Entrevistas m magazine

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PERFIL FALADO

SOFIA ESCOBAR

É uma história clássica: a miúda que tem o sonho de ser actriz e troca o conforto da casa dos pais, num meio pequeno (Portugal, neste caso), pelo desafio da cidade grande, onde arranja um “part-time” a servir à mesa para pagar a renda enquanto o sucesso não bate à porta. Todavia, o caso de Sofia Escobar é tudo menos um cliché: chegada a Londres, passou as provas de acesso de uma das mais reputadas escolas de música e teatro do Reino Unido, ganhou uma bolsa para pagar as avultadas propinas e, passados dois anos, conseguiu um lugar de destaque num grande musical do West End londrino. Tudo à primeira tentativa.

TINHA 13 ANOS QUANDO O PAI A PÔSNUMGRUPO DE TEATRO PARA PERDER A TIMIDEZ. FOI AÍ QUE TUDO COMEÇOU.

Quando terminou o curso do Conservatório de Música do Porto, em 2005, Sofia enfrentava um dilema: ser actriz ou cantora? «Sempre que fazia teatro sentia falta da música, sempre que fazia só música sentia falta do teatro. E em Portugal sempre senti que tinha de optar entre uma coisa e outra.» Pesquisou, aconselhou-se junto dos professores e concluiu que o melhor seria rumar a Inglaterra. Tinha 23 anos, um sonho muito ambicioso – tão ambicioso que se chegou a questionar se não seria mais sensato tirar um curso com melhores perspectivas de emprego e enveredar por uma «vida normal» – e uma rara combinação de talento e determinação. Não tinha pais ricos mas tinha uns ricos pais, que desde o primeiro minuto a apoiaram. «Sempre viram que tinha potencial e, acima de tudo, que era aquilo que me iria fazer feliz.» Mesmo que a sua felicidade implicasse um empréstimo para cobrir despesas de alojamento e do curso. Ao prestar provas na Guildhall School of Music and Drama não só garantiu um lugar na prestigiosa academia londrina – por onde passaram Orlando Bloom, Daniel Craig e Ewan McGreggor, por exemplo –, como acabou por obter uma preciosa bolsa de estudo, que a aliviou das quatro mil libras anuais de propinas (cerca de seis mil euros). Para compor o seu orçamento mensal, arranjou emprego num restaurante, a servir às mesas por cinco libras à hora. Entrava ao serviço depois das aulas e por lá se aguentava até altas horas da noite – não raras vezes, duas da manhã –, levantando-se às sete da manhã seguinte para mais uma jornada. «Foram tempos difíceis e não tenho grandes saudades. Mas sabia que ia valer a pena.» Entretanto, viu um anúncio no jornal – e nada voltou a ser como era. O regulamento da Guildhall é claro: os alunos só podem prestar provas para trabalhos depois de concluído o terceiro ano do curso ou com uma autorização especial da instituição. «É a reputação da escola que está em jogo e eles vivem disso.» No entanto, apesar do seu ar de menina inocente, Sofia mandou a regra às urtigas quando viu anunciada no jornal a abertura de audições para o papel principal do musical de Andrew Lloyd Webber “O Fantasma da Ópera”. «Não é uma coisa que aconteça todos os anos!», conta, entusiasmada. Resolveu tentar, em segredo, mais pela experiência do que pelo resultado – até porque não acreditava ter grandes hipóteses. Puro engano. O processo de selecção foi longo e doloroso, com quase uma dezena de audições ao longo de oito ansiosos meses. «Sempre que me ligavam a dizer “O júri gostou muito de a ouvir, volte cá daqui a três semanas para cantar ‘isto’ e ‘aquilo’”, eu só pensava “Decidam-se lá de uma vez!”.» E decidiram: no meio de duas mil candidatas, Sofia foi a escolhida para o lugar. Em apenas dois anos na capital inglesa, chegava à «primeira liga» mundial do teatro musical. O curso ficava a meio, mas após o percurso da actriz/cantora nos anos que se seguiram, a escola concedeu-lhe o diploma de mérito. Os estudos, esses nunca terminaram: «Não se pode parar nunca, continuo a ter aulas particulares. Tenho de investir na minha formação.» Em “O Fantasma da Ópera” coube-lhe 22.magazine

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a responsabilidade de vestir a pele de Christine Daaé – a jovem por quem Erik, o dito fantasma, se apaixona – sempre que a actriz principal estivesse ausente. Nas restantes noites, integrava o “ensemble” de actores secundários. Um mês após a estreia no Her Majesty’s Theatre, com as férias da colega, chega a altura de ser Christine. «A pressão era muita, mas foi mais a alegria de fazer aquele papel no West End, o entusiasmo de “Finalmente consegui!”, do que nervosismo propriamente dito.» Depois dos aplausos, das vénias, da ovação de pé, depois de limpa a maquilhagem e arrumado o aparatoso figurino de Christine, saiu pela porta pequena e apanhou o autocarro para casa. Concretizado o sonho de menina, Sofia voltava à realidade. Foi em Guimarães, cidade onde nasceu, que descobriu a paixão pelo mundo do espectáculo. Tinha 13 anos e era pouco dada a conversas. O pai, convencido de que o teatro poderia ser bom para ajudá-la a lidar com a timidez, inscreve-a no Círculo das Artes e Recreio de Guimarães. Estreou-se no palco com o papel principal da “Farsa de Inês Pereira”, de Gil Vicente. Amor à primeira vista. Passou depois pelo Teatro Oficina e, em simultâneo, pela Academia Valentim Moreira de Sá, onde começou os estudos musicais. Com o ensino secundário terminado, e já com a perfeita noção de que era em cima do palco que se sentia realmente bem, decidiu prosseguir a formação artística, no Conservatório de Música do Porto. Pelo meio, cantava em casamentos, onde além de ganhar o seu próprio dinheiro se divertia imenso. A timidez, essa nunca a perdeu por completo. «Se estiver no palco e tiver uma personagem, é diferente, mas ser eu mesma…» A frase fica em suspenso, por entre um sorriso discreto e um tímido rolar de olhos. Sofia voltou a ser Christine em 2010, desta vez como intérprete principal. Entre a ida e o regresso, foi Maria, protagonista de outro clássico do West End, “West Side Story”. Nem chegou a terminar o primeiro contrato com “O Fantasma da Ópera”. «Viram-me a fazer de Christine e negociaram

com o Her Majesty’s Theatre para eu poder sair dois meses mais cedo.» Seguiu-se ano e meio de digressão (primeiro pelo Reino Unido, depois França, Itália e Malásia), com oito espectáculos por semana e uma nova cidade a cada 15 dias. O ritmo de trabalho era de tal forma consumidor que, a dada altura, já respondia mais pelo nome Maria do que por Sofia. No entanto, foi muito compensador: a crítica teceu-lhe rasgados elogios; o público elegeu-a “Melhor Actriz em Musical” na votação “online” “Theatregoers’ Choice Awards” promovida pelo portal Whatsonstage.com; e foi o único membro do elenco de “West Side Story” com uma nomeação para os prestigiados prémios Laurence Olivier (o equivalente britânico dos “Tony Awards”), cuja lista de vencedores inclui Judi Dench, Kevin Spacey e Ian McKellen. «Tenho recordações incríveis, mas foi um ano e meio muito cansativo.» Mal acabou a digressão, convidaram-na para outra, a de “Os Miseráveis” (que viria a incluir no seu elenco outra actriz portuguesa, Madalena Alberto), mas recusa de imediato. «A última coisa que me apetecia era pegar outra vez na mala e andar por aí às voltas.» Por opção própria, ficou uns tempos parada, aproveitando para fazer uma participação especial na série juvenil “Morangos com Açúcar”, pelo desafio de experimentar a televisão. A pausa não dura muito: passados três meses, voltava ao Her Majesty’s Theatre, com os ensaios para a sua segunda encarnação de Christine, que durará até Setembro de 2012. Depois disso, outros desafios virão: «Nunca se sabe o que vem a seguir e é uma sorte saber que tenho trabalho até 2012. Mas não sei se assinaria um terceiro contrato – ficar no mesmo papel é quase como ficar dentro de uma caixa, as pessoas depois olham para mim e só conseguem ver aquela personagem.» Até porque Sofia ainda tem uns quantos sonhos por realizar: «Clássicos do teatro musical, como “Música no Coração”, “My Fair Lady”, “Os Miseráveis”, “Miss Saigon”, “Bombay Dreams”, etc.» Há muito caminho para trilhar. E, como facilmente se percebe, são os sonhos que a movem. l

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