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A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES C e l so Ma n gu cci , A ntó n i o C a n d e i a s , Lu í s Pior ro



Ficha Técnica Título: A Redescoberta das Pinturas de Francisco Lopes Mendes Autores: Celso Mangucci, António Candeias, Luis Piorro Editor: Santa Casa da Misericórdia de Évora Grafismo e Paginação: Zero Graus ISBN: ???

Biografias CELSO MANGUCCI | Historiador de Arte, prepara actualmente a sua tese de doutoramento sobre a azulejaria Barroca dos colégios jesuítas, como bolseiro da Fundação para a Ciência e Tecnologia. É investigador convidado do Centro de História da Arte e Investigação Artística (CHAIA) da Universidade de Évora. Email: cmangucci@gmail.com ANTÓNIO CANDEIAS | Professor do Departamento de Química da Universidade de Évora, Director do Laboratório de Conservação e Restauro José de Figueiredo e Director do Laboratório HERCULES, combina a docência com o trabalho de investigação sobre todos os tipos de materiais utilizados na realização das obras de arte. Email: candeias@uevora.pt LUÍS PIORRO | Fotógrafo de obras de arte do Instituto José de Figueiredo (DGPC), é especialista na execução e interpretação de imagética para o estudo e processo de intervenção do património, onde se incluem a radiografia, a fotografia e reflectografia de infravermelho, a fotografia de ultravioleta e da fluorescência de ultravioleta, a fotografia com luz monocromática de sódio e a betagrafia. Email: lpiorro@gmail.com


01. O Projeto de Investigação



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A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

01. O PROJETO DE INVESTIGAÇÃO No âmbito da campanha de conservação e restauro do edifício e do património artístico integrado da igreja da Misericórdia de Évora, o Laboratório HERCULES, em colaboração com o laboratório José de Figueiredo, realizou as radiografias de cinco grandes telas da nave da Igreja, atribuídas ao pintor eborense Francisco Lopes Mendes, que foram repintadas em 1737. A aquisição das radiografias realizou-se com uma ampola de raios X de marca Yxlon, modelo SMART 160e/0.4, com captura digital com placas de fósforo Dürr NDT 35/43 e leitura numa unidade de digitalização Scan Dürr NDT CR 35 SEC. As radiografias finais de cada pintura resultaram da montagem de XX radiografias utilizando o software Photoshop. Esse projecto de investigação, além de fazer parte da intervenção de recuperação de uma parte importante do património artístico eborense do século XVIII, permitiu agora reavaliar a obra do pintor, activo na cidade, entre os anos de 1685 e 1721. Possibilitou, também, reconstituir a totalidade do

programa iconográfico da igreja da Misericórdia de Évora e assim compreender melhor os objectivos da campanha de reorganização do espaço interno, que ocorreu entre os anos de 1710 e 1716, com a encomenda do grandioso retábulo, das mencionadas pinturas e dos azulejos da oficina de António de Oliveira Bernardes, sob a supervisão do arcebispo de Évora, D. Simão da Gama.1 Embora seja um pouco surpreendente, se se pensar que o douramento do grande retábulo e das molduras da nave ficou concluído apenas em 1730, as primeiras alterações importantes a essa campanha decorativa ocorreram passados poucos anos, e sem motivo forçoso identificável, como, por exemplo, a ocorrência de um incêndio. Facto é que, em reunião realizada em 20 de Maio em 1737, a direcção da confraria decidiu mandar repintar os três quadros da moldura superior da parede lateral à capela do Santo Cristo.2 Essa campanha, assinada pelo pintor José Xavier, é passível de ser confirmada por verbas pagas e registadas nos livros de contas. No mês de junho, pelo primeiro quadro, o pintor recebeu 14.400 réis,3 pelo segundo, duas parcelas iguais de 7.200 réis,4 e pelo terceiro, em setembro, recebeu também duas parcelas, com o mesmo valor total.5 Sem que haja registo de uma nova decisão, a direcção

Para a história da intervenção no interior da Igreja da Misericórdia de Évora veja-se Celso Mangucci – “Francisco da Silva, Francisco Lopes Mendes e

1

António de Oliveira Bernardes na Igreja da Misericórdia de Évora” in Cenáculo, Boletim on-line do Museu de Évora, Setembro de 2008, número 3, pp.118. “[20 de Mayo de 1737] Detreminou-çe se mandarem pintar de novo os tres quadros que estão da parte da Capela do Santo Chrysto.” Arquivo Distrital

2

de Évora (ADE), Arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Évora (ASCME), Lembranças das mezas que começou em 1728 athe 1739, registo número 27, fólio 210v. 3

“Pintor. Despesa com a pintura de hum quadro da igreja, 14$400.” ADE, ASCME, Livro das despesas dos mordomos dos meses Novembro de 1733 -

1739, registo 1137, fólio 147. “Pintor. Despesa com o pintor por conta do 2º quadro da igreja, 7$200”. ADE, ASCME, Livro das despesas dos mordomos dos meses Novembro de 1733

4

- 1739, registo 1137, fólio 148v.1 “Pintor. Despesa com o pintor por conta dos quadros da igreja 6$400” e “Pintor. Despesa com o pintor de resto do 3º quadro 8$000.” ADE, ASCME,

5

Livro das despesas dos mordomos dos meses Novembro de 1733 - 1739, registo 1137, fólio 159.


A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

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da Irmandade decidiu continuar a renovação, e o pintor José Xavier recebeu, em outubro de 1737, uma última verba, 21.600 réis, como pagamento final da pintura de cinco painéis da igreja.6 Assim, de maneira invulgar, o conjunto das sete Obras de Misericórdia Corporais da Igreja da Misericórdia de Évora, como o conhecemos agora, ficou constituído pelas duas telas de Francisco Lopes Mendes, realizadas em 1716, e pelas cinco de José Xavier, entre as quais a com a representação da obra de misericórdia corporal Remir os cativos, datada e assinada de 1737. Como houve um espaço muito curto entre as duas campanhas - apenas duas décadas separam as duas encomendas -, e como as telas foram realizadas uma por uma, repetindo os temas originais, havia a forte possibilidade de José Xavier ter reaproveitado as telas de Francisco Lopes. Com

efeito,

mesmo

antes

da

realização

das

radiografias, era possível notar que uma pequena faixa na margem superior que não tinha sido repintada, indicava a presença das pinturas originais de Lopes Mendes em várias telas.

Figura 1 - Detalhe da sobreposição de pinturas. Remir os captivos. José Xavier, 1737. Zero Graus.

“Pintor. Despesa com o pintor José Xavier pello resto que se lhe devia, dos 5 paineis da Igreja, 21$600.” ADE, ASCME, Livro das despesas dos

6

mordomos dos meses Novembro de 1733 - 1739, registo 1137, fólio 163.


02. Dados Biogrรกficos e Precurso de Francisco Lopes Mendes


A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

02. DADOS BIOGRÁFICOS E PRECURSO DE FRANCISCO LOPES MENDES Francisco Lopes Mendes, como muitos outros pintores radicados em mercados relativamente modestos, tem por obrigação de sobrevivência realizar um percurso profissional marcado por uma enorme versatilidade. A sua longa carreira de mais de cinco décadas acentuou esse perfil e o pintor executou douramentos, pinturas decorativas sobre madeira, pinturas murais, pinturas de tectos e pinturas a óleo, seja para uma clientela eclesiástica, seja para a nobreza residente na cidade, seja em encomendas com um programa determinado, seja em produções avulsas para um mercado indiferenciado. Francisco Lopes Mendes era filho de Manuel Lopes, um mestre sapateiro do Sabugal, onde nasceu e de onde foi trazido pelo pai, ainda menino, para Évora, nos meados do século XVII, certamente como consequência das Guerras da Restauração.7

9

Em 1 de 8bro de 685 foi aseito por irmão Francisco Lopes Mendes, e ouve juramento de guardar o compromiço de mão do ilustríssimo senhor provedor e assim de obrigou de que f iz esse termo que assiney. [assinaturas] Frey Domingos Arcebispo Provedor, Cristovão Jacome da Fonseca da Cruz, Francisco Lopes Mendes. 8 No desempenho de pequenas campanhas decorativas, é possível que tenha realizado as pinturas decorativas do túmulo para a exposição do Cristo Morto para a Misericórdia de Moura, em 1690.9 Nesse mesmo ano, na companhia de Diogo Rodrigues Pinto, Francisco Lopes Mendes foi contratado pelo Conde de Vimioso para realizar as pinturas murais da História de Alexandre Magno, na varanda do Palácio dos Condes de Basto, obra infelizmente desaparecida. O companheiro de Mendes, a quem Vítor Serrão atribuiu as telas do arco mestre da Igreja de Santiago, era próximo do pintor Francisco Nunes Varela, com quem elaborou o inventário e descrição das pinturas da Princesa Santa Joana existentes nos conventos de Évora, no âmbito do processo de canonização que foi apresentado à Cúria Romana.10

O pintor, que casou-se em Évora com Jerónima Ribeiro, já era reconhecido na cidade em 1685, quando assentou como irmão da Misericórdia de Évora, nesse ano presidida pelo arcebispo de Évora, Frei Domingos de Gusmão, que tomou o juramento do novo associado:

Em 1699, Francisco Lopes Mendes fez o favor de ser procurador do pintor Lourenço Nunes Varela, para vender ou arrendar umas propriedades em Évora, e a mesma companhia de Pinto e Mendes será,

Segundo as informações dos diversos testemunhos colhidos em 1688, entre os moradores do Sabugal, no processo de habilitação de Matias

7

Lopes, filho do pintor. ADE, Arquivo da Câmara Eclesiástica de Évora, Processo de habilitação de genere de Matias Lopes, filho de Francisco Lopes e de Jerónima Ribeiro, natural de Évora, para ser admitido a prima tonsura e ordens menores, 1688-1689, processo número 830, maço número 27. ADE, ASCME, Livro de Registo de Irmãos da Misericórdia, 1676-1817, número 52, fólio 97v. PT/ADEVR/MIS/SCMEVR/E/001-002/0004.

8

Joaquim Oliveira Caetano e Vítor Serrão - A pintura em Moura, séculos XVI, XVII e XVIII, 1999, p.106.

9

Um pouco mais velho que Francisco Lopes, assentou como irmão da Misericórdia em 1681. Para uma análise do percurso do pintor veja-se Vítor

10

Serrão - A pintura proto-barroca em Portugal, 1612-1657. Tese de doutoramento apresentada na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1992, volume II, p.803.


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A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

provavelmente, a autora dos tectos de brutesco da

Nos últimos anos da longa carreira, realizou a pintura

igreja de Santiago, realizados no ano seguinte, em

da Nossa Senhora da Misericórdia que até hoje

1700, onde Vítor Serrão encontrou semelhanças com

encima o grande retábulo da capela-mor da Igreja

a obra de Lourenço Varela realizada para o convento

da Irmandade. Seja pela enorme tradição do tema,

de Santa Marta, em Lisboa.11

seja pela longa experiência, nota-se na composição

Em 1708, é provável que Francisco Lopes Mendes e

um interesse em marcar fortes contrastes lumínicos, o

Diogo Rodrigues sejam os autores do tecto da livraria

que confere à pintura um ar retrógrado. Em meados

do Colégio do Espírito Santo, com um repertório

de 1715, a Misericórdia fez o pagamento de 20 mil réis

decorativo actualizado, uma paleta de cores variada

que lhe era devido pelo painel, identificando o nome

e um bom domínio das escalas, mas com uma

de Francisco Lopes como autor.14

representação pictórica relativamente ingénua na figuração dos emblemas e no painel central com a

Em dezembro desse mesmo ano, Francisco Lopes

representação da Virgem da Sapiência.

recebeu um adiantamento pelas pinturas dos três altares do retábulo principal: a Visitação da Virgem à

Das colecções do Museu de Évora faz parte a única

Santa Isabel, a pintura amovível que cobre o grande

obra

Lopes

trono do altar principal e outras duas para os altares

Mendes, uma tela da Anunciação, envolta por uma

conhecida

assinada

por

Francisco

laterais, das quais apenas a de São Miguel libertando

grinalda de flores. Apesar do autógrafo, a composição,

as almas do purgatório chegou aos nossos dias.15

com uma pintura sumária, enquadra-se no universo das telas produzidas por iniciativa dos pintores, sem

Essas três pinturas já deveriam estar concluídas

um cliente ou um programa determinado, para um

em fevereiro de 1716, quando o pintor recebeu o

mercado mais alargado.

pagamento de 9.600 réis associado ao quadro

12

principal da tribuna.16 Em 1700, segundo o registo do livro das Décimas da Cidade, o pintor residia no Terreiro de Álvaro Velho,

Ao mesmo tempo em que realizou essa campanha de

em casas arrendadas à Santa Casa da Misericórdia.

pinturas para a Misericórdia de Évora, Francisco Lopes

13

A pintura da colecção do Museu de Évora, com o número de inventário ME 11749, mede 90 cm de altura por 110 de largura e foi adquirida em 2004.

12

Túlio Espanca - "Artes e Artistas em Évora no século XVIII" in A Cidade de Évora, 1950, números 21-22, pp. 94-95.

13

“Despesa com o painel da frontaria da igreja que fez Francisco Lopes, 20$000 [na margem] ensima de toda a frontaria da Igreja que hé de Nossa

14

Senhora da Misericordia”. Arquivo Distrital de Évora (ADE), Arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Évora (ASCME), registo número 1134 - Livro das despesas dos meses que principiou em Julho de 1712 a 1716, fólio 134. “Despesa com Francisco Lopes, a conta dos 3 payneis que faz para os tres altares da Igreja, 19$200. Arquivo Distrital de Évora (ADE), Arquivo da

15

Santa Casa da Misericórdia de Évora (ASCME), registo número 1134 - Livro das despesas dos meses que principiou em Julho de 1712 a 1716, fólio 235. ““Pintor. Despesa com o pintor Francisco Lopes, do quadro da turbuna, a conta 9600”. Arquivo Distrital de Évora (ADE), Arquivo da Santa Casa da

16

Misericórdia de Évora (ASCME), registo número 1134 - Livro das despesas dos meses que principiou em Julho de 1712 a 1716, fólio 247v.


A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

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realizava outros trabalhos menores e, à semelhança

O pintor, que nasceu por volta de 1645, já muito

do que havia feito em Moura, realizou as pinturas

idoso e adoentado, faleceu no princípio de 1721 e foi

decorativas da urna funerária para exposição do Cristo

sepultado na igreja de São Francisco, como irmão da

Morto que havia sido instalada na capela do orago.

Ordem Terceira.20

17

Como identificou o trabalho da historiadora Custódia de Araújo, o pintor, casado com Jerónima Ribeiro e pai de três filhos, fez o testamento em 1720.18 Comprovando a boa integração e reconhecimento social que gozou na cidade, Matias Lopes, o filho mais velho de Francisco Lopes, concluiu a frequência do Colégio dos Meninos do Coro da Sé de Évora em 1688, e seguiu a carreira eclesiástica, enquanto as outras duas filhas já estavam casadas e tinham recebido algumas dádivas paternas.19

Figura 2 - Assinatura de Francisco Lopes Mendes. Arquivo Distrital de Évora.

[Agosto de 1715] “Pintor. Despesa com Francisco Lopes, pintor, por pintar o altar do Santo Cristo onde se pos o tumbolo do Senhor Morto,

17

1440.”Arquivo Distrital de Évora (ADE), Arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Évora (ASCME), registo número 1134 - Livro das despesas dos meses que principiou em Julho de 1712 a 1716, fólio 202. As informações do testamento são fundamentais para discernir entre o percurso de Francisco Lopes Mendes e um segundo pintor de Évora,

18

também de nome Francisco Lopes, que faleceu quando executava as pinturas decorativas da abóbada da capela-mor da igreja de São Vicente do Pigeiro, em 1723. Custódia Araújo, Antónia Conde e Milene Gil – “Documental Survey of Project Évora” in E-conservation Journal, 2015, número 4, p. ADE, Arquivo da Câmara Eclesiástica de Évora, Processo de habilitação de genere de Matias Lopes, filho de Francisco Lopes e de Jerónima Ribeiro,

19

natural de Évora, para ser admitido a prima tonsura e ordens menores, 1688-1689, processo número 830, maço número 27. Túlio Espanca - "Artes e Artistas em Évora no século XVIII" in A Cidade de Évora, 1950, números 21-22, pp. 94-95.

20


03. A Encomenda da sĂŠrie das Sete Obras de MisericĂłrdia Corporais



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A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

Figura 3 - Vista geral do interior da Igreja da Misericรณrdia de ร vora.

Figura 4 - Nossa Senhora da Misericรณrdia. Francisco Lopes Mendes, 1714. Zero Graus.


A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

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03. A ENCOMENDA DA SÉRIE DAS SETE OBRAS DE MISERICÓRDIA CORPORAIS

Visitar os enfermos e encarcerados, Dar pousada aos

Como forma de marcar a conclusão do grande

Como referido, os pagamentos foram feitos através

retábulo da capela-mor e satisfeita com o resultado

de um fundo autónomo, com o dinheiro arrecadado

da pintura com a representação da Nossa Senhora do

com as cerimónias fúnebres dos irmãos, e as despesas

Manto, a direcção da Misericórdia de Évora decidiu,

comessas pinturas não ficaram registadas nos livros

em reunião realizada em 26 de Dezembro de 1714,

principais de contas da confraria.

peregrinos, Remir os cativos e Enterrar os mortos -, um conjunto que executou entre os anos de 1715 e 1716, ao mesmo tempo em que realizava as restantes telas para o retábulo da capela-mor.

que o quadro fosse exposto pela primeira vez no dia dos Reis, no princípio do ano seguinte: Nesta mesa se assentou que, do dinheiro que se recebe por esmola da tumba, se mandasse apainelar a Igreja e se pintasse em os sete quadros, as sete obras de Misericórdia corporais, simbolizadas em sete passos da escritura que ao senhor escrivão melhor parecer. E que o painel de Nossa Senhora da Misericórdia, que esta mesma mesa tinha mandado fazer para o frontispício da face que está sobre a capela-mor, se pregassem o quadro, de sorte que Dia de Reis aparecesse ao povo e ficasse a frontaria das capelas livre de andaimes, o que com efeito se fez, de que fiz este termo que assino com os mais Irmãos da mesa.”21 Parece haver um sentido geral de orgulho corporativo no registo da reunião e Francisco Lopes Mendes será naturalmente o pintor escolhido para a realização das pinturas com a representação das sete Obras de Misericórdia Corporais - Dar de comer a quem tem fome, Dar de beber a quem tem sede, Vestir os nus,

Figura 5 - Frontispício dourado da capela-mor. Francisco da Silva, 1710-1714. Douramento e encarnações, Felipe de Santiago Neves, 1729.

O documento foi pela primeira vez publicado por Jerónimo de Alcântara Guerreiro - Subsídios para a história da Santa Casa da Misericórdia de Évora

21

nos séculos XVII a XX (1667-1910), 1979, p.54.


04. A Revelação das Pinturas



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A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

04. A REVELAÇÃO DAS PINTURAS

da nave, ao lado da capela do Santo Cristo.

A realização das radiografias confirmou a existência

levantam o corpo do pai, envolto por um lençol,

da pinturas de Francisco Lopes Mendes e possibilita

preparando-se para o depor no interior do sarcófago,

agora a identificação dos temas escolhidos, assim

decorado

como uma descrição pormenorizada da composição

mulheres do povo assistem à cerimónia e, ao fundo,

das pinturas. Como solicitado pela direcção da

os galhos torcidos de uma grande árvore sem folhas

Misericórida de Évora, as obras de misericórdia

acentua o carácter pungente do momento. Ao longe,

corporais foram representadas através de episódios

no alto da montanha, divisa-se o perfil da cidade de

colhidos no Velho Testamento e estão intimamente

Hebrom.

O episódio passa-se no exterior, à boca da gruta dos patriarcas, e Isaac e Ismael, ambos de turbantes,

com

elaborados

relevos.

Homens

e

relacionadas com o programa alegórico que se prolonga nos azulejos, onde se representaram as sete

A proximidade desse episódio com a deposição

Obras de Misericórdia Espirituais, através de episódios

do corpo de Cristo não é acaso e tem a intenção

protagonizados por Jesus Cristo.22

de aproximar a figura do patriarca Abraão com a do Messias, uma ideia basilar da construção de

Nessa descrição, seguimos não a ordem normal

programas iconográficos tipológicos, onde se procura

da

estabelecer os pontos de igualdade entre a história

apresentação

das

Obras

de

Misericórdia

Corporais, mas a ordem pela qual as pinturas foram

contada nos livros do Velho e do Novo Testamento.

progressivamente sendo substituídas, com um breve historial da tradição iconográfica de cada um dos

A escolha do Enterro do patriarca Abraão seguiu

episódios bíblicos, quando associado à representação

uma recomendação erudita e o tema encontra-se

de cada um dos temas.

representado, entre as várias referências bíblicas passíveis de serem relacionadas com a obra Enterrar

4.1. O ENTERRO DO PATRIARCA ABRAÃO

os mortos, na gravura Mortuos sepelire, do álbum Septem Opera Misericordiae Corporalia publicada

Seguindo as indicações recebidas para representar

em 1577, por Philips Galle, uma coletânea de consulta

a sétima obra de misericórdia corporal, Francisco

fundamental para a articulação de programas

Lopes Mendes representou o momento do enterro do

iconográficos e sermões associados aos temas da

patriarca Abraão, como relatado no livro do Génesis

Misericórdia, que deu origem a várias publicações de

(18: 1-10), um quadro que ficou aposto do lado direito

divulgação.23

Para um enquadramento geral dos programas iconográficos das Obras de Misericórdia Corporais nas campanhas organizadas pelas Misericórdias

22

veja-se Maria do Rosário Salema Carvalho - Por amor de Deus: representação das obras de misericórdia, em painéis de azulejo, nos espaços das confrarias da Misericórdia, no Portugal setecentista. Dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2007. A gravura Mortuos sepelire faz parte do álbum Septem Opera Misericordiae Corporalia, publicado em Antuérpia, em 1577. Rijskmuseum, número de

23

inventário RP-P-2004-590C. Disponível on-line: http://hdl.handle.net/10934/RM0001.COLLECT.445617


A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

Figura 6 - O enterro do patriarca Abraão, Francisco Lopes Mendes, 1715-1716. Radiografia: Luís Piorro (DGPC), Laboratório HERCULES, Universidade de Évora.

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A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

Apesar da discrepância entre as datas de publicação, é provável que esse álbum de gravuras tenha sido realizado a partir do texto do poeta e orador romano Giulio Roscio e uma versão dessas gravuras integra a obra Icones operum misericordiae cum Iulij Roscij Hortini sententiis, publicada em Roma, em 1586, com o patrocínio dos jesuítas, onde o autor compilou todos os episódios do Velho e do Novo Testamento que esclarecem os significados literais, alegóricos, morais e salvíficos de cada uma das obras de misericórdia corporais.24 Passadas algumas décadas, o conjunto de episódios dessas gravuras foram reduzidos e deram origem ao álbum didáctico Extremi Judicii et operum misericordiae ad corpus pertinentium icons, publicado em Paris, de forma anónima, também pelos jesuítas, entre os anos de 1610-1625.25

Figura 7 - Ensepvelir les morts. Extremi Judicii et operum misericordiae ad corpus pertinentium icons. Paris: Nicolas de Mathonière, c.16101625. British Museum, número de inventário 1863,0509.800.

Para um enquadramento dos programas tipológicos associados às obras de misericórdia veja-se Celso Mangucci - A Escritura das Imagens. A

24

narrativa didáctica das obras de Misericórdia in Um Compromisso para o Futuro, 500 anos da 1ª edição impressa do Compromisso da Confraria da Misericórdia, 2017, pp.189-244. Extremi Judicii et operum misericordiae ad corpus pertinentium icons. Paris: Nicolas de Mathonière, s/d.

25


A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

Figura 8 -Mortuos sepelire. Septem Opera Misericordiae Corporalia. Philips Galle, 1577. Rijskmuseum, número de inventário RP-P-2004-590C.

21


22

A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

4.2.

A libertação de Lot e seu povo, o episódio final da

O PATRIARCA ABRAÃO

Guerra dos Quatro Reis, encontra-se entre as várias

LIBERTA LOT E SEU POVO

referências bíblicas da gravura Redimire captivos do já citado album de Philips Galle e a descrição

Para a representação do episódio que ilustra a obra

abreviada do episódio encontra-se em destaque no

Remir os cativos, Francisco Lopes Mendes representou

rodapé da gravura Visiter les prisonniers et captifs

um grupo compacto de militares, que o patriarca

no álbum de gravuras didácticas Extremi Judicii et

Abraão lidera, fazendo-se acompanhar pelo sobrinho

operum misericordiae ad corpus pertinentium icons,

Lot, que ainda traz as correntes como marca do

publicado em Paris, entre os anos de 1610-1625.26

cativeiro. No fim do cortejo, um soldado faz indicação a um jovem, ainda com os grilhões atados em ambos os pés, para juntar-se ao grupo, que deixa atrás de si as muralhas de Sodoma, como relata o livro do Génesis (14: 14-16).

Figura 9 - Redimire captivos vel auxilum iss adferre [detalhe]. Septem Opera Misericordiae Corporalia. Philips Galle, 1577. Rijskmuseum, número de inventário RP-P-2004-590.

Para um enquadramento dos programas tipológicos associados às obras de misericórdia veja-se Celso Mangucci - A Escritura das Imagens. A

24

narrativa didáctica das obras de Misericórdia in Um Compromisso para o Futuro, 500 anos da 1ª edição impressa do Compromisso da Confraria da Misericórdia, 2017, pp.189-244. Extremi Judicii et operum misericordiae ad corpus pertinentium icons. Paris: Nicolas de Mathonière, s/d.

25


A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

Figura 10- O patriarca Abraão liberta Lot e seu povo. Francisco Lopes Mendes, 1715-1716. Radiografia: Luís Piorro (DGPC), Laboratório HERCULES, Universidade de Évora.

23


24

A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

4.3.

referências bíblicas passíveis de serem relacionadas

O PATRIARCA ABRAÃO OFEREÇE

com o tema, na gravura Hospitio peregrinos excipere,

POUSADA AOS TRÊS ANJOS DO SENHOR

do álbum Septem Opera Misericordiae Corporalia de Philips Galle e da obra de Giulio Roscio.27

O episódio em que o patriarca Abraão ofereceu abrigo aos três anjos do Senhor é narrado no livro do Génesis

Está também presente como tema de fundo na

(18: 1-8) e Francisco Lopes representou o patriarca,

gravura da cartilha da Doutrina Cristã do Padre Marcos

já idoso, de barbas brancas, em frente a sua casa, a

Jorge, na edição ilustrada de 1616, o mais difundido

saldar a chegada dos três jovens com seus bordões de

livro de alfabetização em língua portuguesa de todos

peregrinos. Em segundo plano, ao fundo, à direita, os

os tempos.28

mesmos jovens estão sentados à volta de uma mesa redonda, à sombra de uma grande árvore do jardim.

Encontra-se ainda, em destaque, na gravura Loger les pauvres estrangers do álbum Extremi Judicii et

A associação da obra de misericórdia corporal Dar

operum misericordiae ad corpus pertinentium icons,

pousada

publicado por Nicolas de Mathonière, entre os anos

aos

peregrinos,

com

a

representação

desses dois momentos, encontra-se entre as várias

de 1610-1625.29

Figura 11 - Hospitio peregrinos excipere [detalhe]. Septem Opera Misericordiae Corporalia. Philips Galle, 1577. Rijskmuseum, número de inventário RP-P-2004-590B. A gravura Hospitio peregrinos excipere faz parte do álbum Septem Opera Misericordiae Corporalia, publicado em Antuérpia, por Philips Galle, em 1577.

27

Rijskmuseum, número de inventário RP-P-2004-590B. Disponível on-line: http://hdl.handle.net/10934/RM0001.COLLECT.445616 Marcos Jorge - Doutrina christam de padre Marcos Iorge da Companhia de Iesu representada por imagens, 1616, p.130.

28

A gravura Loger les pauvres estrangers faz parte do álbum Extremi Judicii et operum misericordiae ad corpus pertinentium icons. Paris: Nicolas de

29

Mathonière, c.1610-1625. Representada nas colecções do British Museum, com o número de inventário 1863,0509.799.


A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

Figura 12 - O patriarca Abraão oferece pousada aos três anjos do Senhor. Francisco Lopes Mendes, 1715-1716. Radiografia: Luís Piorro (DGPC), Laboratório HERCULES, Universidade de Évora.

25


26

A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

4.4. TOBIAS VESTE OS HEBREUS DE NÍNIVE Francisco Lopes colocou no centro da composição dedicada a ilustrar a obra Vestir os Nus um homem semi ajoelhado, a vestir uma camisa, auxiliado por um nobre de turbante. Do lado esquerdo, estão duas mulheres e uma criança que recebe um chapéu e, do lado direito, um segundo nobre de turbante, com feições idênticas ao do primeiro, aproxima-se na companhia de um criado que carrega várias roupas. O encontro entre os dois grupos ocorre do lado de fora de uma imponente cidade amuralhada, pontuada por numerosos edifícios monumentais, e a representação tem como referência a narração de Tobias, pai, em que recorda o tempo passado na cidade de Nínive, de como fazia esmolas aos seus conterrâneos, distribuía pão entre os esfomeados, dava roupa aos pobres e se alguém ficasse insepulto fora das muralhas da cidade, providenciava o seu enterro. Os versículos do livro de Tobias (1: 16-18), frequentemente associados às obras de misericórdia, encontram-se citados entre as várias referências bíblicas passíveis de serem relacionadas com a obra de distribuição de roupas aos necessitados compilados na gravura de Philips Galle, publicada em 1577, e vêm em destaque na gravura Vestir et couvrir les nuds no álbum de gravuras publicado por Nicolas de Mathonière, entre

Figura 13 - Vestir et couvrir les nuds. Extremi Judicii et operum misericordiae ad corpus pertinentium icons. Paris: Nicolas de Mathonière, c.1610-1625. British Museum, número de inventário 1863,0509.796.

os anos de 1610-1625.30

A gravura Vestir et couvrir les nuds faz parte do álbum Extremi Judicii et operum misericordiae ad corpus pertinentium icons. Paris: Nicolas de

30

Mathonière, c.1610-1625. Representada nas colecções do British Museum, com o número de inventário 1863,0509.796.


A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

Figura 14 - Tobias veste os hebreus de Nínive. Francisco Lopes Mendes, 1715-1716. Radiografia: Luís Piorro (DGPC), Laboratório HERCULES, Universidade de Évora.

27


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A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

4.5.

como narra o livro de Tobias (1: 15), representado na

O PROFETA ISAÍAS VISITA O REI

gravura Redimire captivos do mesmo álbum.33

EZEQUIEL DOENTE E TOBIAS VISITA OS PRESOS Conforme a descrição tradicional da quarta obra de misericórdia corporal Visitar os enfermos e encarcerados veiculada pela cartilha da Doutrina Cristã do padre Marcos Jorge, o pintor eborense dividiu o painel em dois, separando a visita aos doentes da visita aos presos.31 Do lado esquerdo, representou o rei Ezequiel doente e acamado, com o leito coberto por um rico dossel, encimado por uma coroa, com as cortinas presas aos fustes das colunas, no momento em que recebe a visita do profeta Isaías, acompanhado por um soldado. Conforme descreve o segundo livro dos Reis (20: 1-11), o rei Ezequiel aponta para o relógio de sol que está ao lado da cama, onde a sombra recuou dez graus como confirmação da graça divina que, a pedido do profeta, o vai curar da doença mortal. Mais uma vez, esses versículos encontram-se citados entre as várias referências bíblicas passíveis de serem relacionadas com a obra Visitar os doentes e encarcerados compilados na gravura Aegrotos invisere do álbum de Philips Galle e na obra de Giulio Roscio.32 As paredes do palácio dividem a cena ao meio e a visita aos presos, representada do lado direito, tem como referência o episódio em que Tobias visitava os seus conterrâneos presos e lhes dava bons conselhos,

Figura 15 - Aegrotos invisere [detalhe]. Septem Opera Misericordiae Corporalia. Philips Galle, 1577. Rijskmuseum, número de inventário RP-P2004-590A.

Marcos Jorge - Doutrina christam de padre Marcos Iorge da Companhia de Iesu representada por imagens, 1616, p.129.

31

A gravura Aegrotos invisere faz parte do álbum Septem Opera Misericordiae Corporalia, publicado em Antuérpia, por Philips Galle, em 1577.

32

Rijskmuseum, número de inventário RP-P-2004-590A. Disponível on-line: http://hdl.handle.net/10934/RM0001.COLLECT.445614 A gravura Redimire captivos faz parte do álbum Septem Opera Misericordiae Corporalia, publicado em Antuérpia, por Philips Galle, em 1577.

33

Rijskmuseum, número de inventário RP-P-2004-590. Disponível on-line: http://hdl.handle.net/10934/RM0001.COLLECT.445613


A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

Figura 16 -O profeta Isaías visita o rei Ezequiel doente e Tobias visita os presos. Francisco Lopes Mendes, 1715-1716. Radiografia: Luís Piorro (DGPC), Laboratório HERCULES, Universidade de Évora.

29


05. As Pinturas Remanescentes



32

A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

05. AS PINTURAS REMANESCENTES

Figura 17 -Rebeca dá de beber a Eliezer e seus companheiros. Francisco Lopes Mendes, 17151716 Zero Graus.[na página seguinte]

A série de cinco pinturas radiografadas faz parte do conjunto das sete obras de misericórdia corporais e, como referido, dois dos episódios, Dar de beber a quem tem sede e Dar de comer a quem tem fome, ainda são os originais de Francisco Lopes Mendes.

Figura 18 -Rebeca dá de beber a Eliezer e seus companheiros. Thesaurus sacrarum historiarum veteris testamenti, Gerard de Jode, 1585. British Museum Museum, número de inventário: 1968,1018.1.27. [na página seguinte]

5.1. REBECA DÁ DE BEBER A ELIEZER E SEUS COMPANHEIROS Para compor o tema, é provável que Francisco Lopes se tenha apoiado numa versão da gravura de Maarten de Vos, publicada pela primeira vez em 1585, onde Eliezer, o servo de Abraão, encarregado de encontrar uma esposa para Isaac, apresenta-se ligeiramente curvado, com uma das pernas fletidas, a beber directamente do cântaro da mão de Rebeca.34 Com bastante ingenuidade, o pintor representou Rebeca uma segunda vez, vestida da mesma maneira e com a mesma pose, a despejar água num pequeno canal para dar de beber aos camelos dos companheiros de Eliezer. O episódio encontra-se representado na gravura Potum dare, publicada em 1577, por Philips Galle, e também na capa do álbum Extremi Judicii et operum misericordiae ad corpus pertinentium icons, publicado em Paris, entre os anos de 1610-1625.35

Rebeca dá de beber a Eliezer e seus companheiros. Thesaurus sacrarum historiarum veteris testamenti, elegantissimis imaginabus expressum

34

excellentissimorum in hac arte virorum opera: nunc primum in lucem editus, publicada por Gerard de Jode, 1585. British Museum Museum, number 1968,1018.1.27. A gravura Potum dare faz parte do álbum Septem Opera Misericordiae Corporalia, publicado em Antuérpia, por Philips Galle, em 1577. Rijskmuseum,

35

número de inventário RP-P-2000-185. Disponível on-line: http://hdl.handle.net/10934/RM0001.COLLECT.430273


A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

33


34

A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

5.2.

Para reforçar a coerência entre a narrativa bíblica e

A VIÚVA DE SAREPTA DÁ DE COMER AO

a obra de misericórdia corporal, o pintor eborense

PROFETA ELIAS

acrescentou ainda dois episódios secundários ao milagre da multiplicação da farinha e do óleo: no lado

A mais ambiciosa pintura de Francisco Lopes Mendes

direito o profeta Elias distribui pão entre as crianças

agrupa uma extensa narrativa com dois episódios da

e, do lado esquerdo, um pequeno grupo prepara um

vida do profeta Elias, no momento em que desafia

bolo de farinha com azeite na frigideira, ao lado das

o poder do rei Acab, desencadeando uma mortífera

muralhas da cidade de Sarepta.

seca, como relata o primeiro livro dos Reis (17: 1-6).

Como temos vindo a seguir, o episódio encontra-se representado na gravura Esurentes pascere, publicada

O tema central, em que a viúva de Sarepta dá de

em 1577, por Philips Galle, e na obra de Giulio Roscio

comer ao profeta Elias, apesar de mal ter para si e para

como um dos episódios associados à obra Dar de

o seu filho, tem como final apoteótico o momento em

comer a quem tem fome.37

que o profeta faz o filho da viúva renascer (17: 7-24), um milagre com o qual facilmente se podem estabelecer relações de pré-figuração com o sacramento da eucaristia.

Figura 19 - A viúva de Sarepta dá de comer ao profeta Elias. Francisco Lopes Mendes, 1715-1716. Zero Graus.[na página seguinte]

Ao fundo, com acerto na dissolução suave das cores do horizonte, Francisco Lopes representou o princípio da história, quando o Senhor, para garantir a sobrevivência do profeta, ordenou que se afastasse do reino de Israel e fosse viver nas proximidades do riacho de Querit, onde seria alimentado pelos corvos.

Figura 20 - Os corvos alimentam Elias. Historiae Sacrae Veteris et Novi Testamenti, Figures de la Bible, demonstrans les principales histoires de la Saincte Escriture. Pieter Potter, c.1652. British Museum, número de inventário: 1939,0130.1.48. [na página seguinte]

Para representação desse episódio, é provável que Francisco Lopes tenha se apoiado numa versão da gravura de Pieter Potter realizada para as edições ilustradas do Velho Testamento.36

Os corvos alimentam Elias. Historiae Sacrae Veteris et Novi Testamenti, Figures de la Bible, demonstrans les principales histoires de la Saincte Escriture,

36

Pieter Potter, c.1652. British Museum, número de inventário 1939,0130.1.48. A gravura Esurentes pascere faz parte do álbum Septem Opera Misericordiae Corporalia, publicado em Antuérpia, por Philips Galle,em 1577.

37

Rijskmuseum, número de inventário RP-P-2000-184. Disponível on-line: http://hdl.handle.net/10934/RM0001.COLLECT.360073


A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

35


06. Francisco Lopes Mendes e a Pintura em Évora



38

A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

06. FRANCISCO LOPES MENDES E A PINTURA EM ÉVORA

Além de realçar a ligação que o Arcebispo de Évora mantinha com o pintor régio Bento Coelho da Silveira, o episódio da encomenda e da posterior recusa da tela para a boca da tribuna do retábulo da capelamor da igreja paroquial de São Pedro, em 1702, é uma

Na segunda metade do século XVII, o lento e penoso processo da Restauração, o afastamento da corte e a ausência de um projecto congregador para Évora, marcaram o declínio da vida cultural da cidade, fechada em si mesma, incapaz de renovar-se. Entre o círculo dos pintores, esse ciclo ficou marcado pelo longo protagonismo do pintor Francisco Nunes Varela, que faleceu em 1699, próximo de completar 80 anos.38 Será assim com uma certa naturalidade que o pintor Lourenço Nunes Varela, irmão de Francisco, escolheu fixar-se em Lisboa e que António de Oliveira Bernardes, natural de Beja e com encomendas para a cidade eborense, também tenha preferido os ares da capital. Paradoxalmente, mesmo quando guiada para novos desígnios, como foi o caso do arcebispo D. Frei Luís da Silva Teles, que protagonizou um conjunto impressionante de obras na cidade entre os anos de 1692 e 1703, tal não implicou necessariamente uma mudança substancial para o meio dos pintores eborenses.

demonstração de que o Arcebispo considerava que não havia na cidade um pintor válido para a realização das numerosas encomendas que patrocinou: Para melhor compustura da capella mór mandou fazer pello famozo pintor Bento Coelho hum grande paynel para a boca da tribuna, na qual se vê São Pedro recebendo de joelhos da mão de Christo as chaves da Igreja. Este paynel por duas roldanas se dese, e sobe por detras do sacrario para ficar na boca da tribuna. Custou 40$000 reis. E porque em Evora se havia feyto outro paynel, que não agradou ao Arcebispo, o mandou pagar dando 20$000 ao pintor, e o deo de esmolla aos Padres Terceiros do Vimieyro, que lho pedirão para a tribuna da sua Igreja.39 Como se infere desse episódio, os pintores da cidade estavam em enorme desvantagem nas remunerações auferidas e é possível comparar os preços recebidos pelo pintor régio, que cobrou 60 mil réis pela Última Ceia para o retábulo da capela-mor da igreja paroquial de Santo Antão e 40 mil pelo São Pedro recebendo as chaves da Igreja do retábulo da capela-mor da igreja

Vítor Serrão – “Francisco Nunes Varela e as oficinas de pintura em Évora, no século XVII” in A Cidade de Évora, 1999, II série, número 3, pp.89-104.

38

Túlio Espanca - "Memória da vida e morte do 10º Arcebispo de Évora D. Frei Luís da Silva Teles" in A Cidade de Évora, 1986-1987, números 69-70,

39

p.165.


A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES paroquial do mesmo orago, com os parcos 20 mil réis que Francisco Lopes Mendes recebeu pela pintura da tela da Nossa Senhora da Misericórdia, naquele que, ainda assim, foi o valor mais alto que conhecemos por uma tela da sua autoria.40 É por isso que, com um misto de anacronismo e naturalidade, na Visitação à Santa Isabel que Francisco Lopes Mendes realizou para a Misericórdia em 1715, o pintor eborense fizesse um esforço de actualização inglório e seguisse de muito perto uma tela com o mesmo tema, que o pintor Bento Coelho realizara, por volta de 1690, para a Igreja Matriz de São Bartolomeu, em Vila Viçosa, numa demonstração do prestígio que as obras do antigo pintor régio ainda mantinha em Évora, onde, como já mencionado, foi objecto do patrocínio continuado por parte do anterior arcebispo. Será essa também a razão para que, na campanha da Misericórdia de Évora, ficasse invertida a ordem de importância entre as especialidades e os azulejos realizados pela oficina de António de Oliveira Bernardes revelem um pintor com melhor compreensão dos

Figura 21 - Justiça. Diogo Rodrigues Pinto e Francisco Lopes Mendes [atribuído]. Tecto da igreja de Santiago de Évora, 1700. Celso Mangucci

temas, mais recursos e maior individualidade do que as telas do eborense Francisco Lopes Mendes.

40

Escrita pelo secretário, a biografia apresenta um escrupuloso das somas gastas com as obras encomendas pelo arcebispo: Túlio Espanca -

"Memória da vida e morte do 10º Arcebispo de Évora D. Frei Luís da Silva Teles" in A Cidade de Évora, 1986-1987, números 69-70, p.168.

39


07. As Novas Telas de JosĂŠ Xavier



42

A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

Figura 22 - Remir os captivos. José Xavier, 1737. Zero Graus.

07. AS NOVAS TELAS DE JOSÉ XAVIER Como

que

A escolha dos episódios bíblicos tinha por objectivo

identificámos, o autor do programa iconográfico

integrar as obras de misericórdia corporais no discurso

da igreja da Misericórdia de Évora baseou-se numa

salvífico cristão e formar um discurso coerente, com

tradição consolidada e a ordem das telas, dispostas

a combinação das telas das obras corporais do Velho

a partir da capela-mor, do lado do evangelho, segue

Testamento com os painéis de azulejo das obras de

a mesma ordem das obras de misericórdia corporais

misericórdia espirituais do Novo Testamento. Ao

estabelecida na Doutrina Cristã do padre Marcos

cumprir esse objectivo, revelam a enorme importância

Jorge.

das obras de misericórdia para a prática cristã e

41

indicam

os

registos

bibliográficos

Marcos Jorge - Doutrina christam de padre Marcos Iorge da Companhia de Iesu representada por imagens, 1616, pp.124-132.

41


A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

43

conferem um sentido identitário absolutamente

Apresentou um nu feminino de maneira decorosa

distinto entre as muitas confrarias da cidade.

na distribuição das roupas e, na paisagem, esmerouse na poesia das ruínas, fundos de paisagem e céus

Esse discurso é ao mesmo tempo original e

em crepúsculo, que colocou em contraste com a

consolidado porque na sua génese estão os estudos

opulência dos elementos de arquitectura palaciana.

escolásticos que compilaram todos os episódios bíblicos passíveis de serem utilizados na produção

Obviamente, todo esse esforço não disfarça a

de

Como

ingenuidade das composições e a limitação de

vimos, a obra do poeta e historiador Giulio Roscio,

recursos de um pintor activo em Évora e nas cidades

acompanhadas pelas gravuras impressas por Philips

vizinhas entre os anos de 1735 e 1742.42

sermões

e

programas

iconográficos.

Galle, foi o principal vector de programas iconográficos de carácter tipológico compostos pelas obras de

Haverá também, por parte da direcção da Misericórdia,

misericórdia.

um desejo de um melhor acerto com os temas como

Como identificámos, a escolha dos episódios foi

tradicionalmente representados nos programas das

feita a partir dos versículos bíblicos associados a

Misericórdias e o caso mais evidente é o da obra

representações gráficas muito sumárias, sem grande

Remir os cativos, representada por uma transação

tradição pictórica. Essa escolha colocou desafios

comercial, à volta de uma mesa, liderada pelo

enormes ao pintor eborense, que mesmo que

provincial da Ordem da Santíssima Trindade, que

dispusesse de meios não tinha à disposição modelos

finaliza a operação de resgate dos escravos cristãos

de qualidade para a representação da maioria dos

das mãos dos chefes muçulmanos, identificados por

episódios.

sumptuosos turbantes, como proposto na gravura de

Várias terão sido as razões que pesaram na decisão de

Theodor van Thulden.43

mandar repintar as telas de Francisco Lopes Mendes. A primeira será o de apresentar um conjunto de

Não podemos esquecer ainda que as festas anuais

pinturas com um sentido plástico moderno e José

foram sempre um momento de promoção social

Xavier procurou atingir esse objectivo com a expressão

que envolviam pequenas ou grandes campanhas

do maior número possível de géneros de pintura.

de restauro e renovação, normalmente com a participação

Nessa sua proposta abrangente, o pintor de costumes

e

interesse

dos

próprios

confrades.

identificou os personagens pela indumentária correcta e descreveu momentos da vivência quotidiana, como o da visita do Santíssimo Sacramento aos doentes.

Túlio Espanca - "Artes e Artistas em Évora no século XVIII" in A Cidade de Évora, 1950, números 21-22, p.100.

41

Segundo identificação de João Miguel Simões - O Convento das Trinas do Mocambo – Estudo Histórico-Artístico, 2004, pp.31 e 39.

42

pintores


Bibliografia


A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

45

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Ă?ndice de Figuras


A REDESCOBERTA DAS PINTURAS DE FRANCISCO LOPES MENDES

47

Figura 1 - Detalhe da sobreposição de pinturas. Remir os captivos. José Xavier, 1737. Zero Graus. Figura 2 - Assinatura de Francisco Lopes Mendes. Arquivo Distrital de Évora. Figura 3 - Vista geral do interior da Igreja da Misericórdia de Évora. Figura 4 - Nossa Senhora da Misericórdia. Francisco Lopes Mendes, 1714. Zero Graus. Figura 5 - Frontispício dourado da capela-mor. Francisco da Silva, 1710-1714. Douramento e encarnações, Felipe de Santiago Neves, 1729. Figura 6 - O enterro do patriarca Abraão, Francisco Lopes Mendes, 1715-1716. Radiografia: Luís Piorro (DGPC), Laboratório HERCULES, Universidade de Évora. Figura 7 - Ensepvelir les morts. Extremi Judicii et operum misericordiae ad corpus pertinentium icons. Paris: Nicolas de Mathonière, c.1610-1625. British Museum, número de inventário 1863,0509.800. Figura 8 - Mortuos sepelire. Septem Opera Misericordiae Corporalia. Philips Galle, 1577. Rijskmuseum, número de inventário RP-P-2004-590C. Figura 9 - Redimire captivos vel auxilum iss adferre [detalhe]. Septem Opera Misericordiae Corporalia. Philips Galle, 1577. Rijskmuseum, número de inventário RP-P-2004-590. Figura 10- O patriarca Abraão liberta Lot e seu povo. Francisco Lopes Mendes, 1715-1716. Radiografia: Luís Piorro (DGPC), Laboratório HERCULES, Universidade de Évora. Figura 11 - Hospitio peregrinos excipere [detalhe]. Septem Opera Misericordiae Corporalia. Philips Galle, 1577. Rijskmuseum, número de inventário RP-P-2004-590B. Figura 12 - O patriarca Abraão oferece pousada aos três anjos do Senhor. Francisco Lopes Mendes, 1715-1716. Radiografia: Luís Piorro (DGPC), Laboratório HERCULES, Universidade de Évora. Figura 13 - Vestir et couvrir les nuds. Extremi Judicii et operum misericordiae ad corpus pertinentium icons. Paris: Nicolas de Mathonière, c.1610-1625. British Museum, número de inventário 1863,0509.796. Figura 14 - Tobias veste os hebreus de Nínive. Francisco Lopes Mendes, 1715-1716. Radiografia: Luís Piorro (DGPC), Laboratório HERCULES, Universidade de Évora. Figura 15 - Aegrotos invisere [detalhe]. Septem Opera Misericordiae Corporalia. Philips Galle, 1577. Rijskmuseum, número de inventário RP-P-2004-590A. Figura 16 - O profeta Isaías visita o rei Ezequiel doente e Tobias visita os presos. Francisco Lopes Mendes, 1715-1716. Radiografia: Luís Piorro (DGPC), Laboratório HERCULES, Universidade de Évora. Figura 17 - Rebeca dá de beber a Eliezer e seus companheiros. Francisco Lopes Mendes, 1715-1716 Zero Graus. Figura 18 - Rebeca dá de beber a Eliezer e seus companheiros. Thesaurus sacrarum historiarum veteris testamenti, Gerard de Jode, 1585. British Museum Museum, número de inventário: 1968,1018.1.27. Figura 19 - A viúva de Sarepta dá de comer ao profeta Elias. Francisco Lopes Mendes, 1715-1716. Zero Graus. Figura 20 - Os corvos alimentam Elias. Historiae Sacrae Veteris et Novi Testamenti, Figures de la Bible, demonstrans les principales histoires de la Saincte Escriture. Pieter Potter, c.1652. British Museum, número de inventário: 1939,0130.1.48. Figura 21 - Justiça. Diogo Rodrigues Pinto e Francisco Lopes Mendes [atribuído]. Tecto da igreja de Santiago de Évora, 1700. Celso Mangucci. Figura 22 - Remir os captivos. José Xavier, 1737. Zero Graus.



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