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Carlos Canhameiro

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a gente sempre acha que é Fernando Pessoa ANA CRISTINA CÉSAR

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aos vermes que roem as dedicatórias

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as palavras não têm sinônimos elas têm fantasias

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Antimetáfora Para o desejo do meu coração o mar é uma gota. ADÉLIA PRADO

de vez em quando o diabo me rouba a poesia agradeço a visceral preguiça

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de ver na pedra a pedra que vejo

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(Um homem se contempla sem amor, se despe sem qualquer curiosidade.) CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

primeiro as crianças e as mulheres os homens que naufraguem

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não há quem deles sentirá qualquer falta

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as pessoas me dizem você não mudou nada às vezes como elogio outras como repreensão quando nunca como nada conversa fiada como não mudei cazzo tenho barba para contrariar minha criança no espelho tenho ódio novo rancores cultivados com carinho amores nos cabelos brancos paciência caudalosa quando antes só grassava a seca sou o próprio caminhão da Granero

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por fora o mesmo já o que levo dentro é só mudança

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há que se arrumar o país ou o estado o bairro a cidade a praça pessoal fica gritando você precisa arrumar um namorado um filho um gato arrume tempo para os amigos ver um filme mudar o mundo ou viajar [dá na mesma arruma a gravata a calcinha enfiada as bolas emprego eu só no desespero de nunca conseguir [nem ao menos manter a minha casa arrumada

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mandaram avisar no rodapé do jornal visto que a notícia a ninguém importava afinal a quem interessa que uma tal fulana ou Luísa Porto tenha sido encontrada viva isso viva de vida drummondiana-dada passa bem

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ao contrário do mundo que continua perdido e sem nenhuma poesia no seu encalço

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nem todo poema é sobre você mesmo

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este por exemplo é sobre você mesmo

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Algum instrumento as lágrimas são feitas de músicas que ouvimos quando jovens deslizam melódicas fracassadas os fracassos são vitórias aos pedaços [irreconhecíveis não poderia ser diferente o veneno da cobra só o prova quem a beija quem se aproxima o suficiente ou anda descuidado talvez seja esse o sentido de morrer pela boca

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o vapor visível de uma xícara de chá numa segunda-feira mórbida plúmbea e derrotada não há beleza maior a boca saliva toda a tristeza que hibisco nenhum dá conta ainda assim a infusão é quente e desce viva como as lágrimas [musicais

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não se ouvem mais as crianças a brincar com as crianças será esse o silêncio do fim dos tempos o sol nasce contra a gestação da noite e a amarelinha segue desenhada na calçada o céu e o inferno clamam pelos pequenos pés descalços uma pedrinha descansa sobre o número oito

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há mesmo quem diga as palavras ferem como espadas

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esquecem o sangue das espadas se pode limpar

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a história que sobreviveu até hoje diz que ela gargalhava estridente e convicta quando a lâmina deslizou [2,3 m 7 kg numa velocidade final de 24 km/h nem o próprio carrasco ouviu o golpe só a infame gargalhada que durou mesmo depois do corpo liberto da cabeça

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quem escutou Anne rir [ antes e depois da morte] dizem nunca mais descansou em paz

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[nenhuma ação substitui o discurso]

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joão é preciso repetir até os desertos chorarem que todos iremos morrer maria todos sabem joão você sabe maria sou parte do todo joão todos dizem ser parte do todo ao mesmo tempo que só os outros morrem É morrer que nos fará únicos maria um bando de cadáveres únicos joão exato Um bando de mortos que souberam levar a vida maria você quer uma segunda chance joão não precisamos disso

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fazer um café só por causa do cheiro o fim das histórias de amor só por causa das lágrimas varrer o pó para suar ao sol fotografias por causa dos lapsos não somos nem ao menos a lembrança dos nossos anseios

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esqueça errar é também um caminho

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