e os avanços científicos que colocam a vida humana em risco e que pressupõe uma nova tomada de consciência a respeito de como devemos tratar o conhecimento e o controle sobre a manipulação genética. Vamos ampliar a discussão para como devemos tratar o meio ambiente, incluindo plantas e animais e quais os limites que podemos traçar entre a convivência do ser humano e dos demais seres vivos do planeta. Em 2005 a Conferência Geral da UNESCO, em Paris, adotou a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos e Cada vez mais os procedimentos utilizados pelos cientistas são questioreconheceu a capacidade única dos seres humanos de refletir sonados e passíveis de novas regulamentações que impõem limites bre sua própria existência e sobre o seu meio ambiente; de perceber a injustiça; de evitar o perigo; de assumir responsabilidade; de buscar cooperação e de demonstrar o sentido moral que dá expressão a princípios éticos. A declaração era um convite à reflexão sobre os rápidos avanços na ciência e na tecnologia, que progressivamente afetam nossa compreensão da vida e a vida em si, resultando em uma forte exigência de uma resposta global para as implicações éticas de tais desenvolvimentos. Havia naquele momento o reconhecimento de que questões éticas suscitadas pelos rápidos avanços na ciência e suas aplicações tecnológicas devem ser examinadas com o devido respeito à dignidade da pessoa humana e no cumprimento e respeito universais pelos direitos humanos e liberdades fundamentais, e que era necessário e oportuno que a comunidade internacional declaresse princípios universais que proporcionariam uma base para a resposta da humanidade aos sempre crescentes dilemas e controvérsias que a ciência e a tecnologia apresentam à espécie humana e ao meio ambiente. Os seres humanos são parte integrante da biosfera, com um papel importante na proteção um do outro e das demais formas de vida, em particular dos animais. Reconhecendo, com base na liberdade da ciência e da pesquisa, que os desenvolvimentos científicos e tecnológicos têm sido e podem ser de grande benefício para a humanidade inter alia no aumento da expectativa e na melhoria da qualidade de vida, e enfatizando que tais desenvolvimentos devem sempre buscar promover o bem-estar dos indivíduos, famílias, grupos ou comunidades e da humanidade como um todo no reconhecimento da dignidade da pessoa humana e no respeito universal e observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, foi necessário a estipulação de limites e direitos. Hoje sabemos que a saúde não depende unicamente dos desenvolvimentos decorrentes das pesquisas científicas e tecnológicas, mas também de fatores psico-sociais e culturais, e ainda, que decisões sobre questões éticas na medicina, nas ciências da vida e nas tecnologias associadas podem ter impacto sobre indivíduos, famílias, grupos ou comunidades e sobre a humanidade como um todo. Por isso a diversidade cultural, como fonte de intercâmbio, inovação e criatividade, é necessária aos seres humanos e, nesse sentido, constitui patrimônio comum da humanidade, enfatizando, contudo, que esta não pode ser invocada à custa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.

60

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


Tendo igualmente presente que a identidade de um indivíduo inclui dimensões biológicas, psicológicas, sociais, culturais e espirituais, podemos acreditar que hoje as condutas científicas e tecnológicas antiéticas já produziram impacto específico em comunidades indígenas e locais, o que nos leva a avaliar que a sensibilidade moral e a reflexão ética devem ser parte integrante do processo de desenvolvimento científico e tecnológico e de que a bioética deve desempenhar um papel predominante nas escolhas que precisam ser feitas sobre as questões que emergem de tal desenvolvimento.

Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos

DISPOSIÇÕES GERAIS Artigo 1 – Escopo a) A Declaração trata das questões éticas relacionadas à medicina, às ciências da vida e às tecnologias associadas quando aplicadas aos seres humanos, levando em conta suas dimensões sociais, legais e ambientais. b) A presente Declaração é dirigida aos Estados. Quando apropriado e pertinente, ela também oferece orientação para decisões ou práticas de indivíduos, grupos, comunidades, instituições e empresas públicas e privadas. Artigo 2 – Objetivos Os objetivos desta Declaração são: (i) prover uma estrutura universal de princípios e procedimentos para orientar os Estados na formulação de sua legislação, políticas ou outros instrumentos no campo da bioética; (ii) orientar as ações de indivíduos, grupos, comunidades, instituições e empresas públicas e privadas; (iii) promover o respeito pela dignidade humana e proteger os direitos humanos, assegurando o respeito pela vida dos seres humanos e pelas liberdades fundamentais, de forma consistente com a legislação internacional de direitos humanos; (iv) reconhecer a importância da liberdade da pesquisa científica e os benefícios resultantes dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, evidenciando, ao mesmo tempo, a necessidade de que tais pesquisas e desenvolvimentos ocorram conforme os princípios éticos dispostos nesta Declaração e respeitem a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais; (v) promover o diálogo multidisciplinar e pluralístico sobre questões bioéticas entre todos os interessados e na sociedade como um todo; (vi) promover o acesso eqüitativo aos desenvolvimentos médicos, científicos e tecnológicos, assim como a maior difusão possível e o rápido compartilhamento de conhecimento relativo a tais desenvolvimentos e a participação nos benefícios, com particular atenção às necessidades de países em desenvolvimento; (vii) salvaguardar e promover os interesses das gerações presentes e futuras; e (viii) ressaltar a importância da biodiversidade e sua conservação como uma preocupação comum da humanidade. PRINCÍPIOS Conforme a presente Declaração, nas decisões tomadas ou práticas desenvolvidas por aqueles a quem ela é dirigida, devem ser respeitados os princípios a seguir. Artigo 3 – Dignidade Humana e Direitos Humanos a) A dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser respeitados em sua totalidade. b) Os interesses e o bem-estar do indivíduo devem ter prioridade sobre o interesse exclusivo da ciência ou da sociedade. Artigo 4 – Benefício e Dano Os benefícios diretos e indiretos a pacientes, sujeitos de pesquisa e outros indivíduos afetados devem ser maximizados e qualquer dano possível a tais indivíduos deve ser minimizado, quando se trate da aplicação e do avanço do conhecimento científico, das práticas médicas e tecnologias associadas. Artigo 5 – Autonomia e Responsabilidade Individual Deve ser respeitada a autonomia dos indivíduos para tomar decisões, quando possam ser responsáveis por essas decisões e respeitem a autonomia dos demais. Devem ser tomadas medidas especiais para proteger direitos e interesses dos indivíduos não capazes de exercer autonomia. Artigo 6 – Consentimento a) Qualquer intervenção médica preventiva, diagnóstica e terapêutica só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido do indivíduo envolvido, baseado em informação adequada. O consentimento deve, quando apropriado, ser manifesto e poder ser retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer momento e por qualquer razão, sem acarretar desvantagem ou preconceito. b) A pesquisa científica só deve ser realizada com o prévio, livre, expresso e esclarecido consentimento do indivíduo envolvido. A informação deve ser adequada, fornecida de uma forma compreensível e incluir os procedimentos para a retirada do consentimento. O consentimento pode ser retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer hora e por qualquer razão, sem acarretar qualquer desvantagem ou preconceito. Exceções a este princípio somente devem ocorrer quando em conformidade com os padrões éticos e legais adotados pelos Estados, consistentes com as provisões da presente Declaração, particularmente com o Artigo 27 e com os direitos humanos. c) Em casos específicos de pesquisas desenvolvidas em um grupo de indivíduos ou comunidade, um consentimento adicional dos representantes legais do grupo ou comunidade envolvida pode ser buscado. Em nenhum caso, o consentimento coletivo da comunidade ou o consentimento de um líder da comunidade ou outra autoridade deve substituir o consentimento informado individual. Artigo 7 – Indivíduos sem a Capacidade para Consentir Em conformidade com a legislação, proteção especial deve ser dada a indivíduos sem a capacidade para fornecer consentimento: a) a autorização para pesquisa e prática médica deve ser obtida no melhor interesse do indivíduo envolvido e de acordo com a legislação nacional. Não obstante, o indivíduo afetado deve ser envolvido, na medida do possível, tanto no processo de decisão sobre consentimento assim como sua retirada; b) a pesquisa só deve ser realizada para o benefício direto à saúde do indivíduo envolvido, estando sujeita à autorização e às condições de proteção prescritas pela legislação e caso não haja nenhuma alternativa de pesquisa de eficácia comparável que possa incluir sujeitos de pesquisa com capacidade para fornecer consentimento. Pesquisas sem potencial benefício direto à saúde só devem ser realizadas excepcionalmente, com a maior restrição, expondo o indivíduo apenas a risco e desconforto mínimos e quando se espera que a pesquisa contribua com o benefício à saúde de outros indivíduos na mesma categoria, sendo sujeitas às condições prescritas por lei e compatíveis com a proteção dos direitos humanos do indivíduo. A recusa de tais indivíduos em participar de pesquisas deve ser respeitada. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

61


Artigo 8 – Respeito pela Vulnerabilidade Humana e pela Integridade Individual A vulnerabilidade humana deve ser levada em consideração na aplicação e no avanço do conhecimento científico, das práticas médicas e de tecnologias associadas. Indivíduos e grupos de vulnerabilidade específica devem ser protegidos e a integridade individual de cada um deve ser respeitada. Artigo 9 – Privacidade e Confidencialidade A privacidade dos indivíduos envolvidos e a confidencialidade de suas informações devem ser respeitadas. Com esforço máximo possível de proteção, tais informações não devem ser usadas ou reveladas para outros propósitos que não aqueles para os quais foram coletadas ou consentidas, em consonância com o direito internacional, em particular com a legislação internacional sobre direitos humanos. Artigo 10 – Igualdade, Justiça e Eqüidade A igualdade fundamental entre todos os seres humanos em termos de dignidade e de direitos deve ser respeitada de modo que todos sejam tratados de forma justa e eqüitativa. Artigo 11 – Não-Discriminação e Não-Estigmatização Nenhum indivíduo ou grupo deve ser discriminado ou estigmatizado por qualquer razão, o que constitui violação à dignidade humana, aos direitos humanos e liberdades fundamentais. Artigo 12 – Respeito pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo A importância da diversidade cultural e do pluralismo deve receber a devida consideração. Todavia, tais considerações não devem ser invocadas para violar a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais nem os princípios dispostos nesta Declaração, ou para limitar seu escopo. Artigo 13 – Solidariedade e Cooperação A solidariedade entre os seres humanos e cooperação internacional para este fim devem ser estimuladas. Artigo 14 – Responsabilidade Social e Saúde a) A promoção da saúde e do desenvolvimento social para a sua população é objetivo central dos governos, partilhado por todos os setores da sociedade. b) Considerando que usufruir o mais alto padrão de saúde atingível é um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, convicção política, condição econômica ou social, o progresso da ciência e da tecnologia deve ampliar: (i) o acesso a cuidados de saúde de qualidade e a medicamentos essenciais, incluindo especialmente aqueles para a saúde de mulheres e crianças, uma vez que a saúde é essencial à vida em si e deve ser considerada como um bem social e humano; (ii) o acesso a nutrição adequada e água de boa qualidade; (iii) a melhoria das condições de vida e do meio ambiente; (iv) a eliminação da marginalização e da exclusão de indivíduos por qualquer que seja o motivo; e (v) a redução da pobreza e do analfabetismo. Artigo 15 – Compartilhamento de Benefícios a) Os benefícios resultantes de qualquer pesquisa científica e suas aplicações devem ser compartilhados com a sociedade como um todo e, no âmbito da comunidade internacional, em especial com países em desenvolvimento. Para dar efeito a esse princípio, os benefícios podem assumir quaisquer das seguintes formas: (i) ajuda especial e sustentável e reconhecimento aos indivíduos e grupos que tenham participado de uma pesquisa; (ii) acesso a cuidados de saúde de qualidade; (iii) oferta de novas modalidades diagnósticas e terapêuticas ou de produtos resultantes da pesquisa; (iv) apoio a serviços de saúde; (v) acesso ao conhecimento científico e tecnológico; (vi) facilidades para geração de capacidade em pesquisa; e (vii) outras formas de benefício coerentes com os princípios dispostos na presente Declaração. b) Os benefícios não devem constituir indução inadequada para estimular a participação em pesquisa. Artigo 16 – Proteção das Gerações Futuras O impacto das ciências da vida sobre gerações futuras, incluindo sobre sua constituição genética, deve ser devidamente considerado. Artigo 17 – Proteção do Meio Ambiente, da Biosfera e da Biodiversidade Devida atenção deve ser dada à inter-relação de seres humanos com outras formas de vida, à importância do acesso e utilização adequada de recursos biológicos e genéticos, ao respeito pelo conhecimento tradicional e ao papel dos seres humanos na proteção do meio ambiente, da biosfera e da biodiversidade. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS Artigo 18 – Tomada de Decisão e o Tratamento de Questões Bioéticas a) Devem ser promovidos o profissionalismo, a honestidade, a integridade e a transparência na tomada de decisões, em particular na explicitação de todos os conflitos de interesse e no devido compartilhamento do conhecimento. Todo esforço deve ser feito para a utilização do melhor conhecimento científico e metodologia disponíveis no tratamento e constante revisão das questões bioéticas. b) Os indivíduos e profissionais envolvidos e a sociedade como um todo devem estar incluídos regularmente num processo comum de diálogo. c) Deve-se promover oportunidades para o debate público pluralista, buscando-se a manifestação de todas as opiniões relevantes. Artigo 19 – Comitês de Ética Comitês de ética independentes, multidisciplinares e pluralistas devem ser instituídos, mantidos e apoiados em nível adequado com o fim de: (i) avaliar questões éticas, legais, científicas e sociais relevantes relacionadas a projetos de pesquisa envolvendo seres humanos; (ii) prestar aconselhamento sobre problemas éticos em situações clínicas; (iii) avaliar os desenvolvimentos científicos e tecnológicos, formular recomendações e contribuir para a elaboração de diretrizes sobre temas inseridos no âmbito da presente Declaração; e (iv) promover o debate, a educação, a conscientização do público e o engajamento com a bioética. Artigo 20 – Avaliação e Gerenciamento de Riscos Deve-se promover a avaliação e o gerenciamento adequado de riscos relacionados à medicina, às ciências da vida e às tecnologias associadas.

62

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


Artigo 21 – Práticas Transnacionais a) Os Estados, as instituições públicas e privadas, e os profissionais associados a atividades transnacionais devem empreender esforços para assegurar que qualquer atividade no escopo da presente Declaração que seja desenvolvida, financiada ou conduzida de algum modo, no todo ou em parte, em diferentes Estados, seja coerente com os princípios da presente Declaração. b) Quando a pesquisa for empreendida ou conduzida em um ou mais Estados [Estado(s) hospedeiro(s)] e financiada por fonte de outro Estado, tal pesquisa deve ser objeto de um nível adequado de revisão ética no(s) Estado(s) hospedeiro(s) e no Estado no qual o financiador está localizado. Esta revisão deve ser baseada em padrões éticos e legais consistentes com os princípios estabelecidos na presente Declaração. c) Pesquisa transnacional em saúde deve responder às necessidades dos países hospedeiros e deve ser reconhecida sua importância na contribuição para a redução de problemas de saúde globais urgentes. d) Na negociação de acordos para pesquisa, devem ser estabelecidos os termos da colaboração e a concordância sobre os benefícios da pesquisa com igual participação de todas as partes na negociação. e) Os Estados devem tomar medidas adequadas, em níveis nacional e internacional, para combater o bioterrorismo e o tráfico ilícito de órgãos, tecidos, amostras, recursos genéticos e materiais genéticos. PROMOÇÃO DA DECLARAÇÃO Artigo 22 – Papel dos Estados a) Os Estados devem tomar todas as medidas adequadas de caráter legislativo, administrativo ou de qualquer outra natureza, de modo a implementar os princípios estabelecidos na presente Declaração e em conformidade com o direito internacional e com os direitos humanos. Tais medidas devem ser apoiadas por ações nas esferas da educação, formação e informação ao público. b) Os Estados devem estimular o estabelecimento de comitês de ética independentes, multidisciplinares e pluralistas, conforme o disposto no Artigo 19. Artigo 23 – Informação, Formação e Educação em Bioética a) De modo a promover os princípios estabelecidos na presente Declaração e alcançar uma melhor compreensão das implicações éticas dos avanços científicos e tecnológicos, em especial para os jovens, os Estados devem envidar esforços para promover a formação e educação em bioética em todos os níveis, bem como estimular programas de disseminação de informação e conhecimento sobre bioética. b) Os Estados devem estimular a participação de organizações intergovernamentais, internacionais e regionais e de organizações nãogovernamentais internacionais, regionais e nacionais neste esforço. Artigo 24 – Cooperação Internacional a) Os Estados devem promover a disseminação internacional da informação científica e estimular a livre circulação e o compartilhamento do conhecimento científico e tecnológico. b) Ao abrigo da cooperação internacional, os Estados devem promover a cooperação cultural e científica e estabelecer acordos bilaterais e multilaterais que possibilitem aos países em desenvolvimento construir capacidade de participação na geração e compartilhamento do conhecimento científico, do know-how relacionado e dos benefícios decorrentes. c) Os Estados devem respeitar e promover a solidariedade entre Estados, bem como entre indivíduos, famílias, grupos e comunidades, com atenção especial para aqueles tornados vulneráveis por doença ou incapacidade ou por outras condições individuais, sociais ou ambientais e aqueles indivíduos com maior limitação de recursos. Artigo 25 – Ação de Acompanhamento pela UNESCO a) A UNESCO promoverá e disseminará os princípios da presente Declaração. Para tanto, a UNESCO buscará apoio e assistência do Comitê Intergovernamental de Bioética (IGBC) e do Comitê Internacional de Bioética (IBC). b) A UNESCO reafirmará seu compromisso em tratar de bioética e em promover a colaboração entre o IGBC e o IBC. CONSIDERAÇÕES FINAIS Artigo 26 – Inter-relação e Complementaridade dos Princípios A presente Declaração deve ser considerada em sua totalidade e seus princípios devem ser compreendidos como complementares e inter-relacionados. Cada princípio deve ser interpretado no contexto dos demais, de forma pertinente e adequada a cada circunstância. Artigo 27 – Limitações à Aplicação dos Princípios Se a aplicação dos princípios da presente Declaração tiver que ser limitada, tal limitação deve ocorrer em conformidade com a legislação, incluindo a legislação referente aos interesses de segurança pública para a investigação, constatação e acusação por crimes, para a proteção da saúde pública ou para a proteção dos direitos e liberdades de terceiros. Quaisquer dessas legislações devem ser consistentes com a legislação internacional sobre direitos humanos. Artigo 28 – Recusa a Atos Contrários aos Direitos Humanos, às Liberdades Fundamentais e Dignidade Humana Nada nesta Declaração pode ser interpretado como podendo ser invocado por qualquer Estado, grupo ou indivíduo, para justificar envolvimento em qualquer atividade ou prática de atos contrários aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e à dignidade humana. Tradução e revisão final sob a responsabilidade da Cátedra UNESCO de Bioética da Universidade de Brasília (UnB) e da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB). Tradução: Ana Tapajós e Mauro Machado do Prado. Revisão: Volnei Garrafa.

AVALIE SEU CONHECIMENTO 01. Karl Popper, em “A lógica da investigação científica”, se opõe aos métodos indutivos das ciências empíricas. Em relação a esse tema, diz Popper: “Ora, de um ponto de vista lógico, está longe de ser óbvio que estejamos justificados ao inferir enunciados universais a partir dos singulares, por mais elevado que seja o número destes últimos”. Fonte: POPPER, K. R. A lógica da investigação científica. Tradução de Pablo Rubén Mariconda. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p.3.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre Popper, assinale a alternativa correta:

(A) Para Popper, qualquer conclusão obtida por inferência indutiva é verdadeira. (B) De acordo com Popper, o princípio da indução não tem base lógica porque a verdade das premissas não garante a verdade da conclusão. (C) Uma inferência indutiva é aquela que, a partir de enunciados universais, infere enunciados singulares. (D) A observação de mil cisnes brancos justifica, segundo Popper, a conclusão de que todos os cisnes são brancos. (E) Para Popper, a solução para o problema do princípio da indução seria passar a considerá-lo não como verdadeiro, mas apenas como provável.

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

63


02. (UEL-2004) “O positivista desaprova a idéia de que possam existir problemas significativos fora do campo da ciência empírica ‘positiva’ – problemas a serem enfrentados por meio de uma teoria filosófica genuína. O positivista não aprova a idéia de que deva existir uma [...] epistemologia [...].”

(POPPER, Karl R. A lógica da pesquisa científica. Trad. de Leônidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix, 1974. p. 53.)

Com base no texto, é correto afirmar que Karl Popper:

(A) Defende a idéia de que a filosofia é uma ciência. (B) Atribui aos positivistas a tese de que a filosofia é uma ciência. (C) Afirma que as teorias filosóficas devem resolver os problemas científicos. (D) Descreve a rejeição do positivista à epistemologia. (E) Desaprova a idéia de que deva existir uma epistemologia.

03. (UEL - 2005) “As experiências e erros do cientista consistem de hipóteses. Ele as formula em palavras, e muitas vezes por escrito. Pode então tentar encontrar brechas em qualquer uma dessas hipóteses, criticando-a experimentalmente, ajudado por seus colegas cientistas, que ficarão deleitados se puderem encontrar uma brecha nela. Se a hipótese não suportar essas críticas e esses testes pelo menos tão bem quanto suas concorrentes, será eliminada”. (POPPER, Karl. Conhecimento objetivo. Trad. de MiltonAmado. São Paulo: Edusp & Itatiaia, 1975. p. 226.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre ciência e método científico, é correto afirmar:

(A) O método científico implica a possibilidade constante de refutações teóricas por meio de experimentos cruciais. (B) A crítica no meio científico significa o fracasso do cientista que formulou hipóteses incorretas. (C) O conflito de hipóteses científicas deve ser resolvido por quem as formulou, sem ajuda de outros cientistas. (D) O método crítico consiste em impedir que as hipóteses científicas tenham brechas. (E) A atitude crítica é um empecilho para o progresso científico.

04. “(...) a ciência tem mais que um simples valor de sobrevivência biológica. Ela não é apenas um instrumento útil. Embora não possa atingir a verdade nem a probabilidade, o esforço pelo conhecimento e a procura pela verdade ainda são os motivos mais fortes da descoberta científica. Não sabemos, podemos apenas conjecturar. E nossas conjecturas são guiadas pela fé não-científica, metafísica (embora explicável biologicamente), nas leis ou regularidades que podemos desvendar – descobrir” (POPPER, Karl. A Lógica da pesquisa científica, in CHAUÍ (org.), Primeira Filosofia. São Paulo: Brasiliense, 1987 –p.213 214).

De acordo com o enunciado, e com seus conhecimentos sobre o tema, qual das alternativas abaixo caracteriza a ciência contemporânea para Karl Popper (1902-1994)? (A) Para Popper, o que garante a verdade do discurso científico é sua condição de refutabilidade: quando uma teoria resiste à refutação, ela é corroborada. Assim, não é a explicação e a justificação de sua teoria que deve preocupar o cientista, mas sim o levantamento de possíveis teorias que a refutem. (B) Popper abandonou o empirismo para dedicar-se ao chamado anarquismo epistemológico. Defende o pluralismo metodológico e critica as posições positivistas e as metodologias normativas adotadas pela ciência contemporânea. (C) Popper nega que o desenvolvimento da ciência tenhasido levado a efeito pelo ideal de refutação. Segundo o autor, a ciência progride pela tradição intelectual representada pelo conceito de paradigma. (D) De acordo com Popper, o homem está convencido de sua capacidade de conhecer o mundo pela ciência. A concepção de ciência do autor tem como pressuposto o mecanicismo e o determinismo. (E) Popper elaborou o primeiro exemplo de teoria científica encontrado na ciência moderna: a teoria da gravitação universal, fazendo da fisiologia uma ciência positiva, tendo por modelo o método experimental da física e da química.

05. Consideremos o campo da epistemologia contemporânea; sob esse aspecto, podemos afirmar que a posição de Thomas Kuhn (19221996), em relação à ciência, se contrapôs à concepção científica de Karl Popper (1902-1994)? Assinale a alternativa correta. (A) Sim, Kuhn se contrapôs à teoria de Popper ao negar que o desenvolvimento da ciência se dê mediante o ideal de refutação. Ao contrário,

Kuhn afirma que a ciência progride pela tradição intelectual representada pelo paradigma, que é a visão de mundo expressa numa teoria.

(B) Não, Kuhn absorve a teoria da refutabilidade de Popper ao desenvolver sua concepção de paradigma científico. Para ambos, o que garante a verdade de um discurso científico é sua condição de justificação, ou seja, quando uma teoria é justificada ela é corroborada.

(C) Não, Kuhn argumentou que uma teoria, como paradigma, deve ser desenvolvida em vez de criticada, motivo pelo qual ele não poderia opor-se ao pensamento de Popper. Sua tentativa será outra: tentar harmonizar aqueles pontos de vista que divergem do seu.

(D) Sim, Kuhn cedo abandonou o empirismo, classificando-se como anarquista epistemológico. Dessa forma, opôs-se não apenas à concepção metodológica de Popper como também de outros contemporâneos seus, como Lakatos, por exemplo. Diferentemente de Popper, Kuhn anuncia que as teorias não são nem verdadeiras, nem falsas, mas úteis. (E) Sim, diferentemente de Popper, para quem a física newtoniana era considerada a imagem verdadeira do mundo, tendo como pressupostos o mecanicismo e o determinismo, Kuhn estabelece como paradigma de sua concepção de ciência o irracionalismo de Heisenberg e seu princípio da incerteza.

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 06. Karl Popper, em A Lógica da Investigação Científica, se opõe aos métodos indutivos das ciências empíricas. Em relação a esse tema, diz Popper: “Ora, de um ponto de vista lógico, está longe de ser óbvio que estejamos justificados ao inferir enunciados universais a partir dos singulares, por mais elevado que seja o número destes últimos”. POPPER, K. R. A lógica da investigação científica. Trad. de Pablo Rubén Mariconda. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p.3.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre Popper, assinale a alternativa CORRET A:

(A) Para Popper, qualquer conclusão obtida por inferência indutiva é verdadeira. (B) De acordo com Popper, o princípio da indução não tem base lógica porque a verdade das premissas não garante a verdade da conclusão. (C) Uma inferência indutiva é aquela que, a partir de enunciados universais, infere enunciados singulares. (D) A observação de mil cisnes brancos justifica, segundo Popper, a conclusão de que todos os cisnes são brancos. (E) Para Popper, a solução para o problema do princípio da indução seria passar a considerá-lo não como verdadeiro, mas apenas como provável.

64

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


07. (UEM 2013) A filosofia da ciência contemporânea, ao contrário da tradição clássica e moderna, que acreditava no acúmulo linear

do conhecimento, questionou a ideia de progresso e de neutralidade científica. Conceitos como crise, anomalia, descontinuidade, ruptura e incomensurabilidade (entre paradigmas científicos), inauguram uma nova orientação epistemológica, voltada para a ideia de ciência construída, mais do que verdadeira ou fiel à natureza do mundo. Sobre a filosofia da ciência contemporânea, assinale o que for correto. (01) As teorias científicas não podem ser verificadas de ponta a ponta, possuindo elementos arbitrários na composição da teoria. (02) Segundo Paul Fayerabend, os cientistas utilizam persuasão, retórica e propaganda para convencer a comunidade científica. (04) A validade de uma teoria científica está na maneira como explica um conjunto ilimitado de fenômenos. (08) As teorias científicas se completam mutuamente, aproximando-se cada vez mais da ciência divina. (16) A prática científica é igual à do senso comum, pois não se ocupa com a verdade dos fatos. SOMA = _____

08. (UNIOESTE 2011) “Acredito que a função do cientista e do filósofo é solucionar problemas científicos ou filosóficos e não falar sobre o que ele e outros filósofos estão fazendo ou deveriam fazer (...) Quando disse que a indagação sobre o caráter dos problemas filosóficos é mais apropriada do que a pergunta ‘Que é a filosofia?’ quis insinuar uma das razões da futilidade da atual controvérsia a respeito da natureza da filosofia: a crença ingênua de que existe de fato uma entidade que podemos chamar de ‘filosofia’ ou de ‘atividade filosófica’, com uma ‘natureza’, essência ou caráter determinado (...) Na verdade não é possível distinguir disciplinas em função da matéria de que tratam (...) Estudamos problemas, não matérias: problemas que podem ultrapassar as fronteiras de qualquer matéria ou disciplina”. Karl Popper.

Assinale a alternativa que não corresponde à concepção de filosofia de Karl Popper.

(A) Os problemas filosóficos podem ultrapassar as fronteiras da filosofia e implicar soluções interdisciplinares. (B) A filosofia e as demais disciplinas têm problemas em comum. (C) Não existe algo como uma entidade filosófica ou atividade com natureza determinada que possa ser mencionada como resposta a pergunta “Que é a filosofia?”.

(D) Ao filosofo não cabe indicar o que deve ser feito, mas ocupar-se da resolução de problemas. (E) Antes de solucionar problemas é imprescindível que se determine a essência da filosofia, sua natureza.

09. (UEM 2013) Para o filósofo Karl Popper (1902-1994), “Um cientista, seja teórico ou experimental, formula enunciados ou sistemas de enunciados e verifica-os um a um. No campo das ciências empíricas, para particularizar, ele formula hipótese ou sistemas de teorias e submete-os a teste, confrontando-os com a experiência, através de recursos de observação e experimentação. A tarefa da lógica da pesquisa científica, ou da lógica do conhecimento, é, segundo penso, proporcionar uma análise lógica desse procedimento, ou seja, analisar o método das ciências empíricas”. (POPPER, K. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Ed. Cultrix, 1972, p. 27).

A partir do trecho citado, assinale a(s) alternativa(s) correta(s).

(01) Observação e experimentação são procedimentos científicos teóricos. (02) O cientista experimental deve comprovar suas teorias confrontando-as com a experiência. (04) As hipóteses teóricas devem ser submetidas a teste para serem corroboradas. (08) A comprovação científica de uma hipótese não se faz tão somente pela análise lógica dos procedimentos. (16) A lógica do conhecimento dedica-se à análise dos sistemas de enunciados científicos. SOMA = _____

10. (UEL 2011) Leia o texto a seguir. [...] não exigirei que um sistema científico seja suscetível de ser dado como válido, de uma vez por todas, em sentido positivo; exigirei, porém, que sua forma lógica seja tal que se torne possível validá-lo através de recurso a provas empíricas em sentido negativo [...]. (POPPER, K. A lógica da pesquisa científica. Trad. L. Hegenberg e O. S. da Mota. São Paulo: Cultrix, 1972. p. 42.)

Assinale a alternativa que corresponde ao critério de avaliação das teorias científicas empregado por Popper.

(A) Falseabilidade (B) Organicidade (C) Confiabilidade (D) Dialeticidade (E) Diferenciabilidade

11. (UNIOESTE 2010) “Um cientista, seja teórico seja experimental, propõe enunciados, ou sistemas de enunciados, e testa-os passo a passo. No campo das ciências empíricas, mais particularmente, constrói hipóteses ou sistemas de teorias e testa-as com a experiência por meio da observação e do experimento. Sugiro que é tarefa da lógica da investigação científica ou lógica do conhecimento apresentar uma análise desse procedimento; isto é, analisar o método das ciências empíricas […]. A etapa inicial, o ato de conceber ou inventar uma teoria, não me parece exigir uma análise nem ser suscetível dela. A questão de saber como acontece que uma nova ideia ocorre a um homem – seja essa ideia um tema musical, seja um conflito dramático, seja uma teoria científica – pode ser de grande interesse para a psicologia empírica; mas ela é irrelevante para a análise lógica do conhecimento científico.” (Popper)

Considerando o texto acima, é incorreto afirmar, sobre a filosofia da ciência de Karl Popper, que

(A) o que importa para decidir se uma atividade é ou não científica é o que o cientista faz com suas teorias e não como ele as cria. (B) faz parte da atividade científica testar seus enunciados, e é sobre o modo de fazer esse teste que incide a análise lógica popperiana. (C) o teste dos enunciados de uma teoria científica deve ser realizado por meio da experiência, ou seja, por meio da observação e da experimentação.

(D) o modo pelo qual um cientista concebe uma teoria é de interesse da psicologia empírica e não da filosofia da ciência. (E) não se pode aplicar uma análise lógica em nenhuma das etapas da atividade científica, pois o método das ciências empíricas não se diferencia da atividade artística.

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

65


12. (UPE 2013) A validade de nossos conhecimentos é garantida pela correção do raciocínio. São dois os modos de raciocínio: o

indutivo e o dedutivo. Sobre isso, assinale a alternativa CORRETA. (A) O raciocínio indutivo é amplamente utilizado pelas ciências experimentais. (B) O raciocínio indutivo parte de uma lei universal, considerada válida para um determinado conjunto, aplicando-a aos casos particulares desse conjunto.

(C) O raciocínio dedutivo parte de uma lei particular, considerada válida para um determinado conjunto, aplicando-a aos casos universais desse conjunto.

(D) O raciocínio dedutivo é uma argumentação na qual, a partir de dados singulares suficientemente enumerados, inferimos uma verdade universal.

(E) O raciocínio indutivo é o argumento cuja conclusão é inferida necessariamente de duas premissas.

13. (Unicentro 2010) “(...) a ciência tem mais que um simples valor de sobrevivência biológica. Ela não é apenas um instrumento útil. Embora não possa atingir a verdade nem a probabilidade, o esforço pelo conhecimento e a procura pela verdade ainda são os motivos mais fortes da descoberta científica. Não sabemos, podemos apenas conjecturar. E nossas conjecturas são guiadas pela fé não científica, metafísica (embora explicável biologicamente), nas leis ou regularidades que podemos desvendar – descobrir”

(POPPER, Karl. A Lógica da pesquisa científica, in CHAUÍ (org.), Primeira Filosofia. São Paulo: Brasiliense, 1987 – p. 213-214).

De acordo com o enunciado, e com seus conhecimentos sobre o tema, qual das alternativas abaixo caracteriza a ciência contemporânea para Karl Popper (1902-1994)? (A) Para Popper, o que garante a verdade do discurso científico é sua condição de refutabilidade: quando uma teoria resiste à refutação, ela é corroborada. Assim, não é a explicação e a justificação de sua teoria que deve preocupar o cientista, mas sim o levantamento de possíveis teorias que a refutem. (B) Popper abandonou o empirismo para dedicar-se ao chamado anarquismo epistemológico. Defende o pluralismo metodológico e critica as posições positivistas e as metodologias normativas adotadas pela ciência contemporânea. (C) Popper nega que o desenvolvimento da ciência tenha sido levado a efeito pelo ideal de refutação. Segundo o autor, a ciência progride pela tradição intelectual representada pelo conceito de paradigma. (D) De acordo com Popper, o homem está convencido de sua capacidade de conhecer o mundo pela ciência. A concepção de ciência do autor tem como pressuposto o mecanicismo e o determinismo. (E) Popper elaborou o primeiro exemplo de teoria científica encontrado na ciência moderna: a teoria da gravitação universal, fazendo da fisiologia uma ciência positiva, tendo por modelo o método experimental da física e da química.

14. (UEL 2009) A ciência é uma das poucas atividades humanas – talvez a única – em que os erros são criticados sistematicamente (e com frequência corrigidos). Por isso podemos dizer que, no campo da ciência, aprendemos muitas vezes com os nossos erros; por isso podemos falar em clareza e sensatez sobre o progresso científico. Na maior parte dos outros campos de atividade do homem ocorrem mudanças, mas raramente há progresso – a não ser dentro de uma perspectiva muito estreita dos nossos objetivos neste mundo. Quase todos os ganhos são neutralizados por alguma perda – e quase nunca sabemos como avaliar as mudanças. (POPPER, K. R. Conjecturas e refutações. 2 ed. Brasília: Editora da UNB. 1982. p. 242.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a concepção de progresso da ciência em Karl R. Popper, é correto afirmar.

(A) É necessário que todas as consequências de uma teoria científica sejam verificadas a fim de se atingir a verdade em si. (B) A descoberta da lei do progresso da ciência permite impulsionar progressiva e linearmente a ciência na direção da verdade. (C) Os cientistas estruturam as informações disponíveis em um dado momento histórico, incorporando saberes anteriores, tendo como base o método paratático.

(D) O progresso da ciência ocorre quando são suprimidas definitivamente as ideias metafísicas, pois historicamente é nula a sua contribuição para as descobertas científicas.

(E) A eliminação dos erros das teorias anteriores e a substituição destas por outras mais verossímeis e, portanto, mais próximas da verdade permitem o progresso da ciência.

15. (UEL 2008) Considerando a solução apresentada por Karl Popper ao problema da indução nos métodos de investigação científi-

ca, é correto afirmar que, para ele, o método científico (A) é indutivo e racional. (B) é dedutivo e irracional. (C) é indutivo e irracional. (D) não segue os padrões de racionalidade impostos pela lógica. (E) é dedutivo e racional.

66

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


CAPÍTULO 8 A BIOÉTICA O que é o Ser Humano? Esta pergunta com contornos metafísicos e científicos nos leva a discussão sobre o que é o homem em seu sentido mais amplo possível. Uma vez que tratamos das das relaçõe do homem em seu contrato social com os demais homens, vamos tentar entendê-lo em sua mais íntima forma: seu byos. Para isso um campo novo da investigação filosófica e científica surge na década de 1970 com o nome de bioética. O termo bioética surgiu em 1971 com o livro Bioethics: bridge to the future de Van Rensselaer Potter, cuja preocupação primeira era buscar uma saída para o progressivo desequilíbrio criado pelo homem na natureza. Oito anos mais tarde, Tom L. Beauchamp e James F. Childress publicaram juntos The principles of biomedical ethics, que restringiria a Bioética ao meio clínico. A diferença apresentada nestas obras indica preocupações distintas resultante de duas fases históricas da Bioética, com questionamentos e reflexões próprias. A primeira fase vai de 1960 até 1977, período em que surge em diferentes regiões dos Estados Unidos, entre o meio médico, a preocupação com o impacto social causado pelos avanços científicos e tecnológicos no tratamento de seus pacientes. Qual é o limite que o conhecimento humano pode avançar A bioética surge também em função do progresso científico e sobre a definição do que é o ser humano? tecnológico que se fazia sentir no interior das ciências biomédicas. São exemplos desse progresso: novidades tecnológicas surgidas ao nível dos cuidados intensivos com recém-nascidos; hemodiálise em doentes com insuficiência renal; fertilização in vitro; O aparecimento desta disciplina foi incentivado por alguns acontecimentos históricos graves, dos quais se destacam: as experiências realizadas com seres humanos no período nazi; o recurso a crianças deficientes na investigação do vírus da hepatite, nos EUA. Abordagem indisciplinar, a bioética não interessa apenas ao médico e ao biólogo, mas também ao jurista, ao teólogo e ao filósofo. A reflexão bioética assenta em três princípios: respeito pela pessoa humana; preocupação de fazer o bem; princípio de justiça segundo o qual os homens são todos iguais em dignidade. Estes três princípios surgem como meio de evitar três perigos que podem atentar contra o ser humano: a submissão do ser humano à lei do mercado (ex: venda de órgãos); a auto-instituição do sujeito podendo reclamar o direito a satisfazer «desejos mortíferos»; o exersso do poder médico e do poder do Estado legislando sem consideração pelos direitos do Homem. No seio de toda a problemática bioética existem dois conceitos fundamentais - vida e pessoa. Estes conceitos assumem diferentes contornos do ponto de vista jurídico, psicológico, moral ou religioso. Apesar de existirem estes diferentes pontos de vista, é a partir dos conceitos de vida e pessoa, e do valor que lhes é atribuído, que se impõe a reflexão crítica e consciente das questões bioéticas. “Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.” O diálogo bioético foi se tornando mais abrangente e seus participantes foram sentindo a necessidade de ampliar o contexto dos debates para dar as humanidades a oportunidade de manifestarem suas preocupações e suas posições em relação aos temas discutidos pela sociedade de então. Foi justamente através do diálogo entre a ciência e as humanidades que Potter apresentou a Bioética na forma de uma “ética geral”. Com esta mesma perspectiva, em 1971, o ginecologista e obstetra André Hellegers fundou, na Universidade de Georgetown, o Kennedy Institute. A intenção de Potter era desenvolver uma ética das relações vitais, dos seres humanos entre si e dos seres humanos com o ecossistema. O compromisso com a preservação da vida no planeta se tornou, desta forma, o cerne de seu projeto que possuía como característica principal o diálogo da ciência com as humanidades. De acordo com Potter, existem duas culturas que, aparentemente, não são capazes de se comunicar: a da ciência e a das humanidades. Esta deficiência transforma-se numa prisão e põe em risco o futuro da humanidade, que não será construído só pela ciência ou, exclusivamente, pelas humanidades. É somente através do diálogo entre ciência e humanidades que será possível a construção de uma ponte para o futuro. A perspectiva de Potter foi desenvolvida a partir de uma tripla concepção evolucionista do ser humano, segundo a qual o homem é sujeito ativo e passivo de uma evolução biológica, cultural e fisiológica. É no avanço da Biologia, na adaptação cultural e ética que o homem encontra possibilidades novas para sobreviver. É desta forma que nasce um paradigma biopsicossocial, no qual os condicionamentos genéticos e ambientais condicionam, por sua vez, a percepção e a evolução dos valores como em um circuito cibernético.

A nova ética proposta por Jonas Hans Jonas é outro teórico contemporâneo que reflete sobre o tema da bioética e aponta para o choque causado pelas bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki como o marco inicial do abuso do domínio do homem sobre a natureza causando sua destruição. Diz textualmente: “Ela pôs em marcha o pensamento em direção a um novo tipo de questionamento, amadurecido pelo perigo que representa para nós próprios o nosso poder, o poder do homem sobre a natureza”.

67


Porém, mais do que a consciência de um apocalipse brusco, ele percebeu o sentimento de um possível apocalipse gradual decorrente do perigo crescente dos riscos do progresso técnico global e seu uso inadequado. Até então, o alcance das prescrições éticas reduzia-se ao âmbito da relação com o próximo no momento presente. Era uma ética antropocêntrica e voltada para a contemporaneidade. A moderna intervenção tecnológica mudou drasticamente essa plácida realidade, colocando a natureza para uso humano e passível de ser alterada radicalmente. Assim, para Jonas, o homem passou a manter com a natureza uma relação de responsabilidade, pois ela se encontra sob seu poder. Grave, também, além da intervenção na natureza extra-humana, é a maEstá nas mãos do homem a responsabilidade sobre toda a vida no planeta, inclusive a vida futura, exigindo por isso uma nova ética nipulação do patrimônio genético do ser humano que poderá introduzir alterações duradouras de imprevisíveis conseqüências futuras. Conclui dizendo que é necessária uma nova proposição ética que contemple a natureza e não somente a pessoa humana. Esse novo poder da ação humana impõe alterações na própria natureza da ética. Todas as éticas tradicionais obedeciam as seguintes premissas que se intercombinavam mutuamente: 1. A condição humana, resultante da natureza do homem e das coisas, permanecia fundamentalmente imutável para sempre. 2. Baseado nesse pressuposto, podia-se determinar com clareza e sem dificuldade o bem humano. 3. O alcance da ação humana e de sua conseqüente responsabilidade estava perfeitamente delimitado. Todo bem ou todo mal que sua capacidade inventiva pudesse proporcionar situava-se sempre dentro dos limites de ação do ser humano, não afetando a natureza das coisas extra-humanas. A natureza não era objeto da responsabilidade Hans Jonas abre uma nova humana, pois cuidava de si mesma. A ética tinha que ver com o aqui e perspectiva o agora. Em substituição aos antigos imperativos éticos, entre os quais para a ética ao colocar-nos o imperativo kantiano que se constitui no parâmetro exemplar: “Age diante de um de tal maneira que o princípio de tua ação transforme-se numa lei homem que universal”, Jonas propõe um novo imperativo: “Age de tal maneira que ainda não nasceu e sobre o qual os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma nossa ação hoje vida humana autêntica” ou formulado negativamente “não ponhas em tem implicações cruciais perigo a continuidade indefinida da humanidade na Terra”.

O Conceito de Vida ENTREVISTA SOBRE O INÍCIO DA VIDA

1. Por que a vida humana deve ser respeitada sempre? R.: Ao falar de vida humana, não estamos apontando simplesmente para a constituição de sua identidade genética, distinta de qualquer outro ser. O que torna a vida humana diferente da vida dos demais seres vivos é o fato dela poder ser definida não só por sua dimensão biológica, mas também por sua dimensão espiritual. Essa dimensão se concretiza naquilo que chamamos de pessoa, que tem um sentido que ultrapassa todas as esferas fisiológicas. Por pessoa humana entendemos a vida desde sua origem. Pois, desde a concepção, a vida humana possui todas as potencialidades para se desenvolver no ser humano que estamos acostumados a ver em nós e nos outros que convivem conosco no dia a dia. Aquele ser que acabou de ser gerado não é uma vida em potencial, mas uma vida humana com potencialidades, tanto fisiológicas quanto espirituais. É verdade que somos seres biológicos, mas não seríamos humanos se não possuíssemos uma dimensão reflexiva, social, cultural, política e espiritual. Afinal, a vida humana não pode ser reduzida a um conjunto de células, pois o que somos hoje se deve ao que ocorreu no dia em que fomos concebidos. 2. O que é um embrião humano? R.: Trata-se do indivíduo que se forma após a concepção, ou seja, no momento da fusão entre as células reprodutivas masculina (espermatozóide) e feminina (óvulo). O embrião passa por alguns estágios de desenvolvimento. O primeiro deles chamamos de zigoto, célula que se forma depois da fusão entre o espermatozóide e o óvulo. A seguir, inicia-se uma lenta viagem da Trompa de Falloppio para o útero. Neste momento, começa a ocorrer no zigoto uma divisão celular, fazendo surgir, depois das 30 horas da fecundação, dois blastômeros (duas células). Entre 40 e 50 horas, já são quatro blastômeros e por volta das 60 horas já são oito. Durante a viagem até o útero, o ovo (célula resultante da fusão entre espermatozóide e óvulo) passa de 12 para 32 células, estágio chamado de mórula (massa esférica cheia de células parecida com uma amora) e no quinto dia, agora no estágio de blastocisto, se fixa na parede do útero (processo conhecido por nidação), onde passa a se desenvolver até o nascimento. 3. O que é um feto humano? R.: É o último estágio de desenvolvimento embrionário e é alcançado na oitava semana de gestação até a ocasião do nascimento. 4. O embrião ou feto humano pode ser sacrificado para beneficiar um outro ser humano? R.: Não. Pois não há como afirmar, de modo absoluto, que “há mais vida humana” em um adulto ou em todo aquele já nascido, do que em um embrião ou feto. A dignidade que a vida humana possui em seu estágio adulto é a mesma em seu período de vida intra-uterina. Sendo assim, uma vida não pode ser utilizada como um mero instrumento de reposição para beneficiar outra. Destruir a vida de um embrião ou feto é destruir a vida de um semelhante. Não podemos afirmar que o embrião ou o feto não é um de nós. É preciso não confundir o valor da vida com o valor que cada um dá a sua própria vida. Embora muitos não valorizem a vida humana, o fato é que seu valor independe do modo de vida que cada indivíduo escolheu para si.

68

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


5. Fala-se em “interromper a gravidez”. É o mesmo que aborto? R.: A palavra aborto vem do latim (aborior) e significa morrer antes do nascimento. O aborto pode ser espontâneo ou provocado. No primeiro caso não é desejada pela mãe a interrupção da gravidez. Este tipo de aborto pode ser causado por uma série de distúrbios próprios do organismo da mãe ou do desenvolvimento do embrião. Já no segundo caso, o do aborto provocado, ocorre quando há um desejo da mãe de não levar adiante a gravidez. Neste caso, ela recorre a alguma técnica cirúrgica (aspiração, embriotomia etc) ou farmacológica (pílula do dia seguinte, pílula RU486 etc) para interromper a evolução embrionária. Desta forma, podemos dizer que a interrupção da gravidez sempre decorre de um aborto, espontâneo ou não. 6. Que são células-tronco? Para que servem? R.: Células-tronco são células indiferenciadas, ou seja, aquelas que por estarem presentes no embrião desde a sua primeiríssima fase, até seu estágio de mórula, ainda não receberam uma função específica para ser desempenhada no organismo. Estas células são como um “tronco”, do qual vão sendo originadas todas as células especializadas (hemácias, leucócitos, neurônios etc) e, portanto, diferenciadas. Neste sentido, toda linhagem celular e tecidos são originados pelas células-tronco. Elas são as responsáveis pelo desenvolvimento de todo o organismo. Atualmente, alguns cientistas desejam utilizar as células-tronco para salvar vidas. O problema moral está no fato de que para isto ocorrer será necessário interromper a gravidez e eliminar o embrião. 7. Distinguem-se células-tronco embrionárias das células-tronco adultas. Em que consiste a diferença? Quando começa a vida: na concepção ou no nascimento? R.: As células-tronco embrionárias (aquelas que se encontram no organismo desde a primeira fase do desenvolvimento do embrião) são consideradas totipotentes, porque juntas ou separadas têm um potencial para produzirem todo o desenvolvimento do organismo. Todavia, nas fases que sucederão a formação da mórula, as células vão se diferenciando e passam a ter potencialidades bem distintas, assumindo funções especializadas no organismo. Deste modo, elas perdem sua condição de totipotência e passam a ser pluripotentes. As células-tronco pluripotentes são as responsáveis pela formação dos tecidos presentes no organismo adulto, mas isoladas jamais podem dar origem ao organismo todo, o que só ocorre na qualidade de totipotência. O período de pluripotência é limitado. Pois do oitavo ao décimo quarto dia, vão se formando três camadas celulares (endoderma, ectoderma e mesoderma). Destas camadas são originados os tecidos, os órgãos internos, os órgãos externos e as células reprodutivas. Nesta fase, as células-tronco passam a ser multipotentes, ou seja, sua função dentro da formação do organismo já está determinada. As chamadas células-tronco adultas são multipotentes, podendo dar origem ao tecido celular onde residem. Em algumas regiões do organismo (medula óssea, placenta e sangue do cordão umbilical, por exemplo) é possível encontrar células-tronco especializadas com um bom potencial de adaptabilidade. Com a aplicação da técnica adequada, estas células podem servir na regeneração de tecidos celulares distintos. Este procedimento é eticamente aceitável, porque nele não se faz necessário à interrupção da gravidez e a morte do embrião. 8. Em termos de utilidade para a biomedicina e o bem estar das pessoas, há diferenças significativas entre elas? R.: As células-tronco embrionárias, por serem totipotentes, têm uma capacidade ilimitada de se tornarem qualquer tecido. Por outro lado, elas podem apresentar sérios problemas de compatibilidade. Já as células-tronco adultas estão presentes no organismo em pequena quantidade e nem sempre se proliferam in vitro, porém não apresentam as complicações decorrentes da rejeição, pelo fato de serem retiradas de um indivíduo para serem utilizadas nele próprio. Além disso, não há diferenças significativas entre elas para o uso terapêutico. A única diferença se dá no território da ética. 9. Por que se diz que é inaceitável a manipulação das células-tronco embrionárias, enquanto se aceita o uso das células-tronco adultas? R.: Todo o problema moral em torno do uso das células-tronco embrionárias (totipotentes) está no fato de que para sua obtenção é necessário que se interrompa o desenvolvimento do embrião, causando, assim, um aborto. Já as células-tronco adultas podem ser retiradas do ser humano sem a necessidade de destruir o embrião. 10. Quais as conseqüências do uso de embriões humanos para o futuro da humanidade? R.: É uma falácia acreditar que sem o uso de embriões não será possível avançar na descoberta da cura de doenças. É preciso observar que conseguimos alcançar, até este ponto da evolução científica e tecnológica, a solução para diversos males, sem nunca ter necessitado utilizar embriões. Até hoje não se sabe, ao certo, o que decorre da utilização de células-tronco embrionárias num ser humano. Pesquisas realizadas em animais apresentaram, após o tratamento com células-tronco embrionárias, o aparecimento de tumores e a formação de verdadeiras aberrações. O uso de embriões pode trazer, contrariamente do que tem sido afirmado levianamente na mídia, uma série de prejuízos no campo da saúde e da moral. Os defensores do uso de embriões partem sempre de premissas relativistas e utilitaristas. A vida começa na fecundação. Isso é evidente e não é relativo. Interromper o desenvolvimento de um embrião é interromper uma vida em formação. Isso é evidente e não é relativo. Usar embriões para fins aparentemente beneficentes é uma violação da dignidade humana. Afinal ninguém, de bom senso, mata um bebê para lhe tirar o fígado ou coração como propósito de salvar outra vida. Quem possui este bom senso sabe também que o bebê está em desenvolvimento, tanto quanto um embrião e é tão vivo quanto um embrião. Isso é evidente e não é relativo. 11. É ético congelar embriões? R.: Não. Poderíamos responder a esta pergunta com uma outra: é ético congelar uma pessoa de 20 anos de idade? A resposta desta pergunta já nos orienta para uma compreensão do embrião como vida humana, que deve seguir seu curso normal e ser respeitada desde o seu início. O embrião congelado representa, no universo do desejo de maternidade ou paternidade, somente uma possibilidade. Quando este desejo se realiza, o embrião que restou já não tem mais valor, literalmente se tornou desnecessário. É evidente que os desejos de maternidade e paternidade devem ser respeitados, mas a vida é um valor bem maior do que qualquer desejo, seja ele qual for. 12. Qual é o resultado atual do uso de células-tronco adultas para a recuperação de órgãos e outras aplicações? R.: No Brasil já são comprovados os bons resultados obtidos com o uso de células-tronco adultas no tecido cardíaco. Em várias regiões do país, pesquisadores tentam ampliar o campo de aplicação das células-tronco adultas. Também no exterior, muitas são as pesquisas e as publicações científicas que apresentam resultados consideráveis. 13. Qual é a situação dos bebês anencéfalos? Têm morte cerebral? R.: A expressão anencefalia (ausência do encéfalo) não parece muito adequada. O mais apropriado é o termo meroanencefalia (ausência de uma parte do encéfalo). Isto se justifica porque, sendo o encéfalo um termo muito complexo, falar de sua ausência total pode indicar uma imprecisão. A anencefalia, assim chamada comumente, é um mal congênito, isto é, ocorrido durante o desenvolvimento embrionário. As causas podem ser variadas, como a ausência de ácido fólico no organismo materno. Os anencéfalos podem viver horas e até dias. Dependendo do grau de anencefalia, estes bebês podem ter alguns movimentos, além de respirar. De modo geral, possuem alguma atividade tronco-encefálica e, justamente por este motivo, não podemos dizer que houve aí morte cerebral. No caso de morte cerebral, o cérebro não dá mais comandos para o resto do corpo e respiração é mantida mecanicamente. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

69


14. A gravidez de um anencéfalo põe em risco a vida da mãe? R.: É preciso, antes de tudo, considerar que qualquer gravidez envolve riscos. Desta regra não escapa a gravidez de anencéfalos. Em outras palavras, os riscos para uma gravidez de anencéfalo são os mesmos para uma gravidez comum. É preciso levar em conta também que a proporção de anencéfalos nascidos é bem menor do que a dos demais bebês. Vale dizer também que não se observa no número de mulheres que morrem durante a gravidez ou no parto o fato de estarem todas grávidas de anencéfalo. 15. O sofrimento de uma mãe neste estado justifica o abortamento do bebê? A vida e o sofrimento dele não conta? R.: Apesar de o sofrimento ser muito grande para uma mulher grávida de um bebê anencéfalo, o abortamento não se justifica. Trata-se, antes de tudo, de uma vida humana. O anencéfalo não terá a mesma qualidade de vida que um bebê normal, mas isto não significa que não tenha a mesma dignidade. Muitos confundem dignidade com viabilidade. A dignidade não está vinculada a um órgão específico. Pela ausência de uma parte do encéfalo o bebê não será um ser humano como os demais, mas será um ser humano e, justamente por isso, terá de ser respeitado até o fim. A deficiência de um ser humano não o torna menos digno, mesmo quando esta deficiência é uma meroanencefalia. Os que defendem o aborto para diminuir o sofrimento do anencéfalo são os mesmos que, curiosamente, definem a anencefalia como morte cerebral. Bom, se há morte cerebral não há sofrimento. Por outro lado, se há sofrimento é porque está vivo. A vida de um anencéfalo é curta e durante seu curso tudo será feito para que não haja nenhum sofrimento, o que ocorre com qualquer outro tipo de paciente. O sofrimento é objeto do cuidado médico. A Medicina não existe para matar pessoas que sofrem, mas para lhes dar o alívio da dor e, dentro de suas reais possibilidades, a cura. 16. Quais as implicações psicológicas para a mãe que interrompe a gravidez de um bebê anencéfalo? R.: Ao levar a gravidez de um anencéfalo até o fim, a mulher sofre muito. Mas é igualmente verdade que o sofrimento não é menor quando se apela para o aborto. Em todos os casos o sofrimento é incalculável, pois não existe instrumento que possa medir e comparar um sofrimento com outro. No entanto, ao abortar um anencéfalo os conflitos psicológicos podem se traduzir em traumas e sentimentos de culpa que acompanharão a mulher por toda a sua vida. 17. Como amparar a mãe durante a gravidez de uma criança anencéfala? R.: O afeto é essencial neste momento. Será preciso deixar claro que a anencefalia não é um castigo e nem culpa da mãe. Algumas mulheres acreditam que tal fato ocorreu porque em determinada altura da gravidez houve, de sua parte, um sentimento de rejeição. Tais pensamentos devem ser eliminados. O casal deve estar bem unido e numa constante troca de sentimentos e atenção. O marido deve encorajar sua esposa a manter firme a esperança e manifestar a ela seu amor nos momentos de maior angústia e apreensão. O médico deve respeitar o momento difícil e expor, com simplicidade e abertura, todo os fatos que envolvem aquela circunstância. Os familiares e os amigos, respeitando os sentimentos da mãe, devem demonstrar maturidade nas posições, sem a intenção de induzir posturas contra a vida. Neste momento vale falar sobre o sentido da vida e dizer que um bebê anencéfalo não é uma coisa ou um monstro, mas um ser humano que apresentou falhas no curso do seu desenvolvimento e isso o levou a uma deficiência incorrigível. 18. Há absoluta certeza na palavra médica que diagnostica a anencefalia? R.: Atualmente é possível diagnosticar a anencefalia sem muito erro, mas é bom esclarecer que há graus de anencefalia. Como foi mencionado anteriormente, o termo mais adequado é meroanencefalia, porque indica que parte do encéfalo está ausente. Pois o grau da anencefalia está relacionado com a parte ausente. Coordenador da Pós-graduação em Bioética da PUC-Rio, Prof. André Marcelo M. Soares, que é filósofo e doutor em Teologia com pós-doutorado em Bioética. Além disso, é membro do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto Nacional de Câncer (INCA), membro da Comissão de Bioética da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e membro da Equipe de Apoio da Seção Vida do Consejo Episcopal Latinoamericano (CELAM).

AVALIE SEU CONHECIMENTO 01. Sobre Ética e Bioética, podemos AFIRMAR que: I. A bioética tem origem nas implicações éticas e nos desafios da prática médico-biológica, de onde procura estabelecer conexões com outros campos do saber, como a filosofia, a ciência e também a religião. II. Com o texto “Bioética: a ciência da sobrevivência”, Van Rensselaer Potter inaugura uma nova frente de discussões no campo da ética trazendo à baila uma ética, para a vida selvagem, uma ética urbana, uma ética de populações, uma ética do consumo, uma ética internacional, enfim, uma bioética.

III. Diferentemente da Idade Moderna, em que a busca é um saber ativo, ou seja, um conhecimento capaz de atuar sobre o mundo para transformá-lo, na Antiguidade e na Idade Média o saber era contemplativo, isto é, voltado para a compreensão desinteressada da realidade. IV. O trabalho alienado se configura a partir de uma inversão: o que é inerte passa a “ter vida” e o que é vivo se transforma em “coisa”.

III. Equipolência, não maleficência, beneficência, heteronomia, socialidade, subsidiaridade são conceitos fundamentais em bioética.

V. Marx, em O Capital, mostra a técnica, ou seja, a moderna práxis do homem no ímpeto de transformar tudo que lhe é dado.

IV. O Princípio da responsabilidade de Hans Jonas vai além do imperativo categórico kantiano na medida em que, efetivamente, eleva a ética a um patamar de ulteriorioridade.

Assinale a alternativa que possui as afirmações VERDADEIRAS. (A) III, IV e V (C) II, III e IV (E) I, III, IV e V (B) II, IV e V (D) I, II, IV

V. Diferentemente de Platão, a ética de Jonas não está preocupada com a eternidade, mas com o tempo vindouro, incluindo não só o gênero humano, mas também a vida num sentido mais amplo.

(A) Somente II, III, IV e V são verdadeiras. (B) Somente I, II e V são verdadeiras. (C) Somente I, III e IV são verdadeiras. (D) Somente I, II, IV e V são verdadeiras. (E) Todas as alternativas são verdadeiras.

02. “A história dos esforços humanos para subjugar a natureza é também a história da subjugação do homem pelo homem.”

(HORKHEIMER, Max. Eclipse da razão. Rio de Janeiro: Editorial Labor do Brasil, 1976, p. 116.)

Sobre a técnica e suas implicações, é correto afirmar: I. Tecnocracia significa o poder dos técnicos e da técnica numa organização social. Ora, numa civilização cientificista e tecnicista, a palavra final é sempre dada pela autoridade do especialista, pelo “técnico competente”.

70

II. O desenvolvimento técnico e científico é a expressão do idealismo platônico, que culmina no Iluminismo do século XVIII.

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

03. “O método científico, que levava sempre a uma dominação cada vez mais eficaz da natureza, proporcionou depois também os conceitos puros e os instrumentos para uma dominação cada vez mais eficiente do homem sobre os homens, através da dominação da natureza... Hoje, a dominação eterniza-se e amplia-se não só mediante a tecnologia, mas como tecnologia; e esta proporciona a grande legitimação ao poder político expansivo, que assume em si todas as esferas da cultura. Neste universo, a tecnologia proporciona igualmente a grande racionalização da falta de liberdade do homem e demonstra a impossibilidade “técnica” de ser autônomo, de determinar pessoalmente a sua vida. Com efeito, esta falta de liberdade não surge nem irracional nem como política, mas antes como sujeição ao aparelho técnico que amplia a comodidade da vida e intensifica a produtividade do trabalho.” (HABERMAS, Jurgen. Técnica e ciência como “ideologia”. Lisboa: Edições 70, 1987, p. 49.)


Sobre a Técnica e as concepções dos filósofos, é correto afirmar que: I. Segundo Habermas, a técnica deve ser vista no contexto do trabalho e este em relação com a interação. Com uma interação entendida de modo mais completo que o modelo técnico, instrumental ou de meios ordenados a um fim, que é como se quer ver hoje e que é o modelo próprio do trabalho. II. Em O homem e a técnica, Oswald Spengler orienta que o caminho para compreender o essencial da técnica é não se esquecer a verdadeira finalidade da técnica: a concepção de utensílios e máquinas. III. Na vida do homem, a técnica é uma presença ubíqua, submergente, avassaladora, não se limitando apenas à produção e emprego dos recursos para a subsistência material da vida, mas atinge a cada uma das ações humanas. Nessa linha de pensamento se insere a visão tanto de Oswald Spengler como de Ortega y Gasset. IV. Ortega y Gasset distingue três estágios na evolução histórica da técnica: a) a técnica do acaso; b) a técnica do artesão; c) a técnica do técnico. V. Concebe Oswald Spengler que a técnica é a tática da vida inteira. A técnica não se interpreta em função do instrumento, do utensílio. Não se trata da fabricação das coisas, mas sim do seu uso; não são as armas que contam, mas sim a luta.

Assinale a alternativa que possui as afirmações VERDADEIRAS. (A) III, IV e V (B) II, III, IV e V (C) II, III e IV

04. “Não existe uma “Técnica” por trás da técnica, nem “Sistema técnico” sob o movimento da indústria, mas apenas indivíduos concretos situáveis e datáveis. Também não existe um “Cálculo”, uma “Metafísica”, uma “Racionalidade ocidental”, nem mesmo um “Método” que possa explicar a crescente importância das ciências e das técnicas na vida coletiva. Estas vagas entidades trans-históricas, estes pseudo-atores na realidade são desprovidos de qualquer eficácia e não apresentam simetricamente qualquer ponto de contato para a mínima ação real.” (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. São Paulo: Editora 34, 1993, p. 12.)

III. Heidegger vincula a técnica à metafísica e entende esta como a história do esquecimento do ser, sendo a técnica, portanto, uma abertura para se pensar o caráter planetário do acabamento da metafísica e de seu domínio. IV. Em sua empreitada sobre a questão da técnica, Heidegger se deteve apenas à determinação antropológica e instrumental da técnica. V. Consoante a meditação heideggeriana, a metafísica ocidental se instaura com a abertura de uma história caracterizada pelo esforço em definir e controlar o ser por meio da razão e do pensamento.

Assinale a alternativa CORRETA: (A) Todas as proposições são verdadeiras. (B) Apenas a proposição II é falsa. (C) Apenas a proposição III é falsa. (D) Apenas a proposição IV é falsa. (E) As proposições II, III e IV são verdadeiras.

05. “O humanismo renascentista encontra-se estreitamente ligado a uma exigência de renovação política. Pretende-se renovar no homem, não apenas a sua individualidade, mas também a sua vida em sociedade; por esse motivo, empreende-se uma análise da comunidade política, com o fim de lhe descobrir o fundamento e de reportar a este as formas históricas daquela.” (ABBAGNANO, Nicola. História da filosofia. 3.ed. Lisboa: Editorial Presença, 1984, p. 55.)

Sobre Maquiavel, é correto afirmar: I. Objetividade histórica e realismo político constituem as características da obra de Maquiavel, o qual, por um lado, se volta para a história, procurando encará-la na sua objetividade, no seu fundamento permanente, e, por outro, observa a realidade política que o rodeia e a vida social na sua efetivação de fato. II. A tarefa política, de acordo com Maquiavel, justifica-se por si, pela exigência que lhe é inerente de reconduzir os homens a uma forma de convivência ordenada e livre e encontra os seus limites na possibilidade de êxito dos meios empregados. III. Maquiavel, apesar de ser o responsável pela autonomia da ciência política, não se desligou das preocupações predominantemente filosóficas da política normativa dos gregos nem se desvinculou da moral cristã.

I. Com o conceito de “racionalização”, Max Weber tentou apreender as repercussões do progresso técnicocientífico no enquadramento institucional das sociedades que se englobam na modernização. Weber se refere à organização da vida econômica e social de acordo com os princípios de eficiência e na base do conhecimento técnico.

IV. O ethos político e o ethos moral não são diferentes, pois o que é imoral do ponto de vista da ética privada também o é no público e no político.

II. De acordo com Martin Heidegger, a técnica de máquinas é o rebento mais visível da essência da técnica moderna, a qual é idêntica à essência da metafísica moderna.

A alternativa que possui as afirmações INCORRETAS é: (A) III e IV (C) II, III e V (E) I, II e V (B) II e III (D) I e IV

V. O político não deve afastar-se do bem; deve, porém, saber usar do mal quando necessário.

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 06. Ao afirmar que “a emergência do termo bioética refere-se

a uma mudança profunda no modo como a cultura ocidental pensa seu próprio futuro”, o autor do texto reporta-se ao fato de a bioética (A) analisar o futuro da cultura ocidental sem emitir julgamentos. (B) incentivar as transgressões dos ocidentais sobre o futuro da humanidade.

(C) reprimir a emergência de mudanças culturais no Ocidente. (D) reformular os parâmetros do pensamento ético ocidental sobre a vida.

(E) aperfeiçoar as conquistas tecnológicas na área da Biologia.

07. “O enorme impacto do Princípio Responsabilidade não se deve somente a sua fundamentação filosófica, mas ao sentimento geral, que até então os mais atentos observadores poderão permitir cada vez menos de que algo poderia ir mal para a humanidade, inclusive o tempo poderia estar em posição no marco de crescimento exagerado e crescente das interferências técnicas sobre a natureza, de pôr em jogo a própria existência. Entretanto, se havia comentado que era evidente a vinda da chuva ácida, o efeito estufa, a poluição dos rios e muitos outros efeitos perigosos, fomos pegos de cheio na destruição de nossa biosfera.”

A partir do comentário de Hans Jonas em O princípio responsabilidade é possível pensar que a maioria das pessoas tende a se preocupar mais com o futuro da vida no planeta. Contudo, parece muito difícil haver de fato uma mudança que leve a espécie humana a assumir a responsabilidade por sua missão terrena. Nesse sentido, seria necessário desenvolver uma heurística do temor, a fim de favorecer o desenvolvimento da responsabilidade. Sobre o conceito de heurística do temor, assinale a alternativa CORRETA. (A) Hans Jonas entende que a superação do medo é primordial para uma ética da responsabilidade, pois é através dela que o ser humano poderá agir e refletir sobre o destino da humanidade. (B) A heurística do medo é um medo paralisante e patológico, que impede o despertar para o pensar e para o agir em prol de um futuro melhor. (C) A heurística do medo pode ser considerada a incapacidade humana de resolver problemas inesperados, visto que falta coragem para superar o medo. (D) A heurística do temor não é seguramente a última palavra na busca do bem, mas um veículo extraordinariamente útil. Deveria ser aproveitada para o empreendimento de preservação do planeta, podendo, dessa forma, acordar para a possibilidade de uma ca-

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

71


tástrofe, provocando a necessidade do limite e da renúncia em relação ao uso de certas tecnologias. (E) Trata-se de um medo que não tem a ver com o objeto da responsabilidade, pois, para assumir a responsabilidade pelo futuro do homem, é necessário livrar-se de qualquer sombra aterrorizante sobre um futuro que talvez nunca aconteça.

08. Na obra O princípio responsabilidade, Hans Jonas propõe um ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Entre as principais teses defendidas pelo autor destacam-se:

I. Todas as éticas até hoje partilharam de alguns pressupostos em comum, tais como: a natureza humana e extra-humana eram consideradas imodificáveis pelo agir; todas as éticas foram essencialmente antropocêntricas; e a responsabilidade da ação humana limitava-se ao tempo presente. II. Enquanto no passado a natureza humana e extra-humana eram invioláveis pela capacidade do poder tecnológico, a técnica moderna coloca em perigo a autenticidade da vida futura.

II. O tema da bioética não é interdisciplinar, ou seja, não é tratado por outras áreas que não seja a própria medicina. III. Boa parte das ciências que tratam da vida humana incorpora o estudo da bioética. IV. O tema da bioética não é um tema filosófico, pois nunca teve a pretensão de superar a dicotomia entre ciência e filosofia. V. O tema da bioética trata apenas das relações humanas deixando de lado toda e qualquer relação com o meio no qual o ser humano esta inserido.

Está correta: (A) apenas I. (B) apenas II.

(C) apenas I e III. (D) apenas III e IV.

11. Em linhas gerais, o modelo de ética da responsabilidade de

III. Ninguém pode ser responsabilizado pelos efeitos involuntários posteriores de um ato bem intencionado.

Hans Jonas refere-se (A) ao aqui e agora, e afirma que, se não fizermos nada urgentemen-

IV. A natureza deve, sobretudo, ser protegida porque, sem ela, o homem não poderá assegurar a sua sobrevivência.

(B) à responsabilidade com um futuro longínquo da humanidade e afir-

V. O homem, com o poder da técnica moderna, passou a figurar como um objeto da própria técnica, perdendo sua autonomia, ou seja, o homo faber passou a dominar o homo sapiens.

Estão corretas APENAS as assertivas: (A) I, II e III. (C) III, IV e V. (B) I, II e IV. (D) I, III e V.

(E) I, II e V.

09. Sobre Hans Jonas, analise as assertivas a seguir: I. Ao nomear sua obra como O Princípio Responsabilidade, o filósofo Hans Jonas atribui à ética não só um resultado ou análise imediata, mas a eleva a um patamar de ulteridade, ou seja, a ética deve se preocupar com a condição global da vida humana e com o futuro distante, inclusive com a existência da espécie. II. Reconhecer a ignorância, segundo o autor, deve ser a postura do homem técnico contemporâneo que, a despeito de toda grandeza ilimitada de sua engenhosidade, confrontada com a natureza, reconhece-se pequeno. Isso é ético. III. Assim como todos os paradigmas e concepções éticas antigas, Hans Jonas considera o homem portador de um poder excessivo. Sempre que utilizar esse poder, estará agindo de forma ética. IV. Ao se preocupar com a vida humana, o futuro distante e a existência da espécie, a ética da responsabilidade de Hans Jonas não se configura como uma análise ética possível em nossos dias. V. Ao utilizar os princípios da ética da responsabilidade de Hans Jonas, várias atitudes contemporâneas seriam passíveis de uma mudança de postura para alcançar um ideal ético. A exemplo disso, pode-se citar a industrialização e seus efeitos, e a utilização de tecnologia na indústria bélica.

Está(ão) CORRETA(S): (A) III e IV. (C) I, II e III. (B) II, IV e V. (D) IV e V.

(E) I, II e V.

10. O médico americano, Van Rensselaer Potter (1911/2001), foi

o primeiro a usar o termo “bioética” em seus estudos. Potter defendeu uma nova abordagem, menos científico-tecnicista e mais humanista, de alguns problemas vitais para o ser humano incluindo uma visão global de temas relacionados com a vida, por exemplo, o meio ambiente.

72

Analise as afirmativas abaixo. I. Definimos bioética como sendo a parte prática que estuda os problemas morais relacionados com o início, o meio e o fim da vida.

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

te, o mundo poderá entrar em colapso nos próximos anos. ma que esta se estende até descendentes muito afastados de nós.

(C) à dúvida entre a superioridade do ser sobre o não-ser e afirma que o melhor é que cada um faça algo urgente com relação ao nosso estilo de vida altamente nocivo à vida nesse planeta. (D) a uma ética da esperança e afirma que precisamos urgentemente acreditar na utopia da construção de um homem integral e nos responsabilizarmos por trilhar esse ideal.

12. O progresso do saber biomédico, que parece tornar seus

possuidores donos da vida e da morte, tem provocado muita angústia entre aqueles que têm consciência de que, ao lado dos benefícios, há um grande risco de seu emprego inadequado. Essa assertiva refere-se a (A) biomédica. (B) biomedicina. (C) bioética. (D) biofilosofia.

13. A ética é construída por uma sociedade com base: (A) na genética que se passa por geração (B) na educação que é dada nas escolas (C) nos ensinamentos oferecidos nas faculdades (D) nos meios de comunicação como TV e rádio. (E) nos valores históricos e culturais.

14. Um ser humano que não segue a ética da sociedade a qual faz parte é denominado de: (A) antiético (B) antissocial (C) imoral (D) excluso ou excluído (E) moralista

15. A ética na área de pesquisas biológicas é denominada: (A) bioética (B) ética na saúde (C) ética na ciência (D) ética social (E) ética profissional


ÉTICA CAPÍTULO 9 A VIDA ÉTICA

Todos nós já passamos por conflitos éticos e morais quando, por exemplo, diante de uma situação nos vemos impelidos a dizer a verdade ou mentir, cumprir ou não determinada regra coletiva, respeitar ou não valores que, muitas vezes, não concordamos com eles. No campo das humanidades chamamos estes conflitos de éticos porque envolvem seres humanos. Não há como cobrar uma atitude ética de um animal, por exemplo, um leão ao atacar uma zebra, o faz somente por questões de instinto e sobrevivência. Mas o ser humano não. Nele o componente racional o coloca diante de ações às quais pode optar em agir de um modo ou de outro. É sobre este agir que vamos nos debruçar neste capítulo. Portanto já temos uma primeira definição para ética: o agir humano com base na vontade racional de um sujeito. No caso de um agente não humano, ou sem vontade livre, sem opção de escolha, nestes casos não há conflito ético. A primeira questão que se coloca é: nosso comportamento e que determina nossa ação, portanto nossa ética, ele é inato ou adquirido, faz parte de nossa natureza ou é cultural, é genético ou epigenético, vem pela hereditariedade ou é adquirido do meio? Notaram que de um lado podemos colocar os conceitos de inato, natureza e genético e de outro cultural, epigenético e o meio social? Um filósofo francês chamado François Jacob nos exemplifica com a metáfora da fita magnética e do disco de vinil (que pode ser substituído por um CD gravado): “Os defensores da fita magnética são muitas vezes influenciados pela ideologia marxista segundo a qual o indivíduo é inteiramente modelado pela classe social e sua educação. Para eles, as aptidões mentais do ser humano simplesmente nada tem a ver com a biologia e a hereditariedade (...) Da mesma forma, aparece como insustentável a atitude oposta, a do disco de vinil (CD). Este ponto de vista que se encontra muitas vezes associado a uma filosofia conservadora serve de base às formas variadas do racismo e do fascismo. Ele atribui à hereditariedade do ser humano a quase totalidade de suas aptidões mentais e nega praticamente toda influência do meio, arruinando assim toda esperança de melhoria pelo treinamento e pela aprendizagem”. (JACOB, F. Le jeu des posibles. Paris: LGF, (s.d.), p. 110). Este trecho citado por Luc Ferry e Jean-Didier Vincent, que aponta esta dicotomia, ainda nos anos 1970, era apaixonadamente defendida por partidários destas duas posições radicais com relação ao problema ético. Mas hoje é possível uma outra abordagem que abre caminho para uma terceira via de entendimento que foge porém daquela tradicional que tenta conciliar estas duas anteriores, ou seja, admitir um pouco de herança genética e a influência do meio, o que acaba por ser também uma espécie de determinismo. Esta nova via de abordagem, na verdade moderna, lança mão do conceito de liberdade para caracterizar o ser humano diante destes conflitos e que o distancia de sua genética e das determinações do meio. Ser humano é ser livre para ir contra as determinações sejam elas da natureza ou da sociedade.

Liberdade e Determinismo Comecemos pela abordagem trazida por Sócrates (469-399 a C). Ele é o primeiro à deslocar o problema da filosofia da natureza (physis) para o homem (antropós), determinado o campo antropológico onde a ação humana deveria ser estudada. Em oposição aos professores Sofistas - um movimento estrangeiro à Atenas que se aproveita do advento da Democracia e sua igualdade (isonomia) política – que defendiam a verdade relativa cujo método adequado de abordagem seria a Retórica para definir a melhor ação humana, Sócrates aponta para a necessidade de se reconhecer por trás de cada homem diferente uma unidade que estaria em sua alma e que lhe seria natural. Diante disso a verdade seria

Jovem mascarado quebra vitrine de loja durante protesto. A ação individual em nome do coletivo se justifica por si só?

73


uma só, universal, presente na alma natural do homem que através de uma atitude racional saberia a verdade de sua ação. Neste sentido o bem a que cada homem visa, sua finalidade, estaria desde o nascimento impressa em sua alma sendo a educação o único caminho para que a alma alcançasse algo que ela já trás em si mesma. Conhecer-se a si mesmo seria o mesmo que conhecer a verdade, pois seria o primeiro passo para a conduta bela e boa. Este inatismo ético vai ser defendido por Platão (428 – 347 a C) e Aristóteles (384 – 322 a C). Platão ao continuar seu mestre Sócrates e dividir os homens em três tipos de almas, portanto, em três tipos de condutas éticas de acordo com a natureza de cada uma, vai propor um sistema político baseado nesta divisão de classes. A primeira, cuja natureza seria concupiscente, sensorial, dirigida pelos desejos corporais e que determinariam a conduta humana de forma irracional, devendo ser vigiada pela segunda e cuja educação deve visar o controle destes desejos. A segunda classe teria uma natureza impetuosa, aguerrida, beligerante, devendo ser vigiada também e ensinada a controlar seus ímpetos, tendo como função política a segurança das primeiras. E por fim uma terceira que tem a natureza racional, que se auto-conhece, sabe qual sua finalidade e seu bem, daí poder discernir com clareza como agir, tendo a responsabilidade de decidir pelos demais. Somente esta seria ética porque saberia, conheceria o bem coletivo que deveria reger o Estado. As outras por desconhecerem o bem, agem mal, devendo ser portanto ensinadas e não punidas. Aristóteles é quem vai melhorar este conceito de ética natural ou inata. Ao discordar de Platão quanto a natureza da alma, o filósofo macedônio, aponta uma outra determinação: a finalidade, ou teleologia, aquilo a que todas as coisas visam, inclusive a ação humana. Em Aristóteles a ética nada mais é do que a atualização de uma potência que já existe inata em nós, em nossa alma e que pode ser definida racionalmente. O bem a que as coisas visam tem como objetivo a felicidade pessoal e da polis, daí a necessidade de se conhecer este bem que existe em potência nas coisas e no homem, cabendo à razão contida em sua alma encontrar este caminho. Para o filósofo este caminho é o do meio, a mesótis, o bem não está nos extremos e nem é a soma ou a divisão destes extremos, ao contrário, ao se afastar deles chegamos ao meio. A atitude prudente, a fronesis, o pensar antes de agir, a razão antes da ação é o que determina o alcance deste bem.

Ética e Moral Do mundo Antigo, a palavra ética, que é de origem grega, e que significa costume, tradição, vai ser complementada pela palavra latina moral, inventada por Cícero na obra, Sobre os Deveres, no início do período medieval, incorporando ao conceito o agir por dever. Esta visão que concilia ética e moral vai ser retomada pelo Cristianismo medieval que faz uma releitura de Platão significando o ideal de belo e bom (kalo kai gatia, em grego) comum a perspectiva a-histórica, ou seja, voltada para o final dos tempos, quando o homem seria julgado por seus atos por Deus. Na modernidade teremos uma visão totalmente nova e apresentada pela primeira vez de maneira surpreendente e revolucionária, na obra O Emílio de Jean-Jacques Rousseau (1712 -1778). Nela a primeira definição de homem que aponta a nossa diferença para os animais e que não reside na razão: o homem é livre. Enquanto os animais fazem suas escolhas determinados pela sua natureza, o homem, ao contrário, se autodetermina, pois é livre para escolher ir contra inclusive a sua própria natureza! Esta nova visão retira da natureza a determinação sobre a ação humana, seja esta natureza sua alma ou sua razão. Rousseau e mais tarde Kant (1724-1804) vão defender que é o homem livre que pode optar em agir sem seguir nem as determinações de sua natureza animal, biológica – que pode ser egoísta pois visa a sua sobrevivência – e nem as suas determinações sociais, que são racionais, que pesam custo X benefício. A ética rousseaniana é uma luta constante entre o homem livre e bom e sua natureza racional e egoísta que tende para o individualismo. Em O Emílio, Rousseau trata da ética no sentido da aprendizagem individual a qual deve levar o sujeito a refletir sobre a sua liberdade: ensinar é ensinar a ser livre. Já em O Contrato Social, o filósofo genebrino, prega a ética social, ou seja, este homem livre das determinações da natureza, pode agora optar em agir em nome do coletivo, em nome de uma vontade geral, ou seja, a sua vontade identificada com as demais vontades. Ser livre socialmente para Rousseau é agir de acordo com a lei que este indivíduo impôs a si mesmo com base na vontade geral de todos os demais indivíduos que, como ele, ao abrir mão de sua natureza egoísta, se descobre bom. Kant vai sofisticar ainda mais esta noção, ao identificar esta liberdade com a noção de Dever no sentido estritamente racional: ser livre é atingir uma autonomia que indica a necessidade de agir como ser humano, ou seja, se colocando no lugar de outro ser humano, sendo portanto livre para não ser determinado por si mesmo, mas por uma regra geral, imperativa, categórica que nos indica agir como se todo homem em nosso lugar agiria. Não é ser determinado pelo Dever, ao contrário, é optar livremente por agir de acordo com ele! A terceira abordagem para a Ética também surge no século XVIII com o fortalecimento dos Estados-Nacionais, quando o mundo anglo-saxão passou a colocar o trabalho como algo natural e que derivado dele, o direito à propriedade privada do resultado do trabalho do corpo. Esta abordagem, mais tarde concebida como utilitarista vai servir de base para filosofias antagônicas como a de John Locke (1632 -1704) e Karl Marx (1818-1883) porque tem como base não a natureza como determinadora do homem, mas a história. Na análise histórica está a explicação para a conduta humana, seja ela para o fim a que se destina. Tanto Locke quanto Marx discutem em cima dos mesmos fundamentos: o que historicamente determina eticamente o homem, tendo por base a produção material da riqueza social derivada do trabalho e da engenhosidade humanas no controle e transformação da natureza. Aqui vai se consolidar uma diferença entre ética e moral, ou melhor, eticidade e moralidade, sendo a primeira um conjunto de normas e regras definidas historicamente como resultado do conflito entre diversos sujeitos sociais e moralidade, a ação individual de cada sujeito em relação às regras e normas definidas socialmente. Para Locke um determinado tipo sujeito deve impor suas normas e regras com base em um direito natural que lhe garante a propriedade privada derivada do trabalho livre; já para Marx, um sujeito consciente, deve rejeitar as imposições dessas normas e propor outras, alterando a relação entre a propriedade privada e o trabalho para redefinir novos parâmetros éticos e morais de maneira revolucionária.

74

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


Em resumo poderíamos dizer que a primeira proposta ética, que está no mundo Antigo e Medieval tem por base a aristocracia, aristoi, os melhores, em grego, que indica a existência de talentos naturais que devem ser buscados e que determinam as condutas de cada indivíduo; a segunda abordagem está ligada a filosofia da liberdade, que impõe a necessidade de se formar cidadãos com capacidade de decidir livremente suas ações, sendo capazes de negar seus valores naturais, criando com isso uma alternativa humana, por isso ética, não existente entre outras espécimes animais; e uma terceira que coloca na utilidade de uma prática, seja ela individualista ou coletiva, como a condição determinante das ações humanas e que inevitavelmente são condicionadas por eventos históricos materialmente definidos. Ao estudarmos todas elas, quem sabe não chegamos nós a uma nova interpretação e abordagem, analisando aspectos que ainda não foram levados em conta. Aceite o desafio.

AVALIE SEU CONHECIMENTO 01. Ética é:

03. A ética é construída por uma sociedade com base:

(A) um conjunto de valores morais e princípios que norteiam a con-

(A) na genética que se passa por geração (B) na educação que é dada nas escolas (C) nos ensinamentos oferecidos nas faculdades (D) nos meios de comunicação como TV e rádio. (E) nos valores históricos e culturais.

duta humana na sociedade. (B) um conjunto de comportamento correto e relacionado à conduta humana dentro de uma sociedade organizada. (C) a maneira como os seres humanos se comportam uns com os outros. (D) o princípio fundamental para que o ser humano possa viver em família. (E) um comportamento que se deve ter apenas quando se estiver trabalhando.

02. A ética serve para que se possa existir certo equilíbrio e fun-

cionamento social de qualidade, fazendo com que ninguém saia prejudicado. Neste ponto de vista, a ética, embora não possa ser confundida com as leis, está diretamente voltada com: (A) a educação das pessoas (B) o sentimento de justiça social (C) o medo da sociedade de errar (D) a educação dada na infância (E) o pensamento de pessoas que possuem conhecimentos profundos

04. Um ser humano que não segue a ética da sociedade a qual faz parte é denominado de: (A) antiético (B) antissocial (C) imoral (D) excluso ou excluído (E) moralista

05. A ética na área de pesquisas biológicas é denominada: (A) bioética (B) ética na saúde (C) ética na ciência (D) ética social (E) ética profissional

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 06. Com relação à ética, à moral e às virtudes, bem como às

suas aplicações no contexto de empresas e organizações públicas, assinale a opção correta. (A) Uma cultura empresarial pode ser caracterizada pela ética na medida em que seus valores, e não as pessoas que integram a organização ou os produtos e serviços por ela oferecidos à sociedade apresentam tal característica. (B) Condutas éticas são aprendidas somente no contexto familiar. Dessa forma, um sistema de desenvolvimento, monitoramento e controle dos ambientes interno e externo de uma organização é ineficaz para detectar pontos que possam causar uma conduta antiética. (C) Ao analisar a ética da virtude, pesquisas mostram que as empresas que possuem culturas fracas costumam prezar valores como fidelidade e justiça, enfatizando o bem-estar das pessoas e o sentido de pertencer a algo, promovendo a lealdade. (D) Pessoas são caracterizadas, entre outras coisas, por suas virtudes e pelos seus vícios, sendo que ambos pressupõem valores que, se não forem traduzidos em ações, perdem seu sentido. (E) A responsabilidade pelas condutas éticas das empresas públicas se restringe à alta administração e aos gerentes, pois eles são responsáveis pelas principais decisões nas empresas.

07. “A maioria dos autores define que a moral é a parte subjetiva da ética.” Esta afirmativa define que: (A) A moral disciplina o comportamento do homem consigo mesmo. (B) A moral trata dos costumes, deveres e modo de proceder dos homens para com os outros homens.

(C) O mundo ético é o mundo dos juízos de valor. (D) A moral busca a justiça e a equidade natural. (E) Todas as alternativas anteriores completam o enunciado corretamente.

08. Assinale a alternativa que estabelece corretamente as carac-

terísticas de moral. (A) A moral resulta do conjunto de leis, costumes e tradições de uma sociedade e é subordinada a ética comportamental definida em regras constitucionais. (B) Entende-se por moral, um conjunto de regras consideradas válidas para uma maioria absoluta, que se valem dela para impor conduta ética aos demais cidadãos. (C) A moral é mutável e varia de acordo com o desenvolvimento de cada sociedade. Ela norteia os valores éticos na Administração Pública. (D) A moral é mais flexível do que a lei, por variar de indivíduo para indivíduo, e afeta diretamente a prestação dos serviços públicos por criar condições para uma ética flexível no atendimento às necessidades básicas da população. (E) A ética confunde-se com a moral como um dos parâmetros para a avaliação do grau de desenvolvimento de determinada sociedade e, consequente, padronização da prestação dos serviços públicos comunitários.

09. É dever do servidor público ser cortês, ter urbanidade, dispo-

nibilidade e atenção, respeitando a capacidade e as limitações individuais de todos os usuários do serviço público, sem qualquer espécie de preconceito ou distinção de raça, sexo, nacionalidade, cor, idade, religião, cunho político e posição social. Julgue os itens subsequentes, com relação às ideias do texto acima. I. O servidor público não pode desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, o servidor público tem que decidir entre o legal e o ilegal, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, bem como entre o honesto e o desonesto. II. Na gestão pública, é imprescindível o respeito à individualidade do outro.

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

75


III. Age contra a ética ou pratica ato de desumanidade o servidor público que deixa, de forma injustificada, uma pessoa à espera de solução cuja competência é do setor em que exerça suas funções, permitindo a formação de longas filas, ou qualquer outra espécie de atraso na prestação do serviço. IV. Uma ética deontológica é aquela construída sobre o princípio do dever.

Considerando V para Verdadeiro e F para Falso, marque a alternativa que retrata corretamente as assertivas acima. (A) V – V – F - F (B) V – F – V – V (C) V – V – V – V (D) Todas estão corretas (E) Todas estão incorretas

10. Sobre o conceito de ética marque a alternativa que NÃO re-

presenta uma alternativa correta. (A) Ética é a ciência normativa dos comportamentos humanos, sendo definida através de leis específicas. (B) A ética é construída por uma sociedade com base nos valores históricos e culturais. (C) Cada sociedade e cada grupo possuem seus próprios códigos de ética. (D) Ao conviver em sociedade o homem percebeu a necessidade de “regras” que regulamentassem esse convívio. (E) Ética é o Julgamento da validade das morais.

11. Falando de caráter histórico e social da moral marque a opção que o conceitua. (A) O comportamento moral varia de acordo com o tempo e lugar

conforme as exigências das condições nas quais as pessoas organizam-se ao estabelecerem as formas de relacionamento e as práticas de trabalho. (B) A moral não muda. (C) A moral é um conjunto de regras e deve ser seguida hoje e sempre. (D) Todas (E) Nenhuma.

12. Estudando a liberdade do sujeito moral a prendemos que a moral ao mesmo tempo que é um conjunto de regras de como deve ser o comportamento dos indivíduos de um grupo, é também a livre e consciente aceitação das normas. O ato só é moral se passar pela aceitação pessoal da norma.Marque a opção que corresponde a liberdade do sujeito moral. (A) Para que você seja um adulto independente existe a regra de ter que estudar, porém você ainda não assimilou tal importância e só o faz pressionado por seus pais ou professores. (B) Você como aluno conhecendo as regra de ter que estudar o faz sem o controle dos seus pais ou professores. (C) Você conhece as regras tem consciência de sua importância, porém em determinadas situações olha para os lados e se ninguém estiver lhe vendo age contrario a regra. (D) Todas as alternativas. (E) Nenhuma

76

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

13. Estudamos no tópico Desejo e Vontade que o que caracteri-

za o agir humano é a capacidade de antecipação ideal do desejo a ser alcançado. Por isso o ato moral é um ato voluntário, ou seja, um ato de vontade que decide realizar o fim proposto. Relacione as colunas. 1. Agir humano 2. Desejo 3. Vontade 4. Seguir o impulso do desejo

( ) O que o caracteriza é a capacidade de antecipação ideal do resultado a ser alcançado.

( ) Não resulta de uma escolha, porque surge em nós com toda a sua força e exigência de realização.

( ) Consiste no poder de reflexão que antecede a realização ou não do desejo.

( ) É a negação da moral e da possibilidade de qual quer vida em sociedade.

(A) 1,3,2,4 (B) 2,1,4,3 (C) 1,2,3,4

(D) 4,3,2,1 (E) 3,2,4,1

14. Ao estudarmos sobre os VALORES vimos que diante de pessoas, coisas e situações, estamos constantemente fazendo avaliações. Mostre conhecimento relacionando as colunas. 1. Valor 2. Juízo de realidade 3. Juízo de valor

( ) Aquilo que se pensa. Esta caneta é bonita. ( ) algo determinado pela interação entre o sujeito e o objeto. ( ) É aquilo que é o concreto. Ex: esta caneta é preta, (A) 3,2,1 (D) 2,3,1 (B) 1,2,3 (E) 2,1,3 (C) 3,1,2

15. Relacione as colunas. 1. Moral 2. Sujeito moral 3. Ética

( ) É aquele que age bem ou mal na medida em que acata ou transgride as regras morais admitidas em determinada época ou por um grupo de pessoas. ( ) Conjunto de regras que determinam o comportamento dos indivíduos em um grupo social é universal. ( ) É a reflexão sobre as noções e princípios que fundamentam a vida moral, é a minha prática é individual.

(A) B,A,C (B) A,B,C (C) C,B,A

(D) A,C,B (E) C,A,B


CAPÍTULO 10 A ÉTICA NO PERÍODO CLÁSSICO O advento da democracia grega em Atenas trouxe a novidade da igualdade (isonomia) entre os homens da polis e a troca das disputas feitas pela espada pelas disputas pela palavra, em praça pública, na presença de todos. A verdade não era mais atribuída a deuses ou seus sacerdotes ou ao tirano que houvesse tomado o poder pela força e que a partir de agora decidiria o destino da cidade e de todos os homens. A verdade era decidida por todos, debatida, repensada e que exigia um grande esforço de retórica para fazer valer suas convicções. Ao tomar para si seu próprio destino, o homem grego coloca a razão como a principal característica que determina um homem. Na esteira desta novidade política chega em Atenas uma quantidade de auto-intitulados sábios (sophós) que vão inaugurar uma forma de educação voltada para esta nova virtude política, o falar em público. Esta escola formaria o O desenho animado “Os Simpsons” usa a classificação ética de Aristóteles para determinar a conduta de seus quatro principais personagens: virtude, quasecidadão em diversas áreas, da astronomia à história, da gravirtude, quase-vício e vício, em Lisa, Margie, Bart e Homer respectivamente mática à música, passando pelas artes das musas (nove ao todo) até a especialização na retórica. O maior dos sofistas, Protágoras (por volta de 470 a C) já celebrizava-se com a frase: “O homem é a medida de todas as coisas”. Ou seja, os valores humanos tem um caráter meramente relativo e a cada homem parece haver uma verdade e que por isso somente um debate retórico, somente o convencimento, poderia ser um método adequado para o estabelecimento de condutas éticas e morais. Sócrates (469-399 a C) se opõe radicalmente a esta visão. Ele que era ateniense, filho de uma parteira e de um escultor da cidade, via na posição daqueles estrangeiros um descompromisso com a cidade e uma atitude perigosa com relação a deixar a polis sob o comando dos que melhor falam, discursam, ao invés dos verdadeiramente capazes e com aptidão para isso. Os homens não são iguais como se pregava, mas ao contrário, diria Sócrates, cada homem possui uma natureza distinta que o faz diferente em relação às suas capacidades. Portanto a educação seria um mecanismo de seleção dos melhores através de sua capacidade intelectual inata, cabendo somente a estes os cargos diretivos da cidade idealmente constituída para ser perfeita. Ao contrário de uma educação sofista que visava um conhecimento exterior, fruto de um aprendizado que vem de fora para dentro, Sócrates pregava uma educação cognitiva, reflexiva que vem de dentro para fora, buscando afastar a alma dos pré-conceitos originários de uma postura ética arrogante, a do sábio. Para Sócrates, deve-se adotar a postura do filósofo, que busca o auto-conhecimento e este começa com uma atitude humilde, o reconhecimento de sua própria ignorância para depois sim, ao refletir, maieuticamente, em si mesmo, encontrar aquilo que determina sua própria natureza, contida na alma que cada um ganhou ao nascer. Em sua obra Apologia a Sócrates, Platão (428-347 a C) que foi discípulo dele, apresenta o discurso feito por seu mestre no julgamento a que foi submetido devido à acusação que sofreu por parte dos sofistas que, ao defender este ponto de vista, estaria, segundo eles, corrompendo a juventude e negando os deuses da cidade. Em outra obra, A República, Platão estabelece a construção de uma cidade ideal baseada na concepção ética de Sócrates. Nesta visão, o homem é um composto de corpo (soma) e alma (psique) estando em nossa alma a consciência revelada pela razão. Ao corpo estão associados os sentidos que, para Platão, por serem inferiores à razão, enganam, nos levam ao erro e por isso, devem ser ignorados. Ao contrário a alma, e portanto a razão, é quem determina de fato o que é a verdade, o certo e o errado. Entretanto nem todos nascem com uma alma realmente racional, há pelo menos duas outras variantes, a concupiscente e a irascível, características opostas às qualidades racionais, o que vai determinar também a conduta ética de cada corpo que a possua. Há homens melhores do que outros! Este conceito de excelência, ou aristói, em grego, os melhores, ou uma forma de perfeição, ou a forma mais perfeita de realização de um ser humano, constitui-se assim na sua natureza ou o que vai determinar sua função ou finalidade. Uma espécie de natureza inata de cada um que deve ser vista como seu destino final. Em A ética a Nicômaco, de Aristóteles (384 – 322 a C) isto fica bem nítido com a sua noção de virtude ética que tem início na definição da finalidade específica de cada ser, sendo a do homem, a felicidade: “Com efeito, assim como no caso de um flautista, de um escultor ou de um artista qualquer, e em geral para todos aqueles que tem uma função ou uma atividade determinada, é na função que reside, segundo a opinião corrente, o bem ou o êxito, pode-se pensar que o mesmo acontece com o ser humano, se é verdade que existe uma certa função especial para o homem – disto não há, evidentemente nenhuma dúvida, de modo que seria absurdo pensar que um carpinteiro ou um sapateiro tenham uma função e uma atividade a exercer, mas que o homem não tenha nenhuma e que a natureza o tenha dispensado de toda obra a cumprir” (EN 1197 b 25) Esta natureza fixa do homem é o que vai determinar a sua ética. Embora não se exclua a vontade e a deliberação, ou seja, um agente que racionalmente age, Aristóteles determina um fim para esta ação, o que deve se encaminhar então para uma finalidade da razão ética. Ele define esta finalidade como sendo uma justa medida, um meio, uma mesótis, que exclui

77


os extremos por serem exatamente contrários a esta determinação racional e por isso ética. O que se quer é a perfeição da práxis, que é a nossa destinação natural, e que portanto deve estar entre os extremos que nos afastam igualmente de onde deveria estar nossa conduta. Assim o olho cego e o cavalo de três patas são extremos porque escapam de sua natureza, a do olho ver, a do cavalo trotar, sendo necessário para isso, o apogeu de sua virtude, de sua perfeição (EN 1107 a 5). O homem feliz é aquele que não age livremente seguindo seus impulsos e considerações, mas sim aquele que age prudentemente, pensando qual a razão que está por trás dos atos e a verdadeira natureza que deve ser obedecida. Assim como em sua cosmologia cada elemento tem o seu lugar natural, também a ética aristotélica é uma constante: o homem tem uma alma dividida em uma parte racional e outra irracional. Na racional encontram-se sua intelecção e sua sensibilidade e na irracional suas funções vitais, vegetativas que o mantém vivo, sobre as quais não é necessário pensar ou decidir (o bater do coração, por exemplo) e nossos desejos, que involuntariamente aparecem em nossa alma nos impelindo a agir. Ser um homem prudente é ser intelectivo, usar a razão no controle dos desejos. Daí a necessidade de uma educação que nos possibilite aperfeiçoar, através da repetição, os atos que nos fazem cada vez mais virtuosos ou seja, aqueles nos quais a natureza da alma racional virtuosa mais se afirma. As atitudes podem redundar em quatro condutas éticas: as virtuosas; as quase virtuosas; as quase viciosas; e as viciosas. Em pensar que esta visão ética aristotélica é a ética que rege Os Simpsons, a famosa série da TV norteamericana, de Mat Groening. Homer o vício, Bart, o quase vício, Margie, a quase virtude e Lisa, a virtude. Homer Simpson tem uma ética peculiar que em nada se parece com, por exemplo, o Imperativo Esta visão fixa e determinista de uma ética natural focada em papéis esCategórico e o Dever Moral em Kant tabelecidos pela natureza das coisas, gera um quadro social também fixo, cabendo a cada ser neste universo um lugar próprio. Assim ao homem cabe cuidar da polis, por isso seu papel é político, à mulher cabe cuidar da casa (oikós) e das leis que regem a casa (nomoi), então seu papel é econômico, ao escravo cabe o trabalho (ergon) e ao animal a força (dynamis) numa imagem cosmopolita de homem. Como no desenho animado, você já espera a atitude ética de cada um deles de acordo com a sua natureza. Ou você imaginaria a Lisa ficando com a carteira de alguém que ela achou, ou o Homer ao contrário, não pagando uma rodada de cerveja no Moe´s, com o dinheiro da carteira que ele achou na rua?

AVALIE SEU CONHECIMENTO 01. Sócrates representa um marco importante da história da filosofia; enquanto a filosofia pré-socrática se preocupava com o conhecimento da natureza (physis), Sócrates procura o conhecimento indagando o homem. Assinale o que for correto. (01) Sócrates, para não ser condenado à morte, negou, diante dos seus juízes, os princípios éticos da sua filosofia. (02) Discípulo de Sócrates, Platão utilizou, como protagonista da maior parte de seus diálogos,o seu mestre. (04) O método socrático compõe-se de duas partes: a maiêutica e a ironia. (08) Tal como os sofistas, Sócrates costumava cobrar dinheiro pelos seus ensinamentos. (16) Sócrates, ao afirmar que só sabia que nada sabia, queria, com isso, sinalizar a necessidade de adotar uma nova atitude diante do conhecimento e apontar um novo caminho para a sabedoria.

SOMA = _____

02. No pensamento ético-político de Platão, a organização no Estado Ideal reflete a justiça concebida como a disposição das facul-

dades da alma que faz com que cada uma delas cumpra a função que lhe é própria. No Livro V de A República, Platão apresentou o Estado Ideal como governo dos melhores selecionados. Para garantir que a raça dos guardiões se mantivesse pura, o filósofo escreveu:

É preciso que os homens superiores se encontrem com as mulheres superiores o maior número de vezes possível, e inversamente, os inferiores com as inferiores, e que se crie a descendência daqueles, e a destes não, se queremos que o rebanho se eleve às alturas. (Adaptado de: PLATÃO. A República. 7. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1993, p.227-228.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o pensamento ético-político de Platão é correto afirmar:

(A) No Estado Ideal, a escolha dos mais aptos para governar a sociedade expressa uma exigência que está de acordo com a natureza. (B) O Estado Ideal prospera melhor com uma massa humana difusamente misturada, em que os homens e mulheres livremente se escolhem. (C) O reconhecimento da honra como fundamento da organização do Estado Ideal torna legítima a supremacia dos melhores sobre as classes inferiores.

(D) A condição necessária para que se realize o Estado Ideal é que as ocupações próprias de homens e mulheres sejam atribuídas por suas qualidades distintas.

(E) O Estado Ideal apresenta-se como a tentativa de organizar a sociedade dos melhores fundada na riqueza como valor supremo.

03. Leia o texto a seguir: “A comunidade constituída a partir de vários povoados é a cidade definitiva, após atingir o ponto de uma auto-suficiência praticamente completa; assim, ao mesmo tempo que já tem condições para assegurar a vida de seus membros, ela passa a existir também para lhes proporcionar uma vida melhor. Toda cidade, portanto, existe naturalmente, da mesma forma que as primeiras comunidades; aquela é o estágio final destas, pois a natureza de uma coisa é o seu estágio final, porquanto o que cada coisa é quando o seu crescimento se completa nós chamamos de natureza de cada coisa, quer falemos de um homem, de um cavalo ou de uma família. Mais ainda: o objetivo para o qual cada coisa foi criada - sua finalidade - é o que há de melhor para ela, e a auto-suficiência é uma finalidade e o que há de melhor.” Fonte: ARISTÓTELES. Política. Tradução de Mário da Gama Kury. 2ª ed. Brasília: UnB, 1988, p.15.

78

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


Com base na citação acima e em seus conhecimentos sobre a concepção de Estado e sociedade em Aristóteles, considere as afirmativas a seguir: I. Para Aristóteles a cidade é uma criação artificial decorrente da necessidade que os homens têm de não causar danos uns aos outros. II. A cidade auto-suficiente é o estágio final das primeiras comunidades e existe para garantir a vida de seus membros e tornar possível uma boa vida. III. A reflexão acerca da cidade revela a concepção teleológica da filosofia política de Aristóteles. IV. Para Aristóteles, a cidade deve ser entendida como uma espécie de comunidade que tem como única função proporcionar a segurança dos indivíduos.

Estão corretas apenas as afirmativas: (A) I e IV. (B) I e III.

(C) II e III.

(D) I, II e IV.

(E) II, III e IV.

04. “Desde suas origens entre os filósofos da antiga Grécia, a Ética é um tipo de saber normativo, isto é, um saber que pretende orientar as ações dos seres humanos”. Fonte: CORTINA, A.; MARTÍNEZ, E. Ética. Tradução de Silvana Cobucci Leite. São Paulo: Edições Loyola, 2000, p. 9.

Com base no texto e na compreensão da ética aristotélica, é correto afirmar que a ética:

(A) Orienta-se pelo procedimento formal de regras universalizáveis, como meio de verificar a correção ética das normas de ação. (B) Adota a situação ideal de fala como condição para a fixação de princípios éticos básicos, a partir da negociação discursiva de regras a serem seguidas pelos envolvidos.

(C) Pauta-se pela teleologia, indicando que o bem supremo do homem consiste em atividades que lhe sejam peculiares, buscando a sua realização de maneira excelente.

(D) Contempla o hedonismo, indicando que o bem supremo a ser alcançado pelo homem reside na felicidade e esta consiste na realização plena dos prazeres.

(E) Baseada no emotivismo, busca justificar a atitude ou o juízo ético mediante o recurso dos próprios sentimentos dos agentes, de forma a influir nas demais pessoas.

05. “Todos os homens, por natureza, desejam conhecer. Sinal disso é o prazer que nos proporcionam os nossos sentidos; pois, ainda que não levemos em conta a sua utilidade, são estimados por si mesmos; e, acima de todos os outros, o sentido da visão”. Mais adiante, Aristóteles afirma: “Por outro lado, não identificamos nenhum dos sentidos com a Sabedoria, se bem que eles nos proporcionem o conhecimento mais fidedigno do particular. Não nos dizem, contudo, o porquê de coisa alguma”. Fonte: ARISTÓTELES, Metafísica. Tradução de Leonel Vallandro. Porto Alegre: Globo, 1969, p. 36 e 38.

Com base nos textos acima e nos conhecimentos sobre a metafísica de Aristóteles, considere as afirmativas a seguir. I. Para Aristóteles, o desejo de conhecer é inato ao homem. II. O desejo de adquirir sabedoria em sentido pleno representa a busca do conhecimento em mais alto grau. III. O grau mais alto de conhecimento manifesta-se no prazer que sentimos em utilizar nossos sentidos. IV. Para Aristóteles, a sabedoria é a ciência das causas particulares que produzem os eventos.

A alternativa que contém todas as afirmativas corretas é: (A) I e II (B) II e IV (C) I, II e III

(D) I, III e IV

(E) II, III e IV

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 06. Que propunha sócrates contra os sofistas?

07. Qual a diferença entre opinião e conceito?

08. Porque atenas condenou sócrates à morte?

09. Por que a filosofia moral ou a ética se inicia com Sócrates?

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

79


10. Segundo Aristóteles, qual é o campo das ações éticas? Por que essa concepção exclui o necessário e o contingente do campo ético e afirma a importância do possível?

11. O que é o homem prudente segundo Aristóteles?

12. “E justiça é aquilo em virtude do qual se diz que o homem justo pratica, por escolha própria, o que é justo, e que distribui, seja entre si mesmo e um outro, seja entre dois outros, não de maneira a dar mais do que convém a si mesmo e menos ao seu próximo (e inversamente no relativo ao que não convém), mas de maneira a dar o que é igual de acordo com a proporção; e da mesma forma quando se trata de distribuir entre duas outras pessoas”. Fonte: ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Ross. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 89.

De acordo com o texto e os conhecimentos sobre a justiça em Aristóteles, é correto afirmar:

(A) É possível que um homem aja injustamente sem ser injusto. (B) A justiça é uma virtude que não pode ser considerada um meio-termo. (C) A justiça corretiva deve ser feita de acordo com o mérito. (D) Os partidários da democracia identificam o mérito com a excelência moral . (E) Os partidários da aristocracia identificam o mérito com a riqueza.

13. “Ora, nós chamamos aquilo que deve ser buscado por si mesmo mais absoluto do que aquilo que merece ser buscado com vistas em outra coisa, e aquilo que nunca é desejável no interesse de outra coisa mais absoluto do que as coisas desejáveis tanto em si mesmas como no interesse de uma terceira; por isso chamamos de absoluto e incondicional aquilo que é sempre desejável em si mesmo e nunca no interesse de outra coisa”. Fonte: ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Nova Cultural, 1987, 1097b, p. 15.

De acordo com o texto e os conhecimentos sobre a ética de Aristóteles, assinale a alternativa correta:

(A) Segundo Aristóteles, para sermos felizes é suficiente sermos virtuosos. (B) Para Aristóteles, o prazer não é um bem desejado por si mesmo, tampouco é um bem desejado no interesse de outra coisa. (C) Para Aristóteles, as virtudes não contam entre os bens desejados por si mesmos. (D) A felicidade é, para Aristóteles, sempre desejável em si mesma e nunca no interesse de outra coisa. (E) De acordo com Aristóteles, para sermos felizes não é necessário sermos virtuosos.

14. Leia os textos a seguir: A amizade perfeita é a dos homens que são bons e afins na virtude, pois esses desejam igualmente bem um ao outro enquanto bons, e são bons em si mesmos. Ora, os que desejam bem aos seus amigos por eles mesmos são os mais verdadeiramente amigos, porque o fazem em razão da sua própria natureza e não acidentalmente. (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Ross. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 381-382. Os Pensadores IV.)

Os amigos formam uma unidade mais completa e mais perfeita do que os indivíduos isolados e, pela ajuda recíproca e desinteressada, fazem com que cada um seja mais autônomo e mais independente do que se estivesse só. (CHAUÍ, M. de S. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 323.)

Com base nos textos acima e nos conhecimentos sobre o pensamento ético e político de Aristóteles, considere as afirmativas a seguir. I. Uma sociedade de amigos é mais perfeita e durável por considerar a lei como norma mantenedora da amizade. II. Os amigos tornam a sociedade política perfeita ao se isolarem. III. Os virtuosos e bons são verdadeiramente amigos por desejarem o bem reciprocamente. IV. A amizade só pode existir entre os virtuosos, que são semelhantes em caráter; por isso, formam uma sociedade justa.

Assinale a alternativa que contém todas as afirmativas corretas. (A) I e IV. (B) II e III. (C) III e IV. (D) I, II e III.

(E) I, II e IV.

15. De acordo com Aristóteles, a vida consagrada ao ganho, que tem como fim a riqueza, não é a vida feliz. Portanto, a vida consagrada ao ganho identifica erroneamente o que é o bem ou a felicidade. (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Ross. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 12.)

Qual a principal razão invocada por Aristóteles para rejeitar a vida que tem como fim último a riqueza?

(A) A vida consagrada ao ganho é apenas um meio e não um fim em si mesmo. (B) O acúmulo de bens exteriores representa uma agressão à natureza. (C) A busca de riqueza é um fim acalentado por indivíduos mesquinhos e egoístas. (D) A vida consagrada ao ganho é modo de vida típico do capitalismo. (E) A riqueza torna as pessoas escravas do dinheiro e, portanto, infelizes.

80

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


CAPÍTULO 11 A MODERNIDADE ÉTICA - SPINOZA, ROUSSEAU E KANT

Para entendermos a ética modena, é necessário conhecermos antes a crítica que a ética clássica sofreu no Helenismo, período que corresponde à decadência grega. Logo após a conquista dos gregos pelos macedônios, há uma total decadência da sociedade cultural, passando o grego a viver sob o domínio de outros povos. A mistura da cultura grega com a cultura dos demais povos du- rante a expansão de Alexandre, o Grande - no período que vai de 338 a C a pelo menos 210 a. C, quando os romanos conquistam o que eles vão chamar de Acaia - é chamada de Helenismo. No Helenismo, tomam corpo quatro escolas filosóficas que terão influência sobre as religiões que se formam durante a Idade Média. São elas: Epicurismo, Estoicismo, Ceticismo, e Cinismo. Todas propondo uma discussão ética de como deveria se comportar o indivíduo diante da nova situação.

Epicurismo Epicuro, por volta de 307 a.C, abre uma escola filosófica que vai propor duas mudanças radicais para o pensamento: a) muda-se para o campo, para um kepós, um jardim, afastado da cidade; b) volta para o indivíduo e não mais para a polis, para o coletivo. Com estas duas importantes mudanças, Epicuro inaugura uma nova função para a filosofia que deixa de ser social e passa a ser subjetiva, voltada para a felicidade do indivíduo. Suas formulações são diretas: a) a realidade pode ser entendida pela razão humana; b) o homem pode ser feliz com o que há disponível para ele; c) a felicidade consiste em privação de dor e perturbação; d) a felicidade depende de si mesmo; e) o homem é autárquico e não depende das instituições como polis e nem de deuses. São postulados próprios de uma época em que a materialidade da morte está presente, pois o grego se torna escravo em sua própria terra. Portanto, também todos os homens são iguais e perfeitamente afeitos a encontrar a sua felicidade, atingida através da paz de espírito. Os jardins de Epicuro se abrem para todas as pessoas, daí levadas por seus discípulos de cidade em cidade; também sua fama, pois não faz distinções como as escolas filosóficas anteriores, não havia exigências. Há duas práticas importantes que vão sair destes jardins: a primeira diz respeito à forma como Epicuro divulgava suas ideias, através de epístolas, cartas que eram e a segunda, que isso acabava criando uma espécie de missionário que divulga uma mensagem filosófica – esta prática vai ser assimilada pelos cristãos Nega por completo todas as realidades supra-sensíveis de Platão e boa parte da cosmologia, física e metafísica aristotélicas. Divide seus estudos em três linhas: lógica, física e ética. A primeira garante o pensamento, a segunda, a materialidade da vida e a terceira, o meio para atingir a felicidade. Epicuro é sensista, ou seja, das sensações surge o conhecimento ou “mensageiras do conhecimento”. A física é uma retomada do atomismo, determinando que o que existe são vazios e corpos e os corpos são feitos de átomos que se movem neste vazio que, por conta disso, é infinito. Sua ética tem como base um homem material, ou seja, que morre porque é corpo, portanto o bem maior só pode ser, em vida, o prazer do corpo, o hedon. Ao associar felicidade ao prazer, Epicuro funda uma ética hedonista, muita utilizada hoje para descrever a contemporaneidade pós-moderna. O verdadeiro prazer é a ausência de dor (aponia) e uma alma imperturbável (ataraxia). Portanto, nossa conduta não é guiada pelo prazer, mas sim pela razão que, dentre os prazeres, deve escolher aqueles que vão nos livrar da dor e da perturbação. Há prazeres naturais e necessários, ligados à conservação da vida, comer, beber, dormir; prazeres naturais, não necessários, como coisas supérfluas que são variações dos primeiros, comer bem, beber bem; e os prazeres não naturais e não necessários, que são as opiniões vãs dos homens que apontam na riqueza, na aquisição de bens materiais a felicidade. Para atingirmos a felicidade, precisamos tomar quatro remédios, segundo Epicuro: a) não acreditar nos deuses e em coisas do além; b) não ter medo da morte, pois é absurdo, já que a morte não é nada; c) o prazer está à disposição de todos; d) o mal dura pouco e é facilmente suportável.

81


Estoicismo O Estoicismo pode se considerada a primeira escola filosófica de origem judaica, uma vez que seu fundador, Zenão de Cicio (hoje Chipre) é de origem semita – mas os manuais de filosofia tendem a considerar a filosofia judaica somente com Maimônides, durante a Idade Média. Ao mudar-se para Atenas, associou-se a cínicos como Crates, mas logo iniciou carreira própria. Rejeitava os grandes sistemas platônico e aristotélico, mas também não concordava com Epicuro, principalmente com a questão do homem ser um composto de átomos, bem como a associação da felicidade ao prazer. Por Zenão não ser ateReunidos no “stoa” (pórtico) os Estóicos formam a primeira escola filosófica judaíca no pensamento Ocidental niense, não podia ter um prédio em Atenas, por isso dava aulas na entrada da cidade sob um pórtico (stoá), daí ficarem conhecidos seus discípulos como estoicos – aqueles que se reúnem sob o stoá. Foi uma das correntes filosóficas deste período que mais influência teve sobre a história posterior, com Zenão, Cle- anto e Crisipo considerados seus fundadores. Para os estoicos, é a razão a determinadora das impressões dos sentidos, portanto há uma caráter de decisão, um assentir sobre os sentidos. Assentir (synkatáthesis) nos leva à apreensão (katalepsis), representando o conceito de verdade. Os estoicos viam a decadência grega gerada pela falta de caráter da definição da verda- de que é dita, a retórica. Ao se perder a correlação entre verdade e palavra, há uma corrupção política e ética. De certa forma, o estoico busca recuperar a palavra que é fruto da liberdade de assentimento que decide com o logos, a razão, e assume um compromisso ético, sendo este o critério de verdade. Os estoicos pregam também uma física que é monista e panteísta, ou seja, há um téos -phýsis-logos, ou deus – natureza – homem formando uma única realidade, daí, pan-teísmo, tudo está cercado pelo divino. Portanto, a conduta humana segue um kathékon (espécie de mandamento, como na cultura semita) que implicaria em um dever agir segundo uma ordem divina, que também é natural e humana, pois é racional.

Ceticismo É de Pirro, em Élis, uma nova escola que prega um sistema de apropriação de questões aporéticas (sem saída) que acaba por deixar para a história um conceito filosófico que muitas vezes é confundido com uma descrença nas possibilidades da razão levada ao extremo. Pirro é anterior a Epicuro e Zenão, e vai buscar mais no oriente a inspiração para sua filosofia: um total desapego ao material. Esta é a conduta de uma espécie de seita indiana chamada gimnosofista, pregava que tudo é vaidade. Na verdade, o ceticismo não chega a ser uma escola, mas um movimento que se inspira em Piro – daí às vezes, nos manuais, aparecer como Pironismo. Como tudo é mera vaidade, o caminho da felicidade é descrito por Pirro por três aspectos: a) as coisas são por natureza; b) qual deve ser nossa disposição em relação a elas; c) o que correrá, ao nos comportarmos de tal modo. As conclusões de Pirro: 1. as coisas não têm estabilidade, são indiferentes a nós, por isso nossas opiniões sobre as coisas não mudam em nada, por isso não podem ser falsas ou verdadeiras; 2. não é necessário por isso ter fé nas coisas, manter- se neutro, já que as coisas nos são indiferentes; 3. apatia e imperturbabilidade. Como o mundo é uma questão aporética (sem saída, sem resposta) uma vez que as coisas são indiferentes aos nossos sentidos, temos de abordá-las de forma a não nos perturbarmos com nossas paixões, nossos sentimentos. Então há um caminho de abordagem das questões: a) isostenia (uma igualdade de posição em todas as coisas, já que são indiferentes, indistintas), b) que leva a uma epoché (suspensão do juízo, do julgamento da atribuição da verdade), c) que nos conduz à ataraxia (a total falta de paixão).

Cinismo O cinismo está diretamente associado a Diógenes de Sinope, que viveu boa parte de sua vida perambulando de cidade em cidade, fixando-se em Atenas. Sua principal tese é que a cultura é contrária à natureza, sendo a razão e suas relações a responsável por prender o homem a convenções, tirando a sua liberdade natural. Em busca deste homem natural não cultural e não racional, é que Diógenes andava com uma lanterna procurando o que ele chamava de “o verdadeiro homem”. Diógenes rejeitava a polis, a família, as leis, as convenções culturais, as roupas, a língua, a cidaDiógenes morava em um barril e era comparado a um cão, uma vez dania. Dizia-se cidadão do mundo, não tinha nenhum pudor com que pregava uma ética natural contrária a uma atitude cultural que, segundo ele, tirava nossa liberdade suas necessidades fisiológicas, podendo urinar e defecar em qualquer lugar, na vista de todos, como um ato natural do homem e da phýsis. A verdadeira essência do homem é sua natureza animal e não racional, por isso o homem precisa se libertar desta prisão que criou para si mesmo, pois não precisa de mais nada do que a natureza lhe oferece para sobreviver mas, ao criar a polis, leis e convenções, obriga-se a tarefas não naturais que lhe tiram a felicidade. A autarquia e a apatia, ou seja, o governo de si mesmo e a indiferença eram as metas a serem atingidas por este modo cínico de ver as coisas. Cínico vem de cão (cinus), uma atitude natural diante da vida. Mais tarde, um homem vai andar por diversos lugares, de cidade em cidade, não levando nada de seu e dizendo que a vida deve ser vivida como a do lírio dos campos e como a das aves do céu, que não se preocupam com o que vestir nem com o que comer.

82

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


O resgate de Spinoza Na modernidade o pensamento racional de Descartes vai render muitas consequências, inclusive no pensamento ético. Uma de suas grandes influências foi Espinosa, um dos poucos judeus a ter um lugar de destaque na filosofia antes de Karl Marx. Na forma hebraica, Baruch Spinoza (1632-1677) recebeu uma formação judaico-ortodoxa porém, ainda aos 24 anos de idade, acabou expulso do judaísmo por professar ideias chamadas heterodoxas demais. Foi o primeiro a olhar as Escrituras como documentos históricos, criando o que se chama de criticismo superior - mais tarde retomado por Kant. Seu livro que o tornou célebre e também que trouxe grandes dores de cabeça em sua vida chama-se simplesmente Ética, escrito em latim (comum na época). Tinha um profundo interesse por óptica, pois trabalhava com lentes, como polidor - o que em anos de atividade vai acabar por matá-lo de doença pulmonar ainda cedo. Por conta disso leu os trabalhos de Copérnico, Kepler, Galileu, Descartes. Spinoza defende que Deus e Natureza eram dois nomes para a mesma realidade, a única substância em que consiste o universo e do qual todas as entidades menores constituem modalidades ou modificações, recuoerando assim o panteísmo dos Spinoza resgata o pensamento da primeira Estóicos. Ele aponta que Deus sive Natura (“Deus ou Natureza” em latim) é um ser escola judaica de filosofia, os Estóicos, mas dá uma nova interpretação à ética clássica de infinitos atributos, entre os quais a extensão (sob o conceito atual de matéria) e o na modernidade pensamento eram apenas dois conhecidos por nós. Esta sua visão da natureza da realidade, trata os mundos físicos e mentais como dois mundos diferentes ou submundos paralelos que nem se sobrepõem nem interagem mas coexistem em uma coisa só que é a substância. Spinoza também propunha uma espécie de determinismo, segundo o qual absolutamente tudo o que acontece ocorre através da operação da necessidade, e nunca da teleologia. Para ele, até mesmo o comportamento humano é totalmente determinado, sendo então a liberdade a nossa capacidade de saber que somos determinados e compreender por que agimos como agimos. Deste modo, a liberdade para Spinoza não é a possibilidade de dizer “não” àquilo que nos acontece, mas sim a possibilidade de dizer “sim” e compreender completamente por que as coisas deverão acontecer de determinada maneira. A filosofia de Spinoza tem muito em comum com o estoicismo, mas difere muito dos estóicos num aspecto importante: ele rejeitou fortemente a afirmação de que a razão pode dominar a emoção. Pelo contrário, defendeu que uma emoção pode ser ultrapassada apenas por uma emoção maior. A distinção crucial era, para ele, entre as emoções activas e passivas, sendo as primeiras aquelas que são compreendidas racionalmente e as outras as que não o são. Para Spinoza, a substância não possui causa fora de si, ela é causa de si mesma, ou seja, uma causa sui. Ela é singular a ponto de não poder ser concebida por outra coisa que não ela mesma. Por ser causa de si, a substância é totalmente independente, livre de qualquer outra coisa, pois sua existência basta-se em si mesma. Ou seja, a substância, para que o entendimento possa formar seu conceito, não precisa do conceito de outra coisa. A substância é absolutamente infinita, pois se não o fosse, precisaria ser limitada por outra substância da mesma natureza. Sendo da natureza da substância absolutamente infinita existir e não podendo ser dividida, ela é única, ou seja, só há uma única substância absolutamente infinita ou Deus. Apesar de ser denominado Deus, a substância de Spinoza é radicalmente diferente do Deus judaico-cristão, pois não tem vontade ou finalidade já que a substância não pode ser sem existir (se pudesse ser sem existir, haveria uma divisão e a substância seria limitada por outra, o que, para Spinoza, é absurdo, como foi explicado no parágrafo anterior). Consequentemente, o Deus de Spinoza não é alvo de preces e menos ainda exigiria uma nova religião.

Os afetos - o desejo, a alegria e a tristeza Os corpos se individualizam em razão do movimento e do repouso, da velocidade e lentidão e não em função de alguma substância particular (escólio 1 da prop. 13 da parte 2 da Ética), e a identidade individual através do tempo e da mudança consiste na manutenção de uma determinada proporção de movimento e repouso das partes do corpo (prop. 13 da parte 2 da Ética). O corpo humano é um complexo de corpos individuais, e é capaz de manter suas proporções de movimento e de repouso ao passar por uma ampla variedade de modificações impostas pelo movimento e repouso de outros corpos. Essas modificações são o que Spinoza chama de afecções. Uma afecção que aumenta a capacidade do corpo de manter suas proporções características de movimento e repouso aumenta a potência de agir e tem, em paralelo, na mente, uma modificação que aumenta a potência de pensar. A passagem de uma potência menor para uma maior é o afeto de alegria (definição dos afetos, parte 2 da Ética). Uma afecção que diminui a potência do corpo de manter as proporções de movimento e repouso diminui a potência de agir e tem, em paralelo, na mente, uma diminuição da potência de pensar. A passagem de uma potência maior para uma menor é o afeto de tristeza. Já uma afecção que ultrapassa as proporções de movimento e repouso dos corpos que compõe o corpo humano destrói o corpo humano e a mente (morte). Os indivíduos (mentes e corpos) se esforçam em perseverar em sua existência tanto quanto podem (prop. 6 da parte 3 da Ética). Eles sempre se esforçam para ter alegria, isto é, um aumento de sua potência de agir e de pensar, e eles sempre se opõem ao que lhes causa tristeza, ou seja, aquilo que diminui sua capacidade de manter as proporções de movimento e repouso características de seu corpo. O esforço por manter e aumentar a potência de agir do corpo e de pensar da mente é o que Spinoza chama de desejo (conatus). FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

83


“Não é por julgarmos uma coisa boa que nos esforçamos por ela, que a queremos, que a apetecemos, que a desejamos, mas, ao contrário, é por nos esforçarmos por ela, por querê-la, por apetecê-la, por desejá-la, que a julgamos boa”. Spinoza, Ética, parte 3 prop. 9 esc. As afecções que são atribuídas à ação do corpo humano testemunham o aumento de sua potência de agir e de pensar e, por isso, o afeto de alegria sempre impulsiona à atividade. Em contraste, as afecções que diminuem a potência de agir e de pensar (provocando tristeza) testemunham sempre a passividade do corpo humano, são sempre passivas, são paixões (do grego pathos, sofrer uma ação). Para Spinoza, a ilusão dos homens de que suas ações resultam de uma livre decisão da mente é consequência de eles serem conscientes apenas de suas ações enquanto ignoram as causas pelas quais são determinados, o que faz com que suas ações sejam determinadas pelas paixões. Isso é o que ele chama de primeiro gênero de conhecimento, imaginação ou idéias inadequadas (a consciência de nossos afetos, e a inconsciência do que os determina). O segundo gênero de conhecimento são as noções comuns ou idéias adequadas, que se caraterizam pela consciência do que nos determina a agir. As idéias adequadas sempre são efeitos da alegria, acarretam alegria e impulsionam a atividade, enquanto a imaginação (idéias inadequadas) se caracteriza pela passividade e pelo acaso de causar ou ser efeito da alegria ou da tristeza. A grande inovação da ética de Spinoza foi que, nela, a razão não se opõe aos afetos, pelo contrário, a própria razão é um afeto, um desejo de encontrar ou criar as oportunidades de alegria na vida e de evitar ou desfazer ao máximo as circunstâncias que causam tristeza, mas o próprio desejo-razão (do mesmo modo que os outros tipos de afetos) não depende da vontade livre, mas de afecções que fogem ao controle do indivíduo porque são modos da substância única infinita que não tem finalidade nem providência. Em diversas obras , Spinoza diz que é nocivo (diminui nossa potência de agir e de pensar) ridicularizar ou reprovar alguém dominado pelas paixões, porque isso não depende da livre decisão da mente. O único modo do homem que se guia pela razão ajudar os outros é, nas palavras de Spinoza: “Não rir nem chorar, mas compreender”. (Spinoza, Tratado Político). A ética de Spinoza é a ética da alegria. Para ele, só a alegria é boa, unicamente a alegria nos leva ao amor (que ele define como a idéia de alegria associada a uma causa exterior) no cotidiano e na convivência com os outros, enquanto a tristeza sempre é má, intrinsecamente relacionada ao ódio (que ele define como a idéia de tristeza associada a uma causa exterior), a tristeza sempre é destrutiva para nós e para os outros. Apesar de um idealista como Descartes, Espinosa negava a separação mente-matéria, colocando como pano de fundo Deus, ou seja, retoma uma ideia panteísta presente no pensamento judaico desde os estoicos. Vale lembrar que esta escola helenista prega também uma física que é monista e panteísta, ou seja, há um téos-phýsis-logos, ou deus – natureza – homem formando uma única realidade, daí pan-teísmo, tudo está cercado pelo divino. Portanto, a conduta humana segue um kathékon (espécie de mandamento, como na cultura semita) que implicaria em um dever agir segundo uma ordem divina, que também é natural e humana, pois é racional. Esta ordem seguia a regra que dava a Deus a capacidade de ser a natureza naturante das coisas e as coisas naturezas naturadas, que receberam uma impressão do Todo – pois participam dele. Neste sentido, as coisas seguem uma necessidade que lhes é implícita, cabendo a liberdade agir dentro do que lhe é permitido, portanto, somos livres quando agimos de acordo como deveríamos agir, pois aquele modo seria o único modo possível. Uma regra à qual até mesmo Deus estaria sujeito. Neste caso, nós agimos como agentes livres de forma iludida, na maior parte do tempo, sequer somos conscientes das causas reais de nossas ações; podemos até adquirir consciência reflexiva que pode nos libertar, não para nos tornarmos agentes livres, mas para que aceitemos as coisas como realmente são. Sua obra, a Ética, é apresentada como um manual de geometria, com demonstrações partindo de axiomas e definições, seguidas de argumentação grafadas como QED (em latim quod erat demonstrandum – o que era preciso demonstrar), seguindo, portanto o método cartesiano de aplicar a matemática na análise do cotidiano, da realidade, das coisas.

A ética emotiva de Rousseau A grande novidade em termos éticos vai aparecer em Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) em sua definição de humanidade ou de homem. Segundo Luc Ferry e Jean-Didier Vincent a definição rousseauísta da humanidade do ser humano, em sua diferença específica em relação ao animal, leva a uma recusa do materialismo histórico como também biológico: o humano está por essência em excesso relativamente aos dois grande códigos nos quais o historicismo e o biologismo pretenderiam encerrá-lo. A principal oposição que separa esta nova visão ética da visão aristocrática que acabamos de ver que intermedia o mundo antigo e medieval, é apresentar o homem como um ser livre de sua determinação natural. Nos antigos, virtude estaria justamente em seguir a natureza, uma espécie de atualização bem sucedida das disposições naturais do ser, uma passagem, como diz Aristóteles, da potência para o ato. Nos medievais, a fé ou a razão poderiam determinar este caminho cuja regra seria as virtudes contidas na natureza divina de Jesus dee Nazaré, que ao se tornar homem, mostrou ser possível de alcançar transgredindo a causalidade ética. Agora Rousseau, e depois Kant, vai nos oferecer a liberdade como fator de virtude humana que nos leva a escolher ir contra a nossa natureza! É uma verdade revolução na medida em que nesta nova perspectiva, a natureza, pelo menos, no plano moral, é mais maléfica do que benéfica. Uma das figuras po-

84

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

Rousseau coloca o coração e a emoção como bases de sua ética e acredita que na natureza o homem é bom e que somente em sociedade se corrompe.


lêmicas do Iluminismo francês, Rousseau é também um precursor do romantismo e, ao defender que todos os homens nascem livres e a liberdade faz parte da natureza do homem, acabou inspirando de Revoluções Liberais ao Marxismo e ao Anarquismo, sob o ponto de vita político, mas não ético. Para Rousseau o homem nasce puro e bom, mas acaba pervertido pela sociedade. Diante disso ele apresenta a moral do coração, baseando-se na ideia de que o dever não é uma imposição externa à nossa consciência. Ele é proposto pelo nosso coração. Para ele, a consciência moral e o sentido de dever são inatos, são a voz da natureza e o dedo de Deus em nós. Obedecendo ao dever (a lei divina inscrita em nosso coração) estaremos obedecendo a nós mesmos, aos nossos sentimentos e às nossas emoções, e não à razão, pois esta, privilegiando a utilidade e o interesse individuais, é responsável pela sociedade egoísta e perversa que silencia a bondade natural do coração humano. Discordando de Hobbes, defende que a soberania do poder deve estar nas mãos do corpo político (povo). Os cidadãos têm que tomar cuidado ao transformar seus direitos naturais em direitos civis, afinal “o homem nasce bom e a sociedade o corrompe”. Esta tese dá origem a seu famoso verbete “bom selvagem”, ou seja, no Estado de Natureza, o homem seria um ser bom, que não tem interesse em acumular para si, usando da natureza apenas o que de fato necessita. Para Rousseau, determinadas capacidades do ho- mem só podem ser desenvolvidas numa comunidade política organizada segundo princípios democráticos. No seu Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens (1755), os argumentos de Hobbes e Locke, bem como os do jusnaturalismo, são qualificados como ideológicos, na medida em que apenas conseguiriam mascarar a desigualdade e a injustiça, revelando total incapacidade de contribuir para a formação de uma genuína vontade geral comum. A ordem social derivada do contrato social só poderá ser justa se os interesses divergentes não desempenharem qualquer papel na avaliação das condições de celebração do contrato, e isto só parece possível se: a) que as partes contratantes não sabem a que grupo pertencem quando celebram o contrato; ou b) que existe, de fato, uma igualdade tal que já não faz sentido falar em interesses divergentes. Rousseau, no Contrato Social, vai optar pela segunda. Onde antes havia indivíduos mais ou menos astutos e egoístas (Estado de natureza), passa a haver cidadãos e patriotas (sociedade civil). A vontade geral tem como objeto o bem comum e caracteriza-se por ser inalienável, irrepresentável, indivisível e infalível. Todos estes atributos são consequências da forma como Rousseau conduz o argumento contratualista. O que define o bem comum é um procedimento democrático universalista. O contrato de Rousseau justifica a identidade entre soberano e súdito, que exclui liminarmente todas as formas de representação e regras processuais do tipo da regra da maioria, ao nível legislativo. Na vontade geral coincidem interesse e justiça. A República de Rousseau é um Estado de liberdade e de justiça, que garante a cada um os seus direitos em virtude da própria natureza do poder político e do seu exercício democraticamente participado. Esta nova visão vai gerar uma corrente teórica que vai ser chamada de Iluminismo, Esclarecimento ou Ilustração (em alemão Aufklärung). IluKant coloca o minismo é um conceito que reune inú- meras tradições, correntes e nosso dever moral como atitudes filosóficas, intelectuais e religiosas. Immanuel Kant foi um um Imperativo dos primeiros a divulgar o uso do termo Iluminismo na forma sinCategórico que nos faz agir gular, dando ênfase às ideias de progresso e perfeições humanas, racionalmente assim como a defesa do conhecimento racional como meio para em direção a a superação de preconceitos e ideologias tradicionais. O Iluminis- nós mesmos, ao mo é uma atitude geral de pensamento e de ação para tornar este nos colocarmos no lugar do mundo um mundo melhor - mediante introspecção, livre exercício outro, antes de decidirmos agir das capacidades humanas e do engajamento político-social.

Kant e o Dever Moral Immanuel Kant, como resposta à questão O que é o Iluminismo?, descreveu esta atitude: “O Iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma tutelagem que estes mesmos se impuseram a si. Tutelados são aqueles que se encontram incapazes de fazer uso da própria razão indepen- dentemente da direção de outrem. É-se culpado da própria tutelagem quando esta resulta não de uma deficiência do entendimento mas da falta de resolução e coragem para se fazer uso do entendimento independentemente da direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem para fazer uso da tua própria razão! - esse é o lema do Iluminismo”. Os iluministas tinham como meta um conhecimento crítico aplicado a todos os campos do mundo humano, contribuindo assim para o progresso da humanidade e para a superação dos resquícios de tirania e superstição que alegavam serem a herança de uma chamada Idade Média do pensamento. A maior parte dos iluministas associava ainda o ideal de conhecimento crítico à tarefa do melhoramento do estado e da sociedade, sendo praxe associar, entre o final do século XVII e a primeira metade do século XVIII, a principal influência sobre a filosofia do iluminismo como tendo origem nas concepções mecanicistas da natureza que haviam surgido na sequência da chamada revolução científica do século XVII. Sobre a concepção política de Estado, para Kant, o contrato existe como manifestação social da estrutura interna da razão prática, e por isso a criação do Estado é exigida pela “lei da justiça”. O filósofo alemão se mira na história e aponta que, na formação do Estado, não se seguem as regras do contrato de Rousseau. A violência e a força estão sempre presentes, em maior ou menor grau. O contrato deve ser a norma de todo o verdadeiro Estado, independentemente do modo como foi formado. Isso significa que ele tem que se conformar, na sua organização interna, com os princípios da razão prática. O contrato, para Kant, tem como objetivo fundamental criar as normas constitucionais e leis justas. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

85


Assim como o imperativo categórico permite justificar a norma moral e a sua universalização, o contrato originário justifica o Estado de direito e as suas leis, bem como a sua universalização. Liberdade, igualdade e autonomia só são possíveis num Estado que assente nos processos de formação democrática da vontade geral, na qual todos os cidadãos se possam reconhecer. Em Kant, a motivação moral aparece sob a forma de Dever cuja expressão é a lei moral no ser humano por meio da imposição de fins e normas que a razão prática faza si mesma daquilo que ela própria criou visando alcançar fins éticos. É o que ordena incondicionalmente o dever como uma lei moral interior válida para todas as circunstâncias de todas as ações morais. O imperativo categórico exprime-se em uma fórmula geral: “Age em conformidade apenas com aquela máxima pela qual possas querer ao mesmo tempo que ela se torne uma lei universal” ”Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado”. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! [Ousai saber] Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento (KANT, I. “Resposta à Pergunta: Que é ‘Esclarecimento”, p. 100).

Era uma época na qual estava generalizada a prática da censura à expressão individual por parte das autoridades – não muito diferente do Brasil de hoje – e somente o uso público da razão livre poderia realizar o esclarecimento. Kant estava defendendo a manifestação de pessoas sábias perante um mundo de letrados, o que chamou de uso público da razão em detrimento ao uso privado, prática de pessoas a quem é imposta a obediência em primeiro lugar, assim como quando estão a exercer as funções bu- rocráticas de Estado, no serviço militar, no pagamento e cobrança de impostos ou no exercício do sacerdócio, em que a constante discussão sobre a validade de cada ordem inviabiliza a atividade específica de comando e controle. Nessas circunstâncias, aquele que considerasse o exercício de suas funções incompatível com suas convicções pessoais, deveria se afastar do cargo, pois tais profissões não permitem ao indivíduo agir conforme suas crenças pessoais, por melhor fundamentadas que elas estejam. Apenas quando se dirige a um público mais amplo, ou toda humanidade, as opiniões do autor devem se expressar por meio de um uso público da razão, expondo suas ideias em seu próprio nome. Sua filosofia moral está exposta em três obras nas quais desenvolve sua teoria sobre uma obrigação moral única e geral, que explica todas as outras obrigações morais que temos: o imperativo categórico (noção de Dever): Age de tal modo que a máxima da tua ação se possa tornar princípio de uma legislação universal. O imperativo categórico é uma obrigação incondicional, ou uma obrigação que temos independentemente da nossa vontade ou desejos. Para Kant, as nossas obrigações morais podem ser resultantes do imperativo categórico que pode ser estabelecido em três formas, que ele acreditava serem equivalentes: a) “Age somente em concordância com aquela máxima através da qual tu possas ao mesmo tempo querer que ela venha a se tornar uma lei universal”; b) “Age por forma a que uses a humanidade, quer na tua pessoa como de qualquer outra, sempre ao mesmo tempo como fim, nunca meramente como meio”; c) Diz que deveremos agir de forma a que possamos pensar de nós próprios como leis universais legislativas através das nossas máximas. Podemos pensar em nós como tais legisladores autônomos apenas se seguirmos as nossas próprias leis. Para ambos, Rousseau e Kant, a ação verdadeiramente moral é a ação desinteressada, isto é, aquela que testemunha este próprio do ser humano que é a liberdade entendida como faculdade de escapar a toda determinação por uma essência prévia. Há no homem a possibilidade de se afastar de sua natureza e ao desviar-se dela, agir de modo desinteressado, altruísta, em favor do outro. Sem a hipótese de liberdade, esta ideia de ação desinteressada não teria nenhum sentido. Como aponta Ferry e Vincent, talvez o que seja mais surpreendente nesta nova perspectiva moral, antinaturalista e antiaristocrática, é que o valor do desinteresse se impõe a nós com uma tal evidência que nem mesmo nos damos mais o trabalho de refletir sobre ele. Se descubro, por exemplo, que uma pessoa, que se mostra benevolente e generosa comigo, o faz na esperança de obter uma vantagem qualquer que ela me dissimula (por exemplo por minha herança), é evidente que o valor moral atribuído por hipótese a seus gestos se dissipa no mesmo instante. Virtude e ação desinteressada são inseparáveis no imaginário moderno, e é somente à base de uma antropologia como a de Rousseau que esta ligação faz asentido: é preciso de fato poder agir livremente, sem ser programado por um código natural ou histórico, para chegar à esfera do desinteresse e da generosidade voluntária.

86

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


AVALIE SEU CONHECIMENTO 01. (UEL 2013) Leia o texto a seguir: A questão não está mais em se um homem é honesto, mas se é inteligente. Não perguntamos se um livro é proveitoso, mas se está bem escrito. As recompensas são prodigalizadas ao engenho e ficam sem glórias as virtudes. Há mil prêmios para os belos discursos, nenhum para as belas ações. (ROUSSEAU, J. J. Discurso sobre as ciências e as artes. 3.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p.348. Coleção Os Pensadores.)

O texto apresenta um dos argumentos de Rousseau à questão colocada em 1749, pela Academia de Dijon, sobre o seguinte problema: O restabelecimento das Ciências e das Artes terá contribuído para aprimorar os costumes? Com base nas críticas de Rousseau à sociedade, assinale a alternativa correta. (A) As artes e as ciências geralmente floresceram em sociedades que se encontravam em pleno vigor moral, em que a honra era a principal preocupação dos cidadãos. (B) A emancipação advém da posse e do consumo exclusivo e diferenciado de bens de primeira linha, uma vez que o luxo concede prestígio para quem o possui. (C) Os envolvidos com as ciências e as artes adquirem, com maior grau de eficiência, conhecimentos que lhes permitem perceber a igualdade entre todos. (D) O amor-próprio é um sentimento positivo por meio do qual o indivíduo é levado a agir moralmente e a reconhecer a liberdade e o valor dos demais. (E) O objetivo das investigações era atingir celebridade, pois os indivíduos estavam obcecados em exibir-se, esquecendo-se do amor à verdade.

02. (UPE 2013) A filosofia, no que tem de realidade, concentra-se na vida humana e deve ser referida sempre a esta para ser plenamente compreendida, pois somente nela e em função dela adquire seu ser efetivo. VITA, Luís Washington. Introdução à Filosofia, 1964, p. 20.

Sobre esse aspecto do conhecimento filosófico, é CORRETO afirmar que (A) a consciência filosófica impossibilita o distanciamento para avaliar os fundamentos dos atos humanos e dos fins aos quais eles se destinam. (B) um dos pontos fundamentais da filosofia é o desejo de conhecer as raízes da realidade, investigando-lhe o sentido, o valor e a finalidade. (C) a filosofia é o estudo parcial de tudo aquilo que é objeto do conhecimento particular. (D) o conhecimento filosófico é trabalho intelectual, de caráter assistemático, pois se contenta com as respostas para as questões colocadas. (E) a filosofia é a consciência intuitiva sensível que busca a compreensão da realidade por meio de certos princípios estabelecidos pela razão.

03. “O imperativo categórico é, portanto só um único, que é este: Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.” (KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1995. p. 59.)

Segundo essa formulação do imperativo categórico por Kant, uma ação é considerada ética quando: (A) Privilegia os interesses particulares em detrimento de leis que valham universal e necessariamente.

(B) Ajusta os interesses egoístas de uns ao egoísmo dos outros, satisfazendo as exigências individuais de prazer e felicidade.

(C) É determinada pela lei da natureza, que tem como fundamento o princípio de auto-conservação.

(D) Está subordinada à vontade de Deus, que preestabelece o caminho seguro para a ação humana.

(E) A máxima que rege a ação pode ser universalizada, ou seja, quando a ação pode ser praticada por todos, sem prejuízo da humanidade.

04. (UEL-2007) Na segunda seção da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant nos oferece quatro exemplos de deveres. Em relação ao segundo exemplo, que diz respeito à falsa promessa, Kant afirma que uma “pessoa vê-se forçada pela necessidade a pedir dinheiro emprestado. Sabe muito bem que não poderá pagar, mas vê também que não lhe emprestarão nada se não prometer firmemente pagar em prazo determinado. Sente a tentação de fazer a promessa; mas tem ainda consciência bastante para perguntar a si mesma: Não é proibido e contrário ao dever livrar-se de apuros desta maneira? Admitindo que se decida a fazê-lo, a sua máxima de ação seria: Quando julgo estar em apuros de dinheiro, vou pedi-lo emprestado e prometo pagá-lo, embora saiba que tal nunca sucederá.” Fonte: KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Paulo Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 130.

De acordo com o texto e os conhecimentos sobre a moral kantiana, considere as afirmativas a seguir. I. Para Kant, o princípio da ação da falsa promessa não pode valer como lei universal. II. Kant considera a falsa promessa moralmente permissível porque ela será praticada apenas para sair de uma situação momentânea de apuros. III. A falsa promessa é moralmente reprovável porque a universalização de sua máxima torna impossível a própria promessa. IV. A falsa promessa é moralmente reprovável porque vai de encontro às inclinações sociais do ser humano.

A alternativa que contém todas as afirmativas corretas, é: (A) I e II (C) II e IV (E) I, II e IV (B) I e III (D) I, II e III

05. (UEL-2004) Ser caritativo quando se pode sê-lo é um dever, e há além disso muitas almas de disposição tão compassiva que, mesmo sem nenhum outro motivo de vaidade ou interesse, acham íntimo prazer em espalhar alegria à sua volta e se podem alegrar com o contentamento dos outros, enquanto este é obra sua. Eu afirmo porém que neste caso uma tal acção, por conforme ao dever, por amável que ela seja, não tem contudo nenhum verdadeiro valor moral, mas vai emparelhar com outras inclinações, por exemplo o amor das honras que, quando por feliz acaso topa aquilo que efectivamente é de interesse geral e conforme ao dever, é consequentemente honroso e merece louvor e estímulo, mas não estima; pois à sua máxima falta o conteúdo moral que manda que tais acções se pratiquem, não por inclinação, mas por dever. (KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. de Paulo Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 113.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre dever em Kant, é correto afirmar: (A) Ser compassivo é o que determina que uma ação tenha valor moral. (B) Numa ação por dever, as inclinações estão subordinadas ao princípio moral.

(C) A ação por dever é determinada pela simpatia para com os seres humanos.

(D) O valor moral de uma ação é determinado pela promoção da felicidade humana.

(E) É no propósito visado que uma ação praticada por dever tem seu valor moral.

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

87


EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 06. Como Rousseau procura resolver o problema da relação entre a liberdade da vontade e o dever? Explique com suas palavras o que é a moral do coração.

07. Segundo Kant o que é o dever?

08. O que é o imperativo categórico?

09. Jean-Jacques Rousseau (1712 ­1778) escreveu a obra Do Contrato Social, na qual analisa os fundamentos do direito político e não

o surgimento histórico das sociedades políticas. Nessa obra, esse autor afirma que o pacto social ocorre quando cada um concorda em ceder todos os seus direitos à comunidade, saindo, portanto, do estado de natureza e adentrando no estado civil. Com isso, cada um dos participantes só tem a ganhar, pois antes deveria proteger-se somente com as próprias forças, mas a comunidade formada pelo pacto garantirá a vida e os bens de cada associado ampliando suas forças. Com base nessas idéias, marque a alternativa correta. (A) O texto acima sustenta que os participantes do pacto adquirem o direito de defender, com suas próprias forças, seus bens e suas vidas. (B) O texto acima descreve a fundação do corpo político para Rousseau. (C) O texto acima descreve a passagem do estado civil ao estado de natureza. (D) O texto acima descreve um momento histórico vivido por toda a humanidade.

10. A obra mais conhecida de Jean-Jacques Rousseau, Do Contrato Social ou os Princípios do Direito Político, marca uma mudança radical na concepção de soberania. Sobre isso, leia o trecho abaixo e assinale a alternativa correta.

“Essa pessoa pública, que se forma, desse modo, pela união de todas as outras, tomava antigamente o nome de cidade e, hoje, o de república ou de corpo político, (...). Quanto aos associados, recebem eles, coletivamente, o nome de povo e se chamam, em particular, cidadãos, enquanto partícipes da autoridade soberana, e súditos enquanto submetidos às leis do Estado.” (ROUSSEAU, J. J. Do Contrato Social. Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.)

(A) O povo é, ao mesmo tempo, cidadão e súdito; o primeiro quando é ativo, o segundo quando é passivo. (B) Pelo texto acima, fica claro que, para Rousseau, a autoridade soberana pertence ao Estado e não ao povo. (C) O povo obedecerá às leis feitas pelo Governo, pois ao Governo pertence a autoridade soberana. (D) Para Rousseau, o corpo político é formado pelos cidadãos, e exclui os súditos.

11. A Bondade humana ­atributo fundamental do homem no estado de natureza, segundo o pensamento de Rousseau ­pode ser entendida como

I. obstáculo para melhor convivência do homem em sociedade. II. característica fundadora da liberdade e da felicidade do homem. III. um recurso desejável e vantajoso sobre aqueles que não a possuem.

Assinale a alternativa correta. (A) Apenas a III é correta. (B) Apenas a II é correta. (C) Apenas a I é correta. (D) Apenas a I e a II são corretas.

12. Antes de escrever Discursos sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens e o Do contrato social, Rousse-

au já havia manifestado seu pessimismo em relação ao progresso social. Na dissertação escrita em 1750, para o concurso literário promovido pela Academia de Dijon, está escrito:

“Antes que a arte polisse nossas maneiras e ensinasse nossas paixões a falarem a linguagem apurada, nossos costumes eram rústicos, mas naturais e a diferença dos procedimentos denunciava, à primeira vista, a dos caracteres. No fundo, a natureza humana não era melhor, mas os homens encontravam sua segurança na facilidade para se penetrarem reciprocamente, e essa vantagem, de cujo valor não temos mais a noção, poupava-lhes muitos vícios.” (ROUSSEAU, J.J. Discurso sobre as ciências e as artes. Trad. de Lourdes Santos Machado.3 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 336. Coleção “Os Pensadores”.)

88

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


Analise as assertivas abaixo. I. A palavra natural significa sabedoria, portanto, o primitivo era dotado de um saber comparável ao estágio do conhecimento do século das luzes. II. As ciências e as artes serviram não só para o progresso material, mas também levaram os homens a criarem vícios, antes inexistentes. III. O homem em estado de natureza era ignorante, porém, a ignorância preservava a pureza de coração e fazia, do primitivo, um ser livre. IV. A ignorância é um vício adquirido da natureza, portanto, as ciências e artes são necessárias para promover a liberdade humana.

Assinale a alternativa correta. (A) II e III (B) I e III (C) I e IV (D) II e IV

13. Para Rousseau, o contrato não faz o povo perder a soberania, pois não é criado um Estado separado do próprio povo. Isto é possível, porque (A) o contrato surge de uma visão individualista do homem;o indivíduo preexiste ao Estado e o pacto visa garantir os interesses e a propriedade dos indivíduos.

(B) não existe democracia mas um governo absoluto que não pode ser contestado. (C) são os interesses privados que expressam a vontade geral e que, através do contrato, criam o Estado. (D) “a essência humana é ser livre da dependência das vontades alheias, e a liberdade existe como exercício de posse”. (E) soberano é o corpo coletivo que expressa, através da lei, a vontade geral.

14. Leia com atenção o texto a seguir. A virtude é a própria potência do homem, que se define exclusivamente pela essência dele [...], isto é [...], que se define exclusivamente pelo esforço que o homem faz para perseverar em seu ser. Logo, quanto mais alguém se empenha em conservar seu ser e tem poder para tal, mais é dotado de virtude. O contrário acontece [...], na medida em que alguém desdenha conservar seu ser, e por isso é impotente.

(ESPINOSA, B. Ética. In: MARCONDES, D. (org.). Textos básicos de ética: de Platão a Foucault. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, p. 75)

É INCORRETO dizer que, para Espinosa,

(A) o ser humano que é virtuoso age conforme a natureza. (B) o conceito de virtude liga-se ao de autoconservação. (C) os homens, para alcançar a virtude, devem superar a sua tendência natural por meio do hábito. (D) os homens são virtuosos por essência. (E) um ser humano age contra a própria utilidade somente sob a influência de causas externas que o corrompem.

15. Em Espinosa o jogo das paixões, dos comportamentos humano, bem como a questão do Bem e do Mal, se nos aparece sob luz inteiramente diversa do que comumente poderíamos deduzir. (Giovanni Reale) Quando o autor diz que Espinosa trata o problema do Bem e do Mal de maneira inteiramente diversa, podemos entender que: (A) Adotando o cristianismo afasta-se do judaísmo, seu berço teológico e moral. (B) Ajusta concepções religiosas e laicas de moralidade, criando algo novo e inusitado. (C) Trata-se de uma questão de imoralidade radical. (D) O Bem o e o Mal não existem, o que existe são as inclinações humanas baseadas em suas paixões, que são naturais. (E) O Bem existe e o Mal não passa de um artifício psico-religioso para intimidar o ser humano, fazendo com o mesmo renuncie aos aspectos dionisíacos da existência.

ANOTAÇÕES

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

89


90

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


CAPÍTULO 12 A VIDA EXISTENCIAL Inevitavelmente a modernidade abriu caminho para um homem solitário e fragmentado, vivendo sua experiência individual no mundo. Para entendermos este homem, vamos estudar agora um conceito do filosofo Jean-Paul Sartre e tentar compreender a nossa condição humana existencial. Sartre afirma que o existencialismo é um humanismo, pois segundo ele, é a única doutrina que deixa uma possibilidade de escolha ao homem. Ele inicia sua argumentação explicando que existem duas espécies de existencialistas: os cristãos e os ateus, que teriam em comum o fato de admitirem que a existência precede a essência ou, em outras palavras, que temos de partir da subjetividade. “O existencialismo ateu, que eu represento, é mais coerente. Declara ele que, se Deus não existe, há pelo menos um ser no A essência do homem dada por Deus antecede a existência do homem? Ou o homem primeiro existe enquanto ser livre e só qual a existência precede a essência, um ser que existe antes depois estabelece a sua essência? de poder ser definido por qualquer conceito, e que este ser é o homem ou, como diz Heidegger, a realidade humana. Que significará aqui o dizer-se que a existência precede a essência? Significa que o homem primeiro existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeira não é nada. Só depois será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. Assim, não há natureza humana, visto que não há Deus para a conceber. O homem é, não apenas como se concebe, mas como ele quer que seja, como ele se concebe depois da existência, como ele se deseja após este impulso para a existência; o homem não é mais que o que ele faz.” Esse é o primeiro princípio do existencialismo, o que é chamado de subjetividade, que sempre deixa uma opção de escolha e escolhendo o homem se escolhe: “O homem primeiro existe, ou seja, que o homem, antes de mais anda, é o que se lança para um futuro, e o que é consciente de se projetar no futuro. O homem é, antes de mais nada, um projeto que se vive subjetivamente, em vez de ser um creme, qualquer coisa podre ou uma couve-flor; nada existe anteriormente a este projeto; nada há no céu inteligível, o homem será antes mais o que tiver projetado ser. Não o que ele quiser. Porque o que entendemos vulgarmente por querer é uma decisão consciente, e que, para a maior parte de nós, é posterior á aquilo que ele próprio se fez. Posso querer aderir a um partido, escrever um livro, casar-me; tudo isso não é mais do que a manifestação duma escolha mais original, mais espontânea do que o que se chama vontade. Mas se verdadeiramente a existência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que é. Assim, o primeiro esforço do existencialismo é o de pôr todo homem no domínio do que ele é e de lhe atribuir a total responsabilidade da sua existência.” A visão tradicional da concepção do homem era imaginando Deus como um artífice superior que, antes de criar o ser humano, já tinha em mente o conceito do Homem, como pode ser visto na filosofia de Descartes e Leibniz. No século XVIII, para o ateísmo dos filósofos, suprimia-se a noção de Deus, mas não a idéia de que a essência precede a existência. Tal idéia pode ser encontrada em Diderot, em Voltaire e até mesmo em Kant. Para eles, o homem possui uma natureza humana, que é o conceito humano, existente em todos os homens, significando que cada homem é Sartre, Simone e Che em Cuba um exemplo particular de um conceito universal. Segundo Sartre o existencialismo ateu é mais coerente. Ele declara que Deus não existe e que a existência precede a essência. Logo os seres existem antes de poderem ser definidos por qualquer conceito. Significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. Assim, não há natureza humana visto que não há Deus para a conceber. Sendo assim, o homem não é mais do que o que ele faz, porque o homem, antes de mais nada, é o que se lança para um futuro, e o que é consciente de se projetar no futuro. O homem é antes de mais nada um projeto que se vive subjetivamente; nada existe anteriormente a este projeto; nada há no céu inteligível, o homem será antes de mais o que tiver projetado ser. Assim o primeiro esforço do existencialismo, segundo Sartre, é o de pôr todo homem no domínio do que ele é e de lhe atribuir a total responsabilidade da sua existência. Para o existencialista, o homem é pura angústia. Mas na decisão de escolha do homem é onde se situa fundamentalmente essa angústia, e não em face da morte, como na filosofia de Heidegger. O homem não pode escapar dessa escolha pois se vê nesse compromisso (se o homem nada escolhe, sua escolha é não escolher). Outra afirmação do existencialismo é a de que o homem está desamparado; desamparado de um Deus universal. Para o existencialista, é muito incomodativo que Deus não exista, porque desaparece com ele toda a possibilidade de achar valores num céu inteligível; não pode existir já o bem a priori, visto não haver já uma consciência infinita e perfeita para pensá-lo. Devido a falta de valores, tudo é permitido ao homem se Deus não existe. Estamos sós e sem desculpas, mas também não há determinismo, e portanto, o homem é livre.

91


Não há moral geral pois não há sinais no mundo. O próprio homem é quem escolhe o significado do que ele pensa serem sinais. Sobre ele pesa, portanto, a inteira responsabilidade da decifração (desses “sinais”). O desamparo implica sermos nós a escolher o nosso ser, sendo paralelo à angústia. E o desespero humano vem do fato do homem não se limitar apenas a contar com o que depende da sua vontade, ou com o conjunto das probabilidades que tornam a sua ação possível. A partir do momento em que as possibilidades que considero não são rigorosamente determinadas pela minha ação, devo desinteressar-me, porque nenhum Deus, nenhum desígnio pode adaptar o mundo e os seus possíveis à minha vontade. Isso não quer dizer que o homem deva calar-se numa atitude O caminho da liberdde aberto pelos modernos, coloca Sartre como anfitrião de um novo tempo: o ser para o nada. de quietismo, mas que ele não deve ter ilusões. Segundo Sartre, o existencialismo não é uma filosofia do quietismo, visto que define o homem pela ação pois, como o homem não é senão o seu projeto, ele só existe na medida em que se realiza ou age. Para ele, o existencialismo é uma doutrina de dureza otimista e não de pessimismo, visto que o destino do homem está nas suas mãos, e também, porque ela o impele à ação. Isso se dá principalmente, segundo Sartre, porque o ponto de partida de qualquer filosofia deve ser o “penso, logo, existo”, o cogito cartesiano. Ele argumenta que, iniciando com a subjetividade, o homem não é mais visto como um objeto, conferindo-lhe uma verdadeira dignidade, o que mostra a diferença entre o existencialismo e o materialismo. Essa subjetividade não é rigorosamente individual porque, como diz Sartre, “demonstramos que no cogito nós não descobrimos só a nós, mas também aos outros”. Nestas condições, a descoberta da minha intimidade descobre-me ao mesmo tempo o outro como uma liberdade posta em face de mim (já que também sou livre), que nada pensa ou quer senão a favor ou contra mim. Assim, descobre-se imediatamente um mundo que Sartre chamou de intersubjetividade, sendo neste mundo onde o homem decide sobre o que ele é e o que os outros são. Por consequência, todo projeto, por mais individual que seja, tem um valor universal, e é compreensível para todo homem, não definindo-o, mas podendo ser reconhecido. Neste sentido, pode-se dizer que há uma universalidade do homem; mas ela não é dada, é indefinidamente construída. Constrói-se o universal, escolhendo-se, compreendendo o projeto de qualquer outro homem, seja qual for a sua época. Sartre argumenta ainda que a escolha do homem não tem nada a ver com capricho, como afirma a doutrina de Gide. Sem dúvida, ele escolhe sem se referir a valores preestabelecidos, mas os valores se descobrem na coerência de sua vida, nas relações entre a vontade de ação e o resultado da ação, como no processo de construção de uma obra de arte. Sartre afirma que, se alguma vez o homem reconheceu que estabelece valores em seu abandono, ele já não pode querer senão uma coisa: a liberdade como fundamento de todos os valores. O homem quer a liberdade, não de uma forma abstrata, mas concretamente. E, por causa do compromisso e da descoberta do outro, o homem é obrigado a querer, não só a sua liberdade, mas também a dos outros. Assim, o resultado é sempre concreto e, por conseguinte, imprevisível: há sempre invenção. A única coisa que importa é saber se, a invenção que se faz, se faz em nome da liberdade, caracterizando a boa fé. Sartre foi muito criticado pelos que diziam que no fundo os valores não são sérios, visto que o homem os escolhe. Isso se dá pela falta de uma consciência perfeita para definir a importância de tais valores. Nesse ponto, Sartre inicia sua argumentação dizendo que inventar os valores significa que a vida não tem sentido a priori. Ou seja, antes de viver, a vida não é nada, mas depende do homem dar-lhe um sentido, possibilitando a criação de uma comunidade humana. É nesse momento em que Sartre afirma que o existencialismo é um humanismo, mas não no sentido comum dessa palavra. Para ele, existem dois significados para a palavra humanismo. A primeira consiste de uma teoria que toma o homem como fim e como valor superior. Esta opção é rejeitada pelo existencialista, porque o homem está sempre por se fazer. A segunda consiste do humanismo existencialista. Sartre afirma que o existencialismo é um humanismo porque lembra ao homem que não há outro legislador além dele próprio, e que é no abandono que ele decidirá de si. Porque não há outro universo senão o universo humano, o universo da subjetividade humana. E, além disso, porque o estimulante de sua existência é a transcendência, ou seja, é fora de si que ele vê um fim, um objetivo (a ação), que é libertação. Sartre conclui afirmando que o existencialismo é um esforço para tirar todas as consequências de uma posição atéia coerente. O seu objetivo não é mergulhar o homem no desespero, mas ele parte do desespero original do homem, que é a atitude de descrença. Segundo Sartre, o existencialismo não é um ateísmo no sentido de que se esforça por demostrar que Deus não existe. Ele afirma que o problema não está em Sua existência, mas que o homem deve se reencontrar e se convencer de que nada pode salvá-lo de si mesmo, nem mesmo uma prova válida da existência de Deus.

92

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


AVALIE SEU CONHECIMENTO 01. (UFU 1/1999) Segundo Jean Paul Sartre, filósofo existencialista contemporâneo, liberdade é I. escolha incondicional que o próprio homem faz de seu ser e de seu mundo. II. aceitar o que a existência determina como caminho para a vida do homem. III. sempre uma decisão livre, por mais que se julgue estar sob o poder de forças externas. IV. estarmos condenados a ela, pois é a liberdade que define a humanidade dos humanos.

Assinale (A) se apenas I e IV estiverem corretas. (B) se apenas II e III estiverem corretas. (C) se apenas I, II e IV estiverem corretas.

(D) se apenas III e IV estiverem corretas. (E) se apenas I, III e IV estiverem corretas.

02. (UFU -09/2002) Liberdade, para Jean-Paul Sartre (1905-1980), seria assim definida: (A) o estar sob o jugo do todo para agir em conformidade consigo mesmo, instaurando leis e normas necessárias para os indivíduos. (B) circunstâncias que nos determinam e nos impedem de fazer escolhas de outro modo. (C) conformação às situações que encontramos no mundo e que nos determinam. (D) escolha incondicional que o próprio homem faz de seu ser e de seu mundo. “Estamos condenados à liberdade”, segundo o autor.

03. (UFU- 2004) O nada, impensado para Parmênides, encontrou em Sartre valor ontológico, pois o nada é o ponto de partida da

existência humana, uma vez que não há nenhuma anterioridade à existência, nem mesmo uma essência. Esta tese apareceu no livro O Ser e o Nada. Tal afirmação encontra-se também em outro livro, O existencialismo é um humanismo, no qual está escrito:

“Porém, se realmente a existência precede a essência, o homem é responsável pelo que é. Desse modo, o primeiro passo do existencialismo é o de pôr todo homem na posse do que ele é, de submetê-lo à responsabilidade total de sua existência.”

SARTRE, J.P. O existencialismo é um humanismo. Trad. de Rita Correia Guedes. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 6. Coleção .Os Pensadores..

A responsabilidade para Sartre diz respeito

(A) ao indivíduo para consigo mesmo, já que o existencialismo é dominado pelo conceito de subjetividade que restringe o sujeito da ação à sua esfera interior, circunscrita pelas suas representações arbitrárias, que exclui o outro; toda escolha humana é a escolha por si próprio.

(B) ao vínculo entre o indivíduo e a humanidade, já que para o existencialista, cada um é responsável por todos os homens, pois, criando o homem que cada um quer ser, estaremos sempre escolhendo o bem e nada pode ser bom para um, que não possa ser para todos.

(C) à imagem de homem que pré-existe e é anterior ao sujeito da ação. É uma imagem tal qual se julga que todos devam ser, de modo que o existencialismo, em virtude da sua origem protestante com Kierkegaard, renova a moral asceta do cristianismo, que exige a anulação do eu.

(D) ao partido político que tem a primazia na condução do processo de edificação da nova imagem de homem comprometido com a revolução e que faz de cada um aquilo que deverá ser, tal como ficou célebre no mote existencialista: o que importa é o resultado daquilo que nos fizeram.

04. (UNB 2010) Entramos no quarto. Encurvada em semicírculo sobre o leito, outra criatura que não a minha avó, uma espécie de animal que se tivesse disfarçado com os seus cabelos e deitado sob os seus lençóis, arquejava, gemia, sacudia as cobertas com as suas convulsões. As pálpebras estavam fechadas, e era porque fechavam mal, antes que porque se abrissem, que deixavam ver um canto da pupila, velado, remeloso, refletindo a obscuridade de uma visão orgânica e de um sofrimento interno. Quando meus lábios a tocaram, as mãos de minha avó agitaram-se, ela foi percorrida inteira por um longo frêmito, ou reflexo, ou porque certas afeições possuam a sua hiperestesia, que reconhece, através do véu da inconsciência, aquilo que elas quase não têm necessidade dos sentidos para querer. Súbito, minha avó ergueu-se a meio, fez um esforço violento, como alguém que defende a própria vida. Françoise não pôde resistir, ao vê-lo, e rompeu em soluços. Lembrando-me do que o médico havia dito, quis fazê-la sair do quarto. Nesse momento, minha avó abriu os olhos. Precipitei-me sobre Françoise para lhe ocultar o pranto, enquanto meus pais falassem à enferma. O ruído do oxigênio calara-se, o médico afastou-se do leito. Minha avó estava morta. A vida, retirando-se, acabava de carregar as desilusões da vida. Um sorriso parecia pousado nos lábios de minha avó. Sobre aquele leito fúnebre, a morte, como o escultor da Idade Média, tinha-a deitado sob a aparência de menina e moça. Marcel Proust. Em busca do tempo perdido: o caminho de Guermantes. vol. 3, 3ª ed. rev. Trad. Mario Quintana. São Paulo: Globo, 2006, p. 376-7 (com adaptações).

Para Sartre, os seres dividem-se em seres-em-si e seres-parasi. Os seres-em-si não possuem, segundo esse filósofo, consciência, ao passo que os seres-para-si são dotados de uma consciência que lhes possibilita constituírem-se sempre como projeto, pelo qual dirigem seu presente a partir de sua liberdade. Com base na divisão sartreana entre seres-em-si e seres-para-si e suas relações com a temporalidade, a vida e a morte, verifica-se, na passagem do texto de Proust apresentada, que (A) a personagem acamada, a despeito de ser, quando ainda viva, biologicamente um ser humano, não é mais um ser-para-si na situação narrada.

(B) a transição do ser-para-si ao ser-em-si só ocorre, efetivamente, com a morte biológica da personagem acamada, uma vez que a temporalidade do ser-em-si é a de um eterno presente.

(C) a noção de vida e a de morte que perpassam a descrição do estado da personagem acamada ocupam, respectivamente, os lugares semânticos de ser-para-si e ser-em-si.

(D) a proposição de Sartre de que “o ser humano não pode não ser livre” estabelece uma relação de subordinação entre sua concepção do que é um ser humano e a concepção biológica desse conceito.

05. (UFU 2008) Considere o texto a seguir. Dostoiévski escreveu: “Se Deus não existisse, tudo seria permitido”. Eis o ponto de partida do existencialismo. De fato, tudo é permitido se Deus não existe, e, por conseguinte, o homem está desamparado porque não encontra nele próprio nem fora dele nada a que se agarrar. Para começar, não encontra desculpas.

SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um humanismo. Trad. De Rita Correia Guedes. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 9.

Tomando o texto acima como referência, marque a alternativa correta.

(A) Nesse texto, Sartre quer mostrar que sua teoria da liberdade pressupõe que o homem é sempre responsável pelas escolhas que faz e que nenhuma desculpa deve ser usada para justificar qualquer ato.

(B) O existencialismo é uma doutrina que propõe a adoção de certos valores como liberdade e angústia. Para o existencialismo, a liberdade significa a total recusa da responsabilidade.

(C) Defender que “tudo é permitido” significa que o homem não deve assumir o que faz, pois todos os homens são essencialmente determinados por forças sociais.

(D) Para Sartre, a expressão “tudo é permitido” significa que o homem livre nunca deve considerar os outros e pode fazer tudo o que quiser, sem assumir qualquer responsabilidade. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

93


EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 06. (UFSJ 2012) Sobre a interferência de Jean-Paul Sartre na filosofia do século XX, é CORRETO afirmar que ele (A) reconhece a importância de Diderot, Voltaire e Kant e repercute a interferência positiva destes na noção de que cada homem é um exemplo particular no universo.

(B) faz a inversão da noção essencialista ao apregoar que o Homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo e só após isso se define. Assim, não há natureza humana, pois não há Deus para concebê-la.

(C) inaugura uma nova ordem político-social, segundo a qual o Homem nada mais é do que um projeto que se lança numa natureza essencialmente humana.

(D) diz que ser ateu é mais coerente apesar de reconhecer no Homem uma virtu que o filia, definitivamente, a uma consciência a priori infinita.

07. (UFSJ 2012) “Subjetividade” e “intersubjetividade” são conceitos com os quais Sartre pontua o seu existencialismo. Nesse contexto, tais conceitos revelam que (A) o cogito cartesiano desabou sobre o existencialismo na mesma proporção com que a virtu socrática precipitou-se sobre o materialismo dialético do século XX.

(B) “Penso, logo existo” deve ser o ponto de partida de qualquer filosofia. Tal subjetividade faz com que o Homem não seja visto como objeto, o que lhe confere verdadeira dignidade. A descoberta de si mesmo o leva, necessariamente, à descoberta do outro, implicando uma intersubjetividade. (C) o Homem é dado, é unidade, é união e é intersubjetividade; portanto, a sua existência é agregadora e desapegada da tão apregoada subjetividade clássica, por isso mesmo tão crucial para Sartre. (D) não há um só lampejo de subjetividade que não tenha se reinaugurado na intersubjetividade, isto é, na idealidade que instrui as prerrogativas para se instalarem as escolhas do sujeito, definindo-o.

08. (UFSJ 2012) A angústia, para Jean-Paul Sartre, é (A) tudo o que a influência de Shopenhauer determina em Sartre: a certeza da morte. O Homem pode ser livre para fazer suas escolhas, mas não tem como se livrar da decrepitude e do fim.

(B) a nadificação de nossos projetos e a certeza de que a relação Homem X natureza humana é circunstancial, objetiva, e pode ser superada pelo simples ato de se fazer uma escolha.

(C) a certificação de que toda a experiência humana é idealmente sensorial, objetivamente existencial e determinante para a vida e para a morte do Homem em si mesmo e em sua humanidade.

(D) consequência da responsabilidade que o Homem tem sobre aquilo que ele é, sobre a sua liberdade, sobre as escolhas que faz, tanto de si como do outro e da humanidade, por extensão.

09. (UEM 2012) “O pensamento moderno, não por objeção frontal, mas pelo desenvolvimento do próprio saber, leva a uma revisão das categorias clássicas, a uma reforma da ontologia clássica do sujeito e do objeto. O núcleo desse desenvolvimento – que deve levar, por sua vez, a uma nova filosofia – consiste na descoberta de que a situação, seja do ‛objeto’, seja do ‛sujeito’, não é mais passível de exclusão da trama do conhecimento. Dito de outra forma: o objeto ‛verdadeiro’, aquele de que a ciência trata, não é mais aquele objeto absoluto de que falavam os clássicos, mas se torna, intrinsecamente, relativo. Em suma, não há mais um objeto puro, em si, um objeto tal como o próprio Deus (isto é, um observador absoluto) o veria. Também não há mais esse sujeito absoluto, aquele que começava por afastar toda manifestação sensível, isto é, que começava por afastar, correlativamente, seu próprio corpo para colocar-se como puro espírito.” (MOUTINHO, L. D. Merleau-Ponty: entre o corpo e a alma. In: Antologia de textos filosóficos. Curitiba: SEEDPR, 2009, p. 494.)

Sobre a nova filosofia de que fala o texto, assinale o que for correto.

(01) A fenomenologia critica as distinções clássicas, tais como alma e corpo, sujeito e objeto, matéria e espírito, coisa e representação. (02) O ponto de vista de Deus não é mais possível, nem necessário, para a renovação da filosofia. (04) O positivismo é esta filosofia nova, pois revoga a ontologia clássica. (08) Merleau-Ponty privilegia o corpo, pois, através dele, o homem constitui-se de uma consciência fática ou concreta. (16) A situação do objeto e do sujeito é relativa, pois a fenomenologia é o retorno à isegoria dos gregos e ao “meio termo” de Aristóteles.

10. (IFSP 2011) Ao defender as principais teses do Existencialismo, Jean-Paul Sartre afirma que o ser humano está condenado a ser

livre, a fazer escolhas e, portanto, a construir seu próprio destino. O pressuposto básico que sustenta essa argumentação de Sartre é o seguinte: (A) A suposição de que o homem possui uma natureza humana, o que significa que cada homem é um exemplo particular de um conceito universal.

(B) A compreensão de que a vida humana é finita e de que o homem é, sobretudo, um ente que está no mundo para a morte. (C) A ideia de que a existência precede a essência e, por isso, o ser humano não está predeterminado a nada. (D) A convicção de que o homem está desamparado e é impotente para mudar o seu destino individual. (E) A ideia de que toda pessoa tem uma potencial a realizar, desde quando nasce, mas é livre para transformar ou não essa possibilidade em realidade.

11. (UFSJ 2011) Para Sartre, “o Homem é livre, o Homem é liberdade”. Com relação a tal princípio, é CORRETO afirmar que o homem é: (A) “a expressão de que tudo é permitido por meio da liberdade e que provém da existência de Deus”. (B) “um animal político no sentido aristotélico e por isso necessita viver a liberdade política em comunidade”. (C) “um ser que depende da liberdade divina e necessita que o futuro esteja inscrito no céu”. (D) “condenado a ser livre, uma vez que foi lançado no mundo, é responsável por tudo que faz”.

12. (UFU 2011) Jean-Paul Sartre (1905 – 1980) encontrou um motivo de reflexão sobre a liberdade na obra de Dostoiévski Os irmãos Karamazov: “se Deus não existe, tudo é permitido”. A partir daí teceu considerações sobre esse tema e algumas consequências que dele podem ser derivadas.

[...] tudo é permitido se Deus não existe e, por conseguinte, o homem está desamparado porque não encontra nele próprio nem fora dele nada a que se agarrar. Para começar, não encontra desculpas. [...] Estamos sós, sem desculpas. É o que posso expressar dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si mesmo, e como, no entanto, é livre, uma vez que foi lançado no mundo, é responsável por tudo o que faz. SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 9 (coleção “Os Pensadores”).

94

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


Com base em seus conhecimentos sobre a filosofia existencialista de Sartre e nas informações acima, assinale a alternativa correta. (A) Porque entende que somos livres, Sartre defendeu uma filosofia não engajada, isto é, uma filosofia que não deve se importar com os acontecimentos sociais e políticos de seu tempo.

(B) Para Sartre, a angústia decorre da falta de fé em Deus e não do fato de sermos absolutamente livres ou como ele afirma “o homem está condenado a ser livre”.

(C) As ações humanas são o reflexo do equilíbrio entre o livre-arbítrio e os planos que Deus estabelece para cada pessoa, consistindo nisto a verdadeira liberdade.

(D) Para Sartre, as ações das pessoas dependem somente das escolhas e dos projetos que cada um faz livremente durante a vida e não da suposição da existência e, portanto, das ordens de Deus.

13. (UEM 2011) A fenomenologia é um método e uma filosofia que surge no final do século XIX, com Franz Brentano, tendo como um dos principais representantes o filósofo Edmund Husserl. Sobre a fenomenologia, assinale o que for correto. (01) A fenomenologia de Edmund Husserl procura superar as teorias do conhecimento empirista e idealista, como também o dualismo entre o sujeito e o objeto.

(02) Para a fenomenologia, a consciência é sempre consciência de alguma coisa; portanto, não há uma realidade pura, isolada do homem, mas a realidade enquanto ser percebido.

(04) O filósofo alemão Martin Heidegger, pertencente à escola fenomenológica, resgata um conceito de verdade desenvolvido pelos gregos arcaicos: o conceito de alétheia, que significa o não oculto, aquilo que se mostra ou se desvela.

(08) O filósofo francês Maurice Merleau-Ponty defende uma concepção dualista para a matéria e o espírito. De um lado, estão os objetos e o corpo, de outro, o sujeito e a consciência.

(16) A gestalt, corrente da Psicologia que se desenvolveu no começo do século XX, ao reconhecer a influência da fenomenologia, opõe-se à psicologia de tendência positivista.

SOMA = _____

14. (UEM 2010) A fenomenologia é um dos fundamentos da Filosofia de Maurice Merleau-Ponty. No âmbito da escola da fenomeno-

logia, ele contesta princípios basilares da Psicologia clássica, de cunho mecanicista-racionalista. Com base na afirmação acima, assinale o que for correto. (01) A sensação é concebida, por Merleau-Ponty, pelos efeitos que os estímulos externos dos objetos exercem sobre os sentidos. O campo visual, por exemplo, é concebido como um mosaico de sensações despertadas pelos estímulos do objeto sobre a retina.

(02) Para Merleau-Ponty, a percepção é o conhecimento sensorial de formas ou de totalidades organizadas e dotadas de sentido. (04) Conforme um dos princípios da fenomenologia de Edmund Husserl, a consciência, para Merleau-Ponty, não exerce nenhuma atividade na produção de conhecimentos científicos.

(08) Para Merleau-Ponty, a consciência de si é o resultado de um esforço intelectual de conhecimento e não depende da facticidade de nosso engajamento.

(16) Para Merleau-Ponty, imanência e transcendência são conceitos antitéticos que se comunicam, dada a configuração de nosso corpo no mundo.

SOMA = _____

15. (UNICENTRO 2010) Qual o postulado básico da fenomenologia? (A) A fenomenologia afirma que o conhecimento não passa de uma interpretação da realidade, isto é, de uma atribuição de sentidos determinada por uma escala ontológica de valores, constituindo-se, portanto, numa metafísica dos costumes.

(B) Em nome da verdade subjetiva, a fenomenologia recusa o projeto da filosofia moderna, recusando o pensamento analítico. Seu postulado básico afirma que o real deixa de ser racional.

(C) A fenomenologia procede por decomposição, enumeração e categorização dos objetos, fragmentando-os. Seu postulado básico é estabelecer a dicotomia entre razão e experiência.

(D) A fenomenologia pretende realizar a superação da dicotomia razão-experiência no processo do conhecimento, afirmando que toda consciência é intencional, ou seja, o objeto só existe para um sujeito que lhe dá significado.

(E) O postulado básico da fenomenologia é a metafísica fenomenológica, isto é, voltada para o reconhecimento do ser em si dos fenômenos, portanto, vinculada a uma noção de ser abstrata e a uma consciência transcendental.

ANOTAÇÕES

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

95


96

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


CAPÍTULO 13 CULTURA, ETNIA E DIVERSIDADE CULTURAL Seguindo o roteiro que traçamos, já sabemos as regras da sociedade, discutimos suas aplicações nos mais diversos campos do conhecimento humano. Agora vamos nos debruçar sobre a diversidade etnica e cultural da humanidade. Você já notou o quanto, apesar de a todo momento estarmos falando de igualdade, o quanto somos diferentes sob ponto de vista de nossos gostos, ambições e manifestações. “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. 1- O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”. (Constituição Federal de 1988 na Seção II – Da Cultura, Art. 215.) Será que é possível se pensar em uma unidade As implicações de um mundo diverso e multicultural que nos leva etnica e cultural, ou naturalmente estas marcas são a uma nova abordagem do comportamento humano diferentes e que revelam, em sua diversidade, a riqueza do Ser humano? Já pensamos sobre isso no capítulo 6, quando tratamos da Indústria Cultural e do existencialismo. Mas agora vamos falar com mais vigor e profundidade. Você gosta do que gosta porque gosta? Já se fez esta pergunta? Vamos primeiro esquematizar a discusão: 1. Diversidade Cultural: ”Diversidade cultural” refere-se à multiplicidade de formas pelas quais as culturas dos grupos e sociedades encontram sua expressão. Tais expressões são transmitidas entre e dentro dos grupos e sociedades. A diversidade cultural se manifesta não apenas nas variadas formas pelas quais se expressa, se enriquece e se transmite o patrimônio cultural da humanidade mediante a variedade das expressões culturais, mas também através dos diversos modos de criação, produção, difusão, distribuição e fruição das expressões culturais, quaisquer que sejam os meios e tecnologias empregados. 2. Conteúdo Cultural: “Conteúdo cultural” refere-se ao caráter simbólico, dimensão artística e valores culturais que têm por origem ou expressam identidades culturais. 3. Expressões culturais: “Expressões culturais” são aquelas expressões que resultam da criatividade de indivíduos, grupos e sociedades e que possuem conteúdo cultural. 4. Atividades, bens e serviços culturais: “Atividades, bens e serviços culturais” refere-se às atividades, bens e serviços que, considerados sob o ponto de vista da sua qualidade, uso ou finalidade específica, incorporam ou transmitem expressões culturais, independentemente do valor comercial que possam ter. As atividades culturais podem ser um fim em si mesmas, ou contribuir para a produção de bens e serviços culturais. 5. Indústrias culturais: “Indústrias culturais” refere-se às indústrias que produzem e distribuem bens e serviços culturais, tais como definidos acima. 6. Políticas e medidas culturais: “Políticas e medidas culturais” refere-se às políticas e medidas relacionadas à cultura, seja no plano local, regional, nacional ou internacional, que tenham como foco a cultura como tal, ou cuja finalidade seja exercer efeito direto sobre as expressões culturais de indivíduos, grupos ou sociedades, incluindo a criação, produção, difusão e distribuição de atividades, bens e serviços culturais, e o acesso aos mesmos. 7. Proteção: “Proteção” significa a adoção de medidas que visem à preservação, salvaguarda e valorização da diversidade das expressões culturais. “Proteger” significa adotar tais medidas. 8. Interculturalidade: “Interculturalidade” refere-se à existência e interação eqüitativa de diversas culturas, assim como à possibilidade de geração de expressões culturais compartilhadas por meio do diálogo e respeito mútuo.

Os meios de comunicação (mídia) No dia de novembro de 1978 a Unesco promulgou a Declaração sobre os princípios fundamentais relativos à contribuição dos meios de comunicação de massas para o fortalecimento da Paz e da cooperação internacional, para a promoção dos Direitos Humanos contra o racismo, o apartheid e o incitamento à guerra. Conheça seus principais artigos para pensarmos a respeito das regras que orientam nossa diversidade cultural comunicativa. Artigo 1º: O fortalecimento da paz e da compreensão internacional, a promoção dos direitos humanos, a luta contra o racismo, o apartheid e a incitação à guerra exigem uma circulação livre e uma difusão mais ampla e equilibrada da informação. Para esse fim, os órgãos de informação devem dar uma contribuição essencial, sendo que esta será eficiente caso a informação reflita os diferentes aspectos do assunto examinado. Artigo 2º: §1. O exercício da liberdade de opinião, da liberdade de expressão e da liberdade de informação, reconhecido como parte integrante dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, constitui um fator essencial do fortalecimento da paz e da compreensão internacional.

97


§2. O acesso ao público à informação deve ser garantido mediante a diversidade das fontes e dos meios de informação de que disponha, permitindo assim a cada pessoa verificar a exatidão dos acontecimentos e elaborar objetivamente sua opinião sobre os acontecimentos. Para esse fim, os jornalistas devem corresponder às expectativas dos povos e dos indivíduos, favorecendo assim a participação do público na elaboração da informação. §3. Com o objetivo de fortalecer a paz e a compreensão internacional, a promoção dos direitos humanos e da luta contra o racismo, o apartheid e a incitação à guerra, os órgãos de informação, em todo o mundo, dada a função que lhes corresponde, contribuem para a promoção dos direitos humanos, em particular ao fazer com a voz dos povos oprimidos que lutam contra o colonialismo, o neocolonialismo, a ocupação estrangeira e todas as formas de discriminação racial e de opressão seja ouvida, assim como dos povos que não podem se expressar em seu próprio território. §4. Para que os meios de comunicação possam promover em suas atividades os princípios da presente Declaração, é indispensável que os jornalistas e outros agentes dos órgãos de comunicação, em seu próprio país ou no estrangeiro, desfrutem do estatuto que lhes garanta as melhores condições para exercer a sua profissão. Artigo 3º: §1. Os meios de comunicação devem dar uma contribuição importante ao fortalecimento da paz e da compreensão internacional e na luta contra o racismo, o apartheid e contra a propaganda bélica. §2. Na luta contra a guerra da agressão, racismo e o apartheid, assim como contra as violações dos direitos humanos que , entre outras coisas são resultado dos preconceitos e da ignorância, os meios de comunicação, através da difusão da informação relativa aos ideais, às aspirações, cultura e exigências dos povos, contribuem para eliminar a ignorância e a incompreensão entre os povos, a sensibilizar os cidadãos de um país às exigências e às aspirações dos outro, a conseguir o respeito dos direitos e da dignidade de todas as nações, de todos os povos e de todos os indivíduos, sem distinção de raça, de sexo, de língua, de religião ou de nacionalidade, e de marcar com atenção os grandes males que afligem a humanidade, tais como a miséria, a desnutrição e as doenças. Ao assim realizar estas tarefas, favorecem a elaboração por parte dos Estados de políticas mais adequadas às tensões internacionais e para solucionar de maneira pacífica e de igual maneira as diferenças internacionais. Artigo 4º: Os meios de comunicação de massas têm uma participação essencial na educação dos jovens dentro do espírito da paz, da justiça, da liberdade, do respeito mútuo e da compreensão, a fim de promover os direitos humanos, a igualdade de direitos entre todos os seres humanos e as nações, e o progresso econômico e social. Desempenham um papel de igual importância para o conhecimento das opiniões e das aspirações da nova geração Artigo 5º: Para que a liberdade de opinião seja respeitada, assim como a liberdade de expressão e de informação, e para que esta última respeite todos os pontos de vista, é importante que sejam publicados os pontos de vista apresentados por aqueles que considerem que a informação publicada ou difundida sobre eles tenha prejudicado gravemente a ação que realizam com o objetivo de fortalecer a paz e a compreensão internacional, a promoção dos direitos humanos, ou lutar contra o racismo, o apartheid e contra a incitação à guerra. Artigo 6º: A instauração de um novo equilíbrio e de uma melhor reciprocidade na circulação da informação, condição favorável para o sucesso de uma paz justa e durável e para a independência econômica e política dos países em desenvolvimento, exige que sejam corrigidas as desigualdades na circulação da informação com destino aos países em desenvolvimento, procedente deles, ou em algum desses países. Para tal fim é essencial que os meios de comunicação de massas desses países disponham as condições e os meios necessários para fortalecer-se, estendendo-se a cooperação entre si e com os meios de comunicação de massa dos países desenvolvidos. Artigo 7º: Ao difundir mais amplamente toda a informação relativa aos objetivos e aos princípios universalmente adotados, que constituem a base das relações aprovadas pelos diferentes órgãos das Nações Unidas, os meios de comunicação de massa contribuem eficientemente no reforço da paz e da compreensão internacional, na promoção dos direitos humanos e no estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional mais justa e igual. Artigo 8º: As organizações profissionais, assim como as pessoas que participam na formação profissional dos jornalistas e dos demais profissionais dos grandes meios de comunicação que os ajudem a desempenhar suas tarefas de maneira responsável, devem concordar com a importância dos princípios da presente Declaração e nos códigos que estabeleçam . Artigo 9º: No espírito da presente Declaração, é tarefa da comunidade internacional contribuir no estabelecimento de condições necessárias para uma circulação livre da informação e para sua mais ampla e equilibrada difusão, assim como as condições necessárias para a proteção, no exercício de suas funções, dos jornalistas e dos demais agentes dos meios de comunicação. A UNESCO está bem qualificada para oferecer uma valiosa contribuição nessa área. Artigo 10º : §1. Com o devido respeito às disposições institucionais que garantem a liberdade de informação e dos instrumentos e acordos internacionais aplicáveis, é indispensável criar e manter no mundo todo as condições que permitam aos órgãos e às pessoas dedicados profissionalmente na difusão da informação alcançar os objetivos da presente Declaração.

98

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


§2. É importante que seja estimulada uma livre circulação e uma ampla e equilibrada difusão da informação. §3. É necessário para tal fim, que os Estados facilitem a obtenção para os meios de comunicação dos países em desenvolvimento, as condições necessárias para que se fortaleçam, e que ofereçam a cooperação entre eles e com os meios de comunicação dos países desenvolvidos. §4. Assim mesmo, baseando-se na igualdade de direitos, na promoção mútua e no respeito à diversidade cultural, elementos do patrimônio comum da humanidade, é essencial que sejam alimentados e desenvolvidos os intercâmbios de informação tanto bilaterais como multilaterais entre todos os Estados, em particular entre os que possuem sistemas econômicos e sociais diferentes.

A Indústria Cultural e o Etnocentrismo Leia o poema abaixo e pense sobre: Eu, etiqueta, de autoria de Carlos Drummond de Andrade: Meu blusão traz lembrete de bebida que jamais pus na boca, nesta vida. Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, minha gravata e cinto e escova e pente, meu copo, minha xícara, minha toalha de banho e sabonete, meu isso, meu aquilo, desde a cabeça ao bico dos sapatos, são mensagens, letras falantes, gritos visuais, ordens de uso, abuso, reincidência, costume, hábito, premência, indispensabilidade, e fazem de mim homem-anúncio itinerante, escravo da matéria anunciada. Não sou – vê lá – anúncio contratado. Eu é que mimosamente pago

para anunciar, para vender em bares festas praias pérgulas piscinas, e bem à vista exibo esta etiqueta global no corpo que desiste de ser veste e sandália de uma essência tão viva independente, que moda ou suborno algum a compromete. Hoje sou costurado, sou tecido, sou gravado de forma universal, saio da estamparia, não de casa, da vitrina me tiram, recolocam, objeto pulsante mas objeto que se oferece como signo de outros objetos estáticos, tarifados. Por me ostentar assim, tão orgulhoso de ser não eu, mas artigo industrial. A cultura de massa

Note que o poema faz referência direta ao conceito de cultura de massa, que segundo o pensador Theodor Adorno, da Escola de Frankfurt, é uma forma de controle da consciência pelo emprego de meios como o cinema, o rádio ou a imprensa. De acordo com a Escola de Frankfurt o surgimento da cultura de massa, em meados do século passado, deveuse em grande parte ao desenvolvimento do projeto iluminista que desencadeou uma crise ética e epistemológica dando origem por fim a já referida cultura de massa. A Revolução Industrial não foi apenas um conjunto de inovações técnicas, mas uma forma de dominação e controle do tempo do trabalhador, essa dominação se dá por meio da disciplina e da indústria cultural. O produto da indústria cultural não pode ser considerado arte em sentido estrito, já que ela tende a padronização, a ausência de conteúdo, e o apelo ao mercado. A cultura de massa tem o papel de difundir por meio do mercado as culturas regionais, contribuindo para a alienação do homem. Da mesma forma o conceito de etnocentrismo pode ser definido como uma “atitude emocionalmente condicionada que leva a considerar e julgar sociedades culturalmente diversas com critérios fornecidos pela própria cultura. Assim, compreende-se a tendência para menosprezar ou odiar culturas cujos padrões se afastam ou divergem dos da cultura do observador que exterioriza a atitude etnocêntrica. (...) Preconceito racial, nacionalismo, preconceito de classe ou de profissão, intolerância religiosa são algumas formas de etnocentrismo”. Por isso é fácil explicar porque após a Segunda Guerra Mundial, a civilização ocidental passou por grandes transformações de comportamento, cujos refleAdorno vê apenas a Indústria Cultural como uma mera repetição, xos podem ser notados no Brasil: consumo de eletrodomésticos, que gera uma padronização e por uma massificação alienando gosto e costumes. indústria automobilística, mudanças na moda e nos hábitos alimentares. A cultura norteamericana se torna hegemônica, difundida através dos meios de comunicação de massa nos fazendo aprender coisas que não fazem parte de nossa própria cultura, como jogar boliche, aprendido com Fred Flistone! No Brasil e em outros países, o etnocentrismo fundamentou muitas práticas etnocidas e genocidas, oficiais e não-oficiais, contra populações culturalmente distintas das de origem européia, cristã e ocidental, principalmente indígenas e africanas. Discriminação de etnia e de classe social também se inclui entre as formas de etnocentrismo. Quanto a pergunta sobre seu gosto, pense na questão colocada pela professor Marilena Chauí: “A indústria cultural vende Cultura. Para vendê-la, deve seduzir e agradar o consumidor. Para seduzi-lo e agradá-lo, não pode chocá-lo, provocá-lo, fazê-lo pensar, fazê-lo ter informações novas que perturbem, mas deve devolver-lhe, com nova aparência, o que ele sabe, já viu, já fez. A ‘média’ é o senso-comum cristalizado que a indústria cultural devolve com cara de coisa nova [...]. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

99


Dessa maneira, um conjunto de programas e publicações que poderiam ter verdadeiro significado cultural tornam-se o contrário da Cultura e de sua democratização, pois se dirigem a um público transformado em massa inculta, infantil, desinformada e passiva”. Just do it.

Crítica da civilização ocidental A teoria crítica da Escola de Frankfurt se centra principalmente em dois trabalhos: Dialética do Esclarecimento (1944) de Horkheimer e Adorno e Minima Moralia (1951) de Adorno. Ambos os autores trabalhariam durante o exílio do Instituto na América. Enquanto antes se retinham muito em uma análise marxista, nesses trabalhos a teoria crítica foi a sua ênfase. A crítica do capitalismo tornou-se uma crítica da civilização ocidental como um todo. A Dialética do Esclarecimento usa a Odisseia como um paradigma para a análise da consciência burguesa. Horkheimer e Adorno já apresentavam nesses trabalhos muitos temas que vieram a dominar o pensamento social do anos recentes; de fato, a sua exposição da dominação da natureza como uma característica central da racionalidade instrumental na civilização ocidental foi feita muito antes da ecologia e de a defesa do meio-ambiente tornarem-se preocupações populares. A análise da razão agora vai para um estágio adiante. A racionalidade da civilização ocidental aparece como uma fusão da dominação e da racionalidade tecnológicas, trazendo tudo de natureza externa e interna sob o poder do sujeito humano. No processo, entretanto, o próprio sujeito é engolido e nenhuma força social análoga ao proletariado pode ser identificada como que vá habilitar o sujeito a se emancipar. Daí vem o subtítulo de Minima Moralia: “Reflexões da Vida Prejudicada”. Nas palavras de Adorno: “Para já a esmagadora objetividade do movimento histórico na sua fase presente consiste até apenas agora na dissolução do sujeito, sem ainda dar origem a um novo, experiência individual necessariamente baseia-se no antigo sujeito, agora historicamente condenado, que é ainda para-si mesmo, mas não mais em-si mesmo. O sujeito ainda sente-se seguro da sua autonomia, mas a nulidade demonstrada aos sujeitos pelo campo de concentração já está ultrapassando a forma da subjetividade.” Consequentemente, em um tempo em que isso aparece que a realidade tem se tornar a base para a ideologia, a maior contribuição que a teoria crítica pode fazer é explorar as contradições dialéticas do sujeito individual por um lado, e preservar a verdade de teoria no outro. Até o progresso dialético é colocado em dúvida: “a sua verdade ou inverdade não é inerente ao método próprio, mas à sua intenção no processo histórico.” Essa intenção tem de ser orientada em direção a integral liberdade e felicidade: “a única filosofia que pode ser responsavelmente praticada em face ao desespero é tentar contemplar todas as coisas como elas apresentariam elas mesmas do ponto de vista da redenção”. Adorno prossegue à distância do “otimismo” do marxismo ortodoxo: “ao lado da demanda, assim colocado no pensamento, a questão da realidade ou irrealidade da redenção (emancipação humana) em si preocupa severamente.”

A repetição, a padronização e a massificação

Em Adorno a reprodução leva à massificação e à alienação

De um ponto de vista sociológico, tanto os trabalhos de Horkheimer quanto os de Adorno contêm uma certa ambivalência acerca da última fonte ou fundação da dominação social, uma ambivalência que deu origem ao “pessimismo” da nova teoria crítica sobre a possibilidade da emancipação e liberdade humanas. Esta ambivalência foi enraizada, por claro, nas circunstâncias históricas nas quais o trabalho originalmente foi produzido, em particular a ascensão do Nacional Socialismo, stalinismo , capitalismo de estado e cultura de massa como inteiramente novas formas de dominação social que poderiam não ser adequadamente explicadas com base na tradicional sociologia marxista. Para Adorno e Horkheimer, a intervenção estatal na economia tinha efetivamente abolido a tensão no capitalismo entre as “relações de produção” e as “forças produtivas materiais da sociedade” - uma tensão que, de acordo com a tradicional teoria marxista, constituía a contradição primária dentro do capitalismo. O anterior “livre” mercado (como um mecanismo “inconsciente” para a distribuição de bens) e a “irrevogável” propriedade privada da época de Marx tinham sido gradualmente substituídos pelo estado centralizado planificado e pela propriedade socializada dos meios de produção nas sociedades ocidentais contemporâneas. A dialética através da qual Marx previu a emancipação da sociedade moderna é portanto suprimida, efetivamente sendo subjugada a uma racionalidade positivista de dominação.

Filosofia da música moderna Adorno, um musicista treinado, escreveu A Filosofia da Música Moderna (1949), em que ele, em essência, polemiza contra a beleza em si - porque isso havia se tornado parte da ideologia da sociedade capitalista avançada e a falsa consci-

100

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


ência que contribui à dominação social. Isso assim contribui para a presente sustentabilidade do capitalismo por retribuir uma “estética gentil” e “concordável”. Apenas a arte e a música de vanguarda podem preservar a verdade capturando a realidade do sofrimento humano. Assim: “Que percepções radicais da música são o não transfigurado sofrimento do homem [...] O registro sismógrafáfico de choques traumáticos torna-se, ao mesmo tempo, lei estrutural técnica da música. Isso proíbe a continuidade e o desenvolvimento. A linguagem musical é polarizada de acordo com o seu extremo; em direção a gestos de choques a convulsões do corpo em uma mão e na outra em direção a uma cristalina paralisação do ser humano cuja ansiedade causa congelar nas suas sequências[...] A música moderna vê o absoluto oblívio como o seu objetivo. Essa é a mensagem sobrevivente do desespero do náufrago.” Essa visão de arte moderna como verdade produtora apenas através da negação da forma e normas estéticas tradicionais de beleza porque elas tornaram-se ideológicas é característica de Adorno e da Escola de Frankfurt em geral. Isso tem sido criticado por aqueles que não compartilham essa concepção de sociedade moderna como uma falsa totalidade que rende concepções e imagens de beleza e harmonia obsoletas tradicionais.

A reprodutibilidade técnica Walter Benjamin, outro que teoria sobre a cultura, apresenta em seu ensaio “A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica” a primeira grande teoria materialista da arte. O ponto central desse estudo encontra-se na análise das causas e consequências da destruição da “aura” que envolve as obras de arte, enquanto objetos individualizados e únicos. Com o progresso das técnicas de reprodução, sobretudo do cinema, a aura, dissolvendo-se nas várias reproduções do original, destituiria a obra de arte de seu status de raridade. Para Benjamin, a partir do momento em que a obra fica excluída da atmosfera aristocrática e religiosa, que fazem dela uma coisa para poucos e um objeto de culto, a dissolução da aura atinge dimensões sociais. Essas dimensões seriam resultantes da estreita relação existente entre as transformações técnicas da sociedade e as modificações da percepção estética. A perda da aura e as consequências sociais resultantes desse fato são particularmente sensíveis no cinema, no qual a reprodução de uma obra de arte carrega consigo a possibilidade de uma radical mudança qualitativa na relação das massas com a arte. Embora o cinema, diz Walter Benjamin, exija o uso de toda a personalidade viva do homem, este priva-se de sua aura. Se, no teatro, a aura de um Macbeth, por exemplo, liga-se indissoluvelmente à aura do ator que o representa, tal como essa aura é sentida pelo público, fico, o mesmo não acontece no cinema, no qual a aura dos intérpretes desaparece com a substituição do público pelo aparelho. Na medida em que o ator se torna acessório da cena, não é raro que os próprios acessórios desempenhem o papel de atores. Benjamin coloca a reprodutibilidade Benjamin considera ainda que a natureza vista pelos olhos difere da natureza como uma possibilidade de emancipar a obra de arte vista pela câmara, e esta, ao substituir o espaço onde o homem age conscientemente por outro onde sua ação é inconsciente, possibilita a experiência do inconsciente visual, do mesmo modo que a prática psicanalítica possibilita a experiência do inconsciente instintivo. Exibindo, assim, a reciprocidade de ação entre a matéria e o homem, o cinema seria de grande valia para um pensamento materialista. Adaptado adequadamente ao proletariado que se prepararia para tomar o poder, o cinema tornar-se-ia, em consequência, portador de uma extraordinária esperança histórica. Ele mostra que as técnicas de reprodução das obras de arte, provocando a queda da aura, promovem a liquidação do elemento tradicional da herança cultural; mas, por outro lado, esse processo contém um germe positivo, na medida em que possibilita um outro relacionamento das massas com a arte, dotando-as de um instrumento eficaz de renovação das estruturas sociais. Trata-se de uma postura otimista, que foi objeto de reflexão crítica por parte de Adorno. Atualmente a obra de Benjamin exerce grande influência no editor e tradutor de suas obras em italiano, Giorgio Agamben, sobretudo acerca do conceito de Estado de exceção. Walter Benjamin é um dos filósofos mais significativos da modernidade, somente reconhecido enquanto tal após sua trágica morte, durante a fuga das forças nazistas. Em vida ele era respeitado enquanto intelectual apenas em seu círculo de pensadores, como Ernst Bloch e T. W. Adorno, que tomou a iniciativa de editar toda sua obra postumamente. Também foi um grande inspirador da Pop Art, A influência do conceito de reprodutibilidade técnica na Pop Art movimento que surge nos anos 1960`s.

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

101


AVALIE SEU CONHECIMENTO 01. (UEL – 2006) “[...] uma grande marca enaltece acrescenta um maior sentido de propósito à experiência, seja o desafio de dar o melhor de si nos esportes e nos exercícios físicos ou a afirmação de que a xícara de café que você bebe realmente importa [...] Segundo o velho paradigma, tudo o que o marketing vendia era um produto. De acordo com o novo modelo, contudo, o produto sempre é secundário ao verdadeiro produto, a marca, e a venda de uma marca adquire um componente adicional que só pode ser descrito como espiritual”. O efeito desse processo pode ser observado na fala de um empresário da Internet comentando sua decisão de tatuar o logo da Nike em seu umbigo: “Acordo toda manhã, pulo para o chuveiro, olho para o símbolo e ele me sacode para o dia. É para me lembrar a cada dia como tenho de agir, isto é, ‘just do it’.” (KLEIN, Naomi. Sem logo: a tirania das marcas em um planeta vendido. Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 45-76.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre ideologia, é correto afirmar:

(A) A atual tendência do capitalismo globalizado é produzir marcas que estimulam a conscientização em detrimento dos processos de alienação. (B) O capitalismo globalizado, ao tornar o ser humano desideologizado, aproximou-se dos ideais marxistas quanto ao ideal humano. (C) Graças às marcas e à influência da mídia, em sua atuação educativa, as pessoas tornaram-se menos sujeitas ao consumo. (D) O trabalho ideológico em torno das marcas solucionou as crises vividas desde a década de 1970 pelo capital oligopólico. (E) Por meio da ideologia associada à mundialização do capital, ampliou-se o fetichismo das mercadorias, o qual se reflete na resposta social às marcas.

02. (UEL – 2008) No capitalismo, os trabalhadores produzem todos os objetos existentes no mercado, isto é, todas as mercadorias; após havê-las produzido, entregam-nas aos proprietários dos meios de produção, mediante um salário; os proprietários dos meios de produção vendem as mercadorias aos comerciantes, que as colocam no mercado de consumo; e os trabalhadores ou produtores dessas mercadorias, quando vão ao mercado de consumo, não conseguem comprá-las. [...] Embora os diferentes trabalhadores saibam que produziram as diferentes mercadorias, não percebem que, como classe social, produziram todas elas, isto é, que os produtores de tecidos, roupas, alimentos [...] são membros da mesma classe social. Os trabalhadores se vêem como indivíduos isolados [...], não se reconhecem como produtores da riqueza e das coisas. (CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. 13 ed. São Paulo: Ática, 2004. p. 387.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre alienação e ideologia, considere as afirmativas a seguir:

(A) A consciência de classe para os trabalhadores resulta da vontade de cada trabalhador em superar a situação de exploração em que se encontra sob o capitalismo.

(B) É no mercado que a exploração do trabalhador torna-se explícita, favorecendo a formação da ideologia de classe. (C) A ideologia da produção capitalista constitui-se de imagens e idéias que levam os indivíduos a compreenderem a essência das relações sociais de produção.

(D) As mercadorias apresentam-se de forma a explicitar as relações de classe e o vínculo entre o trabalhador e o produto realizado. (E) O processo de não identificação do trabalhador com o produto de seu trabalho é o que se chama alienação. A ideologia liga-se a este processo, ocultando as relações sociais que estruturam a sociedade.

03. (UEM – INVERNO 2008) Ao discorrer sobre ideologia, Marilena Chauí afirma que “(...) a coerência ideológica não é obtida mal-

grado as lacunas, mas, pelo contrário, graças a elas. Porque jamais poderá dizer tudo até o fim, a ideologia é aquele discurso no qual os termos ausentes garantem a suposta veracidade daquilo que está explicitamente afirmado”. (O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 04). Considerando o texto acima e o conceito de ideologia para Karl Marx, assinale o que for correto. (01) Na maioria das sociedades capitalistas, as desigualdades são ocultadas pelos princípios ideológicos que afirmam a importância dos seguintes elementos: o progresso, o “vencer na vida”, o individualismo, a mínima presença do Estado na economia e a soberania popular por meio da representação. (02) Ideologia corresponde às idéias que predominam em uma determinada sociedade, portanto expressa a realidade tal qual ela é na sua objetividade. (04) Uma pessoa pode elaborar uma ideologia, construir uma “questão” individual sem interferências anteriores e influências comunitárias para a sua sustentação. Assim, com base em sua própria ideologia, ela poderá refletir e agir em sua sociedade. (08) Na sociedade brasileira, a ideologia da democracia racial afirma que índios, negros e brancos vivem em harmonia, com igualdade de condições. Essa formulação omite as desigualdades étnicas existentes no país. (16) Ideologia consiste em idéias que predominam na sociedade e que, por isso, são internalizadas por todos os indivíduos. Portanto não existem possibilidades de se romper com seus pressupostos.

SOMA = _____

04. (UFUB) Quanto ao conceito de indústria cultural, é correto afirmar que: I. A indústria cultural produz bens culturais como mercadorias. II. O objetivo da indústria cultural é estimular a capacidade crítica dos indivíduos. III. A indústria cultural cria a ilusão de felicidade no presente e elimina a dimensão crítica. IV. A indústria cultural ocupa o espaço de lazer do trabalhador sem lhe dar tempo para pensar sobre as condições de exploração em que vive.

Assinale a alternativa correta: (A) II, III e IV estão corretas. (B) I, II e III estão corretas.

(C) I, III e IV estão corretas. (D) I, II e IV estão corretas.

(E) II e III estão corretas.

05. (PUC – SP) Leia o texto: “Quando [o general De Gaulle] chegou ao poder, havia 1 milhão de aparelhos de televisão na França (...). Quando saiu, havia 10 milhões (...). O Estado é sempre uma questão de show biz. Mas o Estado-teatro de ontem era coisa muito diferente do Estado-Tv que existe hoje”. Segundo o autor, (A) existe, hoje em dia, na França, um controle muito maior do Estado sobre a programação da televisão, do que já houve em outras épocas. (B) sob o governo do general De Gaulle, o Estado incentivou a população a adquirir mais aparelhos de televisão. (C) a relação do Estado com os meios de comunicação é oportunista, ora investe no desenvolvimento do teatro, ora no da televisão. (D) as manifestações políticas são condicionadas diferentemente, conforme o meio empregado, e a televisão, hoje em dia, dita as regras da encenação.

(E) a TV é um meio muito mais alienante do que o teatro, e o Estado que pretende hegemonia política investe mais no primeiro que no último.

102

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 06. (UEL – 2003) O etnocentrismo pode ser definido como uma “atitude emocionalmente condicionada que leva a considerar e julgar sociedades culturalmente diversas com critérios fornecidos pela própria cultura. Assim, compreende-se a tendência para menosprezar ou odiar culturas cujos padrões se afastam ou divergem dos da cultura do observador que exterioriza a atitude etnocêntrica. (...) Preconceito racial, nacionalismo, preconceito de classe ou de profissão, intolerância religiosa são algumas formas de etnocentrismo”. (WILLEMS, E. Dicionário de Sociologia. Porto Alegre: Editora Globo, 1970. p. 125.)

Com base no texto e nos conhecimentos de sociologia, assinale a alternativa cujo discurso revela uma atitude etnocêntrica:

(A) A existência de culturas subdesenvolvidas relaciona-se à presença, em sua formação, de etnias de tipo incivilizado. (B) Os povos indígenas possuem um acúmulo de saberes que podem influenciar as formas de conhecimentos ocidentais. (C) Os critérios de julgamento das culturas diferentes devem primar pela tolerância e pela compreensão dos valores, da lógica e da dinâmica própria a cada uma delas.

(D) As culturas podem conviver de forma democrática, dada a inexistência de relações de superioridade e inferioridade entre as mesmas. (E) O encontro entre diferentes culturas propicia a humanização das relações sociais, a partir do aprendizado sobre as diferentes visões de mundo.

07. (UEL – 2004) Observe os quadrinhos a seguir:

Fonte: HENFIL. Fradim. Rio de Janeiro: Codecri, [197-], p. 3.

Nos quadrinhos o cartunista faz uma ironia sobre a perspectiva adotada pelos ‘civilizados’ em relação aos ameríndios. Por intermédio dessa ironia, Henfil revela práticas contumazes dos ditos ‘civilizados’. Sobre essas práticas, analise as afirmativas a seguir. I. As práticas dos ‘civilizados’ expressam uma postura de relativismo cultural, pois os aspectos da cultura ameríndia são abordados em seu próprio contexto. II. A disposição de assimilar os ameríndios à ‘civilização’ é um sinal evidente de negação do direito à diferença cultural. III. Os ‘civilizados’ se propõem a estabelecer uma relação simétrica com a sociedade dos ameríndios. IV. Os ameríndios são vistos pelos ‘civilizados’ sobretudo pela ausência do que é natural para os próprios civilizados.

Estão corretas apenas as afirmativas: (A) I e II. (B) I e III.

(C) II e IV.

(D) I, III, IV.

(E) II, III, IV.

08. O significado da palavra cultura esteve vinculado à terra até o século XVIII. Com o Iluminismo, o termo passa a definir uma característica do homem. Essa mudança de perspectiva só foi possível graças: (A) à descoberta da teoria da evolução das espécies e à afirmação de que o homem era descendente dos macacos; (B) à imposição da Igreja para que se aceitasse a ideia de cultura como uma característica humana; (C) à descoberta de novos mundos, como a América, que colocou o homem em contato com povos diferentes do europeu; (D) ao desenvolvimento da ciência e à descoberta de novas formas de produção de alimentos; (E) a uma nova concepção de mundo, segundo a qual o homem passou a ser o centro do universo, e não mais Deus;

09. O conceito antropológico de cultura define o termo como: (A) um elemento que aproxima os homens dos animais; (B) uma função orgânica do homem; (C) um elemento que garante a homogeneidade entre os povos; (D) um traço distintivo do homem, mas que não é homogêneo; (E) as capacidades e os hábitos esquecidos pelo homem; FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

103


10. (UFUB) Assinale a opção que indica o emprego correto do conceito de cultura na perspectiva da antropologia: (A) A cultura diz respeito aos atributos a - históricos que singularizam um povo; (B) A cultura de um povo é determinada pelo meio natural; (C) A cultura é herdada biologicamente e condiciona o comportamento dos povos; (D) A cultura é uma forma de linguagem que tem origem simbólica;

11. (UFUB) O fato de o homem ver o mundo através de sua cultura tem como conseqüência a propensão para considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural. Essa tendência se denomina: (A) egocentrismo (C) heterocentrismo (B) heliocentrismo (D) etnocentrismo

12. (UFPE) Sobre a cultura brasileira no século XX, são corretas as afirmações que seguem: (01) Após a Segunda Guerra Mundial, a civilização ocidental passou por grandes transformações de comportamento, cujos reflexos podem ser notados no Brasil: consumo de eletrodomésticos, indústria automobilística, mudanças na moda e nos hábitos alimentares.

(02) A Bossa Nova, como parte do movimento cultural ocidental do século XX, surgiu no Brasil e teve, através das músicas de Tom Jobim, João Gilberto e outros, grande repercussão mundial.

(04) “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, título de um filme do cineasta Glauber Rocha, desenvolve uma temática urbana, própria de cidades como nova York, Berlim e Londres.

(08) Na década de 90, assistimos ao renascimento do cinema nacional com filmes como “Sábado”, “Quatrilho”, “Carlota Joaquina”, “O Guarani”, “O Baile Perfumado” e “Central do Brasil”.

(16) Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade fizeram parte do movimento modernista brasileiro. SOMA = _____

13. (UFUB) “Todo sistema cultural tem sua própria lógica e não passa de um ato primário de etnocentrismo tentar transferir a lógica de um sistema para outro”. (LARAIA, Roque. Cultura: Um conceito antropológico. 8 ed., Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 1993).

Considerando o texto acima, marque a alternativa correta acerca das afirmações a seguir: I. As sociedades tribais são tão eficientes para produzir cultura quanto qualquer outra, mesmo quando não possuem certos recursos culturais presentes em outras culturas. II. As sociedades selvagens são capazes de produzir cultura, mas estão mal adaptadas ao ambiente e, por isso, algumas nem sequer possuem o Estado. III. As chamadas sociedades indígenas são dotadas de recursos materiais e simbólicos eficientes para produzir cultura como qualquer outra, faltando-lhes apenas uma linguagem própria. IV. As chamadas sociedades primitivas conseguiram produzir cultura plenamente, ao longo do processo evolutivo, quando instituíram o Estado e as instituições escolares.

(A) I e II estão corretas. (B) Apenas I está correta.

(C) I e III estão corretas. (D) I e IV estão corretas.

14. (UEL – 2004) “As práticas religiosas indígenas, contudo, não desapareceram, convivendo com o pensamento cristão. O mesmo ocorreu com os negros vindos da África, que trouxeram para cá sua cultura religiosa [...] Uma prova da mistura e da presença das várias tradições culturais e religiosas no Brasil era a chamada ‘bolsa de mandinga’, pequeno recipiente no qual se guardavam vários amuletos com o objetivo de oferecer proteção e sorte a quem a carregava. Dentro da bolsa encontravam-se objetos das culturas européias, africana e indígena, podendo conter enxofre, pólvora, pedras, osso de defunto, papéis com dizeres religiosos ou símbolos, folhas, alho e outros elementos que variavam conforme o uso a que ela se destinava”. (MONTELLATO, Andrea. História temática: diversidade cultural e conflitos. São Paulo: Scipione, 2000. P. 145.)

É correto afirmar que o texto refere-se a:

(A) Um processo chamado de aculturação em que os grupos abandonam suas tradições. (B) Uma forma de organizar as diferenças que os homens percebem na natureza e no mundo social. (C) Um processo de ressignificação de elementos culturais tendo como resultado uma nova configuração. (D) Um movimento de eliminação de determinadas culturas quando transpostas para fora da sua área de origem. (E) Um movimento de imitação de costumes estrangeiros, inerente aos países periféricos.

15. (UEL – 2005) No Brasil e em outros países, o etnocentrismo fundamentou muitas práticas etnocidas e genocidas, oficiais e não-o-

ficiais, contra populações culturalmente distintas das de origem européia, cristã e ocidental, principalmente indígenas e africanas. Discriminação de etnia e de classe social também se inclui entre as formas de etnocentrismo. Com base no texto e nos conhecimentos sobre o tema, assinale a alternativa que apresenta uma interpretação contrária ao etnocentrismo. (A) “Quando nos referimos a uma raça, não individualizamos tipos dela, tomamo-la em sua acepção mais lata. E assim procedendo vemos

que a casta negra é o atraso; a branca o progresso, a evolução[...]”

(Revista Brazil Médico, 1904.)

(B) “Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e

integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional”.

(Estatuto do Índio, Lei No 6001 de 19 de dezembro de 1973, Artigo 1º, ainda em vigor.)

(C) As sociedades humanas se desenvolvem por estádios ou estados que vão sendo superados sucessivamente: o estado teológico, o meta-

físico e o positivo. Os povos indígenas e as etnias afro-brasileiras encontram-se nos estádios teológico ou metafísico e, por essa razão, permanecem nos estratos sociais inferiores e marginais de nossa sociedade. (Baseado em Augusto Comte.)

(D) “[...]segundo o que até aqui escrevi acerca dos Coroados [Kaingang] dos Campos Gerais, é evidente que, no seu estado selvagem, são eles

superiores em inteligência, indústria e previdência a muitos outros povos indígenas, e talvez até em beleza. Dada essa circunstância, dever-se-ia pôr todo o empenho em aproximá-los dos homens de nossa raça e, após, encorajar os casamentos mistos entre eles e os paulistas pobres [...]. Devo dizer, porém, que é mais fácil matar e reduzir os Coroados à escravidão, do que despender tais esforços em seu favor”. (Saint- Hilaire, V. E. Viagem à Comarca de Curitiba –1820.)

(E) “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a

valorização e a difusão das manifestações culturais. 1- O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro -brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”. (Constituição Federal de 1988 na Seção II – Da Cultura, Art. 215.)

104

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


POLÍTICA CAPÍTULO 14 A PÓLIS E A FORMAÇÃO DO CIDADÃO Os gregos inventaram um conceito novo de cidade: a polis. É mais do que uma cidade-estado ou uma vila independente com suas leis e tradições. A polis grega assume um caráter comunitário, de vida em grupo, do desfrutar de um espaço que é de todos, por isso público. O conceito de espaço público está na raiz do entendimento sobre o que mais tarde vem a se chamar de política. Esta nova forma de organização social vai dar à civilização grega a prevalência sobre as demais. A polis, tal qual a natureza, também se transforma passando por modos de organização que vão da monarquia, o poder exercido apenas por um único homem, saindo de sua vontade a vontade de todos e de sua boca a palavra que é lei, estando o centro político desta polis no Palácio Real e este monarca ligado diretamente aos deuses como que por parentesco de consangüinidade. O poder deste único homem vai ser questionado por um grupo de homens que se intitulam melhores do que o rei, os aristós, que ao assumirem o comando, implantam a aristocracia, ocupando o Palácio Real, fazendo a palavra deste grupo de homens ser a lei para todos na polis; até que em Atenas, um grupo maior de homens, a maioria, toma o poder dos aristocratas. Estes homens agrupados em demós, distritos produtores, em número de 10, passam a decidir os destinos de todos, não mais em um Palácio Real, mas na ágora, na praça pública, onde a palavra pertence a todos e é debatida e votada por um conselho de representantes das 10 demós – a boulé. Este novo modo de fazer política é chamado de democracia.

A democracia Ateniense É na Atenas do século VI a C que um novo espírito se apodera do Estado, modificando por completo o conceito de poder na polis. Um Estado jurídico, um organismo burocrático que assegura, através da lei, o acesso de todos A prática da política significa exatamente o interesse pelos problemas comuns de todos que moravam na polis os indivíduos – por ele reconhecido. A passagem de uma monarquia dos Códridas para os aristocratas parece ser natural com a mudança de uma vida mais urbana e menos rural, incentivada precisamente pelas viagens marítimas. Esta nobreza aristocrática vai aos poucos perdendo poder para uma nova casta de negociantes que, também devido ao comércio e devido a importância que Atenas ganha como entreposto de trocas, passa a acumular riqueza e prestígio. Aos poucos a virtude, a Arete, ligada à tradição rural, do campo ao sangue, à terra, vai se perdendo, abrindo caminho para uma nova virtude, a das relações comerciais, a dos intercâmbios, do diálogo, da conciliação. A sociedade ateniense estava dividida entre uma aristocracia rural, os eupátridas que estava expandindo seus domínios sobre os pequenos proprietários rurais os georgóis, que por dívida perdiam inclusive sua liberdade, ficando à mercê dos aristocratas. Ao mesmo tempo, com o advento da vida urbana os demiurgos, comerciantes, foram também aumentando seu poder e rivalizando com a aristocracia rural. Nas cidades também crescia o poder dos thetas, artesãos de ferro e metal e os chamados technais, os artesãos de outros materiais como cerâmica. Os eupátridas substituíram o basileu (rei) por nove arcontes (magistrados) que julgavam os casos de acordo com a tradição. Por volta de 620 a C , Dracon, em nome da aristocracia, faz um principio de reformas, codificando leis que estavam baseadas em uma tradição oral, perpetuando os valores da própria aristocracia em detrimento dos demais. Sólon é quem percebe esta nova situação em Atenas, ao se deparar com conflitos cada vez mais acirrados entre os juízes aristocratas (presos às tradições e que mudam constantemente seu julgamento em favor de relações castiais) e comerciantes que cada vez mais exigem – como no comércio – uma coerência escrita, registrada e que garanta um mínimo de segurança social. Sólon em 594 a C implanta uma república censitária, que dava ao cidadão uma participação de acordo com sua renda nas instituições do Estado; acabava com a escravidão por dívidas, a devolução das terras aos antigos proprietários, os georgóis; estimulou o comercio e o artesanato, criando um padrão monetário fixo, abrindo a exploração das minas de prata e níquel, adotou um sistema de pesos e medidas e proibiu a exportação de cereais. Politicamente dividiu o poder em três instituições: a boulé, um conselho de representantes de diversos grupos da cidade (a boulé funciona de maneira diferente com o passar do tempo tendo às vezes 400 membros, outras 500); a eklesia, uma assembléia onde todos tinham o direito à voz (isofonia) – homens, atenienses, acima de 18 anos; e o helieu, uma espécie de tribunal de justiça cujos membros eram sorteados entre os cidadãos. Destas reformas Atenas mergulhou em uma grande guerra civil com os grupos se desentendendo quanto ao que cabia para cada um. Por mais de 30 anos o poder foi assumido por tiranos e usurpadores, até que em 561 a C Psistrato, apesar de assumir o poder como tirano, propôs reformas pacíficas: modificou a cidade com grandes obras públicas, introduziu a educação, a leitura de Hesíodo e Homero, o resgate às tradições. Após sua morte, seus filhos Hípias e Hiparco

105


disputam o poder, com Hípias sendo assassinado pelo irmão com apoio dos espartanos. Nova crise, Hiparco é exilado, uma nova fase de tiranos, até que em 507 a C Clistenes, assume o poder. Chamado de o pai da democracia, é ele quem divide a cidade em 10 demós (distritos produtores) que se reuniam em três grandes eklesias (assembléias) a parália (litoral), a pédium (planície) e a diácria (na montanha) para decidir os destinos que eram comuns a todos. Nessas assembléias eram indicados os estrategos que iriam executar os serviços em nome do Estado. A exigência de uma lei escrita passa a ser defendida porque se percebe estar aí uma mudança necessária para os destinos da polis. A lei vai igualar os homens e decretar uma nova Arete, a virtude está na condição política, na influência exercida na assembléia pública, na praça, no debate entre iguais. No mundo antigo havia um sentido de Thêmis, a justiça – que é cega, que julga por igual; é o sentido dado em Homero. Agora a justiça adquire outro sentido: a diké, a lei que torna os diferentes, iguais. Esta nova estruturação do Estado exige também um novo homem, o cidadão, que passa a pensar comunitariamente, desenvolvendo um ethós que vai estar ligado à polis e à lei, criando ambientes distintos entre a casa e a praça, ou o domínio do privado e o domínio do público. Para os gregos este homem não é solitário, vive em conexão com o mundo ao seu redor, com a natureza, com a sociedade humana, não existe individualmente.

A Educação Política Os sofistas – um movimento filosófico que aparece em Atenas junto com a democracia – aproveitam-se deste momento histórico do poder político comunitário. A virtude do homem estava ligada ao seu conhecimento sobre as leis, a história, as tradições, o jeito de se relacionar com as pessoas, como falar para uma platéia e como convencer em um debate. Não era mais uma luta com a espada, entre iguais se luta com as palavras e a palavra demanda uma educação, um treino, exercício. Estes homens que se intitulavam sábios (sophós) passavam a oferecer às demos – grupos de comerciantes – seus serviços educacionais: criaram uma instituição (skolé) onde se propunham em ensinar disciplinas para educar o cidadão, em um programa que incluía a gramma-ática (letra grega); geo-metria (medidas da terra); a-ritmo-métrica (não pulos da medida); música (as nove musas, cada uma significando uma área do conhecimento); e principalmente retórica (falar para convencer). A filosofia deixa de se preocupar com a phýsis e voltase para o homem, torna-se antropológica, ética, política. Os sofistas trazem o campo de debate para a educação, a arte, a língua, a religião, aproximando a filosofia das questões cotidianas e talvez aí sua rápida difusão entre os jovens atenienses. Este novo Estado exigia um homem que A oratória é uma arte aprendida e ensinada em Atenas para a prática da política. soubesse falar em público, expor suas idéias, mostrar conhecimento nos mais diferentes campos do saber – uma vez que vai debater os assuntos que interessam a toda a cidade, daí a variada gama de informações que precisa dispor – para convencer as pessoas. Podemos resumir a ação dos sofistas em: a) visavam um objetivo prático, atuação política, participação na eklesia (assembéia) de iguais, onde a palavra era o mais importante e também atuavam assim, buscando alunos, montando grupos em salas de aula, oferecendo um programa de saberes, bem diferente da atuação dos físicos anteriores que não se preocupavam com isso. Podemos dizer então que são os primeiros a chamar a atenção para a importância de uma educação pensada, programada, ensinada de forma técnica (arte, treino, repetição) e que também passam a tratar o conceito de difusão do saber; b) tornam o ensinar uma profissão, uma vez que cobravam uma compensação pecuniária por seus serviços, gerando com isso algumas críticas – já que o saber, no mundo antigo, era considerado comunitário; a atitude dos sofistas coloca uma determina condição ao saber, seu acesso passa a ser possível a um determinado tipo de homem que pode pagar pelo conhecimento; c) ensinavam o desapego pela cidade, já que eram andarilhos e ensinavam de cidade em cidade, querendo com isso introduzir um conceito de cosmopolitanismo, ou seja, o cidadão é do mundo, difundindo um comportamento pan-helenista; d) ensinavam uma grande liberdade de espírito com relação às tradições, ousando novas interpretações para aquilo que já era do senso comum; e) não atuavam em conjunto, não formando por isso um bloco de pensadores que defendiam algum tipo de bandeira ou movimento, apenas atuavam individualmente, daí sua classificação em três tipos: a) os principais mestres; b) os chamados erísticos, que já não tinham um compromisso educacional e se perderam na mera retórica; c) os políticos sofistas.

A Escola Sofista Muito do que sabemos dos sofistas aparece justamente pelos escritos de seus opositores como Platão. Os principais mestres parecem ser mesmo Protágoras e Górgias, os mais citados e aqueles que de fato alcançaram grande sucesso com suas escolas e seu método de ensino, levando seus alunos a obterem prestígio político na ágora. Protágoras talvez seja o que melhor define o pensamento destes propagadores de cultura, com a célebre frase “O homem é a medida de todas as coisas, das que são enquanto são e das que não são enquanto não são”. Esta citação, contida no diálogo platônico Teeteto, parece revelar que, diante da diversidade de considerações sobre a phýsis feitas pelos filósofos anteriores, Protágoras – que era de Abdera,

106

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


como Demócrito – avalia que é o homem quem determina a verdade sobre as coisas através de sua palavra, de seu discurso. Portanto, o campo de decisão para o que vem a ser a verdade sobre o mundo, passa a ser a retórica, onde ele é mestre. Neste diálogo platônico a posição do sofista é aquela que defende que é a sensação de cada um, o que define a verdade. O exemplo do vento que para uns é frio e para outros não, serve de metáfora para o que o sofista está defendendo restando, portanto, uma argumentação retórica que pode convencer e decidir quem está com a verdade. Protágoras entendia esta medida como sendo uma espécie de norma de juízo que seria utilizada para apreciar as experiências em geral, ou, todas as coisas. Ele nega um critério absoluto que possa definir o que seja verdade e que tenha validade para todos os sujeitos. A verdade se torna relativa a cada sujeito, o que leva ao desenvolvimento de um método retórico que pode dizer sobre o mesmo objeto valores contraditórios e mesmo assim válidos. Com isso Protágoras poderia ensinar a seus alunos, por exemplo, a tornar o argumento mais fraco em mais forte e o contrário também. A virtude agora era, através da retórica, conseguir convencer as pessoas a seguirem a opinião que deve prevalecer sobre as demais, usando para isso uma argumentação que aproveita o que é oportuno, útil, prático, usual, colocando as decisões retóricas presas a um imediatismo utilitário que, ao estar associado à política, pode levar (como levou) à decisões equivocadas e injustas. É portanto na Grécia que começa o que podemos chamar de “História da Educação” com sentido na nossa realidade educativa atual. Os Gregos, pela primeira vez, colocam a educação como problema. Já na literatura grega se vêm sinais de questionamento do conceito, seja na poesia, seja na tragédia ou na comédia. Mas é no século V a. C., com os Sofistas e depois com Sócrates, Platão, Isócrates e Aristóteles que o conceito de educação alcança o estatuto de uma questão filosófica. É claro que os ideais educativos da paideia que vão ser desenvolvidos no século V a. C. se baseiam em práticas educativas muito anteriores. A palavra paideia (de paidos - criança) significava “criação dos meninos”. O conceito que originalmente exprime o ideal educativo grego é o de arete. Originalmente formulado e explicitado nos poemas homéricos, a arete é aí entendida como um atributo próprio da nobreza, um conjunto de qualidades físicas, espirituais e morais tais como a bravura, a coragem, a força, a destreza, a eloquência, a capacidade de persuasão, numa palavra, a heroísmo. Este ideal educativo surgiu nos fins da época arcaica, exprimindo-se então pela palavra kaloskagathia - Belo e Bom. Mais que honra e glória, pretende-se então alcançar a excelência física e moral. Os atributos que o homem deve procurar realizar são a beleza (kalos ) e a bondade (gathos). Para alcançar este ideal é proposto um programa educativo que implica dois elementos fundamentais: a ginástica para o desenvolvimento do corpo, e a música (aliada à leitura e ao canto) para o desenvolvimento da alma. No fim da época arcaica, este programa educativo completava-se com a gramática. A partir do século V a. C., exige-se algo mais da educação. Para além de formar o homem, a educação deve ainda formar o cidadão. A antiga educação, baseada na ginástica, na música e na gramática deixa de ser suficiente. É então que o ideal educativo grego aparece como Paideia, formação geral que tem por tarefa construir o homem como homem e como cidadão. Platão define Paideia da seguinte forma “(...) a essência de toda a verdadeira educação ou Paideia é a que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento” . Do significado original da palavra paideia como criação dos meninos, o conceito alarga-se para, no século IV. a.C., adquirir a forma cristalizada e definitiva com que foi consagrado como ideal educativo da Grécia clássica. Os gregos deram o nome de paidéia a “todas as formas e criações espirituais e ao tesouro completo da sua tradição, tal como nós o designamos por Bildung ou pela palavra latina, cultura.” Daí que, para traduzir o termo Paideia “não se possa evitar o emprego de expressões modernas como civilização, tradição, literatura, ou educação; nenhuma delas coincidindo, porém, com o que os Gregos entendiam por Paideia. Cada um daqueles termos se limita a exprimir um aspecto daquele conceito global. Para abranger o campo total do conceito grego, teríamos de empregá-los todos de uma só vez.” É isso que nos ensina o helenista Werner Jaeger. A educação antiga não era um sistema desenvolvido nem rigidamente definido. Em geral, até aos sete anos, as crianças eram educadas no gineceu, na companhia da mãe e das outras mulheres da casa. Depois dessa idade, as meninas continuavam em casa, onde aprendiam os trabalhos domésticos e música. Para os rapazes, entre os 7 e os 14 anos, embora não houvesse um programa obrigatório, o ideal era que fossem ocupadas na prática da Ginástica (gymnastiké) e da Música (mousiké).Para além dos professores de ginástica ou paidotribés e dos de música ou kitharistés, no final do século V a.C. surge a figura dos grammatistés para ensinar as crianças a escrever e a ler. Todos estes professores eram contratados directamente pela família o que faz com que a educação que cada criança recebia dependesse da vontade e da capacidade financeira da família. Nas palestras, os rapazes aprendiam a ler, a escrever, a contar e a recitar de cor os poemas antigos (principalmente Homero e Hesíodo), cuja tradição heróica encerrava um elevado conteúdo moral. Estudavam música, aprendendo a tocar pelo menos a lira e iniciavam-se nos exercícios atléticos. Os mais ricos tinham um escravo ao seu serviço - pedagogo - que os acompanhava e, certamente, os ajudava ou mesmo obrigava a repetir as lições. Aproximadamente com 16 anos de idade, os rapazes ficavam livres dos cuidados do pedagogo e interrompiam os estudos literários e musicais. A educação da palestra era então substituída pela do ginásio. Aí continuavam a cultivar a harmonia do corpo e do espírito. Diariamente, depois da educação física, passeavam nos jardins do ginásio, dialogando com os mais velhos e com eles aprendendo a sabedoria e a arte de discutir as ideias. Depois dos 20 anos, o jovem tinha dois anos de preparação militar, finda a qual se tornava cidadão. Mal o dia surgia, o rapaz acordava e o pedagogo que, com a sua lanterna, o ajudava a lavar-se e a vestir-se; Após a refeição da manhã, o pedagogo acompanhava o rapaz à palestra onde ia aprender música e ginástica; Depois de um banho, o rapaz regressava a casa para almoçar; À tarde regressava novamente à palestra para ter agora lições de leitura e escrita; De regresso a casa, e sempre acompanhado pelo pedagogo, o rapaz estudava as suas lições, fazia os trabalhos de casa, jantava e ia deitar-se. Não existiam fins de semana nem férias, excepto os frequentes dias de festivais religiosos ou cívicos, que constituíam bons dias de descanso para os jovens gregos. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

107


AVALIE SEU CONHECIMENTO 01. Considere o enunciado abaixo e as três propostas para completá-lo. Para um grande número de historiadores, a Atenas do século V a.C. tornou-se um modelo de democracia e de liberdade. Entretanto, esse modelo de democracia tem sido questionado, porque, em Atenas, 1. a sociedade era dividida em três classes distintas: cidadãos, metecos e escravos. 2. a democracia e a liberdade eram limitadas a uma minoria composta por homens adultos nascidos em solo ateniense. 3. a ação da Assembleia Popular era limitada pelo Conselho dos Quinhentos, que preparava os projetos de lei a serem votados.

Quais propostas estão corretas? (A) Apenas 1. (B) Apenas 2. (C) Apenas 3. (D) Apenas 1 e 2. (E) 1, 2 e 3.

02. Entre os pobres muitos se dirigem a terras estranhas, vendidos e cobertos de correntes [...]. Quantos dos que tinham sido vendidos, uns injustamente, outros com justiça, fiz voltar para Atenas, sua pátria, fundada pelos deuses [...]. Dei liberdade a outros que, aqui mesmo (em Atenas), sofriam servidão indigna e tremiam diante do humor dos patrões. Eis o que realizei, graças à soberania da lei, fazendo com que a força e a justiça agissem concordemente. Sólon, Elegias. Apud HOLANDA, S. Buarque de. História da Civilização. 6. ed. São Paulo: Nacional, 1979. p. 58.

Com base no texto acima e nos seus conhecimentos sobre a sociedade e a democracia ateniense, assinale a(s) proposição(ões) CORRETA(S). (01) Na experiência democrática vivida pelos atenienses durante o período helenístico, a escravidão foi eliminada através da legislação elaborada por Sólon, sobrevivendo apenas a servidão voluntária.

(02) As leis de Sólon, consideradas avançadas para a época da sua promulgação, admitiam a escravização dos endividados ou filhos de escravos, pois a perda de direitos individuais não feria os princípios da democracia ateniense.

(04) Na sociedade ateniense, as três principais classes sociais eram representadas por: cidadãos nobres, homens livres nascidos de pai e mãe ateniense; metecos, estrangeiros autorizados a viver na Ática; e escravos, prisioneiros de guerra ou filhos de escravos.

(08) Drácon publicou as primeiras leis escritas em Atenas e com elas reforçou o direito dos nobres de interpretar as leis segundo as próprias conveniências, dando origem à tirania e ao adjetivo “draconiano”, que significa severo, rígido.

(16) As manifestações de descontentamento com as leis de Drácon fez com que a administração de Atenas fosse confiada ao arconte Sólon, que realizou importantes reformas: proibiu a escravização de pessoas endividadas e perdoou as dívidas dos pequenos lavradores, devolvendo-lhes as terras perdidas. (32) As reformas implantadas por Sólon foram rechaçadas pelos tiranos, nobres empobrecidos pelas decisões democráticas, tomadas em praça pública e com a participação de toda a população de Atenas.

SOMA = _____

03. Frank Miller inspirou-se na verdadeira Batalha de Termópilas, ocorrida em 438 a.C, na Grécia, para escrever “Os 300 de Espar-

ta”. A adaptação da história em quadrinhos de Miller foi levada ao cinema, em 2006, pelo diretor Zack Snyder, com o título “300”. A respeito do contexto das Guerras Médicas (500-479 a.C), tema abordado no filme, assinale a alternativa correta. (A) O domínio e a expansão naval fenícia ameaçavam a hegemonia da Grécia sobre o mar Egeu, o que ocasionou a formação de uma aliança defensiva grega.

(B) Desenvolvendo uma política imperialista, Atenas entrou em conflito com Esparta que, agrária e oligárquica, permaneceu fechada à expansão territorial.

(C) O expansionismo persa, que já havia dominado cidades gregas da Ásia Menor e estabelecido o controle persa sobre rotas comerciais do Oriente, ameaçava a soberania da Grécia, tornando inevitável o conflito grego-pérsico.

(D) Esparta, por priorizar a formação física e militar, cultivando no indivíduo o patriotismo incondicional ao Estado, liderou a ofensiva grega contra os assírios, que ameaçavam as instituições democráticas gregas.

(E) O forte espírito militarista presente na cultura helenística e difundido em todas as pólis gregas permitiu que, no conflito contra os medos, a Grécia obtivesse a supremacia militar e se sagrasse vencedora.

04. Analise o texto abaixo que representa a história dos deuses gregos Perséfone (Deusa das estações do ano) e Hades (Dono do mundo subterrâneo ou do inferno).

Mito de Perséfone: Perséfone foi raptada do Olímpo por Hades. Sua mãe, Demétris (deusa da agricultura), entristeceu e acabou por se descuidar de suas tarefas, deixando as terras tornaram-se estéreis. Também Perséfone recusou-se a ingerir qualquer alimento, em sinal de sua não aceitação a Hades. Deméter, junto com Hermes, foram buscá-la do mundo dos mortos. Contudo, Perséfone havia comido uma romã e daí concluiu-se que não tinha rejeitado inteiramente Hades. Assim, estabeleceu-se um acordo: ela passaria metade do ano junto a seus pais, quando seria a eterna adolescente cheia de vida, e o restante do ano com Hades, quando se tornaria a sombria Perséfone. Este mito justifica o ciclo anual das estações do ano e das colheitas para os antigos gregos. (Tradução livre da www.wikipedia. http://pt.wikipedia.org/wiki/Pers%C3%A9fone acessada em 30/05/2009).

Por seus conhecimentos e pelo texto acima, é correto afirmar que, para os gregos, as diferentes estações do ano significavam épocas em que: (A) às vezes se plantava e colhia com abundância (no verão quando imperava o casamento de Hades e Perséfone no fogo do inferno) e às vezes não se fazia nada (quando Perséfone estava no Olimpo com sua mãe e a terra vivia o inverno).

(B) igualmente se plantava e colhia em todas as estações. Isto se justifica, porque Perséfone, ao comer a romã, trouxe fertilidade ao reino de Hades e, no Olimpo, ela já existia devido à presença de Demétris, deusa da agricultura.

(C) ora existia vida, calor e fertilidade na terra (quando Perséfone estava junto com sua mãe Demétris), ora havia tristeza, frio e infertilidade na terra (quando a mesma deusa ia para o trono de Hades).

(D) havia momentos de tristeza e do uso do trabalho escravo para se plantar na terra (no inverno quando Perséfone melancólica estava ao lado de sua mãe no Olimpo) e outra época das pragas e frio na terra quando Perséfone ia para o reino de Hades e não se podia plantar nada.

108

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


05. “Atenas era uma cidade extraordinariamente cosmopolita. Um ateniense poderia observar milhares de imigrantes temporários e permanentes de outras cidades gregas ou de terras não gregas trabalhando a sua volta, muitas vezes fazendo exatamente o mesmo trabalho que ele, sem, contudo, compartilhar de nenhum de seus direitos de cidadão. A característica mais marcante da cidadania ateniense é que, quando viajava para além dos limites de sua própria pólis, era imediatamente privado de seus direitos políticos”. (JONES, Peter V. O mundo de Atenas: uma introdução à cultura clássica ateniense. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 156) (Grifo do Autor)

No que se refere à democracia ateniense, é correto afirmar que:

(A) apesar da não inclusão de estrangeiros na cidadania ateniense, as leis da pólis ateniense eram amplas e incluíam direitos e deveres dos metecos.

(B) o cosmopolitismo ateniense contribuiu para diversos avanços intelectuais e econômicos da cidade-estado ateniense, mas não interferiu na constituição de um sistema político democrático que realmente incluísse estrangeiros, mulheres e escravos na cidadania.

(C) a manutenção da escravidão durante a vigência da democracia ateniense foi um fator impeditivo e desestruturante do regime democrático na cidade-estado.

(D) a transição da Aristocracia para a Democracia, na Atenas do período clássico, se baseou nas reformas de Drácon e Sólon, que pretendiam restringir o poder dos eupátridas (nobres), em favor da ampliação dos direitos dos cidadãos: homens, mulheres, nativos e estrangeiros.

(E) a cosmopolita sociedade ateniense do século V a.C. deu origem à democracia como regime político derivado da convivência multicultural de nativos atenienses e estrangeiros, chamados metecos, oriundos de civilizações mediterrâneas diversas.

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 06. A civilização grega atingiu extraordinário desenvolvimento. Os ideais gregos de liberdade e a crença na capacidade criadora do homem têm permanente significado. Acerca do imenso e diversificado legado cultural grego, é correto afirmar que: (A) a importância dos jogos olímpicos limitava-se aos esportes; (B) a democracia espartana era representativa; (C) a escultura helênica, embora desligada da religião, valorizava o corpo humano; (D) os atenienses valorizavam o ócio e desprezavam os negócios; (E) poemas, com narrações sobre aventuras épicas, são importantes para a compreensão do período homérico.

07. A filosofia ocidental. Um de seus filósofos nada escreveu; sua doutrina só chegou até nós através de seus discípulos. Suas máxi-

mas são “Só sei que nada sei” “Conhece-te a ti mesmo”. Foi condenado à morte, acusado de corromper a juventude. Esse filósofo foi: (A) Aristóteles; (B) Heródoto; (C) Platão; (D) Sócrates; (E) Xenofonte.

08. O século V a.C., em Atenas, caracterizou-se, entre outras coisas, por um acelerado desenvolvimento de suas atividades culturais. Destacaram-se, entre as inúmeras construções, o Partenon, o Erecteu, as muralhas. O que mais contribuiu para que os atenienses tivessem esse desenvolvimento foi (foram): (A) os imensos recursos provenientes de seus aliados da Confederação de Delos; (B) a rivalidade cultural entre Esparta e Atenas; (C) o espírito ateniense voltado sempre para o belo; (D) a imposição de Péricles, amante das belas artes e chefe de Atenas, nesta fase de sua história; (E) a conquista da Pérsia, cujos sábios e arquitetos foram levados para Atenas.

09. A Confederação de Delos, organizada após a vitória dos gregos sobre os persas, teve como conseqüência: (A) a supremacia de Atenas sobre as cidades helênicas; (B) uma duradoura aliança comercial entre os gregos e persas no Mediterrâneo; (C) a hegemonia de Esparta, estendendo seu poder político sobre toda a Grécia; (D) a aliança de Esparta e Atenas por motivos estratégicos; (E) a fortificação de Esparta como principal região estratégica sobre a Grécia.

10. Sobre as cidades-estados ou pólis da Grécia Antiga, é correto afirmar que: (01) a tripartição do governo em uma ou mais assembléias, um ou mais conselhos e em determinados magistrados escolhidos entre homens elegíveis, foi uma de suas principais características;

(02) a participação direta dos cidadãos no processo político das cidades-estados marcou profundamente a história das pólis no Período Clássico; (04) a inexistência de uma separação absoluta entre órgão de governo e de justiça, e o fato de que a religião e os sacerdócios integrarem o aparelho do Estado, também caracterizam as cidades-estados do Período Clássico;

(08) as pólis também consolidaram a liberdade individual e a igualdade social entre todos os seus habitantes (cidadãos, estrangeiros e escravos; homens e mulheres), sendo a primeira experiência de verdadeira democracia na história da humanidade;

(16) os poemas Ilíada e Odisséia, escritos por Homero, são fontes textuais de grande importância para o conhecimento do processo de desintegração dos genos, unidade social básica da época anterior ao Período Arcaico, e do surgimento da pólis.

SOMA = _____

11. Leia o trecho abaixo: Numerosas são as maravilhas da natureza, mas de todas a maior é o homem! Singrando os mares espumosos, impelido pelos ventos do sul, ele avança, e arrasta as vagas imensas que surgem ao redor! Géia, a suprema divindade, que todas as mais supera, na sua eternidade, ele [o homem] a corta com suas chamas.. (Sófocles, Antígona. São Paulo. Edições de Ouro, S.d. p. 164)

Com base no texto, a respeito da cultura grega, é correto afirmar que:

(A) a força de expressão da cultura erudita extinguiu a influência e a herança da mitologia; (B) o valor da ação humana dependia de sua adaptação às imposições estabelecidas pela religião; (C) a liberdade de expressão, na Grécia, destacava o homem como a medida de todas as coisas; (D) a unidade política grega e a centralidade do poder decorriam da valorização do homem; (E) a democracia grega estimulou as reações contra o politeísmo. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

109


12. Para se entender o modelo da Cidade-Estado grega, teremos que esclarecer que não havia práticas exatamente iguais para todas. Tomemos como exemplo os modelos mais conhecidos: Esparta e Atenas. Assinale a(s) alternativa(s) correta(s): (A) Esparta era governada por uma diarquia, ou seja, dois reis pertencentes a famílias rivais. (B) Em Atenas, o conselho de anciões, ou Gerúsia, fazia as leis e julgava as disputas que surgissem. (C) Os espartanos maiores de 30 anos participavam da Ápela, assembléia que se reunia para aprovar ou rejeitar os projetos de lei que a Gerúsia elaborava.

(D) Os atenienses sempre foram governados pelo basileu, líder máximo da sociedade, ao qual cabia realizar as principais funções administrativas. (E) Na Cidade-Estado ateniense, o basileus tinha apenas a função religiosa; seu poder era limitado pelos eupátridas, os “bem nascidos”.

13. A migração é uma forma de escapar às questões complicadas que dizem respeito à propriedade das terras, ao perdão de dívidas e às partilhas; porém, quando uma cidade antiga tem que legislar sobre esses assuntos, deve fazê-lo a longo prazo e de maneira cautelosa, para não provocar conflitos. (ACKER; Tereza Van. Grécia. A vida cotidiana na Cidade-Estado. São Paulo: Atual, 1994. p. 63. Adaptado de Platão, As leis.)

O estudo dos movimentos populacionais revela bem mais que o mero deslocamento de povos em um território. Há uma lógica política que procura responder aos conflitos inerentes à vida social. Acerca dos embates políticos e dos movimentos migratórios na Grécia Antiga (VI a IV aC), julgue os itens: (A) Em Atenas, os conflitos políticos deixaram de ser uma mera questão privada. A formação da pólis definiu um conjunto de regras e de leis escritas que deveriam ser aceitas e obedecidas pelo conjunto dos cidadãos.

(B) Em Atenas, as migrações representam uma estratégia de resolução das tensões sociais, possibilitando a distribuição de terras e a resolução dos conflitos políticos por meio de concessões feitas ao povo.

(C) O expansionismo de Atenas teve como resultado a formação de um Império centralizado, rompendo com a fragmentação política que marcava a organização das cidades-estados.

(D) A propriedade da terra era considerada o fundamento do regime democrático e a distribuição de terras nas colônias rompeu com o regime escravista, que, gradualmente, foi substituído pelo trabalho de pequenos proprietários.

14. Através da filosofia, os gregos instituíram para o Ocidente europeu as bases e os princípios fundamentais do que chamamos razão, racionalidade, ciência, ética, política, técnica, arte. (Marilena Chauí . Convite à Filosofia.)

Com base nessa afirmação, assinale a(s) alternativa(s) correta(s):

(A) através dos mitos, os gregos antigos procuravam explicar a origem do mundo e dos fenômenos naturais. Aos poucos, estas explicações foram sendo substituídas por categorias lógicas e racionais;

(B) filósofos gregos procuravam respostas para as questões sobre a origem do mundo. Estes fazem parte da primeira fase da filosofia grega, conhecida como pré-socrática ou cosmológica;

(C) no final do século V a.C., teve início a segunda fase da filosofia grega, conhecida como socrática ou antropológica. Neste período, os filósofos passaram a se preocupar também com os problemas relacionados ao indivíduo e à organização da humanidade;

(D) Sócrates foi um dos filósofos mais procurados na Grécia Antiga, por ajudar as pessoas a resolverem seus problemas, levando-as a encontrarem suas próprias respostas. Por incentivar o raciocínio, foi perseguido pelas autoridades atenienses, julgado e condenado à morte;

(E) a filosofia na Grécia teve ainda no século IV a.C. a sua terceira fase: a sistemática. Aristóteles, discípulo de Platão, é o principal representante desse período.

15. A Grécia é considerada o berço da civilização ocidental contemporânea, tendo exercido grande influência, principalmente, so-

bre as sociedades européias. Sobre a Grécia Antiga, assinale a(s) alternativa(s) correta(s): (A) A Grécia não possuía um Estado Nacional Unificado, sendo composta por várias cidades independentes, entre as quais se destacaram Atenas e Esparta.

(B) A democracia grega era ampla, admitindo a participação de todas as pessoas no processo político. (C) Um dos principais motivos da expansão grega foi a escassez de terras férteis em território grego que promoveu a criação de inúmeras colônias às margens do mar Mediterrâneo.

(D) As cidades gregas não lutavam entre si, concentrando seus esforços bélicos somente para subjugar outro povo ou se defender de agressões externas.

ANOTAÇÕES

110

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


CAPÍTULO 15 A POLÍTICA MEDIEVAL Há pelo menos três propostas para analisar a inauguração do que virá a ser chamado de Idade Moderna, ou pensamento Moderno, ou ainda Modernidade. A primeira é a tese que defende que a modernidade alicerçou seus conceitos na filosofia e na política medievais e que no contexto das revoluções e disputas nascem os conceitos políticos e ideológicos. Uma segunda tese afirma que a política moderna está associada à teologia política medieval, que desenvolve uma ciência da teologia, sobre a qual irão se fazer as disputas de poder na formação das nações. E por fim uma terceira tese que vê no Direito e na sua constituição, o caminho de construção desta modernidade ligada à cidadania. Tentaremos compreender a filosofia e a sociologia deste período ora optando por um dos viés de análise e ora por outro, uma vez que as particularidades dos autores deste período diferem também no método utilizado para sua aplicação à história do pensamento. Não há dúvida que a política medieval foi alicerçada no pensamento agostiniano e a insA disputa do poder pela espada tituição da Igreja que controla a política através das ações no gládio temporal que refletem no gládio espiritual. Esta situação permanece até pelo menos o século IX, no reinado de Carlos Magno, quando os reis não aceitam mais todo o poder político da Igreja. Nos séculos seguintes a disputa fica ainda maior e a base filosófica agostiniana passa a ser questionada - o instrumento são as traduções árabes de Aristóteles que chegam à Europa, principalmente através das teses de Averrois. É Tomás de Aquino quem se levanta contra os averroístas, cristanizando Aristóteles e se apegando a uma interpretação avicenista do filósofo grego. Marsílio de Pádua é um dos que vão se levantar contra esta posição da teologia tomista, fortalecendo uma tradição que havia começado no século XI de uma escola Jurista. Por faltarem argumentos para o rei, estes juristas começam a glosar (cortar) e interpretar o Direito Civil romano, nascendo com isso um movimento chamado de “glosadores”, buscando argumentos jurídicos para justificar o poder do rei sobre o poder do papa. Esses glosadores vão comentar a Digesto romano – uma espécie de código civil que era utilizado em Roma para controlar os assuntos públicos (res – publica, coisa de todos). O papado contra-ataca lançando as bases teóricas que vão formar o chamado Direito Canônico, quando em 1140 Graciano reúne as leis da Igreja, que estavam espalhadas em bulas papais, decretos dos concílios, copilando comentários que se transformam em Leis Canônicas. Seu discípulo, chamado Búcio, é quem vai continuar esta tradição canônica reintroduzindo o conceito agostiniano de plenituto potestatis, ou seja, novamente a intermediação entre dois gladios.

Separação Entre Estado E Igreja O argumento contrário, de Marsílio de Pádua é justamente a separação entre estes dois lados (gladios) ou seja, a separação dos poderes, cuja defesa faz surgir um conceito de nação já no século XIII. Os glosadores começam a questionar se o fato deve se adequar à lei ou, ao contrário, a lei deve se adequar ao fato. Bartolo, no século XIV vai defender que a lei deve se adequar ao fato e através de Felipe, o Belo, os juristas vão começar a arquitetar um conceito de Estado, cuja a base seria uma constituição legal – ou a lei. Na formação do Império (Estado) e dentro da Igreja começam duas disputas: na formação do Estado, o poder deveria estar centralizado na mão de um governante, no caso, o rei, e este teria o poder absoluto; ou o poder deveria estar na lei e inclusive o monarca estaria sob a regência desta; e na Igreja a disputa era se o papa deveria ter o poder absoluto ou o cargo era mais importante, sendo o papa apenas o representante de um concílio, ou, um coletivo de cardeais que formariam o papado. Estas disputas dão origem a teses absolutistas e constitucionalistas que vão se confrontar em diversos temas teológicos. Argumentam, por exemplo, contra a Inquisição (que teve início em 1194 por um decreto papal) que julgava as pessoas por heresia; os conciliaristas não aprovavam os julgamentos. Haveria portanto um limite na ação da Igreja que era justamente o limite do Estado, onde o sujeito seria um cidadão, antes de ser um cristão. Esta tradição jurista – especialmente os franceses a partir de Jean Gerson Bodin – vai copilar as leis civis para ir contra o poder absolutista. Os glosadores copilam as leis tradicionais dos feudos e as reúnem em um código legal, uma espécie de código de unificação do Estado. Há uma preocupação com a unificação do Direito e Bodin começa a defender um procedimento para esta unificação que vai ser chamado de “método para a fácil compreensão da história” que defende a tese constitucionalista, ou, que ninguém, nem o rei, pode estar acima da lei, deste código uno. Este movimento vai ser chamado de jus naturalismo, porque busca uma lei natural que não precisa estar escrita e que vai dar base para as demais leis – chamadas de positivas – porque vão impor algo a todos.

111


Jus Naturalismo

O poder do Papa sobre o poder do Rei

O direito natural defende que todos tem direito à vida e à liberdade, independente do rei ou papa, fato este que vai estar institucionalizado pelo conceito de habeas corpus (corpo livre). Para Bodin o método e as regras devem seguir a lei do Direito Natural, porém, devido a chamada “Noite de São Batolomeu”, em 1572, quando os cristãos protestantes (chamados na França de huguenote) foram massacrados pelos cristãos católicos, o jurista francês muda de idéia. Em seus seis livros da República, Bodin passa a defender o soberano, o monarca como detentor do poder e da lei. Os homens é que colocam o poder nas mãos do rei, ao abrirem mão de seus direitos, delegando ao rei a soberania. Para contra-argumentar com o papa o rei usa agora o chamado “argumento de Adão” – Deus deu primeiro o poder a um leigo, Adão e o rei é sucessor deste primeiro imperador, feito por Deus. O argumento da origem divina do poder do rei vem desta linha de raciocínio. A formação dos Estados Nacionais tem a ver portanto com a separação entre Igreja e Estado e a mudança do homem em relação a si próprio e a seu destino. Aqui nascem duas novas formas de se colocar diante da vida: a primeira é política, como se coloca diante do poder, e a segunda é sobre o conhecimento, o homem vai aos poucos, começar a dominar os fenômenos naturais. A saída da Idade Média vem com a marca do dualismo das concepções cristãs: a Cidade dos Homens (autoridade política) e a Cidade de Deus (poder divino). O reflexo disso é que a autoridade política funciona como um instrumento de Deus para a promoção da justiça e do bem e o seu exercício é humano, mas a sua origem e a sua finalidade são divinos. Em nome de construir o Reino de Deus na Terra; conduzir à salvação, corrigindo, como castigo e remédio, a natureza decaída do homem; instituir e fortalecer a fé e a moral cristã; a Igreja dominava os homens porque havia ainda a questão da obediência que se transformava em uma obrigação civil de ordem divina. Os soberanos também tinham limites de poder e deviam obedecer ao governo terreno e também às obrigações: seu poder não é ilimitado pois são responsáveis perante Deus pela tarefa de instaurar o reinado da justiça e da piedade. O conceito de justiça é o que distingue tiranos dos suseranos legítimos uma vez que o suserano medieval é mais um juiz e não um legislador. A justiça era definida pela lei e a lei era um conjunto de costumes baseados no direito natural inscritos pela fé no coração dos homens que deveria ter uma consciência coletiva. Por conta disso era natural também a fragmentação do poder pois não havia o Estado nacional com poder centralizado, mas grandes constelações de poderes locais autônomos, articulados em redes de suserania e vassalagem que formava uma sociedade hierárquica cujos papéis sociais são definidos por origem.

O Estado Como Ação Do Homem Estes estamentos - códigos distintos de direitos e deveres revelavam as relações contratuais comunitárias que obrigavam mutuamente cada categoria social conforme o seu estatuto específico – davam o caráter da sociedade da época de Nicolau Maquiavel (1469-1527). Era assim uma cristandade em decadência cujos conflitos entre o poder divino (Igreja) e o poder temporal (Estado) se davam em meio a um processo de formação do capitalismo em sua fase mercantilista. Por ser a sede do poder teológico, a Itália sofreu para se desvencilhar dele. Maquiavel percebeu que se a Itália não fizesse sua unificação política, tal qual havia feito Portugal, Espanha, Inglaterra e França, seria uma presa fácil nas mãos de ambiciosos reis que a cercavam. Dividida em principados independentes, cada um com sua milícia (corpo militar) e suas leis e moedas, a Itália desfrutava da riqueza originária de suas cidades portuárias, portas de entrada dos produtos do oriente para o resto da Europa. Os ricos governantes pagavam condittieri (chefe dessas milícias) para manter sob o seu domínio a população de seus principados, impondo-lhes as leis e as obrigações e impostos. Maquiavel foi uma espécie de funcionário público durante a passagem de um desses governantes no poder de Florença, um dos principados italianos – Soderini – que ao ser substituído pelos Médici, condena o pensador italiano ao esquecimento (lembrado depois por suas obras escritas neste período de ostracismo político). Em suas viagens representando Florença, Maquiavel pode conhecer os governantes de outras Nações e Estados em especial um condottieri dos Estados Pontifícios (da Igreja, Roma) chamado César Bórgia, cuja ação unificadora dos estados papais e sua forma de conduta diante de situações reais, faz com que sirva de exemplo para Maquiavel de atuação política em nome de um Estado.

112

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


Além da peça teatral A Madrágora, Maquiavel escreve duas obras políticas de capital importância: Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio; e O Príncipe. Este segundo livro, escrito em 1513 e dedicado a Lorenzo de Médici (um dos homens mais poderosos da Itália e que poderia assumir a missão de unificá-la em um Estado nacional) guarda em si uma grande controvérsia – passível de interpretações por vezes contraditórias. No desenvolvimento da tese da formação de um Estado Nacional há o entendimento que os soberanos locais são absorvidos pelo fortalecimento das monarquias e pela crescente centralização das instituições políticas (cortes de justiça, burocracias e exércitos) criando primeiro a idéia de um Estado absoluto que teria a missão de preservar a ordem de privilégios aristocráticos (mantendo sob controle as populações rurais), incorporando comerciantes e a vassalagem.

Um Estado Racional Maquiavel é o primeiro a olhar estas mudanças com racionalidade na busca de uma explicação para o êxito, sem se importar com valores éticos que os homens de seu tempo tem ao optarem por um cálculo de custo/benefício sem temer o castigo divino. Por isso para ele a Natureza humana era composta pela capacidade de força, astúcia e coragem deste Homem que é vil, mas é capaz de atos de virtude - mas não se trata da virtude cristã . Não incorpora a idéia da sociabilidade natural dos antigos gregos e reFlorença, aqui retratada por Canaletto, foi testemunha do surgimento da polítia moderna pela jeita ainda a concepção agostiniana de homem: pena de Nicolau Maquiavel, ao lado, em pintura de Borgo Sansepolcro, do século XVI não incorpora o dogma do pecado original e da natureza decaída da humanidade que pode se regenerar pela salvação divina. Em seus Discursos Maquiavel se ocupa de estudar a formação da República, uma invenção romana que é composta pela idéia central de separação entre uma esfera privada e outra pública. Um domínio (domus - casa) daquilo que está para dentro da casa, portanto privado, privativo, fechado, cercado e um outro da res publica, da coisa que é de todos, da porta para fora. Maquiavel parece rebater os argumentos históricos de Agostinho com exemplos de situações e problemas que Lorenzo de Médici, enquanto Príncipe, poderá enfrentar e parece querer aconselha-lho de como resolvê-los. A obra está dividida em 26 capítulos, que podem ser compostos em cinco partes, que segundo alguns analistas, vão 1) do capítulo I a XI que compreende a análise dos diversos grupo de principados e meios de obtenção e manutenção destes; 2) capítulos XII a XIV, que mostra uma discussão da análise militar do Estado; 3) capítulos XV a XIX que trata das prerrogativas sobre a conduta de um Príncipe; 4) capítulos XX a XXIII nos quais Maquiavel dá conselhos de especial interesse ao Príncipe; e 5) capítulos XXIV a XXVI que faz uma reflexão sobre a situação política da Itália em 1513. A leitura do livro é rápida e já na primeira parte (cap.I a XI), Maquiavel mostra, através de claros exemplos, a importância do exército, a dominação completa do novo território através de sua estadia neste; a necessidade da eliminação do inimigo que no país dominado encontrava-se e como lidar com as leis pré-existentes à sua chegada; o consentimento da prática da violência e de crueldades, de modo a obter resultados satisfatórios. Depois, na segunda (cap.XII ao XIV), reflete sobre os perigos e dificuldades que tem o Príncipe com suas tropas, compostas de forças auxiliares, mistas e nacionais, e destaca a importância da guerra para com o desenvolvimento do espírito patriótico e nacionalista que vem a unir os cidadãos de seu Estado, de forma a torná-lo forte. Do capítulo XV ao XIV, Maquiavel fala da necessidade de versatilidade que deve adotar o governante em relação às circunstâncias históricas – da temeridade dele perante a população à afeição, como medida de precaução à revolta popular, devendo o soberano apenas evitar o ódio; da utilização da força sobreposta à lei quanto disso dependeram condições mais favoráveis ao seu desempenho; e da sua boa imagem em frente aos cidadãos e Estados estrangeiros, de modo a evitar possíveis conspirações. Em seguida, constata-se um questionamento da utilidade das fortalezas e outros meios em vistas fins de proteção do Príncipe; o modo em que encontrará mais serventia em pessoas que originalmente lhe apresentavam suspeitas em contrapartida às primeiras que nele depositavam confiança; como deve agir para obter confiança e maior estima entre seus súditos; a importância da boa escolha de seus ministros; e uma espécie de guia sobre o que fazer com os conselhos dados, estes, raramente úteis, quando se considera o interesse oculto de quem os dá. Na última parte, que abrange os três capítulos finais, Maquiavel foge de sua análise propriamente na forma de um apelo à família Medici, de modo que esta adote resoluções em favor da libertação da Itália, dominada então pelos que chamou de bárbaros. Para Maquiavel não se manifesta uma perspectiva teleológica à humanidade que não tem um objetivo a ser atingido. A política, portanto, não admite a teleologia cristã, o caminho da salvação, a construção do Reino de Deus entre os homens. Também não pensa a história sob a perspectiva dos modernos: não menciona a idéia do progresso à estrutura cíclica. Maquiavel mostra pela primeira vez a política como esfera autônoma da vida social, não sendo pensada a partir da ética nem da religião, rompendo com os antigos e com os cristãos. Não é pensada também no contexto da filosofia, passa a ser campo de estudo independente que tem regras e dinâmica próprias, diferente de considerações privadas, morais, filosóficas ou religiosas. Política passa a ser a esfera do poder por excelência cuja atividade constitutiva da existência coletiva, tendo prioridade sobre todas as demais esferas. Em Maquiavel é uma forma de conciliar a natureza humana com a marcha inevitável da história. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

113


Em O Príncipe isto fica claro quando, em 26 capítulos curtos, analisa a história de grandes conquistadores e seus exemplos em situações concretas, para compor uma espécie de manual de condução política para conquistar territórios em vista de uma unificação da Itália e por fim a manutenção desta nova situação política em um Estado Nacional. Há uma concepção da História em Maquiavel que tem uma perspectiva cíclica, pessimista: tudo se degenera, se sucede e se repete fatalmente. Todo princípio corrompe-se e degenera-se e isto só pode ser corrigido por acidente externo (fortuna) ou por sabedoria intrínseca (virtu). Daí a ação do príncipe deva ser virtuosa (no sentido de agir em nome do coletivo, a unificação da Itália, o bem maior) para debelar as ações externas (fortuna), o acaso, a sorte, as circunstâncias materiais da história. Para isso este príncipe pode tudo, devendo inaugurar uma Ética do Estado – que age com sua própria razão – de uma Ética da Igreja – que é cristã, que perdoa, que vê o outro como irmão. Esta nova Ética do Estado, pressupõe a existência de uma esfera pública (onde se dá o poder entre os homens - política) e uma esfera privada (da consciência do sujeito – moral) que se separam definitivamente. A discussão começada por Maquiavel é muito atual hoje. Em seriados como “24 horas” a situação limite entre o público e o privado, o interesse coletivo e os direitos individuais, o Estado e a liberdade, está presente e segue a lógica maquiaveliana. A própria Itália não deu importância a esta discussão e O Príncipe, que foi dedicado a Lourenço II (1492-1519), potentado da família dos Médici e duque de Urbino, não chegou a ser lido, pois ele não teve tempo de aprender-lhe as lições. Porém, talvez outros souberam aproveitá-lo, como o monarca inglês Henrique VIII e Catarina de Médici, rainha-mãe da França, que teria seguido os ensinamentos de Maquiavel ao jogar católicos contra protestantes e ordenar o famoso massacre de 1572. Com isso manteve a soberania para os filhos, indolentes e incapazes de agir maquiavelicamente como a mãe. Ela era filha de Lourenço, ao qual tinha sido dedicada a obra que certamente leu interessada, segundo alguns comentadores. Isso talvez possa explicar porque a Inglaterra e a França fizeram a separação política necessária para a implementação de um contrato social e um liberalismo econômico.

AVALIE SEU CONHECIMENTO 01. Maquiavel inaugura o pensamento político moderno. Secu-

lariza a política, rejeitando o legado ético-cristão. Maquiavel tem uma visão do homem e da política como elas são e não como deveriam ser. A política deve ater-se ao real, deve preocupar-se com a eficiência da ação e não teorizar, como fazia Platão, sobre a forma ideal de governo. Assinale o que for correto. (01) Para Maquiavel, o príncipe virtuoso é aquele que governa com justiça, estabelecendo, entre seus súditos, a igualdade social e uma participação político-democrática. (02) Maquiavel redefine as relações entre ética e política,não julga mais as ações políticas em função de uma hierarquia de valores dada de antemão, mas em função da necessidade dos resultados que as ações políticas devem alcançar. (04) Maquiavel faz a apologia da tirania, pois considera ser a forma mais eficiente de o príncipe manter-se no poder e garantir a segurança da ordem social e política para seus súditos. (08) Na concepção política de Maquiavel, não há uma exclusão entre ética e política, todavia a primeira deve ser entendida a partir da segunda. Para ele, as exigências da ação política implicam uma ética cujo caráter é diferente da ética praticada pelos indivíduos na vida privada. (16) Para Maquiavel, a sociedade é dividida entre os grandes, isto é, os que possuem o poder político e econômico, e o povo oprimido. A sociedade é cindida por lutas sociais, não pode, portanto, ser vista como uma comunidade homogênea voltada para o bem comum.

SOMA = _____

02. Sobre a Filosofia medieval, é correto afirmar: (A) A fé se torna elemento central para a filosofia. (B) A origem do conhecimento está na inspiração. (C) A perscrutação é um exercício filosófico inútil. (D) O pecado original impede o acesso à verdade. (E) A razão e os sentidos obscurecem as verdades da fé.

03. Com relação à ética em Maquiavel, é correto afirmar: (A) O julgamento de uma atitude que parecia boa, não pode mostrá -la como má, posteriormente.

(B) As atitudes dos governantes devem estar subordinadas a uma lei superior e a vida humana destinava-se à salvação da alma.

(C) As atitudes podem ser chamadas de boas ou más de acordo com os interesses do príncipe que ocupa o poder.

(D) A finalidade das ações dos governantes é a manutenção da pátria e o bem geral da comunidade.

(E) O Estado não pode praticar todo tipo de violência contra os seus cidadãos ou contra outros Estados, pois deve agir de acordo com os princípios cristãos.

114

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

04. Acerca do pensamento político de Maquiavel, assinale a al-

ternativa INCORRETA. (A) Maquiavel era um defensor da burguesia, e na sua obra afirmou que a melhor forma de governo era a Monarquia.

(B) A filosofia política de Maquiavel tinha como modelo as ciências naturais que estavam em plena descoberta (física, medicina, etc.), estabelecidas por Galileu e com o próprio ideal renascentista de domínio da natureza. (C) Para Maquiavel, se há uniformidade nas leis gerais das ciências naturais, também deveria haver para as ciências humanas. Isso seria necessário para manter a ordem dentro do Estado burguês então nascente, que precisava desenvolver suas atividades e prosperar. (D) O Renascimento trouxe uma série de inovações no campo cultural. Uma delas foi desenvolvida por um autor italiano, Maquiavel, que procurava fundamentar uma filosofia política tendo em vista a dominação dos homens.

05. Analise os itens a seguir referentes à Obra de Maquiavel. I. Para Maquiavel, o Estado está surgindo como uma organização de dominação e como expressão máxima da violência. O Estado é a única organização cuja ação mobiliza todos, visto que dispõe de todos os meios e bens materiais de gestão e coação. II. Foi o primeiro grande pensador moderno e precursor da ciência política. III. O Príncipe é colocado no plano das paixões entre o ser amado e temido. O desejo de poder é algo que se coloca muitas vezes de modo insaciável, requer certa precauções, como o temor ao desprezo e ao ódio. Por outro lado, Maquiavel, ao colocar a exploração no plano político onde os grandes têm o desejo de dominar e governar, nos remete a uma relação de antagonismo e de complementaridade. Uma boa sociedade em tal perspectiva seria aquela que procura se consolidar e onde o “poder” do Príncipe é algo que emana da própria sociedade. IV. A perspectiva de Maquiavel aponta que a política não comporta voluntarismos, posto que a ação do homem em Maquiavel é marcada pelo cálculo e pelas circunstâncias que permitem a ação política. Fortuna e virtú são meios e fins da ação política, nos aponta Maquiavel, sendo a virtù a capacidade, qualidade de força social, de realização de uma razão calculada, e a fortuna, a ocasião concreta para a realização da ação política do homem dotado de virtù. É a circunstância que permite a eficácia da iniciativa política.

Assinale a opção que indica os itens corretos. (A) I, II e IV (C) I, II e III (B) II e IV (D) Todos os itens são corretos.


EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 06. O florentino Nicolau Maquiavel, em sua obra mais conhecida,

fundamentou uma filosofia política baseada na dominação dos homens, onde o conhecimento fosse aplicado à política tendo como modelo as ciências naturais com aplicação das leis gerais das ciências naturais também nas ciências humanas. Nesta obra, colocou a ação política em primeiro lugar, construída pela soma da virtude e da fortuna e o rompimento com a moral social. Para ele, a moral e a virtude não deveriam limitar a ação política, separando a moral da política, deve-se pensar na estabilidade social e manutenção do poder a todo custo. Segundo ele, “Um príncipe

não deve, portanto, importar-se por ser considerado cruel se isso for necessário para manter os seus súditos unidos e com fé. Com raras exceções, um príncipe tido como cruel é mais piedoso do que os que por muita clemência deixam acontecer desordens que podem resultar em assassinatos e rapinagem, porque essas consequências prejudicam todo um povo, ao passo que as execuções que provêm desse príncipe ofendem apenas alguns indivíduos” (MAQUIAVEL, 2002, p. 208). A essência de sua obra é saber para quem serve a ciência política e o que fazer para se manter no poder, onde os “os fins justificam os meios”. Das obras a seguir, qual foi escrita por Nicolau Maquiavel? (A) O Leviatã. (D) Utopia. (B) O Príncipe. (E) Manifesto Comunista. (C) Elogio da Loucura.

07. O desejo de responder racionalmente às curiosidades huma-

nas levou ao nascimento da Filosofia. As respostas aos fenômenos, mistérios, forças sobrenaturais e a fé estavam fundamentadas no mito, não suportando esses questionamentos sobre suas causas primeiras. Assim, a Filosofia enfrentou as tradições e o mito para contestar as verdades tidas como absolutas. Aproximadamente no século VI a.C., tem-se notícia de Tales de Mileto, considerado primeiro filósofo, que teria afirmado que “todas as coisas são feitas de água [...] e assim começam a Filosofia e a Ciência”. Assim, Tales de Mileto praticava uma Filosofia voltada à compreensão dos fenômenos naturais. Portanto, a Filosofia significando amor fraterno e sabedoria moldou o pensamento ocidental nas obras de Sócrates, Aristóteles e Platão, como base para a Filosofia Medieval, Renascentista, Moderna e Contemporânea. Em que alternativa todos os livros citados foram escritos por Aristóteles? (A) Política; Ética a Nicômaco; Poética. (B) Cartas sobre a Tolerância; Dois Tratados sobre o Governo; Ensaio Acerca do Entendimento Humano.

(C) Discurso Sobre a Origem da Desigualdade Entre os Homens; Do Contrato Social; Emílio.

(D) O Capital; A Ideologia Alemã; Miséria da Filosofia. (E) O Espírito das Leis; Cartas Persas; História Verdadeira.

08. O período medieval é considerado como a “fundação” do Oci-

dente e sem uma análise profunda de suas raízes e rupturas não se entende o confuso tempo moderno ou mesmo contemporâneo. Conceitos modernos como a igualdade das mulheres, direito e dignidade do trabalho, e a igualdade perante a Lei, as responsabilidades pessoais e o próprio conceito de indivíduo no corpo social não podem ser entendidos sem raízes na Idade Média. Um dos principais filósofos medievais foi Santo Agostinho. Sobre sua filosofia, analise as afirmativas e marque V para as verdadeiras e F para as falsas. ( ) A filosofia desenvolvida por Agostinho ficou conhecida como Escolástica.

( ) Agostinho desenvolveu todo um corpo teórico pautado na teologia. ( ) Agostinho acreditava que a história humana é totalmente controlada pela vontade de Deus e pelo individualismo.

( ) Agostinho incorporou as teses aristotélicas ao pensamento cristão, portanto, foi fortemente influenciado por Aristóteles.

A sequência está correta em (A) V, F, F, V (C) F, V, V, V (B) V, F, V, F (D) F, V, F, V

(E) F, V, F, F

09. Com o rompimento do pensamento escolástico sobrevém a Idade Moderna com o todo o seu aparato ideológico positivo, empírico, prático. No campo político, inaugura-se uma série de novas formas, de regimes diversos do modelo Aristotélico nas suas mais variadas apresentações através da história. Os três maiores vultos ao lado de uma galeria de outros, que canalizam a mudança de cenário político são: Thomas Hobbes, John Locke e Montesquieu. Cada uma com sua peculiaridade de princípios, mesmo antagônicos, demonstram a pujança de ideias desenvolvidas pela marcha da burguesia ao poder. (Nunes, César Aparecido. Aprendendo Filosofia. 2ª ed. Campinas: Papirus, 1987. p. 73 a 76.)

Analise os fragmentos e, em seguida, indique qual(is) é(são) o(s) que trata(m) da teoria desenvolvida por Hobbes. I. Possui sempre posições radicais e, em sua moral, afirma que o homem é o lobo do próprio homem. II. O poder do rei é legitimado divinamente e, por isso, não erra em questões ligadas à sua missão. Está submetido a doutrina do direito divino. III. A minha liberdade termina quando começa a liberdade de outrem. IV. Os homens devem fazer um pacto social que garanta o direito de todos e, para que não haja briga pelo poder, é necessário que todos abdiquem de seus direitos, submetendo a uma vontade única.

Está(ão) correta(s) apenas a(s) afirmativa(s) (A) I. (C) I e IV. (E) III e IV. (B) II. (D) II e III.

10. “Assim é necessário a um príncipe, para se manter, que aprenda a poder ser mau e que se valha ou deixe de valer-se disso segundo a necessidade” [...] “E ainda que não se importe em incorrer na fama de ter certos defeitos, defeitos estes sem os quais dificilmente poderia salvar o governo, pois que, se se considerar bem tudo, encontrar-se-ão coisas que parecem virtudes e que, se forem praticadas, lhe acarretariam a ruína, e outras que poderão parecer vícios e que, sendo seguidas, trazem a segurança e o bem-estar do governante”. (MAQUIAVEL. O Príncipe. In: Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 64).

Assinale a alternativa incorreta: (A) Para Maquiavel, a psicologia desenvolvida em torno do poder fundamenta o conhecimento secular e autônomo do político e o separa radicalmente da ética e do direito. (B) Um príncipe deve aprender a ser cruel se necessário e, mesmo, aceitar a ser visto assim por seus súditos. Uma crueldade que deve ser calculada e nunca ditada pelo medo ou pela barbárie, nem ultrapassando a estrita necessidade. (C) Um governante não deve, segundo Maquiavel, preocupar-se em cultivar as ditas virtudes morais, uma vez que o controle das paixões representa um freio para o exercício efetivo do poder, devendo por isso, deixar-se levar pelo impetus. (D) Maquiavel recusa a prioridade da ética sobre a política que havia caracterizado o pensamento clássico. (E) À semelhança dos renascentistas preocupados em fundar uma nova ciência física, o pensador florentino rompe com o pensamento escolástico anterior, através da defesa de um método de investigação empírica, propondo estudar a sociedade pela análise efetiva dos fatos humanos, sem perder-se em vãs especulações.

11. Durante a filosofia medieval, uma das mais constantes dis-

cussões foi aquela sobre a relação entre fé e razão, já que, em princípio, cada uma delas parecia uma via distinta para se alcançar Deus ou a verdade. O pensamento religioso, nesse momento da história, refletiu sobre a sua interação com o entendimento argumentativo da filosofia. Conforme observa Danilo Marcondes na sua Iniciação à história da filosofia, Santo Agostinho adotou uma posição decisiva nesse contexto, postulando que, quanto aos ensinamentos religiosos, deve-se adotar o seguinte procedimento: (A) primeiro acreditar para depois compreender. (B) primeiro compreender para depois acreditar. (C) acreditar e compreender simultaneamente. (D) somente compreender, sem jamais acreditar. (E) somente acreditar, sem jamais compreender. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

115


12. Durante a filosofia escolástica, destaca-se o nome de Guilher-

me de Ockham, por conta de seu pensamento pautado por um princípio de economia. Segundo Etienne Gilson, em A filosofia na Idade Média, Ockham não se cansava de repetir que, se quisermos uma proposição que nos garanta, ao mesmo tempo, a sua verdade e a realidade que ela afirma, precisaremos de uma: (A) evidência imediata. (B) mediação especulativa. (C) criação artística. (D) fé inesgotável. (E) reflexão subjetiva.

13. Observe essas máximas de Filosofia Política. “Não espere

seu inimigo atacar, ataque-o primeiro”; “O bem, faça-o aos pouquinhos, o mal, faça-o de uma vez”; “Para um príncipe é mais importante parecer bom do que ser bom”; “O inimigo, tenha-o bem perto ou bem longe, nunca à meia distância”; “Para se conservar como um príncipe, aprenda a ser mau, e se sirva disso conforme a necessidade”; É melhor e mais seguro ser temido do que ser amado”. Essas máximas podem receber várias explicações à luz da Filosofia Política. As ideias citadas anteriormente foram apresentadas em uma única obra por: (A) Montesquieu. (C) Voltaire. (B) Maquiavel. (D) Montaigne.

ANOTAÇÕES

116

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

14. Durante quase toda a Idade Média, o pensamento teológico -político de Santo Agostinho se manteve predominante. De acordo com a doutrina agostiniana da política, é correto afirmar que: (A) Os reis não estão submetidos às leis divinas, mas sim, e tão somente, os seus súditos.

(B) Os súditos têm o direito natural de combater os reis quando esses exercem sobre eles um poder tirânico e injusto.

(C) A finalidade de toda comunidade política é a felicidade terrena. (D) Os reinos terrenos derivam do Pecado humano, e por isso são tão degradados quanto os homens que os fundaram.

(E) A cidade terrena foi fundada pela natureza, que fez o homem um animal social.

15. Sobre o pensador Nicolau Maquiavel, é correto afirmar: (A) Considerava que o político deveria agir com energia e vivacidade para alcançar o poder.

(B) Afirmava que cabe ao político utilizar todos os meios permitidos pela moral cristã para atingir seus objetivos.

(C) Considerava que os homens ofendem mais às pessoas que temem do que aos indivíduos que amam.

(D) Sua obra promove a autonomia da política em relação à religião, mas defende a sua subordinação à ética.

(E) Descreveu um modelo político ideal que deveria ser seguido por todos os monarcas do seu tempo.


CAPÍTULO 16 AS FORMAS DE GOVERNO E O SURGIMENTO DO ESTADO MODERNO Agora vamos tentar entender a organização social e política tendo em vista a concepção Moderna de Contrato Social. Para isso é necessário primeiro notar que há uma diferença fundamental entre a concepção da democracia concebida pelos pensadores modernos, que combateram o Antigo Regime com a Revolução Francesa, e a democracia concebida pela Antiguidade Clássica grega em Atenas. Essa diferença caracteriza-se, entre outras coisas, pela maneira de articular a relação entre a esfera pública e a esfera privada da sociedade. A democracia ateniense era limitada, pois impedia o acesso à esfera pública de um grande contingente da população, composto pelas mulheres, pelos escravos e pelos estrangeiros, todos eles relegados à vida privada. O homem grego realizava-se como cidadão participando da esfera pública, era nela que adquiria notoriedade e podia afirmar sua individualidade como homem livre. Na esfera pública, a relação entre os cidadãos era regida pelo princípio de igualdade diante da lei e do igual direito à palavra. Os cidadãos formavam uma assembléia em que a prática da violência estava excluída. Na esfera privada, esses princípios eram negados. Benjamin Constant (1776-1830), ao conceber um sistema de governo fundamentado na representatividade, pretendia resolver, no Estado moderno, as relações entre a esfera privada e a esfera pública, dando ao cidadão a liberdade de participar diretamente da esfera pública ou de delegar essa prerrogativa para dedicarse exclusivamente aos negócios da vida privada. A república democrática representativa – que deveria, em princípio, Hobbes, Locke e Rousseau forma o trio dos chamados contratualistas modernos ampliar a liberdade política por permitir ao cidadão escolher entre a dedicação à vida privada ou à vida pública – apresentou inicialmente um caráter de exclusão sociopolítica semelhante à da democracia ateniense. Isso se considerar que, em duas das maiores potências mundiais, isto é, na França e na Inglaterra, as mulheres alcançaram plena cidadania pelo sufrágio universal só depois da Segunda Guerra Mundial. Mas este Estado Moderno começa bem antes. A saída da Idade Média vem com a marca do dualismo das concepções cristãs: a Cidade dos Homens (autoridade política) e a Cidade de Deus (poder divino). O reflexo disso é que a autoridade política funciona como um instrumento de Deus para a promoção da justiça e do bem e o seu exercício é humano, mas a sua origem e a sua finalidade são divinos. Em nome de construir o Reino de Deus na Terra; conduzir à salvação, corrigindo, como castigo e remédio, a natureza decaída do homem; instituir e fortalecer a fé e a moral cristã; a Igreja dominava os homens porque havia ainda a questão da obediência que se transformava em uma obrigação civil de ordem divina. Os soberanos também tinham limites de poder e deviam obedecer ao governo terreno e também às obrigações: seu poder não é ilimitado pois são responsáveis perante Deus pela tarefa de instaurar o reinado da justiça e da piedade. O conceito de justiça é o que distingue tiranos dos suseranos legítimos uma vez que o suserano medieval é mais um juiz e não um legislador. A justiça era definida pela lei e a lei era um conjunto de costumes baseados no direito natural inscritos pela fé no coração dos homens que deveria ter uma consciência coletiva. Por conta disso era natural também a fragmentação do poder pois não havia o Estado nacional com poder centralizado, mas grandes constelações de poderes locais autônomos, articulados em redes de suserania e vassalagem que formava uma sociedade hierárquica cujos papéis sociais são definidos por origem. Estes estamentos - códigos distintos de direitos e deveres revelavam as relações contratuais comunitárias que obrigavam mutuamente cada categoria social conforme o seu estatuto específico – davam o caráter da sociedade da época de Nicolau Maquiavel (1469-1527). Maquiavel inaugura o pensamento político moderno. Seculariza a política, rejeitando o legado ético-cristão. Maquiavel tem uma visão do homem e da política como elas são e não como deveriam ser. A política deve ater-se ao real, deve preocupar-se com a eficiência da ação e não teorizar, como fazia Platão, sobre a forma ideal de governo. Maquiavel redefine as relações entre ética e política, não julga mais as ações políticas em função de uma hierarquia de valores dada de antemão, mas em função da necessidade dos resultados que as ações políticas devem alcançar. Na concepção política de Maquiavel, não há uma exclusão entre ética e política, todavia a primeira deve ser entendida a partir da segunda. Para ele, as exigências da ação política implicam uma ética cujo caráter é diferente da ética praticada pelos indivíduos na vida privada. Para Maquiavel, a sociedade é dividida entre os grandes, isto é, os que possuem o poder político e econômico, e o povo oprimido. A sociedade é cindida por lutas sociais, não pode, portanto, ser vista como uma comunidade homogênea voltada para o bem comum. “Deveis saber, portanto, que existem duas formas de se combater: uma, pelas leis, outra, pela força. A primeira é própria do homem; a segunda, dos animais. [...] Ao príncipe torna-se necessário, porém, saber empregar convenientemente o animal e o homem. [...] Sendo, portanto, um príncipe obrigado a bem servir-se da natureza da besta, deve dela tirar as qualidades da raposa e do leão, pois este não tem defesa alguma contra os laços, e a raposa, contra os lobos. Precisa, pois, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos. Os que se fizerem unicamente de leões não serão bem-sucedidos. Por isso, um príncipe prudente não pode nem deve guardar a palavra dada quando isso se lhe torne prejudicial e quando as causas que o determinaram cessem de existir”. (MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Tradução de Lívio Xavier. São Paulo: Nova Cultural, 1993, cap, XVIII, p.101-102).

117


Esta revolução política, iniciada por Nicolau Maquiavel é deixada de lado pelos italianos. Aos poucos a Europa estava ficando cada vez mais dividida em classes sociais e os comerciantes chamados burgueses ganhavam força na Inglaterra e na França, especialmente, contra o clero e nobreza. E da mesma forma que a ciência se afastava de Aristóteles, a política também caminhava em direção oposta ao filósofo antigo. Para Aristóteles, a cidade seria uma criação natural, o homem é um “animal político”: nasce, vive e morre em uma cidade. No século XVII, esta ideia vai ser abandonada e uma nova concepção de sociedade vai surgir: o contratualismo. A sociedade é fruto de um acordo, um pacto racional entre os homens, que livremente escolhem a sua forma de organização. Ou seja, a organização social e as vidas dos membros da sociedade dependem, em termos de justificação, de um acordo, passível de se definido de muitas maneiras, que permite estabelecer os princípios básicos dessa mesma sociedade.

O Contratualismo O contratualismo moderno é, antes de tudo, uma teorização da legitimidade da soberania política face à crise das instâncias legitimadoras tradicionais: o império (rei) e a igreja (papa). Surge, em grande parte, como resposta à crescente desintegração dos modelos medievais (nobreza e clero), sob pressão dos seus conflitos e tensões internas (ascensão de uma burguesia comercial). A Europa está mergulhada em uma guerra de religiões, vive a emergência do capitalismo moderno e da burguesia, os começos da ciência moderna, com profundas implicações na compreensão que o homem tinha de si mesmo, da natureza e do saber em geral. No centro destes novos tempos está, sem dúvida, o indivíduo. Quem primeiro se vê compelido a falar em um contrato social é Thomas Hobbes. Locke, Rousseau e Kant o seguem, mas já partem de pontos diferentes dos de Hobbes na sua argumentação contratualista; porém, partilham alguns outros e uma estrutura argumentativa comum, que constitui a base de todas as formas de contratualismo. Esta visão da sociedade e da história vai ser muito criticada por Hume, Hegel e Marx. O contratualista é formado basicamente por três elementos: a) uma situação inicial (pré-contratual ou pré-civil); b) o contrato; c) o resultado do contrato (a lei - estabelecimento das regras do jogo que presidem à constituição da sociedade/ Estado ou de uma moral). A situação inicial é chamada de “estado de natureza” em Hobbes, Locke e Rousseau e é basicamente como cada um define este estado de natureza de que decorrem consequências e, portanto, sociedades diferentes. Este tipo de contratualismo é chamado de político, porque se preocupa fundamentalmente com as questões associadas à ideia de justiça: estrutura básica da sociedade, direitos e deveres dos cidadãos, exercício do poder político. Comentadores em língua inglesa usam o termo “contractarianism” para designar as teorias do contrato social que seguem o modelo de Hobbes, isto é, pressupõem que os indivíduos são egoístas, racionais e não abdicam dessa condição na justificação das normas que governam a interação. O contratualismo, neste sentido mais restrito de construção teórica que se contrapõe ao “contractarianism”, já se define pela compreensão, de inspiração kantiana, do indivíduo como pessoa moral e interessado numa justificação pública das normas que guiam a sua conduta

As teorias contratualistas Para Hobbes, [...] o poder soberano, quer resida num homem, como numa monarquia, quer numa assembléia, como nos estados populares e aristocráticos, é o maior que é possível imaginar que os homens possam criar. E, embora seja possível imaginar muitas más conseqüências de um poder tão ilimitado, apesar disso as conseqüências da falta dele, isto é, a guerra perpétua de todos homens com os seus vizinhos, são muito piores. (HOBBES, T. Leviatã. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Nova Cultural, 1988. capítulo XX, p. 127.) O principal conceito que Hobbes defende aqui é o de soberania. Hobbes rejeitava o contrato de soberania tal como era entendido na Idade Média e no jusnaturalismo - que pressupunha uma lei natural. Soberano e povo (corpo político) não são as partes envolvidas no contrato, mas o resultado do contrato. Tal contrato vincula apenas os indivíduos, transformando um deles (mono) em soberano (arquia) e os demais (corpo político) em súditos. Para Hobbes, os homens só podem viver em paz se concordarem em submeter-se a um poder absoluto e centralizado. Por isso, a Igreja cristã e o Estado cristão formavam um mesmo corpo, encabeçado pelo monarca, que teria o direito de interpretar as Escrituras, decidir questões religiosas e presidir o culto. Já a filosofia política de Locke fundamenta-se na noção de governo consentido dos governados diante da autoridade constituída e o respeito ao direito natural do ser humano, à vida, à liberdade e à propriedade. Sua teoria de Estado inspira as modernas revoluções liberais: Locke discorda profundamente do absolutismo, e por isso vai incluir a formulação de critérios através dos quais seja possível: a) distinguir um poder legítimo de um poder ilegítimo; b) definir a amplitude de competências e os limites do exercício do poder político; c) determinar a finalidade do exercício do poder político. Locke então reformula o estado de natureza e, numa perspectiva oposta à de Hobbes, atribui aos indivíduos direitos básicos inalienáveis por qualquer contrato: o direito à vida, à liberdade e à propriedade. O direito natural à propriedade - no sentido de um direito a fazer seus, pelo trabalho, os bens sem dono, se distingue claramente da justificação contratualista de Hobbes. A saída do estado de natureza acontece devido à insegurança e à incerteza que o homem tem na defesa dos seus direitos à vida, à liberdade e à propriedade. A lei natural, segundo Locke, precisa ser especificada para poder regulamentar o convívio em cada situação social. Por faltar ainda, no estado de natureza, essa instância legisladora, acabam acontecendo os conflitos entre aqueles que trabalharam para possuir propriedades privadas da natureza e os que não fizeram isso, pondo fim ao estado de paz e harmonia. É aí que se faz necessário um juiz imparcial e reconhecido por todos, que possa arbitrar, com justiça, todas as questões pendentes – em especial as questões com relação à propriedade dos bens da natureza, frutos do trabalho livre de cada indivíduo. O contrato social, em Locke, dá origem à constituição de uma sociedade política, na medida em que cada indivíduo se obriga contratualmente a ceder o exercício da defesa dos seus direitos fundamentais ao corpo político. No entanto,

118

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


nem o Estado resultante do contrato é uma mera organização de autodefesa dos proprietários, nem a sua descrição da conflitualidade no estado de natureza se limita a um simples esboço de tensões econômicas e sociais. Mas nem todos concordam com estas teses. “A passagem do estado de natureza para o estado civil determina no homem uma mudança muito notável, substituindo na sua conduta o instinto pela justiça e dando às suas ações a moralidade que antes lhe faltava. E só então que, tomando a voz do dever o lugar do impulso físico, e o direito o lugar do apetite, o homem, até aí levando em consideração apenas sua pessoa, vê-se forçado a agir, baseando-se em outros princípios e a consultar a razão antes de ouvir suas inclinações”. Fonte: ROUSSEAU, J. Do contrato social. Tradução de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural, 1999, p.77. Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes. (ROUSSEAU, J. J. Do contrato social. Tradução de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 32. Os Pensadores.). O contrato social só se torna possível havendo concordância entre obediência e liberdade. A liberdade conquistada através do contrato social é uma liberdade convencional. Politicamente, expõe suas ideias no Contrato Social, no qual estabelece um Estado social legítimo, próximo da vontade geral e distante da corrupção. Discordando de Hobes, defende que a soberania do poder deve estar nas mãos do corpo político (povo). Os cidadãos têm que tomar cuidado ao transformar seus direitos naturais em direitos civis, afinal “o homem nasce bom e a sociedade o corrompe”. Esta tese dá origem a seu famoso verbete “bom selvagem”, ou seja, no Estado de Natureza, o homem seria um ser bom, que não tem interesse em acumular para si, usando da natureza apenas o que de fato necessita. Para Rousseau, determinadas capacidades do homem só podem ser desenvolvidas numa comunidade política organizada segundo princípios democráticos. No seu Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens (1755), os argumentos de Hobbes e Locke, bem como os do jusnaturalismo, são qualificados como ideológicos, na medida em que apenas conseguiriam mascarar a desigualdade e a injustiça, revelando total incapacidade de contribuir para a formação de uma genuína vontade geral comum. A ordem social derivada do contrato social só poderá ser justa se os interesses divergentes não desempenharem qualquer papel na avaliação das condições de celebração do contrato, e isto só parece possível se: a) que as partes contratantes não sabem a que grupo pertencem quando celebram o contrato; ou b) que existe, de fato, uma igualdade tal que já não faz sentido falar em interesses divergentes. Rousseau, no Contrato Social, vai optar pela segunda. Onde antes havia indivíduos mais ou menos astutos e egoístas (Estado de natureza), passa a haver cidadão e patriotas (sociedade civil). A vontade geral tem como objeto o bem comum e caracteriza-se por ser inalienável, irrepresentável, indivisível e infalível. Todos estes atributos são consequências da forma como Rousseau conduz o argumento contratualista. O que define o bem comum é um procedimento democrático universalista. O contrato de Rousseau justifica a identidade entre soberano e súdito, que exclui liminarmente todas as formas de representação e regras processuais do tipo da regra da maioria, ao nível legislativo. Na vontade geral coincidem interesse e justiça. A República de Rousseau é um Estado de liberdade e de justiça, que garante a cada um os seus direitos em virtude da própria natureza do poder político e do seu exercício democraticamente participado. Você viu que as concepções sobre como devemos assentar o Estado são divergentes e muitas vezes levam a formação de sociedades que defendem valores distintos. Nossa função enquanto estudantes é tentar entender estas diferenças confrontando teorias e teóricos, analisando seu tempo e comparando com o nosso. Verifique isso agora, analisando com estas questões são colocadas nos vestibures e nos concursos.

AVALIE SEU CONHECIMENTO 01. (UEL – 2003) “Sabemos que Hobbes é um contratualista, quer dizer, um daqueles filósofos que, entre o século XVI e o XVIII (basicamente), afirmaram que a origem do Estado e/ou da sociedade está num contrato: os homens viveriam, naturalmente, sem poder e sem organização – que somente surgiriam depois de um pacto firmado por eles, estabelecendo as regras de comércio social e de subordinação política.” (RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança. In: WEFFORT, Francisco. Os clássicos da política. São Paulo: Ática, 2000. p. 53.)

Com base no texto, que se refere ao contratualismo de Hobbes, considere as seguintes afirmativas: I. A soberania decorrente do contrato é absoluta. II. A noção de estado de natureza é imprescindível para essa teoria. III. O contrato ocorre por meio da passagem do estado social para o estado político. IV. O cumprimento do contrato independe da subordinação política dos indivíduos.

Quais das afirmativas representam o pensamento de Hobbes? (A) Apenas as afirmativas I e II. (C) Apenas as afirmativas II e III. (B) Apenas as afirmativas I e III. (D) Apenas as afirmativas II e IV.

(E) Apenas as afirmativas III e IV.

02. (UEL – 2003) “A liberdade natural do homem deve estar livre de qualquer poder superior na terra e não depender da vontade ou da autoridade legislativa do homem, desconhecendo outra regra além da lei da natureza. A liberdade do homem na sociedade não deve estar edificada sob qualquer poder legislativo exceto aquele estabelecido por consentimento na comunidade civil...” (LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o governo civil. Trad. de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. Petrópolis, RJ:Vozes, 1994. p. 95.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o tema da liberdade em Locke, considere as seguintes afirmativas: I. No estado civil as pessoas são livres porque inexiste qualquer regra que limite sua ação. II. No estado pré-civil a liberdade das pessoas está limitada pela lei da natureza. III. No estado civil a liberdade das pessoas edifica-se nas leis estabelecidas pelo conjunto dos membros dessa sociedade. IV. No estado pré-civil a liberdade das pessoas submete-se às leis estabelecidas pelos cidadãos.

Quais das afirmativas representam o pensamento de Locke sobre liberdade? (A) Apenas as afirmativas I e II. (C) Apenas as afirmativas II e III. (B) Apenas as afirmativas I e IV. (D) Apenas as afirmativas II e IV.

(E) Apenas as afirmativas III e IV.

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

119


03. (UEL – 2003) Leia o texto a seguir. Estado Violência Estado violência Sinto no meu corpo Estado hipocrisia A dor que angustia A lei que não é minha A lei ao meu redor A lei que eu não queria (...) A lei que eu não queria (TITÃS. Estado Violência. In: Cabeça dinossauro. [S.L.] WEA, 1986, 1 CD (ca. 35’97”). Faixa 5 (3’07”).)

A letra da música “Estado Violência”, dos Titãs, revela a percepção dos autores sobre a relação entre o indivíduo e o poder do Estado. Sobre a canção, é correto afirmar: (A) Mostra um indivíduo satisfeito com a sua situação e que apóia o regime político instituído.

(B) Representa um regime democrático em que o indivíduo participa livremente da elaboração das leis.

(C) Descreve uma situação em que inexistem conflitos entre o Estado e o indivíduo.

(D) Relata os sentimentos de um indivíduo alienado e indiferente à forma como o Estado elabora suas leis.

(E) Apresenta um indivíduo para quem o Estado, autoritário e violento, é indiferente a sua vontade.

04. (UEL – 2004) “O maquiavelismo é uma interpretação de O Príncipe de Maquiavel, em particular a interpretação segundo a qual a ação política, ou seja, a ação voltada para a conquista e conservação do Estado, é uma ação que não possui um fim próprio de utilidade e não deve ser julgada por meio de critérios diferentes dos de conveniência e oportunidade.” (BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. Trad. de Alfredo Fait. 3.ed. Brasília: Editora da UNB, 1984. p. 14.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o tema, para Maquiavel o poder político é: (A) Independente da moral e da religião, devendo ser conduzido por critérios restritos ao âmbito político.

(B) Independente da conveniência e oportunidade, pois estas dizem respeito à esfera privada da vida em sociedade.

(C) Dependente da religião, devendo ser conduzido por parâmetros ditados pela Igreja.

(D) Dependente da ética, devendo ser orientado por princípios morais válidos universal e necessariamente.

(E) Independente das pretensões dos governantes de realizar os interesses do Estado.

05. (UEL – 2004) “Não sendo o Estado ou a Cidade mais que uma pessoa moral, cuja vida consiste na união de seus membros, e se o mais importante de seus cuidados é o de sua própria conservação, torna-se-lhe necessária uma força universal e compulsiva para mover e dispor cada parte da maneira mais conveniente a todos. Assim como a natureza dá a cada homem poder absoluto sobre todos os seus membros, o pacto social dá ao corpo político um poder absoluto sobre todos os seus, e é esse mesmo poder que, dirigido pela vontade geral, ganha, como já disse, o nome de soberania.” (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Trad. de Lourdes Santos Machado. 3.ed. São Paulo: Nova Cultural, 1994. p. 48.)

De acordo com o texto e os conhecimentos sobre os conceitos de Estado e soberania em Rousseau, é correto afirmar. (A) A soberania surge como resultado da imposição da vontade de alguns grupos sobre outros, visando a conservar o poder do Estado.

(B) O estabelecimento da soberania está desvinculado do pacto social que funda o Estado.

(C) O Estado é uma instituição social dependente da vontade impositiva da maioria, o que configura a democracia.

(D) A conservação do Estado independe de uma força política coletiva que seja capaz de garanti-lo.

(E) A soberania é estabelecida como poder absoluto orientado pela vontade geral e legitimado pelo pacto social para garantir a conservação do Estado.

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 06. (UEL – 2003) “... os traços pelos quais a democracia é considerada forma boa de governo são essencialmente os seguintes: é um governo não a favor dos poucos mas dos muitos; a lei é igual para todos, tanto para os ricos quanto para os pobres e portanto é um governo de leis, escritas ou não escritas, e não de homens; a liberdade é respeitada seja na vida privada seja na vida pública, onde vale não o fato de se pertencer a este ou àquele partido mas o mérito.” (BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Trad. de Marco Aurélio Nogueira. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p.141.)

Com base no texto, considere as seguintes afirmativas sobre os direitos fundamentais da democracia grega. I. Todos os cidadãos submetem-se a uma elite, formada pelos ricos, que governa privilegiando seus interesses particulares. II. Todos os cidadãos possuem os mesmos direitos e devem ser tratados da mesma maneira, perante as leis e os costumes da pólis. III. Todo cidadão tem a liberdade de expor, na assembléia, seus interesses e suas opiniões, discutindo-os com os outros. IV. Todo cidadão deve pertencer a um partido para que suas opiniões sejam respeitadas.

Assinale a alternativa correta. (A) Apenas as afirmativas I e II são corretas. (B) Apenas as afirmativas I e IV são corretas. (C) Apenas as afirmativas II e III são corretas. (D) Apenas as afirmativas II e IV são corretas. (E) Apenas as afirmativas III e IV são corretas.

07. (UEL – 2003) “Toda cidade [pólis], portanto, existe naturalmente, da mesma forma que as primeiras comunidades; aquela é o estágio final destas, pois a natureza de uma coisa é seu estágio final. (...) Estas considerações deixam claro que a cidade é uma criação natural, e que o homem é por natureza um animal social, e um homem que por natureza, e não por mero acidente, não fizesse parte de cidade alguma, seria desprezível ou estaria acima da humanidade.” (ARISTÓTELES. Política. 3. ed. Trad. De Mário da Gama Kuri. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1997. p. 15.)

120

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

De acordo com o texto de Aristóteles, é correto afirmar que a pólis: (A) É instituída por uma convenção entre os homens. (B) Existe por natureza e é da natureza humana buscar a vida em sociedade.

(C) Passa a existir por um ato de vontade dos deuses, alheia à vontade humana.

(D) É estabelecida pela vontade arbitrária de um déspota. (E) É fundada na razão, que estabelece as leis que a ordenam.

08. (UEL – 2003) Leia o texto, que se refere à idéia de cidade justa de Platão.

“Como a temperança, também a justiça é uma virtude comum a toda a cidade. Quando cada uma das classes exerce a sua função própria, ‘aquela para a qual a sua natureza é a mais adequada’, a cidade é justa. Esta distribuição de tarefas e competências resulta do fato de que cada um de nós não nasceu igual ao outro e, assim, cada um contribui com a sua parte para a satisfação das necessidades da vida individual e coletiva. (...) Justiça é, portanto, no indivíduo, a harmonia das partes da alma sob o domínio superior da razão; no estado, é a harmonia e a concórdia das classes da cidade.” (PIRES, Celestino. Convivência política e noção tradicional de justiça. In: BRITO, Adriano N. de; HECK, José N. (Orgs.). Ética e política. Goiânia: Editora da UFG, 1997. p. 23.)

Sobre a cidade justa na concepção de Platão, é correto afirmar: (A) Nela todos satisfazem suas necessidades mínimas, e inexistem funções como as de governantes, legisladores e juízes.

(B) É governada pelos filósofos, protegida pelos guerreiros e mantida pelos produtores econômicos, todos cumprindo sua função própria.

(C) Seus habitantes desejam a posse ilimitada de riquezas, como terras e metais preciosos.

(D) Ela tem como principal objetivo fazer a guerra com seus vizinhos para ampliar suas posses através da conquista.

(E) Ela ambiciona o luxo desmedido e está cheia de objetos supérfluos, tais como perfumes, incensos, iguarias, guloseimas, ouro, marfim, etc.


09. (UEM – VERÃO 2008) Maquiavel inaugura o pensamento po-

lítico moderno. Seculariza a política, rejeitando o legado éticocristão. Maquiavel tem uma visão do homem e da política como elas são e não como deveriam ser. A política deve ater-se ao real, deve preocupar-se com a eficiência da ação e não teorizar, como fazia Platão, sobre a forma ideal de governo. Assinale o que for correto. (01) Para Maquiavel, o príncipe virtuoso é aquele que governa com justiça, estabelecendo, entre seus súditos, a igualdade social e uma participação político-democrática. (02) Maquiavel redefine as relações entre ética e política, não julga mais as ações políticas em função de uma hierarquia de valores dada de antemão, mas em função da necessidade dos resultados que as ações políticas devem alcançar. (04) Maquiavel faz a apologia da tirania, pois considera ser a forma mais eficiente de o príncipe manter-se no poder e garantir a segurança da ordem social e política para seus súditos. (08) Na concepção política de Maquiavel, não há uma exclusão entre ética e política, todavia a primeira deve ser entendida a partir da segunda. Para ele, as exigências da ação política implicam uma ética cujo caráter é diferente da ética praticada pelos indivíduos na vida privada. (16) Para Maquiavel, a sociedade é dividida entre os grandes, isto é, os que possuem o poder político e econômico, e o povo oprimido. A sociedade é cindida por lutas sociais, não pode, portanto, ser vista como uma comunidade homogênea voltada para o bem comum.

SOMA = _____

10. (UEL – 2004) “Uma vez que constituição significa o mesmo que governo, e o governo é o poder supremo em uma cidade, e o mando pode estar nas mãos de uma única pessoa, ou de poucas pessoas, ou da maioria, nos casos em que esta única pessoa, ou as poucas pessoas, ou a maioria, governam tendo em vista o bem comum, estas constituições devem ser forçosamente as corretas; ao contrário, constituem desvios os casos em que o governo é exercido com vistas ao próprio interesse da única pessoa, ou das poucas pessoas, ou da maioria, pois ou se deve dizer que os cidadãos não participam do governo da cidade, ou é necessário que eles realmente participem.”

mesmas qualidades, ser tratado pelos mesmos nomes que a cidade”. (PLATÃO. A república. Trad. de Maria Helena da Rocha Pereira. 7 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. p. 190.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a justiça em Platão, é correto afirmar: (A) As pessoas justas agem movidas por interesses ou por benefícios pessoais, havendo a possibilidade de ficarem invisíveis aos olhos dos outros. (B) A justiça consiste em dar a cada indivíduo aquilo que lhe é de direito, conforme o princípio universal de igualdade entre todos os seres humanos, homens e mulheres. (C) A verdadeira justiça corresponde ao poder do mais forte, o qual, quando ocupa cargos políticos, faz as leis de acordo com os seus interesses e pune a quem lhe desobedece. (D) A justiça deve ser vista como uma virtude que tem sua origem na alma, isto é, deve habitar o interior do homem, sendo independente das circunstâncias externas. (E) Ser justo equivale a pagar dívidas contraídas e restituir aos demais aquilo que se tomou emprestado, atitudes que garantem uma velhice feliz.

12. (UEL – 2005) “A escolha dos ministros por parte de um príncipe não é coisa de pouca importância: os ministros serão bons ou maus, de acordo com a prudência que o príncipe demonstrar. A primeira impressão que se tem de um governante e da sua inteligência, é dada pelos homens que o cercam. Quando estes são eficientes e fiéis, pode-se sempre considerar o príncipe sábio, pois foi capaz de reconhecer a capacidade e manter fidelidade. Mas quando a situação é oposta, pode-se sempre dele fazer mau juízo, porque seu primeiro erro terá sido cometido ao escolher os assessores”. (MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 136.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre Maquiavel, é correto afirmar: (A) As atitudes do príncipe são livres da influência dos ministros que ele escolhe para governar.

(B) Basta que o príncipe seja bom e virtuoso para que seu governo obtenha pleno êxito e seja reconhecido pelo povo.

(C) O povo distingue e julga, separadamente, as atitudes do príncipe daquelas de seus ministros.

(ARISTÓTELES. Política. Trad. de Mário da Gama Kury. 3.ed. Brasília: Editora UNB, 1997. p. 91.)

(D) A escolha dos ministros é irrelevante para garantir um bom gover-

Com base no texto e nos conhecimentos sobre as formas de governo em Aristóteles, analise as afirmativas a seguir.

(E) Um príncipe e seu governo são avaliados também pela escolha

I. A democracia é uma forma de governo reta, ou seja, um governo que prioriza o exercício do poder em benefício do interesse comum. II. A democracia faz parte das formas degeneradas de governo, entre as quais destacam-se a tirania e a oligarquia. III. A democracia é uma forma de governo que desconsidera o bem de todos; antes, porém, visa a favorecer indevidamente os interesses dos mais pobres, reduzindo-se, desse modo, a uma acepção demagógica. IV. A democracia é a forma de governo mais conveniente para as cidades gregas, justamente porque realiza o bem do Estado, que é o bem comum.

Estão corretas apenas as afirmativas: (A) I e III. (D) I, II e III. (B) I e IV. (E) II, III e IV. (C) II e III.

11. (UEL – 2005) “- Mas a cidade pareceu-nos justa, quando existiam dentro dela três espécies de naturezas, que executavam cada uma a tarefa que lhe era própria; e, por sua vez, temperante, corajosa e sábia, devido a outras disposições e qualidades dessas mesmas espécies. - É verdade. - “Logo, meu amigo, entenderemos que o indivíduo, que tiver na sua alma estas mesmas espécies, merece bem, devido a essas

no, desde que o príncipe tenha um projeto político perfeito. dos ministros.

13. (UEL – 2005) “Hobbes realiza o esforço supremo de atribuir ao contrato uma soberania absoluta e indivisível [...]. Ensina que, por um único e mesmo ato, os homens naturais constituem-se em sociedade política e submetem-se a um senhor, a um soberano. Não firmam contrato com esse senhor, mas entre si. É entre si que renunciam, em proveito desse senhor, a todo o direito e toda liberdade nocivos à paz”. (CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. Trad. de Lydia Cristina. 7. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1995. p. 73.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o contrato político em Hobbes, considere as afirmativas a seguir. I. A renúncia ao direito sobre todas as coisas deve ser recíproca entre os indivíduos. II. A renúncia aos direitos, que caracteriza o contrato político, significa a renúncia de todos os direitos em favor do soberano. III. Os procedimentos necessários à preservação da paz e da segurança competem aos súditos cidadãos. IV. O contrato que funda o poder político visa pôr fim ao estado de guerra que caracteriza o estado de natureza.

Estão corretas apenas as afirmativas: (A) I e II. (D) I, III e IV. (B) I e IV. (E) II, III e IV. (C) II e III.

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

121


14. (UEL – 2005) “Se todos os homens são, como se tem dito, livres, iguais e independentes por natureza, ninguém pode ser retirado deste estado e se sujeitar ao poder político de outro sem o seu próprio consentimento. A única maneira pela qual alguém se despoja de sua liberdade natural e se coloca dentro das limitações da sociedade civil é através do acordo com outros homens para se associarem e se unirem em uma comunidade para uma vida confortável, segura e pacífica uns com os outros, desfrutando com segurança de suas propriedades e melhor protegidos contra aqueles que não são daquela comunidade”.

15. (UEL – 2005) “O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá -lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: ‘Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém!’”.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o contrato social em Locke, considere as afirmativas a seguir.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o pensamento político de Rousseau, é correto afirmar: (A) A desigualdade é um fato natural, autorizada pela lei natural, in-

(LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. Trad. de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. Petrópolis: Vozes, 1994. p.139.)

I. O direito à liberdade e à propriedade são dependentes da instituição do poder político. II. O poder político tem limites, sendo legítima a resistência aos atos do governo se estes violarem as condições do pacto político. III. Todos os homens nascem sob um governo e, por isso, devem a ele submeter-se ilimitadamente. IV. Se o homem é naturalmente livre, a sua subordinação a qualquer poder dependerá sempre de seu consentimento.

Estão corretas apenas as afirmativas: (A) I e II. (C) II e IV. (B) I e III. (D) I, III e IV.

(E) II, III e IV.

ANOTAÇÕES

122

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

(ROUSSEAU, Jean- Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Trad. de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural, 1997. p. 87.)

dependentemente das condições sociais decorrentes da evolução histórica da humanidade. (B) A finalidade da instituição da sociedade e do governo é a preservação da individualidade e das diferenças sociais. (C) A sociabilidade tira o homem do estado de natureza onde vive em guerra constante com os outros homens. (D) Rousseau faz uma crítica ao processo de socialização, por ter corrompido o homem, tornando-o egoísta e mesquinho para com os seus semelhantes. (E) Rousseau valoriza a fundação da sociedade civil, que tem como objetivo principal a garantia da posse privada da terra.


CAPÍTULO 17 O ESTADO HISTÓRICO Em 1789, tem início a Revolução Francesa e Kant pronuncia-se inicialmente de forma favorável à Revolução e, sobretudo, à secularização resultante. Porém, o Rei da Prússia, Friedrich Wilhelm II, proíbe Kant de se pronunciar sobre quaisquer temas religiosos. Em 1795, é publicado o tratado “Para a paz eterna”, no qual surge a perspectiva de um cidadão do mundo esclarecido. Em 1804, então com 80 anos de idade, Kant morre em Königsberg, após prolongada doença que apresentava sintomas semelhantes à Doença de Alzheimer. Já não reconhecia sequer os seus amigos íntimos. A Alemanha parecia estar ficando atrasada em relação à Inglaterra e à França e agora perdia um de seus maiores pensadores em uma sociedadade nada esclarecida. Então, aproveitando-se do caminho da crítica, aberto por Kant, uma nova estirpe de pensadoA Revolução de 1848 dava novo fôlego à Alemanha res começa a se colocar diante das coisas, do mundo e, sobretudo, que inicia sua industrialização. da História. O Império Germânico, inicialmente, era formado por mais de 240 Estados, sendo substituído pela confederação Germânica, com a queda de Napoleão, por 39 Estados. Houve então a União Aduaneira - que estabelecia a mesma moeda para os estados alemães – e a confederação durou até a vitória da Prússia na Guerra Austro-Prussiana, quando a Alemanha foi dividida em Alemanha do Norte e Estados do Sul. Na Guerra Franco-Prussiana, além de a Prússia ganhar as regiões da Alsácia-Lorena, a Alemanha foi unificada. Mas este processo não foi tão simples. Por trás havia uma forte mobilização dos centros acadêmicos que temiam o avanço tecnológico de ingleses e franceses e o atraso dos alemães.

O nacionalismo de Fichte

Fichte, Schelling e Hegel são os construtores do nacionalismo alemão e da dialética a caminho de um Estado Absoluto da concretização do Geist na História objetiva.

Um desses acadêmicos foi Johann Gottlieb Fichte (1762-1814). Fichte é considerado um dos fundadores do nacionalismo alemão, fez da filosofia uma militância política desde quando ainda cursava o Colégio de Pforta e depois as universidades de Jena, Wittenberg e Leipzig. Em Königsberg, encontrou-se com Kant e porque fora denunciado como ateu e demitido da Universidade de Jena, acaba indo para Berlim, onde permanece até assumir a cadeira de filosofia na Universidade de Erlangen. Aproveitou-se da guerra da França contra a Prússia para participar da resistência nacional, sendo por isso, em 1809, nomeado reitor da Universidade de Berlim, onde liderou o movimento nacionalista dos estudantes. A primeira de suas obras é a Crítica de Toda a Revelação (1792), que por ter sido publicada anonimamente chegou a ser confundida como a quarta crítica de Kant - até hoje não se sabe se Fichte teve ou não esta intenção, que o tornou famoso. O círculo que frequentava era composto por nada menos que o próprio Kant, o poeta Schiller e o escritor Goethe, de quem se tornou grande amigo. Tinha uma personalidade difícil e por isso acumulou muitas brigas acadêmicas, sendo demitido de inúmeras funções. Sua principal característica é trazer para o campo do pensamento a ação política, o ativismo político. Por ser um grande orador, apresentou, em Berlim, seu famoso Discurso à Nação Alemã, censurando a Alemanha pela desunião que os tinha obrigado a submeter-se às tropas de Napoleão e apresentando conceitos práticos para a recuperação e a glória nacional. Fichte vai abrir uma porta estreita: a ideia de que ser é agir; um caminho que se impunha para a Alemanha do século XIX e que, quando voltada para o sujeito, acaba prendendo-o em nome de um Estado que é coletivo. Por esse caminho vão seguir mais tarde Nietzsche e Marx e, porque não dizer, Hitler. É o primeiro dos filósofos a encarar a realidade material como uma luta entre opostos, portanto a história humana como um processo que se desenrola enquanto ideias que se opõem. Este processo é denominado de: a) tese, seu primeiro estágio e que corresponde à situação posta, o momento atual, a tradição – no caso de Fichte, uma Alemanha que se sente dividida, com valores arraigados no regionalismo, as ideias do pai (o velho); e que precisa evoluir para um segundo estágio, sua b) antitese, uma Alemanha unificada, lutando por ideais comuns, de ciência e tecnologia, com novas ideias (jovens); para enfim atingir o terceiro estágio, c) a síntese de toda a história, uma Alemanha que todos almejam (novo alemão).

123


Fichte morreu de febre tifoide – contagiado pela mulher que era enfermeira – aos 52 anos, sem realizar o sonho de ver a Alemanha unificada e forte, porém em breve isso iria acontecer e seu pensamento seria imortalizado por seus seguidores – apesar de não lhe darem o devido crédito por isso.

Schelling e a Natureza Absoluta Friedrich Wilhelm Joseph Schelling (1775- 1854) era filho de um pastor protestante e foi educado em estudos clássicos e bíblicos, tendo matriculado-se em um seminário teológico protestante em Tubinger, aos 15 anos de idade. Neste seminário conviveu com Hegel e Holderlin. Esses três pensadores, influenciados pela Revolução Francesa, procuraram individualmente construir uma filosofia da liberdade. O mundo para Schelling dá-se a partir da experiência da totalidade, da intuição estética e que somente a linguagem poética pode dar conta de falar sobre esta experiência das diferenças presentes nas coisas da natureza, assim como dizer da experiência estética do homem com o mundo, que é quase indizível, referindo-se a conceitos como o absoluto, o infinito. A ciência, portanto, não pode falar da filosofia, pois sua limitação encontra-se em descrever uma estrutura morta, mecânica, utilizando- se apenas de recortes, e que por ser assim, limita-se, não podendo dizer do infinito, por exemplo. Para Schelling, o mundo é algo para ser contemplado, onde a divindade faz-se presente em tudo o que o compõe, e esta é a única possibilidade de abertura para o todo da natureza, para a infinitude. A natureza aqui se apresenta de forma diferente de Kant, pois ao referir-se à natureza, Kant refere-se a um sistema mecânico de causa e efeito. Schelling a concebe como um organismo vivo, assimétrico, composto por detalhes, por acidentes e contingências. Através da contemplação estética da natureza, o sujeito dissolve-se e passa a fazer parte do todo, da infinitude e gradativamente revela-se com as transformações da natureza, o que possibilita que se autodescubra o tempo todo. A natureza, em si, é limitada (é um único objeto, o Todo). Ilimitada é a constante revelação que se dá no seu desenrolar. O Absoluto, para Schelling, portanto, passa a ser idealidade. O mundo é idealidade e a ideia é a concretização de uma possibilidade, é a infinitude expressa na finitude de algo (que se concretiza). Não há então distinção substancial entre matéria e espírito: a matéria é uma forma de espírito que se concretizou e adquiriu determinados hábitos de conduta, sendo assim, corpo e espírito são indistintos, são formas do todo, são modos de exteriorização do Absoluto fazendo-se mundo, fazendo-se conhecer. O Absoluto nada pode gerar a não ser ele mesmo. Esta tese é a base de toda a metafísica de Hegel, que vai transformar Fichte e Schelling em um Geist (Espírito) que se concretiza em um Estado Absoluto.

Hegel e o Espírito Absoluto Há muito de Schelling em Hegel. Estudaram juntos, foram colegas de festas e, não fosse pela precocidade do primeiro, teriam publicado juntos. Mas a fama de Hegel veio quase uma geração depois e pegou a Alemanha quase que pronta para uma doutrina que pregava a unificação. Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) passou pelo mesmo Tübinger Stift (seminário da Igreja Protestante em Württemberg), mas mostrava-se um declarado leitor das obras de Espinoza, Kant e Rousseau, bem como nutria, como todos de sua época, uma extrema admiração pela Revolução Francesa – que separava Estado e Igreja. Hegel fecha um ciclo que se costuma chamar de Idealismo Alemão, cujo auge é o século XIX. Este pensamento vai ter forte influência sobre o materialismo histórico de Karl Marx. Hegel teve uma forte influência acadêmica, sendo um professor de bastante sucesso e benquisto por seus alunos. Começou a carreira na Universidade de Jena, onde foi professor entre os anos de 1801 e 1806. Após a vitória de Napoleão, Hegel saiu de Jena e assumiu como reitor da escola de latim em Nuremberg. Depois, já em 1816, ocupou uma cadeira na Universidade de Heidelberg, sucedendo Fichte como professor de filosofia na Universidade de Berlim, em 1818, onde ficou até sua morte, em 1831. A primeira das teses a ser defendida por Hegel é a que é contrária a dos contratualistas, ou seja, que o Estado nasce de um contrato racional. Para Hegel, não. O Estado é uma evolução social que se dá em um Geist, um Espírito Absoluto, que é histórico, e que se concretiza na forma de organização política humana. Para entender Hegel, é preciso ter em mente uma realidade orgânica, em contínuo processo de desenvolvimento. Todo este processo contínuo que Hegel chama de Geist, pode ser entendido como Espírito ou Mente, que vem a ser a própria matéria da existência, a essência máxima do Ser – e seu desenvolvimento se dá em direção a uma consciência individual e um conhecimento pessoal. Geist seria então o conjunto de toda a cultura humana – desde que o homem havia saído da caverna – que chegou à Alemanha em pleno XIX e encarnou-se no homem alemão, que tem consciência de seu papel na História humana. Em outras palavras, Hegel está dizendo ao jovem alemão que assiste às suas aulas, que havia chegado o momento para o povo da Alemanha, bastando que para isso tomassem consciência histórica e que só poderia tender para a unificação rumo ao Estado Absoluto.

O Processo Dialético Uma vez que este Geist tornava-se consciente na Alemanha do século XIX, restava saber se este processo deveria ser natural ou se daria de forma revolucionária, com aqueles sujeitos que tomaram consciência do processo histórico, tomando às vezes dos outros sujeitos que ainda estão alienados do Geist, e acelerando o processo de mudanças, agiriam na história, ou não. Foi depois da morte de Hegel que teve início uma polêmica que causa muita confusão até hoje. O conceito de direita e esquerda vem da divergência entre os alunos de Hegel (originalmente

124

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


os que sentavam de um lado e de outro do auditório onde ministrava suas aulas na Universidade de Berlim): os de direita, discípulos diretos de Hegel, defendiam a ortodoxia evangélica e o conservadorismo político do período posterior à restauração napoleônica, ou seja, uma obediência à lei e uma espera pelo curso natural das coisas e da História; já os de esquerda, chamados depois de jovens Hegelianos, defendiam um sentido revolucionário, o que os levou ao ateísmo na religião e ao socialismo na política. Entre estes estavam Ludwig Feuerbach, David Friedrich Strauss, Max Stirner, Bruno Bauer e Karl Marx.

A influência deste período vai ser fortemente sentida mais tarde em movimentos como o cubismo e o Bahaus.

Hegel constrói um sistema para compreender a história da filosofia e do mundo e que se convencionou chamar de dialética materialista histórica: uma projeção na qual cada movimento posterior surge como solução das contradições inerentes ao movimento anterior. O exemplo dado por Hegel é a própria Revolução Francesa, que se constitui a introdução da verdadeira liberdade nas sociedades ocidentais pela primeira vez na história humana por sua novidade absoluta e também absolutamente radical: por um lado, a revolução e, por conseguinte, a liberdade conquistada por um brutal Reinado do Terror. A história progride e somente depois desta revolução, e por causa dela, pode-se postular a existência de um Estado constitucional de cidadãos livres, que consagra o poder organizador do governo racional e os ideais revolucionários da liberdade e da igualdade, ventos estes que agora sopram na Alemanha no Geist que se concretiza. A dialética hegeliana normalmente é apresentada em três conceitos chamados: tese (no caso da Revolução Francesa, a revolução), antí-tese (o terror subsequente) e a síntese (o estado constitucional de cidadãos livres). Porém, é bom destacar que o próprio Hegel não utilizou esta conceituação que foi criada anteriormente por Fichte em sua explicação mais ou menos análoga à relação entre o indivíduo e a sociedade alemã. Quando se faz esta referência, se quer dizer que – para o Geist – Hegel entende que: •• Tese – O Geist se objetiva no Sujeito – Estado Subjetivo (consciência do Sujeito frente à história) •• Antitese – O Geist se objetiva nas Instituições – Estado Objetivo (consciência da Família, Governo, Igreja) •• Síntese – O Geist se objetiva no Estado – Estado Absoluto (consciência histórica do coletivo social). A principal obra de Hegel é sua Fenomenologia do Espírito (1806), e enquanto estava vivo ainda viu publicada a Enciclopédia das Ciências Filosóficas, a Ciência da Lógica (1817), e (Elementos da) Filosofia do Direito (1821). Várias outras obras sobre filosofia da história, religião, estética e história da filosofia foram compiladas a partir de anotações feitas por seus estudantes, tendo sido publicadas postumamente. Espírito para Hegel é a expressão da cultura humana, e ética é a expressão maior desta cultura. Como pensa na totalidade, é Hegel quem faz a distinção entre moral e ética. Cícero havia criado a palavra moral para o latim a fim de traduzir o termo ethos dos gregos, e a palavra vai aparecer pela primeira vez na obra De officiis (Sobre os Deveres) como mos, moris (moral). Até o século XVIII, ética e moral sao sinônimos e podem significar tanto costume quanto hábito. Mas com Hegel e sua dialética, Otto von Bismarck, grande personagem da unificação alemã, há um componente da práxis (ação) sobre o hábito: ou seja, Hegel afirmava que: “A política é a doutrina do possível.” entende que há uma eticidade (Sittlichkeit) e uma moralidade (Moralität), que procura demonstrar esta ação derivada da consciência humana. Eticidade passa a ser então a lei moral fixada enquanto norma, leis e costumes da sociedade, significando o aspecto objetivo da ética; e moralidade, ao contrário, o cumprimento do dever por um ato de vontade e escolha consciente do sujeito. O sujeito é moral ou não se cumpre a norma estabelecida, e a instância maior que regula a ação é o Estado.

Uma Nova Sociedade A sociedade europeia vai passar então por uma profunda mudança econômica, política e cultural entre os séculos XVII e XIX, que vai motivar o aparecimento de novas ciências que buscam compreender, à luz de um método moderno, racional, os diferentes aspectos da natureza e da própria sociedade. Com a Revolução Industrial, um conjunto de novas tecnologias com profundo impacto no processo produtivo em nível econômico e social, iniciada na Inglaterra, expandiu-se pelo mundo. Neste processo, a era agrícola foi superada, a máquina ocupou o trabalho humano, uma nova relação entre capital e trabalho se impôs, novas relações entre nações se estabeleceram e surgiu o fenômeno da cultura de massa. Uma combinação de fatores, como o liberalismo econômico, a acumulação de capital e uma série de invenções, tais como o motor a vapor, fez surgir um novo conceito de riqueza, que agora estava associada a produzir e consumir produtos industrializados. A produção antes da industrialização era artesanal e manual, ou manufatura, com o uso de algumas máquinas simples. O trabalho era realizado em oficinas nas casas dos próprios artesãos que dominavam todas as etapas FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

125


do processo produtivo e, dependendo da quantidade, artesãos podiam se organizar e dividir etapas do processo da obtenção da matéria-prima até à comercialização do produto final. Com a introdução da industrialização, os trabalhadores se tornaram apenas uma peça da engrenagem em que se transformou o processo produtivo e, uma vez que passaram a trabalhar para um proprietário das máquinas (na qualidade de vendedores de força de trabalho ou operários), perdem a posse da matéria-prima, do produto final e do lucro sobre o capital investido. Este novo trabalho realizado com as máquinas foi denominado de maquinofatura, e este processo financeiro, de capitalismo. Na verdade, o que está acontecendo é a junção de uma nova classe social – comerciantes burgueses – que financiam A nova classe surge, o proletariado, de prole - filhos, numa clara referência uma nova tecnologia, mudam a economia e a divisão social, ao número de crianças dos operários que trabalhavam nas fábricas em um processo que atinge os países da Europa desde a Baixa Idade Média, com ênfase nas Nações onde a Reforma Protestante tinha conseguido romper com a influência da Igreja Católica: Inglaterra, Escócia, Países Baixos, Suécia. Nos países fiéis ao catolicismo, a Revolução Industrial aconteceu, em geral, mais tarde, em uma tentativa de copiar aquilo que se fazia nos países mais avançados tecnologicamente: os países protestantes.

A Sociedade Industrial A Revolução Industrial faz parte das chamadas Revoluções Burguesas do século XVIII, que derrubaram o Antigo Regime, iniciando a transição que sai de uma economia capitalista comercial para a industrial. A Independência dos Estados Unidos (1776) e a Revolução Francesa (1789), realizadas sob influência dos princípios iluministas, marcam a construção do Estado Moderno. No plano das Relações Internacionais, o século XIX foi o da liderança britânica, em um período de acelerado progresso econômico-tecnológico, de expansão colonialista. O trono inglês foi ocupado pela rainha Vitória (1837-1901), e por isso o período é chamado de Era Vitoriana, marcado pela busca por novas áreas para colonizar e comercializar os produtos industralizados, levando a uma acirrada disputa entre as Nações, causando diversos conflitos e um crescente espírito armamentista culminando, mais tarde, na Primeira Guerra Mundial (1914). A nova sociedade industrial surgia em todas as partes da Apesar de a riqueza circular com a industrialização, Europa e era registrada nos quadros e nas obras literárias as condições sociais nos países industriais em relação aos outros países da época eram as piores possíveis. Houve uma mudança progressiva das necessidades de consumo da população conforme novas mercadorias foram sendo produzidas, alterando profundamente as condições de vida dos trabalhadores, provocando um intenso deslocamento da população rural para as cidades, gerando enormes concentrações urbanas. Para se ter ideia, a população de Londres pulou de 800 000 habitantes, em 1780, para mais de 5 milhões, em 1880. As condições de trabalho eram desumanas se comparadas às condições dos trabalhadores do século XX, e a maioria morava em cortiços, submetidos a jornadas de trabalho que chegavam até a 80 horas por semana, com um salário em torno de 2.5 vezes o nível de subsistência - mulheres e crianças trabalhavam recebendo um salário menor.

Um marco revolucionário Não há dúvidas de que a Revolução Francesa marca um divisor histórico da civilização humana, especialmente na tradição ocidental. Uma sucessão de fatos ocorridos entre 1789 e 1799 pôs fim ao mercantilismo, ainda remanescente do feudalismo, marcando a tomada de poder por uma classe média, comerciante e liberal. Três fatores vão chamar a atenção: há aí também uma semente do nacionalismo – expansão de mercados e de territórios em nome de uma soberania nacional -; do individualismo, que marca os modernos, e que reflete no econômico, sacrificando a fraternidade do lema revolucionário (liberdade, igualdade e fraternidade), exigindo-se uma concorrência de mercadorias, Burgueses e operários: dois novos sujeitos históricos trazidos serviços e bens; e o aparecimento das massas, sua soberania – pela Revolução Industrial. A industrialização bélica logo traria consequências nefastas enquanto povo – e sua dominação enquanto ideologia. Já a Revolução Industrial, que podemos datar a partir de 1760 – e que ainda se desenvolve com automação e complexos sistemas informatizados – vai trazer a urbanização da vida em grandes cidades e o aparecimento de novas

126

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


classes sociais (para usar um termo marxiano) e novas filosofias econômica e política, culminando com a defesa cada vez mais de um imperialismo em nome da melhoria dos padrões de vida das pessoas. Nota-se também, neste período, o aumento da população em níveis jamais alcançados em números absolutos e em taxa de crescimento, exigindo-se o aumento da economia agrícola. Todos estes fatores reunidos levarão a humanidade a dois grandes conflitos armados: a Iª Guerra (1914-1918) e a IIª Guerra (1939-1945) Mundiais. Karl Marx (1818-1883) é o principal nome do século XIX quando se trata de influenciar toda uma geração de filosofias posteriores e de correntes políticas que se baseiam em suas teses econômicas. Conhecer seu pensamento nos leva a considerar a história do século XX como sendo o confronto de modelos políticos que negam ou reafirmam seus conceitos. Seu pensamento é sua própria história de vida: reflete o momento de grande revolução que vivem a Alemanha, a Europa e o mundo naqueles meados do século XIX.

Marx e a Luta de Classes Em 1830, Marx iniciou seus estudos, ano em que eclodiram revoluções em diversos países europeus. Ingressou mais tarde na Universidade de Bonn para estudar Direito, transferindo-se no ano seguinte para a Universidade de Berlim. Como o terceiro de sete filhos de uma família judia de tradição intelectual - descendentes de uma família de rabinos - (a mãe, Henri Pressburg (1771–1840), era holandesa e seu pai, Herschel Marx (1759–1834), alemão, advogado O alemão e conselheiro de Justiça que se converteu ao cristianismo luterano Karl Marx, que viveu em função das restrições impostas à presença de membros judeus como pobre no serviço público, quando Marx ainda era criança) – viveu com e sustentado apreensão aqueles momentos de grave crise na sociedade alemã. pelo amigo Friedrich Em Berlim, sofreu a influência de Hegel, que exerceu grande inEngels, um fluência sobre sua obra, perdendo interesse pelo Direito e se volindustrial rico, amava tando para a Filosofia, participando dos chamados Jovens Hegesua mulher, lianos. Em 1841, defende sua tese sobre as “Diferenças da filosofia Jenny Marx. da natureza em Demócrito e Epicuro”, para obter o título de doutor em Filosofia. A partir de 1842, torna-se redator-chefe da Gazeta Renana (Rheinische Zeitung), jornal da província de Colônia onde conheceu Friedrich Engels neste mesmo ano, durante visita deste à redação do jornal. Sua obra é estruturada a partir daí.

Manuscritos Econômico-filosóficos Marx vai fazer a crítica à economia política de Adam Smith – Economista escocês (1723-1790), autor de “Pesquisa sobre a natureza e as causas da riqueza das nações”, de 1776, que aponta o trabalho como única fonte de riquezas: o valor baseado na oferta e na procura, o comércio livre de qualquer proibição e a concorrência elevada à condição de um princípio são os fundamentos de sua doutrina. Para Adam Smith, segundo Marx, o trabalho é a única fonte de riquezas e é a propriedade privada do sujeito. Portanto, a propriedade privada deixa de ser um estado exterior, para ser interiorizada no sujeito, no homem. Marx aponta um movimento da própria história que levou a esta situação mostrada por Adam Smith e que hoje, no capitalismo, se encarna na indústria que vira o sujeito que a Marx e Engels, imortalizados em estátuas, vão lançar transforma numa força de consciência. Para Marx, essa economia política (liberal juntos em 1848 o famoso “Manifesto Comunista”. de Adam Smith) descobriu a essência subjetiva da riqueza = a propriedade privada que vai virar essência objetiva para o homem. Essa política econômica interiorizou a propriedade privada no homem: a propriedade privada é incorporada no próprio homem e reconhecida por ele como sua essência. Resumo: A essência subjetiva da propriedade privada como ati- vidade para si é o trabalho do sujeito. Portanto, a propriedade privada deixa de ser um estado exterior ao homem. A essência subjetiva da riqueza está no interior da propriedade privada. Propriedade privada como essência objetiva do homem para Adam Smith. O homem é posto sob a determinação (Bestimmung) da propriedade privada O que antes era ser-exterior-a-si (exteriorização real do homem) converteu-se em estranhamento. Depois de apresentar o que para Marx é o esquema geral dessa economia política, ele passa a criticar o sistema e apontar suas contradições. Há um cinismo nesta doutrina, segundo Marx, que provoca um estranhamento do homem com o homem, que causa a contradição no sistema. Marx retoma a passagem do regime feudal para o mercantilismo e dela para o liberalismo: No feudal a relação era: Trabalho X Terra. O que Marx quer é mostrar que o trabalho de subsistência na terra é diferente do trabalho assumido como propriedade privada do sujeito e, ao mesmo tempo, diferenciar a agricultura Caberia agora ao proletariado liderar a sociedade para um novo momento histórico com a tomada dos meios de produção, da indústria, como ideia de trabalho geral diferente de trabalho deixando de ser explorado pelo patrão

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

127


determinado. Para Marx, a agricultura é um modo particular de existência naturalmente determinada. Portanto, não concorda com Adam Smith quanto e qualifica Agricultura e Indústria e Trabalho para Subsistir e Trabalho em geral. Para Marx, há Trabalho Determinado que é diferente do Trabalho Geral. Portanto, para Marx, a passagem do feudal para o liberal se dá quando “toda riqueza se transforma em riqueza industrial, em riqueza do traba- lho, e a indústria é trabalho acabado, assim como o siste- ma fabril é a essência desenvolvida da indústria, isto é, do trabalho, e o capital industrial é a forma objetiva acabada da propriedade privada”. E conclui Marx: “Vemos como somente agora a propriedade privada pode complementar seu domínio sobre o homem e converter-se, em sua forma mais geral, em um poder histórico mundial”.

Propriedade Privada e Comunismo Marx vai apresentar a tese do comunismo contra o capitalismo liberal e vai expor a contradição Capital X Trabalho - Propriedade X Falta de propriedade. Marx então vai definir: • Trabalho: Essência subjetiva da propriedade privada com exclusão da propriedade; • Capital: Trabalho objetivo como exclusão do trabalho. E esta, segundo Marx, é a contradição do sistema liberal fisiocrata capitalista. Para Marx, o comunismo é a expressão positiva da propriedade privada superada e também propriedade privada geral. Marx faz então primeiro uma diferenciação entre os vários tipos de comunismo, em especial ao que ele chama de comunismo grosseiro: “O comunista grosseiro é apenas o acabamento desta inveja e desta nivelação, partindo de um mínimo representado”. Marx vai refutar este comunismo grosseiro que é a primeira superação da propriedade privada e também um comunismo de estado ainda não totalmente superador da autoalienação do homem. Para por fim pregar o comunismo verdadeiro, que é a apropriação efetiva da essência humana através do homem e para ele. Marx vai traçar então um panorama da história e apontar que até mesmo o liberalismo e o capitalismo fa- zem parte deste vir-a-ser, do movimento contraditório da própria história. Mas, ao contrário do comunismo, o atual sistema promove uma vida humana alienada da própria vida humana, resumindo-se em produção e consumo. E tudo o mais que cerca este homem, religião, política, direito, Estado só servem para aliená-lo ainda mais de si mesmo e dos outros homens. É portanto contra isto que Marx está escrevendo. Contra a alienação do homem: • Alienação religiosa – que se dá na consciência • Alienação econômica – que se dá na vida efetiva do homem Por isso, a superação abrange estes dois lados: e por isso o comunismo é ateu (ainda que ateísmo não seja comunismo) e não filosófico-abstrato , já que tende para a prática. O Comunismo de Marx é um humanismo. É uma volta do homem ao homem como ser social. A tese principal deste humanismo parece ser a ideia de um homem como ser social voltado para a felicidade que vai proporcionar o gozo coletivo em oposição a uma sociedade que prostitui o homem e o gozo é de apenas alguns. Marx insiste na tese que a atividade humana é essencialmente social, ou seja, voltada para os outros homens. Ser social de Marx: a exteriorização da vida do indivíduo é a confirmação da vida social, ou seja, a sociedade é a exteriorização da vida humana. A propriedade privada vai fazer com que deixe de ser social, causando um estranhamento do homem para com o homem, havendo apenas o gozo imediato, exclusivo no sentido de posse, no sentido de Ter. O que Marx acentua é a diferença entre o homem social e o homem individual e o coletivo e o privado. O sistema capitalista então provoca a alienação de todos os sentidos e ressalta somente o TER. Portanto, a superação da propriedade privada é uma emancipação do homem. Marx faz depois uma longa exposição para discutir as condições que determinam o pensar humano relacionando os sentidos, o sentir, com as condições objetivas da vida, da existência: “O homem necessitado, carregado de preocupações, não tem senso para o mais belo espetáculo”. “Um ser só se considera autônomo, quando é senhor de si mesmo, e só é senhor de si, quando deve a si mesmo seu modo de existência. Um homem que vive graças a outro, se considera a si mesmo um ser dependente”. Depois de apontar isso, começa a preparação para apresentar um cientificismo crítico e propor uma união das ciências em uma única que dê conta do movimento da sociedade. Marx propõe uma ciência do homem – que seria a coroação de seu humanismo. Começa a expor seu materialismo, que tem por base a existência do homem e da natureza que existem e têm sua existência neles mesmos: “Para o homem socialista, toda a assim chamada história universal nada mais é do que a produção do homem pelo trabalho humano; o vir-a-ser da na- tureza para o homem tem assim a prova evidente, irrefutável, de seu nascimento de si mesmo, de seu processo de origem”. Por conta disso, dispensa qualquer mediação entre homem e homem e homem e natureza, negando, portanto um Deus extra-mundo, que é superado pelo comunismo.

Necessidade, Produção e Divisão do Trabalho Marx vai fazer duras críticas à exploração do operário pelo capitalista, acentuar a individualização de uma economia baseada na necessidade, no consumismo e como este sistema transforma o trabalhador em um alienado. Marx aponta a contradição do capitalismo com a máxima de um querendo engolir o outro numa economia baseada na necessidade: “Cada indivíduo especula sobre o modo de criar no outro uma nova necessidade para obrigá-lo a um novo sacrifício, para levá-lo a uma dependência, para desviá-lo para uma nova forma de gozo e com isso, da ruína econômica”. “Cada qual trata de criar uma força essencial estranha sobre o outro, para encontrar assim a satisfação para o seu próprio carecimento egoísta”. “O Homem torna-se cada vez mais pobre enquanto homem, precisa cada vez mais do dinheiro para apossar-se do inimigo – a quantidade de dinheiro torna-se cada vez mais sua única propriedade dotada de poder”. O poder transformado agora em dinheiro vai provocar um consumismo desenfreado: “Cada produto é uma isca para atrair o ser dos outros, seu dinheiro e enquanto te engano te proporciono o gozo de Ter”. O sistema provoca necessidades que alienam o homem de si mesmo: tanto que sequer tem consciência das condições em que vive. Existe uma lógica de exploração a qual Marx critica e associa isso, ou seja, esta economia política como ciência moral na medida em que

128

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


transforma o operário em um alienado. “A relação da economia política com a moral, quando não é arbitrária, casual e por infundada e não-científica, quando não é uma aparência, mas quando é considerada como essencial, não pode ser senão a relação das leis econômicas com a moral”. E diante desta contradição do sistema, nem mesmo seus teóricos, cita Marx (Ricardo e Malthus, por exemplo), se entendem quanto ao melhor: poupar ou gastar para manter o sistema em pleno funcionamento? Nesta ótica, critica Marx, o que para o rico é uma virtude para o pobre vai ser um vício. E faz uma dura crítica aos ricos e seu esbanjamento. Marx então elenca aquilo que tem valor nessa economia política liberal fisiocrata: 1. capital é trabalho acumulado 2. uma relação entre produção e trabalho 3. operário enquanto capital 4. o salário que faz parte dos custos do capital 5. para o operário, o trabalho é seu capital vital 6. para o capitalista, é um fator de atividade de seu capital 7. unidade entre capitalista e operário. Marx diz que para estes economistas, o avanço de um sobre o outro é casual e por isso só pode ser explicado exteriorOs primeiros altos-fornos apareceram no século XIII. A indústria metalúrgica mente. Marx introduz o conceito de fetichismo do dinheiteve novo impulso no século XVIII com a revolução industrial. ro-metal: os valores podem ser medidos na relação das coisas entre si: Fetichismo – feitiço – valor simbólico dado a uma coisa, normalmente um valor exagerado. “No fetichismo, por exemplo, vê-se até que ponto a solução dos enigmas teoréticos é uma tarefa da prática, uma tarefa cuja mediação é a prática, até que ponto a verdadeira prática é a condição de uma teoria positiva efetiva”. E propõe o comunismo como um princípio de igualdade, que seria o fundamento do comunismo e dá quais são as ligações de seu pensamento com as tradições: Alemã: a autoconsciência: “quando o alemão concebe o homem como autoconsciência geral” Francês: a Igualdade por causa da polícia Inglaterra: a necessidade prática, material real então o comunismo vai ser: “a negação da negação, a apropriação da essência humana através da negação da própria propriedade privada, por isso ainda não como a posição verdadeira, que parte de si mesma, mas antes como a posição que parte da propriedade privada”. e vai dizer: “A alienação da vida humana permanece e continua sendo tanto maior, quanto mais consciência dela como tal se tem”... e propõe a praxis: “pode ser realizado, assim só mediante o comunis- mo posto em prática pode realizar-se”. “Para suprimir a propriedade privada efetiva, é necessária uma ação comunista efetiva”. Para Marx, este processo é natural e sequencial, já que é a história que vai garantir esta transição, ou esta superação de estágios. E começa a propor a união entre artesãos comunistas que se apropriam da necessidade de associação e esta se torna um fim. Um movimento prático – os operários socialistas franceses; Há fraternidade entre eles. Marx volta à questão da oferta e da procura, defendida pelos liberais, que para eles, se equilibrariam, mas não para Marx: “Na medida em que é o dinheiro que aparece como meio, o verdadeiro poder e o único fim; na medida em que o meio em geral, que me faz ser, que faz meu o ser objetivo estranho, é um fim em si mesmo”. “A alienação aparece tanto no fato de que meu meio de vida é de outro, que meu desejo é a posse inacessível de outro, como no fato de que cada coisa é outra que ela mesma, que minha atividade é outra coisa, e que, finalmente ( e isto é válido também para o capitalista) domina geral o poder desumano”. Marx vai mostrar então que, no movimento histórico, o capitalista transformou a propriedade privada em capital industrial. E vai complementar dizendo que somente quando se entende o trabalho como essência da propriedade privada é que se pode penetrar no movimento econômico como tal em sua determinação real. Marx vai expor longos trechos de Adam Smith, J.B. Say, Skarbek e Stuart Mill, em que todos defendem a divisão do trabalho. Para eles, havia uma necessidade de produtividade, cujo resultado prático se dava com a divisão do trabalho. Diante disso, mais uma vez Marx volta a reafirmar sua tese do trabalho como essência da propriedade privada: “Afirmar que a divisão do trabalho e a troca se baseiam na propriedade privada não é senão afirmar que o trabalho é a essência da propriedade privada, uma afirmação que o economista não pode provar e que nós vamos provar por ele”. E fala “dialeticamente” o que deve ocorrer: “Justamente pelo fato de a divisão do trabalho e a troca serem configurações da propriedade privada, nisto precisamente reside a dupla prova tanto de que, por um lado, a vida humana necessitava da propriedade privada para sua efetivação, como de que, por outro lado, necessita agora da superação da propriedade privada” Sua crítica é: “Divisão do trabalho e troca são os dois fenômenos que fazem com que o economista faça alarde do caráter social de sua ciência e expresse, de um só fôlego e inconscientemente, a contradição da sua ciência: a fundamentação da sociedade mediante o interesse particular antissocial”. Para Marx, estes economistas encaram o trabalho humano apeOperários enchem as ruas dos grandes centros urbanos nas como movimento mecânico. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

129


Dinheiro Para Marx, o sentido ontológico da vida humana é o gozo, o desfrutar sensivelmente das coisas. Mas a propriedade privada condiciona este gozo. E é representado pelo dinheiro, que possui a propriedade de comprar tudo. Enquanto possui a propriedade de apropriar-se de todos os objetos, é pois, o objeto por excelência. “Mas o que me serve de meio para minha vida, serve também de meio para o modo de existência de outros homens para mim. Isso é para mim o outro homem”. O dinheiro faz de seu possuidor o possuidor das qualidades inerentes ao dinhei- ro e ultrapassa a individualidade humana e a qualifica pelo que se pode trocar pelo dinheiro. O dinheiro vai ser o laço que me liga à vida humana, que liga a sociedade a mim, que liga o homem com a natureza: é o laço de todos os laços. O dinheiro aparece como capacidade alienada da humanidade: “O que não posso como homem, o que não podem minhas forças individuais, posso através do dinheiro”.

Crítica da Dialética e da Filosofia Hegelianas em Geral Marx quer tecer críticas à falta de críticas à Fenomenologia e à Lógica de Hegel. Salva apenas Feuerbach, que para Marx foi o único que tem a respeito da dialética hegeliana uma atitude séria de crítica e que chegou a superar o que Marx chama de velha filosofia. Os três feitos de Feuerbach, segundo Marx, com relação à filosofia de Hegel: 1. Ter provado que a filosofia nada mais é do que a religião trazida para o pensamento e exposta pensadamente; uma outra forma, outro modo de existência da alienação do ser humano; e que também deve-se condenar. Ou seja, uma crítica à metafísica ainda estava presente na velha filosofia; 2. Ter fundado o verdadeiro materialismo e a ciência real, ao fazer igualmente da relação social “de homem a homem” o principio fundamental da teoria. Ou seja, o humanismo e cientificismo da doutrina materialista; 3. Ter exposto a negação da negação. Para Marx, citando Feurbach – Hegel parte da alie- nação, ou seja, da substância, da abstração absoluta e fixa (ideia) – uma espécie de metafísica. Depois supera o in- finito (metafísico) e coloca no seu lugar o verdadeiro, o sensível, o real, o finito, o particular. Por fim, supera este positivo real, restabelece a abstração, o infinito (metafísico). Para Feurbach, há uma contradição da filosofia consigo mesma que afirma uma espécie de transcendência que já havia negado da teologia. Primeiramente vamos à Hegel: Determinação (Bestimmung) indica processo; Objetivo final do universo: a própria determinação como tal (concretização) da natureza do espírito (Geist); O Espírito é a manifestação que se objetivou. Esta objetivação do espírito é o mundo, o homem, a natureza. Mas quando isso ocorre no espírito, ocorre uma alienação (afastamento), já que a objetivação não se dá no espírito. Este desdobramento se dá na história. O Espírito é a totalidade: processo em que se naturaliza, se objetiva e perde a consciência de si. Então ele tem de buscar a consciência de si. Este é o processo da história, ou seja, a história é a busca do espírito da consciência de si. • espírito – autoconsciência da liberdade se dá através do estado. • Isso faz gerar A Historia universal - Progresso (Evolução). Para Hegel, a realidade de fato é um processo mediato da reflexão do pensamento sobre o pensar. E é isso que Marx vai criticar: “Meu método dialético não apenas difere em sua base do hegeliano como, além disso, é totalmente inverso deste. Para Hegel, o movimento do pensamento, que ele encarna com o nome de Ideia, é o demiurgo da realidade, que não é mais do que a forma fenomênica da Ideia. Para mim, ao contrário, o movimento do pensamento é o reflexo do movimento real, transportado e transposto para o cérebro do homem... a compreensão positiva das coisas existentes inclui, ao mesmo tempo, o conhecimento de sua negação fatal, de sua destruição necessária, porque ao captar o próprio movimento, do qual todas as formas acabadas são apenas uma configuração transi- tória, nada pode detê-la, porque em essência é crítica e revolucionária” (MARX posfácio O Capital). O reconhecimento do movimento dialético não é suficiente. Um fenômeno social deve ser submetido à crítica, de modo que suas potencialidades possam ser reveladas e assim atualizadas de forma mais evoluída. E se distancia também de Feurbach, que se limitava em captar o mundo como objeto, sem entender que o sensível era resultado da ação humana e que, por isso, era passível de transformação por meio da atividade revolucionária ou crítico-prática. O historicismo constitui para Marx um caráter essencial da própria realidade, da própria existência e não apenas das representaGrandes fábricas aumentavam os lucros que eram apropriados pelos patrões sem que os ções dessa realidade no espírito, como diria operários pudessem obter riqueza como resultado de seu trabalho seu mestre Hegel. Toda realidade natural e social é, portanto, histórica. Neste historicismo há uma visão dinâmica da realidade e uma ontologia materialista (o que existe é o concreto, a realidade material) e esta existência está em transformação, e não somente a nossa concep- ção de mundo ou da realidade, mas o próprio mundo, a própria realidade no seu conjunto, que é material e existe objetivamente. Não se trata de apenas distanciar o caráter dinâmico e material da realidade, mas implica dizer que, para conhecermos qualquer fenômeno, é preciso nos referirmos à sua história, à sua “explicação genética”. E ao descrever historicamente

130

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


um determinado desenvolvimento, nós o estamos explicando causalmente. A história se configura assim como o ponto de vista central, unificador e totalizador e é desse ponto de vista que o objeto das diferentes ciências deve ser estudado. Podemos descrever esse historicismo marxiano como a expressão de uma concepção ontológica e epistemológica, cujos traços característicos podem ser resumidos em: a) identificação da realidade com a matéria – Ao contrário de Hegel que considerava a realidade como produto do pensamento (Geist, espírito cultural da humanidade) e a história como a história do pensamento, Marx considera a realidade como material e com uma existência objetiva, fora do pensamento e indepen- dente dele, e a história como produção e reprodução da vida real; os pressupostos nos quais Marx se apoia são reais: indivíduos reais, suas ações e suas condições materiais de vida, tanto naturalmente encontradas, como produzidas pela ação, ou seja, para se entender a história dos homens é essencial começar pelas condições materiais de sua produção. b) A processualidade da realidade – Marx rejeita a concepção de uma realidade estática. Para ele, a realidade é dinâmica essencialmente. Isso significa que ela evolui necessariamente e as leis correspondentes são variáveis; objetos, fenômenos e suas representações no espírito somente devem ser apreendidos em sua processualidade como uma transformação, no sentido de uma continuação que vai do nascimento de uma coisa, através de uma sucessão de mutações, ao desaparecimento e sua transformação. Uma processualidade que se dá como uma passagem de formas inferiores a formas superiores e, por isso, para ele não existiria uma essência do homem ou da sociedade extra-temporal e imutável, mas sim uma essência, que varia de acordo com as condições históricas, as condi- ções materiais da história. c) o conhecimento como reflexo da realidade material – A epistemologia do historicismo marxiano tem sua característica na suposição que o conhecimento consiste em refletir ou copiar, na consciência, os objetos, os fenômenos que têm uma existência real, independentemente do pensamento. O conhecimento é, assim, reflexo do real e supõe: 1. um sujeito – que Marx define como “ser objetivo” ou “ser material”, um ser dotado de forças mate- riais, que implica dizer que é um ser que tem ob- jetos fora de si mesmo, que é objeto para outros e cuja natureza não é o espírito. Diferente de Kant, Marx professa um sujeito-objeto, ou seja, pensar- se como sujeito, mas sua consciência não é independente de seu organismo e sua atividade vital é prática. O sujeito atua e, como tal, é objeto para outros sujeitos atuantes. Disso deriva que se deve apreender o objeto, a realidade, a sensibilidade sob a forma de “atividade humana sensível”, como “praxis”, implica que o homem tome consciência de si próprio como ser social, simultaneamente sujeito e objeto do devir histórico. 2. um objeto – que também tem natureza material, o objeto se apresenta como independente da consci- ência e externo a ela, não somente enquanto existente independente do pensar, mas também como algo que tem “objetividade fora do saber”. 3. uma relação entre sujeito e objeto – uma relação de ordem objetiva, ou, o homem enquanto sujeito conhece o objeto – conhece-o, deseja-o, necessita-o, experimenta-o, trabalha-o – e encontra-se determinado por esses mesmos objetos, ou seja, a consciência humana é determinada pelas condições de produção da vida material: não é a consciência individual que determina todas as formas históricas e de comportamento social, e sim a produção da vida material; a consciência reflete o material que foi reproduzido.

A Praxis é o Critério de Verdade O critério utilizado por Marx para verificar se o conhecimento realmente reflete, ou representa teoricamente a realidade material, é a praxis: “A questão de saber se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva não é uma questão teórica, mas prática. É na praxis que o homem deve demonstrar a verdade. Isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno de seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não-realidade do pensamento isolado da praxis - é uma questão puramente escolástica”. Nesse sentido, um conhecimento verdadeiro diz respeito à tendências inerentes ao desenvolvimento histórico da humanidade - se com base no acerto de suas previsões, é possível acelerar, em determinadas condições e dentro de certos limites naturais, a própria transformação da re- alidade. O pensamento marxiano concebe conhecimento humano como uma relação entre as ideias do homem e as condições históricas.

Epistemologia Marxiana O operário deveria ser o próprio agente de Sua concepção tem como base a física Newtoniana. Marx acredita que, transformação de sua realidade assim como Newton havia descoberto leis naturais, disciplinadoras dos movimentos da matéria no espaço, de tal modo que, conhecidos os dados relevantes a respeito de qualquer sistema físico num instante determinado, seria possível predizer-lhe ou retrodizer-lhe todos os estados. Marx havia descoberto as “leis” que dominam a história universal e a história das diferentes épo- cas e dos diferentes países de modo a predizer-lhes o curso do desenvolvimento. No Capital, ele descreve: “Mesmo quando uma sociedade descobriu a pista da lei natural do seu desenvolvimento - e a finalidade última desta obra é descobrir a lei econômica do movimento da sociedade moderna - ela não pode saltar nem suprimir por decreto as suas fases naturais do desenvolvimento, mas pode abreviar e minorar as dores do parto”. Marx manifestava um ideal de uma ciência una, onde a ciência do homem devia constituir uma unidade com as ciências da natureza. Seu modelo é a física newtoniana baseada na observação empírica rigorosa - explicação causal - elaboração de teorias fundadas na descoberta de “leis naturais”. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

131


Paralelo entre as Ciências Naturais e Sociais OBSERVAÇÃO EMPÍRICA: Troca-se o microscópio e os reagentes químicos por uma abstração e reinterpretação de situações históricas. EXPLICAÇÃO CAUSAL DOS FENÔMENOS NATURAIS: Na natureza, fatores “inconscientes e cegos”- nas ciências dos homens, os agentes são os homens dotados de consciência que atuam buscando determinado fim, nada acontecendo sem intenção consciente. E acima dos motivos pessoais estão as “causas materiais” consideradas como “forças determinantes” e que permitem “explicar”, através das ações e das relações dos homens entre si, os acontecimentos e o curso dos processos históricos. LEIS GERAIS: A sociedade é regulada por leis gerais internas, que se traduzem em previsões históricas. A sociedade, como a natureza, está submetida a uma determinação. Mas as leis que regem a sociedade não são universalmente válidas, elas têm caráter histórico, cada regime social tem suas próprias leis. O MÉTODO: Marx pouco se preocupou com questões metodológicas. No prefácio da Segunda edição do Capital e na seção dedicada ao Método de Economia Política, ele detalha a relação entre o método analítico e o sintético, concepções newtonianas do método científico e também afirmações hegelianas em sua lógica. O método de Marx não é a dialética, mas uma versão hegeliana (a dialética como instrumento) da concepção newtoniana do método resolutio-compositio. RESOLUTIO: Quando o “concreto” é dado à experiência ordinária como “concreto figurado” e é reduzido a uma determinação abstrata (simples). COMPOSITIO: As determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto no pensamento, como síntese, como conjunção de múltiplas determinações. MÉTODO ANALÍTICO: Destaca os fenômenos em sua forma dada, capta sua essência, chegando à explicação desse caráter fenomenal sob o ponto de vista de sua manifestação necessária. Esta manifestação necessária é devido ao seu caráter histórico. Aplicando o método na economia: O pesquisador começa apreendendo o caos da sociedade burguesa (população) por meio de seu estudo empírico, chega a conceitos simples abstratos (classes, trabalho, capital, valor, troca, preço) que, no entanto, só têm significação completa em referência a todos os demais. Só depois dessa análise é que se deve proceder ao processo de síntese, em que o todo é reconstruído a partir dos conceitos mais abstratos simples. Desse modo se ascende do “abstrato ao concreto”. Parte-se das determinações simples, imediatas e naturais (da sociedade capitalista) para alcançar, a partir delas o conhecimento da totalidade concreta enquanto reprodução no pensamento (concreto pensado). Isso demonstra que o método de Marx é o método Philosophia Naturalis, da época de Newton, interpretado por Marx de modo metafísico (idealista), segundo a orientação hegeliana.

A confusão entre “Direita” e “Esquerda” No Brasil há uma grande confusão (às vezes proposital, outras por ignorância) com os conceitos “direita” e “esquerda”. Em geral é utilizada a explicação dada em História (dialética e de viés marxista) que remete esta divisão à Revolução Francesa, séulo XVIII, da qual é feita uma transposição de “culotte” e “sans-culotte” na Assembléia da Povo durante a revolução, para direita, os aristocratas - conservadores (culotte) e à esquerda os burgueses - revolucionários (sans-culotte). Sans-culotte foi a denominação dada pelos aristocratas aos artesãos, trabalhadores e até pequenos proprietários participantes da Revolução Francesa, principalmente em Paris. Livremente traduzido da língua francesa como “sem culotes”, o culote era uma espécie de calções justos que se apertavam na altura dos joelhos, vestimenta típica da nobreza naquele país à época da Revolução. Em seu lugar, os “sans-culottes” vestiam uma calça comprida de algodão grosseiro, Sans culotte, que gera a divisão durante a Revolução Francesa traje típicamente utilizado pelos burgueses. Neste caso, a direita conservadora seria o capitalismo e o liberalismo, adotados pela burguesia que - segundo Marx - de classe reevolucionária, passa a classe opressora devendo ser superada pelo proletariado, que se transforma em esquerda revolucionária, adotando o socialismo como ideologia econômica e social. No entanto, em Filosofia Política, esta divisão esquerda e direita é do século XIX, derivada das aulas de Hegel na Alemanha, ainda bem antes da unificação por Bismark. A dialétia hegeliana se baseia em conceitos de Fichte e Schelling, sobre tese - antitese - sintese e Geist universal do espírito humano. Como a História é um processo, ela mantem no presente uma dialética que opõe a tese (o jovem, a revolução) e a antitese (a tradição, o conservadorismo) do qual vai resultar no futuro da humanidade em uma sintese (novo homem, nova sociedade). Em suas aulas, na Universida-

132

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


de de Berlin, depois que sucedeu Fitche, em 1818, Hegel pregava que o Geist de toda a humanidade estava se objetivando na Alemanha. Para ele os jovens estudantes representavam a classe revolucionária (!), o jovem que imbuído do espírito da mudança, enfrentaria a tradição, o velho, representada pela sociedade alemã dividida em regiões e principados, semi-feudal, onde a família aristocrata, a religião ortodoxa judaica-cristã, o estado burocrático representaria a antitese à mudança. Deste embate saíria como síntese uma nova Alemanha, unificada, um novo alemão emancipado e um Estado Absoluto (!) - atenção, este termo vem da Química, abs (antes) soluto (composto); antes da unificação ser a junção de uma Alemanha separada, o Estado Absoluto remeteria à Germânia (unidade), a Alemanha do século XV que ainda não era Os trabalhadores começam a despertar e empreender a luta pelo poder dividida em regiões políticas; o coletivo é mais importante que o indivíduo, a sociedade é mais importante que sujeito, e a isso é chamado Estado Socialista (sozialistische). Então, no século XIX em Berlim, o jovem é o sujeito que tomou consciência histórica revolucionária e age objetivamente para mudá-la (Revolução, da Física - mudança de lugar em uma órbita que se repete, ora de um jeito, ora de outro). O jovem alemão é o Estado Subjetivo (o sujeito de consciência que superou a alienação, a utopia do contrato); a família, a religião e o estado são o Estado Objetivo (que existe concretamente e que gera a ideologia, a representação da história); o futuro pós-revolucionário é o Estado Absoluto ( a Alemanha unificada, um só governo, um só partido, uma só classe). Os jovens alunos de Hegel se dividem em duas frentes: a esquerda e a direita hegelianas. A primeira, chamada esquerda socialista (internacional), baseava-se na Física de Newton, e uma vez que tomara consciência deveria empreender a revolução (revolucionários) com base dos expoliados do Estado Objetivo , conduzindo a História para o que vai ser comum a todos e não apenas de alguns poucos privilegiados. A segunda, chamada direita socialista (nacional), baseava-se na Biologia de Lamark e Darwin, e pregava que o sujeito que havia tomado consciência histórica deveria ser a classe mais forte, transformadora, que reagiria (reacionários) à tradição e tomaria o poder, independente dos demais e, imbuidos de um espírito nacional, conduziriam ao Estado Absoluto. Na Alemanha, no século XIX Marx aderiu à esquerda socialista, Trotsky, Rosa Luxemburgo, Lênin, Gramsci, Marx e Engels colocando os trabalhadores como classe revolucionária (A Primeira Internacional, convocada por Marx, contra o liberalismo econômico de Adam Smith, David Ricardo e Stuart Mill, foi dissolvida nos anos 1870 e a Segunda Internacional (1889-1916) ou Internacional Socialista ou ainda Internacional Operária foi uma organização dos partidos socialistas e trabalhistas criada principalmente por iniciativa de Friedrich Engels, por ocasião do Congresso Internacional de Paris, em 14 de julho de 1889. A Segunda Internacional representou a continuidade do trabalho da Primeira e existiu até 1916.). No século XX, Rosa Luxemburgo também aderiu à esquerda socialista em em 1919 e conduziu a Revolta Espatarquista com base nestes conceitos contra o liberalismo econômico da República de Weimar; depois Adolf Hitler, em 1925, aderiu à direita socialista, colocando os nacionalistas (Nationalsozialistische Deutsche) como classe que conduziria a unificação e não os trabalhadores, liderando em 1923 um golpe (o chamado Putsch da Cervejaria ou Putsch de Munique foi uma tentativa fracassada, ocorrida em 9 de novembro de 1923) contra o governo liberal da Baviera. Na Rússia os mencheviques pertenciam a uma facção do movimento revolucionário russo que surgiu em 1903 depois da disputa entre Vladimir Lenin e Julius Martov, ambos membros do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR). Quando da realização do Segundo Congresso do POSDR, Lenin defendeu a ideia de ter um pequeno partido composto de revolucionários profissionais com um grande número de apoiadores e simpatizantes que não seriam membros do partido. Martov discordou, achava que seria melhor ter um grande partido de Rosa Luxemburgo Lênin ativistas de grande representação. A disFILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

133


puta entre Lenin e Martov foi acirrada. Durante o congresso, Martov conseguiu que uma discreta maioria dos delegados apoiasse sua proposta. No entanto, quando o Comitê Central do partido foi eleito, a maioria votou a favor da facção de Lenin. Os apoiadores de Martov ficaram conhecidos como “Mencheviques”, enquanto que a facção de Lenin ficou conhecida como os Bolcheviques. E na Itália, Benito Mussolini, aderiu primeiro à esquerda socialista nomeado em 1910 secretário do Partido Socialista em Forli, começou a editar o jornal La Lotta di Classe. Depois de liderar um movimento operário contra a guerra turco-italiana, foi condenado a cinco meses de prisão. Em 1911, Mussolini já era um dos principais dirigentes socialistas da Itália. No ano seguinte passou a editar o jornal Avanti, para o órgão oficial do Partido Socialista contra as ideias liberais na Itália. Benito Mussolini sustentou a neutralidade da Itália na Primeira Guerra Mundial, de acordo com a linha do partido socialista. Ao defender a França e a Grã Bretanha, foi expulso do partido. A partir daí adere à direita socialista, pregrando o nacionalismo e sob a forma de fascismo. Já Antonio Gramsci se filia à esquerda socialista e as dificuldades materiais moldaram sua visão do mundo e tiveram grande peso na sua decisão de Antonio Gramsci filiar-se ao Partido Socialista Italiano. Gramsci, em Turim, tornou-se jornalista. Seus escritos eram basicamente publicados em jornais de esquerda como o Avanti (órgão oficial do Partido Socialista, do qual Benito Mussolini era o editor!). Suas críticas e suas observações lhe proporcionaram fama. Sendo escritor de teoria política, Gramsci produziu muito como editor de diversos jornais comunistas na Itália. Entre estes, fundou, juntamente com Palmiro Togliatti, em 1919, o L’Ordine Nuovo - e contribuiu para La Città Futura.

Fascismo e o Nazismo Benito Mussolini (1833-1945) nasceu em Predappio, província de Forli, Itália. Filho de Alessandro Mussolini, um ferreiro, socialista, e Rosa Maltoni, professora primária. Em 1901 Mussolini formou-se professor de escola primária, trabalhou como professor mas seu interesse era a revolução. Em 1902 foi morar na Suíça, fugindo do serviço militar, mas suas atividades esquerdistas acabaram o expulsando do país. Nessa época, suas leituras filosóficas, especialmente as de Nietzsche, haviam firmado sua crença (equivocada baseada em uma interpretação errônea do Super-Homem nietzscheano muito comum na década de 1910, e mesmo porque Nietzsche não trata de Estado) na violência como elemento fundamental para a transformação da sociedade. Nomeado em 1910 secretário do Partido Socialista em Forli, começou a editar o jornal La Lotta di Classe. Depois de liderar um movimento operário contra a guerra turco-italiana, foi condenado a cinco meses de prisão. Em 1911, Mussolini já era um dos principais dirigentes socialistas da Itália e dos As fotografias de prisão de Mussolini quando foi encarcerado pela polícia suíça, principais críticos do liberalismo econômico. No ano fornecidas pelo Cantão de Berna, 19 de junho de 1903. seguinte passou a editar o jornal Avanti, para o órgão oficial do Partido Socialista. Benito Mussolini sustentou a neutralidade da Itália na Primeira Guerra Mundial, de acordo com a linha do partido socialista. Ao defender a França e a Grã Bretanha, foi expulso do partido. Fundou o jornal Popolo d’Itália, no qual continuou a defender a entrada da Itália na guerra e organizou o Grupo de Ação Revolucionária. Em abril de 1915 voltou a ser preso. Depois que a Itália declarou guerra à Áustria, Mussolini foi convocado, alistou-se no exército, recebendo a patente de sargento. O termo fascismo é derivado da palavra em latim fasces - um feixe de varas amarradas em volta de um machado, foi um símbolo do poder conferido aos magistrados na República Romana de flagelar e decapitar cidadãos desobedientes. Eram carregados por lictores e poderiam ser usados para castigo corporal e pena capital a seu próprio comando. Mussolini adotou esse símbolo para o seu partido, cujos seguidores passaram a chamar-se fascistas. É uma forma de radicalismo político autoritário nacionalista que ganhou destaque no início do século XX na Europa. Os fascistas procuravam unificar sua nação através de um Estado totalitário que promove a vigilância, um estado forte, a mobilização em massa da comunidade nacional, confiando em um partido de vanguarda para iniciar uma revolução e organizar a nação em princípios fascistas. Hostil à democracia liberal, ao socialismo e ao comunismo, apesar de semelhanças com os últimos dois. Os movimentos fascistas compartilham certas características comuns, incluindo a veneração ao Estado, a devoção a um líder forte e uma ênfase em ultranacionalismo, etnocentrismo e militarismo. O fascismo vê a violência política, a guerra, e o imperialismo como meios para alcançar o rejuvenescimento nacional e afirma que as nações e raças consideradas superiores devem obter espaço deslocando ou eliminando aquelas consideradas fracas ou inferiores, como no caso da prática fascista modelada pelo nazismo. O fascismo tomou emprestado teorias e terminologias do socialismo, mas aplicou-as sob o ponto de vista que o conflito entre as nações e raças fosse mais significativo, do que o conflito de classes e teve foco em acabar com as divisões de classes dentro da nação. Defendeu uma economia mista, com o objetivo principal de conseguir autarquia para garantir a auto-suficiência, e a independência nacional através de protecionismo e políticas econômicas que intercalam intervencionismo e privatização. O fascismo sustenta o que é, às vezes, chamado de Terceira posição entre o capitalismo e o

134

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


socialismo marxista. Influenciados pelo sindicalismo nacional, os primeiros movimentos fascistas surgiram na Itália, cerca da Primeira Guerra Mundial, combinando elementos da política de esquerda com mais tipicamente a política de direita, em oposição ao socialismo, ao comunismo, a democracia liberal e, em alguns casos, o conservadorismo tradicional.

Partido dos Trabalhadores “Nazi” era uma abreviatura de “der Nationalsozialistische Deutsche Arbeiters Partei” – Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (abreviado nos livros no Brasil somente para Partido Nazista da Alemanha), formulada por Adolf Hitler e adotada pelo governo da Alemanha de 1933 a 1945. Esse período ficou conhecido como Alemanha Nazista ou Terceiro Reich. O nazismo é frequentemente considerado como uma derivação do fascismo. Mesmo incorporando elementos comuns tanto da direita política quanto da esquerda política, o nazismo é considerado de extrema esquerda. Os nazistas foram um dos vários grupos históricos que utilizaram o termo nacional-socialismo para descrever a si mesmos e, na década de 1920, tornaram-se o maior grupo da Alemanha. Os ideais do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (Partido Nazista) são expressos no seu “Programa de 25 Pontos”, proclamado em 1920. Entre os elementos-chave do nazismo, há o antiparlamentarismo, o pangermanismo, o racismo, o coletivismo, a eugenia, o antissemitismo/antijudaísmo, o anticomunismo, o totalitarismo e a oposição ao liberalismo econômico e político. Na década de 1930, o nazismo não era um movimento isolado, mas sim uma combinação de várias ideologias e filosofias centradas principalmente no nacionalismo, no anticomunismo e no tradicionalismo. Uma de suas motivaO decrépito presidente Hindenburg cumprimenta ções foi a insatisfação com o Tratado de Versalhes, que era entendido como o novo chanceler da Alemanha em 30/1/1933 uma conspiração judaica-comunista para humilhar a Alemanha no final da Primeira Guerra Mundial. Os males da Alemanha pós-guerra foram críticos para a formação da ideologia e suas críticas à República de Weimar pós-guerra. O Partido Nazista chegou ao poder na Alemanha em 1933. Em resposta à instabilidade criada pela Grande Depressão, os nazistas procuraram um terceiro modo de gerenciar a economia do seu país, sem que este tivesse ideais comunistas ou capitalistas. O governo nazista efetivamente acabou em 7 de maio de 1945, quando os nazistas incondicionalmente renderam-se às potências aliadas, que tomaram a administração da Alemanha até que o país formasse o seu próprio governo democrático. SOCIALISMO RÚSSIA 1903 - ESQUERDA (BOLCHEVISMO, LÊNIN) x DIREITA (MENCHEVISMO, MARTOV) ALEMANHA 1919 ESQUERDA (ROSA LUXEMBURGO) x DIREITA (ADOLF HITLER) ITÁLIA 1920 - ESQUERDA (ANTONIO GRAMSCI) x DIREITA (BENITO MUSSOLINI) DIALÉTICA A partir de Marx há uma inversão com a Dialética Hegeliana, uma vez que em Hegel a Tese é a classe revolucionária e a antitese é a classe conservadora; em Marx a Tese é a classe revolucionária e a antitese é a classe conservadora. Os demais seguem esta interpretação do processo materialista dialético histórico. MARX - TESE (CAPITALISMO) - ANTITESE (SOCIALISMO) - SINTESE (COMUNISMO) BAKUNIN - TESE (SOCIALISMO) - ANTITESE (COMUNISMO) - SINTESE (ANARQUISMO) ROSA LUXEMBURGO - TESE (CAPITALISMO) - ANTITESE (SOCIALISMO) - SINTESE (SOCIAL-DEMOCRACIA) LÊNIN - TESE (CAPITALISMO) - ANTITESE (SOCIALISMO) - SINTESE (BOLCHEVISMO) MUSSOLINI - TESE (CAPITALISMO) - ANTITESE (SOCIALISMO) - SINTESE (FASCISMO) HITLER - TESE (I REICH -GERMÂNIA) - ANTITESE (II REICH - UNIFICAÇÃO) - SINTESE (III REICH - NAZISMO)

AVALIE SEU CONHECIMENTO 01. (PUCMG) O chamado socialismo científico, formulado por Marx e Engels no século XIX, propunha: (A) a superação do capitalismo pela ação revolucionária dos trabalhadores, aglutinados em torno da Internacional Socialista. (B) a redução do papel do Estado na economia para efetivar o controle direto pelo proletariado sobre os meios de produção. (C) a supressão de toda legislação trabalhista e social, tida como mecanismo de alienação e cooptação do proletariado. (D) a realização de sucessivas reformas na estrutura capitalista, possibilitando a gradativa implantação do comunismo avançado.

02. (PUCMG) No início do século XIX, um grupo de operários ingleses liderados por Ned Ludlam organizou um movimento de protesto contra as precárias condições de vida e trabalho do proletariado. O ludismo caracterizou-se: (A) pela tomada do poder e instalação de um governo revolucionário que suprimiu a propriedade particular e estimulou a criação de cooperativas.

(B) pela elaboração da chamada Carta do Povo exigindo do Parlamento britânico a realização de uma série de reformas sociais e políticas. (C) pela destruição de máquinas e equipamentos industriais considerados responsáveis pelo crescente desemprego e depauperação dos trabalhadores.

(D) pela constituição de uma poderosa estrutura sindical e partidária, que permitiu a organização do proletariado e o aumento de sua força política. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

135


03. (PUCPR) Como o Marxismo, o Anarquismo foi um movimento contrário ao Capitalismo. Talvez mais radicais que os marxistas, os anarquistas desejavam a destruição do Estado, que deveria ser substituído pela cooperação de grupos associados. No Paraná, no século XIX, o agrônomo e músico italiano Giovanni Rossi fundou uma experiência anarquista em: (A) Palmeira - Colônia Cecília (B) Cerro Azul - Colônia Assungui (C) Paranaguá - Colônia Superagüi (D) Colombo - Colônia Alfredo Chaves (E) Santa Felicidade - Colônia Senador Dantas.

04. (UFPR) No filme “Matrix” (1999), dos irmãos Andy e Larry Wachowski, a vida humana não passa de uma ilusão, pois os seres

humanos vivem ligados às máquinas como baterias de um amplo sistema de controle tecnológico. Esse filme suscitou inúmeras reflexões e debates de natureza filosófica e religiosa, mas um aspecto que merece ser destacado é o político, pois é um filme que apresenta uma visão pessimista e antiutópica do futuro humano. Contudo, muito antes dos filmes de ficção científica, as esperanças e os desejos de uma sociedade ideal já inspiravam pensadores e escritores, que deixaram em suas obras modelos de transformação social. Sobre a imaginação utópica e seus fundamentos, é correto afirmar: (A) As obras caracterizadas como utópicas são assim chamadas devido à sua natureza ficcional, sem nenhuma relação com a realidade. (B) “A República”, obra utópica escrita por Platão, previa um mundo controlado pelos sacerdotes. (C) Em seu livro “A Utopia”, o humanista inglês Thomas More, ao defender a propriedade privada e o enriquecimento, tinha como modelo ideal a seguir a sociedade inglesa de sua época.

(D) Durante o século XIX, multiplicaram-se as utopias de caráter socialista-comunista, como as de Owen, Saint-Simon e Fourier, enfatizando a transformação das condições materiais da sociedade.

(E) O livro “1984”, de George Orwell, é uma utopia socialista inspirada na Revolução Russa e na admiração do autor pelo sistema político soviético.

05. (UFRRJ) “A criação de um proletariado despossuído, (...) cultivadores vítimas de expropriações violentas repetidas, foi necessariamente mais rápida que sua absorção pela nascentes manufaturas. (...) Forma-se uma massa de mendigos, ladrões e vagabundos. Desde o final do século XV e durante todo o século XVI na Europa Ocidental foi criada uma legislação sanguinária contra o ócio. Os pais da atual classe operária foram castigados por terem sido reduzidos à situação de vagabundos e pobres. A legislação os tratava como criminosos voluntários; ela pressupunha que dependia de seu livre arbítrio continuar a trabalhar como antes.” (MARX, Karl. “O Capital”. Paris, Garnier-Flamarion, 1969.)

As transformações econômicas e sociais costumam gerar profundas alterações no chamado “mundo do trabalho”. A situação apontada por Marx refere-se ao processo histórico (A) das revoluções anti-capitalistas, ocorridas na Europa, contra as quais a burguesia determinou severa repressão. (B) das revoltas operárias, como o ludismo, voltadas à destruição das máquinas e à exploração por elas causada. (C) da Revolução Francesa, na qual os trabalhadores foram transformados em massa de manobra dos interesses burgueses. (D) de cercamento dos campos, com o deslocamento de um grande contingente de despossuídos da sua área rural de origem. (E) da Revolução Industrial, quando os criminosos eram expulsos das fábricas e proibidos de trabalhar em outra ocupação, pela legislação vigente.

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 06. (UEM-2010) O nacional-socialismo alemão e o fascismo italiano foram doutrinas e práticas políticas totalitárias. O totalitarismo

caracteriza-se por estabelecer um Estado total, monolítico, que absorve, em seu interior, em sua organização, o todo da sociedade e suas instituições, controlando-a por inteiro; elimina, dessa maneira, a participação política pluralista. Tanto na Alemanha quanto na Itália, alguns filósofos contribuíram com a formação da ideologia do nazifascismo ou a ela se opuseram. Assinale o que for correto. (01) Friedrich Nietzsche, com sua filosofia política, preconiza uma sociedade coletivista dirigida por um Estado nacional forte, capaz de valorizar a tradição dos valores culturais alemães.

(02) Na Alemanha, a marxista Rosa Luxemburgo, defensora da social-democracia, criticava a formação de um partido único cuja conseqüência seria a formação de um governo ditatorial de uma minoria. Combateu o que já se prenunciava com a ascensão do nazismo ao poder.

(04) A resistência do teórico marxista Antônio Gramsci ao regime fascista valeu-lhe longos anos de cadeia. Mesmo no cárcere, escreveu muito, criticando o dogmatismo do marxismo oficial que, ao petrificar a teoria, impedia a prática revolucionária.

(08) Friedrich Hegel foi importante para o desenvolvimento do pensamento político. Seus seguidores dividiram-se em dois grupos opostos, chamados de esquerda e de direita hegeliana.

(16) Benedito Mussolini e Adolf Hitler aceitaram a crítica marxista ao liberalismo, mas ambos recusavam a idéia de uma revolução proletária. SOMA = _____

07. (FATEC) “Os sofrimentos dos combatentes e da retaguarda levaram-nos a associar espontaneamente o regime capitalista e a guerra, a considerar que esta guerra não era a ‘sua guerra’; o prestígio das classes dirigentes, que não souberam evitar o conflito, nem abreviá-lo ou poupar as vidas humanas, debilitou-se tanto mais quanto o enriquecimento rápido e espetacular de toda uma parte dessas classes contrastava com o luto e a aflição das massas. Por um momento submergidos, no início das hostilidades, pela vaga nacionalista, os conflitos de classe reaparecem, mais vigorosos e exacerbados por quatro anos de miséria. As classes dirigentes têm consciência do fato, e o medo do contágio revolucionário cria em seu meio um intenso terror que se manifesta na vontade de destruir este novo Estado, onde, pela primeira vez, o socialismo transporta-se do terreno da teoria para o das realidades. A união do mundo branco está rompida; doravante não haverá mais neutros; conscientemente ou não, é em relação à Revolução Russa - objeto de receios e repulsa para uns, de esperança para outros - que se classificarão governos, partidos e simples particulares.” (CROUZET, M. - HISTÓRIA GERAL DAS CIVILIZAÇÕES 15 - A ÉPOCA CONTEMPORÂNEA)

A partir da descrição do autor, é correto afirmar que:

(A) o socialismo seria a única solução para evitar uma luta de classes. (B) o medo do socialismo levaria o empresariado a apoiar ações contrárias, e isso provocou, mais tarde, o estabelecimento do fascismo e do nazismo.

(C) a passagem das idéias do socialismo à prática levou toda a Europa a se conscientizar do perigo comum. (D) a união do mundo branco rompeu-se e, após a Revolução Russa, provocou reflexos imediatos na libertação dos povos coloniais. (E) a Europa saiu da guerra mais nivelada politicamente, pois a guerra acabou com as grandes fortunas, dando chances para uma estabilização sócio-econômica.

136

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


08. (FATEC) “A queda da burguesia e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis (...). Os proletários nada têm a perder com ela, a não ser as próprias cadeias. E têm um mundo a ganhar. Proletários de todos os países, uni-vos”. Esse trecho, extraído do Manifesto Comunista de Marx e Engels, foi escrito no contexto histórico marcado (A) pelo acirramento das contradições políticas, econômicas e sociais decorrentes do processo conhecido como Revolução Industrial. (B) pelos conflitos entre trabalhadores e patrões que começaram a pontuar os países capitalistas a partir da ocorrência da Revolução Russa. (C) pela afirmação dos Estados Unidos como potência imperialista com interesses econômicos e políticos em várias regiões do planeta. (D) pelo confronto entre vassalos e suseranos, no momento de ápice da crise do modo de produção feudal e de enfraquecimento da autoridade religiosa.

(E) pelo incremento das contestações populares às diretrizes políticas implantadas pelos regimes autoritários que floresceram na Europa, na primeira metade do século XX.

09. (FGV) Considere os seguintes itens: I. “... nasceu de um movimento espontâneo de massas e não de um plano ou de um programa previamente elaborado por um partido operário...” II. “... revelou a tendência da classe operária para ultrapassar o estágio puramente econômico da sua luta (...) combinando simultânea e constantemente reivindicações econômicas e reivindicações políticas...” III. “... refletiu a tendência da classe operária para destruir o aparelho do Estado burguês, para substituir a democracia burguesa por uma forma superior de democracia...” IV. “... conduziu a classe operária, pela primeira vez, à conquista do poder político, ainda que na área de uma única cidade...”

I, II, III e IV referem-se (A) à Comuna de Paris, que resumiu todas as tendências que estavam na origem e na primeira expansão do movimento operário moderno. (B) ao Ludismo, que representou uma forma de resistência clara à disciplinação do trabalho imposto pelo sistema fabril. (C) ao Cartismo, que resultou da conscientização da classe operária que passou a exigir melhores condições de trabalho. (D) às Trade Unions, que se caracterizaram pelo assistencialismo paternalista. (E) aos Sindicatos Profissionais de Londres, que surgiram com o objetivo de garantir uma transformação social ampla.

10. (FGV) Na distinção entre ‘socialistas utópicos e socialistas científicos’, são representantes dos primeiros: (A) L.Bianc, R. Owen e M. Bakunin; (B) C. Fouder, Saint-Simom e F. Engels; (C) M. Bakunin, Proudhon e A. Bebel; (D) R. Owen, F. Engels e A. Bebel; (E) L. Blanc, Saint-Simom e Proudhon.

11. (FGV) Leia com atenção as proposições abaixo: I. “A história de qualquer sociedade até aos nossos dias foi apenas a história da luta de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre e companheiro, numa palavra opressores e oprimidos em oposição constante, desenvolveram uma guerra que acabava sempre ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta.” II. “Se me pedissem para responder à pergunta - ‘O que é a escravidão?’ e eu respondesse numa só palavra: ‘Assassinato!’, todos entenderiam imediatamente o significado da minha resposta. Não seria necessário utilizar nenhum outro argumento para demonstrar que o poder de roubar um homem de suas idéias, de sua vontade e sua personalidade é um poder de vida ou morte e que escravizar um homem é o mesmo que matá-lo. Por que, então, não posso responder da mesma forma a essa outra pergunta: ‘O que é a propriedade?’ com uma palavra só: ‘Roubo’.”

Assinale a alternativa CORRETA: (A) A primeira proposição reproduz um trecho de uma das mais importantes obras do filósofo alemão Karl Marx, que serviu de base para a ideologia liberal desenvolvida no século XIX.

(B) A segunda proposição refere-se ao manifesto cristão proposto por bispos da Igreja, indignados com a miséria que assolava as classes trabalhadoras européias no século XIX.

(C) A “luta de classes” é um dos principais aspectos da doutrina marxista e a definição da “propriedade como um roubo” tornou-se um dos principais lemas do anarquismo desde o século XIX.

(D) A segunda proposição é de Joseph Proudhon, teórico liberal francês, indignado com a escravidão ainda praticada em determinados continentes no século XIX.

(E) A segunda proposição refere-se à região da Palestina na perspectiva sionista, desenvolvida na Europa ao final do século XIX.

12. (MACKENZIE) No século XIX, o mundo do trabalho fez surgir novas perspectivas para a compreensão da sociedade contempo-

rânea. O Manifesto Comunista (1848), de Marx e Engels, indica a mudança de concepções abstratas e utópicas sobre a sociedade, para outras mais concretas e combativas. (Carlos Guilherme Mota) Sobre Karl Marx e Friedrich Engels é INCORRETO afirmar. (A) A obra que sintetizou as suas teorias econômicas, sociais, políticas e culturais foi O Capital, que retomava a tradição do pensamento dialético, aprofundando-o na linha do Materialismo Histórico.

(B) A sociedade capitalista é contraditória, uma vez que produz um trabalho excedente que jamais retorna ao trabalhador, isto é, a mais valia. (C) Formularam um socialismo de um novo tipo, baseado na concepção de que o capitalismo deve progressiva e pacificamente evoluir para o socialismo.

(D) Criticavam os socialistas Saint-Simon, Charles Fourier e Robert Owen, que não se baseavam, como eles, num estudo científico da história para aprender as leis da sociedade e da economia.

(E) As lutas de classes entre proprietários e trabalhadores eram percebidas por eles como uma contradição fundamental do sistema capitalista e que levariam à abolição da ordem burguesa e do Estado que sobre ela se sustentava.

13. (MACKENZIE) Os primeiros socialistas, ao formularem profundas críticas ao progresso industrial, estavam ainda impregnados de valores liberais. Atacando os grandes proprietários, mas tendo, em geral, muita estima pelos pequenos, esses teóricos acreditavam que pudesse haver um acordo entre as classes. Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo

Os historiadores acima estão se referindo aos: (A) socialistas científicos. (C) anarquistas. (B) socialistas utópicos. (D) marxistas.

(E) socialistas liberais.

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

137


14. (PUCMG) Na segunda metade do século XIX, surgiu o “socialismo científico”, cujo teórico mais importante foi Karl Heinrich Marx. São elementos fundamentais do pensamento marxista, EXCETO: (A) o materialismo dialético. (B) a interpretação econômica da história (C) o conceito de luta de classes. (D) a teoria da mais-valia. (E) o princípio de não-intervenção estatal.

15. (PUCMG) A primeira “Internacional”, ou seja, associação mundial de trabalhadores foi criada em Londres, no ano de 1864, por

Marx e Engels e aglutinava entidades operárias de toda a Europa, de tendências político-ideológicas as mais variadas. Em 1876, essa organização dissolveu-se, em parte, pelas agudas divergências entre: (A) anarquistas e marxistas. (B) revisionistas e revolucionários. (C) trotskistas e stalinistas. (D) socialistas e comunistas.

ANOTAÇÕES

138

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


CAPÍTULO 18 O PARADOXO CONTEMPORÂNEO: AS DESIGUALDADES Leia esta notícia do site BBCBrasil.com: Ninguém questiona que a desigualdade social alcança proporções intoleráveis no mundo. Um relatório da ONG Oxfam, publicado na segunda-feira, estima que as 85 pessoas mais ricas do planeta ganham o equivalente às 3,5 bilhões mais pobres. No Fórum Econômico Mundial de Davos - que nesta semana congrega políticos, empresários e personalidades com um volume de negócios equivalente a quase a metade do PIB americano -, a desigualdade foi identificada como uma das principais ameaças à economia mundial. Mas, ainda que todos concordem com a gravidade do problema, haverá esforços para solucioná-lo? Nos últimos 30 anos, segundo a Oxfam, o 1% mais rico da população passou a abocanhar renda ainda maior, em 24 dos 26 países que forneceram dados sobre o período. O Brasil é citado como um dos poucos países onde a desigualdade está diminuindo. Nos EUA, em 1978, um salário anual médio equivalia a US$ 48 mil (em valores atuais), e 1% da população ganhava US$ 390 mil. Em 2010, o salário Uma das maiores desigualdades do mundo hoje é econômica que acaba colocando médio caiu para US$ 33 mil, enquanto 1% da popuboa parte da humanidade na miséria e somente poucos com grandes fortunas lação ganhava mais de US$ 1 milhão. O período coincide com a hegemonia da crença neoliberal promovida entre os anos 70 e 80 por políticos como Augusto Pinochet, no Chile, Ronald Reagan, nos EUA, Margaret Thatcher, no Reino Unido. A ideologia, que emergiu triunfante com a queda do Muro de Berlim, prega regulação mínima do Estado sobre a atividade econômica, liberdade absoluta ao mercado e redução dos impostos aos mais ricos, a fim de promover o crescimento econômico. A Oxfam defende iniciativas que vão na direção oposta: “É preciso um combate global à evasão a paraísos fiscais. Um sistema de impostos progressivo. Um salário digno”, disse à BBC Mundo Ricardo Fuentes-Nieva, chefe de pesquisas do órgão.Estados costumam ser as únicas entidades capazes de intervir significativamente na redução da desigualdade em nível nacional, mas, para tal, necessita de dinheiro para financiar investimentos em saúde, emprego, educação ou previdência social.

Distorções Nas últimas décadas, a elite mundial contribuiu decisivamente para o “desfinanciamento” estatal: segundo o Tax Policy Center, dos EUA, desde a década de 1970, a carga de impostos caiu para os mais ricos em 29 dos 30 países nos quais há dados disponíveis. No mesmo período, o número de paraísos fiscais alcançou 50 a 60 jurisdições, que, segundo cálculo da revista The Economist, são o destino do equivalente a quase o dobro do PIB dos EUA. O diretor da ONG Tax Justice Internacional, John Christensen, ilustra o impacto dos paraísos fiscais. “No âmbito de indivíduos, a perda em receita fiscal é de cerca de US$ 225 bilhões. Em âmbito corporativo, ocorre uma distorção de preços. (Multinacionais) pagam pouco ou nada (para manter o dinheiro) no paraíso fiscal e, no país de origem, pagam menos do que deveriam porque seus ganhos ficam muito abaixo da realidade”, afirmou à BBC Mundo. Pobreza em Bangladesh Renda total dos 3,5 bilhões mais pobres equivale à das 85 pessoas mais ricas do mundo. Isso provoca distorções tragicômicas. Um único edifício nas ilhas Cayman, chamado de Ugland House, é a sede oficial de 18 mil empresas. Nos Estados Unidos, Delaware, cuja população não chega a 1 milhão de pessoas, existem 945 mil empresas, mas de uma por cabeça.E o Google faturou US$ 5 bilhões no Reino Unido em 2012, mas praticamente não pagou impostos por isso.

Políticas A globalização financeira, a desregulação e a capacidade de mover a produção de um país a outro converteram esse poder econômico em uma força capaz de dobrar governos. “A elite mundial está impondo políticas de Estado que lhes favoreçam”, opinou Ricardo Fuentes-Nieva. “Isso produz uma ‘deslegitimação’ da democracia e do Estado.” O relatório da Oxfam diz que, em pesquisas conduzidas em seis países - Brasil, Espanha, Índia, África do Sul, Reino Unido e EUA -, a maioria dos entrevistados opinou que as leis tendem a favorecer os mais ricos. A ONG fez um chamado por mais responsabilidade à elite global - chamado que, segundo Fontes-Nieva, pode ter mais apelo por conta da profundidade e da extensão de potenciais turbulências globais. “Estamos ante um perigo de ruptura do contrato social. Desta vez, o conjunto da sociedade, inclusive a classe média, se vê afetada. Precisamos lembrar que tratam-se de políticas públicas que podem ser mudadas. Se não forem, o impacto prejudicará as próprias elites, porque a crescente exclusão de consumidores pode acabar produzindo uma sociedade economicamente doente.” Sinais de debilidade não faltam: segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o desemprego mundial será de 6,1% neste ano, em comparação com 5,5% em 2008. Entre os jovens, a taxa será de 13,1%.

139


A nova participação política Diante desta notícia, devemos refletir sobre como a sociedade pode dar uma resposta mas adequada a sua conformação, corrigindo distorções como a desigualdade econômica, em um nível que somente a esfera política é capaz de resolver. A questão é a relação entre democracia e livre mercado, proposta pelo pensamento ocidental.Parece haver uma desilusão generalizada com os processo democráticos junto às democracias maduras (países que aderiram à democracia há mais de um século), o que se denomina ‘paradoxo da democracia’. Esse descontentamento pode ser detectado a partir das transformações sociais apontadas nos capítulos anteriores. O paradoxo da democracia é um fenômeno estimulado fortemente pelos meios de comunicação, em especial os eletrônicos. Afinal, fatos históricos, como a demolição do muro de Berlim e a luta contra o apartheid (e pode-se acrescentar o episódio de 11 de setembro), que rapidamente tomaram uma dimensão mundial a partir das transmissões televisivas, influenciaram cidadãos conectados a questionarem sobre as relações políticas na atualidade. E nesse sentido, a difusão de comunicações alternativas (voltadas para o questionamento e posicionamento contra-hegemônico das relações sociais como um todo) aponta para a necessidade de descentralização e flexibilidade da comunicação global, uma vez que, na contemporaneidade o monopólio da informação, cada vez torna-se mais impraticável. A revolução das comunicações produziu mais conjuntos conscientes de cidadãos do que havia antes. São exatamente esses desenvolvimentos que estão, ao mesmo tempo, produzindo descontentamentos nas democracias há muito estabelecidas. Num momento marcado pelo declínio das tradições, os políticos não podem contar com as velhas formas da poma e circunstância para justificar o que fazem. A política parlamentar ortodoxa fica distanciada da torrente de mudanças que passa impetuosamente pela vida das pessoas (GIDDENS, 2003, p. 82-83). Pesquisas de opinião, realizadas em diferentes locais do ocidente, mostram que as pessoas estão perdendo a confiança nos processos democráticos ortodoxos e estão ansiosas por uma reestruturação da democracia, o que aponta que as pessoas não estão desinteressadas pela política, mas sim descrentes nos modelos atuais. Isso inclui os mais jovens, que são os mais céticos com relação a propostas de políticos, especialmente em suas críticas aos grupos opositores. Para os jovens, a política é uma atividade corrupta, na qual políticos são movidos por interesses pessoais e não têm condições de lidar com as forças econômicas que movem o mundo. Assim, as questões que mais movimentam a juventude estão centradas na ecologia, nos direitos humanos, na política da família e na liberdade sexual. O que pode ser observado a partir da emergência de grupos ativistas com interesses específicos. Antony Gddens é quem nos chama a atenção para o problema: “Como podem a democracia e o governo ativo se sustentar quando parecem ter perdido sua posição de vantagens nos eventos?” (GIDDENS, 2003, p.84). Como resposta e sugestão, ele aponta para uma ‘democratização da democracia’, uma forma de aprofundamento da própria democracia, no qual busca-se o descentramento efetivo do poder, criando medidas anticorrupções efetivas em todos os níveis. Também devem está atreladas a esse processo, uma reforma constitucional e a promoção de maior transparência das questões políticas. Isso implica na busca de procedimentos democráticos alternativos, principalmente quando estes podem contribuir pra uma maior interação entre políticos e a vida cotidiana da população, daí a importância dos atuais meios eletrônicos de comunicação. Contudo, esse processo, embora transnacional, deve está embasado ás necessidades e especificidades locais. Giddens também propõe que os partidos políticos deverão se acostumar e aderir a grupos de causa única, que vem sendo uma forte realidade no ocidente. Esses grupos, geralmente, suscitam problemas e questões que muitas vezes são ignorados pela política ortodoxa. Assim, o autor finaliza com a idéia de que é impossível atuar na contemporaneidade com as esferas políticas, econômicas e sociais dissociadas. Estas devem formar um tripé interdependente, em que deve se basear a administração pública. A esse tripé, devem estar associados os meios de comunicação, que apresentam uma dupla relação com a democracia, atuando tanto como veículo de dominação quanto como espaço de discussão e banalização das ações tecnocráticas. Não é uma tarefa fácil. Comecemos a pensar sobre então.

140

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


AVALIE SEU CONHECIMENTO 01. (UEL – 2003) O texto que segue é do poeta cearense Antonio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, cantador do drama dos caboclos nordestinos e dos pobres do Brasil.

BRASI DE CIMA E BRASI DE BAXO

Meu compadre Zé Fulô, Meu amigo e companhêro, Faz quage um ano que eu tou Neste Rio de Janêro; Eu saí do Cariri Maginando que isto aqui Era uma terra de sorte, Mas fique sabendo tu Que a miséria aqui do Su É esta mesma do Norte. Tudo o que procuro acho. Eu pude vê neste crima, Que tem o Brasi de Baxo E tem o Brasi de Cima. Brasi de Baxo, coitado!

É um pobre abandonado; O de Cima tem cartaz, Um do ôtro é bem deferente: Brasi de Cima é pra frente, Brasi de Baxo é pra trás. Aqui no Brasi de Cima, Não há dô nem indigença, Reina o mais soave crima De riqueza e de opulença; Só se fala de progresso, Riqueza e novo processo De grandeza e produção. Porém, no Brasi de Baxo Sofre a feme e sofre o macho A mais dura privação.

(PATATIVA DO ASSARÉ. Cante lá que eu canto cá. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 1978. p. 271-272.)

Segundo a interpretação do poeta sobre o problema da pobreza, é correto afirmar: (A) A pobreza atinge principalmente os moradores da região Nordeste, chamada por ele de “Brasi de baxo”.

(B) Na origem da pobreza está o domínio do acaso e do azar, predominando a riqueza em regiões privilegiadas como o Rio de Janeiro. (C) A pobreza deve-se às diferenças de características pessoais (físicas, psíquicas e raciais, entre outras) que existem entre os brasileiros do sul e os do norte. (D) No Brasil, a pobreza atinge tanto a população nordestina como a do sul do país, dividindo os brasileiros em duas categorias de pessoas. (E) A pobreza no Nordeste e na região Sul do país decorre do mau aproveitamento dos seus recursos naturais e humanos.

02. (UEM – VERÃO 2008) Sobre a formação das classes sociais no

Brasil, no período de transição do trabalho escravo para o livre, assinale o que for correto. (01) A produção do café para exportação contou com o emprego de uma mão-de-obra livre, a dos colonos, mas não necessariamente assalariada. (02) A expansão da cafeicultura estimulou o crescimento de cidades como São Paulo, que demandavam alimentos ofertados, principalmente, pelas lavouras dos colonos, trabalhadores livres que, paulatinamente, substituíram o trabalho escravo. (04) Durante o período em que vigorou a escravidão, o mercado consumidor de produtos localmente manufaturados era grande, tornando possível identificar uma produção industrial intensa e, portanto, uma classe operária constituída. (08) Nos cafezais em formação, o colono tinha permissão para cultivar alimentos entre os pés de café, sendo essa prática uma das principais características do regime de colonato, um estágio tido como transitório pelo colono e por sua família. (16) A construção acelerada das estradas de ferro nas últimas décadas do século XIX, a elevação de tarifas aduaneiras e a substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre foram medidas que inviabilizaram um modelo de desenvolvimento econômico que conduziria à consolidação de duas classes sociais no Brasil: a burguesia e o proletariado.

SOMA = _____

03. (UEM – VERÃO 2008) Considerando o debate sociológico

sobre o tema das “desigualdades sociais” no Brasil, assinale o que for correto. (01) O desemprego é uma condição de vida experimentada por muitos indivíduos na atualidade. Ele é analisado pelas teorias sociológicas como uma “questão social”, podendo ser um fenômeno que envolve diversos elementos estruturais de uma ou de várias sociedades. (02) O aumento significativo do número de divórcios é resultado dos problemas que afetam os indivíduos em particular, destruindo lares e famílias, exigindo soluções específicas para cada pessoa.

(04) As desigualdades socioeconômicas entre brancos e negros são explicadas pelo sentimento de inferioridade que os negros, historicamente, cultivaram, não tendo relação com o regime de produção baseado na monocultura, no latifúndio e na escravidão. (08) Os negros integram o grupo social que permanece por menos tempo na escola. A implantação de políticas públicas que tenham como meta sua inclusão no sistema formal de ensino integra, na atualidade, o grupo das ações afirmativas, discutidas pelas instituições de ensino superior. (16) O desemprego, o divórcio e as desigualdades socioeconômicas entre negros e brancos podem ser analisadas como “questões sociais” que produzem efeitos perversos exclusivamente nas classes sociais menos favorecidas.

SOMA = _____

04. (UEL – 2004) Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) foi implantado, no exame vestibular, o sistema de cotas raciais, que desencadeou uma série de discussões sobre a validade de tal medida, bem como sobre a existência ou não do racismo no Brasil, tema que permanece como uma das grandes questões das Ciências Sociais no país. Roger Bastide e Florestan Fernandes, escrevendo sobre a escravidão, revelam traços essenciais do racismo à brasileira, observando que: “Negro equivalia a indivíduo privado de autonomia e liberdade; escravo correspondia (em particular do século XVIII em diante) a indivíduo de cor. Daí a dupla proibição, que pesava sobre o negro e o mulato: o acesso a papéis sociais que pressupunham regalias e direitos lhes era simultaneamente vedado pela ‘condição social’ e pela ‘cor’.” (BASTIDE, R.; FERNANDES, F. Brancos e negros em São Paulo. 2.ed. São Paulo: Nacional, 1959. p. 113-114.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a questão racial no Brasil, é correto afirmar: (A) O racismo é produto de ações sociais isoladas desconectadas dos conflitos ocorridos entre os grupos étnicos.

(B) A escravatura amena e a democracia nas relações étnicas levaram à elaboração de um ‘racismo brando’.

(C) As oportunidades sociais estão abertas a todos que se esforçam e independem da ‘cor’ do indivíduo.

(D) Nas relações sociais a ‘cor’ da pessoa é tomada como símbolo da posição social.

(E) O comportamento racista vai deixando de existir, paulatinamente, a partir da abolição dos escravos.

05. (UEL – 2005) Relatório divulgado pelo Banco Mundial, em 2004, constata que o Brasil teria de elevar “em dez ou 15 vezes” o montante de dinheiro destinado a programas como Bolsa-Escola, a fim de equilibrar as disparidades de renda e integrar os mais pobres ao mercado. Na atual situação, de acordo com o Banco Mundial, o Brasil tem contribuído de maneira significativa para a estagnação da diminuição do número de miseráveis na América Latina. Agrava a situação o fato de que a miséria deve persistir por muito mais tempo em relação ao resto do mundo, mesmo se houver um ciclo de crescimento econômico com taxas elevadas. Essa dificuldade é acentuada pelo alto endividamento do país, que vem agindo como empecilho para a melhor redistribuição de renda. Enfim, o Banco Mundial ressalta que tanto a América Latina quanto o Brasil tem-se revelado na contramão em relação ao resto do mundo, que, nos últimos 20 anos, diminuiu pela metade o número de miseráveis. (Adaptado de: Folha de São Paulo, São Paulo, 24 abr. 2004. p. A-7.)

De acordo com o texto, é correto afirmar que, para o Banco Mundial: (A) O Brasil tem contribuído para a estagnação da pobreza mundial, em razão das altas taxas de crescimento econômico dos últimos anos.

(B) A pobreza poderia ser erradicada se o Brasil e os governos da América Latina decidissem não saldar a dívida externa.

(C) Taxas elevadas de crescimento econômico representam pré-condições à redução pela metade dos atuais níveis de pobreza na América Latina. (D) A redução da pobreza deriva da retração do investimento público, o que liberaria mais dinheiro para o investimento produtivo. (E) O caminho mais adequado para a redução da pobreza é o incremento dos gastos com programas sociais de caráter assistencial. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

141


EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 06. (UEL – 2003) Observe os quadrinhos:

(QUINO. Toda Mafalda. São Paulo: Martins Fontes, 1992).

Os quadrinhos ilustram uma forma comum de explicar a pobreza e as desigualdades sociais. Assinale a alternativa que apresenta pressupostos utilizados pela teoria liberal clássica para compreender a existência da pobreza e que foram também assumidos pela personagem Susanita em suas falas. (A) As desigualdades sociais podem ser compreendidas através da análise das relações de dominação entre classes, que determinam o sucesso ou o fracasso dos indivíduos.

(B) A existência da pobreza pode ser compreendida a partir do estudo das relações de produção resultantes da exploração de uma classe sobre a outra.

(C) A divisão em classes sociais no capitalismo está baseada na liberdade de concorrência; assim, a pobreza decorre das qualidades e das escolhas individuais.

(D) O empobrecimento de alguns setores sociais no capitalismo decorre da apropriação privada dos meios de produção, que dificulta a ascensão social da maioria da população.

(E) O empobrecimento de grande parte da população mundial decorre da definição pelo imperialismo de políticas econômicas discriminatórias.

07. (UEL – 2004) Em 1840, o francês Aléxis de Tocqueville (1805-1859), autor de A democracia na América, impressionado com o que

viu em viagem aos Estados Unidos, escreveu que nos EUA, “a qualquer momento, um serviçal pode se tornar um senhor”. Por sua vez, o escritor brasileiro Luiz Fernando Veríssimo, autor de O analista de Bagé, disse, em 1999, ao se referir à situação social no Brasil: “tem gente se agarrando a poste para não cair na escala social e seqüestrando elevador para subir na vida”. As citações anteriores se referem diretamente a qual fenômeno social? (A) Ao da estratificação, que diz respeito a uma forma de organização que se estrutura por meio da divisão da sociedade em estratos ou camadas sociais distintas, conforme algum tipo de critério estabelecido.

(B) Ao de status social, que diz respeito a um conjunto de direitos e deveres que marcam e diferenciam a posição de uma pessoa em suas relações com as outras.

(C) Ao dos papéis sociais, que se refere ao conjunto de comportamentos que os grupos e a sociedade em geral esperam que os indivíduos cumpram de acordo com o status que possuem.

(D) Ao da mobilidade social, que se refere ao movimento, à mudança de lugar de indivíduos ou grupos num determinado sistema de estratificação. (E) Ao da massificação, que remete à homogeneização das condutas, das reações, desejos e necessidades dos indivíduos, sujeitando-os às idéias e objetos veiculados pelos sistemas midiáticos.

08. (UEL – 2006) Contardo Calligaris publicou um artigo em que aborda a prática social brasileira de denominar como doutores os indivíduos pertencentes a algumas profissões, dentre eles médicos, engenheiros e advogados, mesmo na ausência da titulação acadêmica. Segundo o autor, estes mesmos profissionais não se apresentam como doutores no encontro com seus pares, mas apenas diante de indivíduos de segmentos sociais considerados subalternos, o que indica uma tentativa de intimidação social, servindo para estabelecer uma distância social, lembrando a sociedade de castas. A questão levantada por Contardo Calligaris aborda aspectos relacionados à estratificação social, estudada, entre outros, pelo sociólogo alemão Max Weber. De acordo com as idéias weberianas sobre o tema, é correto afirmar: (A) As sociedades ocidentais modernas produzem uma estratificação social multidimensional, articulando critérios de renda, status e poder. (B) Médicos, engenheiros e advogados são designados de doutores porque suas profissões beneficiam mais a sociedade que as demais. (C) A titulação acadêmica objetiva a intimidação social e a demarcação de hierarquias que culminem em uma sociedade de castas. (D) A intimidação social perante os subalternos expressa a materialização das castas nas sociedades modernas ocidentais. (E) Nas sociedades modernas ocidentais, a diversidade das origens, das funções sociais e das condições econômicas são critérios anacrônicos de estratificação.

09. (UEL – 2008) Leia o texto a seguir: Unamo-nos para defender os fracos da opressão, conter os ambiciosos e assegurar a cada um a posse daquilo que lhe pertence, instituamos regulamentos de justiça e de paz, aos quais todos sejam obrigados a conformar-se, que não abram exceção para ninguém e que, submetendo igualmente a deveres mútuos o poderoso e o fraco, reparem de certo modo os caprichos da fortuna. (ROUSSEAU, J-J. Discours sur l’origine de l’inegalité. Apud NASCIMENTO, M. M. Rousseau: da servidão à liberdade. In WEFORT, F.(Org). Os clássicos da política, v. 1. São Paulo: Ática, 1989. P. 195.).

De acordo com o texto e com os conhecimentos sobre o tema, assinale a alternativa que reproduz a relação que Rousseau estabelece entre as idéias de Contrato Social e Desigualdade. (A) O Contrato Social, uma imposição do soberano sobre seus súditos, elimina a liberdade natural e faz aumentar a fortuna dos fortes e opressão sobre os fracos.

(B) O Contrato Social, obrigações impostas pelos fortes para serem cumpridas pelos mais fracos, amplia a desigualdade e a discórdia social. (C) O Contrato Social, regulamento aplicado a todos, divide igualmente a riqueza e as posses dos fortes entre os mais fracos para poder promover a igualdade social.

(D) O Contrato Social, um pacto legítimo, permite aos homens, em troca de sua liberdade natural, a vida em concórdia, ao estabelecer obrigações comuns a todos e equiparar as diferenças que a sorte fez favorecer a uns e não a outros.

(E) O Contrato social, um pacto de defesa dos mais fracos, elimina a desigualdade, ao submeter os ricos ao poder dos fracos e assim permite que as posses sejam igualmente distribuídas.

142

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


10. (UEL – 2004) Leia a letra da canção. “Tinha eu 14 anos de idade quando meu pai me chamou Perguntou-me se eu queria estudar filosofia Medicina ou engenharia Tinha eu que ser doutor Mas a minha aspiração era ter um violão Para me tornar sambista Ele então me aconselhou: ‘Sambista não tem valor nesta terra de doutor’ E seu doutor, o meu pai tinha razão Vejo um samba ser vendido, o sambista esquecido O seu verdadeiro autor Eu estou necessitado, mas meu samba encabulado Eu não vendo não senhor!”

(Canção “14 anos” de Paulinho da Viola, do álbum Na Madrugada, 1966).

De acordo com a letra da canção, assinale a alternativa correta.

(A) O sambista vê na comercialização do samba, ou seja, na sua mutação em mercadoria, um processo que valoriza mais o criador que a coisa produzida. (B) Os termos ‘sambista’ e ‘doutor’ servem para qualificar e/ou desqualificar os indivíduos na rigorosa hierarquia social vigente no Brasil. (C) A filosofia, enquanto conhecimento humanístico voltado à crítica social, é desqualificada em relação aos conhecimentos direcionados às profissões liberais. (D) Para o sambista, o valor objetivo da música como mercadoria, medido pelo reconhecimento econômico, é mais relevante do que sua condição de criação artística subjetiva. (E) A expressão ‘terra de doutor’ está relacionada à disseminação generalizada dos cursos superiores no Brasil, responsáveis por uma elevação do nível cultural dos setores populares.

11. (UEM – INVERNO 2008) Ao longo da história, várias socieda-

des foram marcadas por profundas desigualdades sociais e políticas, motivando diferentes interpretações sobre elas. Assinale o que for correto. (01) Para Rousseau, o contrato social teria por objetivo alcançar o bem comum, estabelecendo-se um pacto em que os indivíduos estariam igualmente submetidos à vontade geral da sociedade. (02) O pensamento liberal interpreta as diferenças sociais como o resultado da desigual apropriação dos meios de produção, do capital e da força de trabalho e considera que essa situação leva à dominação entre os indivíduos. (04) Nas décadas de 1950 e 1960, o Brasil passou por um processo de industrialização, mas sem sair do subdesenvolvimento devido às características de seu modelo de crescimento industrial, que gerou uma acumulação altamente concentrada da riqueza. (08) A partir de 1970, o governo brasileiro conseguiu diminuir as desigualdades no país mediante um desenvolvimento com custo social reduzido, a desconcentração da renda, a absorção da mãode-obra economicamente ativa e o fim da inflação. (16) Segundo Karl Marx, na sociedade capitalista, o operário cria as mercadorias e apropria-se de uma parcela da sua produção, eliminando as desigualdades sociais.

SOMA = _____

12. (UEM – INVERNO 2008) Em termos sociológicos, assinale o que for correto sobre o conceito de classes sociais. (01) Sua utilização visa explicar as formas pelas quais as desigualdades se estruturam e se reproduzem nas sociedades.

(02) De acordo com Karl Marx, as relações entre as classes sociais transformam-se ao longo da história conforme a dinâmica dos modos de produção.

(04) As classes sociais, para Marx, definem-se, sobretudo, pelas relações de cooperação que se desenvolvem entre os diversos grupos envolvidos no sistema produtivo. (08) A formação de uma classe social, como os proletários, só se realiza na sua relação com a classe opositora, no caso do exemplo, a burguesia. (16) A afirmação “a história da humanidade é a história das lutas de classes” expressa a idéia de que as transformações sociais estão profundamente associadas às contradições existentes entre as classes.

SOMA = _____

13. (UFUB) Rousseau, um dos ideólogos da Revolução France-

sa, ao tratar da questão da cidadania, concebe os cidadãos como elementos ativos, participantes da autoridade soberana do Estado. Considerando-se que, para ele, a igualdade é condição fundamental para que se possa viver em liberdade, podese dizer que, no Brasil, hoje, segundo a lógica do pensamento rousseauniano: (A) Vivemos sob um regime democrático, pois, além da igualdade de todos perante a lei, existe plena liberdade de organização partidária. (B) Estamos longe de viver sob um regime democrático, tendo em vista as disparidades econômico-sociais expressas na concentração de renda, o que acabava viciando o processo político de tomada de decisões. (C) Vivemos sob um regime democrático, atestado pelo funcionamento do sistema democrático-parlamentar, condição essencial para a representação da vontade geral. (D) Estamos longe de viver sob um regime democrático, pois este só será lançado quando os interesses particulares forem efetivamente respeitados, sem sofrer qualquer interferência do Estado.

14. (UFUB) Sobre as relações sociais estabelecidas entre os ho-

mens no processo de produção capitalista, podemos afirmar que: I. se caracteriza por serem relações de exploração, antagonismo e oposição. II. as relações estabelecidas entre as classes sociais são complementares, pois só existe em relação à outra. III. dividem os homens entre proprietários e não-proprietários dos meios de produção. IV. as desigualdades não constituem a base de formação das classes sociais. V. entre o capitalista e o trabalhador há uma relação de igualdade, pois ambos são vendedores de sua força de trabalho.

Selecione a alternativa correta: (A) I, II e III estão corretas. (B) III, IV e V estão corretas. (C) II, III e IV estão corretas. (D) I, III e IV estão corretas.

15. (UFUB) De acordo com a teoria de Marx, a desigualdade so-

cial se explica: (A) Pela distribuição da riqueza de acordo com o esforço de cada um no desempenho de seu trabalho.

(B) Pela divisão da sociedade em classes sociais, decorrente da separação entre proprietários e não-proprietários dos meios de produção. (C) Pelas diferenças de inteligência e habilidade inatas dos indivíduos, determinadas biologicamente. (D) Pela apropriação das condições de trabalho pelos homens mais capazes em contextos históricos, marcados pela igualdade de oportunidades.

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

143


ANOTAÇÕES

144

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


CAPÍTULO 19 PARTICIPAÇÃO POLÍTICA Neste último capítulo você vai trabalhar com um texto tirado de um artigo científico intitulado Democracia, movimentos sociais e nivelamento intelectual: considerações sobre a ampliação da participação política, dos professores Maria Victória Espiñeira e Helder Teixeira do Departamento de Ciência Política e da Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia. Nele será apontada uma diferença crucial entre governantes e governados, em especial na questão intelectual:

REPRESENTAÇÃO E DESIGUALDADE: a diferenciação intelectual entre governantes e governados A distinção artificial entre governantes e governados tem assinalado uma espécie de lógica redundante nos procedimentos políticos das democracias modernas, que se restringem, basicamente, às eleições como mecanismo-chave de mensuração da qualidade e do alcance da representação política. Por mais que não se subestime a importância desse instituto, o pleito eleitoral típico ainda se revela incompleto e contestável, na medida em que não se furtou ao complexo ditame das relações entre governantes e governados, que apresenta ainda características de oligarquização, circunscrição e concentração das esferas políticas decisórias em detrimento da legitimidade continuada dessa mesma relação. Assim sendo, a excessiva relevância colocada nas eleições e nos procedimentos técnicos e rotineiros dos processos legislativos é insuficiente para se mensurar o efetivo sentido da democracia como relação proporcional entre governantes e governados, tendo em vista que o poder é considerado exclusivamente no exercício institucionalizado. O nexo dessa argumentação é que seu princípio se fundamenta, nas democracias representativas modernas, na soberania popular, sendo, além disso, despersonalizado e despatrimonializado; um “lugar vazio”, na acepção de Claude Lefort (1991). Habermas sugere uma Arena Pública de Discussões, onde as várias vozes do A ênfase colocada no processo eleitoral e seus desdiscurso buscam o consenso político dobramentos faz com que as democracias representativas fomentem a marginalização, a coadjuvação e a restrição dos governados frente aos interesses públicos concentrados nos representantes. Logo, ascende uma nova forma de abuso do poder político sem, contudo, exercer-se sob a forma instrumental típica das ditaduras, tais como a repressão, o extermínio e a supressão das oposições. É a própria dimensão representativa, eleitoral e congressual da democracia moderna que institui uma impossibilidade concreta de se conter essa usurpação e esse abuso da soberania e do poder popular. Desse modo, o que se descortina de tais relações, diferenciadoras do exercício do cargo político eletivo a partir do voto que o justifica, é que o princípio de tal violação não mais se aloca no plano material da força, mas na incorporação de valores democráticos como justificativa para a exclusão pós-eleitoral dos representados. A valoração extrema dos resultados das urnas distorce a qualidade do exercício do poder político, de modo a justificar a conduta abusiva dos mandatários. Consequentemente, o representante eleito se utiliza do resultado das urnas de modo a não prestar contas de suas ações e decisões, tendo em vista ter conquistado sua vaga a partir de sua competência, capacidade e respaldo intelectual. Na história recente da política brasileira, o resultado das urnas tem sido constantemente evocado para justificar o abuso do poder legitimamente assentado na vontade popular, mas corruptamente adequado às razões das oligarquias partidárias. Presidentes distintos, como Fernando Collor (1990-1992) e Fernando Henrique Cardoso (1994-2001), utilizam-se da justificativa das urnas para combater qualquer tipo de contestação às suas diretrizes governamentais. Parecem, com isso, defender a argumentação de Montesquieu de que o povo é sábio para escolher os governantes, mas não para governar (Montesquieu, 2000). Porém a Constituição de 1988 assegura, em seu Art.5, LXXIII, que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe [...], ficando o autor, salvo comprovada má fé, isento de custas judiciais e de ônus da sucumbência (Brasil, 2007). O que parece ser uma lógica distorcida é, essencialmente, aquilo que o processo político reflete em sua dimensão mais concreta. Dos mandatários tradicionais aos políticos profissionais das democracias modernas, todos se portam na perspectiva de que a autoridade possui uma justificativa para tal exercício (Weber, 1993, 2005). Portanto, por mais que o esforço em compensar as diferentes formas de poder político, do autoritarismo à democracia, distinga a origem do próprio poder, parece que a máxima de Robert Michels (1968) - de que a oligarquização partidária promoverá a distinção entre líderes e liderados de modo irreversível - se faz cada vez mais atual. E isso decorre, mormente, da postura de diferenciação intelectual que se faz presente no instante em que um cidadão objetiva adentrar no jogo político-partidário. Desse modo, a democracia moderna, fundamentada em normas gerais que permitem aos membros da sociedade resolver conflitos, não realizou grande parte de suas promessas. De acordo com Bobbio, um dos grandes impedimentos foi a persistência das oligarquias, que, mesmo se adaptando historicamente à modernidade das relações econômicas e

145


sociais, impediu uma maior participação, inclusão e socialização das decisões políticas (Bobbio, 2002b, 2003). Além disso, esse fenômeno se desdobra na insegurança do indivíduo, no que se refere à busca pela sobrevivência material, pois que o Estado, antigo senhor absoluto das relações sociais, foi sendo substituído por uma sociedade civil mais contestadora e interventora (Baumann, 1999). De tal modo que, na medida em que se ampliou a liberdade individual, o poder público profissionalizado e racionalizado desfez a idéia de pertencimento do cidadão em sua comunidade, dado que a hierarquização necessária das relações de poder e a liberdade de atuação do mercado não prescindem da solidariedade para uma integração social (Habermas, 2003). Mais uma vez, a questão se situa no fato de que a ampliação dos direitos e liberdades individuais, mais concretamente depositadas na ampliação e universalização do voto, não pode ser desconsiderada. O problema é que tal expansão dos direitos políticos não produziu necessariamente uma verdadeira relação de proporcionalidade entre o direito de escolha e a participação efetiva do cidadão nos processos políticos de relevância (Sartori, 1994). Mas, ao que parece, o processo eleitoral, como fundamento jurídico concreto do exercício da soberania popular, não tem preenchido os anseios da sociedade civil em escala mundial. Nesse sentido, cada vez mais são sugeridas formas de exercício mais direto de controle social das ações governamentais (Fisher; Sharp, 1998). Ou seja, por mais que as discussões de ordem teórica tenham contribuído para a análise das relações de poder entre governantes e governados, são poucas as propostas de controle horizontal das ações de governo, assim como as perspectivas de que, nas sociedades contemporâneas, as oligarquias político-partidárias considerem a possibilidade de ampliação, ou mesmo criação e reprodução de instrumentos de controle down-top (Susskind; Cruikshank, 1987). Em que pese a importância de trabalhos recentes que demonstram algumas experiências que têm possibilitado a aproximação entre os representantes e representados através de práticas participativas no campo das instituições,1 alguns desses estudos partem do reconhecimento de que existem limites na democracia representativa e procuram romper com posições que acreditam que o mundo das virtudes está apenas em um lado, ou na sociedade ou no Estado (Lavalle, 2006; Urbinati, 2007; Laydet, 2004). Novas vozes de discurso surgem nesta grande arena política e O problema das relações de poder entre governante todos querem e tem o direito de expressar suas opiniões. e governados aparentemente não se limita ao abuso da autoridade constituída e envolveria uma esfera ainda mais distante de controle pela sociedade, na medida em que o maior dos abusos estaria na dificuldade colocada pelos governantes em se fazerem cidadãos comuns numa democracia substantiva de procedimentos (Cohen; Arato, 1999). A ausência desse instrumento por parte das Casas Legislativas, em diferentes instâncias, tem reforçado maior distanciamento entre governantes e governados, reiterando uma concepção da democracia restrita à democracia procedimental e fomentando déficits de representação, desconfiança e descrédito na relação entre governantes e governados. A seguir, apresentamos algumas evidências brasileiras sobre o controle social das Casas Legislativas, com base em dados da Transparência Brasil.(Cad. CRH vol.21 no.54 Salvador Sept./Dec. 2008 http://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792008000300005)

A arena pública de discussões Um dos autores da Escola dde Frankfurt que também pensam sobre é Jürgen Habermas. Para ele a sociedade contemporânea soube combinar um alto nível teórico com uma capacidade de articular-se com a mídia para fazer suas idéias espalharem-se rapidamente. Esse pensador propõe um espaço público onde possamos, através do debate, recuperar a racionalidade. Como seria esse espaço público? Habermas se refere aos fóruns internacionais, nacionais e locais, congressos, debates nos meios de comunicação, enfim, na abertura O atentado contra a liberdade de expressão impede a discussão de espaços onde as idéias possam ser discutidas antes de sedemocrática e o consenso rem levadas a cabo pelos governantes. A teoria da ação comunicativa é uma luta contra a desilusão e indiferença dos cidadãos com relação à política e à moral. Segundo ele, isso põe em perigo a democracia, pois um pequeno grupo acaba tendo que decidir pela maioria, sem haver um debate necessário. Como se daria essa ação comunicativa? Trata-se de buscar uma opinião pública capaz de discutir, com argumentos, as bases de uma democracia. Uma das conseqüências seria os cidadãos se comprometerem a não traduzir em violência seus conflitos e, sim resolvê-los pelo debate baseado na opinião pública. Fica claro que Habermas segue uma clara opção filosófica moderna e, ao mesmo tempo, clássica, que considera a razão capaz de superar os conflitos, superando um marxismo radical que estava na base do pensamento de Adorno, Horkheimer e todos os filósofos da Escola.

146

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


Leia o texto de Habermas:

Efeito político

O resultado de um estudo sobre fluxos de comunicação pode ter interesse nesse contexto: ao menos no âmbito da comunicação política, ou seja, para o leitor enquanto cidadão-, a imprensa de qualidade desempenha um papel de “liderança”: o noticiário político do rádio e da televisão depende em larga escala dos temas e das contribuições provenientes do jornalismo “argumentativo”. Suponhamos que uma dessas redações caia nas mãos de investidores que trabalham com lucros rápidos e prazos curtos: a reestruturação e o enxugamento nesses lugares estratégicos não tardarão a pôr em risco os padrões jornalísticos e a afetar em cheio a vida política. Pois a comunicação pública perde vitalidade discursiva quando lhe falta informação fundamentada ou discussão vivaz, coisas que não se obtêm sem custos. A esfera pública não teria mais como opor resistência às tendências populistas e não seria mais capaz de desempenhar funções que lhe cabem no quadro de um Estado democrático de Direito. Vivemos em sociedades pluralistas. O processo de decisão democrático só pode ultrapassar as cisões profundas entre visões de mundo opostas se houver algum vínculo legitimador aos olhos de todos os cidadãos. O processo de decisão deve conjugar inclusão (isto é, a participação universal em pé de igualdade) e condução discursiva do conflito de opiniões. Pois tão-somente a discussão deliberativa fundamenta a suposição de que, no longo prazo, os processos democráticos propiciam resultados mais ou menos racionais. A formação de opinião por via democrática tem uma dimensão epistêmica, uma vez que envolve a crítica de afirmações e juízos errôneos. Esse é o papel de uma esfera pública dotada de vitalidade discursiva. Esse papel se evidencia intuitivamente tão logo se tenha em mente a diferença entre o conflito público de opiniões concorrentes e a divulgação de pesquisas de opinião. Opiniões que se formam por meio de discussão e polêmica são, a despeito de toda dissonância, filtradas por informações e argumentos, enquanto as pesquisas de opinião apenas invocam opiniões latentes em estado bruto ou inerte. ...

HABERMAS, Jurgen: O valor da Noticia. Folha de São Paulo, 27/05/2007. Disponível em  HYPERLINK “http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2705200707.htm”   http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2705200707.htm

A pós-modernidade As sociedades pós-modernas, onde o consumismo está plenamente desenvolvido, enfrentam hoje dois graves problemas que colocam em perigo a sua sobrevivência: a) Consumismo - Os seus cidadãos estão de tal forma preocupados em consumir e em arranjar dinheiro para consumir, que não têm tempo de se preocupar com a sociedade. A sua moral é puramente hedonista: a única coisa que conta verdadeiramente é o seu prazer pessoal imediato, sendolhes indiferente as consequências dos seus atos. b) Alienação - Os atuais cidadãos vivem cada vez mais em grandes cidades, onde as relações impessoais e os mecanismos de decisão política lhes escapam completamente do controle. A tendência que daqui decorre é para abandonarem qualquer forma de intervenção cívica, remetendo-se para um completo alheamento das questões sociais. Não é possível pensar os regimes democráticos sem uma participação ativa dos seus cidadãos. A verdade é que o panorama é deprimente nos países mais desenvolvidos do mundo. Por que é que a maioria dos cidadãos parece estar a abdicar dos seus direitos e deveres de cidadania? Crise de Legitimidade - Uma elevada percentagem dos eleitores afirma que não se reconhece nos can- didatos e nas suas propostas eleitorais, fato que se traduz nas elevadas percentagens de abstenção nos atos eleitorais. O resultado é muitas vezes elevadas figuras do estado eleitas por simples minorias. Política Espetáculo - A mediatização da política transformou o debate político num espetáculo onde, frequentemente, muitos políticos, para obterem elevados níveis de notoriedade pública, assu- mem atitudes e comportamentos que lhes retiram qualquer crédito aos olhos da maioria dos cidadãos, mas que têm também como consequência minar a confiança no próprio sistema democrático. Expectativas Defraudadas - Os cidadãos sentem frequentemente que os políticos só se preocupam com eles em épocas eleitorais; após as mesmas, são rapidamente esquecidos. Falta de Transparência - Um dos motivos para explicar a falta de participação na vida política está no fato de os cidadãos se queixarem de que não são informados e de serem múltiplos os entraves que encontram quando pretendem ter acesso à informação relevante sobre a coisa pública. Alienação - A criação de grandes organizações internacionais, como a União Europeia, está produzindo um progressivo alheamento dos cidadãos sobre o seu destino coletivo. A complexidade destas organizações e a forma difusa como as decisões nelas são tomadas contribuíram para diminuir o interesse dos cidadãos pelas mesmas. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

147


A tudo isto acrescentam-se, segundo alguns autores, os valores próprios de um sociedade de consumo que exacerba o culto do hedonismo e a primazia dos interesses individuais sobre os coletivos. Saídas? Entre as muitas que têm sido apontadas, destacamos as seguintes: a) Aproximar o sistema de decisões públicas dos cidadãos, nomeadamente descentralizando o Estado, partilhando as decisões e melhorando acesso dos cidadãos à informação. Em muitas cidades do mundo estão sendo postos em prática sistemas muito abertos de participação permanente dos cidadãos, assim como o seu acesso à informação, utilizando as possibilidades criadas pela internet. b) Incentivar a participação cívica como um dever de qualquer cidadão, nomeadamente através do sistema educativo controlado pelo Estado. c) Estimular a criação de associações de cidadãos que possam funcionar como escolas de educação cívica e meios de pressão sobre os decisores.

Fatos que Antecedem a Pós-Modernidade MARTIN LUTHER KING: Foi graças a atividades políticas desenvolvidas desde a década de 1950 que, em 1963, foi aprovada a Lei dos Direitos Civis, que acabava com a legislação segregacionista norteamericana e, em 1965, os negros podiam votar. A luta de King agora era pelo fim da Guerra do Vietnã, já que eram os negros os mais atingidos pelo recruta- mento compulsório. Quando então em Memphis, no Tennessee, no dia 4 de abril, ao apoiar uma greve de lixeiros, no Lorraine Motel, levou um tiro no pescoço de um ho- mem branco chamado James Earl Ray, que foi preso meses depois, mas o crime de fato nunca foi esclarecido. A partir daí, a luta pelos direitos civis dos negros ganhou um tom mais radical. O intelectual Stokley Car- michael passou a falar em Poder Negro, estruturando um grupo rebelde chamado PANTERAS NEGRAS, que deixava de lado a ideia de não-violência de King. Esta trajetória do movimento pelos direitos civis dos negros chega a seu ponto alto nas eleições presidenciais nos anos 2000´s, quando o negro Barack Obama se torna candidato pelo partido DEMOCRATAS. ROBERT KENNEDY O que você diria se um presidente norteamericano afirmasse: “Não encontraremos nenhum propósito nacional nem satisfação pessoal numa mera continuação do progresso econômico. Não podemos medir a reali- zação nacional pelo Produto Interno Bruto. Pois o PIB cresce com a produção de napalm, mísseis e ogi- vas nucleares. Ele mede tudo, em suma, menos o que torna a vida digna de ser vivida”. Apoiava a luta dos negos pelos direitos civis, fazendo um emocionado discurso no dia da morte de Martin Lu- ther King. Era contra a continuação da Guerra do Vietnã, já havia sinalizado que iria trazer os garotos de volta para casa. Venceu as primárias dos Democratas na Califórnia. Foi assassinado no dia 5 de junho, no Hotel Ambassador, em Los Angeles, pelo palestino Sirhan Sirhan. O outro candidato democrata, Eugene McCarthy, foi obrigado, pelos jovens que protestaram contra o assassinato, querendo que o partido não concorresse, a renunciar. Um terceiro, o vice-presidente de Lyndon Johnson (que já havia desistido de tentar a reeleição), Hubert Humphrey, foi vencido pelo republicano RICHARD NIXON. Os jovens conseguiram que o serviço militar dei- xasse de ser obrigatório, gerando uma transformação nas forças armadas norteamericanas, que se profissionalizaram. Muitos analistas apontam hoje este fato de não haver uma resistência dos estudantes norteamericanos contra a Guerra do Iraque. RUAS DE PARIS 1968 Em maio, começam os protestos de estudantes da universidade de Nanterre, no subúrbio de Paris, por dormitórios mistos. O movimento dos estudantes é violentamen- te reprimido pela polícia. Os estudantes se tornam então irredutíveis e passam a reivindicar mais coisas e são apoiados pelos trabalhadores que iniciam uma greve geral. O presidente Charles de Gaulle é pressionado a renunciar, porém reage com um aumento salarial aos trabalhadores, que encerram a greve e enfraquecem o movimento estudantil PRIMAVERA DE PRAGA Na Tchecoslováquia, o primeiro-secretário do Partido Comunista, Alexander Dubcek, começa a promover mudanças no sistema comunista, dando maior abertura e uma certa liberdade à população. Era um sonho de trazer liberdade para dentro do socialismo. Mesmo fazendo parte da chamada Cortina de Ferro, a Tchecoslováquia não se comportava como a URSS. Em agosto de 1968, tropas soviéticas invadiram as ruas de Praga. A população tentou resistir pacificamente. Os líderes do Partido Comunista Tcheco foram presos e levados para a URSS. O presidente Ludvik Svoboda resistiu. O movimento perdeu força, mas mostrava ao mundo que o regime comunista estava se deteriorando. DITADURA NO BRASIL Os jovens no Brasil também fizeram um grande movimento contra a Ditadura Militar que se implantou no Brasil desde 1964. O ano de 1968 foi particularmente conturbado: Reunidos em guerrillha, grupos de esquerda começaram a fazer ação armada; A Vanguarda Popular Revolucionária – VPR faz ação armada contra um quartel do Exército; Os estudantes fazem a passeata dos Cem Mil contra a ditadura; Congresso da UNE em Ibiúna – 900 estudantes presos; em 13 de dezembro (Dia do Marinheiro), o governo baixa o ATO INSTITUCIONAL Nº 5, que concedia poderes quase que ilimitados ao presidente da República para dissolver o Congresso e retirar os direitos civis.

148

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


O Neoliberalismo e uma nova economia Os anos 1970 começam com os Estados endividados/ grande dívida pública/baixas taxas de crescimento/ inflação e estagnação = estagflação. As ideias econômicas de John Maynard Keynes são abandonadas e trocadas por ideias que vêm da escola de Chicago. Proposta neoliberal (Popper, Lipman, Hayek e Friedman). O diagnóstico da crise: o problema era o Estado-Providência e os Sindicatos. A saída: o mercado tinha de estar livre e se autorregular, “porque sem competição, não há prosperidade” (darwinismo social). PROGRAMA NEOLIBERAL : 1. estado forte, que controle seus gastos públicos, corte investimentos e acumule capital (superávit) para pagar a dívida com o sistema financeiro; 2. estado monetarista, baseado no dinheiro. Lança títulos e negocia no mercado de capitais; 3. reforma fiscal: incentivar investimentos privados em áreas onde antes o Estado atuava (Educação, Saúde, Habitação, saneamento), aumento da taxação da renda, do trabalho e do consumo (comércio). 4. estado fora da regulamentação do mercado. O mercado se autorregula. CONSEQUÊNCIAS 1. Exclusão: Desemprego que gera uma força de trabalho reserva; rotatividade de mão-de-obra; introdução da automação; 2. Monetarismo financeiro: Bancos e FMI ditam as regras dos investimenUma nova sociedade de consumo em massa se fortalece e determina gostos e tos; 3. Terceirização: Aumento do setor de serviços; comportamentos de todos 4. Ciência e tecnologia como suporte do desenvolvimento: O capitalismo ocasiona o monopólio do conhecimento e da informação; 5. Privatização de setores do Estado: o serviço agora é só para quem pode pagar; 6. Transnacionalização da economia; 7. bolsões de miséria em todos os países. ReSuMO: • Desintegração vertical da produção; • Tecnologias eletrônicas; • Diminuição dos estoques; • Velocidade na qualificação e desqualificação da mão-de-obra. QUE CAUSA: 1. Insegurança: o que leva a aplicar em papéis; 2. Dispersão: o que leva a uma busca de líderes for- tes com perfis despóticos; 3. Medo: o que leva o retorno à família e a busca do misticismo; 4. Destruição da memória: o que leva à sensação de que nada dura. O QUE LEVA: 1. paixão pelo efêmero e pelas imagens; 2. as novas tecnologias deram origem a um tipo novo de publicidade e de marketing, no qual não se ven- de mais a mercadoria, mas sim o SÍMBOLO delas, ou seja, vendem-se e compram-se imagens que precisam ser substituídas rapidamente. PORTANTO: 1. diferente - Ninguém pode ser igual ou seguir exemplos. Todos têm de ter um diferencial. 2. duração - as coisas duram pouco - não há mais carreiras de 30 anos, carros que durem. 3. linguagem - A palavra agora é um jogo de significados. Há um papel reservado à mentira nas relações sociais. Não há mais a palavra como verdade, há é uma interpretação. Até a lei não é exatamente o que está escrito, mas o que se interpreta dela. 4. subjetividade - visão individual, narcisismo, personalidade fragmentada. Não existem mais pessoas que não mudam. Não há mais modelos: hoje sou um, amanhã outro. SAÍMOS DA: Lógica da produção (qualidade) para a lógica da circulação (quantidade); Lógica do trabalho (mãos calejadas/ trabalho individual em silêncio) para lógica da comunicação (trabalho em grupo virtual baseado em uma linguagem especializada); Lógica da luta de classes para a lógica da satisfação/ insatisfação do indivíduo em relação ao consumo.

AVALIE SEU CONHECIMENTO 01. Leia o que escreve Antônio Bivar (O que é punk, Editora Brasiliense, 2001): “Em 1976 o punk é maisuma revolução de estilo que político. Mais sentimento que consciência. Quando a imprensa começa a usar de retórica para explicar o punk, chamando o movimento de político, Johnny Rotten retruca: “A imprensa não sabe o que diz. Como é que posso ser político se nem sei o nome do primeiro ministro!”.” Considerando o que a sociologia explica sobre artes e movimentos, mais o lido, está correto dizer que (A) o movimento punk integrou com outros movimentos culturais das décadas de 1960-1970, os quais tinham estilos totalmente diferentes entre si e com relação a este, o movimento mais amplo que foi a contracultura.

(B) o movimento punk estava ligado apenas ao campo estético da manifestação. (C) a essência do movimento punk é o uso constante da indumentária em couro ou tecidos rústicos, uso da cor preta e cortes radicais de cabelos.

(D) a arte punk na realidade é de matriz social conservadora, própria das classes menos abastadas da sociedade. (E) a imprensa da época, como a de agora, nada tinha a dizer de tais movimentos musicais e similares, pois estes são efêmeros, daí não serem possíveis de apreensão e análise. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

149


02. “Na segunda metade do século XX, a tendência à superação das ideias racistas permitiu que diferentespovos e culturas fossem percebidos a partir de suas especificidades. Grupos de negros pressionaram pela adoção de medidas legais que garantissem a eles igualdade de condições e combatessem a segregação racial. Chegamos então ao ponto em que nos encontramos, tendo que tirar o atraso de décadas de descasopor assuntos referentes à África”. Marina de Mello e Souza. A descoberta da África. RHBN, ano 4, n. 38, novembro de 2008, p. 72-75.

A partir deste texto e do conhecimento da sociologia a respeito da questão racial em nosso país, é possível afirmar que

(A) autores como Gilberto Freyre, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Darcy Ribeiro, entre outros tantos autores, são importantes por chamarem a atenção do país para o papel dos negros na construção do Brasil e da brasilidade, e as formas de exclusão explícitas e implícitas que sofreram. (B) apesar de relevante a luta contra o preconceito racial, o estudo da África só diria respeito ao conhecimento do passado, do período do Descobrimento do Brasil até a abolição da escravidão entre nós. (C) estudar a África só nos indicaria a captura e a escravidão de diferentes povos africanos, tendo em vistaque raça e o racismo são categorias ideológicas as quais servem para encobrir as fortes tensões sociais existentes entre a imensa classe de pobres e o seu oposto a dos ricos. d)a autora quer dizer que devemos hoje operar cada vez mais com categorias tais como a especificidadeda raça negra, da raça branca, da raça amarela e outras mais. (E) nenhuma das alternativas está correta.

03. Quanto aos índios brasileiros, a partir dos estudos sociológicos já feitos e existentes hoje, está correto dizer que (A) estão em via de extinção posto serem culturas primitivas e atrasadas com relação à sociedadebrasileira, daí se inviabilizarem como grupo social .

(B) não há mais índios no país, posto que só existiriam índios quando da descoberta do Brasil e no período Colonial, quando pelas guerras, doenças e outros fatores advindo do contato com os colonizadores,vieram a se extinguir.

(C) apesar das desigualdades sociais imensas que sofreram e sofrem, marginalizando-os, eles continuam presentes marcando, atualmente, muito melhor suas identidades e pertencimentos culturais específicos, abrindo e conquistando espaços políticos dentro da sociedade brasileira. (D) não mais existem índios no Brasil, pois que todos eles já entraram na sociedade brasileira, adquirindoos bens e serviços desta, daí não haver mais nenhuma cultura indígena pura, verdadeira, a qualpossamos nos referir como legitimamente indígena. (E) Nenhuma das alternativas está correta.

04. Assinale a alternativa falsa: (A) A ética do discurso de Jürgen Habermas desconsidera a guinada pragmático-linguística na filosofia contemporânea e continua buscando justificações universalistas.

(B) Habermas apresenta sua ética do discurso como sendo cognitivista, formalista e procedimentalista. (C) A ética do discurso de Habermas constitui-se, dentre outras coisas, de uma reformulação do imperativo categórico kantiano, que passa a ser apresentado em termos pragmáticos onde o Ego transcendental é substituído pela comunidade de comunicação.

(D) O ideal de uma comunicação não coercitiva e igualitária está na base da justificativa filosófica da ética do discurso de J. Habermas. (E) A ética do discurso de Habermas se baseia nas teses fornecidas por este mesmo pensador para a construção do conceito de razão comunicativa.

05. Durante o século XIX e início do século XX a sociedade ocidental sofreu o processo de expansão e fortalecimento do modelo ca-

pitalista de produção. Em linhas gerais, tal período representou um conjunto de transformações de um mundo marcado pela ruralidade, por uma economia de subsistência, por tradições religiosas mais definidas e por uma baixa densidade demográfica para uma sociedade urbana, sustentada pelo comércio e pela indústria, altamente povoada e com uma cultura cada vez mais heterogênea. Tal conjuntura foi fundamental para o desenvolvimento das primeiras teorias sociológicas. Sobre isso é INCORRETO afirmar que (A) Émile Durkheim compreende o processo de transição para a modernidade observando a origem e as transformações nos diferentes tipos de solidariedade.

(B) Augusto Comte procura elementos causais que fogem da observação dos fenômenos reais, acreditando na existência de variáveis nãosociais que determinariam o processo histórico de nascimento domundo contemporâneo .

(C) Max Weber analisa este processo elaborando os tipos ideais de ação social, apontando e afirmando o predomínio da ação social racional durante a modernidade.

(D) Karl Marx considera que o fundamento destas transformações sociais encontra-se na divisão do trabalho desenvolvida com o intuito de garantir a ampliação da acumulação de capital.

(E) Georg Simmel valorizava a análise qualitativa dos grupos humanos desenvolvidos no decorrer da história, considerando as interações e os diversos sentimentos existentes no processo de organização social.

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 06. (UEL 2013) O vídeo Kony 2012 tornou-se o maior sucesso da história virtual, independente da polêmica causada por ele. Em seis dias, atingiu a espantosa soma de 100 milhões de espectadores, aproximadamente. No primeiro dia na Internet, o vídeo foi visto por aproximadamente 100.000 visitantes. (Adaptado de: PETRY, A. O Mocinho vai prender o bandido… e 100 milhões de jovens querem ver. Veja, ano 45, n.12, 2261.ed., 21 mar. 2012.)

A Internet revelou-se um poderoso instrumento para a ação política de ONGs e de movimentos sociais. A respeito das formas de expressão de necessidades coletivas no mundo globalizado, assinale a alternativa correta. (A) As ONGs e os novos movimentos sociais têm como característica comum a construção de estruturas hierarquizadas e rígidas para a realização das lutas coletivas.

(B) Como toda luta política, a conquista do poder de Estado é o referencial a partir do qual se constroem as ações das novas reivindicações coletivas de ONGs e movimentos sociais.

(C) Demandas ligadas ao trabalho perderam sua importância para as novas lutas coletivas expressas pelas ONGs e pelos recentes movimentos sociais.

(D) Nas novas lutas coletivas há o predomínio dos novos sujeitos sociais, os grupos sociologicamente minoritários, com um projeto definido e uniforme de construção da sociedade.

(E) O ativismo de ONGs e de movimentos sociais nas redes virtuais diversifica as agendas políticas e as práticas que buscam inovar o modo de fazer política.

150

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


07. (UFPA 2013) O Pará é o estado brasileiro que apresenta o

maior número de terras quilombolas reconhecidas pelo Estado. Em 1995, no município de Oriximiná, a comunidade de Boa Vista foi a pioneira no país a receber título coletivo de suas terras. Para a concretização deste direito, uma comunidade quilombola precisa comprovar que (A) dispõe de registros arqueológicos pelos quais se confirme que a comunidade vive em terras que eram, anteriormente, um quilombo de escravos negros fugidos da servidão. (B) sua identidade étnica como remanescente de quilombo é resultado de processos de resistência em relação aos grupos sociais hegemônicos. (C) tem origem biológica negra em toda a sua população. (D) sempre viveu isolada de outras comunidades por longos períodos de tempo, o que possibilitou a identificação de seus membros pela cor da pele. (E) sua população mantém vivas as tradições religiosas dos primeiros escravos africanos que habitaram o território brasileiro.

08. (UFPA 2013) As novas tecnologias da informação e comuni-

cação tornaram-se uma realidade nas relações sociais contemporâneas e contribuem para a maior integração das pessoas neste início do século XXI. Sobre as alterações nas práticas culturais decorrentes dessas novas tecnologias informacionais, é correto afirmar: (A) As pessoas deixaram de contatar as redes sociais já consolidadas

Com essa noção de progresso, referida no texto, construíase a crença de que o ser humano caminhava em direção a um progresso irresistível, e ele próprio seria o exemplo dessa noção, implicando, por exemplo, a minimização do trabalho braçal e uma supervalorização das atividades intelectuais. Porém, no século XX, tendências de pensamento demonstraram que a razão, ao mesmo tempo em que é libertadora, também tem a capacidade de subjugar os homens. Essa crítica às concepções modernas da razão foi o sustentáculo de um movimento contestador e pacifista, denominado de movimento __________. Assinale a alternativa que apresenta o termo que preenche, corretamente, a lacuna do enunciado. (A) contracultural. (B) modernista. (C) neoliberal. (D) trabalhista. (E) yuppie.

10. (UNCISAL 2012) Os problemas ambientais mobilizam muitos

cientistas e ativistas ao redor do mundo. Atuando em áreas distintas, eles buscam soluções a curto e médio prazos para evitar um colapso completo do meio ambiente. Fazendo uma análise no sentido sociológico da charge abaixo, podemos concluir como verdadeiro:

e as substituíram por encontros presenciais realizados por meio da rede mundial de computadores. (B) As dinâmicas das culturas vinculadas à virtualidade dos meios de comunicação consolidam a cultura popular em detrimento da cultura de massa e da indústria cultural. (C) A violência urbana impede que sejam ampliadas as redes e grupos sociais tradicionalmente vinculados ao capitalismo, o que intensifica o uso convencional dos serviços dos correios. (D) A educação e a religião estão apartadas do processo de utilização de mídias eletrônicas, e isso causou o afastamento das pessoas das lutas por causas sociais mais amplas. (E) As novas tecnologias de informação e comunicação têm sido utilizadas nas ações coletivas de pessoas envolvidas com as demandas dos movimentos sociais.

09. (UEL 2013) Muitas vezes, o processo de evolução por seleção natural é alvo de interpretações distorcidas. E quando o assunto é a evolução humana, a distorção pode ser ainda maior, pois o Homo sapiens é apresentado como o ápice do desenvolvimento. As ilustrações mais conhecidas da evolução estão todas direcionadas no sentido de reforçar uma cômoda concepção da inevitabilidade e da superioridade humanas. A principal versão dessas ilustrações é a série evolutiva ou escada de progresso linear. Esse avanço linear ultrapassa os limites das representações e alcança a própria definição do termo evolução: a palavra tornou-se sinônimo de progresso. A história da vida não é uma escada em que o progresso se faz de forma previsível e sim um arbusto ramificado e continuamente podado pela tesoura da extinção. (Adaptado de: GOULD, S. J. Vida maravilhosa: o acaso na evolução e a natureza da história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p.23-31.)

(A) sociedades com alto padrão de qualidade e acesso irrestrito a tecnologia estão a salvo das consequências advindas dos problemas ambientais. (B) a resolução dos problemas ambientais requer não somente políticas públicas e ações globais, mas uma mudança de comportamento dos indivíduos. (C) os problemas ambientais não forçarão a mudança de comportamento dos indivíduos ou a forma de organização das sociedades ao redor do mundo. (D) as práticas capitalistas não ameaçam tanto o meio ambiente e as relações sociais. (E) a industrialização e urbanização intensas não são causas dos problemas ambientais.

11. (UCS 2012) Apesar de todas as mudanças sociais, culturais,

econômicas, políticas, dos meios de comunicação e de valores ocorridas no século XX, a discriminação da mulher é ainda um fato comum na sociedade atual.

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

151


Considere as seguintes afirmações sobre o papel da mulher na sociedade brasileira. I. Getúlio Vargas, em 1934, promulgou uma Constituição que dava às mulheres o direito de voto e o direito de serem votadas.

posso desorganizar”.

II. A participação feminina na população economicamente ativa, a partir da década de 60, teve um aumento significativo, devido à necessidade de as mulheres trabalharem fora de casa para ajudar no orçamento familiar.

(B) solidariedade, presente no verso “Quanto mais miséria tem, mais

III. As mulheres organizaram várias ONGs feministas, na década de 80, para terem participação na vida social e política nacional, e nessa década foi criado o Conselho Nacional da Condição Feminina, ligado ao Ministério da Justiça.

(D) igualdade econômica e social, presente no verso “Peguei o balaio,

Das afirmações acima, (A) apenas I está correta. (B) apenas II está correta. (C) apenas III está correta. (D) apenas II e III estão corretas. (E) I, II e III estão corretas.

12. (ENEM 2012) As mulheres quebradeiras de coco-babaçu dos Estados do Maranhão, Piauí, Pará e Tocantins, na sua grande maioria, vivem numa situação de exclusão e subalternidade. O termo quebradeira de coco assume o caráter de identidade coletiva na medida em que as mulheres que sobrevivem dessa atividade e reconhecem sua posição e condição desvalorizada pela lógica da dominação, se organizam em movimentos de resistência e de luta pela conquista da terra, pela libertação dos babaçuais, pela autonomia do processo produtivo. Passam a atribuir significados ao seu trabalho e as suas experiências, tendo como principal referência sua condição preexistente de acesso e uso dos recursos naturais. ROCHA, M. R. T. A luta das mulheres quebradeiras de coco-babaçu, pela libertação do coco preso e pela posse da terra. In: Anais do VII Congresso Latino-Americano de Sociologia Rural, Quito, 2006 (adaptado).

A organização do movimento das quebradeiras de coco de babaçu é resultante da (A) constante violência nos babaçuais na confluência de terras maranhenses, piauienses, paraenses e tocantinenses, região com elevado índice de homicídios. (B) falta de identidade coletiva das trabalhadoras, migrantes das cidades e com pouco vínculo histórico com as áreas rurais do interior do Tocantins, Pará, Maranhão e Piauí. (C) escassez de água nas regiões de veredas, ambientes naturais dos babaçus, causada pela construção de açudes particulares, impedindo o amplo acesso público aos recursos hídricos. (D) progressiva devastação das matas dos cocais, em função do avanço da sojicultura nos chapadões do Meio-Norte brasileiro. (E) dificuldade imposta pelos fazendeiros e posseiros no acesso aos babaçuais localizados no interior de suas propriedades.

13. (UFU 2012) Leituras comuns acerca da democracia associam

seu conteúdo, exclusivamente, ao universo eleitoral. Todavia, outras dimensões da democracia são igualmente importantes, como testemunha o trecho abaixo da canção Da lama ao caos, de Chico Science e a Nação Zumbi.

Oh Josué eu nunca vi tamanha desgraça Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça Peguei o balaio, fui na feira roubar tomate e cebola Ia passando uma velha, pegou a minha cenoura Aí minha velha, deixa a cenoura aqui Com a barriga vazia não consigo dormir E com o bucho mais cheio comecei a pensar Que eu me organizando posso desorganizar Que eu desorganizando posso me organizar Que eu me organizando posso desorganizar [...].

152

Nessa canção, uma outra dimensão da democracia, além da eleitoral, é apresentada por meio da noção de (A) participação política, presente no verso “Que eu me organizando

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

urubu ameaça”.

(C) respeito à diversidade, presente no verso “E com o bucho mais cheio comecei a pensar”. fui na feira roubar tomate e cebola”.

14. (UNICENTRO 2012) A vida política não acontece apenas dentro do esquema ortodoxo dos partidos políticos, da votação e da representação em organismos legislativos e governamentais. O que geralmente ocorre é que alguns grupos percebem que esse esquema impossibilita a concretização de seus objetivos ou ideais, ou mesmo os bloqueia efetivamente. [...] Às vezes, a mudança política e social só pode ser realizada recorrendo-se a formas não ortodoxas de ação política. GIDDENS, A. Sociologia. 4. ed. Tradução Sandra Regina Netz. Porto Alegre : Artmed, 2008.

Há um tipo comum de atividade política não ortodoxa, que busca promover um interesse comum ou assegurar uma meta comum através de ações fora das esferas institucionais, que se chama de (A) interação social. (B) mobilidade lateral. (C) movimento social. (D) princípio preventivo. (E) movimento de acomodação urbana.

15. (UNIMONTES 2012) À medida que, a partir dos anos 70, ampliase uma cultura democrática no Brasil, que os movimentos sociais, junto com outros setores democráticos, vão .arrombando as portas da ditadura., o Estado torna-se lentamente permeável à participação de novos atores sociais. O Estado brasileiro, tradicionalmente privatizado pelos seus vínculos com grupos oligárquicos, vai lentamente .cedendo. espaço, tornando-se mais permeável a uma sociedade civil que se organiza, que se articula, que constitui espaços públicos nos quais reivindica opinar e interferir sobre a política, sobre a gestão do destino comum da sociedade. A radicalização da democracia não significa apenas a construção de um regime político democrático, mas também a democratização da sociedade e a construção de uma cultura democrática. Esse é ainda um desafio. (Adaptado de CARVALHO, Maria do C.A.A. Participação social no Brasil hoje. Disponível em <http://www.polis.org.br/obras/arquivo_169.pdf> Acesso em maio 2011.

Considerando o texto e essa conjuntura, analise as afirmativas, tendo em vista o significado da participação social: I. Participar da gestão dos interesses coletivos significa participar do governo da sociedade, disputar espaço no Estado e no mercado, nos espaços de definição e execução das políticas públicas. II. Os movimentos sociais têm, apesar das limitações e precariedades, construído contrapartidas que colocam num outro patamar de dignidade e respeito setores excluídos da sociedade, rompendo as fronteiras dos espaços onde têm sido confinados. III. Ampliar a tolerância, o respeito democrático pelo diferente, eliminar as segregações raciais, de gênero, de opção sexual, entre outras, é o resultado da incidência de práticas participativas que constroem e modificam os valores sociais. IV. Participar significa questionar o monopólio do Estado como gestor da coisa pública, construir espaços públicos não estatais, abrir caminhos para o aprendizado da negociação democrática e afirmar a importância do controle social sobre o Estado.

Estão corretas as afirmativas (A) II, III e IV, apenas. (B) I, II e III, apenas. (C) I, III e IV, apenas. (D) I, II, III e IV.


ESTÉTICA CAPÍTULO 20 O BELO E A SENSAÇÃO, A CÓPIA E A IMITAÇÃO Os problemas estéticos nem sempre são de fácil delimitação. Além da questão em si da sensação (aisthésis) há ainda sua implicação política e técnica, o que leva a conteúdos psicológicos e até mesmo epistemólogicos que são muito difíceis de determinar sob o ponto de vista acadêmico. Esta dificuldade aparece em questões de vestibulares que tendem muitas vezes à história da disciplina do que seu conteúdo mesmo. Com o advento de cursos como design e design gráfico associado à internet e meios e mídias eletrônicos, o tema voltou sob uma perspectiva tecnológica e que novamente remente uma nova delimitação de conteúdos. Aqui neste livro optei por abordar as questões sob o ponto de vista político e sua discussão será traçada sob uma perspectiva epistemólogica. Não há dúvidas que a o problema do Belo é posto primeiro pelos gregos e sobretudo ainda na Mitologia. Para quem percebe o relato de Homero, por exemplo, há uma falta tremenda de homens "feios", ou seja, a beleza física dos guerreiros está sempre associada a um caráter que une a coragem e o destino, numa espécie de filiação com os deuses e o divino. Esta concepção atinge um grau político não somente entre os homens da antiguidade, mas também contemporaneamente na "ditadura do modelo perfeito do moda", ou ainda na estética nazista biogênica. Na Ilíada, de Homero, o que é descrito como disforme, amorfo, não equilibrado ou feito em uma medida não proporcional, é considerado mal. A junção, chamada por Platão de "kalo kai gatia" - o belo e o bom - vai se impregnar em nossa cultura ocidental que guarda ainda a relação entre beleza e bondade e feiura e maldade. Em Hesíodo também está preMagrite já havia percebido o que era impossível de deixar de perceber sente esta mesma característica, na medida em que Hefestos, o deus manco, não convive com os deues no Olimpo, restrito fica em sua oficina no monte Etna. Porém até mesmo na mitologia, exige-se uma espécie de compensação. Hefestos é o marido de Afrodite, a deusa do amor. Estas questões só serão de fato tratadas de maneira acadêmica na passagem do século XVII para o XVIII quando surge uma doutrina da perpeção sensorial. Kant em sua primeira parte da Crítica à Razão Pura, coloca o problema do tempo e espaço como formas a priori de conhecimento, intuições puras do sujeito que conhece e que remete a uma Estética Transcendental - ela não está no objeto observado e sim no sujeito que observa. É neste ponto que a Estética se transforma em uma teoria do conhecimento do belo e da arte, transformando as percepções empíricas em conceitos epistemológicos que sugere uma Filosofia da Arte que passa a tratar destas questões a partir de seus caracteres específicos sensoriais. Hoje esta definição é bem mais ampla - é uma disciplina da Filosofia que trata das questões relacionadas com arte/belo/ produção artítisca/obra de arte/efeito/ público/mercado cuja relação inclui em seu estudo outras áreas que vão da metafísica à poética. Como disciplina, a Estética nasce na Alemanha no século XVIII, através de Alexander Gottlieb Baumgarten (17121762). Inspirado por Christian Wolf (1679-1751) - o racionaista que também teve forte influência sobre Kant - Baumgarten aproveita-se da atmosfera de iluminismo e pensamento esclarecido na Universidade e Halle, e em 1735 propõe a necessidade de uma disciplina chamada Estética. Para tanto escreve uma obra interessante chamada "Aesthética" (1750/8) - onde define: "A estética é uma ciência do conhecimento sensorial". Uma teoria do conhecimento intuitivo, análoga ao conhecimnto racional, mesmo sendo sensorial meramente. Com isso, quebra a abordagem tradicional que até então considerava apenas uma área da poética e da retórica. Começa então uma releitura do conhecimento sensorial, que deixa de ser somente empírico. A crítica de Baumgarten é que a Estética não se resume apenas em descrições da percepção empírica das coisas, que colocaria a razão, ou o conhecimento racional como superior ao conhecimento sensorial. Com esta abordagem passa-se a incluir nesta relação o gosto, o juízo, a fantasia, a imaginação e as sensações. Ou seja, investigar o que estava fora da lógica, da teoria do conhecimento racional e da verdade do intelecto. Quase que um refinamento da faculdade do conhecimento, havendo aqui um otimismo em relação à melhora do homem através do entendimento. A verdade estética é diferente da verdade lógica e racional e da metafísica, seus primeiros objetos, enquanto ciência, seriam a retórica e a poética e apontando um caminho acadêmico, Baumgarten e Georg Fredrich Meier definem a estética como uma nova discussão das ideias tradicionais, ou uma rediscussão das ideias de Platão, com relação ao Belo, e de Aristóteles, com relação à teoria poética, incluindo ainda Plotino e sua abordagem sobre os sentidos. Mas nem todos concordam com este recorte teórico, como Kant, que ainda associa esta visão apenas a uma questão de gosto, criticando por deixar de lado uma definição que inclua a razão. Daí seu tratado Crítica ao Juízo (1790), no qual retoma sua concepção do apriorismo da forma no sujeito racional.

153


O movimento Romântico absorve Baumgarten e Meier e as implicações agora ganham um caráter passional, ou seja, como é possível viver de maneira estética e poética, retomando a teoria da contemplação do objeto. São estas abordagens que trazem de volta para o centro da questão o objeto observado. No início do século XIX é o quanto o efeito do objeto tem sobre as nossas vidas, ou - radicalmete - como a arte pode modificar a vida(!) que se torna a questão mais importante. Surge com força a visão de uma obra de arte que causa efeito no sujeito e por conseguinte na sociedade. Vem o conceito de estética enquanto salvação do indivíduo - uma ideia que se adapta bem a uma classe burguesa em ascenção. No final do século XIX a fragmentação do sujeito traz uma atmosfera de ambivalência, uma vez que ao mesmo tempo o romantismo prega o homem culto, ele é associado ao homem fraco em um tempo em que se exige um homem forte. De uma lado a ideia de salvação, de outro o de enfraquecimento.

A tradição grega do Belo A leitura da Ilíada (canto XVIII - versos 369/608) nos mostra a formação do Cosmos Grego a partir da imagem do Escudo de Aquiles. O princípio do escudo é a dicotomia, com a descrição de duas cidades, uma em paz, cuja dicotomia será as núpcias-conflito e a cidade da guerra, cuja dicotomia é o sítio-ataque. Tudo isso na dicotomia maior que é campo-cidade. O campo associado ao trabalho, agricultura e pecuária, o lavrar, o colher, os cereais para o pão, as uvas para o vinho. Já a cidade são as coisas construídas pelo homem e que o afastam da natureza. O escudo por fim expõe a dicotomia maior: natureza(campo) X cultura (cidade). Também é possível associar as duas formas de dançar, em círculo ou em linha reta cuja as descrições de tudo isso remete a uma estética da regularidade, da ordem, que é o que parece ser o correto, ou o Belo. Homero dá uma descrição detalhada das imagens que decoram o novo escudo de Aquiles. Começando a partir do centro do objeto, e avançando O Escudo de Aquiles apresenta a dicotomia que gradualmente para fora, camada por camada do círculo, elas estão dispostas vai acompanhar a estética antiga e vai influenciar o cristianismo da seguinte maneira: A Terra, o céu e o mar, a Lua e as constelações (484-89); "Duas belas cidades, cheias de pessoas": numa ocorrem um casamento e um caso judicial (490-508); a outra está sendo sitiada por um exército, e o escudo mostra uma emboscada e uma batalha(509-540); Um campo sendo arado pela terceira vez (541-549); A propriedade de um rei onde a colheita está sendo feita (550-560); Um vinhedo, com os trabalhadores fazendo a colheita (561-572); Um "rebanho de gado de chifres retos"; o touro principal foi atacado por um par de leões selvagens, que o pastor e seus cães está tentando assustar (573-586); Imagem de uma fazenda de ovelhas (587-589); Um recinto onde jovens rapazes e garotas estão dançando (590-606); O grande riacho do Oceano (607-609). Esta concepção de unificação das coisas pelo escudo de Aquiles nos leva a pensar duas características desse pensamento estético; a unidade e a totalidade, e também as figuras perfeitas, como o círculo, um mundo fechado e delimitado que sugere uma hierarquia rígida de posições que indicam, de certa forma, uma ética - uma vez que do limite, o ilimitado. Por isso, a opção de Homero é pelo claro, e não o escuro; a luz e não às sombras; em um eterno antagonismo que parece ter na expressão estética sua escolha final: o belo é o bom. Hesíodo critica esta visão de organização pelo padrão estético e opta por uma poesia que não tem relação com a verdade do mundo e nem das coisas, esvaziando por completo a possível ligação necessária entre a realidade e a obra; ou entre a fala do poeta e a natureza. Cada um exprime mundos e modos diferentes e a visão pessimista de Hesíodo ainda remete, ao que parece, para uma vida de injustiça como coisa natural do mundo e do homem e que, nem mesmo a arte, seria capaz de corrigir. É como se não houvesse beleza para Hesíodo, e tudo é só dor e sofrimento.

Platão e o simulacro, a cópia da cópia

Em Matrix a idea de arquiteto divino e simulacro é baseada em Platão

O diálogo O Banquete, de Platão, parece ter os fundamentos de uma estética sensorial que remete a uma metafísica gnosio-ontológica, que somente em A República, vai ter uma aplicação ética, verdadeiro sentido que o filósofo parece querer dar ao artista, à arte e ao conhecimento obtido pelos sentidos. Mas Platão procura ser acadêmico e separa a beleza aparente da beleza ideal. Do mero sentido, para o pleno pensando. Pois se temos um corpo belo entre tantos outros, como perceber a beleza de um e não de outro? A resposta lógica parece conter um enigma: a beleza então não está no corpo que é percebido pelos sentidos; mas em algo que não é sentido, mas compreendido pela razão, algo além(meta) da natureza corporal (physis) das coisas. Mais belo que o corpo, portanto, a alma - a natureza metafísica do homem.

154

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


Porém, Platão não nega que haja beleza nas leis, nas instituições - mas distingue uma da outra: a beleza no homem e a beleza produzida pelo homem. Portanto esta beleza no homem deve ser buscada, daí a ética, porque envolve uma atitude de contemplação para si mesmo, uma virtude em busca do é imortal no homem e que o eleva a categoria de um deus. A alma do homem tem ligação com o divino e perceber o amor que existe na alma é participar deste baquete divino servido apenas a alguns. Esta visão quer nos convencer que na alma acharemos o que é eterno, imutável, que não tem começo nem fim, e que é inteiramente belo, sempre e universalmente. Há um sentido erótico em Platão, na medida em que é esta intuição (Eros) quem nos eleva na busca de algo que transcende: o amor que a tudo supera, supera a imagem, a aparência, o corpo, porque quer a essência, o que está dentro e que é invisível aos olhos. Sob o ponto de vista da teoria do conhecimento, Platão vai classificar a estética em um terceiro patamar. Para ele existem três objetos: o primeiro é o objeto ideal, criado pelo Arquiteto Divino, o demiúrgos, usando para isso uma matéria sem forma, um hipokemenen, que numa relação geométrica/matemática, ganha do arquiteto sua forma (ideia) e se torna o modelo eterno riscado a compasso e esquadro; o segundo objeto, é o objeto sensível, criado pelo homem, o produtor, o carpinteiro quando constroi uma mesa ou cadeira, que usa a ideia (forma -modelo) do arquiteto divino como base da qual copia; e por fim o objeto de arte, feito pelo artista, baseado não na forma ideal do arquiteto divino, mas na cópia feita por outro homem; sendo daí um simulacro, uma cópia e de uma cópia já existente. Neste sentido o trabalho do artista nos afasta da verdadeira realidade que é a do arquiteto divino, para nos lançar em um mundo de aparências que nos engana, nos fazendo ter o falso como verdadeiro. Derivada da ética contida neste raciocínio, em sua Cidade ideal, seria portanto proibida a entrada e a presença de artistas e de obras de arte. Em A República, Sócrates critica Homero e sugere reescrever as obras para tirar-lhes aquilo que não condiz com o modelo ideal. Para Platão todas as coisas aspiram a ascêndencia movidas pelo Eros. A beleza e belo, portanto, são coisas que podem ser definidas claramente enquanto simetria das partes, harmonia, equilíbrio dando à beleza um caráter de proporcionalidade, tal qual o arquiteto divino faz com seus objetos ideais. Mas Platão não sustenta sua tese por muito tempo porque, mesmo sendo coPara Platão o verdadeiro belo é piado e fonte de inspiração dos medievais, vai ser por eles criticado, em especial eterno, imutável e ideal por Plotino (204-270), o grande discípulo de Amônio Sacas. Em sua obra Eneades (I,6) ele recusa a tese de simetria e ao contrário, defende que a beleza não pode ser definida claramente. "A simetria não é um pressuposto necessário ao belo". Para Plotino existem coisas simétricas que não são belas e o contrário também. Existiria uma relação direta entre as partes belas e o conjunto belo e propõe que faz parte da experiência preencher a alma com a beleza das coisas e hierarquiza o mundo partindo de uma beleza material que seria inferior a uma beleza imaterial, para onde tenderia a meditação, ou a saída de uma contemplação com o corpo para uma contemplação com a alma. Esta vai ser uma poderosa influência no Renascimento, apesar de os livros raramente reconhecerem que os iluministas e ditos modernos beberam em fontes que "cuspiram". Plotino não considera a obra de arte como imitação e sim como criação e produção de forma. O artista tem a obra consigo, em sua alma e a materializa, com isso a beleza artística - aquela que está contida com o artista, em sua alma - é maior que a beleza do objeto natural - que é material e sensível.

A teoria da imitação ou mimésis A imitação da natureza, ou simplesmente mimésis, é um dos conceitos fundamentais para se entender o caráter da obra e do artista e sua função, se existe alguma para a arte. Vimos que em Platão, a mimésis tem um caráter negativo, é uma cópia da cópia que deve ser banida da Cidade Ideal por não ter uma função social ou coletiva. Pois bem, para Aristóteles a mimésis ganha uma nova dimensão, uma nova abordagem. Remetendo-se à objetivade da arte, o objeto artístico é o que importa para Aristóteles e praticamente o artista se esconde por trás da obra. Como imitação da natureza, o artista é secundário, a obra é tudo e o que está contido em sua natureza artística tem uma função estética que é social. Aristóteles considera a natureza como uma professora e a arte tem como objetivo servir à natureza, sendo inferior à ela. Portanto a natureza é o modelo de arte que deve ser imitado. O artista até pode aperfeiçoar a natureza, mas sempre vai conseguir apenas imitá-la e para que faça isso com perfeição, em seu livro da Física (b8,199a 15_) fala das técnicas que os artistas podem utilizar e suas regras. Aristóteles compara duas formas de discursos, a do poeta e a do historiador, para rebater o conceito que de a obra de arte necessariamente deva ter um compromisso com a verdade. Ao comparar, diz que a obra do poeta, mesmo falsa, tem um caráter universal porque fala do homem para todos os homens; enquanto a obra do historiador, mesmo sendo um relato verdadeiro, prendendo-se aos fatos, não consegue por isso extrapolar esses limites, servindo apenas de forma descritiva O teatro grego, para Aristóteles, tem uma função social de da realidade. Além disso, nas Artes Cênicas, Aristóteles nos leva ao conimportância capital para a vida na polis FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

155


ceito de Catarse, ou seja, a depuração da alma através de um aprendizado no qual o papel do artista é nos levar a compreender o que não precisamos viver na realidade para entender. O autor da obra, o dramaturgo, estaria fazendo em sua obra a mimésis da vida; o ator estaria fazendo a mimésis do homem; e o público, ao chorar ou rir, estaria fazendo a mimésis de si mesmo. Este conjunto seria um poderoso componente de uma educação ética e social cuja importância política é reconhecida pelo filósofo. Mais tarde Horácio (65 aC - 8) cunha a frase "prodesse et delectar" (para vocês saberem, o verbo deletar que usamos hoje pode ser um bom sinônimo de divertir) ou seja a arte é utilidade e divertimento.

A Idade Média nas Artes No período medieval, a beleza não vai estar associada aos objetos ou às partes e sim ao Todo, o Cosmos. A palavra Cosmos quer dizer originalmente "belo" e "beleza" - daí ser ainda hoje a raiz da palavra cosmético. E os medievais recuperam este sentido, atribuindo ao conjunto da criação de Deus - o universo, o Cosmos - a beleza final que talvez Platão havia referido. Cabendo ao homem a busca da contemplação da obra magnífica de Deus, como se para isso fosse destinado desde o início. Por isso o homem pode participar desta beleza fundamental, entrar em harmonia com ela. Para isso deveria conhecer o que está por trás das aparências - o místico, o fantástico, o númen (númen) que leva aos números sagrados, como 7 e o 12. As sete artes liberais, as sete artes mecânicas, os sete sacramentos, os sete pecados capitais - ua ordem cósmica cuja a origem nos remete a Pitágoras de Samos, ainda na Grécia Antiga. Nas Universidades portanta é incluído como currículo o Trívio: gramática; retórica e dialética; e o Quadrívio: aritmética; música; metafísica e a geometria. Nada mais falso que uma Idade das Trevas. O telefone-sem-fio que se transformou a educação brasileira nas últimas décadas tem deixado os alunos cada vez mais com a ideia incorreta sobre o que fato foi um período, normalmente compreendido por mais de 1000 anos, da história da humanidade. Nas provas de vestibulares há uma predominância sobre certos aspecto da estética medieval, sendo os séculos XI e XII considerados os mais importantes devido ao ciclo de mudanças sociais, políticas e econômicas que em muito vão fazer despertar novas necessidades de expressão. O comércio está em expansão e a Flandres, como centro das grandes transações comerciais o que leva ao desenvolvimento das comunicações e de rotas entre os diversos povos e reduz as distâncias, facilitando não só o comércio de bens físicos, como também a troca de ideais estéticos entre os países. A economia prospera e nasce um novo mundo cosmopolita que se alimenta do turbilhão das cidades em crescimento e participa de um movimento intelectual em ascensão. Paralelamente assiste-se ao crescimento do poder político representado pelo monarca e à solidificação do Estado unificado, poderosa entidade que vai aspirar a algo que lhe devolva a dignidade e a glória de outros tempos e que ajude a nação a apoiar a imagem do soberano . A igreja, por seu lado, vai compreender que os fiéis se concentram nas cidades e vai deixar de estar tão ligada à comunidade monástica, virando-se agora para o projeto do que será o local por excelência do culto religioso, a catedral. E uma catedrla Gótica. Ao contrário da construção humilde e empírica do românico, a construção religiosa gótica abre portas a um espaço público de ensinamento da história bíblica, de grandiosidade, símbolo da glória de Deus e da igreja, símbolo do poder econômico da burguesia, do estado e de todos os que financiaram a elevação do emblema de um futuro cidadão.

Não podemos considerar a arte medieval simples dado a complexidade de períodos e obras, incluindo desde a música, a arquitetura, vitrais. Quem assim classifica ignora o principal do período

156

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


Características gerais Verticalismo dos edifícios substitui o horizontalismo do Românico; Torres ornadas por rosáceas; Janelas predominantes; Paredes mais leves e finas; Consolidação dos arcos feita por abóbadas de arcos cruzados ou de ogivas; Contra-fortes em menor número; Utilização do arco de volta quebrada; Nas torres (principalmente nas torres dos sinos) os telhados são em forma de pirâmide. As catedrais nascem como se tivessem parentesco umas com as outras na forma estética, na França, Inglaterra, Espanha e Itália. Os primeiros indícios surgem na Normandia do século XI com a era de construção monástica incentivada pela Ordem de Cluny. Mas já neste momento se aglomeram diversas influências posteriores que vão ser cruciais à tipologia da catedral gótica: as arquivoltas e a abóbada de arestas de origem lombarda e franca; a planta basilical modificada composta por três naves, transepto e três ábsides de influência carolíngia. Elas simbolizam uma nova religiosidade e um novo poder e podemos até dizer, uma nova consciência de si mesmo. Com seus 30, as vezes 40 metros de altura tinha uma relação matemática proporcional - até mesmo as Lojas Maçônicas foram se inspirar nestas proporcionalidades, junto com misticismo existente com o templo de Salomão, sucessor de Davi. Nas catedrais se observa um certo dualismo, no qual a fachada representa o mundano e o coro a divinidade, como se o caminho de fora para dentro fosse para nos tirar do mundo e nos levar a Deus. A arquitetura gótica não é um momento de ruptura drástica com os ideais anteriores, mas antes uma assimilação de alguns elementos independentes de diferentes fontes, metamorfoseada com o novo conceito de interpretação da arte religiosa. Fato decisivo para a originalidade construtiva é o avanço técnico nas mãos das corporações de construtores, grupos formados pelos antigos mestres anônimos ao serviço das construções monásticas, que se movem livremente de obra para obra e impulsionam a técnica do arcobotante, elemento que vai suportar a impulsão da abóbada no exterior da catedral e vai libertar as paredes do esforço, tornando-as mais esbeltas e transmitindo uma ilusão de leveza no interior pela acentuação de verticalidade. Tomas de Aquino (1255) e Petrarca (1304-1374) retomam a ideia de arte e estética enquanto um caminho de elevação para o sublime, ao mesmo tempo que se torna a emoção captada da natureza em uma impressão de beleza através da obra que o grande Arquiteto Divino, Deus, havia deixado para a contemplação dos seres que são a sua imagem e semelhança. A beleza natural emociona.

A estética do Renascimento No renascimento é acrescentada a oitava arte liberal, a perspectiva. Há também uma mudança epistemólogica: primeiro vem o espaço e depois o objeto. Partindo deste conceito, em 1497 Luca Pacioli passaa defender que a arte deveria representar uma certeza exata e não apenas uma opinião. Como se baseia em princípios matemáticos, a arte se torna uma ciência e por isso deve ser exata. O instrumento que eleva a arte á categoria de uma ciência é a perspectiva, desfazendo-se com isso, a impressão subjetiva - a arte deve ser milimetricamente exata à natureza. Como é a razão quem unifica os indivíduos, a razão também passa a ser a medida da arte moderna e o mundo externo deve ser simbolizado mediado por ela e o homem percebe a natureza de uma certa perspectiva que está na linha dos olhos. O espaço se tornsforma em um sistema de coordenadas geométricas onde os objetos aparecem enquanto phainomenon (um fantasma) que pode ser percebido pela razão. daí medir o espaço se torna essencial. Em 1435 leon Battista Alberti publica três Mona Lisa (1503–1507 — Louvre) é o grandes tratados sobre a perspectivida- retrato que mais tem rendido, em termos de literatura — tem dado origem a de: a arte da pintura; a arte plástica e arcontos, romances, poemas e até mesmo quitetura. Quando volta a aparecer oconóperas (e paródia) desde seu tempo, ceito de arquitetura enquanto imitação como a Monna Vanna de Salai — em toda a história da arte. Para o crítico Walter da ordem cósmica. Pater, simboliza o “espírito moderno com todos os seus traços patogênicos”, Leonardo Da Vinci (1452-1519) é o considerando como a “beleza extraída nome de todo o período. Aplicou os médesde o interior, trabalhando a carne, todos da geometria não só nas artes, mas célula por célula”.Provocado pelo mestre na mecânica, engenharias, aeronáutica, no modelo com o toque do alaúde, como citado por Vasari: “Mona Lisa era muito deixando de lado a metafísica para trabela e Leonardo, ao mesmo tempo que a pintava, procurava que tivesse alguém tar diretamente com a natureza de forma cantando, tocando algum instrumento empírica. É ele quem percebe que existe ou brincando. Desta forma, o modelo uma ciência das cores delimitando a confoi mantido em um bom humor e não adotava um aspecto triste, cansado [...]”. figuração das linhas que contornam os Foi uma obra famosa desde o momento limites do corpo e a sombra e a luz incida sua criação; e inspirou muitos, como o jovem Rafael, que se embebedou nela. dindo sobre o espaço entre elas. Para este Seu sorriso sutil é visto em sua crueldade salto da pintura - ou aí chamada de arte e tem sido considerado o implacável sorriso de mulher que escraviza os - como ciência, ela requer que não seja homens. Outros foram deslumbrados mais uma mera imitação, requer uma técpelo seu encanto, pela sua doçura. nica, um estudo. Há aqui uma prevelencia FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

157


do olho - da visão - sobre os demais sentidos e a pintura como algo maior diante das demais expressões artísticas e a experiência estética passa aser encarada como uma porta de entrada para o entendimento racional da natureza retratada. A famosa Mona Lisa (1513) levou quatro anos para ser terminada e entregue a Giocondo. A estabilidade presente nesta obra, de forma triangular, ainda hoje aguça as mais diversas imaginativas explicações. Outro que também acentua a experiência e a sensação é Francis Bacon (1561-1626). Em seu Novum Organum, coloca o belo como uma virtude que deve ser buscada através da experiência comparativa. A sensação como porta de entrada do mundo exterior nos permitiria atingir uma espécie de beleza que a natureza guarda e que pode ser descoberta indutivamente. Bacon é primeiro a sugerir uma questão de gosto que pode ser induzido através de experiências individuais.

A estética na Academia Moderna Como vimos é pelas mãos de Baumgarten que a Estética se torna uma disciplina acadêmica. Em seus dois volumes de sua Estética (mais de 900 parágrafos) ele vai trabalhar com noções sensoriais ainda tentando se esquivar de relacionar arte a mera imitação do objeto natural e propõe duas teorias que tratam da produção artística: a) a Teoria da Expressão; b) a Teoria da Imitação. A Teoria da Expressão afasta a arte do objeto representado e coloca no fazer do artista, na sua produção, imaginação a importancia estética final. A verdade arte estaria no interior do artista, flui de seus sentimentose de sua faculdade de expressão. Citando Platão (Ion 533d) "a musa cria os entusiásticos de Deus que influenciamos homens". A arte passa a ser o produto de um certo entusiásmo, êxtase próximo da loucura, rementendo novamente às origens divinas de sua criação. Na modernidade a autonomia do artista em relação à obra é o que vai determinar a estética, cujos elementos inevitavelmente serão: a imaginação, a invenção e a inovação. O artista gênio tem recursos inesgotáveis tal qual a natureza. Esta é a maior influência que vai gerar a arte moderna ou contemporânea, com sua subjetividade e atendendo a uma necessidade de mercado, uma vez que é necessário suprí-lo de objetos novos a todo momento. Já na Teoria da Imitação, a arte funcionaria como um guia simbólico que conduziria o homem por entre o caoas do mundo natural, dando a ele - mesmo em forma de um simulacro - objetos que possa reconhecer o mundo e a si mesmo, como um bote de sobrevivência no mar de significados latentes e escondidos. Porém esta corrente perde força, ficando apenas o romantismo que vai ser suprimido já no século XIX por esta estética da expressão. A natureza como professora já não é mais necessário. A técnica ganha uma nova dimensão - a arquitetura com suas grandes pontes, enormes prédios - a arte não precisa mais apoiar-se na luta do homem com a natureza, se liberta deste papel. A natureza foi dominada, diria Johann Gottlieb Fichte, e com a natureza morta, surge o idealismo na arte, na estética rompendo em definitivo com a ciência: de uma lado a arte, e a técnica se junta à ciência, deixando novamente a arte livre das exigências do rigor matemático, científico, exato. A arte se torna cultura e como tal ultrapassa a técnica - e talvez o preço a pagar com este afastamento da natureza, seja estar se conduzindo para um mercado, para valores economicos e não mais estéticos. Como atesta F. Schiller, a arte se reduz ao seu caráter fictício. Fantasia pura. Se torna arte da aparência, não é mais verdade e nem se quer verdadeira.

O que se falou da arte e da estética Um dos grandes tratados sobre arte vai ser escrito por Anthony Ashley Cooper (Shaltesbury) que em 1711 vai defender posições contrárias a de Aristóteles, retomando um neoplatonismo na Inglaterra, criando uma tradição em Cambridge. É um dos primeiros a defender um certo materialismo e relativismo de valores de arte e estéticos. A natureza é bela e o entusiasmopela natureza tiraria o homem de sua melancolia. Esta visão otimista da natureza o leva a criticar tanto a religião quanto a ética derivada dela, envolta em pecados e contrição. O amor pela beleza, o êxtase racional, a busca sensorial pelo belo está mais no coração do homem, do que em sua razão e daí a grande ponte que Shaltesbury fará ao atribuir a beleza um sentido coletivo: belo é aquilo que serve ao bem comum, dando a arte um carater social. A beleza se baseia na regra do conjunto o que é belo é fazer parte harmonicamente de um sistema que, por se belo, confere a cada das partes uma beleza única e natural.Ao se aproximar do belo, cujo conjunto maior é o próprio Cosmos, como obra de Deus, o homem também se aproximaria d´Ele. Entre os iluministas da Enciclopédia, a questão do Belo foi encarada de maneira diferente. Para Voltaire (1694-1778), o belo é relativo, e é tudo que escreveu em seu verbete. Para Rousseau (1712 -1776), a paisagem é o fenômno estético. E somente Dennis Diderot (1713-1784) parece ter dado uma maior importância em sua discussão. Para ele o belo real existe fora do objeto, e tem propriedades e características objetivas Um mundo dentro de outros mundos inconscientes como harmonia, ordem, relações e que estas relações são percebidas pelo espectador que ao colocá-las hieraquicamente sobre o que percebe, atinge sua beleza. Diderot rejeita a ideia de belo absoluto, mas também não afirma que ele é meramente subjetivo. como aceita que o artista imita a natureza, concede ao artista a liberdade de embelezar o natural, aumentando ou diminuindo algo que existe per si. O artista faz um recorte da natureza, seleciona e aplica uma modificação que também ocorre como espectador; a) a natureza fornece o protótipo; b) o artista tem de fazer disso um modelo ideal; c) o artista estabelece um modelo original (a obra de arte). O trabalho do artista não é somente copiar a natureza, mas intervir neste processo de criação que lhe confere com seu gênio.

158

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


Sigmund Freud (1856-1939) com duas teorias demolidoras também vai coloborar com a discussão estética. Suas teorias do Inconsciente e do Sonho vão conferir à psicanálise um carater estético por excelência. Vem daí a ideia de arte enquanto apaziguadora dos sofrimentos e que o artista através da arte quer se libertar de seus sofrimentos e que ao ser observado, também pode depurar a alma de quem aprecia a obra de arte. É quase um efeito catárquico revisitado, tendo como componente inédito, o inconsciente que aranja e trama os conflitos da alma, dando á obra a sua estética. Freud não estuda o artista enquanto criador, mas a obra de arte enquanto produto da expressão inconsciente do artista; um desejo sendo satisfeito no imaginário e que se expressa em forma de arte. O homem é obrigado a renunciar aos seus desejos no mundo, ao sublimar estes desejos, resta-lhe apenas a fantasia para alcançar um prazer que lhe é proibido, pois está sublimado, contido pelo consciente. A forma de compensação do artista é a arte e o público espectador ao se identificar, também realiza parte deum desejo que está latente e que talvez nem ele saiba que exista ali. O desejo é realizado no inconsciente, longe da realidade externa. Neste sentido o artista se aproxima do neurótico, porque em ambos é a fantasia (que no neurótico vira doença) e no artista (obra de arte). A libido que é sublimada, acha o caminh da realização - que é a fantasia - e quanto maior a libido, maior a sublimação, maior a fantasia sobre o Ego. Freud vê o artista como alguém extremamente oprimido que não somatiza, apenas deixa fluir em forma de arte. Para ele a estética não está ligada à beleza e sim com o sentir que leva ao estranhamento e daí ao assustador.

Indústria Cultural No século XX serão os pensadores da Escola de Frankfurt que vão fazer a associação da estética com a política, gerando questões que envolvem a produção e consumo em massa de objetos culturais. Este processo chamado por eles de Indústria Cultural vai propor questões do tipo: aquilo que gostamos é de fato resultado de nossa própria vontade, ou razão ou escolha. Será que é mesmo possível que todas as crianças queiram o mesmo brinquedo naquele Natal? Ninguém ou nada influenciou nesta escolha? Amoeba? Geleka? Patinete prateado? Cubo mágico? Smartfones? Tablets? A análise que fazem levam em conta que o crescimento de centros urbanos na primeira metade do século XX, foi decorrente do processo de industrialização da época. Os meios de comunicação acompanharam essas transformações, modernizando-se e Produtos culturais feitos em série para o consumo das massas interferindo diretamente nas relações de mercado e nas dinâmicas particulares da propaganda. A imprensa foi o primeiro meio a ser afetado, com a proliferação dos jornais diários e o desenvolvimento de mecanismos mais eficientes para sua distribuição e venda. A radiodifusão, logo em seguida, mal surgia e já se tornava o símbolo mais significativo da modernidade tecnológica e de seus progressos para as comunicações. Nas ondas do rádio e nas páginas dos jornais diários, as informações circulavam, modificando hábitos e comportamentos, em especial aqueles diretamente relacionados a padrões de consumo, dando origem ao que veio a ser chamado de indústria cultural. A expressão indústria cultural foi empregada pela primeira vez no livro Dialética do Esclarecimento, escrito por Horkheimer e Adorno, filósofos de tendência marxista pertencentes à Escola de Frankfurt. Designa-se com essa expressão uma cultura produzida em série, para o mercado de consumo em massa, na qual a realização cultural deixa de ser um instrumento de crítica do conhecimento para transformar-se em uma mercadoria qualquer cujo valor é, antes de tudo, monetário. De acordo com esta teoria crítica há uma tendência na sociedade moderna capitalista de transformar tudo em mercadoria, fazendo com que o critério estético das pessoas passe a ser o mesmo das coisas. Esse critério funda-se na exterioridade e na lógica do mercado. Para o geógrafo Milton Santos um dos traços marcantes do atual período histórico é, pois, o papel verdadeiramente despótico da informação. Conforme já vimos, as novas técnicas deveriam permitir a ampliação do conhecimento do planeta, dos objetos que o formam, das sociedades que o habitam e dos homens em sua realidade intrínseca. Todavia, nas condições atuais, as técnicas de informação são principalmente utilizadas por um punhado de atores em função de seus objetivos particulares [...] aprofundando assim os processos de criação de desigualdades. É uma forma de cultura produzida industrialmente, e tem por objetivo a lucratividade das corporações de mídia que nela investem grande capital em máquinas e infraestrutura fabril. Utiliza tecnologia de ponta, destina­-se a um grande público anônimo e impessoal e é distri­buída através do mercado e depende de patrocinadores. A professora Marilena Chauí vai mais longe ao apontar que "a indústria cultural vende Cultura. Para vendê-la, deve seduzir e agradar o consumidor. Para seduzi-lo e agradá-lo, não pode chocá-lo, provocá-lo, fazê-lo pensar, fazê-lo ter informações novas que perturbem, mas deve devolver-lhe, com nova aparência, o que ele sabe, já viu, já fez. A ‘média’ é o senso-comum cristalizado que a indústria cultural devolve com cara de coisa nova [...]. Dessa maneira, um conjunto de programas e publicações que poderiam ter verdadeiro significado Imagem do cérebro bombardeado por imagens de uma TV FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

159


cultural tornam-se o contrário da Cultura e de sua democratização, pois se dirigem a um público transformado em massa inculta, infantil, desinformada e passiva”. Ou seja, o indivíduo deixa de pensar. A razão, que antes servia para libertá-lo, o conduz agora para uma prisão, o que demonstra a crise em que a sociedade se meteu. A crise da razão se manifesta na crise do indivíduo, por meio da qual se desenvolveu. A ilusão acalentada pela filosofia tradicional sobre o indivíduo e sobre a razão – a ilusão da sua eternidade – está se dissipando. O indivíduo outrora concebia a razão como um instrumento do eu, exclusivamente. Hoje, ele experimenta o reverso dessa autodeificação. Estas são as palavras de Max Horkheimer para definir a nossa condição hoje. A razão instrumental - conceito que ele usa - nasce quando o sujeito do conhecimento toma a decisão de que conhecer é dominar e controlar a natureza e os seres humanos. Baseado nessa noção, o conhecimento científico passa a atormentar a natureza, criando artificialmente nos laboratórios as condições para fazê-la reagir aos experimentos, investigando formas, causas e efeitos que não poderiam ser conhecidos apenas com a atividade espontânea da natureza, de modo que se permita conhecer seus segredos para dominá-la e controla-la. Dessa maneira a ciência vai deixando de ser uma forma de acesso aos conhecimentos verdadeiros para se tornar um instrumento de dominação, poder e exploração. Este mecanismo se estabelece através de uma rotina que segue os seguintes passos: a) repetição b) padronização c) massificação. Massificar é banalizar a expressão artística e intelectual, a vulgarização das artes e dos conhecimentos. Já a democratização da cultura é o ato de difundir a cultura, despertando interesse por ela. Nos anos 1960, seguindo uma corrente da teoria crítica contrária à interpretação de Adorno e Horkheimer a chamada Pop Art socializou a arte mantendo o engajamento político; em suas obras, o sonho americano se dividiu entre promessa e maldição - já que os avanços tecnológicos capazes de preencher o mercado com uma série de diferentes produtos também contribuíam para a criação de armas e outros objetos que limitavam a liberdade individual. Eles seguiam as ideias de Walter Benjamin que imaginava que a reprodução das obras de arte permitiria à maioria das pessoas o acesso a criações que, até então, apenas uns poucos podiam conhecer e fruir. Em outras palavras, Benjamin esperava que houvesse democratização da cultura e das artes. Porém, o grande fato cultural é que com o advento da televisão, a partir dos anos 50, ela passou a centralizar os debates sobre a cultura de massa da mesma forma que esses debates eram centralizados no cinema nas décadas de 40 e 50, pois quem fala nessas décadas tem como referência os anos dourados de Hollywood. Foi o mesmo processo que levou Adorno a compará-la com o rádio e suas influências. O modo de comportamento perceptivo, através do qual se prepara o esquecer e o rápido recordar da música de massas, é a desconcentração. Se os produtos normalizados e irremediavelmente semelhantes entre si, exceto certas particularidades surpreendentes, não permitem uma audição concentrada, sem se tornarem insuportáveis para os ouvintes, estes, por sua vez, já não são absolutamente capazes de uma audição concentrada. Não conseguem manter a tensão de uma concentração atenta, e por isso se entregam resignadamente àquilo que acontece e flui acima deles, e com o qual fazem amizade somente porque já o ouvem sem atenção excessiva. Você pode sentir o mesmo com as sucessivas repetições de coisas como Big Brother Brasil 1000. Hoje com a utilização da Internet ampliou e fragmentou, simultaneamente, os nexos de comunicação. Isto impacta no modo como o diálogo é construído entre os indivíduos numa sociedade democrática. "Na medida em que nesse processo a indústria cultural inegavelmente especula sobre o estado de consciência e inconsciência de milhões de pessoas às quais ela se dirige, as massas não são, então, o fator primeiro, mas um elemento secundário, um elemento de cálculo; acessório da maquinaria. O consumidor não é rei, como a indústria cultural gostaria de fazer crer, ele não é o sujeito dessa indústria, mas seu objeto. O termo mass media, que se introduziu para designar a indústria cultural, desvia, desde logo, a ênfase para aquilo que é inofensivo. Não se trata nem das massas em primeiro lugar, nem das técnicas de comunicação como tais, mas do espírito que lhes é insuflado, a saber, a voz de seu senhor. A indústria cultural abusa da consideração com relação às massas para reiterar, firmar e reforçar a mentalidade destas, que ela toma como dada a priori e imutável. É excluído tudo pelo que essa atitude poderia ser transformada. As massas não são a medida mas a ideologia da indústria cultural, ainda que esta última não possa existir sem a elas se adaptar." Theodor W. Adorno.

AVALIE SEU CONHECIMENTO 01. Considere a citação abaixo: “Sócrates: Tomemos como princípio que todos os poetas, a começar por Homero, são simples imitadores das aparências da virtude e dos outros assuntos de que tratam, mas que não atingem a verdade. São semelhantes nisso ao pintor de que falávamos há instantes, que desenhará uma aparência de sapateiro, sem nada entender de sapataria, para pessoas que, não percebendo mais do que ele, julgam as coisas segundo a aparência?” Glauco – “Sim”. Fonte: PLATÃO. A República. Tradução de Enrico Corvisieri. São Paulo: Nova Cultural, 1997. p.328.

Com base no texto acima e nos conhecimentos sobre a mímesis em Platão, assinale a alternativa correta.

(A) Platão critica a pintura e a poesia porque ambas são apenas imitações diretas da realidade. (B) Para Platão, os poetas e pintores têm um conhecimento válido dos objetos que representam. (C) Tanto os poetas quanto os pintores estão, segundo a teoria de Platão, afastados dois graus da verdade. (D) Platão critica os poetas e pintores porque estes, à medida que conhecem apenas as aparências, não têm nenhum conhecimento válido do que imitam ou representam.

(E) A poesia e a pintura são criticadas por Platão porque são cópias imperfeitas do mundo das idéias.

160

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


02. Platão destaca, na República (livro III), a importância da educação musical dos futuros guardiões da cidade, ao dizer:

[...] a educação pela música é capital, porque o ritmo e a harmonia penetram mais fundo na alma e afetam-na mais fortemente [...].

(PLATÃO. A República. Tradução e notas de Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. p. 133.)

De acordo com o texto e os conhecimentos sobre a relevância da educação musical dos guardiões em Platão, considere as afirmativas a seguir: I. A música deve desenvolver agressividade e destempero para evitar o temor dos inimigos perante a guerra. II. A música deve desenvolver sentimentos éticos nobres para bem servir a cidade e os cidadãos. III. A música deve divertir, entreter e evocar sentimentos afrodisíacos, para alívio do temor perante a guerra. IV. A música deve moldar qualidades como temperança, generosidade, grandeza de alma e outras similares.

Assinale a alternativa que contém todas as afirmativas corretas. (A) I e II. (C) III e IV. (E) I, III e IV. (B) II e IV. (D) I, II e III.

03. Na República, Platão faz a seguinte consideração sobre os poetas:

[...] devemos começar por vigiar os autores de fábulas, e selecionar as que forem boas, e proscrever as más. [...] Das que agora se contam, a maioria deve rejeitar-se. [...] As que nos contaram Hesíodo e Homero – esses dois e os restantes poetas. Efectivamente, são esses que fizeram para os homens essas fábulas falsas que contaram e continuam a contar. (PLATÃO. A República. Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira. 8. ed. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. p. 87-88.)

Por seu turno, na Poética, Aristóteles diz o seguinte a respeito dos poetas:

[...] quando no poeta se repreende uma falta contra a verdade, há talvez que responder como Sófocles: que representava ele os homens tais como devem ser, e Eurípides, tais como são. E depois caberia ainda responder: os poetas representam a opinião comum, como nas histórias que contam acerca dos deuses: essas histórias talvez não sejam verdadeiras, nem melhores; [...] no entanto, assim as contam os homens. (ARISTÓTELES. Poética. Tradução de Eudoro de Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 468. Os Pensadores IV.)

Com base nos textos acima e nos conhecimentos sobre o pensamento estético de Platão e de Aristóteles, assinale a alternativa correta. (A) Para Platão e Aristóteles, apesar da importância de poetas como Homero, na educação tradicional grega, as fábulas que compuseram são perigosas para a formação da juventude.

(B) Platão critica os poetas por dizerem o falso e apresentarem deuses e heróis de maneira desonrosa, enquanto Aristóteles os elogia por falarem o verdadeiro. (C) Platão e Aristóteles concordam com o fato de o poeta falar o falso, só que para Platão suas fábulas são indignas para a juventude, enquanto que, para Aristóteles, a poesia por ser mímesis não precisa dizer a verdade. (D) O problema para Platão é que Homero e os outros poetas falam sobre o mundo sensível e não sobre a verdade; já Aristóteles acredita que eles devem ser repreendidos por isso. (E) Falar o falso para Platão é problemático porque o falso pode passar pelo verdadeiro; para Aristóteles, o poeta apresenta a verdadeira realidade.

04. Leia o texto a seguir: [...] não é ofício de poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade. Com efeito, não diferem o historiador e o poeta por escreverem verso ou prosa [...] (ARISTÓTELES. Poética. Tradução de Eudoro de Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 249.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a poesia e a história em Aristóteles, é correto afirmar: (A) A poesia refere-se mais ao particular e é menos filosófica que a história.

(B) A história refere-se mais ao universal e é mais filosófica que a poesia.

(C) O poeta narra o acontecido e o historiador representa o possível. (D) O ofício do historiador trata do mito e é mais sério que o do poeta. (E) A poesia refere-se, principalmente, ao universal; a história, ao particular.

05. Os pensadores da Escola de Frankfurt, especialmente Theo-

dor Adorno e Max Horkheimer, são críticos da mentalidade que identifica o progresso técnico-científico com o progresso da humanidade. Para eles, a ideologia da ‘indústria cultural’ submete as artes à servidão das regras do mercado capitalista. Com base nos conhecimentos sobre as críticas de Adorno e Horkheimer à ‘Indústria Cultural’, assinale a afirmativa correta: (A) A ‘indústria cultural’ proporcionou a democratização das artes eruditas, tornando as obras raras e caras acessíveis à maioria das pessoas. (B) Sob os efeitos da massificação pela indústria e consumo culturais, as artes tendem a ganhar força simbólica e expressividade. (C) A ‘indústria cultural’ fomentou os aspectos críticos, inovadores e polêmicos das artes. (D) O progresso técnico-científico pode ser entendido como um meio que a ‘indústria cultural’ usa para formar indivíduos críticos. (E) A expressão ‘indústria cultural’ indica uma cultura baseada na idéia e na prática do consumo de produtos culturais fabricados em série.

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 06. Segundo Adorno e Horkheimer, “a indústria cultural pode se ufanar de ter levado a cabo com energia e de ter erigido em princípio a transferência muitas vezes desejada da arte para a esfera do consumo, de ter despido a diversão de suas ingenuidades inoportunas e de ter aperfeiçoado o feitio das mercadorias”. (ADORNO, T. ; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Tradução de Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. p. 126.)

Com base nessa passagem e nos conhecimentos sobre indústria cultural em Adorno e Horkheimer, é correto afirmar: (A) A indústria cultural excita nossos desejos com nomes e imagens cheios de brilho a fim de que possamos, por contraste, criticar nosso cinzento cotidiano. (B) A fusão entre cultura e entretenimento é uma forma de valorizar a cultura e espiritualizar espontaneamente a diversão. (C) A diversão permite aos indivíduos um momento de ruptura com as condições do trabalho sob o capitalismo tardio. (D) Os consumidores têm suas necessidades produzidas, dirigidas e disciplinadas mais firmemente quanto mais se consolida a indústria cultural.

(E) A indústria cultural procura evitar que a arte séria seja absorvida pela arte leve.

07. “Em suma, o que é a aura? É uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja. Observar, em repouso, numa tarde de verão, uma cadeia de montanhas no horizonte, ou um galho, que projeta sua sombra sobre nós, significa respirar a aura dessas montanhas, desse galho. Graças a essa definição, é fácil identificar os fatores sociais específicos que condicionam o declínio atual da aura. Ele deriva de duas circunstâncias, estreitamente ligadas à crescente difusão e intensidade dos movimentos de massas. Fazer as coisas ‘ficarem mais próximas’ é uma preocupação tão apaixonada das massas modernas como sua tendência a superar o caráter único de todos os fatos através da sua reprodutibilidade”. Fonte: BENJAMIN, W. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”. In: Magia e Técnica, Arte e Política. Obras Escolhidas. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 170.

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

161


Com base no texto e nos conhecimentos sobre Benjamin, assinale a alternativa correta: (A) Ao passar do campo religioso ao estético, a obra de arte perdeu sua aura.

(B) Ao se tornarem autônomas, as obras de arte perderam sua qualidade aurática.

(C) O declínio da aura decorre do desejo de diminuir a distância e a transcendência dos objetos artísticos. (D) O valor de culto de uma obra de arte suscita a reprodutibilidade técnica. (E) O declínio da aura não tem relação com as transformações contemporâneas.

08. (UEL 2013) Leia o texto a seguir. O modo de comportamento perceptivo, através do qual se prepara o esquecer e o rápido recordar da música de massas, é a desconcentração. Se os produtos normalizados e irremediavelmente semelhantes entre si, exceto certas particularidades surpreendentes, não permitem uma audição concentrada, sem se tornarem insuportáveis para os ouvintes, estes, por sua vez, já não são absolutamente capazes de uma audição concentrada. Não conseguem manter a tensão de uma concentração atenta, e por isso se entregam resignadamente àquilo que acontece e flui acima deles, e com o qual fazem amizade somente porque já o ouvem sem atenção excessiva. (ADORNO, T. W. O fetichismo na música e a regressão da audição. In: Adorno et all. Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p.190. Coleção Os Pensadores.)

As redes sociais têm divulgado músicas de fácil memorização e com forte apelo à cultura de massa. A respeito do tema da regressão da audição na Indústria Cultural e da relação entre arte e sociedade em Adorno, assinale a alternativa correta. (A) A impossibilidade de uma audição concentrada e de uma concen-

10. (UFPA 2013) “Originalmente concebida e acionada para emancipar os homens, a moderna ciência está hoje a serviço do capital, contribuindo para a manutenção das relações de classe. A ciência e a técnica nas mãos dos poderosos [...] controlam a vida dos homens, subjuga-os ao interesse do capital. A produção de bens segue uma lógica técnica, e não à lógica das necessidades reais dos homens.” FREITAG, B. A teoria Crítica ontem e hoje, São Paulo: Brasiliense, 1986, p.94.

A autora nos apresenta a visão da Escola de Frankfurt acerca do papel desempenhado pela ciência e pela tecnologia na moderna economia capitalista. Sobre este papel, considere as afirmativas abaixo: I. A ciência e a técnica, além de serem forças produtivas, funcionam como ideologias para legitimar o sistema capitalista. II. Nas mãos do poder econômico e político, a tecnologia e a ciência são empregadas para impedir que as pessoas tomem consciência de suas condições de desigualdade. III. A dimensão emancipadora e crítica da racionalidade moderna foi valorizada na economia capitalista, pois muitas das reivindicações dos trabalhadores foram atendidas a partir do advento da tecnologia. IV. Na economia capitalista, produz-se com eficácia o que dá lucro e não aquilo que os homens necessitam e gostariam de ter ou usar.

Estão corretas as afirmativas: (A) I e III (C) III e IV (B) II e III (D) I, II e IV

(E) II, III e IV

11. (UEL 2013) Observe a figura e leia o texto a seguir.

tração atenta relaciona-se ao fato de que a música tornou-se um produto de consumo, encobrindo seu poder crítico. (B) A música representa um domínio particular, quase autônomo, das produções sociais, pois se baseia no livre jogo da imaginação, o que impossibilita estabelecer um vínculo entre arte e sociedade. (C) A música de massa caracteriza-se pela capacidade de manifestar criticamente conteúdos racionais expressos no modo típico do comportamento perceptivo inato às massas. (D) A tensão resultante da concentração requerida para a apreciação da música é uma exigência extramusical, pois nossa sensibilidade é naturalmente mais próxima da desconcentração. (E) Audição concentrada significa a capacidade de apreender e de repetir os elementos que constituem a música, sendo a facilidade da repetição o que concede poder crítico à música.

09. (UEL 2013) Leia o texto a seguir: A utilização da Internet ampliou e fragmentou, simultaneamente, os nexos de comunicação. Isto impacta no modo como o diálogo é construído entre os indivíduos numa sociedade democrática. (Adaptado de: HABERMAS, J. O caos da esfera pública. Folha de São Paulo, 13 ago. 2006, Caderno Mais!, p.4-5.)

A partir dos conhecimentos sobre a ação comunicativa em Habermas, considere as afirmativas a seguir. I. A manipulação das opiniões impede o consenso ao usar os interlocutores como meios e desconsiderar o ser humano como fim em si mesmo. II. A validade do que é decidido consensualmente assenta-se na negociação em que os interlocutores se instrumentalizam reciprocamente em prol de interesses particulares. III. Como regra do discurso que busca o entendimento, devem-se excluir os interlocutores que, de algum modo, são afetados pela norma em questão. IV. O projeto emancipatório dos indivíduos é construído a partir do diálogo e da argumentação que prima pelo entendimento mútuo.

Assinale a alternativa correta. (A) Somente as afirmativas I e II são corretas. (B) Somente as afirmativas I e IV são corretas. (C) Somente as afirmativas III e IV são corretas. (D) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. (E) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.

162

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

Retrato de George Dyer. Em um Espelho, 1968.

A crise da razão se manifesta na crise do indivíduo, por meio da qual se desenvolveu. A ilusão acalentada pela filosofia tradicional sobre o indivíduo e sobre a razão – a ilusão da sua eternidade – está se dissipando. O indivíduo outrora concebia a razão como um instrumento do eu, exclusivamente. Hoje, ele experimenta o reverso dessa autodeificação. (HORKHEIMER, M. Eclipse da razão. São Paulo: Centauro, 2000, p.131.)

Com base na figura e nos conhecimentos sobre a crise da razão e do indivíduo na contemporaneidade, em Horkheimer, considere as afirmativas a seguir. I. A crise do indivíduo implica na sua fragmentação: embora ele ainda se represente, a imagem que possui de si é incompleta, parcial. II. A crise do indivíduo resulta de uma incompreensão: ignorar que ele é uma particularidade ordenada (microcosmo) inserida numa totalidade ordenada (macrocosmo).


III. O indivíduo, que é unitário, apreende a si mesmo e ao mundo plenamente, faltando-lhe, porém, os meios adequados para comunicar tal conhecimento. IV. O desenvolvimento das ciências humanas levou a uma recusa da ideia universal de homem: nega-se à razão o poder de fundamentar absolutamente o conhecimento sobre o indivíduo.

Assinale a alternativa correta. (A) Somente as afirmativas I e II são corretas. (B) Somente as afirmativas I e IV são corretas. (C) Somente as afirmativas III e IV são corretas. (D) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. (E) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.

12. (UNIMONTES 2012) A Escola de Frankfurt foi fundada

em 1923, sob o nome de Instituto para a Pesquisa Social. Marque a alternativa que contempla os principais pensadores da Escola de Frankfurt. (A) Theodor Adorno, Platão, Herbert Marcuse e Walter Benjamin. (B) Tomás de Aquino, Marx Horkheimer, Herbert Marcuse e Walter Benjamin.

(C) Theodor Adorno, Marx Horkheimer, Herbert Marcuse e Tobias Barreto. (D) Theodor Adorno, Marx Horkheimer, Herbert Marcuse e Walter Benjamin.

13.

14. “Em um contexto nacional em que o desenvolvimento econômico é institucionalmente defendido como a solução para todos os males sociais, se faz necessário refletir sobre a forma como os indígenas são representados nos meios de mídia de massa na atualidade. A evidente emergência de discursos anti-indigenistas nestes meios tem consequência direta na vida destas coletividades, na forma como são tratadas cotidianamente pelas populações não índias, com as quais, inevitavelmente, convivem e compartilham espaços. Assim como nos séculos passados, não são poucos os episódios de perseguição a minorias autóctones e quilombolas no Brasil do século XXI. Há uma recorrência de manifestações anti-indigenistas, estas não se dão de forma regular, estável, mas oscilam, surgem entre extremos situados entre o esquecimento/apagamento e o revisionismo/memória de uma construção de nação que destina um lugar aos indígenas apenas e tão somente no seu passado.” Fonte: PRADELLA, L. G.; ELTZ, D. Mídia de massa e anti-indigenismo no sul do Brasil do século XXI. In: RIO GRANDE DO SUL. Coletivos guaranis no Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul/Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, 2010, p. 50).

I. O texto defende o fenômeno da aculturação para resolução e integração dos povos indígenas na sociedade nacional. II. Segundo os autores, os meios de comunicação de massa são responsáveis pela fiscalização de políticas indigenistas, representando todos os pontos de vista em seus discursos midiáticos. III. Conforme o texto, a mídia, de forma recorrente, nega a atualidade dos direitos indígenas na nação brasileira. IV. Para os autores, discursos anti-indigenistas baseiam-se na defesa do valor histórico das populações indígenas.

Assinale a alternativa correta. (A) Somente a afirmativa I está correta. (B) Somente a afirmativa III está correta. (C) Somente as afirmativas I e IV estão corretas. (D) Somente as afirmativas III e IV estão corretas. (E) Somente as afirmativas I e II estão corretas.

15. Observe a figura a seguir.

Serigrafia de Roy Lichtenstein, exposta na mostra “Originais - A gravura desde o Século XV”, no CCBB, São Paulo, 2006.

Sobre a cultura de massa, a indústria cultural e a pop art, julgue as afirmativas. I. A Pop Art socializou a arte mantendo o engajamento político; em suas obras, o sonho americano se dividiu entre promessa e maldição - já que os avanços tecnológicos capazes de preencher o mercado com uma série de diferentes produtos também contribuíam para a criação de armas e outros objetos que limitavam a liberdade individual. II. Indústria cultural é o nome dado a empresas e instituições que trabalham com a produção de projetos, canais, jornais, rádios, revistas e outras formas de descontração baseadas na cultura, visando o lucro e produzindo cultura de massa. III. O grande fato cultural que cerca a televisão é que, a partir dos anos 50, ela passou a centralizar os debates sobre a cultura de massa da mesma forma que esses debates eram centralizados no cinema nas décadas de 40 e 50, pois quem fala nessas décadas tem como referência os anos dourados de Hollywood.

Está(ão) correta(s) apenas a(s) afirmação(ões): (A) nenhuma. (D) apenas III. (B) apenas II. (E) apenas I e III. (C) todas.

Roy Liechtenstein. Super-Homem, 1964. Serigrafia.

O Super-Homem ganha poderes pelos efeitos dos raios solares, mas tem uma fraqueza: o minério criptonita. O Homem-Aranha adquire habilidades depois da picada de um aracnídeo. O Quarteto-Fantástico nasce dos efeitos de uma tempestade cósmica. Um a um, os elementos da natureza tornam-se importantes para o nascimento de vários super-heróis. Porém, mais do que superpoderosos, esses heróis de Histórias em Quadrinhos (HQ) também “escondem um segredo”: I. Reforçam a ideologia de uma nação soberana, a estadunidense, protegida dos inimigos, o que a credenciaria como mantenedora da liberdade mundial. II. Veiculam subliminarmente a crença da supremacia dos brancos, enquanto suposta raça mais forte e inteligente face aos demais grupos étnicos do planeta. III. Defendem a ideologia da igualdade necessária entre as classes, sem a qual o mundo não poderia viver em paz e em harmonia. IV. Reconhecem que os verdadeiros super-heróis não precisam de superpoderes, desde que sejam pessoas boas e altruístas.

Assinale a alternativa correta. (A) Somente as afirmativas I e II são corretas. (B) Somente as afirmativas I e III são corretas. (C) Somente as afirmativas III e IV são corretas. (D) Somente as afirmativas I, II e IV são corretas. (E) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

163


ANOTAÇÕES

164

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


GABARITO CAPÍTULO 1

CAPÍTULO 7

DO MITO À RAZÃO 01. D 05. A 09. D 13. A

02. B 06. C 10. C 14. A

O AVANÇO CIENTÍFICO E OS LIMITES ÉTICOS 03. D 07. B 11. A 15. C

04. A 08. D 12. 23

CAPÍTULO 2

O LEGADO CULTURAL DA CIÊNCIA PARA O OCIDENTE 01. E 05. A 09. D 13. C

02. A 06. D 10. VIDE AULA 14. A

03. E 07. A 11. B 15. D

04. D 08. C 12. B

CAPÍTULO 3

A GRANDE SISTEMATIZAÇÃO DA CIÊNCIA 01. B 05. D 09. C 13. C

02. D 06. B 10. D 14. D

03. A 07. E 11. E 15. D

04. C 08. B 12. C

CAPÍTULO 4

A RELIGIÃO, A CIÊNCIA E A FILOSOFIA MEDIEVAIS 01. E 05. B 09. E 13. B

02. D 06. A 10. C 14. D

03. C 07. E 11. B 15. A

04. D 08. D 12. D

CAPÍTULO 5

A CIÊNCIA MODERNA E A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO MUNDO 01. D 02. A 03. A 04. B 05. Até antes da revolução copernicana, a Terra era considera-

da, para a cultura europeia, o centro do universo. A nova filosofia relacionada ao modelo proposto por Copérnico significou a retirada da Terra do centro, bem como todas as teorias que se baseavam nesse dogma. Nesse sentido, a religião cristã, bem como os modelos filosóficos clássicos que se baseavam na ideia de um universo estável, necessitava ser revista, significando que as ideias e a coerência dos modelos deixaram de fazer sentido absoluto. O que se observa, portanto, é a ascensão da ideia de que a razão deve ser o meio mais puro de compreensão da realidade, segundo um modelo cientificista.

06. C 10. B 14. C

07. D 11. A 15. C

08. A 12. D

09. A 13. D

CAPÍTULO 6

RACIONALISMO E EMPIRISMO 01. A 05. C 09. D 13. D

02. E 06. C 10. E 14. B

03. A 07. B 11. B 15. D

04. B 08. D 12. C

01. B 02. D 05. A 06. E 07. 01+02 = 03 09. 01+02+04+08+16 = 31 10. A 11. E 14. E 15. E

03. A

04. A

08. C 12. A

13. A

03. E 07. D 11. B 15. A

04. D 08. E 12. C

03. E 07. E 11. A 15. A

04. A 08. C 12. B

CAPÍTULO 8

A BIOÉTICA 01. D 05. A 09. E 13. E

02. E 06. D 10. C 14. A

CAPÍTULO 9

A VIDA ÉTICA 01. A 05. A 09. D 13. C

02. B 06. D 10. A 14. C

CAPÍTULO 10

A ÉTICA NO PERÍODO CLÁSSICO 01. 02+04+16 = 22 02. A 03. C 04. C 05. A 06. Contrário a estes estrangeiros que se intitulavam sábios, Só-

crates, que é ateniense, diz que nada sabe e que, portanto antes de falar qualquer coisa, é necessário conhecer-se primeiro. A auto-reflexão nos libertaria dos pré-conceitos e do relativismo das opiniões, nos fazendo atingir uma verdade universal válida em todos os casos.

07. A opinião varia de pessoa a pessoa, de lugar para lugar, de

época em época, como diz a sabedoria popular, cada qual tem um. Muda, é instável, depende de gostos e preferências. O conceito é uma verdade intemporal, universal e necessária, independe do narrador ou da pessoa. É invariável.

08. Porque, a fazer a juventude pensar, ele se torna um perigo para quem detinha o poder.

09. Porque as questões socráticas definem o campo no qual valores e obrigações morais podem ser estabelecidos pela determinação de seu ponto de partida: a consciência do agente moral.

10. As ações éticas pertencem ao campo da deliberação e da

decisão e escolha. Essa concepção exclui o necessário e o contingente porque não deliberamos sobre aquilo que é regido pela natureza, as estações do ano, por exemplo, que necessariamente acontecem. Não deliberamos sobre aquilo que acontece por acaso, que é contingencial. O que importa é o possível, isto é, aquilo sobre o que deliberamos e decidimos, que pode ser ou deixar de ser porque para ser e acontecer depende de nós, de nossa vontade de ação.

11. É aquele que, em todas as situações, é capaz de julgar e ava-

liar qual a atitude e qual a ação que melhor realizarão a finalidade ética, ou seja, entre as várias escolhas possíveis, qual a mais adequada para que o agente seja virtuoso e realize o que é bom para si e para os outros.

12. A

13. D

14. C

15. A

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM

PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA


CAPÍTULO 11

CAPÍTULO 15

A MODERNIDADE ÉTICA - SPINOZA, ROUSSEAU E KANT

A POLÍTICA MEDIEVAL

01. E 02. B 03. E 04. B 05. B 06. Para Rousseau o homem nasce puro e bom, mas acaba per-

vertido pela sociedade. Diante disso ele apresenta a moral do coração, baseando-se na ideia de que o dever não é uma imposição externa à nossa consciência. Ele é proposto pelo nosso coração. Para ele, a consciência moral e o sentido de dever são inatos, são a voz da natureza e o dedo de Deus em nós. Obedecendo ao dever (a lei divina inscrita em nosso coração) estaremos obedecendo a nós mesmos, aos nossos sentimentos e às nossas emoções, e não à razão, pois esta, privilegiando a utilidade e o interesse individuais, é responsável pela sociedade egoísta e perversa que silencia a bondade natural do coração humano.

07. Dever é a expressão da lei moral no ser humano por meio da imposição de fins e normas que a razão prática faza si mesma daquilo que ela própria criou visando alcançar fins éticos.

08. É o que ordena incondicionalmente o dever como uma lei moral interior válida para todas as circunstâncias de todas as ações morais. O imperativo categórico exprime-se em uma fórmula geral: “Age em conformidade apenas com aquela máxima pela qual possas querer ao mesmo tempo que ela se torne uma lei universal”

09. B 13. E

10. A 14. C

11. B 15. D

12. A

A VIDA EXISTENCIAL 03. B 07. B

04. A 08. D

12. D

CULTURA, ETNIA E DIVERSIDADE CULTURAL

06. A 10. D

07. C 11. D

15. E

CAPÍTULO 14

A PÓLIS E A FORMAÇÃO DO CIDADÃO 01. E 03. C 07. D 11. C 13. A, B 15. A, C

04. C 08. A

05. D 09. C 13. B

CAPÍTULO 16

AS FORMAS DE GOVERNO E O SURGIMENTO DO ESTADO MODERNO 01. A 02. C 05. E 06. C 09. 02+08+16 = 26 10. C 11. D 14. C 15. D

03. E 07. B

04. A 08. B

12. E

13. B

CAPÍTULO 17

O ESTADO HISTÓRICO 01. A 05. D 07. B 11. C 15. A

02. C 08. A 12. C

03. A 04. D 06. 02+04+08+16 = 30 09. A 10. E 13. B 14. E

O PARADOXO CONTEMPORÂNEO: AS DESIGUALDADES 01. D 03. 01+08 = 09 05. E 06. C 09. D 10. B 11. 01+04 = 05 13. B 14. A

02. 01+02+08 = 11 04. 04 = 04 07. D 08. A 12. 01+02+08+16 = 27 15. B

CAPÍTULO 19

CAPÍTULO 13 01. E 02. E 03. 01+08 = 9 04. C 05. D 08. E 09. D 12. 01+02+08+16 = 27 13. B 14. C

04. A 08. E 12. A

CAPÍTULO 18

CAPÍTULO 12 01. E 02. D 05. A 06. B 09. 01+02+08 = 11 10. C 11. D 13. 01+02+04+16 = 23 14. 02+16 = 18 15. D

01. 02+08+16 = 26 02. A 03. D 06. B 07. A 10. C 11. A 14. D 15. A

02. 04+16 = 20 05. B 06. E 09. A 10. 23 12. A, C, E 14. A, B, C, D, E

FILOSOFIA PARA VESTIBULARES E ENEM PROFESSOR MS JORGE HENRIQUE LOPES DE OLIVEIRA

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA 01. A 05. E 09. A 13. A

02. A 06. E 10. B 14. C

03. C 07. B 11. E 15. A

04. A 08. E 12. E

CAPÍTULO 20

O BELO E A SENSAÇÃO, A CÓPIA E A IMITAÇÃO 01. D 05. E 09. B 13. C

02. B 06. D 10. D 14. B

03. C 07. C 11. B 15. A

04. D 08. A 12. D


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.