Indisicplina e Disfuncionalidade

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Indisciplina e Disfuncionalidade

JORGE NUNES BARBOSA FEVEREIRO, 2012

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IV. Apêndice Remediativo

Índice

Intervenção Educativa em Problemas de Comportamento Questões prévias: Plano de Intervenção Passos a respeitar num Plano de Intervenção Intervenção Ecológica

Prólogo

Consequências e Gestão de Crises

I.

Aquisição de Comportamentos Ajustados

Indisciplina e Disfunção Institucional

1.1. O Individualismo

Código de Conduta

1.2. A Burocracia

V. Conclusão

1.2.1.

Notas Finais

A Estrutura Disfuncional

II. Uma Abordagem Ecológica 2.1. Implicações Educativas e Organizacionais III. A Proposta 1.

Unidades de Funcionamento

1.1. Aspetos Organizacionais 1

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pusesse em evidência os aspetos mais valorizados nas atitudes de alunos, professores e pais parecia estar mais de acordo com o estabelecimento desse consenso, do que um regulamento interno demasiado extenso e muito difícil de ser traduzido em condutas positivas.

Prólogo

Este documento nasce originariamente de um compromisso assumido com os meus colegas de Departamento Curricular. Analisava-se a discrepância entre juízos de alunos, professores e pais sobre a indisciplina na escola. Fazia sentido que a comunidade escolar estivesse segura de que partilhava um conceito consensual de disciplina e de indisciplina, que pudesse sustentar um diálogo produtivo entre perspetivas diferentes sobre o assunto. Neste quadro de referência, um código de conduta, um documento não judicializado, que

No meu espírito sempre esteve clara a necessidade imperativa de fundamentar esse código de conduta e a sua pertinência. Estava nas intenções subjetivas do compromisso assumido que essa fundamentação deveria ser curta e assertiva, como parece convir nestas situações. Só que o caminho seguido deu-se a si mesmo uma dimensão que nem com boa vontade pode ser considerada curta. Por outro lado, coincidências inesperadas entre aquilo que se assemelhava a uma encomenda e outro tipo de solicitações, fizeram juntar, num só, um documento de trabalho interno e um documento reflexivo que, de qualquer modo, correspondendo a outro tipo de compromisso, era necessário que ficasse pronto num período de tempo quase coincidente. Por estas razões, e só por estas, este documento é bastante mais longo do que seria desejáii

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vel. Mas não menos assertivo do que era a intenção inicial, espero eu.

cas e as propostas, neste documento, são conservadoras.

O que agora é divulgado corresponde a uma versão, apesar de tudo, simplificada e reduzida sobre os conceitos de disciplina e organização institucional e sobre uma abordagem ecológica das organizações. Contém também uma visão geral sobre as linhas de força que devem nortear as reformas educativas, ou o projeto educativo da escola, consoante o patamar de intervenção em que cada um se situe. É defendido ainda um modelo de intervenção educativa, não aversiva, nos comportamentos difíceis de alunos e, obviamente, são apresentadas as linhas gerais de um código de conduta.

Uma ideia geral estrutura todo o documento: só poderemos proteger o atual imaginário de escola, se formos capazes de focar os seus aspetos nucleares e desvalorizar as suas componentes distrativas e circunstanciais. O conceito de imaginário, aqui utilizado, não coincide em todos os seus pontos, com o conceito de imaginário do senso comum. Entendamo-nos, portanto.

Em termos gerais, a postura ideológica aqui assumida é, num certo sentido, conservadora. Com efeito, é preservado o imaginário de escola como um espaço e um tempo de integração dos novos elementos na sociedade e de salvaguarda de valores, social e democraticamente, partilhados, que lhes pré-existem. Neste e só neste sentido, as críti-

Em estudos meus, que levam já muito, talvez excessivo, tempo sem publicação, sobre aquilo a que agora se chama “deficiências da inteligência e do desenvolvimento”, tem sido útil distinguir dois tipos de “lógica” que presidem à nossa forma humana de pensar. Uma é, digamos, uma “lógica analógica” (imaginário), isto é, uma “lógica” que não é ilógica, mas também não é lógica, no sentido matemático do termo. A outra é a lógica digital ou matemática. Ambas correspondem a poderosas organizações da informação - daí o nome de “lógica” que ambas merecem -, mas o imaginário corresponde a uma lógica adaptativa (inteligeniii

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te), mas pouco adaptável (persistente), e a lógica digital é simultaneamente adaptativa (inteligente) e adaptável (provisória). A nossa vida do quotidiano é sobretudo dominada pela lógica analógica, porque, sem conflitos, sem dissonâncias, e com uma enorme estabilidade, responde com eficácia e superior inteligência à maior parte dos problemas que nos são colocados. Quando um conjunto dessas informações se mostra, em certas circunstâncias, menos adaptativo, pode ser gerado um outro, por acumulação e reorganização de informações, mas sem destruir o anterior: ficamos, portanto, com duas soluções no repertório. Na lógica digital, quando o mesmo acontece, dá-se lugar a uma reformulação do conjunto de informações em causa, sendo uma substituída pela outra. O imaginário é, então, um conjunto de informações organizadas, geradoras e conservadoras de identidades, que se dá bem com a contradição: essa é uma das suas principais características; A lógica matemática, pelo contrário, usa a contradição para se reestruturar.

Ora, o imaginário de escola que aqui se preserva é justamente esse que aglutina no seu interior contradições adaptativas (inteligentes) e que vive bem com elas. Neste sentido, o imaginário é realista, não é uma fantasia, uma fuga à realidade, mas, pelo contrário, uma tentativa de adequação a ela. Traduzido em narrativa, este imaginário será o mito, se quisermos aprofundar as coisas. Há, portanto, uma narrativa mítica da escola a que não devemos fugir. Agora, se quisermos que a escola não estruture uma “deficiência da inteligência e do desenvolvimento”, não podemos ficar por aí. É, então, no respeito pelo imaginário, pelo mito, da escola que aqui se propõe a construção de novos imaginários, que, seguramente, não farão mal algum ao que já se tem, e serão o embrião da sua própria preservação. Concluído em Vila Nova de Gaia, 13 de fevereiro de 2012 Jorge Barbosa

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C APÍTULO 1

Indisciplina e Disfunção Institucional O conceito de indisciplina não é inteligível, muito menos operacionalizável, se não for abordado na sua complexidade. Neste, como em muitos outros casos, a adoção de perspetivas analíticas estritas, embora satisfaça a nossa ambição explicativa, atira-nos para fora do campo, onde o objeto se estrutura e adquire sentido.

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I NDISCIPLINA E D ISFUNÇÃO I NSTITUCIONAL

O conceito de indisciplina não é inteligível, muito menos operacionalizável, se não for abordado na sua complexidade 1. Neste, como em muitos outros casos, a adoção de perspetivas analíticas estritas, embora satisfaça a nossa ambição explicativa, atira-nos para fora do campo, onde o objeto se estrutura e adquire sentido. Podemos, então, encontrar sábias explicações para quase tudo, sem que nos seja dado entender o que quer que seja. É o que, por exemplo, acontece teimosamente com os debates sobre o insucesso escolar: não nos faltam explicações científicas do fenómeno, mas, perante uma situação particular, elas revelam-se de uma inutilidade confrangedora, quando não prejudicial, para a sua compreensão. Ora, a indisciplina, por ser um assunto que preocupa fundamentalmente os educadores, é sistematicamente encarada, numa faina analítica ou simplificadora, como um problema com origem nos educandos. Raramente se cuida de saber se a in-

disciplina não terá origem na própria disciplina, ou na sua prática. De facto, quando os educadores reconhecem que algo deve ser feito no domínio da disciplina, raramente equacionam o problema da disciplina como um estilo de vida em comunidade, para o reduzirem, analiticamente, a um conjunto de regras que, por não estarem a ser cumpridas, devem ser reforçadas, apregoadas ou simplesmente traduzidas em processos sancionatórios. Ora, a disciplina é, ou deve ser, uma forma de viver em comunidade, da qual devem decorrer as regras de convivência, não o contrário. Numa primeira abordagem, então, a indisciplina pode ser considerada uma manifestação, por vezes dolorosa, da disfuncionalidade organizacional da comunidade ou da instituição. É, muitas vezes, com efeito, o primeiro sintoma e o mais óbvio de que a instituição escolar se encontra na vertente decadente do seu percurso. Não cabe nesta generalização o descuido de não identificar características individuais, de alunos e professores, que provocam ou agudizam as manifestações de indisciplina. Bem antes pelo contrá6

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rio. Só que manda o bom senso que saibamos distinguir as situações de indisciplina que envolvem uma percentagem reduzida da população escolar, daquelas outras que se manifestam de forma generalizada ou numa percentagem elevada de alunos, de modo contínuo e quase como um ritual que, ele, pode flexibilizar-se em função das circunstâncias, mas não a adesão a ele dos alunos. A discrepância, entre os 1% a 2% de alunos que adotam habitualmente comportamentos de gestão difícil e os 15% a 20% que são identificados como indisciplinados, deve conduzir-nos a procurar outras razões para a origem do problema, para além das que associam o comportamento de crianças e jovens à desgraça em que o nosso tempo está a cair por via da deficiente formação dos elementos que só recentemente começaram fazer parte da sociedade. Precisamente à educação, sistematizada ou não, cabe a tarefa essencial de garantir que as sociedades humanas não destruam esses novos elementos e que estes não destruam a sociedade que os acolhe.

Pede-se, então, à escola que seja capaz de gerir um conflito que se estrutura e se desenvolve no interior de si mesma: que conserve valores do passado, aqueles mesmos que sustentam a sobrevivência do passado e, desse modo, da sociedade tal como é, e que, ao mesmo tempo, promova a inovação, a criatividade e o questionamento do estabelecido como certo, para que essa mesma sociedade não morra. Não é próprio de um educador profissional negar a valia do presente e temer o futuro, do mesmo modo que não lhe é adequado desvalorizar o passado e apresentar o futuro como única solução para o presente. Encarar o presente como uma decadência do passado não é muito diferente de encarar o próximo futuro como a decadência do presente atual. A decadência e o progresso são conceitos vazios: não são nada, enquanto não forem institucionalizados: dito por outras palavras, carecem de institucionalização para serem algo. Não são, portanto, os valores, muito menos o tempo, que entram em decadência; são, isso sim, as instituições, quando deixam de aceitar e de responder 7

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ao presente e se refugiam em soluções do passado, ou em miragens do futuro, descuidando o tempo em que vivem. Podemos tomar como exemplo um dos valores mais caros à escola: o gosto e a prática da leitura. Dispensemos a tarefa de o justificar, e admitamo-lo como valor a preservar, sem outro fundamento que não seja o de esclarecer o meu pensamento. Ora, se persistirmos em o associar à prática da leitura de livros em papel, numa época em que eles podem ser lidos em suporte digital, um suporte mais barato e até mais ecológico, estaremos a promover escandalosamente a desvalorização desse valor. De pouco nos adiantará rasgar as vestes e arrancar os cabelos perante o desinteresse que as novas gerações lhe atribuem: nós próprios nos estaríamos a encarregar de alimentar esse desinteresse, reduzindo a sua validade a um período histórico e a circunstâncias limitadas a um tempo, justamente identificado com o passado. Seria a nossa cegueira, ou a nossa dificuldade em viver no nosso tempo, isto é, de aceitar o imperativo de adequação a novas realidades, as principais responsáveis pela decadência do valor

da leitura. A escola, na sua missão de gerir o conflito de conservar e de inovar, em períodos de transição difícil, como aquele em que parece que vivemos, é, muitas vezes, a responsável pela desvalorização real daquilo mesmo que gostaria de valorizar. É ela que está decadente e não o gosto pela leitura, ou pela matemática ou pelo que quer que seja, do mesmo modo que não é a moral que está decadente, mas as instituições moralizadoras. Ora, o problema de uma indisciplina generalizada não pode ser simplesmente visto como o resultado da “desautorização dos professores”, ou, pior ainda, como resultando de uma crise de valores que afeta unicamente as novas gerações, como se uma eventual crise desse género pudesse ter o cuidado de ser tão seletiva como seria necessário para ter tal efeito. Este pensamento mágico que atribui a conceitos poderes divinos, incluindo o de selecionar o seu povo, neste caso, as crianças e os jovens, é muito útil para as nossas conversas que não tenham a mínima intenção de superar as dificuldades, mas tão só a inebriante satisfação de 8

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se bastarem a si mesmas e ao nosso insaciável desejo de comunicar, nem que sejam só cumplicidades, afetos ou desafetos. Mas temos de o superar, se quisermos alimentar a esperança de encontrar uma ou duas ideias que nos ajudem a ultrapassar constrangimentos ao nosso ideal de escola, de sociedade ou do que quer quer seja. Não é de grande ajuda nesta tarefa a tendência crescente dos comentadores do quotidiano para fabricarem os seus próprios conceitos sobre a vida e sobre a realidade com o objetivo único de exercitarem o seu valiosíssimo sentido crítico. Constroem ideias e soluções que são só suas, para depois discordarem delas. Comportam-se como aquela gaivota que, não sabendo já por onde anda o vento, decide voar contra aquele que ela própria produz ao bater as asas: voa e voa bem, mas não sai do sítio, e, como um carrossel que, ora está em cima, ora está em baixo, e nunca sai do seu lugar, um dia está bem no outro está mal, sem que nada se tenha alterado, numa neurose maníaco-depressiva sem cura aparente. Um dos melhores exemplos desta construção maníaca de conceitos de

uso privado é o de escola inclusiva, abundantemente testemunhada pelos meios de comunicação social. Não falta quem responsabilize "esta ideia peregrina de escola inclusiva, essa tonteria" por, se não todos, pelo menos, um grande número dos problemas que a escola enfrenta. Ora, enquanto não se provar que o desejo de comer bolos engorda mais, ou, pelo menos, tanto como comêlos, é absurdo pensar que uma coisa idealizada e não colocada em prática pode ser responsabilizada pelo que quer que seja. Com efeito, o conceito de escola inclusiva corresponde a uma convenção que define princípios e critérios de consecução muito claros, ao nível do funcionamento das escolas e da administração da educação, que estão muito longe de estar em vigor em Portugal. Essa convenção foi patrocinada pela UNESCO e traduz-se numa declaração, da qual o Estado português é signatário, tal como muitos estados membros da ONU. Podemos concordar ou discordar dessa Declaração universalizada aos estados membros da UNESCO2, mas não temos o direito de discordar dela por, mesmo antes de ser aplicada, já 9

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serem evidentes os seus efeitos perniciosos. Ficanos bem, todavia, agradecer a esses comentadores o facto de nos estimularem a imaginação para recorrer a outras palavras, que digam o mesmo, mas que ainda não tenham sido corrompidas pela vã glória de influenciar a opinião dos outros, mesmo a respeito daquilo de que não têm sequer uma pálida ideia. Com efeito, uma equação dos problemas que não seja a adequada - que seja uma inadequação dará inevitavelmente origem a soluções ciclópicas, isto é, gigantescas e vesgas, de um só olho. Esta tendência para as soluções ciclópicas parece ser a vertigem dos nossos políticos e das organizações dos profissionais da educação que, embora contestando, acabam sempre por concordar com a agenda “reformista” dos políticos. Por sorte, ou porque é esse o destino que merecem, essas soluções duram pouco mais do que o tempo que é preciso para as debater. Passado o conflito, passam a integrar o quadro decadente que as precede. De pouco adianta que alguém se refira a elas como “medidas estruturais”, porque este termo de “me-

didas estruturais” também já foi corrompido pelo seu uso privado, tal como muitos outros conceitos. Cada um pensa dele o que quer, sendo que aos políticos importa querer convencer os outros de que estão no caminho certo: “medidas estruturais” passa a significar “medidas que não estamos dispostos a discutir com ninguém”, mesmo que, em boa verdade, sejam circunstanciais e tenham tão só a ver com a dita falta de dinheiro, ou de ideias, para fazer melhor.

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SECÇÃO 1

O Individualismo

A tendência analítica, perante o gigantismo de um problema, gerado sobretudo pela inadequação da sua equação, encontra, por via de regra, uma solução engenhosa: reduzir o complexo - a organização e o seu dinamismo - à soma das suas partes, para encontrar uma ou mais características de cada uma delas e depois as generalizar ao todo. Aplicada à escola, esta tendência encontra na conversão dos indivíduos a solução para todos os problemas. Com efeito, os indivíduos são considerados os principais responsáveis pela ineficiência da organização, no caso, da escola. Consoante a abordagem, ora são os professores, ora são os alunos, aqueles que devem converter-se.

Numa época pouco confiante no mundo do espírito e na conversão por adesão voluntária, a estratégia é a de forçar a mudança de vida dos indivíduos através da introdução de procedimentos meritocráticos, e ficar à espera que, desse modo, ou então milagrosamente, a organização encontre o caminho para o seu aperfeiçoamento. Há, de facto, professores que evidenciam dificuldades no exercício da sua profissão. Este elemento de uma pequena parte do problema é generalizado ao todo, justificando assim que a “medida estrutural” inadiável seja a da adoção de um modelo de avaliação que “separe o trigo do joio”. Do mesmo modo, há alunos que revelam dificuldades na escola. A “medida estrutural” é, então, um novo estatuto do aluno, e um aumento da exigência. Esta forma inebriante de destilar os problemas só se torna popular, aos olhos dos próprios professores, obviamente nos aspetos que não lhes dizem diretamente respeito, porque é um descanso para a mente haver sempre uma justificação, nem que seja absurda, que se compagine confortavelmente 11

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com o horror ao silêncio, à suspensão da palavra para pensar antes de falar. Na verdade, a avaliação do desempenho dos professores, sem alterações no próprio funcionamento da escola, só serve para consolidar o seu funcionamento atual, agregando todos os fragmentos, todo o cascalho, numa massa de cimento dentro de uma betoneira conformista, isto é, só serve para normalizar o erro. Muitos erros tornam-se invisíveis deste modo, mas como nada fica resolvido, só imerso em nevoeiro, é absolutamente imprescindível encontrar outros responsáveis pela ineficiência. Aqueles que estão mais a jeito são os alunos. Transforma-se, então, o estatuto do aluno num código penal, e fazem-se apelos a uma maior exigência em termos académicos. A alteração do estatuto do aluno acaba por ter o mesmo efeito que tem a avaliação do desempenho dos professores, mas o dito aumento da exigência académica não é tão neutro como se possa pensar. De facto, evitando a dificuldade que consiste em alterar a natureza da exigência na escola, procura-se aumentar aquela que já existe para que nada mude,

a não ser o nível de exclusão que se pretende que a escola passe a promover. Não só o erro é dolorosamente consolidado, betonizado mesmo, como tem efeitos práticos que reduzem drasticamente a eficiência da escola na sua missão social, de forma particularmente subtil porque, num primeiro momento, a ineficiência se traduzirá em melhores resultados nos exames, embora articulados com um aumento proporcional de insucesso escolar real. É como um motor que, antes de gripar, solta as suas engrenagens num frenesim de velocidade fatal. Basta tentar subir uma ligeira colina para que as peças se soldem umas nas outras. Bastará, no caso dos alunos, tentar gerir os resultados da exclusão, para que o sistema educativo, e, com ele, a qualidade de vida na sociedade, encontre o precipício que pensou estar a evitar, e aquilo que, provisoriamente se poupou na educação se transforme numa despesa insustentável. Ora, esta abordagem individualista, também ao nível da gestão da disciplina ou do combate à indisciplina, é ineficaz. De novo, convém lembrar que não é o comportamento difícil de alguns, pou12

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cos alunos, que está aqui em causa, mas o desassossego constante que afeta um grande número de alunos e de turmas. Só minimizando os danos da indisciplina generalizada, ou de difícil contenção em limiares suportáveis para uma vida agradável na escola, poderemos, com algumas hipóteses de sucesso, encarar os problemas de gestão de comportamentos mais raros e mais problemáticos. A experiência diz que o contrário raramente nos conduz a algo de frutuoso: a aplicação e o anúncio público de penas disciplinares não corrige o tal desassossego que tanto incomoda o trabalho nas salas de aula. Graças a uma misteriosa sabedoria, os alunos também conseguem distinguir as duas situações, mesmo recorrendo tão só às mínimas das suas capacidades de entendimento do mundo. Seria escandaloso que os professores o não fizessem, e os alunos não esperam isso deles.

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SECÇÃO 2

A Burocracia

O conceito de burocracia é um dos que mais frequentemente está sujeito a fenómenos de privatização conceptual. Na verdade, cada um se sente no direito, e até no dever, de contestar a burocracia, interpretando, o mais das vezes, como burocrata tudo aquilo que exige um esforço adicional, para além da própria tarefa que quer ou é solicitado a realizar. No entanto, a burocracia é um conceito sociológico3 que pretende descrever as estruturas e os processos de regulação da acção social em sociedades e organizações complexas, isto é, de preservação de direitos e de garantia de cumprimento dos deveres, por parte dos indivíduos e das instituições.

Foi reconhecido, desde o nascimento deste conceito científico4, o perigo de desumanização que a burocracia poderia envolver. Apesar de tudo, ela era vista como uma parte central da racionalização da sociedade na idade moderna: em vez de confiarem em crenças e costumes tradicionais, esperava-se que os modernos tomassem decisões racionais orientadas para um objetivo concreto, tendo em conta registos rigorosos dos percursos e das metas a perseguir, dos direitos atribuídos e a atribuir e das obrigações respeitadas e a respeitar. Significava, entre outras coisas, o poder da escrita sobre a tradição ou o testemunho oral. Por outro lado, a autoridade burocrática foi chamada a desempenhar o papel regulador das sociedades modernas e industrializadas: os contratos coletivos de trabalho são um bom exemplo desta missão da burocracia; nos sistemas educativos, os processos de transição de ano ou de ciclo escolar, os certificados e os diplomas, a definição das condições de acesso a cada um dos níveis académicos é outro excelente exemplo da autoridade burocrática: a título de exemplo, se, por engano, um aluno recebe 14

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uma nota positiva e ela é publicada na respetiva pauta, aquilo que conta não é o facto de o aluno não estar preparado para prosseguir estudos, mas o facto de burocraticamente ter sido registado que ele obteve uma nota positiva, e, portanto, mesmo que devesse reprovar de acordo com a opinião oralmente transmitida pelos seus professores, aquilo que é validado é a nota escrita na pauta. Na sua verdadeira essência, a burocracia é isto mesmo que aqui é exemplificado, e não o trabalho que dá. Este esclarecimento prévio de conceitos - isto é, do conceito que aqui está a ser utilizado - é fundamental para que se entenda o que a seguir será defendido e argumentado. Nesta ordem de ideias, fica, no mínimo, bizarro que haja quem defenda um aumento de regulação social, seja através de exames aos alunos ou aos professores, seja através do acompanhamento das atividades financeiras especulativas ou outras quaisquer, e simultaneamente apregoe uma redução da burocracia. Este discurso, só inteligível se for separado nos seus fragmentos e, portanto, se

corresponder mais a uma oratória panfletária do que discursiva5, põe em evidência as contradições do nosso tempo que, resumidamente, podem conformar a ideia de uma estranhíssima e pouco razoável ditadura liberal. A linha de força parece ser, no entanto, a desenhada pela necessidade de instaurar sistemas sucessórios na gestão do poder. Com efeito, a burocracia, definindo critérios impessoais, democratizou o acesso à formação académica e o acesso a certos cargos importantes nas organizações, tapando, num momento de crise e de prolongamento da vida dos cidadãos, lugares que sempre foram destinados aos jovens filhos da nova aristocracia burguesa, entretanto, ela própria, em grande parte gerada por essa democratização burocrata. Desta linha de força nasce o imperativo de destruir os laços burocráticos, associados aos “direitos adquiridos”, estabelecendo procedimentos de avaliação dos indivíduos, tão assíduos quanto seja necessário destruir ideias de competência, construídas a partir das suas histórias de vida, ou dos simples registo biográficos, ou do tempo de serviço. 15

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Assim, uma das linhas de força que contesta a burocracia não pretende reduzir a burocracia, a não ser naquele seu aspeto em que pode ser identificada com um excesso de democratização. Este excesso de democratização é identificado como o pecado original que os deuses se estão a encarregar de punir ferozmente nos tempos que correm. As danças da chuva, as promessas de arrependimento e os sacrifícios humanos talvez acalmem a fúria dos deuses, mas não é este o ponto de vista que comanda esta reflexão. Pelo contrário, as alterações recentemente introduzidas no modelo de gestão das escolas - que se manteve, de resto, tal como estava enquanto modelo - seguem religiosamente este pensamento mágico e encantatório, mas perigoso, que consiste em pensar que um melhor funcionamento das escolas depende do perfil do seu diretor, que, por isso, é empossado de uma acrescida autoridade, sem o correspondente poder ou autonomia. Autoridade sem poder real significa arbitrariedade, isto é, desburocratização, desregulação. Encavalitar o funcionamento da escola no perfil de uma pessoa a quem se atribui, não o po-

der de reformular e reorganizar a instituição, mas o de normalizar procedimentos corresponde, isso sim, a uma manifestação desse pensamento mágico que culpa o excesso de democratização6 pela disfuncionalidade da escola. A minha crítica à burocracia não segue, portanto, o caminho que propõe, no final de contas, a desregulação seletiva, isto é, a desregulação daquilo que prejudica o exercício do poder, seja ele político, ou financeiro, ou outro. Na verdade, a realidade da escola, mas também de outras organizações sociais, parece revelar a progressiva desburocratização dos processos de dominação, e o aumento da burocratização como processo de submissão e normalização, isto é, de controlo, já não de regulação, dos que são chamados a submeter-se. Ora, esta é uma das disfunções, a par da promoção do individualismo, mais óbvias da escola. Com efeito, pela via da redução - eliminação em alguns aspetos fundamentais - 1) dos processos internos de controlo e regulação do poder, 2) do aumento da burocracia com vista à normalização 16

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dos indivíduos, 3) da redução do tempo de validade destes processos burocráticos, e 4) do aumento dos processos de controlo externo, a escola atingiu níveis de disfuncionalidade que mereceriam ser considerados como muito preocupantes.

de traduz-se na adesão, por vezes entusiasta, a um conjunto de rituais sem nexo e sem outra utilidade que não seja a do próprio ritual: os rituais repetem-se incessantemente para que simplesmente não deixem de se repetir.

A burocratização que diz respeito aos processos de normalização e de promoção do conformismo é ostensivamente ocultada pela redução do tempo de validade dos procedimentos burocratas, o que, tecnicamente, corresponde a uma violenta manipulação das vontades e da capacidade reflexiva e crítica: aquilo que hoje é defendido e criticado, amanhã já não tem validade, mas mantém-se o procedimento na sua essência sem qualquer alteração de substância, só de forma.

A escola moderna sempre foi burocrática e, portanto, o apelo à ritualização da vida na escola é consentâneo com a sua tradição modernista. Desde muito cedo, as decisões burocráticas, como a certificação escolar, a transição de ano ou de ciclo de estudos, assumiram uma função sobreordenada face à tarefa subordinada de ensinar e aprender. Ensina-se e aprende-se para passar de ano, não para se saber. Só que nunca como agora, os procedimentos burocráticos alcançaram tanto predomínio sobre os procedimentos de ensino e aprendizagem. Os currículos, os programas, as próprias aulas parecem estar mais ao serviço dessa decisão burocrática de sucesso e insucesso, do que ao serviço do sucesso na aprendizagem. Este cenário torna-se ainda mais preocupante quando um conjunto muito vasto de atividades dos professores se subordinam quase inteiramente mais à

Esta tendência manipuladora recebe, apesar de tudo, o apoio de muitos dos manipulados, porque, de facto, a heteronomia, a responsabilização de quem decide, é muito mais repousante do que a autonomia, a responsabilização que cada um assume de si e para si. A resposta positiva a este apelo à conformidade, ao conformismo, ou, como prefiro dizer para não deixar dúvidas, à mediocrida-

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necessidade de responder à burocracia do que aos problemas. Algumas são idealizadas para que se possa construir um plano anual de atividades, outras para construir um projeto curricular de turma e ainda outras para obter uma classificação agradável na avaliação do desempenho; fazem-se reuniões para preencher formulários; já nem sequer falta a oportunidade de fazer reuniões para que se façam atas delas. A tragédia é que este cenário é particularmente sedutor, pelo relaxamento que induz, sem deixar de proporcionar catarses de contestação inconsequente: um equilíbrio absolutamente paralisante.

daqueles que usou, 20, 30 ou mais anos antes, durante o seu estágio para ingresso na profissão. Ser excelente é não ter evoluído, ou, pelo menos, não mostrar o quanto a experiência o enriqueceu e o quanto ela o dispensa de formulários de treino para principiantes ou iniciados. Aplicado este critério a um pianista, ser um pianista excelente seria ocultar a sua competência para interpretar uma obra de Chopin e demonstrar que ainda sabia tocar as escalas que lhe serviram de treino inicial e que, de vez em quando, ainda precisa de usar para desenferrujar os dedos, ou quando a inspiração lhe foge.

Precisamente, esta é uma primeira dimensão, talvez a mais óbvia e que, sendo-o, passa facilmente despercebida, da disfuncionalidade estrutural da escola. A burocracia deixou de ser um processo de regulação numa organização complexa, e passou a ser o seu principal objetivo e uma das evidências mais valorizadas nas avaliações externas. Só assim se poderá compreender como é possível, para se ter uma menção de excelente, exigir de um professor que use instrumentos da mesma natureza

Ora, esta burocracia estritamente normativa, sem substância, sem outro objetivo que não seja o de promover o conformismo, corresponde justamente ao risco desde há muito tempo temido de que se viesse a transformar em alguma variante, ainda desconhecida, mas reconhecidamente virulenta, de desumanidade. A disfuncionalidade da escola é, então, numa primeira abordagem, a sua desumanidade. 18

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Num contexto ritualizado, os comportamentos incómodos são, por um lado, mais facilmente detetáveis, e, por outro lado, mais frequentes, pela falta de sentido da própria vida no interior da organização. O aumento da frequência de comportamentos de difícil gestão e a facilidade da sua deteção nos alunos acabam por se potenciar mutuamente, originando uma espiral de problemas que nem o bom senso, por vezes, consegue superar.

só serve para adormecer crianças. A generalização de uma postura desorganizada dos alunos na sala de aula é só a manifestação menos grave, porque visível e denunciadora do mal-estar, da disfuncionalidade da escola.

Chegados aqui, é oportuno formular uma primeira conclusão: o contexto escolar sobrevive mal à gestão do conflito que lhe é próprio, o de conservar inovando, mas o núcleo central do seu problema encontra-se sobretudo na disfuncionalidade da organização, espartilhada num conflito insanável entre o individualismo e a burocracia, entre a destruição das memórias e das histórias de vida e a formação de pessoas, entre a forma sem substância e o ideal de bem fazer. O bem que a escola possa fazer não pode ficar no domínio das intenções e da justificação simples do mal-estar que gera em alunos e professores: a ideia de que é por bem que a escola faz o mal é uma justificação que 19

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prática e adquire um estatuto seráfico, de persistente homenageado pelos serviços prestados, agora às portas da morte. Essa perda de relevância prática tem origem em dois processos antagónicos, mas que se potenciam mutuamente:

SECÇÃO 3

A Estrutura Disfuncional

Estabelecida uma burocracia que se tem a si mesma como o principal objetivo mensurável e suscetível de se afirmar como evidência, o aparelho de gestão do quotidiano da escola, a nomenclatura, ajusta-se, em termos estruturais, à irracionalidade daquilo mesmo que lhe dá origem e sustento. A primeira e mais visível consequência é a fragmentação das estruturas de gestão do quotidiano, começando pela pulverização do próprio núcleo de toda atividade escolar e pela distribuição dos estilhaços por um conjunto muito vasto de estruturas compensatórias. A unidade funcional da escola, isto é, o conjunto formado pelos grupos de professores e pelos seus alunos perde relevância

๏ A conservação do conceito de “turma” e de “conselho de turma”: estes conceitos foram mantidos nas condições de um passado que, felizmente, não voltará, e já não respondem, nem bem nem mal, às características do nosso tempo. Na verdade, se o conselho de turma corresponde a uma unidade estabilizada, do lado da componente que diz respeito aos alunos, já na componente dos professores ela revela-se instável, na justa medida em que fazem parte de mais 3, 4 ou cinco unidades do mesmo género. Por outras palavras, aquilo que é a unidade funcional para os alunos não o é para os professores. Por outro lado, a unidade funcional estável para os professores - o departamento curricular ou o grupo disciplinar (já falaremos deste assunto) - não é sequer uma unidade para os alunos, como é bom de ver e fácil de 20

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aceitar. A escola não dispõe, por isso, de uma unidade que congregue um conjunto de professores e um conjunto de alunos, devidamente estabilizada e duradoura, que seja capaz de conduzir a bom termo um projeto comum, seja um projeto curricular de turma, ou outro qualquer. Cada conjunto de alunos pode ser envolvido num projeto comum, mas o conjunto de projetos não reúne equipas sólidas de professores e alunos. A componente dos professores, por si só, pode ser sólida, a componente dos alunos, por si só, também é, mas a reunião das duas não é, porque pulveriza as atividades dos professores por um conjunto de turmas que, no seu conjunto, não constituem uma unidade.

de facto, uma boa ideia, só que, não tendo sido feita a rutura com a estrutura que as equipas educativas deveriam substituir, foram mantidas as turmas e acrescentadas as equipas educativas. Ora, esta sobreposição constitui uma outra grave disfunção das estruturas escolares. Com efeito, considerar a turma como unidade de base, ou considerar como unidade de base a equipa educativa, correspondem a modelos de funcionamento que, nem à custa de muito boa vontade dos professores, conseguem subsistir em simultâneo. A convivência destas duas estruturas, independentemente das vontades individuais, conduz à auto-desvalorização mútua.

๏ A adição das equipas educativas sem alteração do conceito de turma: era bom de ver que o conceito de turma não era suscetível de se constituir numa unidade, capaz de ser o combustível, a energia, e o motor do projeto educativo da escola ou do plano anual de atividades. Em honra desse reconhecimento, cuidou-se de criar as equipas educativas. Esta é,

Muitos podem ver, nesta disfunção, uma simples irracionalidade, como muitas das que governam a nossa vida do quotidiano, sem outra consequência que não seja a de duplicar atividades e tarefas, uma consequência que, no final de contas, até poderia ser vantajosa, tendo em conta os benefícios da redundância nos processos de refinamento de 21

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competências. Mas as consequências, sendo irracionais, são, como convém, racionalizadas através da multiplicação de mecanismos de burocratização ritualista, com efeitos muito perniciosos, quer na promoção das aprendizagens, quer no estabelecimento de um estilo de vida na escola - de uma disciplina - que gere consensos e bem-estar nos professores e nos alunos. Assim, sendo detetados problemas de aprendizagem em alguns alunos, assunto que, na esmagadora maioria dos casos, deveria ser resolvido no quadro da acção da equipa educativa sem necessidade de intervenção externa, o que acontece é que esses alunos são encaminhados para uma outra equipa, de sala de estudo, de apoio educativo, para superarem as suas dificuldades. Desta opção, resulta, entre outras coisas, a imperativa necessidade de elaborar relatórios periódicos para articular aquilo que nunca deveria ter sido desarticulado. A distribuição de tarefas, entre os professores das equipas educativas, para não ser necessário “articular” aquilo que se “desarticulou”, deveria contemplar esse tipo de respostas.

O mesmo fenómeno de complicação do que seria simples, se o modelo de funcionamento da escola não fosse contraditório na sua própria equação, é visível no processo de substituição de professores em falta. Um assunto desta natureza, resolvido no interior da equipa educativa, nem carecia de nenhuma formalidade, à exceção da comunicação da falta do professor em causa. Não sendo assim, cria-se uma nova equipa de coordenação, inventam-se formulários, grelhas, mecanismos de verificação do cumprimento das tarefas, fazem-se ajustamentos de horários de professores avulsos, provocam-se irritações e por aí fora, só para coordenar o processo de substituição dos professores. Começa, espero eu, a ficar clara a indisciplina, isto é, a falta de qualidade de vida que, por esta via é gerada na escola. Mas o funcionamento da escola fica ainda mais complicado, porque a gestão dos comportamentos difíceis é levada a cabo dentro do mesmo enquadramento disfuncional. A equipa educativa, que deveria estar concentrada quase exclusivamente nas atividades com os alunos, seria a estru22

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tura que disporia dos meios e da competência para gerir a esmagadora maioria das situações de indisciplina. A conflitualidade interna do modelo de funcionamento da escola atribui essa tarefa ao diretor de turma e ao conselho de turma, que, como se viu, tem condições para detetar o problema, mas não tem espaço de manobra para o superar. É que, para além de fazerem parte de um determinado conselho de turma, o seu diretor e os restantes professores ainda fazem parte de um outro conjunto de equipas de trabalho que esgotam completamente as suas disponibilidades7 e que são concebidas para isso mesmo, para ocupar todo o tempo disponível de cada um. Daqui resulta que, mesmo comportamentos que, embora careçam de retificação, não demonstram complexidade que incapacite uma pessoa de bom senso a encontrar uma ou duas soluções adequadas, são motivo para encaminhar alunos para uma outra equipa paralela, para que os resolva, como se isso fosse possível. Deste modo, aqueles alunos, cujos comportamentos solicitam uma intervenção mais cuidadosa, acabam por se sentir mais “em roda li-

vre” do que o que seria desejável, para eles e para a escola. Analisados só estes aspetos, talvez não fosse necessário insistir mais na tecla da disfuncionalidade para que a ideia aqui transmitida ficasse clara. Só que o ambiente “indisciplinado” da escola não fica por aqui. A duplicação de tarefas, a redundância paralisante, a burocracia inútil inundam todo o contexto escolar. Demonstração disto mesmo é a multiplicação incessante de equipas, de coordenadores e de coordenadores de coordenadores, com origem na tentativa de superar a desorganização pela quantidade de coisas a fazer e a coordenar e a articular. Todos os projetos - clubes, salas de estudo, apoio educativo e outros - funcionam no exterior das equipas educativas e dos conselhos de turma, sugando toda a energia e tempo disponível que os professores deveriam dedicar, com os mesmos ou outros projetos, aos seus próprios alunos, num quadro de cooperação entre si. Desta opção quase anárquica de organização escolar resulta uma percentagem elevadíssima de coordenadores, entre os professores, se contarmos 23

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com os diretores de turma, os coordenadores de cada projeto, os coordenadores dos coordenadores dos projetos, os coordenadores de departamento curricular, os coordenadores de grupo disciplinar: enfim, poucos são os professores que não coordenam alguma coisa, inflacionando o conceito de coordenação a um ponto tal, que deixa de ter qualquer valor, para além da eventual e ingénua satisfação de se pertencer à nomenclatura. Esta generosíssima distribuição de cargos de coordenação já se teria convertido na mais acirrada avareza, não fosse dar-se o caso de esta profusão e diluição de responsabilidades se ter implantado nas escolas sem qualquer custo adicional. Historicamente, esta tradição barata de pulverização de responsabilidades tem origem na ideia de que estar com o poder já é gratificação bastante e que, por ela, os agraciados têm de se deschapelar e ficar obrigados, de alguma forma, pelo reconhecimento público do seu valor simbólico. Inicialmente, a distribuição de cargos era menor e compensada, não com aumentos de salários, mas com benesses no regime de trabalho. O aumento impa-

rável dos cargos levou a que os decisores políticos esquecessem a origem histórica do fenómeno e, de uma forma quase leviana, viessem a terreiro denunciar as regalias abusivas dos encarregados dos cargos. Na verdade, embora os agraciados não ganhassem nada com a situação, as ditas benesses custavam dinheiro. E acabaram8. Agora, as coordenações podem envolver a esmagadora maioria dos professores numa escola porque são absolutamente gratuitas, embora tenham custos na qualidade de funcionamento incalculáveis. Um grande número de professores pode, portanto, exercer alguma forma de coordenação, mau grado a mais do que evidente ineficácia e falta de proveito para os próprios e para a escola. No entanto, a ineficácia e a falta de proveito são só um problema menor face à incoerência, à indisciplina, à falta de respeito pela própria atividade de coordenação que essa pulverização gera. Com efeito, basta pensarmos no sentido que faz um diretor de turma ser avaliado no seu desempenho docente por um dos professores do seu conselho de turma, só porque este é coordenador de departa24

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mento. Afinal qual é o papel do diretor de turma? Não será o de coordenar a atividade docente dos professores do conselho de turma? Talvez não seja prudente dar mais exemplos deste outro nível de disfuncionalidade da escola, porque, de facto, não é minha intenção criar resistências desnecessárias a uma perspetiva diferente sobre como a escola se deve organizar. Todavia, parece-me importante dar relevo a uma tendência xistosa do nosso sistema educativo, que opera as suas “reformas” por acumulação de camadas sucessivas, talvez na esperança de que o peso das placas acabe por fazer rebentar nas profundezas um qualquer poço de petróleo que, finalmente, resolva todos os problemas. Assim é com as turmas e as equipas educativas, como vimos: mantêm-se as turmas e acrescenta-se-lhes uma nova placa, as equipas educativas, para sedimentar bem as coisas. Ora, o mesmo acontece do outro lado das equipas de trabalho, agora dos professores. No tempo em que as coordenações de grupo disciplinar correspondiam a custos sem proveito - as reduções dos tempos letivos - alguém se

deu conta de que, se fossem agrupados em departamentos, os custos seriam reduzidos e os proveitos ficariam como já estavam. Talvez alguns outros tivessem pensado também que os departamentos configurariam uma reformulação na formação dos professores e na promoção de alguma polivalência docente. Esta ideia articulava-se menos mal com a outra da constituição de equipas educativas. Mas o que é que ficou de facto? Tirando a redução de custos e a manutenção do proveito nulo, foi construída mais uma placa sobre aquela que já lá estava. Podemos não querer enfrentar o absurdo da vida da escola, mas recusarmo-nos a vê-lo, agora que está à frente dos olhos a inutilidade das “reformas” empreendidas, não é uma atitude que pareça promissora, nem do ponto de vista da qualidade do trabalho dos professores, nem do ponto de vista do rendimento e da adesão a uma vida disciplinada por parte dos alunos. Sabendo da possibilidade de uma análise crua da realidade da escola poder ofender inadvertidamente sentimentos genuínos de dedicação à pro25

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fissão docente, que, se fossem de outro tipo, pouca diferença me faria, é com passos miúdos e saltando alguns obstáculos que me fui movimentando nesta parte deste documento. Nem por isso seria honesto não denunciar esta tendência a criar, a cada vez, novas camadas de soluções mais problemáticas do que razoáveis, sedimentando, a cada passo, aquilo que se devia refrescar, como sendo o último, aqui a ser referido, dos níveis de disfuncionalidade da escola. A mudança não é a ocultação para debaixo do tapete dos problemas; não é mesmo a compra de um novo tapete para tapar o velho, já roto, apodrecendo-se o novo por tapar o velho, como está acontecendo com a nossa escola.

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C APÍTULO 2

Uma Abordagem Ecológica Com frequência se ouve atribuir a problemas familiares uma boa parte da responsabilidade pelos comportamentos desajustados dos alunos. Por outras palavras, admite-se, sem grandes constrangimentos, que um número variável, mas em todo o caso muito elevado de famílias, tendo em conta o número de alunos afetados, apresenta alguma forma de disfuncionalidade.

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U MA A BORDAGEM E COLÓGICA

Com frequência se ouve atribuir a problemas familiares uma boa parte da responsabilidade pelos comportamentos desajustados dos alunos. Por outras palavras, admite-se, sem grandes constrangimentos, que um número variável, mas em todo o caso muito elevado de famílias, tendo em conta o número de alunos afetados, apresenta alguma forma de disfuncionalidade. Ora, admitindo que esta forma de pensar seja razoável, isto é, que algo esteja a acontecer nas nossas sociedades que tenha influência bastante para gerar confusões de papeis e de estatutos nas estruturas familiares, pensar que a escola só seria abordada por um problema desta envergadura pelo flanco dos alunos retira a esse raciocínio qualquer legitimidade razoável. Não custa acreditar, é até muito óbvio, que a nossa vida em sociedade está a sofrer mutações de grande envergadura a um ritmo que dificulta ou até, muitas vezes, impede os processos de acomo-

dação e, por conseguinte, dificulta a sincronia e a sintonia de funcionamento das estruturas sociais. Com efeito, as mutações não respeitam as conveniências sociais, nem de qualquer outra natureza, e manifestam-se, na forma e no ritmo, de modo distinto e, por vezes, conflituoso nas diferentes estruturas sociais, isto é, nas famílias, nas empresas, nas escolas e por aí fora. Neste contexto, seria muito preocupante que a escola fosse a única instituição social poupada a essas pressões de mudança, ou que a forma e o ritmo, com que elas se exercem no seu interior, fossem completamente alheios ao que se passa nas famílias, nas empresas, nas organizações políticas, etc. Por muito conveniente que pareça ser encontrar fora da escola todas, ou quase todas, as razões para as dificuldades no seu interior, a verdade é que, de um ponto de vista menos estreito, faz pouco sentido separar o interior do exterior. O problema que se deve colocar é outro: até que ponto a escola atualiza, no seu interior, as perturbações e as dificuldades que, pela natureza das coisas e pela distorção do ponto de vista, são mais facilmente 28

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detetáveis no seu exterior? Nós nunca nos falamos a nós mesmos olhos nos olhos, a não ser através de um mediador: o reflexo de um espelho ou alguma modalidade de reflexão. A escola precisa de se ver ao espelho, para não continuar a chapinhar água para todo o lado, para aprender a nadar, sem molhar os transeuntes. Uma dessas mutações sociais, ao nível dos microssistemas de desenvolvimento humano 9, revela-se particularmente relevante para a compreensão do problema da indisciplina, na medida em que, precisamente, ela se manifesta na escola e na família, de um modo sincronizado e sintonizado. Dois tipos de contexto, no quadro dos microssistemas, eram apreciados por pais e professores, ainda que não lhes dessem estes nomes ou qualquer outro: o contexto primordial e o contexto secundário. O primeiro (contexto primordial) pode, muito resumidamente, ser caracterizado como o contexto da supervisão, das regras estabelecidas e feitas cumprir por adultos; o segundo (contexto secundário) corresponde ao espaço de autonomia dos humanos em desenvolvimento, aquele onde é pos-

sível testar as regras, os comandos adultos, sem supervisão, entre pares. A dinâmica entre estes dois contextos é responsável por um equilíbrio, embora instável - porque sujeito a ajustamentos em função das idades, e das características individuais -, fundamental no processo do desenvolvimento da autonomia moral ou da auto-disciplina: por um lado, é necessário conhecer as regras, por outro lado, é necessário assumi-las como também suas. Ora, a mutação, aqui em causa, traduz-se pela separação dos dois contextos, e pela redução da dinâmica entre eles à rigidez de cada um, de forma a corresponderem cada vez mais a modelos educativos distintos e cada vez menos a dois ambientes educativos igualmente importantes para a educação dos mais novos, qualquer que seja o modelo. Na verdade, eles são mais importantes do que os modelos educativos, mas na nossa sociedade foram reduzidos, na prática, à, pelos vistos, imperativa necessidade de distinguir os “bons” dos “maus” pais, a “boa” da “má” educação. Por ou29

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tras palavras, foram reduzidos à sua insignificância, à sua falta de significado e sentido. Então, “bons pais” são aqueles que reduzem drasticamente o acesso dos seus filhos a contextos secundários, e “maus pais” são aqueles outros que não conseguem estruturar contextos primordiais para os seus filhos. Do mesmo modo, a “boa escola” reduz o espaço de autonomia aos seus alunos, por oposição a uma ideia, mais fantasmática do que outra coisa, de uma escola sem supervisão, isto é, de uma escola não-escola. Não nos devemos, no entanto, deixar levar pela tentação de, agora, por novas razões responsabilizarmos o ambiente familiar por esta dicotomia malfazeja para o desenvolvimento das crianças. Na verdade, as crianças são escolarizadas muito precocemente e a sua escolarização é um dos mecanismos sociais mais poderosos de legitimação das atitudes que conduzem à eliminação dos espaços de autonomia, na família e, depois, em outras instituições. Digamos, para abreviar, que, com o contributo indispensável da escola, as crianças são mantidas crianças muito para além daquilo

que é aconselhado pelo seu relógio biológico. Experimentar, autonomamente, regras de conduta com os seus pares, sem supervisão, ao três anos, não é seguramente a mesma coisa que começar a ter essa oportunidade aos treze, nem tem os mesmo riscos. Não correr riscos aos três anos é seguramente perigoso quando for necessário corrê-los aos treze. Se formos rigorosos, no entanto, teremos de admitir que as crianças, por força da sua humanidade, testam, de qualquer modo, essa autonomia na relação com os pares, só que o fazem nos espaços de supervisão adulta, por falta de outros. Daqui, resulta uma aprendizagem poderosa, porque estruturada muito precocemente e de forma sistemática: os contextos de supervisão só se distinguem dos contextos de autonomia, pelas necessidades de afirmação da criança, e não pelas características educativas desses espaços ou momentos. A sala de aula transforma-se assim em mais um momento possível de realização autónoma, e sem regras adultas, das interações entre pares. Muitos alunos têm mesmo sinceras dificuldades 30

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em perceber por que razão os professores interferem nesse processo interativo, “que não tem nada de mal”. Na verdade, corresponde a uma necessidade vital que não encontra, por aprendizagem, outro espaço para se realizar, mesmo que, por vezes, a alternativa possa estar diante dos seus olhos. Esta cegueira é uma cegueira aprendida, e, portanto, tem a vantagem de poder ser desaprendida, só que a escola não tem as características de funcionamento que poderiam facilitar a reaprendizagem da autonomia. Ela teme, tal como a família, os perigos, mais do que a certeza de estar a proceder mal, e até perigosamente mal. O perigo, o risco suposto é, pelos vistos, muito mais ameaçador e muito mais “perigoso” do que o perigo em ato, talvez, precisamente, pela ilusão do poder magnífico que é atribuído à supervisão e às regras dos adultos. Deste modo, é fabricado um conjunto vasto de alunos “bem educados”, que se porta mal. A atenção, a supervisão, o interesse dos pais são prova de boa educação. Aquilo que os prejudica “são as companhias”, dito por outras palavras, a má ges-

tão que fazem das suas interações com os pares. A não ser que se pretenda destruir toda a possibilidade de esses alunos terem “companhias”, o que seria a supervisão levada ao limite da irracionalidade e da desumanidade, não devemos ser tão simplistas. Na verdade, parece precisarem que o espaço de autonomia seja, ele também, supervisionado, isto é: não sabem ser bem educados, embora saibam como é que se faz. No pólo oposto, encontramos os “mal educados”, aqueles que, por falta de condições de supervisão, tiveram de fabricar um conjunto de regras com os seus pares por conta própria. Alguns destes “até não se portam muito mal” na sala de aula, porque lhes é mais fácil distinguir o “seu próprio” espaço, do espaço gerido por adultos. O que surpreende é que, sendo “mal educados”, como é que conseguem ser menos perturbadores do que muitos dos “bem educados”. Na verdade, por via de regra, não se portam tão bem quanto à primeira vista possa parecer: a sua disposição vai mais no sentido de desvalorizar e até desprezar as tarefas e as regras desse espaço adulto, o que, normalmente, 31

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lhes gera limitações nos processos de adesão a atividades de aprendizagem e consequentes dificuldades escolares, de intensidade variável, mas sempre significativas. Se, por qualquer razão, algo os faz “portar-se mal” (adotar comportamentos perturbadores), é este desprezo e esta desvalorização que se tornam evidentes, de uma forma que, o mais das vezes, é sentida pelos professores como extraordinariamente ofensiva. Ainda que este “portar mal” seja menos frequente do que o dos “bem educados”, a intensidade da ofensa cria a ilusão da frequência. De facto, um comportamento desajustado destes alunos “mal educados” pode corresponder a dez ou mais comportamentos desajustados, mas menos graves, dos alunos “bem educados”. Por outro lado, o grau de ofensa, sentido pelo adulto, ou o seu sentido de responsabilidade como educador, que sente como tarefa da sua responsabilidade impedir certos excessos, conduz à alimentação dos comportamentos desajustados destes “mal educados”, por via da sistemática testagem, por vezes, inconsciente, da sua capacidade para respeitar as regras de conduta,

isto é, por via da própria avaliação da consistência das competências comportamentais, supostamente adquiridas por esses alunos. A redução, a tentativa mesmo de destruição, da dinâmica entre contextos primordiais e contextos secundários nos microssistemas não consegue obter um sucesso real e mensurável, como se depreende do dito nos últimos parágrafos. O que acontece é que as instituições educativas ficam do lado de fora dessa dinâmica, mantendo uma ideia residual do que ela possa ser, para efeitos de oratória. Na verdade, ela continua, por força da humanidade dos sujeitos, gerando uma variedade de situações tão vasta quanto os sistemas interativos e dinâmicos podem construir num processo sabidamente aleatório. Os resultados obtidos, ainda por cima, raramente caem na tipologia atrás mencionada. Pelo contrário, não só são inesperados e díspares num tempo dado, como a sua evolução é imprevisível, desatualizando qualquer tentativa de retificação das consequências, que não tenha a coragem de abordar o problema pelo seu lado ecológico, ou bioecológico para ser mais preciso. 32

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SECÇÃO 1

co ambiente que escapou aos problemas que gostaria

Implicações Educativas e Organizacinais

de ver corrigidos fora de si, para não os ter. As famílias, as empresas, enfim, todas as restantes organizações sociais teriam de corrigir-se, para que a escola não precisasse de o fazer. Seguir este caminho seria o mesmo que trilhar uma perigosa senda que remeteria a escola para um lugar sem referências, onde o norte e o sul se misturariam, para o vazio da mais absoluta inutilidade: uma escola, tão perfeita que se afastasse das imperfei-

Não seria completamente ilegítimo pretender que os problemas decorrentes de alterações dramáticas nas dinâmicas dos microssistemas externos - família, vizinhança - fossem objeto de intervenção social no sentido da sua superação, na expectativa de que, por essa via, a escola fosse poupada a ter de os enfrentar. Talvez não seja ilegítimo, mas seria completamente absurdo. É que a escola é, também ela, um microssistema, e as interações entre microssistemas - o mesossistema - são tão dinâmicas e poderosas como as que se estabelecem ao nível de cada microssistema, já não tanto ao nível da interferência direta no comportamento individual, mas mais na forma como cada um dos microssistemas desenvolve a sua dinâmica interna. O absurdo seria construir a ilusão de que a escola é, no atual contexto, o úni-

ções do que a rodeia e lhe dá sentido, seria desejavelmente descartável. Apesar de tudo, faz sentido que nos questionemos sobre o que queremos como modelo de sociedade e, sendo assim, que reflitamos sobre se os modelos macrossistémicos - política de trabalho, de saúde, de educação, de segurança social - não estarão a potenciar perigosamente a destruição dos ambientes ecológicos que julgamos serem os ideais para a formação da juventude. É que as crianças e os jovens não “decidem”, num eventual congresso ou por outros meios, que vão dedicar-se a criar problemas à sociedade (ou à escola) que os recebe, como às vezes parece, se levarmos a sério certas conversas que nós, adultos, vamos tendo entre nós. Pelo contrário, são as crianças que, em primeira mão, so33

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frem os problemas e as disfuncionalidades da socieda-

mais eruditos e muito mais argutos chamam pós-mo-

de de que se pretende que venham a fazer parte inte-

dernismo. Os moinhos de vento só não são castelos,

grante. O sofrimento da escola é um sofrimento em se-

são masmorras pútridas, cheias de nada ou de resíduos

gunda mão, já cheio de tiques e de malformações que

mal espalhados e mal varridos da modernidade, que se

lhe vêm do primeiro uso.

insinuam debaixo de tapetes rotos, para os quais já não

Só que uma abordagem global deste tipo, embora te-

há fio que os cosa: daí, a fragmentação de que nos fa-

nha de estar presente na sua forma de consciência polí-

lam alguns pensadores contemporâneos.

tica, não pode tornar-se num obstáculo intransponível.

Ora, o dinamismo da escola, como microssistema, é,

A reflexão crítica deve, portanto, incidir mais sobre a

cada vez mais, reprodutor daquilo mesmo que se pro-

dinâmica do que sobre os componentes, ou os indivídu-

põe corrigir. Saber ler não é seguramente saber pedir

os, ou os meios de que dispõem os diferentes patama-

ajuda a um professor para associar grafemas e fone-

res do sistema social. É na dinâmica que podemos en-

mas, a cada palavra nova que surja. Pelo contrário, é,

contrar os pontos comuns que nos permitem transitar

tendo aprendido essa tarefa em 28, ou mais ou menos

entre os diferentes níveis do sistema - micro, meso,

palavras, ser capaz de fazer o mesmo em todas as novas

exo, macro e cronossistema - sem cairmos na tentação

que surjam ou venham a ser inventadas. É mesmo não

reducionista dos analistas estreitos. O debate sobre os

ser capaz de fazer outra coisa, ainda que o conjunto de

indivíduos ou os meios deve submeter-se a uma ideia

letras agrupadas não constitua uma palavra genuína. A

de dinâmica e não o contrário10. As políticas educativas

este processo, chama-se aprendizagem significativa,

atuais são inoperantes, precisamente porque partem

isto é, aprendizagem que se estrutura numa memória

do pressuposto de que a manipulação dos indivíduos e

semântica praticamente indestrutível, embora sempre

dos meios vai produzir retificações nas dinâmicas. E

renovável e suscetível de aperfeiçoamento. Distingue-

não produz outra coisa que não seja o conformismo, a

se este tipo de aprendizagens das aprendizagens instru-

ilusão de mudança e a revolta contra essa mesma ilu-

mentais, isto é, daquelas que, organizando-se sobretu-

são, em resumo, um quixotismo invertido, a que alguns

do na memória episódica, são indispensáveis para al34

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cançar as primeiras, mas formam uma estrutura frágil,

direta do professor. Sabe o que o professor ensina, mas

sujeita a processamento intensivo nos períodos de

para saber à sua maneira. O bom aluno é aquele que

sono, responsáveis pelos sonhos, pela criatividade, mas

apoia a aprendizagem instrumental com trabalho autó-

incapazes de sustentar-se a si mesmas. São as aprendi-

nomo. Para alguns deles, momentos relativamente cur-

zagens significativas que as sustentam no tempo, embo-

tos e assíduos de apoio à aprendizagem são o bastante,

ra sejam elas que, a cada momento, ajudam a organizar

para outros esses momentos têm de ser mais longos e

estas aprendizagens significativas.

menos assíduos, e ainda para outros, a gestão desse

Se a escola pretende ser um espaço de aprendizagem es-

apoio é variável consoante a matéria de aprendizagem.

truturada, não pode, nem poupar-se ao trabalho de in-

Mas nenhum dispensa essa gestão. Há ainda um núme-

sistir nas aprendizagens instrumentais, nem insistir de

ro sempre crescente de alunos que, por razões que não

tal modo nelas que reduza as aprendizagens significati-

vão agora ser aqui repetidas, precisam que a sua pró-

vas (de cariz semântico) a processamentos de informa-

pria autonomia seja supervisionada pelos pais ou por

ção de natureza instrumental. Ora, se a aprendizagem

centros de estudo, explicadores ou outros. Na verdade,

instrumental é sobretudo aquilo que o ensino, no seu

este é um dos sintomas mais evidentes de que a escola,

sentido mais restrito, pode assegurar, dependendo por-

ao longo dos vários ciclos de aprendizagem, não dá

tanto da supervisão, a aprendizagem significativa, essa,

oportunidades de gestão autónoma das aprendizagens,

nasce da autonomia do aprendiz, da construção do alu-

isto é, não permite, ou impede mesmo, a aprendizagem

no11. As aprendizagens de valores, de teorias, de concei-

da autonomia. É natural que, nas primeiras idades, a

tos são aprendizagens de tipo semântico. Implicam,

aprendizagem da autonomia careça de supervisão, de

para que sejam estruturantes, a construção do sujeito

ensino instrumental, mas começa a ser preocupante

aprendiz. Por outras palavras, implicam autonomia,

que alunos com 12, 13 anos e, pior ainda, com idades

isto é, trabalho mental sem supervisão direta e simultâ-

mais avançadas ainda se sintam completamente despro-

nea. O bom aluno é aquele que adquire as aprendiza-

tegidos na sua autonomia.

gens por via do ensino e as organiza fora da supervisão 35

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Ora, a escola tem de se organizar de modo a promover

pela impossibilidade prática de essas modalidades de

as aprendizagens instrumentais e as aprendizagens es-

intervenção se universalizarem a todos os alunos. As-

truturantes. Para isso, não pode ter o modelo rígido de

sim, não sendo atividades disponíveis para todos os

funcionamento que lhe conhecemos atualmente. Diga-

que delas necessitam, e não sendo aproveitadas por to-

mos, para abreviar, que não se superam as limitações

dos para quem são disponibilizadas, têm o mérito de se

da escola criando “salas de estudo”, “estudo acompa-

constituírem como mais uma oportunidade para articu-

nhado”, “aulas de apoio”, num contexto em que tudo o

lar aquilo que não deveria ter sido desarticulado, isto é,

que seja criado de novo acaba sempre por fortalecer a

de se constituírem numa poderosa afirmação da buro-

rigidez daquilo que já existe e parece insuficiente. Estas

cracia auto-justificada e auto-alimentada.

compensações só compensam aqueles alunos que, por

Ao nível da indisciplina, sobretudo aquela que se mani-

mérito próprio, são pouco afetados pelas limitações da

festa de baixa intensidade e de alta frequência, este mo-

escola. Os outros, muitas vezes, evitam confrontar-se

delo de escola pulverizado para fora das equipas educa-

com a confirmação da sua incompetência que estas es-

tivas, descentrado da sua atividade nuclear, é particu-

tratégias compensadoras se limitam a pôr em evidên-

larmente gerador de problemas e incapaz de enfrentar

cia. Compensar um erro não é corrigi-lo, é tentar man-

com sucesso aqueles outros que possam ser gerados ou

tê-lo, disfarçando-o tanto quanto possível, nem que

potenciados no seu exterior.

seja só através da hiperatividade burocrática ou da hiperventilação dos agentes compensadores. Os conceitos de sala de estudo, de estudo acompanhado e de apoio educativo dão conta da insuficiência do modelo de escola que temos, mas não são compatíveis com ele. Em aplicação, limitam-se a acrescentar às dificuldades já existentes algumas mais. Este acrescento de dificuldades é, apesar de tudo, invisibilizado e até camuflado

Seria insensato supor sequer a possibilidade de uma organização social alcançar um ponto tal de perfeição que anulasse todos os tipos de conflitualidade no seu interior ou na sua relação com o exterior. Não só seria insensato como, no limite, seria opressor e perigosamente inibidor do desenvolvimento e melhoria da própria organização. Essa “perfeição” só poderia ser a mais abominável imperfeição. Não se tratará, aqui, portanto, de 36

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encontrar um modelo de organização da escola que saia em busca dessa quimérica perfeição. Pelo contrário, o modelo, que aqui se pesquisa, procura, sobretudo, ser um modelo que suporte com eficiência a dinâmica da escola, não que solucione os problemas de hoje ou de amanhã, mas que se dote dos meios necessários para os superar, ao nível do seu próprio funcionamento.

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C APÍTULO 3

A Proposta

O modelo de escola aqui proposto procura deliberadamente ser um modelo de dinâmica, isto é, um modelo funcional, operatório, mais do que um modelo puramente conceptual ou abstrato.

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A P ROPOSTA

O modelo de escola aqui proposto procura deliberadamente ser um modelo de dinâmica, isto é, um modelo funcional, operatório, mais do que um modelo puramente conceptual ou abstrato. Esta opção não significa a ausência desse conceito de escola, mas uma opção de economia, tendo em conta o propósito deste documento.

Ora, precisamente, o que aqui se propõe é uma alteração radical deste estado de coisas. Trata-se de uma proposta que deve enformar o projeto educativo da escola e traduzir-se em planos anuais de atividades que correspondam à execução anual do projeto, por um período estimado de quatro/ cinco anos.

Nos capítulos anteriores, a crítica ao funcionamento atual da escola, em resumo, aponta para a denúncia de uma dinâmica, em que os circuitos de informação e de gestão do quotidiano provocam “engarrafamentos”, disfunções, que, para além de criarem enormes dificuldades à direção da organização, afastam os professores, no seu tempo não letivo, para fora do centro da sua atividade profissional nuclear. Com efeito, nesses tempos, os professores continuam, muitas vezes, a dedicar-se a atividades com alunos, desde que não façam parte da suas turmas.

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SECÇÃO

conceitos de senso comum em uso genuíno na língua portuguesa.

1

Unidades de Funcionamento

As unidades de funcionamento devem aproximar-se o mais possível de uma posição isomorfa da atividade nuclear da escola - ensinar e aprender. As culturas, em cuja base linguística os conceitos de educar e instruir, e os de ensinar e aprender adquirem matizes que, ou os reduzem artificialmente um ao outro (“educado” como sinónimo de “instruído”), ou os juntam numa mesma palavra (“apprendre” como significando aprender e ensinar), dominam as investigações científicas sobre estes conceitos, como é compreensível. Para evitar malentendidos, os termos “ensinar” e “aprender”, neste documento, correspondem aos

Por outro lado, considera-se que a função educativa do professor corresponde a uma inevitabilidade que resulta da sua função de ensinar. Fazer apelo a essa função educativa no professor significa sobretudo fazer um apelo à tomada de consciência sobre essa inevitabilidade. Dito de outro modo, evitar essa tomada de consciência não tem qualquer impacto na redução da função educativa, só a remete para a inconsciência, com todos os riscos que isso comporta. Consequentemente, ser-se bom professor implica ser-se um educador consciente, não sendo, todavia, verdade o inverso. Nesta ordem de ideias, a componente educativa do professor deve traduzir-se na criação de condições favoráveis à aprendizagem, seja no domínio dos conhecimentos e informações culturalmente relevantes, seja no domínio do contexto em que ela se realiza, ao nível das condutas dos alunos e dos professores, dos materiais, da qualidade da comunicação e por aí fora. 40

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Ora, em resumo, a atividade nuclear da escola, aquela que lhe dá algum sentido distintivo de outras também informativas e educativas, é justamente a de ensinar e aprender em condições favoráveis, significando, em coerência com o acima enunciado, que ela não é nunca completa - na verdade, não será nada - se algum dos três elementos que a compõem (ensinar, aprender e condições favoráveis) estiver ausente. Discutir analiticamente cada um desses conceitos e encontrar um solução para eles, na tentativa de fundamentar previamente um modelo de funcionamento de escola, seria uma das tais tarefas ciclópicas que nunca estaria concluída, e, ou a solução seria uma dissolução dos conceitos num ou vários preconceitos, ou a busca de solução seria o seu adiamento permanente. Por estas razões, aqui muito sinteticamente expostas, alimento a crença de que quaisquer que sejam as teorias científicas, ideológicas ou outras, e sendo elas sempre provisórias, a escola deve procurar instaurar dentro de si mesma, através do seu modelo de funcionamento, as condições práti-

cas para responder o mais eficientemente que lhe seja possível à evolução inevitável das sociedades, fortalecendo, a cada passo, a sua atividade nuclear. Assim, ๏ As equipas educativas devem ser a estrutura funcional nuclear da escola. A) Por equipa educativa entende-se um conjunto de alunos, professores e auxiliares de educação que desenvolvem, em conjunto, a atividade nuclear da escola. Não coincide este conceito de equipa educativa com a prática atual que a identifica com o grupo de professores que trabalham com os mesmos alunos. Pelo contrário, a equipa educativa é aqui concebida como uma unidade funcional para realização de todas as tarefas que possam caber nessa atividade central da escola. B) O conceito de estrutura funcional nuclear corresponde, por outro lado, à base estrutural de todo o edifício organizacional da escola. Na verdade, significa a sua sobreordenação face a qualquer outra estrutura: departamento curricular, grupo disciplinar, clubes, etc. 41

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๏ As equipas educativas devem ser dimensionadas, a partir do número de alunos a envolver em cada uma delas. Nos documentos legais reguladores do “lançamento do ano letivo”, surge, desde há vários anos, a indicação de que a constituição das turmas deve resultar da definição prévia das equipas educativas. Esta orientação tem sido obviamente absorvida da única forma que é possível, não lhe sendo dada qualquer relevância. Com efeito, as atuais práticas de formação de turmas e de organização de equipas educativas não se compaginam, de modo a viabilizar a concretização dessa orientação talvez bem intencionada, mas sem nexo no atual contexto escolar. No entanto, sendo corrigidas essas práticas, esta orientação adquire todo o sentido. Assim, as equipas devem dispor dos recursos humanos, materiais, e eventualmente outros, que se ajustem às necessidades de, aproximadamente, 100 a 200 alunos. A formação de grupos de identificação mais reduzidos (“turmas”) é, tudo leva a crer, muito útil, mas deve resultar da constituição das equipas e

não o inverso. A formação de grupos de trabalho (os grupos reduzidos mais importantes) deve responder, como veremos, à avaliação dos níveis de autonomia na realização das tarefas escolares, quer dos professores, quer dos alunos, isto é, as condições subjetivas de ensino e de aprendizagem devem ser valorizadas, mais do que as condições que resultam daquilo que cada um pensa que sabe objetivamente. Por exemplo, ser capaz de aprender, de realizar uma tarefa de aprendizagem, sem supervisão de um adulto é um critério mais seguro para organização dos grupos de trabalho do que a avaliação do que já se sabe. ๏ As equipas educativas devem ter níveis de autonomia alargados no interior da organização escolar. Numa escola com um pouco mais de 1 000 alunos, podemos antever a necessidade de 8, 9, talvez, 10 equipas educativas. Isto corresponderia à criação de igual número de coordenações, em substituição dos atuais cerca de 50 diretores de turma12 que tal número de alunos implica. Ora, ser-se coordenador 42

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num quadro deste género não poderá ser um apêndice, nem sempre fácil de plantar, num vasto conjunto de outras atividades. Deve dedicar-se por inteiro a essa tarefa, o que, de modo nenhum, implica que deixe de ter responsabilidades letivas, antes pelo contrário. Por outro lado, admitindo a redução ou eliminação mesmo da democracia representativa na escolha do coordenador da equipa educativa, tal como já sucede atualmente em todos os cargos de responsabilidade, é vital, para a eficiência da escola, que seja cultivada a democracia participativa. Assim, devendo o coordenador reportar diretamente ao diretor da escola, sendo mesmo escolhido por ele, faz todo o sentido que o diretor não tenha de se envolver na gestão do quotidiano da equipa. Pelo contrário, deve manter a distância prudente, que lhe permita intervir sensatamente, em caso de necessidade imperativa. A autonomia, a que aqui se faz referência, é a de elaborar e gerir os horários dos professores e dos alunos, de os ajustar às necessidades da equipa, de flexibilizar a gestão dos currícu-

los, de organizar atividades de enriquecimento, de apoio à aprendizagem, de retificação de condutas indesejadas, etc. ๏ Os coordenadores das equipas educativas devem constituir o principal órgão de assessoria do diretor de escola. Em coerência com o que é afirmado antes, o diretor deve ser, antes de tudo o mais, o gestor de última instância, não o de primeira, da atividade nuclear da escola. A sua equipa de assessores deve, portanto, formar-se a partir das unidades funcionais nucleares, assegurando-lhe os meios que lhe permitam exercer as suas funções, recorrendo o menos possível a informações avulsas. ๏ Devem ser criadas outras unidades funcionais, para além das equipas educativas. As equipas educativas devem ser estruturadas em torno do core curricular de cada ciclo de estudos ou de cada curso, pelo menos numa primeira fase de mudança. A opção por outras unidades funcionais deve corresponder a uma afirmação da identidade da escola. Assim, pode ser cri43

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ada a unidade de desporto escolar, de artes visuais, de artes de palco. De qualquer modo, a escola deve limitar o número destas unidades a não mais de 3 ou 4 em cada ciclo de estudos. ๏ A articulação entre as Unidades Funcionais Nucleares e as outras Unidades Funcionais deve ser dirigida pelas equipas educativas. Por outras palavras, todos os alunos devem, naturalmente, ter acesso ao currículo nacional e ao currículo específico da escola, através de uma gestão a ser conduzida pelas equipas educativas. São estas que se responsabilizam pela inscrição de cada aluno nas atividades adicionais, são elas que recolhem os elementos relativos à participação de cada aluno nessas atividades, são elas, também, que, em última instância, procedem à avaliação de cada aluno, tendo em conta a informação recolhida. ๏ Os departamentos curriculares/grupos disciplinares devem dedicar-se exclusivamente à promoção da qualidade científica das disciplinas lecionadas. Todos os professores da escola devem participar em ativida-

des de aprofundamento dos seus conhecimentos científicos. De acordo com um plano anual, tendo em conta as afinidades científicas entre eles, os professores devem levar a cabo e participar em 1 ou 2 sessões anuais de debate científico no interior da escola. Os departamentos curriculares/grupos disciplinares não devem constituir-se em estrutura de gestão da escola, mas tão só em órgão consultivo ad-hoc, a ser ativado de acordo com as necessidades sentidas pelo diretor. Por outro lado, a sua coordenação deve submeter-se à conveniência da atividade a desenvolver: para uma sessão de debate pode ser escolhido um dos seus elementos, para a seguinte pode ser escolhido outro e, tratando-se de responder a uma consulta do diretor, pode este escolher aquele que entenda. Em resumo, a escola organiza-se, de acordo com este modelo, em torno da sua atividade central ensinar e aprender - e afasta das suas preocupações de gestão aquilo que atualmente a dispersa por um conjunto muito vasto de outras coisas. É 44

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desta recentração que deve resultar a necessidade de levar a cabo outras iniciativas. Assim, se a escola sente que o problema da indisciplina ultrapassa as capacidades de intervenção das equipas educativas, pode criar um pequeno grupo de professores que, escolhidos ou indicados pelos coordenadores das equipas educativas, executem um plano de trabalho com vista à sua superação. É importante que estes professores não percam, em razão desta nova responsabilidade, a sua forte ligação à equipa educativa. Na verdade, um grupo desta natureza deve corresponder à continuação do trabalho que é da responsabilidade das equipas. Pode ter origem simplesmente na cooperação entre duas ou três equipas, sem envolver toda a escola, por exemplo. O mesmo pode acontecer com outras iniciativas, seja de aperfeiçoar o ensino da matemática, ou de promover uma semana cultural. Por outras palavras, mantendo as equipas educativas a sua identidade e a sua autonomia, nada as impede de levar a cabo iniciativas que impliquem a cooperação entre elas. O que importa ressalvar é que a coordena-

ção dessas atividades de cooperação deve ser sempre da responsabilidade dos coordenadores das equipas envolvidas. Um primeiro impacto destas alterações traduz-se numa fortíssima redução da burocracia. O atual aparelho hierárquico e funcional da escola é substancialmente reduzido, quer na sua dimensão, quer nos seus patamares, quer sobretudo na sua redundância. De cerca de 72 coordenadores, numa dada escola, (contando só com os atuais diretores de turma -DT-, diretores de curso -DC-, coordenadores de departamento - CD) reduz-se para cerca de 14 coordenadores; por outro lado, o mais importante é que as sobreposições que atualmente existem entre DT, DC, CD são anuladas. Está obviamente subjacente a esta proposta a ideia de que, se algo deve ser feito para reduzir a burocracia, isso deve começar pela estrutura hierárquica ou funcional do exercício de poder, por muito que este não ultrapasse muitas vezes uma formulação mais simbólica do que material.

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SECÇÃO

2

Aspetos Organizacionais

Neste documento, é proposta uma mudança muito significativa no funcionamento da escola, tendo em vista, não só, como poderia sinalizar o tiro de partida, a superação de problemas associados à gestão da disciplina, mas também muitos outros, sobretudo os que derivam de uma preocupação consequente com a eficiência da escola para todos. Na verdade uma “escola eficiente só para alguns” é, pela sua própria natureza, ineficiente, porque começa por não cumprir a sua missão, subjugando a sua tarefa àquilo que pensa ser capaz de fazer: até muitos alunos com dificuldades deixariam de as ter, pelo simples facto de seguirem o mesmo princípio. Pode uma escola des-

sas ser eficaz, no sentido de rentável do ponto de vista do dinheiro que gasta, mas será ineficiente, no sentido de a sua ação ser apreciada do ponto de vista do que deveria realizar com eficácia. Uma das alterações sistémicas, que foi propositadamente deixada para este momento, tem a ver com a hierarquização de valores nas nossas sociedades ocidentais. O apelo institucional ao respeito pelos direitos humanos, pela solidariedade, pela paz, pela educação e saúde para todos, pelo direito à habitação, pela justiça e por aí fora, subordina-se sistematicamente a um valor mais alto: o valor atribuído ao dinheiro13. Os direitos humanos, a educação, a paz, o combate à pobreza, entre outros, são valores que muitos estão dispostos a não ter em conta, se da sua valorização resultarem dificuldades financeiras ou económicas. A educação, assunto que nos interessa aqui, está, portanto, mais ao serviço da economia do que o inverso. Pensou-se, pelos vistos erradamente, que a transferência para a dimensão humana de valores anteriormente, de algum modo, despejados sobre nós, a partir de origens transcenden46

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tes, seria uma forma de combater eficazmente o fundamentalismo, o poder arbitrário e desumano, tradicionalmente praticado pelos agentes oficiais da transcendência. Só que, talvez por incapacidade de transitar de um para outro modelo de ética e de política, vivemos um tempo em que uma nova divindade politeísta, arbitrária, desumana e olimpicamente desinteressada pelas pessoas, rege as nossas tábuas de valores: os mercados, seja lá o que isso for. Ora, num contexto desta natureza, que aqui não é descrito em toda a sua violência para evitar uma derivação que fomente paixões discordantes, a escola deve repensar-se, de forma a não se esconder numa estufa de cultivo do civismo, da liberdade e da democracia. A escolarização destes valores, como de todos os outros, separada da vida concreta, só pode ter efeitos nefastos, identificando-os com algo de abstracto e só aplicável em ambientes transitórios e contingentes. Pelo contrário, eles devem ser parte integrante da vida da escola, para que possam, legitimamente, ser objeto de re-

flexões académicas elaboradas e conscientemente assumidas. Nesta ordem de ideias, a organização da vida da escola, centrada, como já se percebeu, em Equipas Educativas agrupando alunos, professores, e auxiliares de educação, como veremos, deve ajustar-se aos princípios de liberdade, autonomia, responsabilidade e justiça. Na verdade, este é o meu conceito de democracia que melhor se aplica a uma instituição do tipo da escola, porque apela mais à participação do que à representação. Respeitando obviamente o core curricular nacional, cada equipa deve ter um projecto próprio e autónomo, que defina: 1. O emprego do tempo e a sua gestão flexível 2. Os critérios de autonomia conducentes à realização de actividades sem supervisão direta 3. A gestão do tempo de cooperação: a.

Entre alunos

b. Entre alunos e professores c.

Entre professores 47

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4. A cooperação com outras equipas educativas, ou unidades de funcionamento da escola 5. A participação em projectos locais, regionais e nacionais. Deste modo, deve, para cada unidade de ensino, ficar claro o que será objeto de informação por parte dos professores e o que deve resultar da pesquisa e estudo autónomo dos alunos. Deve também ser claro o compromisso de, através da cooperação entre alunos e/ou entre alunos e professores, acompanhar aqueles que, num momento ou noutro, não demonstram possuir a autonomia necessária para desenvolver a sua própria actividade. Deve ser também definido o conjunto de acções a levar a cabo, de forma a apoiar alunos com dificuldades no acesso às aprendizagens escolares e/ou na sua conduta. Esta forma de organização é compatível com a formação de grupos de dimensão e constituição variáveis. Por exemplo, se, para lançar uma determinada unidade de ensino, o professor pode organizar sessões para 50 ou mais alunos (dependendo do espaço disponível), já para acompanhar os que revelam mais dificuldades, ou

orientar os mais autónomos, ou fazer sessões de aprofundamento, o professor pode trabalhar com grupos com menos de 10 alunos. Por outro lado, a cooperação com outras equipas educativas ou unidades funcionais, com iniciativas locais ou nacionais, deve ser sempre subordinada ao projecto de cada equipa e ao seu desenvolvimento, em cada momento. Este modelo organizacional implica que o tempo de permanência na escola de alunos, professores e auxiliares de educação de uma dada equipa seja coincidente. As faltas dos professores, por exemplo, deixam de ser um problema para poderem ser mesmo uma oportunidade de enriquecimento. A gestão das faltas dos alunos e professores pode adquirir uma dimensão humanizada, compreensiva e auto-regulada. Os processos de ensino e aprendizagem, podendo ser muito mais exigentes, em alguns casos e para alguns alunos, do que são actualmente, não terão de ser, por esse motivo, opressores. Se alguma pressão é inevitável, ela deve resultar da natureza complexa do assunto a aprender e não da relação direta com o 48

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professor que, ele, deve ser sempre o que ajuda a aprender. Por outro lado, cada equipa educativa deve dispor de um espaço próprio. É a ela que deve competir mantê-lo organizado, limpo, acessível e agradável. É a ela também que compete gerir a sua ocupação ao longo do tempo. Haverá sempre a necessidade de partilhar espaços da escola, comuns a várias equipas (salas específicas, logradouro, sala de alunos, refeitório, etc.), mas a aprendizagem do estar-com-os-outros implica necessariamente a partilha de um espaço comum e exclusivo, com regras próprias conducentes à preservação do bem-estar. A diluição desta responsabilidade pela ocupação de espaços de todos e de ninguém é a pior forma de educar os mais novos. Por outro lado, as proibições, as limitações de ocupação dos espaços de sala de aula, ou outros, associadas à ausência de responsabilidade identificada por atribuição, só conseguem constituir-se em factores que promovem a indisciplina e o mal-estar.

cação que exerça efetivamente essa função. Fazendo parte do grupo de adultos, o auxiliar de educação deve ser capaz de orientar e enquadrar os alunos em muitas das suas actividades. Esta é a tarefa que esses profissionais devem realizar a tempo inteiro, em cooperação com os professores e com os alunos. Finalmente, o coordenador da equipa deve ser o dinamizador de toda a actividade e desempenhar um papel de afastamento da burocracia e do poder burocrático das preocupações dos elementos da sua equipa. Responde perante o diretor de escola e é o responsável pela avaliação do desempenho de todos os profissionais que constituem a equipa educativa.

Vem agora a propósito dizer que cada equipa deve integrar, pelo menos, um auxiliar de edu49

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C APÍTULO 4

Apêndice Remediativo

Não se deve esperar de mim, e por conseguinte deste documento, que, ao nível das ideias, seja solidário, conciliador e muito menos consensual.

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Mesmo na ausência de uma política nacional reformista, capaz de liderar um projeto da natureza daquele que é aqui muito sumariamente apresentado, a escola, cada escola, pode assumir estas linhas gerais como suas. Só que seria contraproducente que um projeto desta natureza não envolvesse conscientemente todos os elementos da comunidade educativa. Seria contra a sua matriz que, alguma vez, alguém o impusesse aos outros. No quadro de uma política nacional, falta aqui falar da reorganização administrativa, ao nível das estruturas do poder central e local, que deveria acompanhar as mudanças propostas. No quadro de um projeto de escola, falta aqui operacionalizar o conjunto de tarefas e debates a empreender para as implementar de forma proveitosa. Não se deve esperar de mim, e por conseguinte deste documento, que, ao nível das ideias, seja solidário, conciliador e muito menos consensual. Pelo contrário. Já ao nível das atitudes e comportamentos, esses valores fazem parte daqueles que apreciaria que me fossem reconhecidos, tal como os aprecio nos outros. Seria, todavia, possível que

este documento fosse conciliador ou consensual, sem qualquer ofensa aos meus princípios, se tivesse assumido a tarefa de conciliar propostas ou debates já tidos, ou em curso. Ora, não é isso o que acontece: não só o debate sobre estes assuntos não faz parte das preocupações explícitas dos professores, como está completamente excluído do debate público. Nestas condições, é imperativo que nenhuma das sugestões, aqui apresentadas, seja seguida sem o debate prévio que isso implica necessariamente, para que se encontrem, aí sim, as perspetivas conciliadoras e consensuais. Faz, então, algum sentido que este documento, o que vai ser entregue para apreciação dos meus colegas de Departamento Curricular, não prossiga o caminho que lhe seria mais natural, mas que empreenda um desvio pragmático no sentido de, provisoriamente, encontrarmos alguns remédios que ajudem a minimizar os sintomas, e (quem sabe?) talvez, assim se encontre uma motivação adicional para aprofundar a reflexão sobre a Escola. 51

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SECÇÃO

Questões prévias:

1

Intervenção Educativa em Problemas de Comportamento

Será adoptada, a partir de agora, uma modalidade mais esquemática do que discursiva de apresentação de um modelo de intervenção educativa em problemas de comportamento. Na verdade, esta opção resulta, em grande medida, de uma vontade de economia de esforço14, reconhecendo como reconheço os limites do modelo de intervenção, numa organização que o dificulta mais do que o pode promover. Mesmo assim, a experiência diz que, utilizado de uma forma adaptada às circunstâncias, este modelo de intervenção pode dar resultados muito positivos.

✓Os comportamentos perturbadores não são comportamentos bizarros ou estranhos à espécie humana. O que melhor os distingue é a intensidade e/ou a frequência, não a sua natureza. Alguns comportamentos perturbadores são mesmo vantajosos para o indivíduo e para a sociedade. ✓Relacionam-se sempre com características individuais. Actualizam-se e afirmam-se sempre em contextos sociais. Há contextos que promovem comportamentos perturbadores. Há contextos que inibem comportamentos perturbadores. ✓Tem sentido enquadrar os comportamentos problemáticos dos alunos num contexto social mais vasto do que a Escola. ✓Não tem sentido pensar ou agir como se o contexto escolar não devesse ter condições para deixar de ser também uma das raízes dos problemas. ✓O contexto escolar não é menos disfuncional do que o de outras organizações sociais.

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✓O contexto escolar dispõe de meios para mais facilmente superar as suas disfuncionalidades do que a maioria de outras organizações sociais. ✓O contexto escolar não consegue garantir a funcionalidade de outras organizações sociais, como a família.

✓Comportamentos perturbadores que exigem cuidados diferenciados ✓Comportamentos perturbadores associados a um ambiente de difícil gestão emocional (para professores e alunos). Fundamentos Educacionais.

✓O contexto escolar consegue criar um ambiente educativo mais apropriado, se assim quiser.

Independentemente da gravidade dos comportamentos devemos reconhecer que:

✓O contexto escolar não resolve os seus problemas, enquanto estiver à espera que outras organizações, como a família, resolvam os seus.

✓Comportamentos perturbadores de tipo semelhante ocorrem em quase toda a gente.

✓O contexto escolar resolve muitos dos seus problemas, se se focar na sua tarefa e se apostar na criação de um ambiente organizacional adequado ao nosso tempo. ✓Um dos problemas mais graves do contexto escolar é manter a esperança de que melhorar coisas erradas seja o mesmo que cometer erros profissionalmente valorizados. Para superar os aspetos disfuncionais do ambiente escolar, para além do que é dito em capítulos anteriores, é vital distinguir:

✓Mesmo os comportamentos mais extremos servem algum propósito para o indivíduo (são adaptativos). ✓Tendo diferentes propósitos, nem sempre o mesmo comportamento reage de igual modo à mesma estratégia. Princípios ✓Encorajar o comportamento ajustado e promover a participação do sujeito em tarefas significativas.

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✓Nem todos os comportamentos perturbadores são prioritários numa tentativa de modificação do comportamento ✓A forma mais eficiente de reduzir um comportamento indesejado é substituí-lo por uma mais ajustado.

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Consequências Imediatas

S ECÇÃO 2

Plano de Intervenção

Princípio fundamental: O comportamento excessivo deve deixar de ser funcional para o aluno (não pode ter uma consequência imediata para o aluno, o que não é a mesma coisa que ignorar o comportamento). Normalmente é necessário controlar todo o grupo de alunos e responsabilizá-los por alimentarem com as suas reações o comportamento desajustado do colega.

Prevenção no Curto Prazo

Alternativas Ajustadas

A. Medidas ecológicas

Princípio geral: o aluno deve aprender a substituir o comportamento excessivo por um mais adequado.

✓As condições ambientais devem ser organizadas de modo a reduzir a probabilidade do comportamento indesejado ✓O aluno não deve ser confrontado com situações de risco que não consiga ainda controlar

Procedimentos de modificação de comportamento Gestão do reforço:

Supervisão apertada

Em situações de ensino formal

Enquanto o aluno não for capaz de ajustar certos comportamentos, pode ser necessária uma supervisão próxima que iniba o comportamento ao seu primeiro sinal.

Em outras situações, em que os comportamentos excessivos acontecem.

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✓Identificação das condições precisas em que o comportamento pode/não pode ocorrer

Prevenção a Longo Prazo Princípio fundamental: Identificar padrões de dificuldades no comportamento, em resultado sobretudo:

✓Gerar hipótese relativas às possíveis vantagens dos comportamentos desejados

✓Défice de empatia pelos outros

✓Reuniões da equipa responsável para avaliação de resultados (o que se deseja/o que já se conseguiu)

✓Juízos deficientes sobre as consequências dos seus actos

✓Elaboração/Reelaboração do plano de intervenção

Programa de formação, com colaboração da comunidade: alteração do estilo de vida

✓Identificação de procedimentos para avaliar os resultados da intervenção

✓Debilidades no controlo de impulsos

Níveis de gravidade dos comportamentos: Passos a respeitar num Plano de Intervenção ✓Identificação dos comportamentos excessivos prioritários para a intervenção (não mais do que 2 ou 3); ✓Descrição rigorosa dos objectivos comportamentais desejados;

Nível 1: Comportamentos perigosos que colocam em risco a vida do próprio ou de outros (intervenção urgente) Nível 2: ✓

O comportamento prejudica a aprendizagem

O comportamento pode agravar-se e tornarse mais complicado num futuro próximo 56

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O comportamento é muito incómodo para colegas e professores

Nível 3: ✓

O comportamento excessivo reflecte um “desvio normal”

O comportamento não piora nem melhora

O comportamento prejudica a integração social

Uma melhoria no comportamento pode ter consequências positivas imediatas em outras áreas.

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S ECÇÃO 3

Modificações ecológicas individualizadas

Intervenção Ecológica

Factores: espaço/tempo, actividade

Factores relacionados com a tarefa

Alterações na posição e na postura

Alterações do calendário ou sequência das actividades

Interrupção da resposta

Avaliação global: Identificação dos antecedentes que ocorrem antes do comportamento problemático; ✓

Sinais do aluno

Circunstâncias do contexto

Consequências e Gestão de Crises Princípios a respeitar na gestão dos castigos: ✓As consequências punitivas devem ser aceitáveis para qualquer aluno

Previsão do tipo e gravidade do comportamento: ✓Identificação das situações em que o comportamento é menos provável ✓Alterações ambientais

✓As consequências punitivas devem ser consideradas como próprias do ambiente em que são aplicadas. Orientações gerais: ✓A pessoa castigada deve saber o que deveria ter feito como alternativa ao comportamento desajustado 58

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✓O castigo deve ser identificado com as condições objetivas (pessoas, local) ✓O castigo não deve acentuar um eventual desequilíbrio emocional do aluno

O aluno deve ser readmitido, depois de explicitamente assegurar que se sente preparado para retomar a atividade.

Períodos breves de isolamento para realização de tarefas podem ser repetidos durante alguns dias seguidos.

✓O castigo não deve gerar habituação ✓O castigo não deve potenciar outros comportamentos indesejáveis.

Castigos - Técnicas específicas: Exclusão da atividade para comportamentos muito agressivos: ✓

Alguém deve acompanhar e orientar o aluno durante o período de exclusão

O objetivo da exclusão deve ser o de o aluno aprender a utilizar o tempo de isolamento para se auto-regular e a evitar situações que ele próprio não controla.

O tempo de exclusão não tem de ser longo, nem tem de coincidir com o período de uma aula.

Repreensão verbal: para alunos que, embora apresentem comportamentos desajustados, mantêm relações sociais positivas e que estão motivados para agradar aos outros. Restrição contingente do comportamento (de curta duração): ✓

É um castigo de peso médio (pode mesmo não ser identificado como castigo)

Duração: curta, imediatamente a seguir ao comportamento indesejado.

Gestão das Crises: Os procedimentos de gestão de crises não são uma intervenção, no sentido em que não é suposto terem um impacto direto na ocorrência posteri59

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or do problema. O seu único objetivo é parar um comportamento que pode ser, ou já é, muito prejudicial para o próprio ou para os outros. Tendo em conta os antecedentes, a gestão das crises deve ser, sempre que possível, preparada pelo adulto previamente. O procedimento geral envolve uma restrição física do aluno. Mas a gestão das crises nunca pode transformar-se num campo de batalha em que um dos elementos tem de sair vencedor.

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Gestão dos reforços:

S ECÇÃO 4

Aquisição de Comportamentos Ajustados

✓Seleção dos comportamentos prioritários (poucos) ✓Gestão de reforços (gestão de pontos, de fichas, etc.) ✓Evolução no tempo e adequações do programa de reforço ✓Consolidação do comportamento

A. Técnicas de Reforço

✓Avaliação e autonomização

Técnicas de Modificação do Comportamento:

✓Generalização.

Reforço positivo

Reforço negativo

Estilo de Vida (intervenção ecológica)

Reforço positivo: aumenta a probabilidade de ocorrência de um comportamento desejado, através de uma consequência agradável. Reforço negativo: aumenta a probabilidade de ocorrência de um comportamento desejado, através do evitamento de uma consequência desagradável.

Organização e gestão da vida diária do aluno tendo em conta: 1. As pessoas a. Elementos que 1. Fazem parte 2. Vai passar a fazer parte 3. Vai deixar de fazer parte da vida do aluno

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2. Coisas a que

Código de Conduta

1. Tem acesso 2. Pode deixar de ter acesso

Um código de conduta deve submeter-se a um único princípio geral que deve ser explícito parta todos:

3. Não tem acesso 4. Pode vir a ter acesso

Valorização dos alunos, através da promoção da sua auto-imagem e auto-estima, e da escola.

3. Atividades que 1. Realiza

Deve ser considerado inadequado qualquer comportamento de professores, alunos ou funcionários que não respeite este princípio geral.

2. Vai passar a realizar 3. Vai deixar de realizar

A gravidade dos comportamentos deve ser avaliada em função da escala de níveis de comportamento desajustado, acima enunciada. Esta escala deve ser pública.

Pressupostos: ✓Prioridades ✓Calendarização ✓Distribuição de responsabilidades ✓Definição dos espaços e tempos de autonomia ✓Organização de um plano de vida diário.

Os alunos, professores e funcionários devem conhecer e pôr em prática um modelo explícito de intervenção no comportamento desajustado. A escola deve elaborar um pequeno documento em que enumera a tipificação de castigos que se situam fora de procedimentos disciplinares formais, como atrás se refere. Os procedimentos disciplinares formais devem ser reservados para situ62

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ações muito graves e devem deixar de ser divulgados por toda a escola, restringindo-se ao foro do aluno em causa, da sua família, dos adultos envolvidos e da direção da escola. Em resumo, o código de conduta, se houver acordo, pode ser constituído pelo enunciado do seu princípio geral, pela definição dos níveis de desajustamento dos comportamentos perturbadores e pela enunciação da tipologia de medidas apresentadas neste documento, a saber: “Níveis de gravidade dos comportamentos: Nível 1: Comportamentos perigosos que colocam em risco a vida do próprio ou de outros (intervenção urgente) Nível 2: O comportamento prejudica a aprendizagem

Nível 3: O comportamento excessivo reflecte um “desvio normal” O comportamento não piora nem melhora O comportamento prejudica a integração social Uma melhoria no comportamento pode ter consequências positivas imediatas em outras áreas. Princípios a respeitar na gestão dos castigos: As consequências punitivas devem ser aceitáveis para qualquer aluno As consequências punitivas devem ser consideradas como próprias do ambiente em que são aplicadas.

O comportamento pode agravar-se e tornarse mais complicado num futuro próximo O comportamento é muito incómodo para colegas e professores 63

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Orientações gerais: A pessoa castigada deve saber o que deveria ter feito como alternativa ao comportamento desajustado O castigo deve ser identificado com as condições objetivas (pessoas, local) O castigo não deve acentuar um eventual desequilíbrio emocional do aluno O castigo não deve gerar habituação O castigo não deve potenciar outros comportamentos indesejáveis. Castigos - Técnicas específicas: Exclusão da atividade para comportamentos muito agressivos: Alguém deve acompanhar e orientar o aluno durante o período de exclusão O objetivo da exclusão deve ser o de o aluno aprender a utilizar o tempo de isolamento para se auto-regular e a evitar situações que ele próprio não controla.

O tempo de exclusão não tem de ser longo, nem tem de coincidir com o período de uma aula. O aluno deve ser readmitido, depois de explicitamente assegurar que se sente preparado para retomar a atividade. Períodos breves de isolamento para realização de tarefas podem ser repetidos durante alguns dias seguidos. Repreensão verbal: para alunos que, embora apresentem comportamentos desajustados, mantêm relações sociais positivas e que estão motivados para agradar aos outros. Restrição contingente do comportamento (de curta duração): É um castigo de peso médio (pode mesmo não ser identificado como castigo) Duração: curta, imediatamente a seguir ao comportamento indesejado”.

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destine precisamente a gerar acordos e desacordos, como convém, e a encontrar consensos.

Conclusão

O documento aqui apresentado deveria ter sido muito menos longo. Mas algo se perderia com essa restrição que não quis impor a mim mesmo. Por um lado, porque não está na minha natureza poupar argumentos, por outro lado, como já foi dito, porque o acaso fez com que me fosse necessário escrever algo com objetivos próximos, mas para destinatários diferentes, no mesmo período aproximado de tempo. Embora o documento seja escrito como se não houvesse alternativa, porque assim me parece que deve ser, isso não quer dizer que ele não se lxv

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NOTAS FINAIS 1

Não vem aqui ao caso discutir se uma organização como a escola deve assentar fundamentalmente numa democracia representativa ou participativa. Para que conste, fique aqui registado que defendo que a democracia representativa que caracterizava a escola há alguns anos atrás não responde de forma tão satisfatória às necessidades do nosso tempo, como poderá responder uma democracia participativa. O que aconteceu foi que a democracia representativa foi completamente destruída, e, em seu lugar, ficou nada, a não ser o aumento de autoridade do diretor, para nada, se tomar consciência do caráter ciclópico, gigantesco e vesgo, das pressões normalizadoras. 6

Este texto é integralmente redigido sem recurso a consultas

bibliográficas ou outras. Sendo escrito, sem mediação de outro qualquer instrumento que não seja o meu pensamento e as teclas de um computador, não carece, portanto, do sempre erudito e bem apessoado processo de referenciação. No entanto, isso não significa ausência de influência prévia de leituras de muitos autores e de partilha de reflexões com muita gente. “A Declaração de Salamanca” e o respetivo “Enquadramento da Ação” foram subscritos por 92 governos e 15 organizações internacionais, em Junho de 1994. Estes documentos representam um consenso mundial sobre as futuras orientações da educação das crianças e jovens. 2

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É bom de ver que aqui é adotado o conceito weberiano de burocracia.

Se não ficou claro antes, agora entende-se melhor como a componente dos professores é pulverizada e se torna instável, pouco presente, na relação pedagógica com a componente dos alunos. 7

Não vem aqui ao caso falar das remunerações que, em contrapartida, foram instauradas de forma seletiva e bastante generosa. Com efeito, elas ajudam a compreender as opções burocráticas, a que se faz referência em páginas anteriores. 8

O conceito de burocracia de Gournay, no século XVIII, referindo-se à acção dos funcionários dos governos, pode ser considerada precursora, mas não científica, uma vez que fazia mais parte de uma manifestação contestatária, do que de uma verdadeira manifestação de rigor científico, ou de procura dele. 4

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a não ser que o discurso pós-moderno seja precisamente a oratória panfletária, composta de fragmentos que uma qualquer betoneira conformista (pode até ser esta a principal tarefa dos media) se encarregará de transformar em cimento armado, em betão.

Os conceitos de desenvolvimento ecológico, aqui utilizados, são os da Cornell University College of Human Ecology, de que Bronfenbrenner é o mais ilustre representante. 9

Por exemplo: a modernização dos edifícios escolares não deveria ter a única pretensão de atualizar ou melhorar os meios; o projeto deveria estar de acordo com um novo modelo de funcionamento da escola, e deste resultariam os meios e sobretu10

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do a sua afetação. Não sendo assim, como não foi, a modernização só torna ainda mais desesperante o facto de nada de fundamental se ter alterado significativamente na vida da escola. Por outras palavras, os meios tornam-se em fins. Não é que não me apetecesse, mas parece melhor evitar a polémica a respeito do construtivismo na aprendizagem, muito criticado por quem não conhece os seus fundamentos científicos e, sobretudo, por quem se atreve a pensar que este é um assunto, suscetível de legislação. Se confundem aprendizagens estruturais com aprendizagens instrumentais, como aprender a andar com o treino de marcha, então estão a falar da sua própria ideia privada de construtivismo, com a qual, pelos vistos, não concordam. O enigma é mais saber porque têm essa ideia privada, do que detetar a ignorância como fonte renovável de disparates. 11

tem, mesmo que dessa ganância resulte mais prejuízo do que benefício. A avareza transformou-se em generosidade. Reduzir ou eliminar “a zona de conforto” em que vive um miserável ou um desempregado, como se diz nos dias de hoje, passou a ser a manifestação mais grandiosa de generosidade que muitos conseguem imaginar. É para o bem deles, dos desempregados, dos miseráveis, que lhes reduzimos ainda mais os poucos meios de subsistência de que dispõem. Nunca, como nos dias de hoje, a avareza teve um nome tão pomposo. Hoje, como em tempos de má memória e de negritude nos costumes, a solidariedade é uma atividade de opção individual, de voluntariado, porque, se resultar de um desígnio de justiça social, será roubo. 14

Pode mesmo chamar-se “uma certa forma de preguiça”

Numa escola com a dimensão da ESMGA, existem 60 diretores de turma. 12

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O dinheiro tornou-se num valor supremo, de tal ordem que a própria liberdade depende dele e se organiza em seu torno, e isto a tal ponto que aquela de que se fala mais insistentemente é a de ter e de manter todo o que é de cada um, desrespeitando a evidência de que ninguém teria nenhum, se não vivesse em sociedade, ou, todo o que tivesse seria de uma total inutilidade, se não vivesse em sociedade, isto é, se não beneficiasse de um “condomínio” para o qual muitos acham que não devem contribuir proporcionalmente. Sendo um valor supremo, é natural que ninguém queira perder o pouco ou o muito que lxvii

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