Análise sobre o Retrato de Mário de Andrade

Anita Malfatti

RETRATO DE MÁRIO DE ANDRADE I por: Clarice Mendes e José Matheus

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE - UFS DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISO GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO estética e história da arte ii

Laranjeiras 2022

A pintura, que é arte, deve ser livre, bela, completamente plástica, moldável para poder mostrar o caráter e a intenção da ideia que inspira o artista, emocionando-o ao ponto de realizar o Milagre: a obra de arte. Aliás, arte não é milagre, mas sim a própria natureza da vida. A Arte é um reflexo de Deus.

Anita Malfatti, A chegada da arte moderna no Brasil.

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ANITA: INTRODUÇÃO 7

NO TEMPO E NO ESPAÇO 8

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RIO

IMPORTÂNCIA DE MÁRIO DE ANDRADE DA 26 DE MÁRIO OBRA ENTO MODERNIS M I V O DE TA OM

REFERÊNCIAS

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SES DE ANITA AS FA

QUADRO CRONOLÓGICO 12

UMA PINCELADA DE HISTÓRIA

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AS C I F Á PRANCHAS GR 16

O CENTENÁRIO DA SEMANA DE ARTE MODERNA 28

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I

INTRODUÇÃO Este estudo apresenta uma análise sobre a obra “Retrato de Mário de Andrade”, elaborada por Anita Malfatti em 1921/1922, por meio de uma investigação acerca dos seus elementos artísticos; do seu contexto social; de suas cores; símbolos e formas inovadoras.

Nesse sentido, a partir da compreensão de sua estética, é reconhecível vínculos intrínsecos com movimentos de vanguardas europeias, os quais atuaram como base para a construção de novas concepções artísticas que adquiriram paulatinamente uma autonomia criativa pautada em um viés nacionalista. Anita Malfatti se apropria dessas conexões, absorvendo características essenciais para esculpir sua própria linguagem, de modo a estabelecer um novo olhar sobre a arte.

7

ANITA:

no tempo e no espaço 188

são paulo

7

1922

Anita Catarina Malfatti, mais conhecida como Anita Malfatti, foi uma pintora brasileira que transcendeu seu tempo e espaço e se tornou parte da história ao atuar na construção do movimento modernista.

Anita, nasceu em 02 de dezembro de 1889, na cidade de São Paulo, que vivenciava a ebulição de um processo de industrialização e de crescimento populacional, devido à implementação da República, em novembro do mesmo ano.

Desde muito cedo sempre esteve imersa em um ambiente artístico muito influenciada por seus pais, Eleonara Elizabeth e Samuel Malfatti.

1893

Após o falecimento do seu pai, em 1902, sua vida sofreu uma mudança brusca e repentina, logo, ela passa a lecionar sobre arte, tal qual a sua mãe, na tentativa de oferecer ajuda financeira, de modo a descobrir sua verdadeira vocação. Sobre esse período, Anita revela, posteriormente, que se submeteu a uma experiência para se decidir quanto a seu caminho artístico: Eu tinha 13 anos. E sofria, porque não sabia que rumo tomar na vida.

Nada ainda me revelara o fundo da minha sensibilidade, o pequeno gênio dos destinos terrestres não me segredara ao ouvido o caminho que deveria seguir. Resolvi, então, me submeter a uma estranha experiência: sofrer a sensação absorvente da morte. Achava que uma forte emoção, que me aproximasse violentamente do perigo, me daria a decifração definitiva da minha própria personalidade. E veja o que fiz: Nossa casa ficava perto da estação da Barra Funda. Um dia saí de casa, amarrei fortemente as minhas tranças de menina, deitei-me debaixo dos dormentes e esperei o trem passar por cima de mim. Foi uma coisa horrível, indescritível! O barulho ensurdecedor, a deslocação de ar, a temperatura asfixiante deram-me uma impressão de delírio e de loucura. E eu via cores, cores e cores riscando o espaço, cores que eu desejaria fixar para sempre na retina assombrada. Foi a revelação: voltei decidida a me dedicar à pintura. E hoje, tantos anos passados, tenho a serena certeza de não me ter enganado. O meu caminho estava certo...

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(Luiz Martins. Em São Paulo , com Anita Malfatti. Vamos Ler!, RJ, 28/12/1939)

Nesse sentido, no decorrer de suas experiências artísticas, Anita teve contato com diversos movimentos artísticos e culturais, ora pela sua vivência na Alemanha, em 1910, período no qual vanguardas europeias — como cubismo, expressionismo, fauvismo e futurismo — se desenvolviam, ora pela sua passagem pelos Estados Unidos, no ano de 1914, ambiente que possuía características artísticas próprias, pautadas na interpretação das escolas cubistas e fauvistas. Sob esse âmbito, o convívio com essas tendências trouxe a Anita um novo enfoque artístico, desenvolvendo nela um olhar inovador para pintura, bem como permitiu a consolidação de seu estilo de representação, marcado pelo uso singular de formas e cores. Tanto que, no texto “1917”, a artista prossegue com suas memórias: Um belo dia fui com uma colega ver uma grande exposição de pintura moderna.

Eram quadros grandes. Havia emprego de quilos de tinta e de todas as cores. Um jogo formidável. Uma confusão, um arrebatamento, cada acidente de forma pintado com todas as cores. O artista não havia tomado tempo para misturar as cores, o que para mim foi uma revelação e minha primeira descoberta. Pensei, o artista está certo. A luz do sol é composta de três cores primárias e quatro derivadas. Os objetos se acusam só quando saem da sombra, isto é, quando envolvidos na luz. Tudo é resultado da luz que os acusa, participando de todas as cores. Comecei a ver tudo acusado por todas as cores. Nada nesse mundo é incolor ou sem luz.

(Anita Malfatti. 1917, Revista RASM, SP, 1939)

Dessa forma, a deformação das figuras em suas criações, a utilização de cores que remetem a uma certa personificação, bem como suas angulações e assimetrias são fruto desses estímulos. Portanto, Anita assimila de cada tendência artística traços cruciais para formular sua própria linguagem, a fim de evidenciar sua personalidade em suas produções. Por conseguinte, estas refletem seus aspectos individuais, à medida que suas obras simbolizam um pouco sobre seu drama pessoal.

Sua maneira de representação consistia na captura de elementos extraídos do mundo sensível; de diferentes aspectos da realidade através de uma explosão de cores, afastando-se de uma mera representação fidedigna do mundo para, só assim, trazer um jogo visual que destaca as diversas facetas do seu objeto retratado.

Outrossim, sua principal técnica foi a utilização do óleo sobre tela, além disso suas obras são marcadas pela suavidade dos dos traços, como também por pinceladas rápidas dadas de uma só vez. A exemplo disso tem-se a obra em questão: o retrato de seu amigo íntimo, Mário de Andrade, no qual a artista revela, gravada em sua obra, a a alma do seu amigo. Como declarado pelo próprio retratado — que inspirado pela representação, produz um texto narrando o momento da criação da obra: ALEMANHA

Tons de cinza que eram minha tristeza sem razão... Tons de oiro que eram minha alegria milionária...

Tons de fogo que eram meus ímpetos entusiásticos...

1910 (Trecho extraído do texto No atelier de Mário de Andrade, publicado no livro Cartas a Anita Malfatti)

1 9 1 EUA 4

UMA PINCELADA UMA PINCELADA DE HISTÓRIA DE HISTÓRIA O século XIX e o século XX foram marcados no campo das artes, principalmente quando se destaca a pintura, por um processo de intenso esgotamento das tendências artísticas que percorriam a Europa. Diante da genialidade dos artistas célebres, nada mais havia para ser explorado no âmbito da arte pela arte. Com a chegada dos abalos da guerra e da fotografia, o sentido na expressão do belo como motivo e na mimese da natureza foi desvirtuado, agora os artistas iriam buscar novos caminhos para a arte: iniciava-se, assim, um período de experimentação que iria abalar os padrões acadêmicos e mudar o rumo da pintura como um todo.

A perda do peso significativo da produção mimética levou os pintores a explorarem novos campos de expressão, não mais o mundo externo, mas passaram a usar a arte como válvula de escape diante do contexto aterrador da Primeira e da Segunda Guerra. Esse momento de imensa inovação deu origem ao Expressionismo, movimento artístico voltado para a expressão do mundo interior do artista, em meio a suas angústias e misérias. A partir dessa nova estrada, uma série de outras tendências foram se desenvolvendo e se mesclando, as quais foram chamadas de Vanguardas Artísticas, nomenclatura que faz referência a uma arte à frente de seu tempo.

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Devido às novas possibilidades criadas pela Segunda Revolução Industrial, não apenas a divulgação de ideias foi facilitada, mas o intercâmbio de artistas se tornou algo cada vez mais frequente. Era comum a ida de jovens pintores brasileiros à Europa, em busca de aprender novas técnicas e de se situar diante da Academia. No entanto, em meio ao cenário de imensa conturbação artística, muitos acabaram absorvendo também características vanguardistas.

Seja no uso das cores de Van Gogh ou nas formas de Cézanne, a criatividade atravessou o Oceano e chegou ao Brasil.

QUARTO EM ARLES. 1889 (3ª versão) Óleo sobre Tela (79x90cm) Museu d’Orsay.

Paris (França)

A Montanha de Santa Vitória, 1904-06, óleo sobre tela, 73 x 90,5 cm, Paul Cézanne, Museu de Arte de Filadélfia, Estados Unidos.

As novas tendências juntamente do pensamento progressista de um grupo de jovens artistas - os quais não desejavam apenas ir contra a tradição e inovar, mas trazer a riqueza da brasilidade para suas obras, traçando uma liberdade sem igual no campo da expressão - permitiu o nascimento do chamado Modernismo brasileiro.

QUADRO QUADRO CRONOLÓGICO CRONOLÓGICO Em um período turbulento pós-guerra, as questões políticas no Brasil se mantinham em pauta, debates acerca do comunismo e do nazifascismo nascente tomavam as ruas. Dessa forma, se faz compreender porquê mudanças nas perspectivas artísticas eram condizentes, uma vez que o contexto somatizado à necessidade de inovar vinda da Europa, juntamente do sentimento nacionalista, provocou um cataclisma no campo das artes.

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Capa do programa da Semana de Arte Moderna de 22, ,Di Cavalcanti Acervo do Instituto de Estudos Brasileiros USP - Arquivo Mário de Andrade

Tudo se iniciou quando as experimentações e a busca pela liberdade caíram nas graças do povo, em uma resposta contraditória às críticas severas dadas pelos acadêmicos. Uma das primeiras vítimas desse processo foi a própria Anita, criticada duramente por Monteiro Lobato em seu artigo 'Paranóia ou Mistificação’:

QUADRO QUADRO CRONOLÓGICO CRONOLÓGICO

Embora eles se dêem como novos precursores duma arte a vir, nada é mais velho do que a arte anormal ou teratológica: nasceu com a paranóia e com a mistificação. De há muito já que a estudam os psiquiatras em seus tratados, documentando-se nos inúmeros desenhos que ornam as paredes internas dos manicômios. A única diferença reside em que nos manicômios esta arte é sincera, produto ilógico de cérebros transtornados pelas mais estranhas psicoses; e fora deles, nas exposições públicas, zabumbadas pela imprensa e absorvidas por americanos malucos, não há sinceridade nenhuma, nem nenhuma lógica, sendo mistificação pura. (...)Estas considerações são provocadas pela exposição da Sra. Malfatti, onde se notam acentuadíssimas tendências para uma atitude estética forçada no sentido das extravagâncias de Picasso e companhia. Essa artista possui um talento vigoroso, fora do comum. ((...)Entretanto, seduzida pelas teorias do que ela chama arte moderna, penetrou nos domínios dum impressionismo discutibilíssimo, e põe todo o seu talento a serviço duma nova espécie de caricatura. Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo e tutti quanti não passam de outros tantos ramos da arte caricatural. É a extensão da caricatura a regiões onde não havia até agora penetrado. Caricatura da cor, caricatura da forma - caricatura que não visa, como a primitiva, ressaltar uma idéia cômica, mas sim desnortear, aparvalhar o espectador.

Apesar do peso negativo de suas palavras, Lobato conseguiu popularizar o nome de Anita, divulgando as novas propostas artísticas. Nesse sentido, permitiu a ampliação dos debates em torno da arte, bem como abriu as portas para a Semana de Arte Moderna de 1922.

O novo movimento visava “descobrir” ou “redescobrir” o Brasil, capturando a influência europeia para a geração de uma arte plenamente brasileira, almejava por meio da ruptura com o tradicional atingir novas confluências artísticas. Esse processo foi denominado de antropofagia, conceito que faz menção ao ritual indígena de devorar os mortos para absorver suas qualidades, utilizado no Manifesto Antropófago. Este, por sua vez, entra como pauta base da Revista Antropofagia, divulgadora das novas tendências. Assim, resumiu os princípios tomados pelos modernistas, essencialmente aqueles vinculados ao movimento Pau-brasil.

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o Movimento o Movimento Modernista Modernista

"Mário de Andrade (sentado), Anita Malfatti (sentada, ao centro) e Zina Aita (à esquerda de Anita), em São Paulo, 1922."

A Semana de Arte Moderna de 22 em si, se revelou como um conjunto de conferências, concertos e exposições decorrentes no Teatro Municipal de São Paulo do dia 13 de fevereiro ao dia 17 de fevereiro de 1922 . Acerca de sua importância, Mário de Andrade discorre:

‘a Semana logra atingir os seus objetivos primordiais: “[...] o direito permanente à pesquisa estética; a atualização da inteligência artística brasileira; e a estabilização de uma consciência criadora nacional’ A ruptura estética, bem como a tentativa de criação de uma arte nacional se deu na prática a partir da plena adaptação dos padrões de construção da imagem característicos das vanguardas europeias e da sua junção com temáticas voltadas para a cultura brasileira em toda a sua diversidade . Unia-se, portanto, aspectos portugueses, indígenas e africanos, muitas vezes trazendo até mesmo representações do folclore. O objetivo, de acordo com Amaral (2006, p.

137), ‘era deliberadamente o de chocar.

Não havia diretrizes, nem certezas, ao contrário, as oscilações eram muitas.”. Tal situação pode ser percebida quando tomamos como exemplo a obra ‘Abaporu’ de Tarsila do Amaral:

Abaporu, 1928

Tarsila do Amaral Óleo sobre tela

Ao longo da obra, é perceptível a influência cubista na arte de Tarsila, por meio da geometrização evidente e da simplificação das formas, juntamente de fatores claramente brasileiros, tais como o cacto ao fundo e as cores consideradas caipiras. De forte carga regional, o purismo das cores e a desproporção conferem uma evidência da realidade brasileira em toda sua ingenuidade. Assim, sintetiza o movimento, bem como revela as diretrizes pós Semana de 22.

PRANCHAS PRANCHAS GRÁFICAS GRÁFICAS 16

O RETRATO DE MÁRIO O RETRATO DE MÁRIO DE ANDRADE I DE ANDRADE I ‘Anita é uma inconsciente... por isso possui a verdadeira técnica subjugada pela personalidade” - Mário de Andrade

‘O Retrato de Mário de Andrade I'' de Anita Malfatti se revela como uma obra inclusa na exposição da autora que decorreu durante a Semana de Arte Moderna de 1922, assim, representa por meio de uma estética que une aspectos impressionistas, expressionistas, fauvistas e cubistas, um retrato de seu amigo, o escritor Mário de Andrade. A obra captura em óleo sobre tela a imagem de Mário pelos olhos de Anita , em todo o seu potencial de desvirtuar a forma, de brincar com os sentimentos e com as colorações.

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Anita MALFATTI (1889-1964) Mário de Andrade I, 1921/1922 Óleo sobre tela, 51 x 41 cm.

Coleção Sérgio Fadel.

BREVE DESCRIÇÃO O foco da obra destaca o centro onde Mario se encontra com um traje de gala, composto por um terno, uma camisa branca e uma gravataborboleta. O mesmo apresenta a cabeça inclinada levemente para a direita, acentuando o olhar intenso e dialogal com o interlocutor. A calvície, os óculos arredondados e a postura geométrica entram como aspectos que caricaturam o retratado, ao mesmo tempo que evidenciam uma perplexidade em relação ao mundo.

O CONCEITO DA OBRA

Como uma pontuação de interessante citação acerca de O retrato de Mário de Andrade I, tem-se o conceito utilizado pela artista para elaborar a disposição dos elementos na tela: A época em que o quadro foi produzido se passa em um momento de festividades carnavalescas, assim, tomando a figura do Pierrô como base, Anita vai buscar a modernização das artes, ao acrescentar a uma estética vanguardista temáticas voltadas para a brasilidade, tais como o Pierrô e o próprio Carnaval.

Acerca da escolha do tema , Tércio (2019), revela que Mário de Andrade tinha o plano de se fantasiar desse personagem no carnaval de 1917. Segundo o autor, Mário pretendia vestir um traje de cetim de coloração verde, pois queria atribuir a esse personagem uma versão própria.

A Brasilidade A Brasilidade de Anita de Anita

Pierrot E O arlequin Paul Cézanne Circa 1888 óleo em telA 102 X 81 CM

Asfacetas facetasde deMário: Mário: As Umjogo jogo de de Um cores cores emexpressão expressão em As cores utilizadas por Anita no Retrato de Mário de Andrade I, denotam o seu vínculo com o processo de transição entre o impressionismo e as vanguardas, em uma busca constante pelo aspecto transcendental do espaço através das misturas cromáticas, independentes em relação ao desenho. Assim, revela-se a desenvoltura do expressionismo característico da artista, o qual aliado às cores fauvistas constroem uma narrativa sensível e pessoal.

Seu potencial impressionista pode ser percebido através das tentativas de, por meio da mesclagem cromática, destacar o modo como as cores do ambiente se disporiam sobre o retratado, quase como se buscasse ainda algum vínculo com o real, a perfeita captura de um momento. Tal relação ainda pode ser feita pela presença de traços sobrepostos, uso de manchas de tinta e da mistura das cores processada diretamente na tela.

Suas cores eram fantasmagoria s simbólicas, eram sinônimos!

Por trás da minha face longa, divinizada pelo traço da artista, um segundo plano arlequinal, que era minha alma.

O expressionismo delicado de Anita em confluência com seus traços cubistas se faz perceptível ao longo das intersecções prismáticas que acompanham o jogo cromático na tela. Dessa maneira, a construção das massas se revela de forma singular, não por meio de técnicas de reprodução como o emprego de uma perspectiva fidedigna, mas através de transições entre tons abertos e fechados. Assim, percebe-se a constituição dos ombros de Mário em seu terno elegante, justamente por meio do uso de traços mais escuros de tinta dispostos em um fundo que tende para o amarelo. A união entre o plano de fundo e o personagem indica ainda um perfeito emprego das técnicas cubistas no que se entende pelo processo de quebrar com a profundidade, ao fragmentar os planos.

Nesse sentido, o mesmo vai ser observado na face do retratado, em que a escolha do amarelo relembra certas peculiaridades de estudos cromáticos próprios dos artistas fauvistas. Desvirtua, portanto, o papel do claro e escuro na composição das formas, em que por meio de pinceladas rápidas em tons variantes, não performa apenas a expressão séria e significativa de Mário, mas traz até mesmo detalhes específicos como o formato do queixo e da barba, perfeitamente dispostos em marrom e azul escuro. Visava, portanto, expor uma idealização emotiva, particular e que revelasse as mais variadas facetas de seu amigo.

Do verde difuso ao amarronzado, as questões intimistas são evidenciadas, de fato, a cor em descompromisso, principalmente no uso do amarelo, o qual revela uma energia e felicidade introspectiva da própria autora, marcas de uma amizade bem construída. O amarelo, do ouro alegre e milionário, o azul que tende a um ilusionismo, o marrom em sua inquietude, o cinza em uma melancolia inexplicável, e o fogo entusiástico reverberam no interlocutor, e demonstram a intenção das tendências modernistas de irem além do material pela captura de sensações e de sentimentos. Aponta, portanto, por meio dos traços gestuais, dos planos simplificados, e das geometrias irreais um profundo vínculo com o retratado.

Tal profundidade pode ser percebida no manuscrito de Mário de Andrade a seguir, em que o escritor discorre a respeito do seu primeiro encontro com Malfatti no atelier da pintora. Nesse sentido, demonstra uma intimidade palpável em seu relacionamento, evidente pela escolha das tonalidades utilizadas pela artista na obra em questão :

“Estávamos os dois na penumbra oleosa do atelier. Ela arranjara a tela, preparara as cores, e, gestos nervosos, serpentinos, esboçara o meu retrato. Havia uma alegria de milagre lá fora(...) Anita dera-me a mão, num bom dia primaveril. (...) Anita criava! Como inconsciente (...) calara-me.

Sentia uma comoção reverente, religiosa diante daquela figura feminina, soberanamente enérgica e artista. (...) Foi, então que, virando-me para a artista, eu lhe falei de nós dois. Disselhe desta ânsia de amizade que me inquieta e sacrifica. Disselhe que para as almas como as nossas, enclausuradas no sacrifício conventual das artes, apenas um socorro existe: amizade” (Batista, 1989, p. 47-49).

Paleta da obra

#823E31 #EEA96E #E4BD60 #D8D6A6 #D19D63 #CBBCA5 #BBB778 #7E6E55

AS FASES DE ANITA Ao longo de sua carreira, Anita enfrentou verdadeiros obstáculos, próprios daqueles que tendem a buscar um modo de expressão muito a frente de seu tempo. Não era apenas uma artista de vanguarda em meio a um academicismo complexo e opressor, mas uma mulher diante de uma sociedade patriarcal e provinciana. Diante de seus altos e baixos, nunca deixou de pintar, sua arte se moldando às necessidades, pesares e aspirações.

A Boba, 1915-16, óleo s/tela, 61 x 50,5 cm Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil

O JAPONÊS, 1915, óleo s/tela, 51 x 61 cm COLEÇÃO MÁRIO DE ANDRADE DO INSTITUTO DE ESTUDOS BRASILEIROS DE SÃO PAULO São Paulo, BrasIL

Em sua fase inicial, que vai dos anos 10 à 1918, inspirada pelas ascensões artísticas vindas da Europa, revela um expressionismo detentor de imenso talento e profundidade, através de obras como ‘ O Japonês’ e ‘A Boba’. No período seguinte, quando se junta ao clube dos 5 , passa por um processo de intensa dúvida sobre os problemas formais da arte, em meio ao qual por conta das críticas e dos debates consigo mesma, vai desenvolver uma série de concessões, retornando a uma fase impressionista, melancólica e contida. O próprio Retrato de Mário de Andrade vai simbolizar esse processo de comedimento, acerca disso, Anita escreve para Mário, em 1925, afirmando a existência de um sofrimento característico em suas obras nos anos anteriores: Faço agora portraits bem bonitos que vc. [sic] tenho a certeza de que gostaria. Faço tudo mais leve: na minha pintura de agora, há uma ausência completa do elemento dramático. Acabei com o sofrimento e com a dor. É mais calma, ale-gre, contente, um pouco engraçada sem ser cômica nem trágica. Estou nas meias tintas, larguei de jogar com os grandes contrastes, pois só a um El Greco pode-se permitir tais extremos convenientemente. Mesmo Cézanne nunca atreveu-se [sic] a tais loucuras, pois conhecia suas forças e valha a verdade, cahiu [sic]5.

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Retrato de Nonê , 1935 Anita Malfatti, Óleo sobre tela, 65 x 82 cm

Em sua terceira fase, arduamente conquistada, a artista desenvolve um estilo estável, revelador de seu estado de espírito de bem estar e paz consigo mesma, em que vai se vincular a uma estética primitivista, singela e delicada.

Durante esse período, é possível observar um grande vínculo com a expressividade de Portinari em suas obras, como é percebido em sua tela ‘O Retrato de Nonê’, 1935, em que um tronco gigantesco em desproporção com a face de olhos grandes e boca pequena revela uma monumentalidade infantil, própria do estilo de Anita.

Sua produção artística vai estar também imensamente conectada às temáticas sociais , como é perceptível em ‘Tropical’, de 1917. Ao longo da obra vai expor valores próprios de seu vínculo com as questões nacionais, em sua potencialidade de discutir os aspectos raciais e regionais por meio do uso de técnicas naturalistas. Tal propósito se faz evidente pela presença de certos elementos como folhas de bananeira e frutas tropicais. Acerca dessa temática, Silva (2017)comenta:

Tropical, 1916, óleo s/tela, Anita Malfatti 77 x 102 cm Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, Brasil

O PROCEDIMENTO DE ANITA MALFATTI ERA O DE DESCREVER, COMO SE ESTIVESSE REALIZANDO UMA PINTURA, O QUE VÊ E ACONTECE AO SEU REDOR, DANDO ÊNFASE À OBSERVAÇÃO DO AMBIENTE, DESTACANDO AS CORES DE TUDO —PRINCIPALMENTE DA NATU-REZA — QUE CONTORNA O MUNDO” (P. 117).

A IMPORTÂNCIA DA OBRA ANITA: um suspiro de revolta O Retrato de Mário de Andrade surge diante de um terreno fértil de mudanças sociais protagonizado, sobretudo, pelo Grupo dos Cinco — representantes do movimento modernista. Nesse sentido, a importância da obra interliga-se com a significação deste, uma vez que ambos prezam pelo rompimento com características estéticas consideradas tradicionais, potencializando uma ruptura com o academicismo vigente ao representar um valor artístico extremamente novo, de uma arte que não possui um compromisso fotográfico com os objetos retratados.

Nessa perspectiva, seu jogo de cores relaxado; a suavidade do seu traço; o diálogo entre do segundo plano com o primeiro, de forma a potencializar a imagem do retratado; a dramaticidade simbólica existente na exaltação do subjetivo, do emocional, evidenciam a vasta relevância dessa produção, por meio da manifestação do seu caráter inovador, impondo um ponto de vista; de lugar, no qual se observa e avalia a cultura brasileira, de modo a forjar não apenas um ideal estético, mas também a identidade brasileira. Portanto, esta obra seria um dos pontos de partida para a ebulição da Semana de Arte Moderna, de 1922, e, por conseguinte, um dos marcos nesse processo de renovação cultural.

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As cores se distanciando do seu papel de retratar o real, ao permitir o alcance de um meio cada vez mais profundo de expressão confere a base do modernismo brasileiro. Era esse, portanto, o verdadeiro princípio dos joguetes cromáticos da Semana de Arte Moderna de 22, exposição cuja obra em análise faz parte. Assim, além do choque entre a mimese e a amplitude do mundo interior, a liberdade de construção que toma as emoções como foco irão abalar a arte, e é nesse centro catalítico que Anita vai se encontrar e se desenvolver magnificamente. Tal linha de pensamento é exposta por Andrade Apud Brito no trecho a seguir:

[...] a primeira consciência coletiva, a primeira necessidade de arregimentação foi despertada ou não pelo que se passava na cidade, com a exposição de Anita Malfatti.

Foi ela, foram os seus quadros, que nos deram uma primeira consciência de revolta e de coletividade em luta pela modernização das artes brasileiras. Pelo menos a mim.

(Andrade apud BRITO)

O CENTENÁRIO DA SEMANA DE ARTE MODERNA 100 anos atrás, em 1922, A semana de Arte Moderna, em sua potencialidade, transformou o processo de criação artístico de forma intensa, permitiu a libertação dos artistas diante dos moldes acadêmicos saturados, bem como abriu as portas para uma arte carregada de brasilidade. Constituiu assim, o primeiro movimento inteiramente nacional, apesar das influências estrangeiras terem sido imensamente significativas para esse momento de revolta.

Diante disso, uma grande exposição irá ocorrer no MAM Rio de 22 de julho de 2022 à janeiro de 2023, visando não apenas homenagear os artistas, escritores e poetas que ao deterem de um pensamento a frente de seu tempo, de fato lançaram ao futuro seu modo de pensar, mas também almeja refletir sobre a produção modernista ao indicar novos caminhos para a arte por meio de um pensamento crítico e renovador.

A mostra pretende somar às atuais discussões que visam a leitura histórica dos discursos de legitimação e centralidade de um ideal modernista no país, cuja construção insiste na invisibilidade de pessoas, criações e narrativas localizadas fora dos grandes centros e originárias de outras visões de mundo afirma Beatriz Lemos, curadora adjunta do MAM Rio. 28

O Capa do programa da Semana de Arte Moderna de 22, ,Di Cavalcanti Acervo do Instituto de Estudos Brasileiros USP - Arquivo Mário de Andrade

Capa do programa da Semana de Arte Moderna da Periferia

Índia, 1917 pastel sobre papel Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio

Adoração dos Reis Magos, 1925 óleo sobre tela Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio

Com esse intuito , a exposição contará com a presença de obras marcantes do modernismo brasileiro e internacional de artistas como Anita Malfatti, Di Cavalcanti, John Graz, Vicente do Rego Monteiro e Victor Brecheret. Além de incluir artistas contemporâneos e grandes nomes de movimentos sociais de peso, tais como Denilson Baniwa, convidado para a cocuradoria, sendo este um dos principais nomes da arte indígena contemporânea. Suas obras trazem a tentativa de dar destaque a incoerências históricas que tentam banalizar as questões voltadas para a cultura indígena, assim, visa dar voz a aqueles que foram invisibilizados no passado, por meio da arte e da comunicação.

Nesse sentido, ‘Nakoada’ foi o título escolhido para o projeto, acerca de seu significado Beatriz Lemos comenta:

‘ Nakoada é parte do conjunto de éticas de guerra Baniwa. Em seu vasto campo de significados, Nakoada seria o estudo e profundo entendimento de outra cultura para exercer a habilidade de capturar conhecimentos não-indígenas e construir narrativas que sejam radicais na continuidade da vida e dos saberes indígenas. “Em outras palavras, uma contra-antropofagia ou reantropofagia”

O ARQUEIRO DENILSON BANIWA Obra digital Mulher, 193mármore Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio

REFERÊNCIAS LAUDANNA, Mayra. VER: Anita Malfatti. [2007]. Elaborado em parceria com a Universidade de São Paulo - Instituto de Estudos Brasileiros.

Disponível em: http://ver-anitamalfatti.ieb.usp.br/. Acesso em: 26 maio 2022.

SÁ, Roberta Mendes de. Anita Malfatti: as cores e formas do modernismo brasileiro. Revista Brasileira de História da Arte, São Paulo, v. 5, n. 6, p. 26-41, 2020. Semestral. Disponível em: https://www.seer.ufrgs.br/icone/article/view/101110. Acesso em: 08 maio 2022.

IONTA, Marilda Aparecida. As cores da amizade na escrita epistolar de Anita Malfatti, Oneyda Alvarenga, Henriqueta Lisboa, Henriqueta Lisboa e Mário de Andrade. 2004. 315 f. Tese (Doutorado) - Curso de História, Departamento de História. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – Ifch., Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004. Cap. 1.

Disponível em: https://historiacultural.mpbnet.com.br/artigos.genero/marilda/IONTA_ Marilda-tese.pdf. Acesso em: 08 maio 2022.

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AUTORES

clarice, ESTUDANTE DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE, SE ENCONTRA ATUALMENTE NO SEGUNDO PERÍODO DA FACULDADE E ESPERA VEEMENTEMENTE CHEGAR SÃ AO TERCEIRO.

CLARICE MENDES CAVALCANTE BARROS

Matheus, estudante de arquitetura e urbanismo pela universidade federal de Sergipe, tornou-se, ao longo desses dois períodos, mestre em colocar um fone de ouvido e, simplesmente, fingir que a universidade não existe.

JOSÉ MATHEUS DE JESUS BARRETO

trabalho de estética e história da arte II professor: pedro murilo gonçalves de freitas segundo período

Laranjeiras 2022