O Cinema Sul-Coreano Contemporâneo

UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS CURSO DE REALIZAÇAO AUDIOVISUAL HISTORIA DO CINEMA INTERNACIONAL

O Cinema Sul-Coreano Contemporâneo Jéssica Gonzatto Pedrozo Jaqueline Valadares Duarte

São Leopoldo Dezembro/2015

1. Características Gerais Recentemente, o cinema sul-coreano vem conquistando seu espaço no mercado cinematográfico mundial, destacando-se por sua vitalidade econômica e artística. Em seu capítulo De volta para o futuro: A nova era do cinema sul-coreano (presente no livro Cinema Mundial Contemporâneo), Luiz Carlos Oliveira Júnior defende que Com sua indústria cinematográfica consolidada e atingindo números que surpreendem ano após anos, a Coréia do Sul já déspota como o possível epicentro de um mercado pan-asiático de audiovisual capaz de gerar a infraestrutura e o dinamismo necessários para enfrentar a pressão norte-americana. (2008)

Atualmente é impossível pensar em um cinematografia contemporânea sem analisar o cinema sul coreano. São diversos os fatores considerados importantes para o crescimento do cinema sul coreano, sendo um de grande importância: as ambições comerciais e artísticas de produção estão em sincronia, e sensibilidade estética e divertimento popular estão sendo trabalhados simultaneamente. 1 Júnior afirma que o cinema sul coreano alimenta e aproxima a realidade de um antigo sonho asiático de mercado cultural comum, onde o principal propósito é transformar o mercado cultural em algo único. Para isso há diversas iniciativas sendo realizadas, como educação e aperfeiçoamento técnico dos profissionais de audiovisual do continente, além de acordos com canais de televisão e distribuidores de cinema independente.

Na Coreia não há salas dedicadas ao cinema de arte, e o cinema sul-coreano vive a fase dos blockbusters e dos multiplex. Em compensação, há uma série de festivais de pequeno e médio porte com boa repercussão de público, sobretudo o jovem. O festival de Pusan (idealizado por Kim Dong-Ho) sempre teve em mente a preocupação de ceder espaço aos cineastas independentes e revelar novos talentos – não apenas coreanos, mas de toda a Ásia.

Sobre o sucesso de bilheteria dos filmes sul-coreanos, Oliveira Júnior afirma que O cinema sul coreano se mantém em alta, graças ao interesse de seu público, que frequenta a sala escura com uma avidez rara na era do DVD, da televisão a cabo e da internet. Na Coréia, o cinema ainda é a maior diversão. (2008)

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Essa “Fórmula de sucesso coreana” é comprovada pelos números. Em 2006, entraram em cartaz 110 filmes, o maior número desde 1991. Os dois líderes de bilheterias foram King and the clown (Lee Joon-ik) com 12 milhões e meio de espectadores e O Hospedeiro (Bong Joon-ho) que bateu todos os recordes , ultrapassando 13 milhões de ingressos vendidos. (JÚNIOR, 2008)

2.

Contexto Histórico

No ensaio A Short History of Korean Film, Darcy Paquet aborda os principais percalços que o cinema sul coreano sofreu durante sua trajetória: Since its earliest beginnings, Korean cinema has been hampered by Japanese colonization, national division, civil war, authoritative military governments, strict censorship, and highly restrictive, distorting film regulations. Only in the 1990s did Korean cinema finally enjoy a supportive government, a stable economic environment and a sensible film policy. Although the amazing commercial boom that has powered the film industry in recent years may well fade to more modest levels, one hopes that Korean cinema will never again face such extreme disruptions as it did in the 20th century. 2 (1999)

A dominação do Japão sobre a vida cultural da Coréia durou toda a primeira metade do século XX, e mesmo enfraquecida, não deixou de existir nas décadas seguintes. No cinema coreano contemporâneo, é possível observar essa influência em alguns filmes fortes ecos de animes e do novo cinema fantástico de Miike e Kurosawa.

Os episódios da guerra civil (1950-1953) e da separação da Coréia em Norte e Sul são uma espécie de trauma originário da psique coletiva. A força motriz do cinema coreano parece ser essa cicatriz interna, esse sentimento de perda irreversível.

A existência de um grande tema nacional serviu de matériaprima para o desenvolvimento de uma autêntica arte das multidões, uma arte que sabe manipular com precisão as emoções de massa. (JÚNIOR, 2008)

Em seu capítulo, Júnior cita que o filme que está para a era dos blockbuster coreanos assim como Carlota Joaquina está para o cinema brasileiro da retomada é Shiri, missão terrorista (Kang Je-gyu), lançado de forma absolutamente arrebatadora em 1999.

Shiri foi tudo o que os coreanos precisavam para acreditar no

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Desde seus primórdios, o cinema coreano tem sido dificultado pela colonização japonesa, divisão nacional, guerra civil, governos militares autoritários, censura rigorosa e altamente restritiva e regulamentos distorcidos de cinema. Somente na década de 1990 o cinema coreano finalmente pode desfrutar de um governo de apoio, um ambiente econômico estável e uma política sensata de filmes.

Embora o boom comercial incrível tenha alimentado a indústria do cinema nos últimos anos, ele pode muito bem desaparecer para níveis mais modestos, espera-se que o cinema coreano nunca mais venha a enfrentar tais rupturas radicais, como o fez no século 20. (tradução livre)

potencial industrial de seu cinema. Combinando algo de um artesanato à Hong Kong com o arcabouço dramático clássico Hollywoodiano, trata-se de um filmes de ação que – por trás de sua velocidade feroz e dos códigos de gênero – recoloca a desfasagem política e econômica entre as duas coreias como um assunto muito próximo do espectador, mais precisamente como um assunto doméstico. (2008)

A renovação e enriquecimento que ocorreram no cinema sul-coreano em praticamente uma década (contando a partir do final dos anos 1990), dentro do processo de transferência à era industrial já o coloca como uma das maiores histórias de sucesso da indústria cinematográfica internacional.

De acordo com Oliveira Júnior, podemos destacar quatro aspectos cruciais para está renovação e enriquecimento da indústria coreana: 1) Investimento de capital privado, proporcionado pela possibilidade lucrativa que o cinema despertou em grupos industriais e financeiras.3 2) Surgimento, a partir dos anos 80, de uma nova geração de cineastas (que se formavam nas escolas de cinema do país ou vinham de seus estudos concluídos no exterior). 3) O estímulo aos festivais locais. 4) A criação de uma cota restringindo a participação norte-americana no circuito distribuidor e obrigando proprietários de salas a exibir filmes coreanos por um número mínimo de dias.4 Não menos importante para a nova onda do cinema coreano do que qualquer desses aspectos foi o sucesso inesperado de um filme do veterano Im Know-taek em 1993, que foi um grande fenômeno, como Oliveira Júnior ilustra quando afirma que A magnitude do fenômeno, o mais velho cineasta coreano em atividade rendia as provas de que era possível um novo cinema coreano. A ironia está no fato de que o triunfo comercial de um “filme de autor”, obra destinada a uma experiência estética exigente, antecipava o interesse do público por uma produção nacional que seria posteriormente dominada pelo cinema de gênero de grande orçamento. (2008)

Além dos fatores previamente citados, há também o fato de que o cinema da Coréia do Sul faz parte de um acontecimento maior: o Hanryu (moda da cultura pop coreana espalhada por quase todo leste asiático). O termo foi criado por jornalistas chineses impressionados com o crescimento da popularidade dos produtos culturais sul-coreanos em seu país, e significa “onda coreana”.

O cinema sul coreano articula os gestos individuais ao destino coletivo de forma brilhante, introduzindo na esfera doméstica os assuntos históricos e políticos, um exemplo é o filme Shiri, missão terrorista.

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Como a empresa multinacional Samsung, que até hoje mantém seu interesse no setor. (JÚNIOR, 2008) 4 Em 1 de Julho de 2006, a cota de exibição foi reduzida à metade, passando de 146 para 73 dias ao ano, depois de renegociações motivadas por chantagens econômicas norte-americanas. (JÚNIOR, 2008)

3. Dificuldades Mas não é só de glórias e sucessos que vive o cinema sul coreano, na realidade os cineastas enfrentam grandes dificuldades. Luiz Carlos Oliveira Júnior aponta em seu texto essas fragilidades. Uma delas é o escasso mercado de DVD´s (os coreanos abandonaram as locadoras quando houve a transição do VHS para o DVD).

Por esse motivo, os filmes acabaram tornando-se dependentes da performance nas salas de cinema, consequentemente, do sucesso de bilheteria. Em contrapartida, a pirataria é imensa e incontrolável. Os filmes chegam rapidamente à internet ou são comercializados clandestinamente em todo o eixo do leste asiático.

Outra dificuldade apontada por Júnior em seu texto são os megassucessos, que acabaram estimulando um modelo inflacionado de produção e aumentaram em muito a expectativa de retorno financeiro dos filmes. Ele afirma que os independentes, no meio desse processo, acabaram atropelados pela predominância dos blockbusters e, principalmente, pela inexistência de salas de exibição fora do circuito de grande público. Com o sucesso incalculável do cinema mainstream, os diretores independentes coreanos encontram cada vez mais dificuldades para produzir e distribuir seus filmes.

4. Cinema de Gênero: contexto e principais elementos estéticos O cinema de gênero sul-coreano refere-se, em grande parte – senão totalmente –, ao blockbusters com produções inflacionadas realizadas no cenário contemporâneo do país. Com fortes influências hollywoodianas e honconguesas na temática e linguagem de câmera, o cinema de gênero corresponde a grande parte da economia cinematográfica do país por possuir êxito comercial nacional e internacional, apresentando um grande crescimento mercantil desde Sopyonje (1993), de Im Kwontaek, que levou ao cinema cerca de um milhão de pessoas. Essa obra, curiosamente, encaixa-se no âmbito do filme de arte, porém é um marco evidente – juntamente com Shiri, missão terrorista (1998), de Kang Je-gyu 5 – da época de crescimento do cinema popular sul-coreano, que começa a transformar-se a partir de mudanças6 da indústria cinematográfica estruturais ocorridas nos anos 80 (PAQUET, 1999).

Em termos de linguagem, percebemos signos recorrentes nos diversos gêneros propriamente ditos, tais como a presença de oposições clássicas de elementos tipicamente do western americano – “(...) por exemplo: bestialidade e humanismo, selvageria e civilização, rudeza e educação.” (JUNIOR, 2008) – nos filmes de ação coreanos, ou ainda os efeitos espetaculares, movimentos de câmera e montagem acelerados herdados do cinema de ação de Hong Kong como exemplos. Torna-se interessante ressaltar, porém, que o cinema coreano popular tem como missão retratar

5 (JUNIOR, 2008) 6

Tais como o enfraquecmento da censura; legalidade de certos filmes independentes – ilegais até então, etc. (PAQUET, 1999)

seu país, não de forma ufanista talvez, mas se utilizando da linguagem “importada” para formar um humor próprio, um drama histórico próprio, e assim por diante.

Em sua publicação Four variations on korean genre film: tears, screams, violence and laughter, Chung Sung-ill apresenta o conceito de colonização de gêneros quando afirma que There are no indigenous genres in the Korean cinema. Rather, they are all imitations of or variations on Western and other Asian film genres. Hollywood created the western, Japan developed the samurai film, and Hong Kong invented the martial arts film. In contrast, Korea merely accepted various film genres from other countries and modified them.7 (2007:1)

Esse aspeto aparece no cinema das mais variadas formas, e na linguagem, por exemplo, temos uma escolha de temas que corroboram para a visão de uma Coreia colonizada: existe uma abundância de dramas históricos, filmes de guerra (atualmente abordando numerosamente a Guerra entre a Coreia do Norte e Sul, mesmo com influências do cinema japonês e chinês), ação policial, comédias românticas e outros gêneros mais “comuns” e inerentes a outros países.

Em contrapartida, Chung relata nesse mesmo estudo a grande hibridização desses gêneros no cinema popular coreano. São observadas demasiadas variações e combinações nos filmes contemporâneos, na comédia principalmente, em razão da certa dificuldade de instauração da mesma no âmbito coreano (seu advento veio também nos anos 90): “Even today, comedy films have not yet found their identity.

They are still a hybrid of various genres, trying to produce laughter by playing on other genres (...)”.8 (CHUNG, 2007) Com relação ao gênese dos gêneros na Coreia, o autor aponta o melodrama, o horror, a ação e a comédia como motrizes, e todos os outros gêneros como variações e híbridos desses.

5. Cinema de Gênero: diretores e a estética contemporânea São observadas pelo menos três diferentes polos estéticos no cinema de gênero coreano: o do cinema de arte, tratado mais adiante, o popular-comercial e o de autor-comercial. Para atestar essa afirmação, começamos analisando uma descrição destinada ao diretor contemporâneo Park Chan-wook: (...) um certo gosto pelo folhetim, pelo excesso, pela violência mesclada de humor pós-Tarantino. (...) cultura propensa ao grotesco, à bizarrice, ao humor negro, construindo, por meio

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Não existem gêneros nativos no cinema coreano. Ao invés disso, são todos imitações ou variações de westerns e outros gêneros asiáticos. Hollywood criou o western, o Japão desenvolveu o filme de samurai e Hong Kong inventou o filme de artes marciais. Em contraste, a Coréia simplesmente aceitou vários gêneros cinematográficos e modificou-os. (tradução livre) 8 Mesmo hoje, filmes de comédia ainda não encontraram sua identidade. São ainda um híbrido de vários gêneros, tentando produzir risadas brincando com outros gêneros (...). (tradução livre)

de seus enredos de vingança, um caleidoscópio de imagens saturadas de grafismo, uma exibição gratuita de truques narrativos e iconicidade (...) (JUNIOR, 2008)

O estilo de Park seria, então, próximo ao do exibicionismo gráfico presente nos blockbusters de ação (popular-comercial), por exemplo, vários desses exportados (do próprio Park, J.S.A, 2000, Lady Vingança, 2005, etc) e consumidos em massa por espectadores do mundo inteiro. Relaciona-se esse estilo a uma ideia póshollywoodiana, incorporando elementos clássicos ocidentais a uma apresentação saturada e acelerada – “Meanwhile, the use of saturated colours, stylish set design (...), and curious archaic-sounding dialogue combine to create a wholly original feel to the film.”9 (PAQUET, 2009) – , adaptando-se para o cinema e imaginário essencialmente coreano (senão asiático).

O estilo do cinema blockbuster foi moldando-se a partir do começo da Nova Hollywood da Asia, nos anos 90, incorporando elementos da Hollywood original e tornando-se o estilo mais recorrente nas produções do país. Na obra New Korean Cinema: Breaking the Waves, Darcy Paquet analisa brevemente a linguagem do sucesso de bilheteria Shiri, explicitando a clara relação com a linguagem e narrativa hollywoodiana: (...) Shiri featured shootouts on urban streets, exploding buildings, car chases, ticking bombs and other narrative/visual clichés of big-budget action films from Hollywood or Hong Kong. At the same time it incorporated a melodramatic love story between a South Korean agent and a North Korean spy that played off of Korea’s collective anxiety over its longstanding political division. The film borrowed liberally from the model of the Hollywood blockbuster, but in addressing Korean themes it sought to be recognised and accepted as a local work.10 (2009: 71)

Em outra instância, temos o conceito de “cinema de autor” ajustado ao contexto comercial coreano: em maior destaque, testemunhamos o diretor contemporâneo Bong Joon-Ho participar desse fenômeno cinematográfico que seria o cinema de autor-comercial. Constatado por Oliveira Júnior, os filmes do diretor acabam por instituir um cinema militante, autoral, por vezes experimental, por vezes maduro, em “meio a um sistema pleno de normas e exigências de produtores”11. Por

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Enquanto isso, o uso de cores saturadas, design de set estilizado (...) e curioso diálogo sonoramente antiquado combinam-se para criar uma sensação totalmente original para o filme. (tradução livre) 10 Shiri apresentava tiroteios em ruas urbanas, prédios explodindo, perseguições de carro, bombas a disparas e outros clichês narrativos/visuais típicos de filmes de ação com grande orçamento de Hollywood ou Hong Kong. Ao mesmo tempo, incorporou uma história de amor melodramático entre um agente sul-coreano e uma espiã norte-coreana que participou da ansiedade coletiva da Coreia durante sua prolongada divisão política. O filme emprestou deliberadamente do modelo do blockbuster de Hollywood, mas em termos de temas coreanos, procurou ser reconhecido e aceito como um trabalho local. (tradução livre) 11 (JUNIOR, 2008)

esse motivo, assemelha-se à antiga política dos autores francesa, porém sob diferentes circunstâncias.

Ao próprio Bong e alguns diretores semelhantes atribui-se um afinado senso estético e, principalmente, grande experimentação com os gêneros cinematográficos – característica presente na maioria do cinema popular do país. Em uma passagem do texto De volta para o futuro: a nova era do cinema sul-coreano, Oliveira Junior fundamenta que Na sequencia final de O hospedeiro [2007 no Brasil], cinema militante, gag de humor e aventura romântica se misturam sem hierarquia ou privilégio. Cinema de gênero, sim, mas feito por um autor (...) [esses são] diretores que trabalham no centro nervoso da indústria, extraindo da própria situação de negociação com as estruturas de produção e com os códigos ficcionais preestabelecidos a expressão de um olhar singular sobre o universo que mostram. (2008: 332)

Grande parte dos diretores contemporâneos acabam por experimentar nesses aspectos, transitando entre o cinema popular e o de autor-comercial.

6. Cinema de Arte No universo do cinema de arte coreano, observamos uma vasta gama de escolhas estéticas ao analisar diretores como o experiente Im Kwon-taek – o qual curiosamente inicia sua carreira aproximando-se do nicho de cinema de gênero e depois deslocando-se para o cinema de arte, principalmente produzindo obras históricas.

Im Kwon-taek participou da “época de ouro” do cinema coreano, sendo o único diretor atuante ainda na época contemporânea. Seu sucesso viria em 1981, com seu septuagésimo quinto filme dirigido, Mandala, que aproxima seu discurso de personagens marginalizados. Em 1993, atrai um público numeroso ao lançar Sopyonje, drama que aborda a prática do pansori12 em um contexto familiar, intimista. Paquet comenta a abordagem do autor, destacando sua força narrativa: Im’s films, which often combine a long-take aesthetic with emotionally direct or melodramatic plotlines, are not known for bold experiments in form. Instead, critics praise his best work for the nuanced insight he brings to the historical and cultural forces that have shaped Korea’s development. 13(2009: 11)

12 Prática folclórica asiática que envolve cantos.

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Os filmes de Im, os quais frequentemente combinam uma estética de planos longos com linhas narrativas emocionalmente diretas ou melodramáticas, não são conhecidos por ousados experimentos de forma. Ao contrário, críticos elogiam seus melhores trabalhos pelo insight de nuances que ele traz para as forças históricas e culturais que moldaram o desenvolvimento da Coréia. (tradução livre)

Outra característica do autor-diretor é a maestria em utilizar elipses, observada por Oliveira Junior, o qual utiliza como exemplo o filme Low life, de 2004, denotando uma desfeita no “esquema de causa-efeito na montagem” (2008).

Ademais, analisemos ainda outro renomado diretor do cinema menos comercial: Hong Sang-soo, caracterizado como “pessoal e intimista” e, até mesmo, minimalista. Sua técnica de câmera expõe transparência, detalhes e limpidez na miseen-scène, abordando temas cotidianos, eventos e situações humanas que requerem delicadeza ao serem retratadas, mesmo que de forma crua (JUNIOR, 2008). Suas teias narrativas podem ser complexas – como em A virgem desnudada por seus celibatários (2000), um sucesso de bilheteria que se desenvolve a partir de flashbacks, ou Turning gate (2002), que se utiliza, por exemplo, de repetições significativas (PAQUET, 2009) –, mas o tratamento que o diretor procura é vítreo o suficiente para que o espectador concentre-se na narrativa, controladamente atrelada a detalhes de cena e enredo que revelam-se pouco a pouco dentro do esquema nãoconvencional da linguagem do diretor. Comentando a linguagem de Hong, Paquet cita Bordwell e elabora que David Bordwell argues that Hong’s films fit broadly into the minimalist tradition taken up by Asian filmmakers such as Hou Hsiao-hsien, Tsai Ming-liang and Kore-eda Hirokazu, in adopting episodic rather than goal orientated narratives; in focusing on mundane, everyday occurrences; and in omitting important scenes or background information, leaving viewers unsure about characters’ motivations. Visually as well, Hong shares with Asian minimalist films an austerity in camerawork that forces the viewer to focus on small details. However, Bordwell argues that Hong ‘has developed a strikingly original approach to overall narrative architecture’ (2007: 22).14 (2009: 84)

Não poderíamos discutir cinema de arte contemporâneo sem mencionar o nome de Kim Ki-duk, lançado inclusive no Brasil. O diretor, ganhador do festival de Cannes em 200415, é controverso em vários aspectos. Inicia sua carreira como autodidata, filmando Crocodile em 1996 independentemente, alcançando, em 2015, 22 títulos dirigidos – inclusive documentários. Em termos de temática, seus filmes são pontuais: no início da carreira, Kim apresentava violência, relacionamentos cruéis

14 David Bordwell argumenta que os filmes de Hong encaixam-se abrangentemente na tradição minimalista inerente a cineastas asiáticos como Hou Hsiao-hsien, Tsai Ming-liang e Kore-eda Hirokazu, em adotar narrativas episódicas ao invés de orientadas por objetivos; em concentrar em ocorrências mundanas e cotidianas; e em omitir cenas importantes ou informação de background, deixando espectadores dúbios em relação às motivações dos personagens. Visualmente também, Hong compartilha com filmes minimalistas asiáticos uma austeridade no trabalho de câmera que força o espectador a concentrar-se em pequenos detalhes. Ainda assim, Bordwell argumenta que Hong ‘desenvolveu uma abordagem surpreendentemente original na arquitetura narrativa em geral’ (tradução livre) 15 (KIM, 2004.1)

entre personagens “do fundo da escada social” e, ao longo de suas obras, o perdão e a redenção tomaram espaço (PAQUET, 2009).

Oliveira Júnior atenta para o singular fato de que o diretor não exibe seus filmes em salas convencionais, exportando suas produções para um público considerável europeu e norte-americano (2008). O espectador sul-coreano parece, para Darcy Paquet, não se interessar por cinema de arte doméstico, marginalizando em grande parte os filmes de Kim: “Bemoaning Korean viewers’ lack of interest in art-house cinema, Kim vowed not to release any more of his films domestically if Time failed to sell 300,000 tickets”16 (2009: 91). Alguns méritos da linguagem do diretor residem, por exemplo, em seu talento de construir narrativas completas com o mínimo de diálogo, ou na sua constante prática em expor problemas éticos de forma realista, objetiva e crua, sem se utilizar de grandes metáforas.

Em termos gerais, a linguagem do cinema de gênero difere-se do discurso de arte pela abordagem dos temas, a profundidade com que trabalham-se os elementos narrativos, a utilização de efeitos e o próprio número de espectadores, entre outros aspectos.

7. Temas Recorrentes e o Público Em um estudo sobre o realismo no cinema coreano, Isolde Standish aponta dois fenômenos interessantes sobre o panorama do cinema contemporâneo: a preocupação com o realismo social a partir da década de 80 – em decorrência da conscientização por parte de estudantes em relação a ameaça do imperialismo norteamericano – e a rebeldia de jovens cineastas pertencentes à Nova Onda Coreana.

Comenta que The Korean new wave has come about as a "revolt" against traditional conventions imposed by a stringent system of political censorship. The Korean new wave is characterized by new content: new characters (the working classes, radical students), new settings (the factory, slum houses), and new problems (the north/south division, urbanization, industrial unrest, and family breakdown).17 (1993: 67)

Percebemos, então, a recorrente inerência da temática à censura. Na citação, também constatamos um assunto usual no cinema coreano: a separação da Coreia do Norte e do Sul, que permeia não só dramas históricos como melodramas, filmes de ação e como também k-horror (gênero de horror com elementos tipicamente coreanos). Um

16 Lamentando a falta de interesse dos espectadores coreanos em cinema de arte doméstico, Kim prometeu não lançar mais nenhum de seus filmes domesticamente se Time [2006. Tempo, no Brasil, 2007] falhasse em vender 300,000 ingressos. (tradução livre) 17 A nova onda coreana tornou-se uma “revolta” contra convenções tradicionais impostas por um sistema rígido de censura política. A nova onda coreana é caracterizada por conteúdo novo: novos personagens (as classes trabalhadoras, estudantes radicais), novas locações (a fábrica, muquifos), e novos problemas (a divisão norte/sul, urbanização, inquietação industrial, e colapso familiar. (tradução livre)

exemplo recente é a obra A irmandade da guerra, de Kang Je-gyu, 2004. A memória de colonização da Coreia pelo Japão também é extensivamente representada, muitas vezes por meio de metáforas. Ainda em relação ao âmbito político, o cinema coreano aborda a questão da ameaça de imperialismo por parte dos EUA - como denota Oliveira Júnior no filme O hospedeiro, de Bong Joon-ho, 2006.

Em múltiplos blockbusters e filmes de arte observamos a recorrência da vingança como força motriz: a Trilogia da Vingança, de Park Chan-wook, que envolve três produções de mesmo tema – Sympathy for Mr. Vengeance (Mr. Vingança, 2002), Oldboy (2003) e Sympathy for Lady Vengeance (Lady Vingança, 2005) é, talvez, a mais conhecida internacionalmente. Sobre a trilogia, Paquet comenta que “Park has stated that his intention in shooting the films in his so-called vengeance trilogy [...] was to show the ultimate futility and emptiness of revenge.”18 (2009:97).

A sexualidade é outra nuance amplamente encontrada no cinema do país, tanto crua e bruta (como em Pièta, 2012, de Kim Ki-duk ou alguns filmes de Jang So-woo), quanto delicada (i.e: A virgem desnudada, 2000). Em um estudo sobre a remasculinização dos filmes coreanos contemporâneos, Kim Hyun Kyung aponta em alguns filmes a desmantelação da família em razão de desejos sexuais masculinos, sendo esses por vezes depravados, desesperados ou melancólicos em consequência de traumas sociopoliticos vividos nas últimas décadas (2004.2).

Outro assunto comum de ser tratado envolve a máfia (jopok19) em diversas situações e abordagens, recorrente em filmes de gênero thriller, policial, crime, mistério e até comédia (CHOI, 2010). Em termos de oposições, observamos uma forte presença de anti herois, sejam criminosos ou policiais, por exemplo, ou a oposição entre o ambiente rural e o urbano, e até mesmo entre homens e mulheres (como em Shiri).

O feminino, porém, está muito mais representado do ponto de vista submissivo do que contestatório. Críticas feministas começam a aparecer tanto dentro quanto fora das telas a partir dos anos 90, em decorrência da colossal misoginia presente nos filmes não só coreanos como asiáticos em geral. O estupro, por exemplo, é um elemento narrativo extensivamente presente na cinematografia do país, e, de acordo com Paquet, retratado frequentemente como um trauma coletivo de ordem política, e não propriamente humana e feminina. Um filme que fugiria da questão da submissão é My Sassy Girl, uma comédia romântica dirigida por Kwak Jae-yong em 2001. O filme, porém, “clearly lacks any feminist agenda, in that The Girl’s domineering attitude is later explained away as a kind of pathological response to personal trauma, and she begins to assume much more traditional gender roles.”20 (2009).

Por fim, observamos o grande apelo ao público jovem contemporâneo no que

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Park afirma que sua intenção em fazer os filmes de sua chamada trilogia da vingança [...] era mostrar a irrevogável futilidade e vazio da vingança. (tradução livre) 19 “Crime organizado” em coreano.

20 Claramente é carente de qualquer agenda feminista, pois a atitude dominante da Garota é mais tarde explicada como um tipo de resposta patológica a um trauma pessoal, e ela começa a assumir um papel social muito mais tradicional. (tradução livre)

diz respeito aos temas e abordagens presentes no cinema popular coreano. No capítulo Once upon a time in high school, Choi analisa o fenômeno dos filmes adolescentes ou com temática escolar, a qual está frequentemente relacionada a “a place of peer pressure and ostracism”21. Não obstante, os filmes direcionados a juventude abrangem outros temas, como romance (My Tutor Friend, Kim Kyeonghyeong, 2003), terror (Whispering Corridors, Park Ki-hyeong, 1998) e amizade (Take Care of My Cat, Jae-eun Jeong, 2001), entre outros, sendo visível seu advento grande parte por causa do fenômeno hanryu.

A abundância de temas desse cinema nacional rico é tão palpável quanto o talento de seus – e suas – cineastas.

21

Local de pressão social e ostracismo. (tradução livre)

8. Referências

CHOI, Jinhee. Once Upon a Time In High School in: ______. The South Korean Film Renaissance: Local Hitmakers, Global Provocateurs. Middletown: Wesleyan University Press, 2010.

CHUNG, Sung-ill. Four Variations on Korean Genre Film: Tears, Screams, Violence and Laughter In Kim Mee-hyun (Org). Korean Cinema: from Origins to Renaissance. KOFIC, 2004.

JUNIOR, Luiz Carlos Oliveira. De Volta para o Futuro: A Nova Era do Cinema Sul-Coreano In Baptista, Mauro; Mascarello, Fernando (Org). Cinema Mundial Contemporâneo. Papirus Editora, 2008 KIM, Mee-hyun. The Growth and Outlook of the Korean Cinema: 1996~Present In ______. (Org). Korean Cinema: from Origins to Renaissance. KOFIC, 2004. (1) KIM, Kyung Hyun. The Remasculinization of Korean Cinema. Duke University Press: 2004. (2) PAQUET, Darcy. New Korean Cinema. NY: Columbia University Press, 2009. ______________. A Short History of Korean Film In http://www.koreanfilm.org/history.html - 1999. (acessado em 10/12/15 e 14/12/15) SHI, Chi-yun; STRINGER, Julian. New Korean Cinema. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2005.

STANDISH, Isolde. Korean Cinema and the New Realism: Text and Context In East-West Film Journal, Volume 7, no. 2 (1993).