ATUAÇÃO DA INTERNET NA SOCIEDADE, POLÍTICA, E EXERCÍCIO DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

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ATUAÇÃO DA INTERNET NA SOCIEDADE, POLÍTICA, E EXERCÍCIO DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

Jeferson Thauny1

RESUMO Partindo dos apontamentos de Wolton sobre internet e sua contestada condição de revolução, este trabalho expõe uma reflexão acerca de duas questões inerentes à web: ponderar a existência de uma ruptura da comunicação proporcionada pela tecnologia virtual e reflexionar a utilização da internet como ferramenta política e democrática. A primeira questão evidencia a necessidade de prudência na afirmação de que a tecnologia representa necessariamente revoluções nos processos comunicacionais e na sociedade, enquanto a segunda procura demonstrar o novo papel assumido pela internet nas campanhas eleitorais do período pós Obama e uma breve disposição de sua função no exercício da democracia representativa. Palavras-Chave: sociedade; processos comunicacionais; internet; campanha eleitoral; democracia digital.

ABSTRACT Based on Wolton’s notes about internet and its contested status of revolution, this paper exposes a reflection about two issues related to the web: consider the existence of a communicationon’s rupture provided by virtual technology and reflect about the use of the internet as a political and democratic tool. The first question highlights the necessity of prudence in the statement that technology necessarily represents revolutions in communication processes and in the society, while the second aims at showing the new role assumed by the Internet in political campaigns after Obama’s period and a brief disposition about its function in the exercise of representative democracy. Keywords: society, communication processes, internet, political campaign; digital democracy. INTRODUÇÃO

A primeira geração da internet, denominada por alguns como web 1.0, apresentava uma variedade impressionante de conteúdo disponível e que todos poderiam acessar. No 1

Jeferson Thauny, publicitário e mestrando do programa de Pós-Graduação Em Comunicação Da UFPR. Bolsista reuni, email: jefersonth@gmail.com. 380


entanto, o usuário possuía o papel de expectador nas páginas que visitava, sendo a edição de conteúdo possível somente para um seleto grupo de profissionais que dominavam as tecnologias necessárias para o manuseio da rede (BOTENTUIT, COUTINHO, 2008). Apropriando-se de uma combinação de tecnologias surgidas no final da década de 1990, que incluem Web services APIs (1998), AJAX (1998), Web syndication (1997), entre outras, a internet abandonou seu conceito predominantemente unilateral para buscar novas formas de interação com o usuário, o que se denominou web 2.0.

A web 2.0 é a mudança para uma internet como plataforma. Entre outras, a regra mais importante [para obter sucesso nessa nova plataforma] é desenvolver aplicativos que aproveitem os efeitos de rede para se tornaremos melhores quanto mais são usados pelas pessoas, aproveitando a inteligência coletiva. (O’REILLY, 2005, online).

A proliferação de tecnologias baseadas no conceito de web 2.0 proporcionou ao usuário uma grande variedade de ferramentas de escrita colaborativa e comunicação online associadas a softwares de redes sociais. Uma das plataformas precursoras deste novo cenário online é o microblogging Twitter. Criado em 2006 funciona como uma plataforma de comunicação e disseminação de conteúdo que restringe a mensagem ao limite máximo de 140 caracteres, tweets publicáveis por diferentes meios como telefones celulares, outras redes sociais e programas específicos (O’REILLY, MILSTEIN, 2009; TELLES, 2010). A imensa variedade de conteúdo disponível online é uma realidade consolidada e a publicação de mensagens na web 2.0 acontece muito rápido. Notícias e acontecimentos são compartilhados praticamente em tempo real e provavelmente sejam estes os pontos que expliquem seu sucesso. Murthy (2011) cita acontecimentos como o pouso forçado do voo 1549 da USAirways no rio Hudson em 2009 e a explosão de bombas em Mumbai em 2008 para concluir que se atos espontâneos e colaborativos online não tivessem feito parte da cobertura desses eventos não se teria o mesmo conhecimento daqueles fatos. Seixas (2009) reitera o conceito de Murthy e destaca a importância da internet, que está alterando a forma de produção de conteúdo na sociedade: “o twitter foi o precursor, aquele que definiu o conceito, as novas possibilidades e a nova forma de irrigar o mundo com conteúdo”. (SEIXAS, 2009, p.45). Naturalmente, após o email e posteriormente o twitter, descobriu-se o caminho das interações online imediatas e outras vieram somar nessa aparente revolução da comunicação. No mundo dos negócios, as redes sociais têm sido utilizadas exaustivamente por diversas instituições na tentativa de divulgar seu conteúdo e angariar seguidores. O mesmo 381


ocorre durante o período eleitoral quando candidatos e partidos buscam projeção e viralização de suas propostas. Entende-se por campanha eleitoral o “conjunto de atividades legais, organizadas ou desenvolvidas pelos partidos, coligações ou comitês de eleitores e candidatos, com o objetivo de arrecadar votos para que determinados políticos possam ocupar, por representação, os cargos públicos” (GOMES, 2000, p.14). Ainda segundo a autora, a estratégia política é muito ampla e ultrapassa as fronteiras do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE), permitindo um diagrama próprio de comunicação em que as mensagens são as propostas de campanha enviadas pelo político ou partido para o eleitor através de múltiplos meios. Como se sabe, uma campanha eleitoral se constrói baseada em diversas estratégias e recursos de propagação das mensagens. O conceito da política se apropriando de vários canais de comunicação para atingir o receptor é reiterado por Shinky (2009, p.187) quando esclarece que “qualquer ferramenta que melhore a consciência compartilhada, ou a coordenação de grupo, pode ser usada para fins políticos, uma vez que a liberdade para agir em um grupo é inerente à política.”2 É dentro dessa pluralização dos canais de comunicação que surgem as tecnologias virtuais como ferramentas de apoio para disseminação da mensagem política, podendo, através do potencial já apresentado das redes sociais, serem determinantes no resultado da campanha eleitoral. Portanto, questiona-se que a utilização de meios colaborativos, como o twitter, possa auxiliar e influenciar a decisão de voto. Outra questão inerente a essas plataformas é que possibilitem uma melhor prática da democracia representativa, retomando os canais de comunicação entre os representantes e representados. Sendo assim, o objetivo desse artigo é promover reflexões acerca das observações relativas aos processos de comunicação, sociedade e novas tecnologias, e consequentemente a utilização da internet em práticas políticas e democráticas. Dito de outra forma, os objetivos são: ponderar a existência de uma ruptura da comunicação proporcionada pelas tecnologias virtuais (WOLTON, 2007) e reflexionar a participação da internet nas campanhas eleitorais e posteriormente seu papel em uma reestruturação da democracia representativa (GOMES, 2010).

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[...] Any tool that improves shared awareness or group coordination can be pressed into service for political means, because the freedom to act in a group is inherently political. (shinky, 2009, p. 187). 382


SOCIEDADE, COMUNICAÇÃO E O FASCÍNIO PELA INTERNET

A importância da internet na vida em sociedade raramente é contestada. Não aleatoriamente vários pesquisadores procuram entender melhor a evolução da tecnologia online e sua relação com uma evolução da comunicação em sociedade. Seu potencial aparentemente ilimitado de disponibilizar informações, conhecimentos, facilitar serviços e promover interações sem fronteiras são analisados a fim de conferir legitimidade ao controverso pressuposto de que estamos vivendo uma revolução na comunicação através de sua técnica performática. O fascínio pela web e seu poder de unificar a sociedade na construção do conhecimento é reiterado por Levy (1999) em seu conceito de inteligência coletiva, que descreve múltiplos usuários com competências distintas trocando informações e construindo um conhecimento colaborativo, fato evidenciado pelos fóruns de pesquisas online. A premissa que usuários “bem intencionados” e conectados sem barreiras geográficas podem se aproximar em uma experiência de aprendizado coletivo é de certa forma óbvia, a questão que parece nortear uma reflexão mais exaustiva é se tal aproximação representa necessariamente uma sociedade mais democrática, que ao menos que respeite melhor as individualidades, ou vivemos uma nova torre de babel com os mesmos pré-conceitos agora acentuados pela proximidade tecnológica. Para Dominique Wolton, ao contrário do que se é costumeiramente propagado pelos entusiastas da sociedade da informação, diminuir as distâncias pode aumentar as diferenças, ou ainda exaltar com tamanha força a individualidade3 que se acentuem ainda mais os conflitos entre grupos distintos. É preciso, segundo o autor, se desfazer da crença que aproximar pessoas é o suficiente para se exercer uma comunicação mais qualificada, tal como possuir informação ilimitada é o que basta para compreender melhor e respeitar as diferenças. A internet é apenas uma ferramenta da comunicação, não pode assumir o papel humano da comunicação na sociedade.

Apesar de suas performances, as novas mídias não são a condição, longe disso, para uma melhor comunicação humana ou social. (WOLTON, 2007, p. 25)

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característica marcante da sociedade hipermoderna de lipovetsky (2007). 383


Levy e Negroponte, distintos de Wolton no momento de conferir status de revolução comunicacional à técnica, são congruentes no que se diz respeito à importância do individuo no processo, “por trás das técnicas agem e reagem ideias, projetos sociais, utopias, interesses econômicos, estratégias de poder, toda a gama dos jogos dos homens em sociedade” (LEVY, 1999, p.24). É necessário entender que operando qualquer meio de comunicação está o homem, com suas intenções e suas limitações. A simples existência de uma rede mundial interconectada não justifica nenhuma afirmação de uma melhor comunicação entre pessoas que sempre estiveram separadas pelo espaço geográfico, tal como a disponibilização de informações sobre tudo não representa necessariamente uma sociedade melhor embasada. Sendo assim, deve-se salientar que por detrás de qualquer informação, ou processo comunicacional, gere a competência de quem a manuseia e seu interesse em procurar o que se deseja e evoluir no sentido que se espera. “De que adianta acessar a biblioteca do congresso se não se sabe o que buscar, se não se conhece os Estados Unidos, se não se tem nenhuma relação com esse universo, se não se sabe o que fazer com estas informações? Se não se tem a competência para assimilar o aprendizado, os sistemas de informação e de conhecimentos erguerão outros tantos muros intransponíveis” (WOLTON, 2007, p.135).

É inegável que a técnica, mesmo que não represente sozinha uma revolução na comunicação,

ao

menos

representa

uma

nova

oportunidade

para

os

processos

comunicacionais, então o que faz da internet uma técnica performática que não leva à revolução da sociedade? Segundo Wolton uma revolução social conduzida pela comunicação dependeria de um alinhamento entre três dimensões comunicacionais: técnica, social e cultural. Destaca ainda que tais alinhamentos foram percebidos apenas em dois momentos, sendo o primeiro o surgimento da imprensa de Gutemberg – momento em que a técnica se alinhou com o profundo movimento que subverteu o poder da Igreja Católica – e o segundo caracterizado com o advento do rádio e depois da televisão, que tiveram tal impacto por estarem ligados ao igualmente profundo movimento em favor da democracia das massas. “Dito de outra forma, de uma tecnologia de comunicação, o essencial é menos a performance da ferramenta do que a ligação existente entre esta técnica, o modelo cultural de relacionamento dos indivíduos e o projeto para o qual esta tecnologia está destinada”. (WOLTON, 2007, p. 34).

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Porém, novas dúvidas são levantadas, afinal não estaria então o homem atravessando uma nova fase de transformação social e cultural? Seriamos a mesma sociedade, com os mesmos princípios desde antes do surgimento da internet? A questão repetida por Castells parece ser a base para um embasamento que acredito não ter sido aprofundado devidamente em Wolton: afinal, de que sociedade estamos falando? Se estivermos creditando a vivência atual da sociedade individualizada descrita por Lipovetsky, qual alteração social seria ainda necessária para caracterizar então uma reforma estrutural da sociedade? Lipovetsky (2007) explicita que a sociedade hipermoderna atual possui comportamento distinto de gerações passadas, a busca frenética em romper os limites do seu Eu e encontrar a “superabundância do ser” é uma delas. O homem hipermoderno já não busca mais sua identidade coletiva. Sua missão hedonista é o prazer no individual, valorizadas todas as suas particularidades. Uma nova forma de buscar a felicidade no consumo, na personalização e identificação, capaz de transformar até estratégias de comunicação dos políticos e marcas através da força da publicidade. (Lipovetsky 2007 e 2009). Definitivamente a última revolução de Wolton – da democracia sobre as mídias de massa – parece já não dar mais conta de caracterizar as transformações dessa sociedade. Sendo assim, a internet não seria uma revolução técnica alinhada à revolução cultural do consumo e social da individualidade? Talvez tal alinhamento, se preservado dentro da sociedade de Lipovetsky, permita sim a identificação da terceira revolução social de Wolton. Enfim, é justamente no imenso volume de informações disponíveis online que se encontra a força de manifestar-se individualmente buscando somente a informação que interessa, tal característica é um dos pilares que parecem trazer na internet um progresso frente aos meios de massa. A TV generalista perde cada vez mais espaço para a TV segmentada, e a web concretiza o interesse individualizado. Outra representação para esse aparente progresso da internet sobre a TV é o fato de que a comunicação no coletivo é sempre suspeita de se transformar em arma de manipulação. “Instintivamente desconfia-se da televisão em grande escala” (WOLTON, 2007, pg. 37). O medo da mídia de massa traz a sensação de que a internet, por permitir produção de conteúdo independente, destrua a possibilidade de manipulação inerente às tecnologias generalistas, dando poderes de confiança absoluta ao conteúdo “independente” produzido na web. O paradoxo é que tal crédito desproporcional para a web contrasta com os princípios citados anteriormente, se por trás de qualquer tecnologia existem os interesses de quem produz a informação e a tecnologia é

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operada pelas pessoas, por qual motivo as pessoas influenciariam na TV e não o fariam na Internet? É preciso concordar com Wolton que a produção na internet, por não possuir ainda legislação clara e possibilidade de anonimato, é uma ferramenta muito mais suscetível à manipulação de que os meios de massa. Ainda sobre o exercício das individualidades na web, é necessário destacar que existem ainda dúvidas a respeito do limite dessas individualidades preservadas, se para Lipovetsky uma das características da nova sociedade é justamente a busca pelas individualidades no coletivo, é preciso questionar onde está o coletivo na tecnologia virtual. Wolton (2007, p.71) destaca que enquanto a web possui caráter essencialmente individualista, a vantagem da televisão é justamente poder atuar tanto na individualidade, quanto na coletividade. “A televisão serve para unir indivíduos e públicos que de um outro ponto de vista tudo separa e lhes oferecer a possibilidade de participar de uma atividade coletiva.” Enquanto, em sua individualidade, o homem hipermoderno busca na internet apenas o que lhe agrada, é muito mais assistindo a programação generalista da TV, que navegando em sites específicos da web, que se manifesta as coletividades e conhecem-se as verdadeiras pluralidades. Ela [a TV] obriga não a se interessar pelo que interessa aos outros, mas ao menos a reconhecer o fundamento desse interesse. E reconhecer o lugar do outro não é o primeiro passo para a sociabilização? (WOLTON, 2007, p. 75). [Grifo do autor].

Entendendo as divergências entre os meios na construção de uma sociedade e aplicando o exercício da democracia em suas particularidades, novas questões surgem com força. Contribuiria então a TV, em sua forma generalista, para a democracia mais do que a internet? E a possibilidade da web em produzir conteúdo independente e se comunicar sem barreiras geográficas, podendo inclusive aproximar representantes de representados, não contribuiria também para uma reestruturação da democracia representativa? Sim e não, não e sim, tudo é possível se tirarmos o foco da análise do meio para ajustarmos o foco sobre as manifestações do indivíduo. De certo é necessário pontuar que se a mídia de massa permite a presença de intermediários entre o público e os políticos, tal presença é eliminada pela produção direta na plataforma online. Entendendo que a democracia solicita a presença de intermediários (BOBBIO, 1991; LANDOWSKI, 1992) pode-se concluir que, sob essa perspectiva, a web prejudicaria o exercício da democracia. Segundo Wolton (2007, p.) “Não existe relação entre acesso direto e democracia. A

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democracia é, ao contrário, ligada à existência de intermediários de qualidade” e nesse universo saturado de informações, parece mais essencial ainda a necessidade de intermediários que filtrem e garantam esse ideal democrático. Porém, se a produção direta na internet prejudica as funções do intermediário, em contrapartida apresenta facilidades, através dos meios sociais, para o exercício da democracia representativa. Bobbio define democracia representativa como: “A expressão democracia representativa significa genericamente que as deliberações coletivas, isto é, as deliberações que dizem respeito à coletividade inteira, são tomadas não diretamente por aqueles que dela fazem parte, mas por pessoas eleitas para esta finalidade.” (BOBBIO 1986, p. 46)

Novelli complementa destacando que “a representação política, então, definida também por sua forma institucional legislativa e parlamentar, precisa de mecanismos de interrelação para ser funcional, efetiva e estabelecer a conexão comunicativa entre representantes e representados” (NOVELLI, 2011, p.246). Sendo a internet uma plataforma multimidiática, que permite interações online com pessoas separadas geograficamente, por que não estabelecer o meio definitivamente como solução para o tão difícil duplo sentido de comunicação das mensagens políticas (BOBBIO, 1991) entre o representado e o representante? É possível? Claro! Porém, deve-se conter o entusiasmo e retornar à questão base de qualquer trabalho sobre o tema – a internet não significa revolução por si só, mas sim, uma nova ferramenta - o que novamente se é percebido também pelos frequentes estudos de sondagem de opinião (NOVELLI, 2011). Sendo assim, mesmo com o gigantesco potencial da tecnologia para o exercício da democracia individual, Gomes define a participação do usuário como “limitada”, adverte ainda que os sinais apresentados pela sociedade não levam a crer na possibilidade de "hiperengajamento" dos cidadãos em assuntos e questões políticas, nem "disposição a integrar de modo durável formas organizadas da assim chamada sociedade civil, interesse em grandes e constantes participações em debates sisudos sobre temas severos" (GOMES, 2005, p. 221. In NOVELLI, 2011).

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CAMPANHAS ELEITORAIS PÓS OBAMA E AS CONTRIBUIÇÕES DA INTERNET PARA A DEMOCRACIA

Estudos apontam que em meados de 2000 já era percebida uma presença de candidatos a cargos políticos na internet, ainda de uma forma frágil notava-se uma tentativa de estabelecer um contato mais próximo com o eleitor através de sites isolados (CASTELLS, 2006), mas nada se comparava com o grande divisor de águas da associação política online ocorrida em 2008 com a destacada campanha de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos. Obama precisava de um posicionamento novo e moderno, que o aproximasse ao eleitor norte-americano, e através de uma campanha massiva nas redes sociais (o candidato possuía perfil em 19 delas) Obama conseguiu um sentimento de proximidade com o eleitor jamais visto anteriormente. Suas respostas diretas, convidando seus seguidores a disseminar o mote “Yes, we can” ampliaram o raio de ação dos seus eleitores e permitiram que esse engajamento pudesse ganhar as ruas. O relatório “The Internet and the 2008 Election”, de Smith & Rainie para a Pew Research Center, identificou o engajamento conquistado pelo candidato norte americano e o apelo online resultado pela sua campanha. Segundo o estudo, em junho daquele ano registrava-se que 35% de todos os cidadãos com idade eleitoral nos Estados Unidos tinham assistido a algum vídeo online relacionado às campanhas políticas. Pontua também que 18% dos adultos e 25% dos usuários de web relatavam ter entrado na internet para baixar e/ou assistir vídeos de natureza política que não eram provenientes das campanhas ou das empresas de jornalismo, destaca ainda que 29% dos adultos e 39% dos usuários de internet conectaramse para ver debates políticos, discursos e declarações de candidatos” (SMITH, RAINIE, 2008, p.7-8). Estimando que a quantidade total de norte americanos conectados à internet ultrapassava 220 milhões de pessoas no período, obtêm-se o número impressionante de que 85 milhões de usuários no país (39%) conectaram-se para ver debates políticos, discursos e declarações de candidatos. O relatório esclareceu ainda que 66% dos usuários de internet com idade abaixo de 30 anos tinham um perfil em algum tipo de site/rede social online e que metade desses usavam tais sites para obter ou compartilhar informação política (SMITH, RAINIE, 2008, p.ii)

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“Neste ano, a campanha presidencial testemunhou níveis sem precedente de engajamento no processo político, na medida em que milhões de cidadãos comuns empregaram a internet para manter-se informados sobre a política, dar dinheiro às campanhas, compartilhar pontos de vista e aderir a comunidades on-line constituídas em torno de interesses e objetivos comuns” (SMITH, 2008, p. 1).

Guardadas as proporções de usuários conectados a internet 4, naturalmente a repercussão gerada pela campanha virtual de Obama remodelou a estratégia online de grandes partidos brasileiros já na primeira eleição presidencial do país pós Obama. No cenário das eleições de 2010, Dilma Roussef, José Serra e Marina Silva se lançaram com grande força na internet, atingindo mais de 1 milhão de seguidores somados no twitter antes do término da campanha eleitoral, conforme gráfico abaixo.

Gráfico 1. Seguidores de Dilma, Serra e Marina no twitter.

fonte: IBOPE5

A estratégia online dos candidatos José Serra e Marina da Silva surtiu efeito imediato conquistando eleitores nas redes sociais, dados do IBOPE indicaram que entre os eleitores que acessaram as redes sociais diariamente durante o período eleitoral a intenção de voto nos dois candidatos foi, em geral, superior ao observado na média dos eleitores brasileiros. O instituto concluiu ainda, em suas pesquisas de comportamento sobre o eleitor de 2012, “que a rede vai influenciar ainda mais o resultado das urnas e o comportamento do eleitor nos próximos anos do que já influiu em 2010”, cita ainda que “outsiders, candidatos 4

segundo o site www.internetwordstats.com o brasil possui 39% da população total conectada, enquanto o índice do país norte americano é de 78%. O site destaca ainda que em 2000, a média de americanos conectados já era superior a 44%. 5 http://www4.ibope.com.br/download/110725_disputa_presidencial_tab3_p.jpg 389


pouco conhecidos e zebras passam a ter mais chances, porque dispõem de uma plataforma de grande penetração e comparativamente barata para alcançar os eleitores. Dependem de um bom discurso (relevância) e de uma boa estratégia (oportunidade).” (IBOPE, 2011). Se como plataforma eleitoreira as tecnologias virtuais parecem conquistar o espaço de ferramenta indispensável, tal força não é tão facilmente verificada na gestão política e democrática, principalmente no que tange a participação dos indivíduos. Gomes cita Pipa Norris, retomando a mesma conclusão de Novelli, de que mesmo com a disponibilidade de canais online os indivíduos continuam com participação discreta, “a apreciação da democracia digital numa ênfase participacionista é uma rota para a frustração, porque sempre leva a concluir que a internet fracassa em seu propósito de produção de participação de massa e que, portanto, a democracia digital tem impacto mínimo sobre a democracia” (NORRIS, 2001, p.101-02. In GOMES, 2010). Destaca ainda que o brasileiro não é incentivado a participar ativamente de assuntos políticos, o que faz aumentar o abismo entre “nós” (cidadãos) e “eles” (políticos). Tais constatações reiteram conclusões de que se de um lado a técnica, principalmente através das redes sociais e produção de conteúdo independente, parece estar pronta para servir ao exercício da democracia, de outro lado encontra-se o usuário fazendo pouco uso dessas ferramentas no exercício político. Se é real a constatação de Wolton de que a técnica evolui em uma velocidade muito superior às dimensões social e cultural da comunicação, a preocupação maior sobre a democracia digital é descobrir quanto tempo será necessário para que a sociedade aprenda a utilizar todo o potencial dos recursos digitais no exercício da democracia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para promover um debate sério sobre os efeitos das tecnologias virtuais na comunicação e sociedade, é obrigatório inicialmente ponderar sobre sua utilização e o cenário social e cultural em que se encontra. Efeitos esses, não tão simplistas quanto Wolton descreve, nem tão revolucionários quanto os propagados pelos entusiastas de um determinismo tecnológico, como Levy e Negroponte.

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Se a premissa de revolução na comunicação, sociedade e cultura através da web é discutível, o indiscutível é que essa permite possibilidades de interação como jamais fora vivenciado. Possibilidades que não necessariamente representam melhor comunicação no processo emissor/receptor e progresso frente às mídias tradicionais (WOLTON, 2007), sendo que a essa última, as práticas online se mostram não melhores, mas complementares. Sob a ótica da campanha eleitoral e seus profissionais de marketing, as tecnologias virtuais encontram seu papel como ferramenta de divulgação e viralização, através principalmente das redes sociais no momento político pós-Obama (GOMES, 2005 e 2010). Um posicionamento que precisa constantemente ser revisto, pois se encontra muito além do conceito clássico de Bimber e Davis de que as estratégias online representariam um “efeito mínimo” sobre os indecisos e uma “modesta tendência” para reforçar predisposições aos militantes. (BIMBER, DAVIS, 2003, p.144-145). Para a democracia representativa, a internet assume papel de elo entre os representantes e seus representados (NOVELLI, 2011). Sendo notoriamente possível a utilização de ferramentas online, principalmente as destacadas produções independentes e interações virtuais, para exercício da democracia. Porém, novamente, para que a técnica supere a crise na representatividade depende do usuário e uma transformação de seu franzino interesse na participação da democracia (GOMES, 2010). O que leva a conclusão de que mesmo representando um vasto campo de oportunidades, o controle da internet continua nas mãos dos usuários, e sua utilização, tanto para uma revolução na comunicação e sociedade quanto para o reestabelecimento de uma maior participação na democracia representativa, parece pairar muito mais sobre uma evolução desejada nas dimensões social e cultural da comunicação do que em sua performance técnica.

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