


AsalvaguardadaChegançacomoapoiodaGestãoPública.
Copyright 2022 - João Victor Lemos Viana
É proibida a reprodução total ou parcial do texto deste livro por quaisquer meios (mecânicos, eletrônico, xerográficos, fotográficos etc.) a não ser em citações breves com indicação] da fonte bibliográfica.
Este livro está de acordo com as mudanças propostas pelo novo Acordo Ortográfico, que entrou em vigor desde janeiro/2009.
Patrocínio: Secretaria de Estado da Cultura Praça Marechal Floriano Peixoto, S/N Centro, Maceió-AL / www.cultura.al.gov.br
Impresso no Brasil Printed in Brazil
Ao triunfo do Sagrado Coração de Jesus, ao amigo São Benedito e a Glória dos Encantados seja sempre o nosso motivo de louvor;
Aos meus pais, com quem aprendi a ser grato o tempo todo e ter a alegria em fazer o bem sempre;
Aos mestres; Lucimar, Zé Um, Dulce, Nilza, cada brincante que faz a cultura popular de Coqueiro Seco e de todo o Estado. ———-
Ao querido artista plástico e amigo, Salles Tenório, que assinou a pintura que ilustra a capa deste trabalho. ———
A amiga de luta, Jô Rodrigues.
Ao Governo de Alagoas através da Secretaria de Estado da Cultura, Prefeitura Municipal de Coqueiro Seco, Universidade Estadual de Alagoas, Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore e o nosso amado FOCUARTE.
GRATIDÃO!
João Lemos é um jovem predestinado, que, com tão pouca idade, assumiu missões importantes na vida. Ele é um guerreiro e assíduo defensor e incentivador da cultura popular alagoana. Em seu novo trabalho, a Chegança é a estrela, convidando os leitores a fazerem um passeio na história da manifestação folclórica e plantando mais uma semente de amor.
Secretária de Estado da Cultura
Estamos diante de um trabalho que nos orgulha e referenda nossa querida cidade de Coqueiro Seco. Juntos ao amigo, João Lemos, temos avançado em defesa da cultura do município que vem tendo o cuidado e carinho devido. Parabéns estimado escritor, este trabalho a partir de agora é uma referência para a educação patrimonial não só da terra da Chegança Silva Jardim, mas, para todo o Estado de Alagoas.
Prefeita de Coqueiro Seco
Secretária Municipal de Cultura
João Lemos é a personificação do próprio termo “chegança”. Ele chega chegando, e com paixão, amor e entusiasmo, convida a todos a mergulharem no mundo espetacular da cultura e dos folguedos. Acompanhar seu trabalho é um privilégio. Um jovem que no auge de sua produção, consegue colocar no papel, todo um resgate histórico de um folguedo popular, e a sua importância e representatividade para o Município de Coqueiro Seco e para todo o Estado de Alagoas. Que sua paixão te leve para mares além mar, meu querido João, e que leve sempre em seu coração seu Estado de Alagoas e toda a grandeza de nossa Cultura.
Coordenadora da Pós Graduação em Gestão Pública UNEAL
Parabéns João Lemos por navegar nesse barco do imaginário popular, tendo como tripulantes nossos bravos brincantes que cantam e contam, ao som do pandeiro, histórias do além mar. Este registro, fruto de uma pesquisa muito bem elaborada, irá enriquecer ainda mais nossa literatura popular. Que você siga firme no seu compromisso com a Cultura Popular de Alagoas.
Pesquisadora e Presidente de Honra do FOCUARTE
A feliz tarefa de prefaciar um livro escrito por João Lemos é algo que faço com alegria de alma e com encantamento de quem vive dentro desse universo cultural há mais de 25 anos.
Para começar, falando desse jovem repórter cheio de experiência e iluminado pelos encantados, a figura importante de João Lemos para a cultura popular alagoana é um divisor de águas sobre o reconhecimento e proteção dos fazeres culturais alagoanos. João escritor, pandeirista, cordelista, cantor, brincante, protetor da cultura popular, tirador de trinados. É esse ser multifacetado que veio para preencher uma lacuna importante no Estado de Alagoas e hoje leva a sua importante fala de proteção para o resto do Brasil.
Através do FOCUARTE (Fórum Permanente de Cultura Popular e do Artesanato Alagoano) vem levando os bons ventos de discussão e valorização da cultura, incentivando a criação de políticas públicas, importantes mecanismos de proteção para dar visibilidade e longevidade à cultura popular, entre as leis de patrimônio vivo em diversas cidades alagoanas, onde antes, apenas a Secretaria de Estado da Cultura de Alagoas, tinha criado a “Lei do Patrimônio Vivo”, podemos dizer que hoje o FOCUARTE trouxe os ventos de boas mudanças na aplicação dessas politicas.
É nesse cenário de boas práticas que João Lemos traz esse lindo texto sobre a “Chegança Silva Jardim”, para tanto faz um flaner pelas diversas brincadeiras de assuntos náuticos pelo mundo, desde as mouriscadas, as embaixadas, as marujadas e as diversas derivações do auto popular, até chegar à famosa e resistente Chegança Silva Jardim, da Cidade de Coqueiro Seco em Alagoas.
Uma Chegança ímpar por ser formada por mulheres, um ponto auto de resistência da presença feminina dentro de grupos folclóricos.
A leitura desse livro é algo enriquecedor e obrigatório para o campo cultural alagoano. Além dos fatos históricos levantados no livro, temos a leveza da escrita de quem anda acompanhado dos encantados da cultura popular desse país.
Maceió, 30 de Outubro de 2022.
Santos de Oliveira Diretora do Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore Universidade Federal de Alagoas
Este artigo aborda a salvaguarda da Chegança Silva Jardim, folguedo popular do município de Coqueiro Seco - AL. Com apontamentos sobre a história, apresentamos a importância desse auto popular desde o seu surgimento até a presença em Alagoas e como a gestão pública municipal percebeu a sua importância por meio da criação de uma lei que passou a ajudar na manutenção do folguedo.
This article addresses the safeguarding of Chegança Silva Jardim, a popular party in the municipality of Coqueiro Seco-AL. With historical notes, we present the importance of this popular car from its emergence to its presence in Alagoas and how the municipal public management realized its importance through the creation of laws that helped in the maintenance of the revelry.
Capítulo 1
O Auto Popular
“Escola! Rufem as caixas, Traquem! (Mestre Patrão)
Escola! Rufem as caixas, Larguem! (Almirante)
Encontro! Ala! Para frente! Marchem! (Capitão Mar e Guerra)
Em Linha! (Contramestre)”. (Trecho recolhido da apresentação da Chegança Silva Jardim)
E aí tocam-se os pandeiros em ritmo frenético de marcha!
O “tirinete”, sacudido das mãos, ao toque gentil do pandeiro anuncia que a brincadeira começou, ali não são somente homens e mulheres, é a presença mística-real da “esquadra de guerra” que une as gentes e protege a costa brasileira de investidas e contra-ataques dos “inimigos”. Com o sentido sempre da louvação ao Bom Jesus dos Navegantes e Nossa Senhora, tendo seus entusiasmantes episódios com inspiração no Romance da Nau Catarineta e na luta entre mouros e cristãos, os afamados tripulantes viram a noite com cantigas e encenações da vida do homem no mar. Tudo se desenvolve durante uma viagem de Portugal ao Brasil, figurando situações ou fatos que poderiam acontecer durante essa travessia “perigosa”, ou vice-versa, ficando ao gosto do mestre.
ASALVAGUARDADACHEGANÇASILVAJARDIM COMOAPOIODAGESTÃOPÚBLICA
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A Chegança, de acordo com Théo Brandão, é o segundo auto de assunto marítimo em nosso estado, é a “versão brasileira, ou melhor, “nordestina” das Mouriscadas da Península Ibérica e das Danças Mouriscas da Europa. Em apontamentos rápidos, o folguedo narra à luta de uma nau cristã assaltada por mouros que no fim acabam derrotados e tendo que aceitar como castigo a religião do vencedor que ao nosso gosto, se tornam cristãos. O termo “Chegança” para estudiosos e pesquisadores é originário dos assuntos náuticos como “chegar”, “dobrar as velas a chegada do navio” e “chegada” no sentido de abordagem.
A Chegança é a forma mais completa, complexa e antiga, aquela que pode ser considerada no justo termo em auto popular, tendo toda a sua dramaticidade envolvendo contagiantes episódios que entre as declamações, as famosas embaixadas, as cantorias e as danças coreografadas ao fulgor da inspiração, formam o que chamamos de Chegança. Ela corresponde a Barca, Embaixada ou Marujada, folguedos que estão presentes em outros estados do Brasil.
JOÃOVICTORLEMOSVIANA
São seus personagens, conforme encontramos em Coqueiro Seco: Mestre; Contra Mestre; Almirante; Mar e Guerra; Contra Almirante; Vice Almirante; Capitão de Corveta; Capitão de Fragata; Imediato; Artilheiro; Piloto; CapitãoTenente; Segundo Piloto; Segundo Patrão; Primeiro SargentoArtilheiro; Primeiro Aspirante; Segundo Aspirante; SargentoEnfermeiro; dez Marinheiros; dois Calafatinhos; dois Gajeiros; um Padre; um Ração e dois Pandeiristas. O figurino, que geralmente é feito sob encomenda, utiliza sempre tecidos brancos para: calça, camisa e jaqueta; para a marujada, terno com galões e botões dourados, cinto preto, medalhas e faixas que cruzam o terno em tons de amarelo e verde para os oficiais; e sapatos pretos para todos os brincantes.
Lembra-nos Benedito (FONSECA, 1994, p. 90) em sua pesquisa: “Há uma obrigatoriedade para o Almirante: Chapéu de dois bicos, recoberto com arminho, areia prateada e forrado com cetim azul. Os oficiais geralmente conduzem espadas [...]”.
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Os Gajeiros, igualmente aos Marujos, têm o mesmo traje, mudando apenas as cores, que destes, são vermelhas. As indumentárias dos mouros são típicas do oriente. O grupo se organiza em duas filas, conforme a hierarquia de posto dentro da Barca, que geralmente é montada nas praças ou pontos estratégicos das comunidades.
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Junto ao esquadrão vai o Padre e o Ração que, na verdade, são os palhaços que interagem diretamente com o público, não tendo posição certa dentro da apresentação, circulam entre os cordões, fazendo brincadeiras e animando o público.
As músicas que acompanham todo o drama têm os seguintes ritmos: marcha de rua ou marcha ligeira, marcha lenta, tango e remado. Vale ressaltar os resquícios da presença da música oriental e espanhola nos versos milimetricamente formados ao gosto da inspiração popular. Um destaque para o “remado”, ritmo que muito se assemelha a um coco mais cadenciado, presente nas regiões litorâneas de Alagoas. Nesse ritmo, os brincantes têm a oportunidade de coreografar o balanço do barco como se este fosse a própria Nau velejando em mar aberto, quando cantado todos se envolvem e acompanham os passos e o ritmo.
Não foi possível apurar com precisão nos grupos que existiram nas regiões ribeirinhas do São Francisco, se esse ritmo esteve presente. A princípio, na Chegança Bom Jesus dos Navegantes e Comendador Peixoto de Pão de Açúcar, não há relatos deste sendo cantado. Vale salientar, que esse ritmo pode ser encontrado na Chegança Silva Jardim nas aprovadíssimas jornadas: “A Fragata corre no sereno mar”, “Nós devemos dá um viva a Esquadra Brasileira”, e na mais recente de nossa autoria “Silva Jardim vai além do mar!”
No Fandango do Pontal da Barra em Maceió, quando os brincantes e o mestre entoam a música “Foi anunciado essa nossa vinda”, é possível identificar o ritmo. Sobre esse ritmo e demais cantorias, precisaríamos de um estudo mais aprofundado acerca de toda a tramas melódicas que acompanham os grupos de Chegança em nosso estado.
Dentro do barco, a Chegança apresenta ao público todas as suas jornadas: o embarque, louvores em terra, o bendito, a nau perdida, a rezinga grande, o contrabando, a agulha de marear, o remado, piloto bêbado, a cerração, calafatinho, o combate de mouros e cristãos e o batismo.
Figueiredo (1939), em seu Novo dicionário da língua portuguesa, registra o vocábulo como “dança lasciva do século XVIII, a qual era tão imodesta em coreografia que a proibiram pelos tempos de Pombal”.
Uma versão conta que a brincadeira surgiu a partir do Romance da Nau Catarineta, uma curiosa aventura de uma Nau que partiu de Pernambuco para Portugal. Mário de Andrade, ao fazer comparações sobre a possível relação, desmentiu essa hipótese baseado em datas e tempos. Mais isso não diminui a importância do Romance que está presente nos folguedos de assunto marítimo.
Imagem 01 Apresentação da Chegança (2001) Imagem 02 Mestras, Luzia e Lucimar no 1º ensaio das Baianas (2005)
Créditos: Acervo da Chegança
Pedro Mendengo (FILHO, 2008, p. 06), em sua pesquisa “Chegança: um Dramalhão de ritual esquecido” nos revela uma importante informação: “Era uma dança de par solto, popularíssima durante o reinado de Dom João V de Portugal e por ele proibida em maio de 1745”. Júlio (DANTAS,1917, p. 161) em O amor em Portugal no século XVIII - As Cheganças fala sobre a proibição: “Pela assomada de Maio de 1745, toda a gente cantava em Lisboa, regateiras e maranholas, mariolas e negros, casquilhos e sécias, da Ribeira das Naus às escadas do Hospital Real, do postigo de S. Roque às hortas verdejantes do Catavento, uma cantiga que pegara pela cidade como uma labareda:
Já não se dançam cheganças Que não quer o nosso rei, Por que lhe diz Frei Gaspar Que é coisa contra a lei.
Meninas bonitas, Moças com fitas, Casquilhos e abades, Freiras e frades, Chorai, chorai, chorai, Acabou se, já lá vai. (DANTAS, 1917, p. 161, grifo nosso).
O motivo da proibição ocorreu devido a uma viagem de Frei Gaspar da Encarnação, o qual observando o jeito sensual da dança durante uma excursão e se impetrando pelo mandato cristão, acorreu aos pés de Dom João V conseguindo o ato da proibição da dança popular que segundo os relatos de Júlio Dantas, era possível encontrar em todos os ambientes de Portugal:
Era a grande dança lisboeta do momento, que irrompera bruscamente por terreiros e ruas-sujas, pelos alpendres da Mouraria e pelas hortas do Ducado, que invadira tudo, desde pau das maranhoas, tairocada logo nos sapatos de perdiz das “franças”, deslangada, violenta, ignóbil, mais viva, orgulhosa, pitoresca, ondulada primeiro em ritmos de chacoina, rompendo depois em sapateados bravos de fandango, acabando, ventre contra ventre, peito contra peito no impudor canada da “fofa” das muladas e dos negros, - velha avó do fadobatido, em cujo ímepeto sangrento e rosinho, convulso e formidável, ardia e cantava a alma fulda da raça [...] (DANTAS, 1917, p. 161).
Não se tem precisão de quando o decreto caiu no esquecimento e essas danças voltaram a se destacar no cenário popular português, pois ainda no Reinado de D. João V
foi possível encontrar respaldos da dança ligada a jogos de prendas nas casas nobres de famílias abastadas. Em Portugal as apresentações improvisadas entre mouros e cristãos foram narradas por Rezende (1989) na Crônica de El Rei D. João II, essas encenações da luta entre os mouros e cristãos pertenciam ao reduto da burguesia de Portugal: “Embate com os mouros fingidos no campo de Alvisquer, na Ribeira de Santarém, imitando uma batalha entre os cavalheiros de Rodes e os mouros”. Teófilo (BRAGA, 1870, p. 278) narra um episódio parecido:
Manuel Machado de Azevedo, cunhado de Sá de Miranda, recebeu festivamente, o infante Dom Luís e o cardeal Dom Henrique então arcebispo de Braga, em sua residência, por ocasião do batizado do seu filho, E, nessa recepção houve uma dessas comédias no solar de las Casas de Castro onde ele morava.
Ainda de acordo com Filho (2008, p. 05), a “festa é anterior ao ano de 1523”. O autor também informa que: “embora o título popular se mantenha Cristãos e Mouros, recordando os embates da conquista da Península Ibérica aos mulçumanos, na representação do auto o mouro é turco, vindo da Turquia, onde seu deus é o rei”.
Desse modo, revela-se um sentido temático para o ciclo das lutas marítimas no mediterrâneo entre os Cavaleiros de Rodes e depois de Malta contra os turcos.
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Há também alguns outros registros que narram essas lutas em formato de celebrações religiosas ou nos cortejos reais, onde uma dança de mouros ou mouriscada com seu rei e companheiros manejando alfanjes sempre eram vistas. Carlos (SANTOS, 1937, p. 65) em seu estudo sobre as danças e cantos da Ilha, informa que “havia também um baile, bailado mourisco, dançado na Corte no século XV e resiste, pelo menos sob esse nome, a mourisca, na Ilha da Madeira.”
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Na Espanha, essa dança tem registro na dedicação da primeira Igreja no Novo México em San Juan de Los Caballeros revela a presença do drama no acontecimento, apresentando a caráter Cristianos y Moros na noite de 08 de Setembro de 1598. Com o ciclo das navegações em descoberta ao novo mundo é possível que esses colonizadores tenham trazido para as Américas a dança mourisca.
Em Portugal a batalha é entre cavalheiros, da mesma forma, encontrada no Brasil trás as características e lembranças da luta encenada nos países ibéricos. Em Goiânia, Minas Gerais, na Bahia, em Alagoas e em outros estados as batalhas montadas a cavalo são realizadas pelos grupos de Cavalhadas recriando os torneios medievais e as batalhas entre cristãos e mouros, algumas vezes com o enredo baseado
[3] Alfanje: Sabre de folha curte e larga.
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No livro Carlos Magno e Os Doze Pares da França, uma coletânea de histórias fantásticas sobre esse rei. No Brasil, registram-se desde o século XVII, e as cavalhadas acontecem durante a festa do Divino nas regiões Sul, Sudeste e CentroOeste do país, já no Nordeste os grupos geralmente aparecem no ciclo natalino ou em festas de padroeiros.
A luta entre mouros e cristãos encontrou nas brincadeiras brasileiras, particularmente no Nordeste, uma forma que não existe em Portugal nem na Espanha nem em outra parte do mundo. Na Espanha, lutam pela posse de um Castelo, em Portugal desde o século XV com as figuras de Carlos Magno, Almirante Balão, a princesa moura Floripes e outros. Aqui, a brincadeira vem se reinventando e recebendo as incorporações de cada época e tempo, como em outras partes do mundo.
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A Mouriscada que foi vista em Portugal, não chegou ao Brasil. Aqui, o personagem do mouro aparece na Chegança como ameaça que após uma batalha perde para os cristãos.
[5]FILHO, Pedro Mendengo, Chegança: um Dramalhão de ritual esquecido, tese, 2008.
Alguns historiadores afirmam que antes de 1815 já havia a presença dos grupos de Chegança no Brasil. Filho (2008, p.07) diz que provavelmente chegou junto ao movimento da Independência. Em 1760 é possível encontrar relatos da dança mourisca e outras demonstrações populares (carros alegóricos), em cortejos e festas.
Astolfo (Serra, 1965, p. 94) in Filho (2008, p.07) em seu Guia Histórico e Sentimental de São Luís do Maranhão relata esse fato: “As liturgias das procissões eram rigorosamente obedecidas nos tempos da Província. Um ofício de 21.01.1777 do Governador Joaquim Melo e Povoas, conta que nesse ano, lhe fez celebrar a procissão de São Sebastião com parada de tropas e salva de tiros. Na procissão de Corpus-Christi, a Câmara pagava os ciganos para acompanharem travando diversas danças. [...] Além daqueles ciganos, haviam outras figuras simbólicas como os “farricocos”, evocações de santos, de quadros bíblicos que, a caráter dava à solenidade um tom profano e carnavalesco”.
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Entendemos, portanto, que essas alegorias, danças e apresentações eram aceitas pela sociedade e lideranças cristãs vigentes, já que as missões jesuíticas se utilizando de elementos teatrais, musicais e corporais conseguiram por meio da arte a propagação da fé e a catequização dos povos tradicionais.
Filho (2008, p.08) ainda relata que esse “foi o momento onde os autores românticos abandonaram as regras de composição e o estilo de autores clássicos e passaram a escrever e divulgar sua origem em antigas tradições ibéricas.”
Por isso, surgiram Romances baseados nas expedições marítimas e apresentações teatrais que já mencionamos aqui, as mouriscas, que costumeiramente encenavam o combate entre os mouros e os cristãos correlacionados a vida no mar.
Henry (KOSTER, 1942, p. 221, 415) em seus relatos publicados no livro Viagem ao Nordeste do Brasil, assistiu em 1814 na Ilha de Itamaracá em Pernambuco a tomada de um castelo marítimo dos mouros pelos cristãos. Outro relato importante destaca FILHO (2008, p.08) in (VON MARTIUS, 1944, p.83) é de um botânico que viajando por Minas Gerais assistiu a
Oiro – variante de ouro
“uma luxuosa cavalgada no Tejuco onde os cavaleiros comemorando a aclamação de Dom João VI, vestindo veludo azul e vermelho com bordados em oiro faziam um lindo jogo de agilidade antes da batalha”. Com essa mesma temática existe ainda hoje na Península Ibérica torneios desde a expulsão dos árabes.
Assim sendo, notamos a longa trajetória que a encenação da luta entre mouros e cristãos percorreu na história da humanidade chegando até os dias atuais e se tornando o episódio principal da Chegança, das Marujadas, das Embaixadas e Cavalhadas.
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É fato, dizer que essas Cheganças transplantadas da Europa para o Brasil sofreram alterações diretas em seu teor dramático, recebendo a grandiosa contribuição de índios, negros e de toda uma regionalidade peculiar. Vale Ressaltar, que como os Pastoris, Congos e Reisados, as Cheganças são do ciclo das Janeiras de Portugal, de Vilâncio da Espanha e da Pastorela da Itália. Aqui recebeu a influência dos povos se misturando e criando identidade própria.
[8]As Janeiras (cantar as Janeiras) é uma tradição em Portugal que consiste no cantar de músicas pelas ruas por grupos de pessoas anunciando o nascimento de Jesus, desejando um feliz ano novo.
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Capítulo 4
Conforme Edberto (TICIANELLI, 2019), “não cabe aqui discutir nem a origem do termo Chegança nem a debatida questão de saber se em Alagoas, pelo menos, houve primitivamente uma só Chegança, com todos os episódios náuticos e guerreiros, Chegança que se fragmentou na “Barca”, na Chegança de “Marujos”, na Chegança de “Mouros”, de outros estados, ou, se ao contrário, havia primitivamente uma Chegança para cada um dos episódios principais, que em Alagoas se fundiram numa só Chegança.
O que há de se frisar — e aqui aproveitamos uma das mais valentes observações do Dr. Théo Brandão — "é que hoje, e pelo menos de cinquenta anos para cá, a nossa Chegança é uma só, englobando os episódios principais da tormenta, da morte ou ferimento do piloto, do combate aos mouros, e os episódios iniciais ou secundários, da marcha para o navio, da entrada na nau, da despedida, do episódio de levantar ferros, dos contrabandistas, dos trabalhos náuticos, do episódio do ração e da bebedeira do piloto”.
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A Chegança de Mouros ou apenas Chegança, também chamada de Marujada como já nos lembrou Théo Brandão, existe atualmente em inúmeros grupos que estão espalhados pelos estados litorâneos do nordeste brasileiro, traz temas marítimos e a luta entre mouros e cristãos se diferenciando dos Fandangos, Embaixadas e outros folguedos de assunto náutico.
O primeiro relato que encontramos sobre um folguedo de assunto náutico que se tem notícia em Alagoas está publicado no Jornal O Gutemberg de 26 de Janeiro de 1896, no qual lê-se: “Club da Marujada Cambonense - Domingo (26) às 12 horas da manhã terá logar a eleição para membros do conselho directorio que tem de funccionar durante o anno corrente”.
Notas sobre ensaios, eleições e outros compromissos foram nos revelando o fluxo de atividades que esses grupos tinham no final do séc. XIX, além de muito atuantes, alguns eram organizados a ponto de terem sede própria. A Marujada Cambonense, informa em nota publicada no Gutemberg de 19 Dezembro de 1897 que suas apresentações aconteceriam nos dias 25 de Dezembro, 1 e 6 de janeiro com apresentação parcial do auto:
[...] O divertimento começará às 7 horas da noite em ponto afim de não prolongar se até tarde, e por esta razão também resolveu o club não apresentar em cada uma das noites todas as peças ensaiadas, repetindo porém as principais com outras de seu repertório. Os sócios que quiserem cadeiras devem fazer com cêdo, para serem collocadas em logar competente. Cambona, 18 de Dezembro de 1897.
Essa nota revela uma reflexão importante e curiosa sobre o que de fato nós tivemos em Maceió nos fins do séc. XIX. Houve Marujadas sem a luta de mouros e cristãos ou simplesmente como relata Théo Brandão as Cheganças de Marujos cujos grupos eram costumeiramente também chamados de Marujada pelo povo? Será que essas antigas Marujadas foram aderindo a outras brincadeiras de cunho náutico, ou será que realizavam apresentação de Fandangos, Cheganças e Marujadas com o mesmo grupo? Essas serão respostas que talvez não possamos responder aqui, a falta de documentos necessários para um estudo mais completo sobre as Marujadas organizadas em Maceió nos impossibilita de ir mais longe nessa questão. Mesmo assim, achamos pertinente destacar uma nota publicada no jornal O Gutemberg (1909. Ed. 172, pág. 01.) a respeito da Marujada Santa Cruz: “Foi fundada no alto da Santa Cruz uma sociedade assim denominada, com o fim de executar durante as festas do Natal o brinquedo Fandango”.
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De acordo, com a professora e museóloga Carmem Lúcia (DANTAS, 2021) era muito comum que os grupos realizassem mais de uma atividade, gerando essa interessante “salada de frutas” com respeito aos nomes. A nota sobre um Fandango realizado por um grupo de Marujada denota a multifacetada veia cultural que esses mestres e brincantes tinham sobre os assuntos náuticos. É bem provável, que estas variedades de auto, ou seja, as Marujadas tenham sido substituídas pelas partes da Chegança por terem um número maior de cantigas e variedade de episódios, porém nossa argumentação não descarta as já afirmadas pelo Dr. Théo Brandão tão bem citadas aqui. Cabe-nos agora, relatar como estas se organizavam e o seu poder cultural na cidade e no interior. Em um texto publicado no Jornal O Malho de 1899 o cronista “Protogenes” relata a presença de grupos, inclusive dos “Fandangos”, há pelo menos vinte anos antes daquele ano com apresentações nos cortejos religiosos em Alagoas:
É assim que em algumas localidades centraes deste Estado, há pouco mais de 20 annos, viamos na frente das procissões ( e uma vez aqui na capital) uma coisa chamada congos, que era um grupo de pretos dansando e agitando maracás, todos de saiote e capacete, laços de fita, cothurnos de marroquin vermelho, etc… e, ja se vê, cantando lengalenga digna delles e de quem consetia em tal usança. Si o santo festejado era do sexo feminino, em vez de congos, era um outro fandango feito de pretas, com saiotes e capellas de flores artificiaes, chamando se a isso… cremos de taieira. (O MALHO, Jornal. 24 de Junho de 1899, pág. 02 Ed. 04.)
A crítica sobre a presença desses grupos em cortejos reforça o que já relatamos respaldando Astolfo Serra em seu Guia Histórico e Sentimental de São Luís do Maranhão sobre a presença de carros alegóricos e grupos em festas e cortejos religiosos. Apesar, de alguns não verem com bons olhos a presença das Marujadas ou de outros folguedos nos atos da Igreja, foram esses por sua vez que garantiram durante muito tempo o fluxo de grandes públicos ao reduto dessas festas religiosas.
A nota publicada no Gutemberg em 13 de Janeiro de 1899 informava que os Festejos dedicados a São Gonçalo em Maceió teriam a Barca da Marujada como palco para os festejos:
Começará hamanhã 1’4 do andante a animada festividade de S. Gonçalo no pittoresto alto do Jacotinga. Haverá fogos de artificio e leilão; abrilhantando a novena uma das bandas de musica que tocará na barca da Marujada, que assim servirá de oroginal palco. [...].
O primeiro registro que encontramos sobre desavenças, está publicado no Jornal O Evolucionista de 27 de Novembro de 1905 ao informar sobre uma confusão iniciada por um policial ao interromper um ensaio de Chegança:
"DESORDENS PRATICADAS POR PRAÇAS DO 33 - Hontem, á 1 hora da madrugada, uma praça de nome Ernesto, do Batalhão de Infantaria 33, praticou actos de insolencia que exigem severo castigo. Na residencia do sr.Elmodado Wanderley, no Jacutinga, estão ensaiando o brinquedo denominado “Chegança”, o referido soldado poz se a interromper a brincadeira, batendo a porta da casa, armado duma faca e em estado de embriaguez.[...]”.
A partir do início do séc. XX começaram a surgir menções sobre apresentações de Chegança nos ditos arrebaldes, hoje bairros de Maceió, bem como no interior. As referências sempre surgem quando se aproximam as festas de final do ano. Bebedouro, Jaraguá, Levada e Poço se destacam na construção de barcas para as apresentações de Cheganças, Fandangos e das Marujadas. A primeira menção que achamos sobre o auto no interior de Alagoas está publicada no Gutemberg em 12 de Dezembro de 1907:
Chegança no Norte Escrevem nos: No municipio de Santa Luzia do Norte se está ensaiando uma bem organizada chegança sob a direcção do Sr. Lucio Soares do Rego. Salienta se este brinquedo a linha e bem arranjada peça do Artilheiro. Esta diversão que composta de quarenta socios e todos escolhidos, será naquellemunicipio a nota predominante do Natal de 1907 e para isso ja se acha caprichosamente acaba sua barca com a competente fortaleza em frente commercial do Sr. João Pereira, um dos seus socios auxiliares. É de esperar que seja animadissimo o Natal deste anno naquele municipio; fazemos votos para que assim seja o termino com toda paz e harmonia
É possível que, influenciados pela vida cultural de Santa Luzia do Norte, o município de Coqueiro Seco tenha sido incentivado para a organização de seus folguedos, inclusive das duas Cheganças que se sabe terem existido, A Minas Gerais formada por homens e a Silva Jardim por mulheres. Nisso consiste, um importante espaço de empoderamento feminino pois esta teve notórias mestras que a memória popular faz questão de lembrar: Clarinda, Lila, Dulce Ferreira, Luzia Simões e atualmente Lucimar Alves da Costa. Já em Maceió, não conseguimos apurar sobre grupos de Cheganças formados por mulheres.
Oficiais da Chegança Silva Jardim, da esquerda para a direita: Anelita, Nilza Cícera, Ana e Maria do Carmo (2020), Créditos: Acervo da Chegança
Apresentação da Chegança em Coqueiro Seco (2017), Créditos: Léo Villanova.
A Chegança Silva Jardim é um auto popular de cunho folclórico que tem seu auge de apresentações no período natalino. O folguedo pertencente ao município de Coqueiro Seco localizado a 22 km de Maceió, nos últimos vinte anos vem se destacando no cenário cultural de Alagoas.
O campo mágico, lírico e folclórico da comunidade coqueirense contribui de forma direta na manutenção de um folguedo que ao longo dos seus mais de 90 anos vem sendo renovando sem perder as características que formam a brincadeira. Pelo fato do município, está localizado a beira da lagoa mundaú tem a sua história, cultura, lazer, gastronomia e economia ligada diretamente à vida lacustre.
Com isso e com o desejo de pertencimento, aflorou mais uma vez a veia investigativa de um jornalismo cultural que quer encontrar meios que ajudem na salvaguarda, no protagonismo e no reconhecimento da importante passagem dessa gloriosa tripulação pelos mares do bem imaterial alagoano. Atualmente, a Chegança tem 40 brincantes e passa pelo processo de salvaguarda municipal com o apoio da gestão pública local.
De acordo com a gestora municipal de cultura, Josefa Ferreira Rodrigues, todo o processo de salvaguarda se deu a partir da tomada de posse da atual gestão em 2017:
“O processo de salvaguarda da Chegança Silva Jardim foi iniciado quando a atual gestão do município tomou posse em 2017. Naquela oportunidade, abraçamos juntamente com a prefeita Decele os nossos mestres da Chegança. Ali já tínhamos dois mestres do Patrimônio Vivo de Alagoas, o nosso Zé Um e em memória, D. Luzia Simões. No mesmo ano, inscrevemos a mestra Lucimar Alves no edital do RPV, mas, só em 2018 que o reconhecimento chegou. Com essa conquista veio uma série de outros incentivos para manter viva a Chegança Silva Jardim em Coqueiro Seco”.
Em 2018, com a mestra Lucimar Alves da Costa, tornando-se Patrimônio Vivo de Alagoas diversas atividades foram sendo intensificadas a partir da gestão pública municipal. Apresentações em inúmeros eventos dentro e fora do estado, cursos, oficinas de repasse, gravação de reportagens, documentários e curtas ajudaram na promoção da identidade local. A Chegança Silva Jardim foi reativada em novembro de 2001 graças ao esforço das mestras Luzia Simões (in memorian) e Lucimar Alves na 1ª Gincana Folclórica da Escola Municipal Paulo Soares de Albuquerque, é hoje o maior símbolo desta tipologia de folguedo em Alagoas, se valendo de ter seu enredo preservado sem nenhuma alteração nos últimos 80 anos.
De acordo com a mestra Dulce Ferreira, não se tem data precisa sobre a fundação da Chegança Silva Jardim, o que se sabe é através da oralidade popular que desde 1930 o folguedo está presente no município:
“Eu comecei a brincar na Chegança aos quatorze anos, quando a D. Lila era responsável, depois veio D. Clarinda. Nessa época o grupo já era formado por mulheres e existia já em 1930, há bastante tempo. Tinha também a Chegança dos homens comandada pelo Antônio Vicente. Foi na Chegança da Clarinda que passei a ser contramestre e depois dei continuidade ao grupo como mestra”.
Respaldando a fala de D. Dulce, a mestra Lucimar Alves reforçou a fala sobre o surgimento da Chegança Silva Jardim e a falta de registro:
“Antigamente o folclore não tinha a importância que tem hoje, quase não se falava sobre o assunto, a brincadeira acontecia pela vontade do povo. Porque o nosso povo é festeiro, mas não se havia interesse por parte da imprensa nem de estudiosos em registrar. Sem falar que, quando a Silva Jardim surgiu Coqueiro Seco era apenas uma pequena povoação”.
Coqueiro Seco, tem suas brincadeiras populares tão antigas quanto a majestosa matriz do séc. XVII dedicada a Nossa Senhora Mãe dos Homens. O povoado que se tornou cidade em 1962 tem atualmente um dos maiores redutos de cultura popular e tradicional do estado. Folguedos como a Chegança, Pastoris, Baianas, Cavalhada, Coco, Quadrilhas, Taieira, Dança da Fita, Bumba meu Boi e os blocos de carnaval podem ser apreciados em períodos de festa. Se depender da animação dos atuais brincantes, logo poderemos ver nas ruas a volta de outros folguedos que no passado fizeram sucesso como o Guerreiro, Dança Portuguesa e a Mazurca.
Como bem citou Josefa F. Rodrigues, as ações de salvaguarda para a Chegança afetam diretamente os outros folguedos e grupos locais, isso vem sendo destaque na pauta dos planejamentos no município. Grupos populares, artistas solos, artesãos e a filarmônica da cidade nos últimos cinco anos vêm tendo atenção direta da gestão que se preocupa com a identidade cultural dos habitantes de Coqueiro Seco.
Essa salvaguarda abrange desde a brincadeira até os bens do patrimônio material, como o caso do restauro da Matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens que em 2022 teve a sua etapa final concluída.
Outro fator importante para o processo de organização e salvaguarda do grupo se deu por meio da publicação e participação dos fazedores de cultura nos editais propostos em âmbito municipal, estadual e federal. A concretização, no recebimento de recursos públicos deu amplitude na reforma de trajes, aquisição de equipamentos, instrumentos musicais, gravação de cd’s e na participação de documentários.
Os editais e outros certames públicos, ajudam decisivamente na preservação do folguedo, outro meio eficaz, que pode favorecer a promoção e organização do grupo se dá via lei municipal e estadual de incentivo à cultura, na qual empresas e patrocinadores privados podem contribuir com as atividades de promoção à identidade local destinando recursos
Apresentação da Chegança em Pão de Açúcar (2019), Créditos: Acervo da Chegança
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Capítulo 6
LEI Nº 743 - DO
Em 2021, o Fórum Permanente de Cultura Popular e do Artesanato Alagoano (FOCUARTE) abriu solenemente o ano jubilar da Chegança Silva Jardim, propondo ao longo de dez meses rodas de conversas, curso, encontros formativos, lives celebrativas, entrevistas e outras atividades que apresentaram a todo o estado a importância da valorização do folguedo, fomentando o diálogo com os mais de 300 fazedores de cultura. O FOCUARTE que é uma instância de mobilização de profissionais da Cultura Popular e do Artesanato Alagoano têm sido atualmente o maior difusor sobre a salvaguarda dessas manifestações.
Além disso, promove atividades que fomentam a discussão sobre o assunto no estado, visibilidade para mestres, brincantes, artesãos e conquistou um amplo espaço apresentando os verdadeiros fazedores como protagonistas. As celebrações alusivas foram encerradas com a apresentação da proposta da Lei do Registro do Patrimônio Vivo Municipal.
A realização da 5ª Assembleia Geral Ordinária do FOCUARTE em Coqueiro Seco (Novembro de 2021) consagrou a oficialização do PL e incentivou a gestão pública a ter outras iniciativas parecidas.
Além do RPV, a prefeita Decele Dâmaso assinou o PL de proteção a Filarmônica Municipal Profº Francisco de Carvalho Pedrosa, criou a Medalha Mérito Cultural Ano Jubilar que na sua edição especial homenageou 30 personalidades da cultura alagoana e a Lei Municipal do Registro do Patrimônio Vivo, tudo isso dentro de um período de 11 meses.
Aqui iremos destacar a Lei do Patrimônio Vivo, de autoria do FOCUARTE, que foi apresentada ao município e em tempo recorde houve a aprovação dessa seguridade para os fazedores da cultura popular e de outros segmentos artísticos.
A Lei do Patrimônio Vivo é um instrumento legal presente já em vários estados brasileiros que além de declarar o reconhecimento de mestres e grupos populares, oferece um incentivo financeiro para custear a manutenção dessas técnicas e formas de brincar do nosso povo.
Em Alagoas, o RPV existia apenas em âmbito estadual. Contudo, após a campanha que vem sendo realizada pelo FOCUARTE, (enquanto fazíamos a conclusão desse artigo, cinco municípios já tinham dado entrada no processo para a sanção). Esse fomento garante a melhoria de vida de muitos mestres que vivem em situação de pobreza, além de garantir a continuidade das tradições populares.
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Muito mais que o fomento, é preciso destacar que esse incentivo vitalício dá o sustento a muitas famílias gerando renda e fazendo a economia da cultura girar. Voltando nossos olhos para Coqueiro Seco, a lei nº 743 foi promulgada em 18 de novembro de 2021, em 2022 será aberto o primeiro certame que selecionará os cinco primeiros patrimônios vivos. O Registro do RPV, declara o fazedor de cultura, conforme consta no texto promulgado:
Artigo 1° - Parágrafo único: Será considerado, para os fins desta Lei, como Patrimônio Vivo do Município de Coqueiro Seco/AL, apto, na forma prevista nesta Lei, a ser inscrito no RPV, a pessoa natural ou grupo de pessoas naturais, dotado ou não de personalidade jurídica, que detenha os conhecimentos ou as técnicas necessárias para a produção e para a preservação de aspectos da cultura tradicional ou popular do Município de Coqueiro Seco/AL.
A Lei, declara e garante um subsídio mensal aos reconhecidos pela administração pública após o certame que é realizado seguindo os trâmites legais. O texto, também apresenta os requisitos que dão ao indivíduo o direito de participação no processo, seus deveres e quais motivos podem fazer com que ele perca a inscrição, ou se porventura, após declaração, venha a perder o direito de ser Patrimônio Vivo.
Outro dado importante, está no artigo 7º da Lei do Patrimônio que orienta as organizações legítimas que podem provocar a instauração do processo de registro no RPV. Por fim, essa lei vai aos poucos conseguindo dignificar e tirar do anonimato mestres, brincantes, artesãos, artistas visuais, músicos, circenses, artistas cênicos e de outras expressões culturais atribuindo a este notório valor e profícua realização de suas habilidades e brincadeiras que na maioria das vezes foram herdadas por meio da oralidade popular.
Apresentação para o Projeto Caminhos de Alagoas (2012), Créditos: Caminhos de Alagoas.
Capítulo 7
A Chegança Silva Jardim é atualmente comandada por dois Mestres reconhecidos e registrados no livro do patrimônio vivo de Alagoas (RPV), Lucimar Alves da Costa e José Gomes Pureza - Zé Um. Este folguedo teve uma importante Mestra que conduziu por longos anos as brincadeiras do município, a Mestra Luzia Simões (In memoriam) que deixou um legado incalculável para a cultura do estado.
Não se tem data precisa de sua fundação, mais sabe-se que no mínimo há 90 anos a Chegança vem animando o os momentos de festa da charmosa cidade à beira da Lagoa mundaú. De acordo com a Mestra Lucimar, a Chegança sempre existiu na cidade, muito antes mesmo do seu nascimento. “Aqui sempre existiu chegança, pastoris, cocos e baianas, antes mesmo de eu nascer esses grupos já brincavam por aqui, nosso Mestre Zé Um quando criança dançou na Chegança do seu Antônio Vicente, ele era de Maceió e vinha ensaiar Chegança aqui. Quando Coqueiro virou munícipio as coisas da cultura popular já embalavam há bastante tempo a cidade”, disse.
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O Grupo foi reativado em 21 de Novembro de 2001, fruto da 1ª Gincana Folclórica de Coqueiro Seco realizada em 2000 na Escola Municipal Paulo Soares de Albuquerque sob a coordenação das Mestras Lucimar e Luzia, “Foram 12 grupos temáticos, na escola haviam 12 turmas, cada turma ficou com um grupo folclórico, foi muito belo aquele momento. No ano seguinte, em 2001, nós lançamos a ideia de resgatar pelo menos a Chegança e o pastoril, e nós conseguimos, iniciando as atividades em 21 Novembro daquele ano e não paramos mais”, lembrou. Outro fato curioso que denota o grupo é o seu nome, de onde veio o “Silva Jardim”? Um nome bastante atípico para as Cheganças da nossa região. Em Maceió houve Cheganças conhecidas por Minas Gerais, São Paulo, Recife, Bom Jesus dos Navegantes, etc.
“A Chegança do Antônio Vicente se chamava Minas Gerais, no mesmo período, D. Lila já organizava uma Chegança feminina, depois vinheram Durce, Luzia, o seu Pedro e o grande Orlando Ferreira de Araújo. Depois de um tempo o seu Orlando passou a ensaiar Chegança incentivado por D. Luzia e D. Dulce que também dançaram com o Zé Um nestas duas Cheganças que citei. Quando reativamos o grupo continuamos com o mesmo nome do passado – Chegança Silva Jardim”, relatou Lucimar.
Pintura representando Antônio da Silva Jardim, Créditos: Internet
Descobrimos numa recente pesquisa a vida fabulosa e rápida de Antônio da Silva Jardim, nascido em 18 de Agosto de 1860 no antigo município de Capivari, hoje em sua homenagem, Silva Jardim no Rio de Janeiro. Antônio foi um advogado, jornalista e ativista político brasileiro, formado na Faculdade de Direito de São Paulo.
Teve grande atuação nos movimentos abolicionistas e republicano. Faleceu em 01 de Julho de 1891 aos 30 anos de idade. Sem termos certeza da possível ligação entre os nomes, a coincidência é de qualquer forma uma justíssima homenagem daqueles que no passado foram brincantes a um defensor do fim da escravidão e incentivador da democracia.
Graças ao dom extraordinário da saudosa Luzia Simões e hoje continuada pela Mestra Lucimar Alves, Coqueiro Seco tem um dos maiores polos culturais do estado, com folguedos dos mais variados gostos e ritmos, é em toda a sua essência um grande pilar da nossa cultura popular.
Não podemos fechar esta sede sem que façamos mais uma justa homenagem a personalidades que marcaram e graças aos esforços de cada um, hoje pudemos conhecer sua história e também cair nos embalos do remado e das machas desta querida Chegança, orgulho de todos os alagoanos.
Luzia Simões da Silva, nasceu às 14h30 do dia 13 de Dezembro de 1933 em Coqueiro Seco. Filha de pescador, não fugiu das tradições daquele lugar. Mesmo sem ter o incentivo dos pais ingressou na Chegança aos 19 anos de idade apresentando a parte do Mouro e de Contramestre, aprendeu com D. Durce os segredos da cultura popular. Ao se casar, precisou se afastar das brincadeiras para cuidar dos filhos. Em 1980 reativou o grupo que já havia passado por Pedro da Empresa e Orlando Ferreira, se uniu a Lucimar e reorganizaram mais uma vez na década de 1990 e por fim, em 2001. Tornou-se Patrimônio Vivo de Alagoas em 2005 como mestra de Chegança, Baiana e Pastoril. D. Luzia faleceu no dia 03 de Fevereiro de 2010.
Orlando Ferreira de Araújo
Orlando, foi tio de Durce e era um apaixonado pela Chegança. Anualmente, no período natalino organizava as festas para a apresentação dos folguedos típicos do lugar.
As poucas informações que conseguimos obter foi que seu Pedro era um apaixonado pelas brincadeiras e como o seu Orlando, organizava as festas para a apresentação dos grupos populares.
Pouco se sabe sobre a história de Antônio Vicente, os relatos orais nos identificaram que corriqueiramente vinha a Coqueiro Seco para ensaiar uma Chegança masculina chamada "Minas Gerais" na década de 1930, depois passou a ensaiar também com a Silva Jardim. Antônio Vicente, foi mestre de Chegança do bairro do Vergel do Lago em Maceió, onde residia.
D. Durce nasceu no 25 de Maio de 1933, em Coqueiro Seco. Iniciou na brincadeira em 1949 com D. Lila anos antes de D. Luzia, brincou de guarda marinho com Antônio Vicente e na década de 1960, continuou no grupo que já estava sendo organizado por seu tio Orlando Ferreira que fazia a barca para a Chegança e o palanque para o Pastoril e Baiana, brincou também como piloto com Pedro da Empresa.
Além da Chegança, chegou a ensaiar três grupos de Baianas e uns outros de Pastoril. D. Durce, atualmente já aposentada com quase 90 anos, ainda guarda na memória as jornadas e as cantorias que preenchem o coração e a fazem viajar nas recordações ultrapassando as barreiras do tempo e espaço. Vale ressaltar, sobre a sua veia religiosa participando ativamente das Associações Religiosas da Matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens e contribuindo de forma direta com os objetivos do evangelho cristão em solo coqueirense.
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a pequena notável
Lucimar Alves da Costa
Nasceu no dia 04 de Maio de 1949. Professora aposentada, herdou de Dona Luzia Simões (in memorian) a batuta de dar continuidade as brincadeiras já centenárias da singela cidade de Coqueiro Seco. Ela é Mestra reconhecida pelo Registro do Patrimônio Vivo de Alagoas (RPV) desde 2018, um incentivo ofertado pelo Governo do Estado aos Mestres da Cultura Popular, sendo reconhecida com as seguintes modalidades: Chegança, Pastoril e Baiana.
A pequena senhora que não chega à 1.70m é destemida, autêntica e feliz, nos seus olhos o mar do imaginário popular é campo de batalha para os mais de “mil marinheiros” enfrentarem o perigo e a tentação, a rezinga e a luta entre mouros e cristãos.
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Mestre Zé Um
Foi ainda na infância, que José Gomes Pureza (Zé Um), se encantou pelo folguedo. Seu pai, o tio e uns amigos da família já embalavam a Chegança na Cidade quando resolveu cair na folia. No primeiro momento, se trajou de "Padre" encenando os trechos de um religioso em alto mar. Depois, a paixão pelo trinitá do pandeiro o arrebatou de vez tornando-se um mestre autodidata em marchas, remados e tangos, ritmos fundamentais da Chegança.
Atualmente o mestre Zé Um, é o único mestre pandeirista reconhecido Patrimônio Vivo de Alagoas, ajuda a mestra Lucimar Alves a manter a brincadeira e os marinheiros em "ordem de batalha", prontos para enfrentar os perigos do mar ao som do seu contagiante pandeiro. Como bom mestre que é, já tem dois importantes seguidores que trazem na batida do pandeiro a referência de quem os ensinou.
Jaminho e o popular "Dj", são dois jovens que trazem no fulgor das mãos a certeza da continuidade da brincadeira. Quando estão se apresentando, não conseguimos distinguir quem são, o amor pela Chegança os transformam em uma só pessoa, uma só batida.
Por conseguinte, compreendemos que a Lei do Patrimônio Vivo chegou para garantir a sustentabilidade do grupo, ajudando decisivamente na manutenção dos fazeres e saberes da população coqueirense. Dessa forma, vimos aqui uma importante ferramenta que ainda produzirá muitos frutos para a comunidade, gerando renda e produção da cultura local. Outro fator fundamental é a presença do FOCUARTE nesses municípios, pois o fomento e a valorização que este movimento traz reintegram os agentes culturais na crista do momento, colocando-os como sujeitos protagonistas e guardiões da cultura popular tradicional e não apenas como agentes espectadores.
A Chegança Silva Jardim é a prova da importância que essas brincadeiras têm em suas comunidades, ajuda diretamente na produção de consciências sociais e isso favorece o espaço sócio-político-cultural da cidade e região. É comum vermos brincantes que ora estão nos ensaios, ora dando aula nas escolas municipais ou nos momentos de decisão junto ao governo local. Aguardamos que os outros grupos da cultura popular tradicional tomem de vez seu espaço de produção, fomento, protagonismo e valor na sociedade, promovendo os sentimentos mais belos de identidade e louvor.
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Logomarca da Chegança Silva Jardim, Autor: João Lemos